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Interamerican Journal of Psychology
ISSN: 0034-9690
rip@ufrgs.br
Sociedad Interamericana de Psicología
Organismo Internacional
Werba Saldanha, Ana Alayde; Fernandes de Araújo, Ludgleydson; Carvalho de Sousa, Valdiléia
Envelhecer com Aids: Representações, Crenças e Atitudes de Idosos Soropositivos para o HIV
Interamerican Journal of Psychology, vol. 43, núm. 2, 2009, pp. 323-332
Sociedad Interamericana de Psicología
Austin, Organismo Internacional
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=28412891013
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R. Interam. Psicol. 43(2), 2009
Revista Interamericana de Psicología/Interamerican Journal of Psychology - 2009, Vol. 43, Num. 2 pp. 323-332
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Envelhecer com Aids: Representações, Crenças e Atitudes
de Idosos Soropositivos para o HIV
Ana Alayde Werba Saldanha1
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
Ludgleydson Fernandes de Araújo
Universidade Federal do Piauí, Parnaíba, Brasil
Valdiléia Carvalho de Sousa
Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil
Resumo
Com o objetivo de identificar as representações emergentes face à infecção pelo HIV em pessoas idosas,
explorando questões de enfrentamento e suporte social, participaram deste estudo 21 idosos soropositivos
na faixa etária de 50 a 72 anos, de ambos os sexos, escolhidos de forma não-probabilística, intencional
e acidental, no ambulatório de um Hospital de Referência em Aids, na cidade de João Pessoa/BR. Para
a coleta dos dados foi utilizada a Técnica de Associação Livre de Palavras, processado pelo software Tri-
Deux-Mots através da análise fatorial de correspondência; e, Entrevistas Abertas, analisadas por Cate-
gorias Temáticas. Emergiram cinco categorias temáticas: Diagnóstico, Vivendo com Aids, Enfrentamento,
Tratamento e Perspectivas. Os resultados apontam diferenças nas representações a partir do grau de
escolaridade e tempo de diagnóstico.
Palavras-chave: Aids; velhice; psicossocial.
To Age with AIDS: Representations, Beliefs and Attitudes of Aged Soropositivos for the HIV
Abstract
With the objective to identify to the emergent representations face to the infection for the HIV in aged
people, exploring questions of confrontation and social support, they had participated of this study 21
aged seropositivos with age between 50 and 72 years, of both the sexs, chosen of not-probabilist, intentional
and accidental form, in the clinic of a Hospital of Reference in AIDS, the city of João Pessoa/BR. For the
collection of the data the Free Technique of Association of Words was used, processed for Tri-Deux-
Mots software through the factorial analysis of correspondence; and, e, Interviews Opened, analyzed for
Thematic Categories. Five thematic categories had emerged: Diagnosis, Living with AIDS, Confrontation,
Treatment and Perspectives. The results point differences in the representations from the education
degree and time of diagnosis.
Keywords: SIDA; oldness; psychosocial.
Desde seu surgimento, a Aids vem assumindo um
paradigma de doença orgânica que requer uma abor-
dagem biopsicossocial, determinando uma crise multidi-
mensional que afeta não apenas as pessoas contamina-
das, mas também seus parceiros sexuais, familiares,
profissionais de saúde, comunidades.
Atualmente têm-se percebido mudanças no curso da
epidemia da Aids, tornando-se cada vez mais freqüente
o número de casos na faixa etária acima de 50 anos. As
estatísticas nacionais apontam um total de 32.167 casos
de Aids em maiores de 50 anos no Brasil, dos quais
9918 em pessoas com idade de 60 anos e mais (Ministé-
rio da Saúde, 2006). Considerando que a subnotificação
de casos no Brasil, principalmente na região Nordeste
varia de 24 a 65%, pode-se concluir que este número
pode ser bem maior (Oliveira, Barreira, Santos, &
Latorre, 2004). Feitoza, Souza e Araújo (2004), ressal-
tam que a doença nesta população específica apresenta
grande relevância epidemiológica, não pelos números
absolutos, mas pelas taxas de incidência (7,6 casos p/
1000.000), prevalência (224,9 p/ 1000.000 hab. no sexo
masculino), letalidade (43,9%) e anos potenciais de vida
perdidos (em até 15 anos).
Estudos têm observado que a atividade sexual vem
se tornando a principal via de contágio da Aids em ido-
sos (Wooten-Bielski, 1999), cuja vulnerabilidade é agra-
vada em conseqüência da recorrência maior aos servi-
ços de profissionais do sexo e recursos farmacológicos
1 Endereço para correspondência: Av. Gov. Argemiro de Figueiredo, 505,
apto. 101C, Bessa, João Pessoa, PB, Brasil, CEP 58037-030. E-mail:
analayde@terra.com.br
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ANA ALAYDE WERBA SALDANHA, LUDGLEYDSON FERNANDES DE ARAÚJO & YVALDILÉIA CARVALHO DE SOUSA
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permitindo aumentar a atividade sexual nos idosos
masculinos e, nas mulheres, ausência do risco de gravi-
dez levando à relações sexuais desprotegidas, mudan-
ças fisiológicas femininas em função da menopausa,
além da terapêutica de reposição hormonal (Lieberman,
2000).
