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PREFÁCIO À TERCEIRA EDIÇÃO O autor escreve, regularmente, nos sites “Consultor Jurídico” e “Migalhas”. Além do prazer em escrever e enfrentar problemas licitatórios, os textos servem como “rascunho” para a atualização da presente obra. A primeira edição foi feita com base na doutrina e jurisprudência da Lei das Estatais (lei 13.303/2.016). A segunda edição foi feita com base nos problemas reais que chegaram ao autor e foram transformados em textos. A terceira edição prossegue no enfrentamento de problemas do dia a dia licitatória e gerou a mudança do título do livro: ao invés de “Inovações da nova Lei de Licitações”, “Inovações da Lei de Licitações” com o acréscimo de “polêmicas licitatórias” em razão do enfrentamento de temas fora da Lei Federal 14.133/2.021, tais como licitação para aquisição de canabidiol e a questão da diferença entre empate �cto e empate real nas licitações em conformidade com a Lei Complementar 123/2.006. Nossa intenção é seguir os paradigmas inglês e alemão, ou seja, linguagem acessível (tendência inglesa) e pensamento através dos problemas. Nesse último quesito, pedimos licença para agradecer à Professora Silvia Pimentel, que tanto nos ensinou sobre eodor Viehweg, notadamente na obra “Tópica e jurisprudência” e o “pensamento tópico” ou focado no problema para a interpretação do Direito. Também agradecemos à professora Vera Lúcia Crott pela revisão de português, Ana Clara Mancini pela revisão de clareza. Ainda pelas dicas e sugestões nossos agradecimentos a Rogério Gomes. SUMÁRIO Capa Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 - ME/EPP E A HABILITAÇÃO QUANTITATIVA DA NOVA LEI CAPÍTULO 1.1 - LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR CAPÍTULO 1.2 - O EMPATE FICTO DA ME/EPP DIFERE DO EMPATE REAL CAPÍTULO 2 - ‘NOVOS” PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO CAPÍTULO 3 - DEFINIÇÕES CAPÍTULO 4 - AGENTES PÚBLICOS CAPÍTULO 4.1 - DEFESA EM JUÍZO DO SERVIDOR PÚBLICO PELO ÓRGÃO PÚBLICO file:///tmp/calibre_4.99.5_tmp_09d5utwm/9qc4ogkg_pdf_out/OEBPS/Text/capa.xhtml CAPÍTULO 5 - DEVER DE PLANEJAMENTO CAPÍTULO 5.1 - REGRAS DE “COMPLIANCE” INSPIRADAS NA LEI ANTICORRUPÇÃO CAPÍTULO 5.2 - AGENTE DE CONTRATAÇÃO É CARREIRA DE ESTADO E NÃO DE GOVERNO CAPÍTULO 6 - CONSÓRCIOS CAPÍTULO 7 - ORGANIZAÇÃO DA LICITAÇÃO CAPÍTULO 7.1 - NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A PROIBIÇÃO DE MARCA CAPÍTULO 7.2 - ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR CAPÍTULO 7.3 - LIMITES TEMPORAIS DO ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA CAPÍTULO 7.4 - MANUTENÇÃO DO TEMA 1.038 DO C. STJ CAPÍTULO 7.5 - O QUE É ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR? CAPÍTULO 7.6 - PEQUENO MANUAL PRÁTICO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO “PREGÃO NOVO” CAPÍTULO 7.7 - MARCA E NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA SÚMULA 270 DO TCU CAPÍTULO 8 - MODALIDADES DE LICITAÇÃO CAPÍTULO 8.1 - PREGÃO OBRIGATÓRIO PARA SERVIÇOS DE ENGENHARIA CAPÍTULO 9 - MEMÓRIA ADMINISTRATIVA CAPÍTULO 9.1 - A “SERASA” LICITATÓRIA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES CAPÍTULO 9.2 - DESEMPATE PELA “AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO CONTRATUAL” CAPÍTULO 9.3 - CAPITAL MÍNIMO E CAUÇÃO: SÚMULA 27 DO TCE/SP MANTIDA E 275 DO TCU SUPERADA CAPÍTULO 10 - CONTRATO ADMINISTRATIVO DE SERVIÇOS CAPÍTULO 10.1 - CULPA DA ADMINSITRAÇÃO PÚBLICA REGULAMENTADA CAPÍTULO 11 - PRAZOS E MODALIDADES LICITATÓRIAS CAPÍTULO 12 - PREÇO INEXEQUÍVEL CAPÍTULO 12.1 - MARKETING LICITATÓRIO DE PRODUTO, INEXEQUIBILIDADE E A NOVA LEI DE LICITAÇÕES CAPÍTULO 13 -DISPENSA DE LICITAÇÃO CAPÍTULO 14 - INEXIGIBILIDADE CAPÍTULO 14.1 - NOVA LEI DE LICITAÇÕES E O CREDENCIAMENTO COMO “SINGULARIDADE MÚLTIPLA” CAPÍTULO 14.2 - CUSTO DE OPORTUNIDADE E CONTRATAÇÃO DE JURISTA ESPECÍFICO E SINGULAR CAPÍTULO 14.3 - “VIGÊNCIA POST MORTEM” DA SINGULARIDADE CAPÍTULO 14.4 - CUSTO DE OPORTUNIDADE E O DEVER DE ESCOLHA DO PROFISSIONAL ADEQUADO CAPÍTULO 15 - FRACIONAMENTO POR HIBRIDISMO CAPÍTULO 16 - REGISTRO DE PREÇOS CAPÍTULO 16.1 - A MATRIZ DE RISCOS NO REGISTRO DE PREÇOS CAPÍTULO 16.2 - REGISTRO DE PREÇOS PARA OBRAS Capítulo 16. 2.1 - Carona interfederativa: padronização CAPÍTULO 16.3 - CARONA INTERFEDERATIVA - LIMITES CAPÍTULO 16.4 - CARONA COMPULSÓRIA CAPÍTULO 16.5 - “VENCEDOR FICTO E PARCIAL” E “PRECIFICAÇÃO MÚLTIPLA” CAPÍTULO 16.6 - A REVISÃO DO REGISTRO DE PREÇOS – PERSPECTIVA DE MANUNTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CAPÍTULO 17 - FIM DA VINCULAÇÃO AO PREÇO DO VENCEDOR CAPÍTULO 18 - FISCALIZAÇÃO CAPÍTULO 18.1 - ERGOFOBIA” E FISCALIZAÇÃO DOS CONTRATOS CAPÍTULO 19 - ATRASO CONFIGURADOR DE INADIMPLEMENTO CAPÍTULO 20 - RECEBIMENTO DO OBJETO CAPÍTULO 21 - NULIDADE MODULADA CAPÍTULO 22 - MUDANÇA QUANTO AOS PERCENTUAIS DE MULTA CAPÍTULO 23 - DIREITO INTERTEMPORAL CAPÍTULO 23.1 - VIGÊNCIA “POST MORTEM” DO ARTIGO 116 DA LEI 8.666/93 CAPÍTULO 24 - CANABIDIOL E REGRAS DA ANVISA CAPÍTULO 25 - TERCEIRIZAÇÃO E VEDAÇÃO AO SUICÍDIO ESTATAL CAPÍTULO 26 - VIGÊNCIA DO PCA E “FRACIONAMENTO DE PLANIFICAÇÃO” CAPÍTULO 27 - “NEOFOBIA” E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CAPÍTULO 28 - PUBLICAÇÃO DO EDITAL DELIMITA OPÇÃO LEGISLATIVA CAPÍTULO 29 - CONCLUSÕES REFERÊNCIAS ANEXO: LISTA DE LIVRARIAS NO EXTERIOR EM QUE A VERSÃO EM PORTUGUÊS FOI DISPONIBILIZADA A INTRODUÇÃO nova Lei de Licitações tem sua origem próxima na lei das estatais (Lei Federal nº 13.303/2016) e no RDC (Regime Diferenciado de Contratações (Lei Federal nº 12.462/2011). Também foi influenciada, ainda que em menor medida, pela Lei das PPPs e pela Lei Anticorrupção. As leis revogadas do pregão e da Lei Federal nº 8.666/1993 também contribuíram para a criação da novel legislação. Poderíamos afirmar que a Emenda Constitucional nº 19/1998, que inseriu o Princípio da Eficácia no artigo 37 “caput” da Constituição Federal Brasileira, só teve sua aplicação, propriamente dita, com a presente lei. É a primeira vez que institutos tipicamente privados como o planejamento, a matriz de risco e o sigilo (ainda que temporário) na negociação adentraram como regra geral nos certames licitatórios. Afirmamos isso levando-se em conta que as regras de governança corporativa na Administração Pública (Administração Pública propriamente dita, União, Estados e Municípios) só ocorreram com o advento da nova legislação. A Lei visa introduzir conceitos corriqueiros da administração privada na Administração Pública de maneira a racionalizar a atividade administrativa. Conceitos elementares da área privada tais como planejamento, redução de custos, padronização de procedimentos repetitivos, só foram regulamentados nesse momento. A nova Lei de Licitações é fruto da experiência com as leis já referidas e tem parâmetros na jurisprudência do TCU que serão indicados nessa obra, já que a jurisprudência específica da própria lei, evidentemente, ainda não pode ser indicada no momento atual. O objetivo desta obra é resumir as principais mudanças e servir também de manual prático para as dúvidas do dia a dia do setor de licitações e procuradorias que emitem pareceres em procedimentos licitatórios. O autor é procurador municipal e sempre procurou manter diálogo com a alma da Administração Pública: o setor de licitações. Aliás, este é o principal entrave da Administração Pública: o diálogo entre os respectivos setores. Registramos a relevância do tema da “Teoria dos jogos” para o entendimento do “jogo” que é a licitação. Ficaremos satisfeitos com manifestações sobre a obra no email: professorlaercio@hotmail.com A CAPÍTULO 1 ME/EPP E A HABILITAÇÃO QUANTITATIVA DA NOVA LEI nova lei criou regras de proporcionalidade entre o tamanho da licitação e o tamanho da licitante. Prevê a novel Lei de Licitações: “Art. 4º Aplicam-se às licitações e contratos disciplinados por esta Lei as disposições constantes dos arts. 42 a 49 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. (...) § 1º As disposições a que se refere o caput deste artigo não são aplicadas: I – no caso de licitação para aquisição de bens ou contratação de serviços em geral, ao item cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte; II - no caso de contratação de obras e serviços de engenharia, àsseu grupo político, mas da coletividade como um todo. Trata-se, aqui, do fenômeno do “patrimonialismo” arraigado no Poder Público de país subdesenvolvido e, substancialmente, feudal. Tal “pessoalidade” somente serviria para facilitar atos de corrupção e negociações pouco republicanas com licitantes que “bondosamente” deram auxílio �nanceiro em campanhas políticas e esperam um retorno lucrativo de tal “bondade”. A questão da moralidade e e�ciência acaba por desmoronar com a indicação “comissionada” ou “grati�cada” do agente de contratação. A imoralidade e a ine�ciência também acabam se destacando em razão da “e�cácia” que pode ser conduzida pela ótica do licitante/patrocinador de campanha e não pelo interesse público propriamente dito. Apesar de citado em questão sobre a necessidade de reforma constitucional e não sobre a Administração Pública, parece adequada o temor de omas Paine e omas Jeferson9 sobre o “governo dos mortos sobre os vivos” pois este é o fundamento implícito de tais ideias desprovidas de fundamento constitucional. Nas acanhadas urbes é comum apelar-se para “argumentos” do tipo “sempre foi assim”, “sempre foi comissionado”, e variações da mesma preguiça mental institucionalizada e corrupção enrustida. Aliás, foram “argumentos” desse naipe que criminosos sexuais _ também em acanhadas e retrógradas urbes _ utilizam para justi�car o abuso reiterado de menores em orgias que levaram a CPMI da Pedo�lia a investigações em cidades como Porto Ferreira e Catanduva, distopias do respeito à mulher e à dignidade humana. O próprio autor deste texto é procurador municipal apenas em razão da visão de primeiro mundo do Ministério Público Estadual de São Paulo que conseguiu eliminar a �gura do “procurador comissionado” exigindo que os procuradores fossem concursados como manda a regra elementar e republicana do artigo 37, V da CF e o bom senso civilizatório. Os agentes de contratação devem ter previsão na carreira de Estado e não na carreira de Governo. Com o aumento do grau de responsabilidade de tais agentes, uma solução seria a transformação de compradores/analistas de contração/cargos a�ns concursados em agentes de contratação com maior número de atribuições e mudança compatível da referência salarial. A simples inclusão de uma “grati�cação”, “comissionamento” ou �gura assemelhada é amesquinhamento da função e tentativa de cooptação do servidor/empregado de carreira para o clientelismo e para a corrupção, verdadeira construção real de uma distopia que mescla a mucama da casa- grande de Gilberto Freyre com a confusão entre o público e o privado de Sérgio Buarque de Holanda. Nossa opção é pelo Estado Democrático de Direito e pelo merecido respeito ao agente de contração da nova Lei de Licitações. 8 “Teoria dos Direitos Fundamentais”, Ed. Malheiros, tradução de Virgílio Afonso da Silva, abril de 2008, passim 9 BRITO, Miguel Nogueira de. A constituição constituinte: ensaio sobre o poder de revisão da constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 2000, apud revista eletrônica do MPF:http://www.prrj.mpf.mp.br/custoslegis/revista_2010/2010/aprovados/20 10a_Dir_Pub_Brandao.pdf O CAPÍTULO 6 CONSÓRCIOS PARTICIPAÇÃO DE CONSÓRCIO COMO REGRA E NÃO MAIS COMO EXCEÇÃO artigo 33 do estatuto licitatório revogado previa a vedação (como regra) do consórcio de licitantes. Assim, previa: “Art. 33. Quando permitida na licitação a participação de empresas em consórcio, observar-se-ão as seguintes normas:” Já o novo códex licitatório inverte a regra e transforma o consórcio em regra, salvo vedação pela Administração Pública. Assim: “Art. 15. Salvo vedação devidamente justificada no processo licitatório, pessoa jurídica poderá participar de licitação em consórcio, observadas as seguintes normas:” Só o tempo dirá se a nova regra não favorecerá a formação de cartéis e oligopólios de licitantes. De qualquer maneira, confere inequívoca luz nos procedimentos particulares dos licitantes. Se os licitantes se organizam, de fato, em grupos, nada mais compatível com a transparência e a segurança jurídicas do que o seu reconhecimento pela nova lei. De qualquer maneira a formação de cartéis e oligopólios pode ser coibida pela regra do artigo 15 §4º da nova lei: “Art. 15 (...) § 4º Desde que haja justificativa técnica aprovada pela autoridade competente, o edital de licitação poderá estabelecer limite máximo ao número de empresas consorciadas.” ACRÉSCIMO OBRIGATÓRIO NA QUALIFICAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA DO CONSÓRCIO Outra novidade, no mesmo artigo, é a NECESSIDADE de acréscimo de 30% para a qualificação econômico-financeira da licitante em consórcio. Na lei revogada era uma FACULDADE, na nova lei uma imposição legal. Assim, previa a lei revogada: “Art. 33 (...) III - apresentação dos documentos exigidos nos arts. 28 a 31 desta Lei por parte de cada consorciado, admitindo-se, para efeito de qualificação técnica, o somatório dos quantitativos de cada consorciado, e, para efeito de qualificação econômico-financeira, o somatório dos valores de cada consorciado, na proporção de sua respectiva participação, podendo a Administração estabelecer, para o consórcio, um acréscimo de até 30% (trinta por cento) dos valores exigidos para licitante individual, inexigível este acréscimo para os consórcios compostos, em sua totalidade, por micro e pequenas empresas assim definidas em lei;” Já a nova lei, prevê: “Art. 15 (...) § 1º O edital deverá estabelecer para o consórcio acréscimo de 10% (dez por cento) a 30% (trinta por cento) sobre o valor exigido de licitante individual para a habilitação econômico-financeira, salvo justificação. § 2º O acréscimo previsto no § 1º deste artigo não se aplica aos consórcios compostos, em sua totalidade, de microempresas e pequenas empresas, assim definidas em lei.” A nova lei, porém, manteve discricionariedade administrativa no que tange ao percentual, criando limite de 10% a 30%. O percentual tem discricionariedade, inobstante o aumento do percentual para fins de habilitação tenha se tornado ato vinculado. SUBSTITUIÇÃO DO CONSORCIADO A nova lei, ao contrário da anterior, prevê, expressamente, a possibilidade de substituição do consorciado. Assim: “Art. 15 (...) § 5º A substituição de consorciado deverá ser expressamente autorizada pelo órgão ou entidade contratante e condicionada à comprovação de que a nova empresa do consórcio possui, no mínimo, os mesmos quantitativos para efeito de habilitação técnica e os mesmos valores para efeito de qualificação econômico-financeira apresentados pela empresa substituída para fins de habilitação do consórcio no processo licitatório que originou o contrato.” Como se nota, a substituição exige a fungibilidade do substituto em relação ao substituído. Ou seja, o objeto social da substituta e da substituída devem ser compatíveis com o objeto da licitação. C CAPÍTULO 7 ORGANIZAÇÃO DA LICITAÇÃO DISCRICIONARIEDADE MITIGADA QUANTO À ORDEM DAS FASES DE HABILITAÇÃO E JULGAMENTO omo regra, a nova Lei de Licitações manteve a habilitação como procedimento posterior ao julgamento. A regra teve origem no pregão e permaneceu viva na lei atual. O que há de novidade é a possibilidade de “inversão” de fases, ou seja, a habilitação ser anterior ao julgamento, conforme haja interesse público e justi�cativa da administração. Assim: “Art. 17. O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência: I – preparatória; II – de divulgação do edital de licitação; III – de apresentação de propostas e lances, quando for o caso; IV – de julgamento; V – de habilitação; VI – recursal; VII – de homologação. § 1º A fase referida no inciso V do caput deste artigo poderá, mediante ato motivado com explicitação dos benefícios decorrentes, anteceder as fases referidas nos incisos III e IV do caput deste artigo, desde que expressamente previsto no edital de licitação.” Uma hipótese que se a�gura provável seria a licitação de grandes proporções em que a inexistência de prévia habilitação poderia tumultuar o bom andamento da licitação coma participação de licitantes “curiosos” que não têm a menor condição econômica de vencer, efetivamente, a licitação. O autor denominou de discricionariedade “mitigada” no sentido de que deve haver um motivo justi�cado para a inversão mencionada. LICITAÇÃO PRESENCIAL EXIGE REGISTRO DE ÁUDIO E VÍDEO Como forma de favorecer ainda mais a licitação eletrônica, as licitações presenciais deverão observar o cuidado de gravação em áudio e vídeo. Assim: “Art. 17 (...) § 5º Na hipótese excepcional de licitação sob a forma presencial a que refere o § 2º deste artigo, a sessão pública de apresentação de propostas deverá ser gravada em áudio e vídeo, e a gravação será juntada aos autos do processo licitatório depois de seu encerramento. Desta forma, será muito mais prático ao setor de licitações que promova a licitação eletrônica. Assim, a nova lei transformou a licitação presencial num fóssil do direito administrativo que existirá apenas em hipóteses restritas. INMETRO COMO QUALIFICAÇÃO ADMITIDA A jurisprudência do TCU entende que as exigências de quali�cação devem ser interpretadas restritivamente, já que o artigo 30 (Lei Federal nº 8.66693 revogada que trata da quali�cação) tem rol exaustivo que pode limitar o caráter competitivo do certame licitatório. Assim: “É indevida a exigência de que atestados de qualificação técnica sejam acompanhados de cópias das respectivas notas fiscais, visto não estarem estes últimos documentos entre os relacionados no rol exaustivo do art. 30 da Lei 8.666/1993”(Acórdão 944/2013-Plenário | Relator: BENJAMIN ZYMLER, 17.04.2013- grifos nossos) Assim, a quali�cação do INMETRO passa a fazer parte do rol exaustivo da Lei de Licitações: “Art. 17 (...) § 6º A Administração poderá exigir certificação por organização independente acreditada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) como condição para aceitação de: I – estudos, anteprojetos, projetos básicos e projetos executivos; II – conclusão de fases ou de objetos de contratos; III – adequação do material e do corpo técnico apresentados por empresa para fins de habilitação.” Merece destaque o fato de que a certi�cação do INMETRO tem hipóteses restritas, nos termos da lei. Porém, tanto o material quanto projetos e corpo técnico estão abrangidos pela possibilidade de imposição de tal certi�cação pela Administração Pública. POSSIBILIDADE DE SIGILO DO ORÇAMENTO DO ENTE PÚBLICO Inspirada na “teoria dos jogos”, foi inserida a regra do orçamento sigiloso. Evidentemente que o sigilo não é oponível aos órgãos de controle tampouco será eterno. A regra serve como instrumento de equilíbrio entre o Poder Público e os licitantes. É bom lembrar que existe uma assimetria de informações que favorece o particular. O Poder Público não dispõe da quantidade de informações técnicas e de preços dos custos que o particular detém. O equilíbrio dessa assimetria de informações só pode ser obtido com o sigilo do quanto o Poder Público está disposto a gastar. É muito comum nas negociações privadas o sigilo (ainda que implícito). Nenhum comprador de imóvel “conta” para o vendedor quanto está disposto a gastar. O “orçamento” entre entes privados é sempre sigiloso, ainda que de forma implícita. Assim: “Art. 24. Desde que justificado, o orçamento estimado da contratação poderá ter caráter sigiloso, e, nesse caso: I – o sigilo não prevalecerá para os órgãos de controle interno e externo;“ Positiva a regra no que tange à defesa do interesse público. CUSTOS DA DESAPROPRIAÇÃO SUPORTADOS PELO PARTICULAR A regra tem inspiração no Decreto-Lei nº 3.365/ 1941 que prevê: “Art. 3o Os concessionários de serviços públicos e os estabelecimentos de caráter público ou que exerçam funções delegadas de poder público poderão promover desapropriações mediante autorização expressa, constante de lei ou contrato.” No mesmo diapasão, prevê a nova Lei de Licitações: “Art. 25 (...) § 5º O edital poderá prever a responsabilidade do contratado pela obtenção do licenciamento ambiental e realização da desapropriação autorizada pelo poder público. A novidade é constar na própria Lei de Licitações. VEDAÇÃO À PRÉVIA HABILITAÇÃO FISCAL A nova Lei de Licitações consagrou a fórmula da habilitação como fase posterior ao julgamento. Nesse sentido o novo códex licitatório modi�cou a regra prevista na Lei 8.666/93 e acolheu a regra inspirada na praticidade. A regra, porém, pode ser invertida, caso haja justi�cativa nesse sentido. Por exemplo, numa licitação em que a futura concessionária necessite de grande capital para operar a futura concessão, faz todo o sentido que a fase de habilitação se faça antes do julgamento. Empresas de acanhado capital não teriam a menor condição de participar do certame licitatório. A questão que poderá levantar polêmica é o tema da vedação de inversão de fases no que diz respeito à regularidade �scal do licitante. Assim, prevê a nova lei: “Art. 63. Na fase de habilitação das licitações serão observadas as seguintes disposições: (...) II - será exigida a apresentação dos documentos de habilitação apenas pelo licitante vencedor, exceto quando a fase de habilitação anteceder a de julgamento; III - serão exigidos os documentos relativos à regularidade fiscal, em qualquer caso, somente em momento posterior ao julgamento das propostas, e apenas do licitante mais bem classificado; A Lei 14.133 criou uma hipótese em que a inversão não é permitida, especi�camente no que tange à demonstração da regularidade �scal. Tal regra já estava prevista no âmbito restrito da ME/EPP. Assim, prevê a Lei Complementar 123/2006: “Art. 42. Nas licitações públicas, a comprovação de regularidade fis cal e trabalhista das microempresas e das empresas de pequeno porte somente será exigida para efeito de assinatura do contrato.” Novamente a nova Lei de Licitações aproxima-se do conceito de gestão corporativa da iniciativa privada. É provável que uma empresa privada deixe de contratar um fornecedor que tenha débitos junto à empresa contratante, mas é in�nitamente mais provável que a empresa contratante faça exigência de uma negociação do débito como parte da nova contratação. É nesse diapasão que a nova lei prevê a regularidade �scal posterior já que os débitos �scais são um problema crônico para parcela signi�cativa das empresas nacionais. Não se pode ignorar a elevada carga tributária calculada em torno de 1/3 do PIB, para utilizarmos valores o�ciais disponibilizados em 2019 do tesouro nacional (https://sisweb.tesouro.gov.br/apex/f? p=2501:9::::9:P9_ID_PUBLICACAO:32076) Primeiro ponto a ser abordado é se nunca poderia ocorrer a exigência prévia de habilitação da regularidade �scal. Termos categóricos como “nunca”, “sempre”, “jamais” não costumam combinar com a interpretação sistemática do sistema jurídico. “Nunca” haverá pena de morte.....haverá, excepcionalmente, no caso de guerra declarada.... Então, pensamos que a hipótese de impossibilidade de prévia habilitação �scal deve ser excluída da imensa maioria das licitações. Porém, de forma excepcionalíssima, pode haver tal exigência. Digamos que ocorra (hipoteticamente) uma licitação pelo INSS para contratação de empresa que investigue e detecte fraudes quanto à exigência de CND em contratações públicas. Nessa hipótese a regularidade �scal parece ter relevância superlativamente superior à média das demais contratações. Uma empresa sem regularidade �scal (pelo menos junto ao INSS) não poderia participar de tal licitação. A regularidade seria_ razoavelmente _ uma condição de participação tal e qual o capital mínimo para uma licitante que pode gerir uma concessão de elevado capital. Essa hipótese, porém, é mais acadêmica que real. Na vida real do dia a dia das licitações a exigência prévia de regularidade diminui substancialmente a competitividade do certame devendo ser deixada para momento posterior, conforme delimitou a nova lei. A competitividade, muitas vezes, pode ser o pretexto para a contratação de produtos de baixa qualidade já queo Poder Público acaba não tendo condições técnicas de delimitar em seu termo de referência as devidas quali�cações mínimas e favorece a redução da qualidade como contrapartida da melhor oferta de preço. A assimetria de informações é o pressuposto teórico da nova lei e a saída se encontra na modalidade diálogo competitivo, contratação integrada e semi-integrada e no uso admitido das regras do INMETRO (art. 17, §6º), além da vedação de marca (art. 41, III). No caso em debate sobre a vedação à exigência da habilitação �scal ocorre a ampliação da competitividade sem a mácula corriqueira de redução qualitativa da proposta do licitante. Pelo contrário, favorece a competição sem a válvula de escape do amesquinhamento qualitativo da oferta. Não há relação lógica entre postergar a demonstração da regularidade �scal e o oferecimento de produto de qualidade inferior. O aumento da competitividade será signi�cativo, já que num país com carga tributária superior a um terço do PIB (número otimista) a exigência de regularidade �scal tangencia à inexigibilidade de licitação diante da singularidade do licitante..... CAPÍTULO 7.1 NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A PROIBIÇÃO DE MARCA Com acentuada pertinência ao mundo real das licitações, a nova lei criou a �gura da “proibição de marca”, avanço na gestão que aproxima o Poder Público do mundo corporativo da iniciativa privada. É corriqueiro que nas empresas privadas ou mesmo em nosso âmbito doméstico haja “fuga” de determinadas marcas que criam problemas ao invés de oferecerem soluções. Assim, prevê a lei federal 14.133/21: Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: (...) III - vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual; Pensamos que a nova �gura criou uma espécie de “obrigação de não fazer no âmbito administrativo”. Qual seria o formato jurídico para a adoção de tal vedação? Qual seria o limite temporal para tal medida? Como comunicar marcas/produtos cujos endereços dos fornecedores não sejam localizados? Esses temas serão abordados no presente texto. A nova lei criou uma nova modalidade de “impedimento de licitar”, previsto de forma genérica no artigo 156, III do códex licitatório e previsto de forma especí�ca no artigo 41, III. A primeira regra a ser observada é a do devido processo legal com a consequente garantia do contraditório e da ampla defesa. Os prazos a serem observados serão, a princípio, aqueles previstos para as sanções do artigo 158 e 158, §2º, ou seja, 15 dias para a defesa e 15 dias para as alegações �nais. Deve ocorrer instauração de processo administrativo especí�co a ser conduzido por comissão composta por dois ou mais servidores estáveis que “intimará o licitante ou contratado” para apresentação de defesa. No caso de processo para imposição de pena de impedimento de licitar, a “intimação” terá, na verdade natureza jurídica semelhante à “citação” pois haverá ciência do processo administrativo para imposição da pena de impedimento de licitar. Em nosso modesto sentir, a nova regra aproxima (quanto aos efeitos práticos) o processo administrativo aqui descrito do processo judicial da ação civil pública para imposição de obrigação de não fazer com aplicação de toda a sistemática do microssistema processual de defesa dos interesses difusos e coletivos. Por tal motivo existe proximidade axiológica com uma espécie de “ação civil pública administrativa” e ousamos sugerir que as regras da Lei Federal nº 7.347/85 devem ser utilizadas como regramento subsidiário do referido processo administrativo, além do CPC, a lei de ação popular, o CDC e, por �m, a lei de processo administrativo do ente político que irá sancionar determinada marca. A lei de ação civil pública deverá ser aplicada, adequando-se à natureza administrativa do processo, em algumas hipóteses. Por exemplo, haverá formação de coisa julgada administrativa formal no âmbito do ente político, aplicando-se o artigo 16 da LACP, podendo; inclusive; ser instaurado novo processo administrativo na hipótese de de�ciência de provas no primeiro. Outra hipótese a ser resolvida com o microssistema dos interesses difusos e coletivos: a inversão do ônus da prova na hipótese de hipossu�ciência técnica da Administração Pública em demonstrar a insu�ciência tecnológica da marca a ser temporiamente proibida. A citação por edital da marca também poderá ser feita na hipótese de impossibilidade de localização do endereço da marca, aplicando-se o CPC. O limite temporal da sanção de impedimento de licitar deverá ser de três anos já que é a hipótese para o impedimento imposto ao licitante. Assim, prevê a nova Lei de Licitações: “Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções: (...) III - impedimento de licitar e contratar; § 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, e impedirá o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos.” (grifos nossos) Outro requisito para a instauração, prosseguimento e imposição da pena genérica de vedação de marca será o registro junto ao Portal Nacional de Contratações Públicas da mesma forma que serão feitos os registros de licitações. Aliás, a realização de licitações pode, facultativamente, utilizar a plataforma do PNCP. No caso do processo administrativo de vedação de marca, a interpretação sistemática nos leva à conclusão da obrigatoriedade do uso da plataforma do PNCP, seja porque garante mais elevado grau de possibilidade de conhecimento pela marca a ser vedada (e, portanto, do exercício da ampla defesa), seja porque a nova Lei de Licitações prevê que o catálogo eletrônico de padronização (art. 174, §3º) deve constar no PNCP e a vedação de marca con�gura um detalhamento do referido catálogo. Além disso, o PNCP dará acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), motivos que reforçam a necessidade de que todo o procedimento seja feito no seio desta nova plataforma ou, pelo menos, encaminhado após o término do processo administrativo, caso resulte na vedação da marca. É possível (e até provável) que haja um cadastro especí�co das marcas vedadas já que a proibição de marca não se encaixa, nos exatos termos, às descrições do parágrafo anterior. Por �m, a escolha de marca especí�ca deverá seguir exatamente o mesmo trâmite já que é, por via transversa, uma vedação ainda mais ampla de marcas junto às licitações do Poder Público. Em síntese: a vedação de marca deverá seguir o trâmite das sanções previstas para licitantes/contratados da Administração Pública, aplicação subsidiária do microssistema de defesa dos interesses difusos e coletivos e deve tramitar, integralmente, na Plataforma Nacional de Contratações Públicas (PNCP). CAPÍTULO 7.2 ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR Verdadeiro dogma nas secretarias de �nanças do Brasil, a vedação ao pagamento antecipado de despesa pública teve sua imutabilidade abalada pela NLLC. A “proibição” encontra-se prevista nos artigos 62 e 63 da Lei Federal 4.320/64. Assim: “Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação. Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.” Note-se que a interpretação lógica dos dois artigos conduz à conclusão de que o serviço/entrega do produto precede ao pagamento. Também a preservaçãodo erário conduz à mesma conclusão. Porém, NÃO há vedação EXPRESSA de pagamento antecipado. O que há é uma conclusão lógica decorrente de uma interpretação que utiliza os dois artigos da lei em detrimento da interpretação logico-sistemática do ordenamento jurídico como um todo. Regras constitucionais, a lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e a Lei de Licitações devem compor esse “mix hermenêutico” para que haja uma conclusão mais cientí�ca das regras de pagamento. Pensamos que a REGRA é o pagamento posterior, mas a economia de dinheiro público ou a imposição de regras de mercado podem “temperar” a regra inicial, criando exceções pontuais. Com fundamento no artigo 170 da Carta Federal de 1.988 o princípio da livre iniciativa deve ser observado nas aquisições feitas pelo Poder Público. Nesse sentido o “dogma” do preço de mercado (decorrência da livre iniciativa) se manifesta no artigo 23 da NLLC, bem como no artigo 11, III do mesmo códex licitatório, vedando preços superiores aos estabelecidos no mercado. Portanto, o mercado é aceito e regulamentado pela NLLC não podendo ser ignorado por regras �nanceiras que tem caráter adjetivo ou “processual/financeira” em relação às aquisições do Poder Público. Fazendo uma analogia, o CPC não poderia simplesmente “proibir” um direito previsto no Código Civil, devendo haver compatibilização entre os dois Códigos. A todo direito corresponde uma ação que o assegura, assim como para toda regra licitatória deve haver uma regra �nanceira que a assegure. As regras �nanceiras não são um �m em si mesmas, mas regras que são o meio para a garantia do interesse público primário. Outra regra a ser observada para a interpretação da possibilidade de aquisição pelo Poder Público com pagamento antecipado é a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), verdadeiro “norte obrigatório” na interpretação das leis. Assim, prevê o artigo 20 da referida LINDB: “Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.” Em síntese, o artigo 20 preconiza que os efeitos concretos devem ser levados em conta para a aplicação de uma regra jurídica. Se a compra com pagamento posterior for impossível ou aumentar o preço do produto/serviço, parece-nos que o artigo 20 força a interpretação no sentido de “elastecimento” dos artigos 62 e 63. A “reserva do possível” é uma regra de interpretação reconhecida pelo C. STF e o caso de pagamento prévio obrigatório imposto por regras de mercado enquadra-se nessa criação jurisprudencial. Outra regra a ser observada é a regra da mesma LIND aplicável ao magistrado que não pode se eximir de julgar em razão de lacunas na lei. Assim, prevê a LINDB: “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Ora, o administrador público não pode se eximir (analogamente) de implementar atividades públicas em razão da omissão da Lei 4.320/64 sobre aspectos de mercado, que, repita-se, não podem ser ignorados sob pena de ofensa ao princípio constitucional da livre iniciativa. Se a lei 4.320/64 não enfrenta seu choque com o mercado, o administrador deve decidir com base nas consequências concretas, utilizando-se de analogia, costumes e princípios gerais do direito. A alegação de que somente uma lei complementar poderia alterar a lei 4.320/64 é de um formalismo acaciano10. Como “utilizar-se” de uma “lei complementar” inexistente? Ou como privilegiar uma lei que ainda precisa ser formulada em detrimento da prestação efetiva do serviço público? Não nos parece razoável tal hermenêutica de sepultamento do sentido prático da vida jurídica. Por tais motivos, acima expostos é que o artigo 145, § 1º da NLLC deve ser aplicado sem maiores receios à mingua de regras expressas e válidas em sentido contrário. Assim, prevê a Lei 14.133/21: “Art. 145. Não será permitido pagamento antecipado, parcial ou total, relativo a parcelas contratuais vinculadas ao fornecimento de bens, à execução de obras ou à prestação de serviços. § 1º A antecipação de pagamento somente será permitida se propiciar sensível economia de recursos ou se representar condição indispensável para a obtenção do bem ou para a prestação do serviço, hipótese que deverá ser previamente justificada no processo licitatório e expressamente prevista no edital de licitação ou instrumento formal de contratação direta.” (grifos nossos). A regra citada, porém, deve ser interpretada em consonância com os artigos 62 e 63 da Lei 4.320/64. Ou seja, deve haver prévio empenho, liquidação antes do pagamento que ocorrerá, excepcionalmente, antes do serviço prestado/objeto entregue com claras e inequívocas justi�cativas de regras de mercado (preço menor ou inviabilidade de pagamento posterior) pelo ordenador da despesa. CAPÍTULO 7.3 LIMITES TEMPORAIS DO ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA Ousamos a�rmar que a NLLC rompeu com o antigo “dogma da atemporalidade” dos atestados de capacidade técnica a serem fornecidos pelos licitantes. A regra do artigo 30, II da provecta lei 8.666/93 em combinação com o parágrafo quinto do mesmo artigo criavam uma espécie de “atemporalidade a priori” que impunha à administração um dever de justi�cativa substancial para qualquer exigência temporal que inibisse a participação na licitação. Assim, prevê referida regra do Códex licitatório moribundo: “Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a: (...) II - comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos; (...) § 5o É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais especí�cos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.” (grifos nossos). Havia, na velha lei, um exacerbamento do princípio da competitividade em detrimento do princípio da busca do efetivo cumprimento contratual. A NLLC muda (em parte) o caráter superlativo da competitividade e cria novas regras que fortalecem a e�ciência e a e�cácia em equacionamento mais equilibrado com o dogma da competitividade a qualquer custo. Por tais motivos é que, por exemplo, o dogma da impossibilidade de marca foi sepultado. A aproximação da gestão da coisa pública com a gestão da coisa privada obrigou o legislador a enterrar dogmas desprovidos de agregação de valor ao gestor público. Já tivemos oportunidade de opinar neste CONJUR (https://www.conjur.com.br/2023-jun-29/laercio-loureiro-nllc-sumula-270- tcu) sobre a necessidade de alteração da Súmula 270 do TCU diante da morte do referido dogma da impossibilidade de marca. A menção a “planejamento” em 12 (doze) oportunidades na NLLC também corrobora a mudança de paradigmas de gestão. No mesmo sentido caminha a nova regra da NLLC e contratos sobre limitação temporal que, outrora vedada, tem previsão expressa para a hipótese de serviços continuados. Assim prevê o novo códex licitatório: “Art. 67. A documentação relativa à qualificação técnico-profissional e técnico- operacional será restrita a: (...) II - certidões ou atestados, regularmente emitidos pelo conselho profissional competente, quando for o caso, que demonstrem capacidade operacional na execução de serviços similares de complexidade tecnológica e operacional equivalente ou superior, bem como documentos comprobatórios emitidos na forma do § 3º do art. 88 desta Lei; (...) § 5º Em se tratando de serviços contínuos, o edital poderá exigir certidão ou atestado que demonstre que o licitante tenha executado serviços similares ao objeto da licitação, em períodos sucessivos ou não,por um prazo mínimo, que não poderá ser superior a 3 (três) anos.” (grifos nossos). Merece destaque a comparação entre as duas regras: art. 30 §5º da Lei 8.666/93 e art. 67 §5º da Lei 14.133/2.021. Na lei velha havia vedação expressa a “limitações de tempo ou de época ou ainda em locais especí�cos”. A regra tem a clara e inequívoca �nalidade de favorecer a competitividade em detrimento das exigências de comprovação de know-how do licitante. Ocorre que tais exigências de prévia experiência pro�ssional são absolutamente comuns no âmbito privado e a NLLC tem como �nalidade incluir regras típicas da área privada no âmbito da gestão pública. Dentro dessa ótica de mudança gerencial qualitativa é que a regra da NLLC deve ser interpretada. Assim, prevê a nova lei sobre Atestado de capacidade técnica que poderão ser solicitados “.... em períodos sucessivos ou não, por um prazo mínimo, que não poderá ser superior a 3 (três) anos.” A nova regra rompe com o dogma da competitividade a qualquer custo e cria um teto e um parâmetro: 3 anos. A regra deve ser interpretada como um parâmetro geral e não como regra de que “apenas” em serviços contínuos pode haver exigência de atestados com limites temporais. O serviço contínuo presume o “teto” de exigência temporal já que é um serviço onde o “know-how” tem maior relevância. Criando esse “teto” a lei criou _ por via transversa_ um parâmetro para todas as demais licitações que não sejam de serviços contínuos. Havendo menor necessidade de “know-how” a exigência de _ por exemplo _ um ano de atestado de capacidade técnica mostra-se, a princípio, razoável. A grande contribuição da NLLC, portanto, foi quanti�car e parametrizar o ACT que inobstante sempre pudesse ser exigido não tinha limites claros do ponto de vista do “quantum”, favorecendo a proliferação numérica da jurisprudência. A criação deste “teto e parâmetro” rompe o dogma da “competividade” a qualquer custo e privilegia a qualidade do serviço a ser prestado com a exigência objetiva de prévia experiência anterior. CAPÍTULO 7.4 MANUTENÇÃO DO TEMA 1.038 DO C. STJ Nos bancos da graduação aprendemos que “sempre” e “nunca” são advérbios incompatíveis com o Direito. “Nunca” haverá pena de morte? Haverá em caso de guerra...e assim por diante. O Tema 1.038 do C. STJ prevê que o Poder Público não poderá imiscuir-se em taxas de administração dos licitantes, já que haveria invasão às intimidades da livre concorrência, além de indevida limitação do caráter competitivo do certame. Mesmo que isso tenha como objetivo evitar contratos inexequíveis já que existem outras regras licitatórias para tal providência acautelatória, prossegue o STJ. Assim, decidiu a Corte da Cidadania: “Os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei nº 8.666/1993.” (grifos nossos). A regra licitatória da moribunda lei 8.666/93 prevista no tema 1.038 prevê: Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (...) X - o critério de aceitabilidade dos preços unitário e global, conforme o caso, permitida a fixação de preços máximos e vedados a �xação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência, ressalvado o disposto nos parágrafos 1º e 2º do art. 48; O novo Códex licitatório não tem regra literalmente idêntica e não cria limitação quanto a preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência. Ainda assim, ousamos a�rmar que o tema 1.038 permanece hígido e válido em relação à nova Lei de Licitações como regra geral, mesmo não havendo regra escancaradamente idêntica àquela do artigo 40, X da Lei 8.666/93. A principiologia do precedente da Corte da Cidadania é a garantia do caráter competitivo e o resguardo da responsabilidade da administração com a exigência de garantias tais como caução, capital mínimo, etc. Tais garantias tem previsão na Nova Lei a exemplo daquelas previstas no artigo 96. O tem 1.038 do C. STJ tem relação umbilical com a precaução contra preços inexequíveis e a responsabilização da Administração nos termos da Súmula 331 do C. TST. Tais preocupações continuam presentes na NLLC e, ainda que não haja reprodução literal da proibição de preços mínimos há preceitos para vedação de preços inexequíveis e aplicação da competitividade, mantendo- se a principiologia básica que fundamentou o tema 1.038. Nesse sentido, prevê o artigo 11 da NLLC: “Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos: I - assegurar a seleção da proposta apta a gerar o resultado de contratação mais vantajoso para a Administração Pública, inclusive no que se refere ao ciclo de vida do objeto; II - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes, bem como a justa competição; III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos;” (grifos nossos). Prossegue a NLLC: “Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: I - contiverem vícios insanáveis; II - não obedecerem às especificações técnicas pormenorizadas no edital; III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;” (grifos nossos). No mesmo artigo 59 o novo códex licitatório delimita de forma mais objetiva a inexequibilidade na área de engenharia. Assim: “§ 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.” O princípio da competitividade foi albergado expressamente pela NLLC. Assim: “Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).”(grifos nossos) Portanto, ainda que não tenha “desenhado” na nova lei, o binômio “competitividade-exequibilidade”, referido binômio continua presente na Nova Lei e, portanto, o tema 1038 do C. STJ continua valendo. Mas voltando aos advérbios “nunca” e “sempre” do início do texto, há uma hipótese em que o tema 1.038 do C. STJ NÃO será aplicado. Em nosso modesto entendimento, seja qual for a Lei de Licitações (8.666/93 ou 14.133/21) o tema 1.038 do C. STJ NÃO se aplica às hipóteses de licitação para seleção de cartão/vale alimentação em razão de lei especí�ca sobre o tema. A lei federal nº 14.442/2022 PROÍBE taxas negativas de administração. Assim: “Art. 3º O empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o art. 2º desta Lei, não poderá exigir ou receber: I - qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado; II - prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré- paga dos valores a serem disponibilizados aos empregados; ou III - outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do empregado, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.” A Confederação Nacional do Transporte questionou a constitucionalidade da regra na ADI 7.248 comfulcro no princípio da livre concorrência. Mencionada ADI não teve decisão liminar tampouco decisão de mérito, mantendo-se a presunção de legitimidade e a higidez da lei federal nª 14.442/2022 em face do sistema jurídico brasileiro. O fato de haver decisão em recurso repetitivo junto ao C. STJ (tema 1.038) não foi o su�ciente para convencer o relator da Corte Suprema da inconstitucionalidade já que referida decisão do STJ foi proferida antes da lei federal nº 14.442/2022. Aliás, ousamos apostar na improcedência de tal ADI. A regra não é uma cautela quanto a propostas inexequíveis, mas garantia da qualidade mínima do serviço prestado ao servidor público, pois as taxas negativas acabam por forçar a atuação predatória do contratado junto aos estabelecimentos credenciados e consequente depreciação da qualidade dos produtos adquiridos com o vale/cartão alimentação. Razões distintas e de valor axiológico ligados ao direito à vida e à dignidade serviram de supedâneo axiológico à proibição da lei 14.442/2.022. Portanto, como o tema 1.038 do C. STJ trata da exequibilidade do contrato administrativo, a lei 14.442/22 é posterior e trato de assunto distinto (saúde do trabalhador) não se aplicando o tema do STJ às licitações sobre cartão/vale alimentação seja qual for a lei licitatória utilizada. CAPÍTULO 7.5 O QUE É ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR? Tema que tem suscitado dúvidas no âmbito da Administração Pública é sobre a �nalidade e a natureza desse novo instrumento criado pela NLLC. O artigo 6ª da NLLC, verdadeiro sumário de institutos licitatórios, prevê: “XX - estudo técnico preliminar: documento constitutivo da primeira etapa do planejamento de uma contratação que caracteriza o interesse público envolvido e a sua melhor solução e dá base ao anteprojeto, ao termo de referência ou ao projeto básico a serem elaborados caso se conclua pela viabilidade da contratação;” (grifos nossos). Estudo Técnico Preliminar é uma técnica compulsória e preliminar de planejamento. Sendo o primeiro instrumento de planejamento da licitação ele é, por de�nição, mais genérico do que as etapas posteriores como o termo de referência, anteprojeto e projeto básico. Ele terá várias características repetitivas principalmente na etapa de transição da provecta lei 8666/93 e a nova lei 14.133/21, já que o planejamento não é hábito arraigado na Administração Pública brasileira. É comum que as estimativas de custos e o termo de referência sejam repetidos no ETP e, também, em fases seguintes já que a Administração Pública ainda não se habituou a um planejamento prévio, compulsório e sistematizado. Não se trata de um erro no ETP, mas mera adequação nesta etapa de transição. A NLLC prevê alguns itens obrigatórios (em negrito): “ART. 18 (...) § 1º O estudo técnico preliminar a que se refere o inciso I do caput deste artigo deverá evidenciar o problema a ser resolvido e a sua melhor solução, de modo a permitir a avaliação da viabilidade técnica e econômica da contratação, e conterá os seguintes elementos: I - descrição da necessidade da contratação, considerado o problema a ser resolvido sob a perspectiva do interesse público; II - demonstração da previsão da contratação no plano de contratações anual, sempre que elaborado, de modo a indicar o seu alinhamento com o planejamento da Administração; III - requisitos da contratação; IV - estimativas das quantidades para a contratação, acompanhadas das memórias de cálculo e dos documentos que lhes dão suporte, que considerem interdependências com outras contratações, de modo a possibilitar economia de escala; V - levantamento de mercado, que consiste na análise das alternativas possíveis, e justificativa técnica e econômica da escolha do tipo de solução a contratar; VI - estimativa do valor da contratação, acompanhada dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, que poderão constar de anexo classificado, se a Administração optar por preservar o seu sigilo até a conclusão da licitação; VII - descrição da solução como um todo, inclusive das exigências relacionadas à manutenção e à assistência técnica, quando for o caso; VIII - justificativas para o parcelamento ou não da contratação; IX - demonstrativo dos resultados pretendidos em termos de economicidade e de melhor aproveitamento dos recursos humanos, materiais e financeiros disponíveis; X - providências a serem adotadas pela Administração previamente à celebração do contrato, inclusive quanto à capacitação de servidores ou de empregados para fiscalização e gestão contratual; XI - contratações correlatas e/ou interdependentes; XII - descrição de possíveis impactos ambientais e respectivas medidas mitigadoras, incluídos requisitos de baixo consumo de energia e de outros recursos, bem como logística reversa para desfazimento e reciclagem de bens e refugos, quando aplicável; XIII - posicionamento conclusivo