Além disso, a falta de campanhas destinadas aos
idosos faz com que esta população esteja geralmente
menos informada sobre o HIV e menos consciente de
como se proteger; ignoram ainda que, além de terem
atividade sexual, é real o número de idosos que usa dro-
gas injetáveis (Feitoza et al., 2004). O fato da sexua-
lidade nesta faixa etária ser tratada como tabu, tanto
pelos idosos como pela sociedade em geral, faz com que
a Aids não se configure como ameaça, fazendo com que
os profissionais de saúde não solicitem o teste HIV nos
exames de rotina, ocasionando diagnóstico tardio, atra-
sando o tratamento com antiretrovirais e diminuindo a
sobrevida dessas pessoas (Vieira, 2004). E ainda, o fato
de alguns sintomas do HIV/Aids ou de infecções opor-
tunistas ser facilmente confundidos com doenças que
comumente acometem os idosos, dificulta o diagnóstico
diferencial.
No plano da assistência aos soropositivos para o
HIV, os Serviços de Saúde passam a lidar com uma po-
pulação específica com demandas diferenciadas que
exigem um manejo de características peculiares. A falta
de recursos da população mais atingida, a precariedade
do sistema de saúde brasileiro, o alto custo dos medica-
mentos, a debilitação progressiva da doença, os estig-
ma, as tensões existenciais provocadas por uma doença
incurável são algumas das dificuldades vivenciadas por
aqueles que convivem como o HIV/Aids, inclusive os
profissionais desta área. Com o impressionante impac-
to dos medicamentos anti-retrovirais na sobrevida e na
qualidade de vida dos pacientes, a adesão ao tratamento
centraliza as finalidades das intervenções e freqüente-
mente reduz tudo, vivencias sociais, culturais, psicoló-
gicas, emocionais de viver com a Aids, a fatores que
favoreçam ou dificultam a adesão ao tratamento (L. S.
S. Silva, Paiva, & Santiago, 2005).
Embora já se evidencie uma maior preocupação
quanto aos aspectos clínicos e epidemiológicos da Aids
na terceira idade, o apoio emocional ao paciente, que o
ajuda a lidar com questões de ordem afetiva, fundamen-
tais para a adoção de práticas voltadas para o auto-cui-
dado, ainda sofre conseqüências do despreparo que
envolve o trato psicossocial da doença (Saldanha,
Araújo, & Felix, 2006). Desta forma, o objetivo deste
estudo é identificar as representações emergentes face
à infecção pelo HIV em pessoas idosas, explorando
questões de enfrentamento e suporte social, visandointervenções que possibilitem a melhoria da qualidade
de vida deste grupo populacional.
Método
Campo de Investigação
A presente pesquisa foi desenvolvida em um Ambu-
latório de referência no tratamento da Aids, localizado
na cidade de João Pessoa/BR.
Participantes
Participaram deste estudo 21 pessoas soropositivas
para o HIV, escolhidas de forma não-probabilística, in-
tencional e acidental, com idade variando de 50 a 72
anos, sendo 76% de 50 a 59 anos e 24% entre 60 e 72
anos. Em virtude da dificuldade da amostra, optou-se
por operacionalizar a idade dos participantes a partir
dos 50 anos. A maioria dos participantes é do sexo mas-
culino (71%) e 67% dos participantes constituem-se por
solteiros, viúvos ou separados e 33% casados. Quanto
ao local de moradia, 48% residem na Capital, enquanto
52% moram no interior do Estado.
Os índices de escolaridade apresentam-se baixos,
com 62% dos participantes analfabetos ou com nível de
escolaridade até a 4ª série do ensino fundamental; 33%
cursaram o ensino médio e apenas um participante pos-
sui o ensino superior. Quanto à situação funcional, a
maioria é aposentada (76%), com renda de um salário
mínimo – correspondendo a R$ 350,00 – (61%), até
três salários mínimos (29%) e acima de quatro salários
mínimos (9%), dos quais 81% são provedores econômi-
cos únicos da família.
Em relação aos aspectos clínicos da Aids, o tempo
de diagnóstico variou de 1 a 12 anos, sendo 62% com
diagnóstico entre 2 e 5 anos e 32 % de 6 a 12 anos. A
forma de transmissão do HIV para 81% dos participan-
tes foi através de relações heterossexuais e 9% relações
homossexuais. Um participante refere ter se contami-
nado através de transfusão sanguínea e outro refere não
ter conhecimento. Todos os participantes são sintomáti-
cos para o vírus, já tendo apresentado alguma infecção
oportunista.
Instrumentos
Os dados foram coletados através da Técnica de
Associação Livre de Palavras e Entrevistas Abertas.
A Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP),
adaptado por Di Gíacomo (1981) para pesquisas no
campo da Psicologia Social, é um instrumento de in-
vestigação aberta que consiste na evocação de respos-
tas dadas a partir de estímulos indutores (neste estudo:
Aids na Velhice, Prevenção e Risco). Tal instrumento
possibilita a apreensão dos conteúdos e universos se-
mânticos de palavras que agrupam determinadas po-
pulações, além de permitir a evocação de elementos
inconscientes relacionados aos aspectos afetivo-emo-
cionais que poderiam estar mascarados ou perdidos nas
produções discursivas (Abric, 1994).
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As Entrevistas foram conduzidas individualmente,
a partir da seguinte questão norteadora: “Para o(a)
senhor(a) o que representa a Aids?” A partir daí dis-
correu-se sobre os conteúdos significativos para cada
participante.
A aplicação dos instrumentos foi feita de forma
individual, porém administrada e preenchida pela
pesquisadora devido ao baixo nível de escolaridade dos
participantes, na seguinte ordem: Técnica de Asso-
ciação Livre de Palavras (TALP) e Entrevistas Indi-
viduais.
Para delimitação do número de entrevistados utili-
zou-se o critério de saturação de Sá (1998) que postula
que “quando os temas e/ou argumentos começam a se
repetir isto significaria que entrevistar uma maior quan-
tidade de outros participantes pouco acrescentaria de
significativo; pode-se então realizar mais umas poucas
entrevistas e parar” (p. 92). Realizaram-se, então, 21
entrevistas individuais, as quais foram gravadas e trans-
critas.