sobre a adequação da contratação para o atendimento da necessidade a que se destina. § 2º O estudo técnico preliminar deverá conter ao menos os elementos previstos nos incisos I, IV, VI, VIII e XIII do § 1º deste artigo e, quando não contemplar os demais elementos previstos no referido parágrafo, apresentar as devidas justificativas.” O ETP tem sua alma no dever de planejar. Por conta desta característica de “alma ou semente do planejamento” é que o ETP pode ser dispensado, por exemplo, no caso de dispensa de licitação já que a dispensa surge, exatamente, da ausência de enquadramento do mundo dos fatos no planejamento licitatório. Assim prevê o Códex Licitatório: “Art. 72. O processo de contratação direta, que compreende os casos de inexigibilidade e de dispensa de licitação, deverá ser instruído com os seguintes documentos: I - documento de formalização de demanda e, se for o caso, estudo técnico preliminar, análise de riscos, termo de referência, projeto básico ou projeto executivo;”(grifos nossos) Se uma dispensa surge de uma urgência, de uma pandemia ou de uma imprevisibilidade não seria possível, por de�nição, um planejamento prévio. Não se confunda desleixo com imprevisão. Prestação de serviços médicos, por exemplo, são previsíveis. O aumento repentino da necessidade de tais serviços decorrentes de uma pandemia ou de um processo migratório repentino são imprevisíveis. Outro exemplo para diferenciação entre imprevisível e desleixo imprevidente: canos que entopem todo ano em um número aproximado de vezes. Ainda que haja urgência para seu desentupimento, o fato é absolutamente previsível (até em números aproximados) não se justi�cando a ausência de ETP neste caso. Diríamos, em tom poético, que o ETP seria uma espécie de “brainstorming” da licitação. É uma “tempestade de ideias” minimamente registrada nos termos de seus itens obrigatórios. A �gura de linguagem é, ao mesmo tempo, metáfora e hipérbole já que a comparação implícita da �gura do ETP (metáfora) não é su�ciente para esclarecer sua natureza. O exagero (hipérbole) decorre do fato de que o ETP não é apenas um “bate- papo” entre amigos da administração como a “tempestade de ideias” pode sugerir, mas um “bate-papo” aprofundado numa descrição minimamente “matematizada” em seus termos obrigatórios. Para melhor adequação do “apelido” do ETP poderíamos utilizar a expressão “brainstorming cartesiana” já que é uma “tempestade de ideias” devidamente dirigida pelos requisitos do artigo 18 da Lei Federal nº 14.133/21. CAPÍTULO 7.6 PEQUENO MANUAL PRÁTICO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO “PREGÃO NOVO” Com a �nalidade de combate ao fenômeno administrativo da “neofobia”11 formulamos um guia prático com as semelhanças e diferenças entre o “pregão velho” (Lei federal nº 10.520/02) e o “pregão novo” (Lei Federal nº 14.133/21). O texto não pretende esgotar o tema das semelhanças e diferenças mas apenas servir como pequeno manual prático que afaste a velha desculpa dos “neofóbicos” de que não saberiam por onde começar a aplicação da nova lei. Apesar de ser tema já resolvido no âmbito das Cortes de Contas e na doutrina,a aplicação da nova lei não acarretou a proibição de uso da lei velha. O que foi vedado foi o “hibridismo” ou uso parcial de cada uma das leis num mesmo processo licitatório.“Neofóbicos” desenterram quaisquer rudimentos argumentativos para a manutenção em sua zona de conforto e “culpabilização alheia” como forma de garantir sua própria inoperância até o dia do apocalipse. As principais semelhanças são: 1-) objeto padronizado/serviços comuns com critério de menor preço ou maior desconto; 2-) prazo de 8 (oito) dias para bens comuns; 3-) Justi�cava na fase interna; 4-) Termo de referência; 5-) estimativa do preço de mercado; 6-) Pregoeiro como responsável; 7-) Aplicabilidade da Lei Complementar 123/06: empate �cto de 5%, preferência de ME/EPP e exclusividade para comprar até R$ 80.000,00, cota de 25% e subcontratação, etc; 8-) compatibilidade com a Lei Orçamentária; 9-) Edital e minuta de contrato; 10-) Equipe de apoio; 11-) etapa de reinício de lances; 12-) Publicidade no PNCP e meio eletrônico facultativamente; 13-) Recursos e impugnações: prazo de 3 (três) dias; 13-) manifestação imediata do interesse recursal do licitante; 14-) Etapa de habilitação posterior à etapa de julgamento; As principais diferenças (em acréscimo ao rol anterior) são: 1-) Compatibilidade com o Plano Anual de Contratações a partir de 2.024; 2-) Estudo Técnico Preliminar; 3-) Orçamento feito nos moldes do artigo 23 da Lei 14.133/21; 4-) prazo de validade da proposta já que a Nova Lei não prevê o prazo de 60 dias do pregão antigo mas este prazo pode constar no edital; 5-) Ciclo de vida do objeto que pode constar no Termo de Referência; 6-) Publicidade e registro obrigatórios no PNCP; 7-) Possibilidade de contratação de obras e serviços comuns de engenharia; 9-) Etapa de reinício de lances deve ter previsão do percentual de diferença no edital (podendo ser de 10% como na lei antiga, sendo de 5% no caso de empate entre primeiro e segundo colocados se previsto no edital); 10-) Publicidade idêntica à lei anterior com acréscimo da publicidade no PNCP; 11-) Prazo de 10 dias no caso de pregão de obras e serviços comuns. Em síntese, o setor de licitações pode, perfeitamente, utilizar um modelo de edital do “pregão velho” e adaptá-lo ao “pregão novo”. Vamos de�nir aqui apenas os itens que tem apresentado maiores dúvidas nos setores de licitação: Estudo Técnico Preliminar (ETP) e ciclo de vida do objeto e orçamentos. Temas como acesso ao PNCP inobstante as dúvidas que surgem podem ser sanadas com a empresa responsável pela plataforma do pregão eletrônico já que é dever desta realizar a compatibilização. Não recomendamos o uso da modalidade presencial já que a nova lei exige gravação em áudio e vídeo nessas hipóteses, sendo muitíssimo mais prático realizar tudo eletronicamente. Qual é a ordem de etapas a serem seguidas no “pregão novo”? QUADRO DE IMPLEMENTAÇÃO DO “PREGÃO NOVO” 1.Documento de formalização da demanda- equivalente ao ofício do “pregão velho”. 2. Estudo Técnico Preliminar – sem equivalente no “pregão velho”. Dica: Seguir a IN 58/2.022 da SEGES, art. 9º. Recomenda-se que o ETP faça referência expressa, clara e inequívoca sobre o uso do Catálogo Eletrônico de Padronização da União. Recomenda- se o seu uso ou a indicação expressa de sua incompatibilidade. Somente a área técnica demandante tem condições de fazer essa análise. Abaixo faremos manual especí�co do ETP 3. Termo de referência – equivalente ao TR do “pregão velho”. 4.Orçamento estimado – sem equivalente exato no “pregão velho”. O orçamento da NLLC e contratos devem ser feito com observância do art. 23. Preferencialmente pela pesquisa junto ao PNCP, pois é a forma mais segura, em regra, da busca do preço de mercado. A lista de formas de obtenção de preços do artigo 23 não é taxativa. 5.Do edital – equivalente ao “pregão velho” com alguns acréscimos. QUADRO DE IMPLEMENTAÇÃO DO “PREGÃO NOVO” O edital do “pregão velho” deve ser adaptado, mantendo-se a faculdade de previsão de reinício de lances no caso de lances com diferença de 10%, bem como do prazo de validade de 60 (sessenta) dias da proposta do licitante. O prazo de 60 (sessenta) dias não é automático, devendo ser previsto no edital. 6. Publicação do edital – idêntico ao “pregão velho”. Prazo de 8 dias idêntico no caso de bens e de 10 dias no caso de serviços e obras comuns. 7.Impugnações e recursos – idêntico ao “pregão velho” – prazo de 3 (três) dias e manifestação imediata na sessão. No caso de impugnação ao edital até 3 (três) dias antes da abertura do certame e o “pregão velho” previa 5 (cinco) dias antes da abertura do certame. 8.Julgamento – idêntico ao “pregão velho”. 9.Publicação no PNCP em até 20 (vinte) dias da assinatura do contrato - sem equivalente no “pregão velho”. 10.Coringa: Na dúvida, o pregoeiro deve aplicar as regras antigas do pregão pois con�gura, no máximo culpa do pregoeiro, excluindo as tipi�cações da Lei de Improbidade. A tabela a seguir indica 12 itens do ETP. Quando não for item obrigatório �zemos menção pela abreviatura “N.O.” e “O” para o obrigatório. ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR 1.O ETP deve conter (IN 58/2.022 da SEGES, art. 9º e artigo ): 2.Descrição da necessidade da contratação (O) 3.Indicação se o serviço é continuado ou não, técnicas aplicáveis, regras de sustentabilidade, padrão mínimo de qualidade (NO); 4.Alternativas de solução existentes no mercado e indicação do motivo da escolha. Pode haver indicação de escolhas de outros órgãos públicas ou coleta de informações em audiência pública (NO); ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR 5.Exigências de manutenção e assistência técnica (NO); 6.Estimativa de quantidades a serem contratadas e documentos que orientaram referida conclusão (O); 7.Estimativa do valor da contratação, preços unitários e documentos que orientaram referida conclusão (O); 8.Justi�cativas para o parcelamento ou não da solução encontrada (O); 9.Contratações em andamento, próximas contratações e contratações que guardem relação com a contratação do ETP (NO); 10.Demonstração da compatibilidade com o Plano Anual de Contratações (a partir de 2.024) (NO); 11.Resultados pretendidos e e�ciência no uso de recursos (NO); 12.Indicação de necessidade de adequação: capacitação de servidores, licenças, etc (NO); 13.Impactos ambientais e medidas de mitigação (NO); 14.Posicionamento claro, objetivo e conclusivo sobre a adequação da contratação (O); Para facilitar o uso do “pequeno manual”, segue a lista dos itens OBRIGATÓRIOS do ETP: ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR – ITENS OBRIGATÓRIOS A.Descrição da necessidade da contratação (O); B.Estimativa de quantidades a serem contratadas e documentos que orientaram referida conclusão (O); C.Estimativa do valor da contratação, preços unitários e documentos que orientaram referida conclusão (O); ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR – ITENS OBRIGATÓRIOS D.Justi�cativa para o parcelamento ou não da solução encontrada (O); E.Posicionamento claro, objetivo e conclusivo sobre a adequação da contratação (O); CICLO DE VIDA DO OBJETO O tema do ciclo de vida deve constar no termo de referência e pode ser abordado de várias formas: na escolha de uma marca que é possível na NLLC (art. 41) ou ainda, com a proibição de marca (art. 41, III da NLLC). Outra forma, mais prática no atual momento de “engatinhar” da NLLC é a inclusão no edital de garantia mínima estendida de acordo com padrões de mercado. O administrador público deve atentar-se ao fato de que deve ser viável a “garantia estendida” que será exigida e compatível com aquelas oferecidas no mercado. ORÇAMENTOS O orçamento, num primeiro momento, poderá ser feito nos moldes antigos, já que artigo 23 da NLLC prevê em seu artigo 23 prevê um rol não taxativo. Quando o PNCP estiver em uso contínuo, a melhor forma de pesquisa de mercado será, provavelmente, o banco de preços do PNCP. De qualquer forma, a compatibilidade com os preços de mercado continua sendo a regra e a pesquisa de, no mínimo 3 (três) fornecedores que já era praxe nos setores de licitação passou a ser regraobrigatória. São essas nossas modestas contribuições para a implementação da NLLC e sepultamento da “neofobia”, que pode con�gurar Improbidade Administrativa. Í CAPÍTULO 7.7 MARCA E NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA SÚMULA 270 DO TCU A referida Súmula do TCU prevê: “Súmula 270: Em licitações referentes a compras, inclusive de sowares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização e que haja prévia justificação.“ (grifos nossos). A NLLC, porém, tem forte in�uência de princípios da governança corporativa empresarial e a compra de produto “apenas por ser o mais barato” está em vias de extinção com a inclusão do conceito de “ciclo de vida do objeto”. A proibição de marca, que não passa de uma escolha de marca (s) por via transversa, tem previsão expressa na nova Lei de Licitações, rompendo a exclusividade de padronização como justi�cativa para a indicação de marca. É corriqueiro que nas empresas privadas ou mesmo em nosso âmbito doméstico haja “fuga” de determinadas marcas que criam problemas ao invés de oferecerem soluções. O dogma da busca irracional apenas do menor preço restou sepultado pela nova Lei de Licitações. Assim, prevê a lei federal 14.133/21: Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: (...) III - vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual; Pensamos que a nova �gura criou uma espécie de “obrigação de não fazer no âmbito administrativo” consistente em não adquirir marcas que tenham ciclo de vida que tornem o produto substancialmente mais caro do que o produto com preço apenas nominalmente maior. A “demagogia da vantagem nominal” tem seus dias contados. O processo para vedação/escolha de marca deve ser feito antes do procedimento licitatório de maneira a assegurar o contraditório e a ampla defesa às marcas que serão potencialmente vedadas e, também àquelas que, potencialmente, serão escolhidas. O processo administrativo apartado e anterior à licitação propriamente dia é relevante pois di�culta a ocorrência de nulidades no âmbito do exercício do contraditório e da ampla defesa, principalmente pelas “fábricas de demagogia de preços” que oferecem problemas a preços módicos mas não entregam soluções à Administração Pública. A (s) marca (s) a ser (em) indicada (s) como adequada (s) também deve participar do processo administrativo em busca da verdade real e do debate com a indicação de elementos técnicos que fundamentem a(s) escolha(s) da marca(s). O procedimento deve ser iniciado com a justi�cativa técnica da área que pretende proibir/escolher, intimando-se todas as marcas possíveis e conhecidas. A intimação genérica das demais empresas interessas pelo Diário O�cial também é recomendável como reforço à possibilidade de defesa. Após tal procedimento a licitação poderá ser iniciada, utilizando como justi�cativa para a escolha (s) /vedação (ões) de marca o procedimento administrativo, afastando alegações de supressão do exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa. Em razão da modi�cação contínua de tecnologia, a cada procedimento licitatório o escolha/vedação de marca (s) pode ser impugnada, desde que sejam indicados elementos ausentes no procedimento anterior, como por exemplo, a mudança de tecnologia da empresa que tenha aumentado o ciclo de vida do objeto. A regra que fulminou de morte o fornecimento pelas “fábricas de demagogia de preços” está prevista no artigo 41 da NLLC, especialmente no inciso I, “c” e no inciso III. Assim: “Art. 41. No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: I - indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses: a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto; b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração; c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante; III - vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual;” É possível interpretar-se que apenas o processo de proibição de marca teria a necessidade de processo administrativo apartado, já que o inciso III faz referência expressa ao estabelecer que “...mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensável ao pleno adimplemento da obrigação contratual” Porém, do ponto de vista substancial, a “escolha de uma marca” nada mais é senão a vedação implícita das demais, não tendo sentido hermenêutico que a vedação por via indireta e transversa tenha procedimento distinto do procedimento direto e imediato. Feita essa interpretação (da qual discordamos) estaríamos erigindo a hipocrisia e a dissimulação como instrumentos de gestão ao arrepio do princípio da moralidade administrativa. Portanto, de rigor o processo administrativo tanto para a vedação quanto para a escolha de marca. Tal processo administrativo não precisará; obviamente; ser burocraticamente repetido a cada nova licitação, sendo su�ciente sua menção nos procedimentos licitatórios posteriores. Desta forma, encerrando um período de trevas gerencial, a nova Lei de Licitações inaugura um período de gestão pública efetiva com a possibilidade de escolha/vedação de marca por motivo substancial que é o ciclo de vida do objeto. A provecta lei 8.666/93 já autoriza a escolha de marca em hipótese de padronização da Administração Pública ou justi�cativa técnica. Porém, estabelece como regra o uso da similaridade, tornando a escolha da marca algo bem mais restrito. Assim, prevê em seu artigo 7º a revogada lei 8.666/93s: § 5o É vedada a realização de licitação cujo objeto inclua bens e serviços sem similaridade ou de marcas, características e especi�cações exclusivas, salvo nos casos em que for tecnicamente justificável, ou ainda quando o fornecimento de tais materiais e serviços for feito sob o regime de administração contratada, previsto e discriminado no ato convocatório.” O artigo 15 da mesma lei 8.666/93 prevê: “Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão: (...) § 7o Nas compras deverão ser observadas, ainda: I - a especi�cação completa do bem a ser adquirido sem indicação de marca; (grifos nossos). Nesse ambiente de aridez legislativa é que o TCU editou a Súmula 270 acima referida. Com todo o respeito, pedimos licença para sugerir a redação hipotética que deverá prosperar após debates no TCU sobre o tema da marca sob a luz da NLLC: “Em licitações referentes a compras, inclusive de sowares, é possível a indicação de marca, desde que seja estritamente necessária para atender exigências de padronização, escolha/vedação decorrente de motivos estritamente técnicos e que haja prévia justificação.