O tempo de aplicação dos instrumentos foi, em
média, de 45 minutos para cada participante. Não
houve recusa por parte de nenhum idoso.
Análise dos Dados
Para análise dos dados obtidos através da TALP,
inicialmente, utilizando-se critérios de freqüência e
similaridade semântica, preparou-se um dicionário
de palavras constituído a partir as respostas evocadas
pelos participantes em relação a cada estímulo indutor
visando categorizar os conteúdos emergentes. Em se-
guida, a partir deste dicionário, foi organizado o banco
de dados, processado através do software Tri-Deux-Mots
(Cibois, 1998), versão 6.1, e interpretados por meio da
Análise Fatorial de Correspondência (AFC). O princi-
pio básico da AFC consiste em destacar eixos que expli-
cam as modalidades de respostas, mostrando estruturas
constituídas de elementos do campo representacional,
ou seja, os conteúdos apreendidos nos discursos dos
idosos soropositivos para o HIV frente aos estímulos
indutores.
A análise dos conteúdos das entrevistas foi realiza-
da com base em Categorias Temáticas, determinadas a
partir dos temas suscitados nas entrevistas e proces-
sadas de acordo com a proposta de Figueiredo (1993),
que consiste em duas fases. Na primeira, as entrevistas
foram analisadas individualmente e a junção concen-
trou conteúdos comuns dentro de cada discurso. Assim,
cada discussão foi transcrita e estudada em função de
cada entrevista realizada, devendo se referir às questões
particulares de cada indivíduo. Na segunda etapa, a jun-
ção se referiu a conteúdos comuns a todas as entrevis-
tas, agrupadas e estudadas em função da equivalência
de conteúdos, referindo-se às questões comuns, dentro
de cada categoria.
Procedimentos Éticos
Este estudo foi realizado considerando-se os aspec-
tos éticos pertinentes a pesquisas envolvendo seres hu-
manos, tendo sido submetido à avaliação e aprovado
pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde
da Universidade Federal da Paraíba/BR (CCS-UFPB).
Foi solicitado o Consentimento Informado dos par-
ticipantes, cujo modelo foi elaborado de acordo com a
“Resolução no 196/96 sobre pesquisa envolvendo seres
humanos” (Ministério da Saúde & Conselho Nacional
de Saúde, 1996). Este documento constituiu de solici-
tação aos participantes para colaboração no estudo, após
serem informados sobre os objetivos e procedimentos
da pesquisa e obtida a aquiescência – escrita e assina-
da – para participação e gravação da entrevista, além
de ser assegurado o anonimato. Foram informados ain-
da que este consentimento garantia ao entrevistado o
direito de interromper sua colaboração na pesquisa a
qualquer momento, caso julgasse necessário, sem que
isso implicasse em prejuízo em seu atendimento no
serviço.
Resultados e Discussão
Técnica de Associação Livre de Palavras
Os dados coletados por meio da técnica de asso-
ciação livre de palavras, enquanto instrumento de apre-
ensão de significados do conhecimento prático, pos-
sibilitaram, juntamente com as variáveis fixas (sexo,
idade, tempo de infecção e situação conjugal), a emersão
de campos semânticos sobre a representação acerca da
Aids, da prevenção e do risco no contexto da terceira
idade, conforme pôde ser observado no plano fatorial
(Figura 1), através dos dois fatores contemplados (F1 e
F2). O fator 1 (F1), na linha horizontal na representa-
ção gráfica, apresenta-se com maior poder explicativo
com 38,3% da variância total das respostas, enquanto o
fator 2 (F2), na linha vertical na representação gráfica,
possui 28,3% da variância total das respostas. Na tota-
lidade, os dois fatores têm poder explicativo de 66,6%
de significância, possuindo assim, parâmetros estatísti-
cos com consistência interna e fidedignidade (Nóbrega
& Coutinho, 2003).
O primeiro fator (F1) revelou à esquerda, o campo
semântico das representações elaboradas pelos idosos
soropositivos casados e com grau de escolaridade até a
4ª série do ensino fundamental e, em oposição, à direi-
ta, as representações elaboradas pelos idosos de maior
escolaridade, que concluíram o ensino fundamental. Para
o primeiro grupo o estímulo 1 fez emergir representa-
ções que associam a Aids na velhice à vergonha, anco-
rada na figura de Deus como forma de enfrentamento.
A prevenção é vista por eles como algo que necessita de
cuidado. O risco (terceiro estímulo) foi associado às
mulheres casadas. Em oposição, para os idosos comR. Interam. Psicol. 43(2), 2009
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maior escolaridade, a Aids na velhice é ancorada na
esperança, na necessidade de lutar, de manter a ali-
mentação correta e de seguir o tratamento prescrito.
Em relação à prevenção, esta foi concebida como sendo
importante, enquanto o risco foi descrito como rela-
cionado ao sangue, ao beijo e aos usuários de droga,
estando, ainda, associado com a prevenção.
A descrição dos dados acima revela que as repre-
sentações da Aids são diferenciadas em conseqüência
do nível de escolaridade dos participantes. Para os ido-
sos com menor escolaridade emergem representações
negativas e ainda atreladas ás primeiras concepções da
Aids, quando de seu surgimento. Segundo Jodelet
(2002), em seus primórdios, a Aids predominava no
imaginário das pessoas como um castigo de Deus, devi-
do ao fato de a pessoa ter se comportado de maneira
“não-digna”. De forma consoante, pesquisa realizada
por C. G. M. Silva (2002) também aponta a Aids e ou-
tras doenças sexualmente transmissíveis como um cas-
tigo, visando deter comportamentos excessivos fora do
casamento, bem como uma punição para a sociedade.
Observa-se ainda a busca da figura de Deus, pre-
valente em pessoas com apenas o nível básico de esco-
laridade (Seidl, 2005), como forma de enfrentamento
para superar problemas, frustrações e dificuldades em
idosos portadores de doenças crônicas, como é o caso
da Aids. (Freire & Tavares, 2005; Neri, 2001).
A associação do risco às mulheres casadas pode
estar associada às campanhas atuais veiculadas na
mídia que reforçam a vulnerabilidade desta população
ou ainda como decorrência da existência na amostra de
participantes do sexo feminino que foram infectadas pelo
marido ou de maridos que infectaram suas esposas.
Para os idosos com maior escolaridade, a Aids é
associada a aspectos mais positivos como a esperança,
possibilidade de tratamento e seguimento das prescri-
ções, relacionados ao conhecimento da existência dos
medicamentos anti-retrovirais, que transformaram a
Aids, de uma infecção agudamente letal, para uma
doença crônica e controlável, sendo responsável por
uma vida mais digna e produtiva para os indivíduos
HIV positivos, reduzindo a mortalidade (Carvalho,
Duarte, Merchan-Humann, Bicudo, & Laguardia, 2003).
Estes dados apontam que o nível de escolaridade pode
interferir na aderência aos anti-retrovirais, á medida em
que influi na compreensão da importância e no acesso
ao tratamento.
A concepção de risco para este grupo de maior es-
colaridade, está relacionada aos usuários de drogas e à
transmissão sanguínea e ao beijo. Ao mencionarem que
o risco está associado ao beijo, referem à concepção
biológica inicial que permeava o imaginário das pes-
soas de que o contágio podia ocorrer por outros líqui-
dos corporais, tais como a saliva (Jodelet, 2002), evi-
denciando a presença de falsas crenças acerca da trans-
missão da Aids, dentre elas a da possibilidade de con-
tágio pelo contato direto com portadores soropositivos
(como pelo beijo), com os líquidos de seus corpos ou
com objetos por ele tocados. Segundo esta autora, essas
falsas crenças coexistem com informações corretas acer-
ca da transmissão (transmissão sexual e sanguínea) tanto
na Aids como em outras doenças contagiosas.
 Figura 1. Plano fatorial de correspondência das representações sociais dos idosos soropositivos
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No fator 2 (linha vertical), verifica-se, na parte su-
perior, a representação dos participantes com diagnós-
tico entre 9 e 12 anos, as quais relacionaram a Aids na
velhice como um problema. A prevenção foi assinalada
por eles como estando ligada à orientação e o risco foi
associado ao sexo e à conformação. Nesse mesmo fator
na parte inferior, encontra-se a representação da Aids
apreendida por pessoas com tempo de diagnóstico de 1
a 4 anos, as quais relacionaram a prevenção a algo im-
portante, e como relacionado à não-promiscuidade. O
risco foi associado por eles à prostituição.
A interpretação da doença tem uma dimensão tem-
poral, não apenas porque a doença em si muda no de-
correr do tempo, mas também porque a sua compreen-
são é continuamente confrontada por diferentes diag-
nósticos e situações construídas pela família, amigos,
vizinhos, médicos. Assim, o conhecimento e o sentido
dado à Aids estão continuamente sendo reformulados e
reconstruídos em decorrência dos processos interativos
(Saldanha, 2003). Este fato evidencia-se nas represen-
tações emergentes a partir dos diferentes momentos do
diagnóstico. Para o grupo com diagnóstico mais recen-
te, as representações da Aids estão associadas a promis-
cuidade tanto para a prevenção quanto para o risco, tra-
zendo consigo o preconceito e culpabilização, tanto in-
terna como externa, que acompanham esta doença. O
grupo com maior tempo de diagnóstico, embora veja a
doença como um problema, traz elementos ligados à
orientação e conformação.
Esta situação advinda pela convivência com o HIV,
corrobora os estudos conduzidos por Herzlich (1991)
que concluiu que a luta do sujeito contra a doença é
sustentada por dois fundamentos essenciais: a aceita-
ção do fato e o domínio que o indivíduo procura exercer
sobre ele. Assim, a doença é tomada como uma situação
de aprendizagem, a cura é esperada e a adaptação con-
siderada possível. É observada, também, a necessidade
do homem em produzir respostas e sentido, de atribuir
causas concebidas em termos não orgânicos, indepen-
dente de a medicina oferecer ou não uma explicação
científica.
Entrevistas
A partir do discurso dos participantes acerca da Aids
na velhice, emergiram as seguintes categorias: Diag-
nóstico, Vivendo com o HIV, Enfrentamento, Tratamento
e Perspectivas.
Diagnóstico. A soropositividade rompe com o silên-
cio, revela segredos, levando ao confronto de situações
que abalam o sistema de valores das pessoas em ques-
tão. Assim, assumir a condição soropositiva para o HIV
significa ter várias perdas, inclusive da identidade cons-
truída durante toda a vida (Saldanha, 2003). O recebi-
mento do diagnóstico soropositivo para o HIV acarreta,
no primeiro momento, uma destruição significativa em
todos os aspectos da vida do indivíduo, modificando a
estrutura de sua personalidade, seus contatos com o
mundo e seus valores. Em um primeiro momento sur-
gem os sentimentos de desespero e incredulidade:
“O mundo caiu na hora: caiu um trem na minha
cabeça. Eu fiquei triste e... só passava coisa ruim, só
passava coisa ruim” (Part. 15).
“. . . eu pensei: ‘quando esse vigilante cochilar, eu
tiro o revólver dele e me mato’” (Part. 13).