“ (negrito e sublinhado em nossos acréscimos não existentes na redação original da Súmula 270 do TCU). Feita nossa modesta sugestão, a palavra �nal está com a Corte de Contas. 10 Referência ao “Conselheiro Acácio”, personagem formalista e pedante da obra “O primo Basílio” de Eça de Queiroz. 11 “Neofobia e Improbidade”, publicado no CONJUR de 05.05.23: https://www.conjur.com.br/2023-mai- 05/laercio-loureiro-lei-1413321-neofobia-improbidade O CAPÍTULO 8 MODALIDADES DE LICITAÇÃO A nova lei prevê as seguintes modalidades licitatórias: “Das Modalidades de Licitação Art. 28. São modalidades de licitação: I – pregão; II – concorrência; III – concurso; IV – leilão; V – diálogo competitivo.” primeiro ponto,já destacado acima, é que foram abolidas as modalidades de convite e tomada de preços. O diálogo competitivo seria melhor enquadrado como licitação de assimetria de informações técnicas. O Poder Público, nesta nova modalidade licitatória, tem indigência de informações pertinentes e necessita do particular, inclusive, para formular o próprio objeto licitatório. É uma licitação em que os próprios particulares participam da efetivação substancial do edital a ser publicado após a audiência pública. MODALIDADES ABOLIDAS:TOMADA DE PREÇOS E CARTA- CONVITE A nova Lei de Licitações aboliu o parâmetro preço como critério para a escolha do certame licitatório. A própria �gura do “fracionamento” que é o ato ilícito de dividir em pequenas licitações aquela licitação de valor maior no mesmo exercício perdeu bastante do seu sentido original. A questão de valores especí�cos terá mais utilidade prática no que tange às dispensas e aos “fracionamentos por hibridismo” tratados mais adiante. De qualquer maneira é possível que haja o surgimento de uma hermenêutica do “fracionamento” por falta de planejamento. Tal �gura hipotética poderá ocorrer pela inexistência de “plano anual de contratações” ou existência meramente formal que impeça o efetivo planejamento e diálogo entre os vários setores da Administração Pública. Em nosso modesto entendimento, o pregão para aquisição de papel A- 4, v.g., deve ser feito de maneira única e planejada e não de acordo com o egoísmo setorial de cada secretaria. Aguardemos o posicionamento da jurisprudência dos Tribunais de Contas. CRITÉRIOS DE JULGAMENTO A lei revogada previa quatro critérios de julgamento: “Art. 45. O julgamento das propostas será objetivo, devendo a Comissão de licitação ou o responsável pelo convite realizá-lo em conformidade com os tipos de licitação, os critérios previamente estabelecidos no ato convocatório e de acordo com os fatores exclusivamente nele referidos, de maneira a possibilitar sua aferição pelos licitantes e pelos órgãos de controle. § 1o Para os efeitos deste artigo, constituem tipos de licitação, exceto na modalidade concurso: (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994) I - a de menor preço - quando o critério de seleção da proposta mais vantajosa para a Administração determinar que será vencedor o licitante que apresentar a proposta de acordo com as especificações do edital ou convite e ofertar o menor preço; II - a de melhor técnica; III - a de técnica e preço. IV - a de maior lance ou oferta - nos casos de alienação de bens ou concessão de direito real de uso. (Incluído pela Lei nº 8.883, de 1994)” Já a nova Lei de Licitações prevê seis critérios: “Art. 33. O julgamento das propostas será realizado de acordo com os seguintes critérios: I – menor preço; II – maior desconto; III – melhor técnica ou conteúdo artístico; IV – técnica e preço; V – maior lance, no caso de leilão; VI – maior retorno econômico.” Nosso modesto entendimento é o que os mesmos critérios da lei revogada foram detalhados na atual lei. O critério “maior retorno econômico”, substancialmente abrange os itens, I, II, V e VI. Ou seja, grande similitude substancial com a lei revogada. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE MARCA A nova lei autoriza, excepcionalmente, a utilização de marca como critério de julgamento, observadas algumas peculiaridades previstas no artigo 41 da nova lei. Assim: “Art. 41 No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: I – indicar uma ou mais marcas ou modelos, desde que formalmente justificado, nas seguintes hipóteses: a) em decorrência da necessidade de padronização do objeto; b) em decorrência da necessidade de manter a compatibilidade com plataformas e padrões já adotados pela Administração; c) quando determinada marca ou modelo comercializados por mais de um fornecedor forem os únicos capazes de atender às necessidades do contratante; d) quando a descrição do objeto a ser licitado puder ser mais bem compreendida pela identificação de determinada marca ou determinado modelo aptos a servir apenas como referência;” Ainda que se possa argumentar que a maioria das hipóteses já era aceita pela jurisprudência anterior à nova lei, o fato é que o novo códex licitatório amplia a possibilidade de marca até mesmo por ser a única que, efetivamente, atenderá ao interesse público. A nova regra é positiva, pois na área de informática e de Saúde, por exemplo, existem produtos especí�cos que não têm similares satisfatórios noutras marcas. Claro que a escolha da marca deverá ser devidamente justi�cada pela área técnica especí�ca. MATRIZ DE RISCOS NO REGISTRO DE PREÇOS O registro de preços sempre foi importante instrumento de aquisição de produtos pela Administração Pública quando não há possibilidade de previsão exata de quantitativos. Nesse diapasão é a súmula 31 do TCE/SP: “Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada” A principal inovação sobre o registro de preços na nova lei refere-se à possibilidade de “carona”. Também o registro de mais de um licitante e a possibilidade de prorrogação por novo período de um ano são outras duas novidades do novo códex licitatório. O objetivo deste texto é debater a inovação acerca da possibilidade de mais de um licitante ser o detentor da ata e as consequências desta regra quanto aos riscos assumidos (matriz de riscos). O primeiro ponto a ser observado é a maneira pela qual os “licitantes” (no plural) poderão fazer parte deste Registro de preços. Também há possibilidade de que o licitante faça oferta parcial do montante a ser objeto do registro de preços, reduzindo sua matriz de riscos. Outra novidade digna de registro (permitam-me a ironia) é quanto ao prazo de validade que na Lei Federal 8.666/93 e na antiga lei do pregão (lei 10.520/02) é de 60 dias e na nova lei dependerá exclusivamente da previsão do edital (art. 90,§3º da nova lei) Há visível aproximação do novo registro de preços com regras da iniciativa privada tais como oferecimento parcial da proposta e a “carona” do RP de outro ente político tal como faria uma empresa privada em relação a compras feitas por outra empresa do mesmo grupo econômico. As características de direito privado do Registro de Preços �zeram com que Marçal Justen Filho12 a�rmasse em sua reconhecida obra: “A ‘ata de registro de preços’ não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (grifos nossos) Assim, a �gura do contrato preliminar tem previsão nos artigos 462 a 466 do Código Civil e somente pode ser aplicado ao registro de preços com adaptações em consonância com as cláusulas exorbitantes e a supremacia do interesse público. Prevê o artigo 463 do Código Civil: “Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.” Evidentemente que o contrato administrativo não tem essa amplitude do contrato de direito privado. A “liberdade de arrependimento” do contrato preliminar está prevista, implicitamente, ao se admitir a existência de vários fornecedores pelo mesmo preço oferecido pelo licitante vencedor, garantindo o interesse público na pluralidade de detentores da ata. Assim, prevê o artigo 82: “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) VII - o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;” Desta forma, o edital deve prever qual será, especi�camente, a multa a ser aplicada na hipótese de descumprimento pelo licitante vencedor.Tal arrependimento, porém, somente poderá ser exercido após o prazo de validade (necessariamente previsto no edital) de sua proposta. A nossa modesta interpretação é a de que a imposição de multa é obrigatória apenas na hipótese de descumprimento do primeiro licitante, caso não haja outro licitante apto a fornecer pelo mesmo preço. Havendo outro licitante apto a fornecer o produto/serviço do RP a mera sanção de advertência parece ser su�ciente, caso seja a primeira desistência do licitante. A multa será �xada entre 0,5% a 30% do valor do contrato descumprido pelo licitante vencedor, sendo recomendável a escolha do percentual aplicável já no edital do Registro de Preços de maneira a evitar discussões estéreis e protelatórias. Aparentemente, a imposição de multa seria uma sanção obrigatória ao licitante vencedor que não efetiva a entrega/produto do registro de preços. Não é, porém, a interpretação que aqui se pretende. O licitante vencedor que deixar de efetivar a entrega do produto/serviço poderá ser, novamente, convocado para oferecer o produto/serviço pelo qual foi sagrado vencedor da licitação já que o novo modelo permite tal interpretação, desde que haja expressa previsão no edital. Essa interpretação está em consonância com o princípio da ampla competitividade do processo licitatório e da possibilidade de registro de mais de um licitante junto ao registro de preços. Assim, apenas se houver duas negativas de fornecimento pelo licitante vencedor, ou uma única negativa, na hipótese de ser o único licitante detentor da ata de registro de preços é que estará con�gurada a infração contratual. A interpretação da aplicação da multa apenas na hipótese de inexistência de outro licitante apto e registrado no RP tem como fundamento, também, a regra de que as partes do contrato respondem na proporção das consequências de sua inexecução. Assim: “Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.” A interpretação que se faz do artigo 115 é a de que é verdadeiro princípio a ser seguido no momento da aplicação de sanções. O grande problema do registro de preços é o fato de que, indiretamente, ele acaba “in�ando” os valores dos produtos/serviços pois o particular terá que “reservar” produto/serviço sem a certeza da entrega do mesmo. No caso de produto é mais visível que o preço será in�ado em razão do “estoque permanente” que terá que ser feito pelo particular sem que haja qualquer garantia de fornecimento. A interpretação que �exibiliza a obrigatoriedade de manutenção de produto/serviço acaba favorecendo a redução, indiretamente, do produto ou serviço já que não há mais aquele vínculo “manu militare” que acabava por impulsionar o preço criando um “spread” licitatório invisível a olho nu. Desta forma, havendo mais de um licitante no registro de preços, a possibilidade de cumprimento pelos licitantes seguindo a ordem de classi�cação ameniza o risco e diminui o “spread” que sempre acompanhou o registro de preços. As consequências concretas do inadimplemento do licitante vencedor e o prazo de validade da proposta são os maiores parâmetros a serem seguidos de forma a implementar o interesse público albergado no registro de preços. É superlativamente recomendável que haja, já no edital, a descrição da matriz de riscos, constando, expressamente, que na hipótese de haver um único detentor da ata, o vínculo existente entre o Poder Público e o licitante vencedor tem a característica de vinculação plena, sendo aplicáveis as sanções por inadimplemento, caso haja recusa de fornecimento no prazo de validade da ata (rotineiramente, de um ano). Assim, o novo registro de preços pode ter vários licitantes registrados pela ordem de classi�cação e como consequência confere uma pequena liberdade ao licitante vencedor consistente em poder negar o fornecimento com a modesta sanção da advertência, caso a negativa ocorra após a validade de sua proposta e caso haja outro licitante registrado apto a promover o fornecimento. Todo o regramento sem previsão expressa na nova lei deverá constar na matriz de riscos do edital da licitação que antecede o registro de preços. CAPÍTULO 8.1 PREGÃO OBRIGATÓRIO PARA SERVIÇOS DE ENGENHARIA O pregão faz parte da alma licitatória. O saudoso Hely Lopes Meirelles13 em sua clássica obra “Direito Administrativo Brasileiro” já ensinava, em nota de rodapé, que a origem da própria Licitação era o pregão realizado na idade média: “Nos Estados medievais da Europa usou-se o sistema denominado “vela e pregão” que consistia em apregoar-se a obra desejada e, enquanto ardia uma vela, os construtores interessados faziam suas ofertas. Quando se extinguia a chama, adjudicava-se a obra a quem houvesse oferecido o melhor preço” Retomando sua origem histórica, as obras de engenharia, em regra, deverão ser feitas, obrigatoriamente, na modalidade do pregão. Vários são os motivos jurídicos que fundamentam a opção do legislador. A mera leitura da de�nição da modalidade licitatória na NLLC já indica a interpretação nesse sentido. Assim: “Art. 6º (...) XLI - pregão: modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto;” (grifos nossos). A dúvida que poderia surgir seria quanto ao aspecto do que seriam “serviços comuns de engenharia”. A própria Lei 14.133/2.021 ajuda a esclarecer: “Art. 29. A concorrência e o pregão seguem o rito procedimental comum a que se refere o art. 17 desta Lei, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado. Parágrafo único. O pregão não se aplica às contratações de serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual e de obras e serviços de engenharia, exceto os serviços de engenharia de que trata a alínea “a” do inciso XXI do caput do art. 6º desta Lei.” (grifos nossos). Desta forma, o primeiro critério para a distinção entre “serviços comuns de engenharia” e “serviços incomuns de engenharia”, é a presença do elemento intelectualidade na obra a ser licitada. Aliás, se o elemento intelectualidade for mais acentuado sequer haverá licitação em razão da singularidade do objeto. Assim, a construção do memorial da América Latina pelo renomado arquiteto Oscar Niemayer, foi feito por inexigibilidade de licitação tal e qual seria sob a égide da nova lei. Se o elemento intelectual estiver presente em menor grau do que o exemplo anterior estaremos, provavelmente, diante da licitação de obra pela modalidade licitatória concorrência. A de�nição da modalidade licitatória concorrência conjugada a uma interpretação sistemática da Lei 14.133/2.021 ajuda a elucidar o tema. Assim: “Art. 6º (...) XXXVIII - concorrência: modalidade de licitação para contratação de bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns e especiais de engenharia, cujo critério de julgamento poderá ser: a) menor preço; b) melhor técnica ou conteúdo artístico; c) técnica e preço; d) maior retorno econômico; e) maior desconto;” A leitura meramente gramatical poderia levar o interprete a entender que seria uma “opção” do administrador público a escolha da concorrência ou do pregão para os serviços comuns de engenharia, já que o inciso XXXVIII menciona que a concorrência seria “bens e serviços especiais e de obras e serviços comuns”. Porém, as alíneas do próprio inciso XXXVIII e o inciso XLI do artigo 6º não podem ser ignoradas nessa interpretação. O inciso XLI menciona o pregão como “obrigatório” para serviços (inclusive de engenharia) comuns. As alíneas do inciso XXXVIII mencionam o preço (menor preços, maior retorno, maior desconto) e acrescentam um elemento bem distintivo do pregão: a técnica, seja como “técnica e preço”, seja como “melhor técnica”. Então, o primeiro critériolicitações cujo valor estimado for superior à receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte. § 2º A obtenção de benefícios a que se refere o caput deste artigo fica limitada às microempresas e às empresas de pequeno porte que, no ano-calendário de realização da licitação, ainda não tenham celebrado contratos com a Administração Pública cujos valores somados extrapolem a receita bruta máxima admitida para fins de enquadramento como empresa de pequeno porte, devendo o órgão ou entidade exigir do licitante declaração de observância desse limite na licitação. Os artigos 42 a 49 da Lei Complementar 123/2006 mencionados no texto legal acima transcrito preveem benefícios às referidas empresas como estímulo ao empreendedorismo. A referida Lei complementar tem previsão de cotas reservadas, facilitação da habilitação e subcontratação, preferência e empate ficto. A novidade da lei é a compatibilidade específica da receita bruta e o orçamento da licitação em que haverá a participação de ME e EPP. Aliás, se existem prerrogativas que facilitam a atuação da pequena empresa decorre, logicamente, o raciocínio inverso: o tamanho exacerbado da licitação pode ser fator que torna incompatível a participação de ME e EPP. CAPÍTULO 1.1 LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR Uma análise superficial conduziria à suposta inconstitucionalidade (formal) de uma lei ordinária modificar regras estabelecidas pela Lei complementar 123/2006. A Constituição Federal prevê a regra da isonomia substancial (tratamento diferenciado na medida de sua desigualdade) no artigo 179 da Carta Federal. Assim: “Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.” Não há previsão de lei complementar para disciplinar benefícios a ME e EPP, já que o texto constitucional prevê LEI e não LEI COMPLEMENTAR. No âmbito da questão tributária, a previsão de lei complementar é de clareza solar. Assim: “Art. 146. Cabe à lei complementar: (...) III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...) d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. “ Logo, do ponto de vista formal, não há nenhuma inconstitucionalidade já que a nova Lei de Licitações não prevê regra tributária. A Lei Complementar 123/2006 trata de vários temas que deveriam ser observados em lei ordinária. Entretanto, temas que não exigem lei complementar podem ser modificados por lei ordinária já que, substancialmente, somente o tema tributário exige lei complementar. Ademais, ao estabelecer preferências, a Lei Complementar não tratou do tema da compatibilidade entre orçamento do órgão público e receita bruta da ME/EPP. Superada a questão da constitucionalidade formal, adentremos ao tema da constitucionalidade substancial e, mais especificamente, do princípio da isonomia. Do ponto de vista substancial também não há que se falar em ofensa à isonomia. Vale registrar que as regras dos artigos 42 a 49 não são, sempre, aplicadas às licitações. Os operadores de licitações podem relatar inúmeros casos em que _v.g._ não houve divisão em cotas que beneficiam ME e EPP em razão de se tratar de objeto indivisível ou houver prejuízo à economia de escala. O que a regra destacada fez foi, apenas e tão somente, prever hipótese óbvia em que o favorecimento à ME e EPP macula o interesse público. A exemplo, objeto de elevado valor não pode ser conferido a ME/EPP sem que haja ofensa ao interesse da Administração Pública, sem provável comprometimento da economia de escala ou, até mesmo, a exequibilidade do objeto licitado. Apesar de ser de difícil exemplificação concreta, nada impede que _ num caso real_ a receita da ME/EPP não tenha relevância para com o objeto da licitação, caso em que a regra poderá ser afastada. Pensemos numa hipótese de concurso (modalidade licitatória) a exemplo daquele em que o Município de São Paulo fez com o elevado João Goulart para fins de urbanização ambientalmente sustentável. Este é um caso em que a receita da empresa é absolutamente irrelevante, e não teria o menor sentido limitar a participação de projetos: ainda que o prêmio fosse de valor elevado, ou que a própria futura obra tivesse montantes elevados, a isonomia afastaria a regra acima comentada. Novamente, estas são hipóteses em que a receita bruta anual não teria nenhuma pertinência concreta com o objeto da licitação. A regra, portanto, deve ser interpretada como uma aplicação ordinária do princípio da isonomia substancial. No que diz respeito à aplicação do princípio da isonomia é sempre oportuno citar a lição de Boaventura de Souza Santos. Como leitor do respeitado jornal “Folha de S. Paulo” tivemos a oportunidade de ler (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz03029808.htm): “O importante não é o nome que pomos às coisas, mas antes as coisas que pomos nos nomes.” O relevante não é tanto a modalidade licitatória ou mesmo o valor desta licitação. O que, efetivamente, é relevante é se a receita brutal anual (ou a capacidade econômica da empresa medida de outra forma) teria relevância na licitação. Ninguém teria a insanidade de defender, v.g, que uma licitação para privatização de uma empresa estatal de capital bilionário poderia ter “cotas reservadas” ou preferência de ME/EPP tendo em consideração que a dimensão do objeto licitatório impede a participação de empresas de acanhado capital, porquanto o interesse público não seria respeitado com a transferência do controle para referidas empresas. Registre-se que o afastamento da participação privilegiada de ME/EPP já ocorria sob a égide da Lei Complementar 123/2006 quando tal tipo de participação não atendesse ao interesse público. Assim, já decidiu a Egrégia Corte Bandeirante: “Ementa: AÇÃO POPULAR – Pretensão à anulação de procedimento licitatório atinente à locação de veículos destinados à Guarda Municipal – Ausência de ilegalidade que maculem o certame – Objeto e critério de contratação inseridos no reduto intangível do ato administrativo, não é passível de modificação pelo Poder Judiciário – Inexistência de comprovação de superfaturamento – A participação de consórcios de empresas em licitação é facultativa nos termos do artigo 33 da Lei nº 8.666/1990 – O tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte é afastado quando não for vantajoso para a Administração Pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado nos termos do artigo 49, inciso III, da Lei Complementar nº 123/2006 – Ausência de recursos voluntários – Remessa necessária não provida (Remessa necessária 1002256-83.2016.8.26.0309, Relator: Fermino Magnani Filho, Comarca de Jundiaí, 5º Câmara de Direito Público, data de julgamento e publicação: 05,05.2019 – grifos nossos), Desta forma, o que a lei fez foi apenas explicitar hipótese em que, muito provavelmente, não haverá interesse público em dar participação privilegiada aos entes empresariais ME/EPP. CAPÍTULO 1.2 O EMPATE FICTO DA ME/EPP DIFERE DO EMPATE REAL Em apertada síntese, o autor alemão Robert Alexy1 faz referência à superioridade axiológica dos princípios em relação às normas. A preferência da ME/EPP é uma norma e não um princípio devendo submeter-se aos princípios da vinculação ao edital, vedação ao enriquecimento sem causa e competitividade. A interpretação de alguns operadores do direito de que a preferência seria um mero critério de desempate acarretaria a subversão do sistema axiológico descritopara se aferir a necessidade da concorrência é a presença do elemento “técnica” como critério seletivo da licitação. Não havendo tal elemento a conclusão só poderá ser pela obrigatoriedade do pregão. A jurisprudência do E. TCE/SP corrobora e inspira nossa tese, ora defendida. A licitação pela modalidade pregão é mais prática, rápida e barata, devendo ser preferida por motivos de economicidade, tema objeto da vigilância da Corte de Contas. Sob a égide da Lei 13.303/2.016 a Corte Paulista já adotava a preferência do pregão. A “lei das estatais” previa o pregão como modalidade meramente “preferencial”. Assim: “Art. 32. Nas licitações e contratos de que trata esta Lei serão observadas as seguintes diretrizes: (...) IV - adoção preferencial da modalidade de licitação denominada pregão, instituída pela Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002 , para a aquisição de bens e serviços comuns, assim considerados aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado;” Assim, havia “preferência”, mas a Lei 14.133/2.021 evolui para a “obrigatoriedade” sendo de rigor sua aplicação na imensa maioria das licitações obras e serviços já que, por de�nição, o corriqueiro enquadra-se na categoria de “comum”. É paradigmática e visionária a decisão da E. Corte de Contas na pena do Eminente Conselheiro Edgard Camargo Rodrigues, tendo o município de Colômbia como jurisdicionado: “Normas de âmbito federal (Decreto nº 5.450, de 31 de maio de 2005, revogado pelo Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019) e estadual (Decreto nº 49.722, de 24 de junho de 2005) elidiram vedação até então imposta, liberando emprego da modalidade licitatória pregão para serviços de engenharia, condicionada à convergência de outros atributos intrínsecos ao objeto, notadamente sê-lo comum e padronizado, sem implicar, necessariamente, ausência de complexidade técnica, de modo a permitir descrição objetiva no edital, conforme artigo 1º e parágrafo único da Lei Federal nº 10.520/02”(TC 007777.989.21, grifos nossos). Merece destaque o fato de que a decisão NÃO afasta a aplicação do pregão pela mera complexidade do objeto desde que seja objeto padronizado no mercado e descrição objetiva no edital. A complexidade, por si só, não afasta a regra da obrigatoriedade do pregão. Com a nova Lei de Licitações, o pregão para serviços de engenharia é a regra obrigatória para a imensa maioria das obras. A utilização da modalidade concorrência deverá ser expressamente justi�cada pelo setor de obras diante da complexidade da obra somada à impossibilidade de descrição objetiva pela inexistência de padronização no mercado. 12 “Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos”, EDITORA RT, 2.021,pág.1.159 . 13 “Direito Administrativo Brasileiro”, 40ª edição, Editora Malheiros, pág. 298, nota de rodapé nº 98 A CAPÍTULO 9 MEMÓRIA ADMINISTRATIVA nova Lei de Licitações tem sua origem próxima na lei das estatais (Lei Federal nº 13.303/2016) e no RDC (Regime Diferenciado de Contratações (Lei Federal nº 12.462/2011). Também foi influenciada, ainda que em menor medida, pela Lei das PPPs, lei Anticorrupção. As leis revogadas do pregão e da Lei Federal nº 8.666/1993 também contribuíram na construção da novel legislação. Poderíamos afirmar que a Emenda Constitucional nº 19/1998 que inseriu o princípio da eficácia no artigo 37 “caput” da Constituição só teve seu “nascimento real’” com a presente lei. É a primeira vez que institutos tipicamente privados como o planejamento, a matriz de risco e o sigilo (ainda que temporário) na negociação adentraram como regra geral nos certames licitatórios. Afirmamos isso levando-se em conta que as regras de governança corporativa na Administração Pública, propriamente dita, pessoas de direito público, só ocorreu com a nova legislação. A lei visa introduzir conceitos corriqueiros da administração privada na Administração Pública de maneira a racionalizar a atividade administrativa. Conceitos elementares da área privada tais como planejamento, redução de custos, padronização de procedimentos repetitivos, só foram regulamentados nesse momento. Registramos a relevância do tema da “Teoria dos jogos” para o entendimento do “jogo” que é a licitação. A assimetria de informações entre o setor público e o setor privado é reconhecido na nova Lei de Licitações, assumindo-se a supremacia de informações em mãos do setor privado. Alguns mecanismos são criados de maneira a minimizar essa assimetria de informações. O sigilo do orçamento, por exemplo, tem como finalidade equilibrar as informações das partes deixando no âmbito exclusivamente público o valor que será gasto na licitação. Numa aquisição provada é muito comum que o comprador não informe quanto pretende gastar forçando uma redução de custos na oferta do vendedor. A nova Lei de Licitações cria uma série de mecanismos de “memória para fins contratuais”, ou seja, registro de informações pertinentes que servem de subsídio para a Administração Pública. A experiência da vida real da Administração Pública passa a ser registrado como mecanismo de “memória administrativa” e mecanismo de acúmulo de informações que visam a busca do “equilíbrio de informações” , sempre reconhecendo a supremacia privada de dados técnicos do objeto da licitação. Assim, prevê a hipótese de VEDAR a compra de marca específica que se demonstrou como inapta às finalidades públicas: “Art. 41 No caso de licitação que envolva o fornecimento de bens, a Administração poderá excepcionalmente: (...) III – vedar a contratação de marca ou produto, quando, mediante processo administrativo, restar comprovado que produtos adquiridos e utilizados anteriormente pela Administração não atendem a requisitos indispensáveis ao pleno adimplemento da obrigação contratual.“ Sabe aquele café horroroso originado num pó de café que foi “o mais barato” no pregão do Município? Pode estar aí a solução. Aquela marca barata de peça que sempre vence a licitação mas é superlativamente péssima no dia a dia? Também pode ser a saída. O novo sistema cria mecanismos de memória administrativa, trazendo elementos da iniciativa privada (e do elementar bom senso) para o seio da Administração Pública. Outra forma de garantir a qualidade, muitas vezes afastada pelo pregão em que o preço passa a ser o parâmetro por excelência, é a PADRONIZAÇÃO, verdadeiro mantra da administração privada que, finalmente, desembarcou na Administração Pública. DESEMPENHO CONTRATUAL COMO CRITÉRIO DE DESEMPATE Seguindo a linha da “memória administrativa”, um dos critérios de desempate é o desempenho contratual anterior do licitante. Assim: “Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: I – disputa final, hipótese em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta em ato contínuo à classificação; II – avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta Lei;” Regra típica do setor privado, inserida na nova Lei de Licitações. A finalidade da norma é a eficiência de resultados. Em razão da finalidade legislativa é que a ênfase contratual deve ser o resultado e não o meio utilizado. DESEMPENHO E REGISTROS CADASTRAIS A nova lei prevê que a possibilidade de uso da avaliação do desempenho do licitante também pode ser parâmetro. Como já mencionado, a Administração Pública está em situação de inferioridade quanto aos conteúdos técnicos de domínio da área privada. O mecanismo para reequilíbrio de forças é a “memória administrativa”. Assim, prevê nosso sistema legal licitatório: “Art. 88 (...) § 3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadoresobjetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada. § 4º A anotação do cumprimento de obrigações pelo contratado, de que trata o § 3º deste artigo, será condicionada à implantação e à regulamentação do cadastro de atesto de cumprimento de obrigações, apto à realização do registro de forma objetiva, em atendimento aos princípios da impessoalidade, da igualdade, da isonomia, da publicidade e da transparência, de modo a possibilitar a implementação de medidas de incentivo aos licitantes que possuírem ótimo desempenho anotado em seu registro cadastral.” Assim, temos uma espécie de “Serasa” no âmbito administrativo. OUTRAS CONSULTAS OBRIGATÓRIAS A formalização contratual deverá ser precedida de consulta pelo setor público de regularidade fiscal e junto ao CEIS e CNEP. Reiteramos, aqui, que há uma sistematização cadastral que aproxima o setor público do setor privado. Há um conjunto de cadastros e consultas que se assemelham à “Serasa” no âmbito particular, inobstante a consulta dos órgãos públicos seja bem mais detalhada. Assim: “Art. 91 (...) § 4º Antes de formalizar ou prorrogar o prazo de vigência do contrato, a Administração deverá verificar a regularidade fiscal do contratado, consultar o Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e o Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP), emitir as certidões negativas de inidoneidade, de impedimento e de débitos trabalhistas e juntá-las ao respectivo processo.” A lei federal nº 14.133/2.021 tem todas as condições de elevar o patamar civilizatório da gestão do Poder Público transformando-o num ambiente bem administrado. A questão a saber é se o próprio Poder Público está preparado para dar esse passo ou se a nova Lei está à frente do próprio objeto regulado. A memória administrativa é um item que faz parte do dever de planejamento. Por motivos meramente didáticos o