“Eu pensava que essa doença só pegava em quem
usava droga. Eu até falava para um colega meu: ‘eu
não vou pegar nunca porque eu não uso droga’. Mas,
foi o contrário!” (Part. 1).
Entretanto, observa-se que o diagnostico na velhice
pode ser encarado com conformismo diante do tempo
de vida já vivido ou da missão cumprida:
Eu não achei ruim não porque eu aproveitei muito. Apro-
veitei muito e outra coisa também: a gente se cuida me-
lhor porque a gente tem a cabeça mais no lugar. Se eu
fosse mais novo, talvez eu não me cuidasse tanto porque
a gente mais novo não liga nem de passar pros outros,
nem tampouco de deixar aquela vida que se tinha de gos-
tar de farra, de bebida, de sair com quem a gente queria,
então, a gente com mais idade é melhor. (Part. 19).
Eu acho que, no caso, pra velhice é melhor. Porque a
juventude é jovem, precisa viver. A gente como já passou
de meio século, já tem experiência devido ali, morre com
60, 70 anos: pouco tempo, não perdeu tanto... É mais
difícil pra juventude porque tá começando uma vida:
não desfrutou de nada, não teve experiência de vida...
(Part. 17).
. . . o que eu mais amo na vida são as minhas filhas, os
meus filhos, os meus netinhos... Aí eu vi quea perda pra
mim não era tão grande, eu me conscientizei que eu já
deixei tudo grande. Eu ia sofrer mais se eu tivesse dei-
xado tudo pequenininho. Se Deus me deu [a Aids] já pas-
sando do quarenta e poucos anos, eu muito agradeço,
também eu já vivi. (Part. 20).
Na maturidade e a velhice, as pessoas examinam
sua vida como um todo e agem com integridade do ego
(quando aceitam o seu lugar e o seu passado, pois o
passado é visto com sentimento de realização e satisfa-
ção) ou com desespero (revisa-se a vida com um senso
de frustração e a pessoa fica desgostosa consigo mesma
e amarga em relação ao que poderia ter sido) (Schultz
& Schultz, 2004). Sendo assim, ao se defrontarem com
o diagnóstico soropositivo, os idosos deste estudo recor-
reram à comparação com os jovens na busca de uma
conformação frente à Aids.
Vivendo com o HIV. O discurso referente à Aids na
velhice traz conteúdos referentes a constrangimento,
sofrimento e restrições. Ao serem questionados sobre a
vivência da Aids na velhice, o embaraço dos idosos
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soropositivos para o HIV fica evidente, associado aos
estereótipos criados para os velhos que buscam a vida
sexual ativa ou para a própria doença, associada à pro-
miscuidade ou comportamentos inadequados.
“Eu acho, eu sei lá: a gente fica até sem jeito de
falar A gente não vai pedir pra ter essa doença, né!”
(Part. 1).
“Rapaz, é meio chato estar com Aids. Porque diz
que o velho é sem vergonha demais. Diz que o caba
[homem] é sem-vergonha, velho enxerido” (Part. 6).
“Ave Maria, é muito difícil. Porque o povo rejeita,
né. Rejeita porque fala assim: ‘um homem daquela
idade com Aids’. Quando eu fui internado tinha tanto
senhor de idade. A gente nunca tá livre dessas coi-
sas” (Part. 13).
Ao contrair o HIV, os idosos falam menos sobre sua
situação com familiares ou amigos, sabem menos sobre
os progressos da doença, da importância e eficácia dos
tratamentos atuais e, conseqüentemente, menor adesão
a eles (Strombeck & Levy, 1998). A Aids na velhice tam-
bém é associada ao sofrimento causado pela incerteza
da sobrevivência, medo e desprezo.
Deus me ajude a continuar vivo porque a gente já tem e
não tem mais jeito. Tenho sofrido, mas... È uma doença
que a gente tá bom, bom, tomando a medicação, tudinho.
Agora se a gente passar 2 dias sem tomar a medicação,
já sente a diferença no corpo. (Part. 2).
“Eu me sinto mais enrolado, mais desprezado, a
gente fica desprezado” (Part. 21).
Nunca é normal: não é normal como as outras pessoas
que não tem esse problema. Quem não tem sintoma de
Aids, levanta cedo, chega tarde..., brinca, se cansa, mas
não tem o corpo esmorecido. Se for pra trabalhar, você
não tem mais aquele ânimo de lutar, de trabalhar como
antes: não tem. Se sente o corpo esmorecido. Não tem
não, não tem não. Você acha mais esmorecido, sem dis-
posição. (Part. 16).
 . . . olha, eu me vejo ainda jovem com 55 anos... me vejo
talvez ainda mais jovem do que era antes... eu estou mu-
dando pra melhor.. .me vejo uma pessoa capaz ainda de
trabalhar, mas não trabalho pesado... ainda tenho sonhos
ainda de alguma coisa, me vejo bem. A única coisa que
me falta agora ainda é completar esse vazio... Eu tenho
muito medo da solidão na velhice, de eu cair numa de-
pressão, como muitos já caíram, o que me preocupa é
isso aí. Tendo isso aí já me completa, mas tem essa bar-
reira no meio: é essa barreira da pessoa- como é que
uma pessoa vai casar. . . (Part. 20).
A Aids, desde o começo, foi apresentada como uma
doença incurável e fatal, sem esperança de cura, que
caminhava para um único destino: a morte. Além disso,
em decorrência dessa “morte anunciada”, o portador do
vírus da Aids está sujeito também à “morte civil”, re-
presentada pela redução de seus direitos de cidadania,
motivada por demissão do emprego, discriminação, iso-
lamento e preconceito. Esses fatores geram associações
simbólicas com a doença, o que atinge profundamente
os indivíduos, influenciando-os na percepção de sua
doença e no comportamento de outras pessoas frente a
ela, fato que provoca no portador do HIV sentimentos
de ansiedade, motivados pelo medo da rejeição social
(Saldanha, 2003). Para os participantes desta pesquisa,
o preconceito emerge em duas subcategorias: Social e
Auto-Preconceito.
Ainda que exista um grande esforço do meio cien-
tífico para dar ao conceito de transmissão da Aids um
sentido mais racional, através da elucidação dos seus
meios, não se conseguiu substituir o conjunto das repre-
sentações e imagens simbólicas provenientes de anti-
gas epidemias. Além disso, as significações culturais
ligadas à noção de contágio associadas à ocorrência
da doença ao sentido do tato (contato) e olfato (pelo
ar), permanecem nas representações que os indivíduos
fazem do adoecimento (Saldanha, 2003). Estas repre-
sentações carregam a soropositividade de estigmas,
atualizando vivências de medo, exasperação, negação
e rejeição ao outro, os quais estão presentes no dis-
curso destes idosos, configurando a subcategoria
“Social”:
. . . a gente foi para uma novena e quando eu cheguei lá
numa casa bem pertinho, me deu sede, e, ao invés de eu
deixar para beber água em casa, eu pedi água. Aí o dono
da casa não me falou nada. Foi depois que eu soube que
ele tinha quebrado o copo que eu bebi. (Part. 6).
“. . . a minha mãe comia lá em casa. Aí depois que
soube que eu estava com essa doença, não comeu mais
nunca” (Part. 7).
“. . . ela separou os copos, os pratos... Aí eu fui
embora morar sozinho” (Part. 16).
Preconceito, é direto, direto mesmo, é triste a coisa lá.
Ninguém entra na minha casa. Moro sozinho. Ninguém
entra em minha casa, tinha só um ex-combatente que
morava lá perto que ele sempre entrava lá em casa, mas
ele morreu. Minha prima que lavava a minha roupa e não
lava mais. (Part. 10).
O preconceito existente em torno da doença faz com
que os portadores se tornem carregados de medo diante
da percepção do outro, induzindo-os a um mundo de
meias verdades, evitamentos e disfarces. Assim, na ten-
tativa de proteger-se e proteger os que preza, o medo os
leva muito mais a se esconderem do que a se revelarem,
conforme os discursos da subcategoria “Auto-Precon-
ceito”:
. . . só que, fiquei, o preconceito é comigo mesmo e de lá
para cá tudo que era bom, assim, pra mim acabou, mor-
reu. Eu era uma pessoa muito alegre, feliz, só que hoje eu
me escondo dentro de mim mesmo, eu não gosto de falar
dessa doença. (Part. 4).
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Não, ninguém sabe. Ninguém sabe porque eu sei que se
eu falar eu vou ter problema porque vão me jogar na cara...
fica dizendo: ‘ah, fulano tem isso, fulano fez aquilo....’
Eu digo que tô me tratando . . . eu digo que ‘é de hepati-
te’, eu digo que ‘é dos rins’ . . . Minha nora veio morar
comigo tem 4 anos... Eu digo ‘meu caneco é esse’, eu não
posso mais pegar minha netinha, eu não posso mais jo-
gar bola, não posso mais beijar. Isso eu digo a ela. Eu
que tenho que me conscientizar... (Part. 17).
“Eu não deixo ninguém usar o meu talher, eu não
deixo ninguém usar” (Part. 18).
Não revelar a condição de portador é uma saída di-
ante dos problemas emergentes da situação da soro-
positividade. Entretanto, concordando com Saldanha
(2003) e Tunala (2002), este silêncio em relação à in-
fecção, além de impedir o seu compartilhamento com
outras pessoas que poderiam ajudar no enfrentamento
à doença, prejudica a adesão ao tratamento pela difi-
culdade de ingerir os medicamentos quando estão na
presença de outros. Todos estes aspectos – manter o
sigilo, não ter com quem compartilhar, esconder o me-
dicamento – constituem-se em mais fontes estressoras
no seu cotidiano.
Enfrentamento. Ainda que, conforme Strombeck e
Levy (1998), ao contraírem o vírus HIV, os idosos fa-
lem menos sobre suasituação com familiares ou ami-
gos, o apoio social (percepção de que outras pessoas são
sensíveis e receptivas às nossas necessidades) é uma
estratégia de enfrentamento importante (Aronson, Wil-
son, & Akert, 2002), contribuindo inclusive para a
aderência ao tratamento (Garcia, Schooley, & Badaró,
2003). Neste estudo observou-se a formação de dois
tipos de rede de apoio: a restrita e a extensa. A rede
restrita, mencionada pela maioria dos entrevistados, é
formada pelos discursos dos idosos soropositivos para o
HIV que possuem uma rede de apoio limitada, geral-
mente, a um familiar, a um amigo mais íntimo.
. . . Mas, meus meninos nenhum sabe: nenhum sabe disso.
Não, ninguém sabe: só quem sabe é minha menina. É com
medo do meu menino, do rapaz que eu tenho, porque ele
disse a mim que se ele souber que eu tenho isso, ele morre
enforcado ou envenenado. Nem ele [marido] sabe tam-
bém. (Part. 8).
“até hoje é comigo esse segredo, é comigo. Eu não
falo nada que eu tenho. Só quem sabe é eu e o pai da
menina” (Part. 14).
“Só tem dois vizinhos meus que sabem... eles me
deram a maior força porque é dessas pessoas que
entendem, agora o pessoal que nunca estudaram são
ignorante demais” (Part. 1).