autor separou a “memória administrativa” do “dever de planejamento” apenas para dar mais destaque ao que denomina de “memória administrativa” diante de sua inovação em sede legislativa de licitações. Como a obra tem o objetivo central de destacar as inovações, optamos por este formato. CAPÍTULO 9.1 A “SERASA” LICITATÓRIA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES Limites temporais das informações desabonadoras do PNCP A nova Lei de Licitações apresenta inúmeros mecanismos para tornar a Administração Pública um ambiente dotado de eficiência e governança corporativa. Partindo do pressuposto teórico da “Teoria dos jogos” e da assimetria de informações entre o setor público e o setor privado, a lei é o primeiro passo rumo à efetiva aplicação do princípio constitucional da eficiência previsto no artigo 37, “caput” da Carta Federal. Partindo-se do pressuposto de que o setor privado é o detentor de quantidade e qualidade superiores de informações técnicas, a lei cria mecanismos para tentar o “equilíbrio” de tais informações. Assim, mecanismos privados como o uso da “Serasa” foram criados pela nova lei com a previsão de banco de dados do “Portal Nacional de Contratações Públicas” a exemplo do que os atores da iniciativa privada já realizam como etapa prévia de seus negócios. Referido portal tem como finalidade dar eficácia aos contratos administrativos e prevenir contratos desastrosos, além de servir como registro compulsório de publicidade e uso facultativo como plataforma licitatória. Assim, prevê o artigo 94 do novo códex licitatório: “Art. 94. A divulgação no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP) é condição indispensável para a eficácia do contrato e de seus aditamentos e deverá ocorrer nos seguintes prazos, contados da data de sua assinatura:” O referido PNCP também tem a finalidade (facultativa) de realização de licitações. Assim prevê o artigo 174 da nova lei: “Art. 174. É criado o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado à: I - divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta Lei; II - realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos.” O tema que mais promete polêmica quanto ao PNCP é o seu caráter de “banco de dados” do desempenho de licitantes. Assim, prevê o artigo 37, II da Lei Federal nº 14.133/21: “Art. 37. O julgamento por melhor técnica ou por técnica e preço deverá ser realizado por: (...) III - atribuição de notas por desempenho do licitante em contratações anteriores aferida nos documentos comprobatórios de que trata o § 3º do art. 88 desta Lei e em registro cadastral unificado disponível no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP).” Já o artigo 88, §3º que tem remissão legislativa no artigo citado prevê a atribuição de notas de desempenho do licitante. Assim: “Art. 88. Ao requerer, a qualquer tempo, inscrição no cadastro ou a sua atualização, o interessado fornecerá os elementos necessários exigidos para habilitação previstos nesta Lei. (...) § 3º A atuação do contratado no cumprimento de obrigações assumidas será avaliada pelo contratante, que emitirá documento comprobatório da avaliação realizada, com menção ao seu desempenho na execução contratual, baseado em indicadores objetivamente definidos e aferidos, e a eventuais penalidades aplicadas, o que constará do registro cadastral em que a inscrição for realizada.” Na licitação de técnica ou de técnica e preço a avaliação de desempenho terá peso significativo, o que poderá gerar a judicialização da própria inserção da informação junto ao PNCP tal como ocorre no âmbito da Serasa. Não só nas licitações de técnica ou técnica e preço terá relevância, mas também nas demais licitações, já que o desempenho poderá ser critério de desempate. Assim, prevê o artigo 60 do códex licitatório: “Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: (...) II - avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta Lei;” Desta forma, aparentemente, há uma lacuna acerca da permanência da informação desabonadora que deverá ser preenchida pela hermenêutica dos operadores do Direito. Por quanto tempo a informação negativa poderá permanecer no banco de dados do PNCP? Uma primeira análise leva-nos a analisar o CDC, que além da defesa do consumidor, também regulamenta a questão dos bancos de dados em seu artigo 43, estabelecendo prazo de 5 anos, salvo se não houver prescrição em prazo inferior. Assim: “Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes. § 1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.”(grifos nossos) Ainda que se argumente pela inaplicabilidade do CDC em razão da existência do Poder Público como parte, ainda assim, chegaríamos a mesma conclusão temporal, analisando a regra quanto ao CADIN. Assim, decidiu o C. STJ, aplicando o Decreto 20.910/32, verdadeiro dogma temporal quando se trate do Poder Público: “AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EXCLUSÃO DO NOME DO DEVEDOR NO CADIN. MULTA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/32. PRAZO QUINQUENAL. INAPLICABILIDADE DO PRAZO VINTENÁRIO PREVISTO NO CÓDIGO CIVIL” (AgRg no AgRg no REsp 1042030 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0062566-1, Ministro Luiz Fux, julgamento: 27.10.2009, publicação: 09.11.2009 – grifos nossos) O óbice quanto à aplicação da regra de permanência no CADIN seria o fato de que o mero desempenho do licitante não seriauma “multa”. Ora, ainda que não seja multa, o registro do desempenho negativo tem caráter de sanção tal e qual a multa. Outro argumento favorável ao prazo quinquenal de manutenção da informação desabonadora junto ao PNCP é a previsão, na própria nova Lei de Licitações, quanto ao prazo de cinco anos para a prescrição das sanções previstas na Lei Federal nº 14.133/21. A manutenção no PNCP de informação desabonadora, também é uma sanção (ainda que indireta) e, portanto, deve ter prazo para seu término. Assim: Art. 158. A aplicação das sanções previstas nos incisos III e IV do caput do art. 156 desta Lei requererá a instauração de processo de responsabilização, a ser conduzido por comissão composta de 2 (dois) ou mais servidores estáveis, que avaliará fatos e circunstâncias conhecidos e intimará o licitante ou o contratado para, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado da data de intimação, apresentar defesa escrita e especificar as provas que pretenda produzir. (...) § 4º A prescrição ocorrerá em 5 (cinco) anos, contados da ciência da infração pela Administração, e será:” Assim, seja pela aplicação da regra específica dos bancos de dados (CDC), seja pela aplicação do Decreto 20.910/32, seja, ainda, pela aplicação da jurisprudência quanto à permanência do CADIN para multas ou, ainda, pela previsão do artigo 158,§4º da própria Lei Federal nº 14.133/21 chegamos à conclusão do prazo quinquenal para manutenção das informações desabonadoras junto ao PNCP. CAPÍTULO 9.2 DESEMPATE PELA “AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO CONTRATUAL” A nova Lei de Licitações é superlativamente superior à moribunda Lei 8.666/93 no quesito desempate de licitantes. A lista de critérios de desempate, na nova lei, é extensa e detalhada apesar da ausência de previsão expressa do sorteio como critério de desempate. Esse critério, porém, pode constar no edital como enésimo e último critério de desempate. O rol do “iter decisório vinculado” previsto na NLLC é o seguinte: “Art. 60. Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão utilizados os seguintes critérios de desempate, nesta ordem: I - disputa final, hipótese em que os licitantes empatados poderão apresentar nova proposta em ato contínuo à classificação; II - avaliação do desempenho contratual prévio dos licitantes, para a qual deverão preferencialmente ser utilizados registros cadastrais para efeito de atesto de cumprimento de obrigações previstos nesta Lei; III - desenvolvimento pelo licitante de ações de equidade entre homens e mulheres no ambiente de trabalho, conforme regulamento; (Vide Decreto nº 11.430, de 2023) Vigência IV - desenvolvimento pelo licitante de programa de integridade, conforme orientações dos órgãos de controle. § 1º Em igualdade de condições, se não houver desempate, será assegurada preferência, sucessivamente, aos bens e serviços produzidos ou prestados por: I - empresas estabelecidas no território do Estado ou do Distrito Federal do órgão ou entidade da Administração Pública estadual ou distrital licitante ou, no caso de licitação realizada por órgão ou entidade de Município, no território do Estado em que este se localize; II - empresas brasileiras; III - empresas que invistam em pesquisa e no desenvolvimento de tecnologia no País; IV - empresas que comprovem a prática de mitigação, nos termos da Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. § 2º As regras previstas no caput deste artigo não prejudicarão a aplicação do disposto no art. 44 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.”( grifos nossos). A avaliação do desempenho contratual, da maneira como consta na Lei, pode levar à interpretação de seria uma espécie de “habilitação de desempate”. Tal interpretação não pode prosperar pois a regra de procedimentos previstos no artigo 17 da NLLC prevê que “O processo de licitação observará as seguintes fases em sequência:” (grifos nossos). O inciso IV do referido artigo prevê a fase de julgamento e o inciso VI prevê a fase de habilitação. Trata-se de “iter procedimental segregado”. Ainda que a licitação tenha suas fases invertidas, ainda assim, as duas fases continuam segregadas e a natureza do critério de desempate do artigo 60 é regra de julgamento e não etapa de habilitação. A apresentação de documentos é mais comum na fase de habilitação, mas também pode ser instrumento de julgamento. Apresentar documentos não muda _ por si só _ a natureza da fase licitatória. Outro aspecto digno de destaque é o de que o artigo 60 é aplicado após a ocorrência de empate ficto das MEs/EPPs e o uso da prerrogativa do lance suplementar. Já publicamos neste Conjur (https://www.conjur.com.br/2023- fev- 06/laercio-loureiro-empate-ficto-meepp-difere-empate-real) que o empate ficto não se confunde com o empate real. A primeira forma de desempate (após o uso da prerrogativa de lance suplementar da ME/EPP) é a nova proposta que foi denominada de “disputa final”. Vencida essa etapa, o critério será de “avaliação de desempenho contratual prévio” que merece mais atenção no presente texto. Mesmo não havendo previsão expressa na lei, necessário se faz a regulamentação por decreto ou a previsão no edital de critérios estritamente objetivos para tal avaliação. Um critério que sugerimos para inclusão nos editais da nova Lei de Licitações é a quantificação pecuniária para avaliação de desempenho contratual. Explicamos. Se todos os licitantes empatarem deverá prosseguir a fase de julgamento (em nova sessão) com a apresentação de documentação para desempate por avaliação de desempenho. Nesse caso, a proposta do autor é que conste no edital a seguinte regra objetiva de desempate: “9.1.2 DESEMPATE. Caso haja empate real entre licitantes deverá ser observada, nesta ordem as seguintes regras de desempate: A) A preferência da ME/EPP é empate ficto que não se confunde com o empate real devendo ser aplicado antes do empate regido por este item. B) Disputa final como derradeira tentativa de desempate pelo critério menor preço; C) Designação de nova sessão para a apresentação do envelope de desempate, que terá julgamento na forma das alíneas seguintes; D) Os licitantes empatados na proposta de preço deverão demonstrar a contratação junto ao Poder Público, do mesmo objeto (ou similar), nos últimos 5 (cinco) anos atualizando o valor pelo INCC (no caso de obras) ou IPCA (nos demais casos) desde o dia da assinatura de cada contrato até o dia anterior à entrega do envelope de desempate, sendo que o valor pecuniário superior será o critério de desempate; E) Mantido o empate, será convocada nova sessão, para apresentação de contratação junto ao Poder Público, do mesmo objeto (ou similar), nos últimos 10 (dez) anos, observadas as mesmas regras de quantificação pecuniária do item anterior; F) Caso persista o empate serão aplicados os critérios dos incisos III e IV e §1º, incisos I a IV do artigo 60; G- Caso nenhum critério anterior seja suficiente para o desempate será realizado sorteio a critério do agente de contratação de licitação responsável pela licitação utilizando-se apenas do fator sorte.” Desta forma tentamos esgotar o tema do empate no âmbito da nova Lei de Licitações, utilizando-se a fase de julgamento (eventualmente elastecida) par o desempate de propostas. Essa é a figura do “julgamento documental” cujo nome pretendemos batizar com as bençãos do prestigiado CONJUR. As hipóteses seguintes ao inciso II do artigo 60 tem relevância social e econômica, mas tem relevância indireta e mediata na gestão do contrato. Por tal motivo é que recomendamos a pormenorização do inciso II do referido artigo. A prévia avaliação de desempenho tem relação umbilical com a busca da proposta mais vantajosa e com o caráter competitivo da licitação, além de ser aplicação substancial do princípio da isonomia como critério de desempate. O detalhamento do conceito “avaliação de desempenho contratual prévio” merece a homenagem de sua efetivação nos editais e/ou nos decretos de regulamentação. CAPÍTULO 9.3 CAPITAL MÍNIMO E CAUÇÃO: SÚMULA 27 DO TCE/SP MANTIDA E 275DO TCU SUPERADA Pedimos licença à Egrégia Corte de Contas Bandeirante para afirmarmos que a Súmula 27 será mantida mesmo com a Nova Lei de Licitações e Contratos. Pedimos licença, ainda, ao TCU para afirmarmos que a Súmula 275 do TCU deverá ser superada de forma a coincidir com a visionária súmula 27. Referida Súmula do TCE/SP prevê: “SÚMULA Nº 27 - Em procedimento licitatório, a cumulação das exigências de caução de participação e de capital social mínimo insere-se no poder discricionário do administrador, respeitados os limites previstos na lei de regência.” (grifos nossos). O tema reflete a necessidade de “transversalidade” na hermenêutica das Cortes de Contas e da Lei de Licitações. “Transversalidade” é o termo utilizado com frequência na área acadêmica para denominar a necessidade de diálogo entre as inúmeras disciplinas. É uma metáfora já que faz referência ao quadro de disciplinas registrado na folha de papel e uma linha “transversal” riscando o quadro e ligando, metaforicamente, várias disciplinas. Temas econômicos permeiam a interpretação da Corte de Contas, forçando o caráter multidisciplinar das decisões das Cortes de Contas, já que a questão econômico-financeira não pode ser ignorada. A subjetividade e o caráter interdisciplinar são refletidos na Súmula 275 do TCU que tem hermenêutica diametralmente oposta inobstante a identidade de regras legislativas. Assim: “SÚMULA Nº 275 Para fins de qualificação econômico-financeira, a Administração pode exigir das licitantes, de forma não cumulativa, capital social mínimo, patrimônio líquido mínimo ou garantias que assegurem o adimplemento do contrato a ser celebrado, no caso de compras para entrega futura e de execução de obras e serviços.” ( grifos nossos). Notemos que a súmula 27 do TCE/SP e 275 do TCU tem interpretações muitíssimo distintas. A Súmula do TCE/SP é fortemente influenciada pelo princípio da eficiência já que garante contratos com probabilidades maiores de êxito. Já a Súmula do TCU tem forte influência do princípio da competitividade, irmão siamês do princípio constitucional da livre iniciativa. A Súmula Paulista tem foco na questão econômico-financeira do Poder Público e a manutenção da vigência do contrato. A Súmula do TCU tem foco na questão da livre-iniciativa, pilar da vida econômica do Brasil. Qual súmula tem razão sob a égide da Lei 8.666/93? Ambas. O dilema equivale ao conflito ideológico direita/esquerda ou ainda o conflito entre liberdade e segurança. Parodiando Norberto Bobbio14 em sua obra “Teoria do Ordenamento Jurídico” diríamos que estamos diante de uma antinomia real ou antinomia propriamente dita já que não há método de resolução para o conflito entre a regra constitucional da livre iniciativa e a regra constitucional da eficiência da Administração Pública. Comparemos, então, a origem da regra das garantias contratuais na moribunda lei 8.666/93 e na lei 14.133. Prevê a lei 8.666/93: “Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a: (...) § 2o A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer, no instrumento convocatório da licitação, a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo, ou ainda as garantias previstas no § 1o do art. 56 desta Lei, como dado objetivo de comprovação da qualificação econômico-financeira dos licitantes e para efeito de garantia ao adimplemento do contrato a ser ulteriormente celebrado.” O artigo 56§ 1º mencionado no artigo acima prevê: “Art. 56. A critério da autoridade competente, em cada caso, e desde que prevista no instrumento convocatório, poderá ser exigida prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e compras. § 1o Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, devendo estes ter sido emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil e avaliados pelos seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Fazenda; II - seguro-garantia; III - fiança bancária.