A rede extensa diz respeito aos participantes que
possuem uma rede de apoio mais ampla, já que não es-
condem sua soropositividade. No entanto, esta atitude é
referente a uma minoria de idosos soropositivos para o
HIV estudada.
Todo mundo sabe que eu não escondo não . . . Se ninguém
quiser me receber na sua casa, não me receba. Mas, eu
não vou esconder que eu estou doente. Todo mundo num
sabe que eu venho pro hospital. Aí eu esconder uma coisa
que é verdade, eu tá escondendo: eu não, eu nunca escon-
di não. Toda vida eu disse... (Part. 6).
“Eu conto para todo mundo que sou soropositiva”
(Part. 7).
A religião configura-se para estes idosos em uma
das principais forma de enfrentamento às vicissitudes
da Aids. Estudos afirmam que a espiritualidade, além
de melhorar a saúde e a qualidade de vida dos idosos, é
um importante apoio no enfrentamento de frustrações,
sofrimentos e desafios, como também no prolongamen-
to da vida, ajudando a compreender e elaborar suas per-
das (Negreiros, 2003).
“. . . eu sem Deus não sou nada. Tudo com Deus na
frente. Deus me ajuda, eu tenho fé em Deus. Primeiro
Deus, segundo as amizades que eu tenho dos meus ami-
gos e amigas” (Part. 2).
“Mas, se a gente tem fé e crê num Deus vivo, nada
derruba a gente. A gente vence o mundo, vence tudo”
(Part. 5).
Muitos estudos abordam as diferentes estratégias
pelas quais as religiões reinterpretam a experiência da
doença e modificam a maneira pela qual o doente e o
meio social definem o problema. Para Lévi-Strauss
(1967), as teorias religiosas curam ao impor ordem
sobre a experiência caótica do doente e da família. Os
depoimentos mostram que a maioria dos idosos se be-
neficia de sua crença religiosa, visto se tornarem fonte
de esperança, uma forma de enfrentamento e alívio para
o sofrimento, medo e angústia. Durkhein (em Lima
Ferreira, 1978) considera que o indivíduo com crença
religiosa sente em si mais força, seja para suportar as
dificuldades da existência, seja para vencê-las, pois está
como que elevado acima da sua condição humana.
A utilização de recursos internos, enquanto estra-
tégias de enfrentamento diante das dificuldades impul-
sionam a manutenção e a reestruturação do bem-estar
psicológico, indicando que formas de enfrentamento à
doença são também preditos por fatores de diferenças
individuais e experiências de vida.
“A cura também vai muito da sua cabeça, você vai
levando o tempo, o dia-a-dia, desde que não ponha pro-
blema um em cima do outro, deixar se debater por cer-
tas coisas... energia forte: nada de coisa negativa...”
(Part. 17).
“Eu tenho certeza que eu não baixei muito a cabe-
ça... aqui morreram muitos na época que eu me inter-
nei, porque baixavam logo a cabeça” (Part. 10).
Estudos realizados por Aronson et al. (2002) com
pessoas portadoras de doenças graves, dentre as quais a
Aids, mostraram que, quando as pessoas acreditavam
que podiam controlar as conseqüências da doença, mais
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ANA ALAYDE WERBA SALDANHA, LUDGLEYDSON FERNANDES DE ARAÚJO & YVALDILÉIA CARVALHO DE SOUSA
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ajustados esses indivíduos eram. Desta forma, acreditar
e confiar na capacidade e eficácia para enfrentar o meio
ambiente com efetividade e êxito (auto-eficácia) torna
as pessoas menos ansiosas e deprimidas, como também
mais saudáveis (Myers, 2000).
A naturalização da doença é outro tipo de enfren-
tamento utilizado pelos participantes, ou seja, tornar as
coisas o mais normal possível, sem procurar informa-
ções ou situações que tornem a soropositividade pre-
sente no seu cotidiano. Suas energias são despendidas
em fatores de resolução imediata do seu dia-a-dia, ocu-
pando, assim, todos os seus pensamentos e relegando a
soropositividade para segundo plano.
Eu não me envolvo em relação à questão da Aids. Andei
participando de alguns Congressos... Eu acho que quan-
to mais eu me aproximar desse problema, ele me machu-
ca. Então, eu procuro agir do meu lado: a minha vida, o
meu trabalho, vou trabalhando e sem tempo pra pensar
nisso, nem debater assim sobre isso. Eu gosto, às vezes,
de contar as pessoas do meu problema pra ajudar as
pessoas. Aí foi um medo muito grande ao longo de um
ano, mas depois tudo mudou: eu comecei trabalhando,
trabalhando, viajando, me envolvendo com as pessoas...
Hoje eu me sinto até uma pessoa que acho que não tem
esse problema... (Part. 20).
Tratamento. O cotidiano da pessoa soropositiva para
o HIV em tratamento consiste no uso de medicamentos
para o HIV, a terapia anti-retroviral. A “esperança”, inse-
rida na fala dos participantes, denota a expectativa em
relação ao prolongamento da vida decorrente da ingestão
do medicamento evidenciando-se, assim, a importância
do tratamento medicamentoso, não apenas quanto ao
aspecto fisiológico, mas também em relação ao psico-
lógico, pois gera esperança, trazendo mais vontade de
querer viver e lutar.
“Antigamente, quando não tinha [anti-retrovirais],
morria logo. Naquele tempo que o Cazuza teve aquela
doença, num instante morreu” (Part. 1).
“Comecei a tomar o remédio, com três dias eu já
estava me alimentando normalmente: no terceiro dia
que eu comecei a tomar o remédio, eu já comecei a
melhorar” (Part. 6).
Na época que eu contrai não havia esse tratamento de
hoje não. Eu cheguei numa fase que morria todas as pes-
soas... a esperança na época era esse tal de coquetel que
não tinha... Hoje eu acho que posso morrer de um infarto,
mas de Aids mesmo... medo da morrer eu já não tenho
mais... (Part. 20).
Entretanto, apesar dos benefícios, são relatadas di-
ficuldades advindas da medicação, seja através dos efei-
tos colaterais ou pela dificuldade de ingerir uma grande
quantidade de comprimidos em hora certa diariamente.
O uso do medicamento, minha filha, pra mim é uma tor-
tura usar. Porque junta os problemas uns com os outros:
os medicamentos fortes: eu fico totalmente desorientada.
Tem dia, que pra mim sair assim de noite, às vezes, eu
nem tomo porque eu não consigo sair porque eu fico bê-
bada, desorientada. Eu fico bêbada, eu fico completa-
mente sem saber o que que eu tô fazendo, sem saber agir
nada. (Part. 5).
. . . por causa do medicamento, isso é normal: ou você
sente tontura, dor de cabeça, ou você sente vômito ou
você tem diarréia... Esse sintoma é normal quando você
toma o coquetel, isso aí praticamente tem. È ruim assim
porque deixa num estado, assim, desgastante porque é
uma coisa, assim, explicar, uma gastura. Uma agonia,
uma ânsia, você quer que termine logo aquela passagem
do efeito do medicamento . . . Eu tenho horário certo de
tomar... Isso é o que eu sei que me deixa, né, mais assim:
eu nunca tive recaída de ficar internado... eu nunca tive
uma internação. (Part. 17).
Perspectivas. Se por um lado a Aids é fonte de an-
gústia, medo e dificuldades, os entrevistados nesteestu-
do relatam um outro lado, aqui denominado de ganhos
secundários. Estes ganhos, para os idosos, referem-se à
presença mais próxima da família:
“Bom, de bom pra mim foi amor, foi afeto, foi o
carinho da minha família, do pai da minha filha”
(Part. 14).
“De bom, que eu vivo hoje mais pra minha família.
Antes eu brincava demais e hoje eu vivo só pra minha
família” (Part. 15).
O lado bom é que eu tô presente na vida da minha família
e passivo de bar, daquela vida que eu levava assim por-
que eu era separado e eu ia sair final de semana: ia para
as baladas, para essas coisas, tudo. Hoje eu tô vivendo
mais, assim, vivendo mais sossegado, mesmo com a do-
ença, mas vivendo mais dentro de casa e antigamente era
mais afastado... (Part. 17).
O futuro para estes idosos é relatado num misto en-
tre o medo da doença, do internamento, do sofrimento e
a esperança da descoberta da cura.
“Penso: acho que é difícil. Depois vai ser difícil.
Eu tenho medo do final. Sabe que é uma doença mais
séria, né! O problema maior de HIV é infecção, né!”
(Part. 15).
Eu queria que Deus iluminasse a ciência que resolvesse o
problema, assim, uma injeção, uma vacina, que matasse
esse vírus que existe no nosso corpo porque eliminando
ele a gente estava com a vida garantida, embora que to-
dos nós um dia vamos morrer, mas não breve. (Part. 4).
“Eu quero um dia morrer, mas não desse mal”
(Part. 6).
Considerações Finais
Apesar de a velhice ser um fenômeno biológico, a
forma como cada pessoa envelhece está determinada
por questões subjetivas, condicionadas às questões da
hereditariedade, do social e do cultural, incluindo-se
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aí a sua história de vida (Santos et al., 2003). Na rea-
lidade, segundo Motta (2004), coexistem as duas ima-
gens da velhice: a tradicional, naturalizada, do velho
inativo, mas “respeitável”; e a nova imagem, mais di-
nâmica e participante em determinadas situações soci-
ais. Neste sentido, de acordo com Neri (1993), é o des-
conhecimento do que significa ser velho que induz a
práticas com foco ideológico, que contribuem para a ma-
nutenção e propagação de mitos, estereótipos negativos
e preconceitos acerca da velhice.
A concepção da velhice enquanto perdas e limita-
ções ou a incapacidade de procriação, a morte do côn-
juge, a inatividade sexual e abdicação compromete o
entendimento de outras possibilidades de trajetórias,
pautadas no reconhecimento do envelhecimento como
experiência diversificada e sujeita à influência de di-
ferentes contextos sociais, levando a velhice a um pro-
cesso de fragilização e vulnerabilidade frente às vicissi-
tudes de algumas doenças. Neste contexto emerge a
questão da Aids na velhice. Mais do que uma doença, a
Aids configura-se hoje como um fenômeno social de
amplas proporções, impactando princípios morais, reli-
giosos e éticos, procedimentos de saúde pública e de
comportamento privado, questões relativas à sexualida-
de, ao uso de drogas e à moralidade conjugal, isto para
ficar nas problemáticas mais evidentes.
Envelhecer sendo soropositivo para o HIV, ou con-
trair o vírus na velhice representam um desafio dupli-
cado para quem enfrenta essa situação (Saldanha et al.,
2006). Além de toda a carga sócio-moral que carrega a
pessoa soropositiva para o HIV de qualquer faixa etária,
na velhice algumas construções sociais contribuem para
o aumento das dificuldades enfrentadas pelo idoso
soropositivo. Neste sentido, as intervenções precisam ir
além dos aspectos profiláticos, etiológicos e terapêuticos,
se faz necessário também uma perspectiva psicossocial
para que se possa intervir na melhoria da qualidade de
vida destes idosos.
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Accepted 10/12/2008
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Ludgleydson Fernandes de Araújo. Universidade Federal do Piauí, Parnaíba, Piauí, Brasil.
Valdiléia Carvalho de Sousa. Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

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