“ A primeira regra indica as garantias possíveis. A segunda regra menciona o direito de opção pelo licitante quanto a uma das modalidades de garantia (caução/seguro-garantia/fiança bancária) mas não resolve o tema da exigência por parte do Poder Público. Desta forma, a lei 8.666/93 não fez uma opção clara quanto ao princípio da competitividade/livre iniciativa ou quanto ao princípio da eficácia da Administração Pública. Não há nada na lei antiga (de forma expressa) sobre o tema do cumprimento efetivo do contrato e sua relação com as garantias. Já a Lei 14.133/21 tem as seguintes regras equivalentes: “Art. 69. A habilitação econômico-financeira visa a demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato, devendo ser comprovada de forma objetiva, por coeficientes e índices econômicos previstos no edital, devidamente justificados no processo licitatório, e será restrita à apresentação da seguinte documentação: (...) § 4º A Administração, nas compras para entrega futura e na execução de obras e serviços, poderá estabelecer no edital a exigência de capital mínimo ou de patrimônio líquido mínimo equivalente a até 10% (dez por cento) do valor estimado da contratação.” (grifos nossos). Já o artigo 56 da Lei 8.666/93 é reproduzido, com algumas alterações, na Lei 14.133/21 em seu artigo 96: “Art. 96. A critério da autoridade competente, em cada caso, poderá ser exigida, mediante previsão no edital, prestação de garantia nas contratações de obras, serviços e fornecimentos. § 1º Caberá ao contratado optar por uma das seguintes modalidades de garantia: I - caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública emitidos sob a forma escritural, mediante registro em sistema centralizado de liquidação e de custódia autorizado pelo Banco Central do Brasil, e avaliados por seus valores econômicos, conforme definido pelo Ministério da Economia; II - seguro-garantia; III - fiança bancária emitida por banco ou instituição financeira devidamente autorizada a operar no País pelo Banco Central do Brasil.” No aspecto da opção quanto a uma das garantias a serem apresentadas, o direito de opção e as modalidades de garantia tem pouca ou nenhuma distinção entre as duas leis. O que tem especial relevância é o caput do artigo 31 §2º da Lei 8.666/93 e o artigo 69, caput, da lei 14.133. Primeira distinção é que o artigo 31§2º da lei 8.666 favorece a interpretação restritiva adotada pelo TCU já que o “caput” usa a expressão “limitar-se-á” (Art. 31- A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a;”. Já o artigo 69 da Lei 14.133/21 escancara a finalidade de cumprimento contratual, aproximando-se da hermenêutica da Corte de Contas Paulista. Prevê o referido artigo, em seu “caput” que as garantias são “para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato” ( Art. 69. A habilitação econômico-financeira visa a demonstrar a aptidão econômica do licitante para cumprir as obrigações decorrentes do futuro contrato, (...):” Portanto, aquilo que sob a égide da moribunda lei 8.666/93 deu margem a interpretações distintas e igualmente legítimas nascidas diretamente de princípios constitucionais tem agora solução jurídica distinta. O princípio da eficácia da Administração Pública e a efetivação dos contratos foi uma opção do legislador. A opção do legislador foi favorecer, expressamente, o princípio da eficiência no âmbito das garantias contratuais para o cumprimento efetivo do contrato. O dinheiro público bem aplicado foi homenageado na nova lei. O princípio da competitividade/livre iniciativa não foi afastado, apenas teve previsões noutros aspectos da nova Lei como, aliás, na própria existência de licitação que existe para homenagear a isonomia competitiva. Assim, em nossa modesta opinião, a visionária Súmula 27 do E.TCE/SP foi prestigiada pela NLLC ea Súmula 275 do E. TCU foi, data venia, superada. 14 Bobbio, Norberto, “Teoria do ordenamento jurídico”, Ed UNB, passim. U CAPÍTULO 10 CONTRATO ADMINISTRATIVO DE SERVIÇOS ma das novidades da nova Lei de Licitações é a vedação da contratação de serviços tendo como remuneração o mero reembolso de salário ou outras formas de remuneração que sejam mera “terceirização ilícita”. Assim: “Art. 48. Poderão ser objeto de execução por terceiros as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituam área de competência legal do órgão ou da entidade, vedado à Administração ou a seus agentes, na contratação do serviço terceirizado: I - indicar pessoas expressamente nominadas para executar direta ou indiretamente o objeto contratado; II - fixar salário inferior ao definido em lei ou em ato normativo a ser pago pelo contratado; III - estabelecer vínculo de subordinação com funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado; IV - definir forma de pagamento mediante exclusivo reembolso dos salários pagos; V - demandar a funcionário de empresa prestadora de serviço terceirizado a execução de tarefas fora do escopo do objeto da contratação; VI - prever em edital exigências que constituam intervenção indevida da Administração na gestão interna do contratado.” Não teria o menor sentido a remuneração que não fosse pelo resultado do serviço contratado e não pelo meio utilizado, máxime se considerarmos a evolução tecnológica que acompanha o setor de terceirização de serviços. O que a nova regra fez foi vedar parâmetros que, substancialmente, seriam contratação de pessoal com burla ao princípio do concurso público. O resultado da contratação de serviço é que deverá ser o norte essencial do contrato. A previsão de contrato de e�ciência, por exemplo, vai nessa linha de valorização do resultado. Essa é a linha geral de toda a legislação e, também, da regra especi�cada acima. A �nalidade da norma é a e�ciência de resultados. Em razão da �nalidade legislativa é que a ênfase contratual deve ser o resultado e não o meio utilizado. CAPÍTULO 10.1 CULPA DA ADMINSITRAÇÃO PÚBLICA REGULAMENTADA O princípio da legalidade é regra elementar no seio da Administração Pública por força do artigo 37 “caput” da Carta Federal. Inobstante a obviedade ululante de tal princípio, muitas vezes o administrador público “confunde” tal princípio com o artigo 5º, II da Carta Federal que, apesar de homônimo, tem sentido muitíssimo distinto. Enquanto o princípio da legalidade do artigo 37, “caput” proíbe qualquer ato administrativo que não tenha expressa previsão, o artigo 5º, II autoriza o cidadão a fazer tudo que não tenha expressa proibição. Nomenclaturas idênticas para dois sentidos bem distintos e que tangenciam a oposição. Como os péssimos administradores valem-se da confusão de conceitos e da indigente técnica, não restou alternativa ao Ministério Público do Trabalho senão ajuizar ações civis públicas obrigando municípios relapsos com suas próprias contas a terem o mínimo de cautela com seus prestadores de serviços com mão de obra intensa. Na ausência de regras expressas que impusessem deveres óbvios à Administração Pública, o órgão ministerial obreiro foi vencedor em uma in�nidade de ações civis públicas que impuseram o zelo aos entes municipais. O artigo 50 da nova Lei de Licitações veio regulamentar procedimentos que demonstram a inexistência de culpa da administração. A existência de culpa é requisito previsto na Súmula 331 do C. TST, bem como no tema 246 de Repercussão Geral do C. STF. O códex licitatório anterior (Art. 71, §1º da Lei Federal 8.666/93) não previa procedimentos especí�cos que afastassem a culpa da Administração Pública. Nesse diapasão previu a provecta Lei de Licitações: “Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato. §1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, �scais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis.” O C. TST interpretou tal regra da seguinte maneira (Súmula 331): “CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (...) IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também no título executivo judicial. V- Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666 de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.” (grifos nossos). No mesmo diapasão é o tema 246 de Repercussão Geral do C.STF: “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71§ 1º da Lei nº 8.666/93.” A moribunda Lei 8.666/93 não disciplinou de maneira pormenorizada quais seriam os procedimentos que caracterizariam o zelo da Administração Pública nos contratos de terceirização. Por conta de tal lacuna é que o Ministério Público do Trabalho ajuizou uma in�nidade de ações civis públicas impondo obrigações aos municípios relapsos que não tomavam cautelas em relação aos seus contratados tampouco com o dinheiro público. A imensa maioria das referidas ações civis públicas foi julgada procedente em primeira e segunda instâncias impondo deveres de cautela, notadamente junto à jurisdição do Egrégio TRT-15 com sede em Campinas. Merece destaque a exigência de escritório do licitante vencedor no domicílio do ente político que, inobstante a aversão da jurisprudência consolidada das Cortes de Contas, acabou sendo acobertada pelo manto da coisa julgada. Com a nova Lei de Licitações, porém, o tema recebe nova disciplina já que o artigo 50 da novel legislação detalha quais são os procedimentos que descaracterizam a culpa prevista na Súmula 331 do C. TST e no tema 246 do C. STF. Assim, prevê o novo diploma licitatório: “Art. 50. Nas contratações de serviços com regime de dedicação exclusiva de mão de obra, o contratado deverá apresentar, quando solicitado pela administração, sob pena de multa, comprovação do cumprimento das obrigações trabalhistas e com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em relação aos empregados diretamente envolvidos na execução do contrato, em especial quanto ao: I-Registro de ponto; II – Recibo de pagamento de salários, adicionais, horas extras, repouso semanal remunerado e décimo terceiro salário; III- Comprovante de depósito do FGTS; IV- Recibo de concessão e pagamento de férias e do respectivo adicional; V- Recibo de quitação de obrigações trabalhistas e previdenciárias dos empregados dispensados até a data da extinção do contrato; VI- Recibo de pagamento de vale-transporte e vale-alimentação, na forma prevista em norma coletiva” Desta forma, os contratos em que a nova Lei de Licitações foi utilizada (há um período de convivência das duas leis por dois anos) o contrato será regido pelo artigo 50 acima transcrito e não mais pela ação civil pública que criou requisitos de demonstração de não culpabilidade da Administração Pública no âmbito dos contratos de terceirização com utilização de mão de obra intensa. Nesse diapasão é a tranquila jurisprudência sedimentada nas notas de rodapé da obra clássica de eotonio Negrão15: “Art. 505. 7ª – A coisa julgada não impede que a lei nova passe a reger diretamenteos fatos ocorridos a partir de sua vigência (RTJ 89/344, 117/516, 117/1.000, 121/42, RSTJ 60/367, 81/162).” (grifos nossos). Desta forma, a nova Lei de Licitações criou parâmetros para o zelo/culpa da administração ressuscitando o princípio da competitividade outrora vilipendiados pelas ações civis públicas. O dever de manter escritório do licitante na sede do município, deu vida a uma espécie provinciana de reserva de mercado que, indiretamente, cria novos custos à Administração Pública. 15 CPC e legislação processual em vigor, Ed. Saraivajur, 2018, 49ª edição, pág.540. CAPÍTULO 11 PRAZOS E MODALIDADES LICITATÓRIAS A nova lei �xou os seguintes prazos16: 1-) 8 dias quando o critério for o preço; 2-) 15 dias, regra geral, quando não haja preço como critério ou tenha o critério do maior lance; 3-) 10 dias quando o critério for o preço de OBRAS; 4-) 25 dias quando o critério for o preço de OBRAS ESPECIAIS; 5--) 60 dias quando houver contratação integrada; 6-) 35 dias quando houver contratação semi-integrada ou não se encaixar nos prazos de obras anteriores e, ainda, quando o critério for técnica e preço. Assim, prevê a nova lei: “DA APRESENTAÇÃO DE PROPOSTAS E LANCES Art. 55. Os prazos mínimos para apresentação de propostas e lances, contados a partir da data de divulgação do edital de licitação, são de: I – para aquisição de bens: a) 8 (oito) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto; b) 15 (quinze) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas pela alínea a deste inciso; II – no caso de serviços e obras: a) 10 (dez) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços comuns e de obras e serviços comuns de engenharia; b) 25 (vinte e cinco) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, no caso de serviços especiais e de obras e serviços especiais de engenharia; c) 60 (sessenta) dias úteis, quando o regime de execução for de contratação integrada; d) 35 (trinta e cinco) dias úteis, quando o regime de execução for o de contratação semi- integrada ou nas hipóteses não abrangidas pelas alíneas a, b e c deste inciso; III – para licitação em que se adote o critério de julgamento de maior lance, 15 (quinze) dias úteis; IV – para licitação em que se adote o critério de julgamento de técnica e preço ou de melhor técnica ou conteúdo artístico, 35 (trinta e cinco) dias úteis.” Data maxima venia, pecou o legislador ao estabelecer uma lista de prazos que criam obstáculos práticos ao dia a dia da administração. Teria sido mais feliz se, v.g., dobrasse prazos para obras e triplicasse para contratações integradas ou semi-integradas. Ainda poderia criar prazos máximos e mínimos e deixar à discricionariedade a �xação dos prazos. En�m, promete di�culdade a lista de prazos criada pela nova lei. 16 Apesar da orientação da senhora revisora de indicação por extenso dos dias, optamos pela manutenção do algarismo por facilitar a visualização e comparação dos prazos. O CAPÍTULO 12 PREÇO INEXEQUÍVEL preço inexequível foi simpli�cado na nova Lei de Licitações. O preço inferior a 75% do orçamento da administração terá presunção relativa de inexequibilidade. Assim: “Art. 59 (...) § 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração. § 5º Nas contratações de obras e serviços de engenharia, será exigida garantia adicional do licitante vencedor cuja proposta for inferior a 85% (oitenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração, equivalente à diferença entre esse último e o valor da proposta, sem prejuízo das demais garantias exigíveis de acordo com esta Lei.” Vale registrar que o licitante deve ser intimado para apresentar defesa sobre a inexequibilidade do preço que poderá ser comprovado como exequível. Trata-se de presunção relativa de inexequibilidade condicionada ao efetivo cumprimento do contrato. De qualquer maneira, a partir do patamar de 85% (oitenta e cinco por cento) ou menos do valor orçado pela administração haverá o dever de oferecimento de garantia do cumprimento contratual. Í CAPÍTULO 12.1 MARKETING LICITATÓRIO DE PRODUTO, INEXEQUIBILIDADE E A NOVA LEI DE LICITAÇÕES Tema marcado pela aridez de casos práticos é o da inexequibilidade da proposta feita pelo licitante. Tanto a nova lei quanto a provecta Lei Federal nº 8.666/93 tratam laconicamente o tema que tem algum parâmetro objetivo apenas quando se trata da licitação de obra. A nova Lei de Licitações indica em três oportunidades o tema da inexequibilidade, mantendo o silêncio eloquente. Uma delas é a indicação no âmbito dos objetivos gerais da licitação. Assim: “Art. 11. O processo licitatório tem por objetivos: (..) III - evitar contratações com sobrepreço ou com preços manifestamente inexequíveis e superfaturamento na execução dos contratos” (grifos nossos). Noutro artigo o novo códex licitatório indica: “Art. 59. Serão desclassificadas as propostas que: (...) III - apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação;” (grifos nossos). E, �nalmente, de�ne (apenas para obras) o que seria preço inexequível no mesmo artigo 59: “(...) § 4º No caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) do valor orçado pela Administração.” A maior autoridade doutrinária em licitações no país (Marçal Justen Filho) ensina em sua obra sobre licitações deste ano (Editora RT, pág. 742) que NÃO se trata de presunção absoluta, mas meramente relativa, inobstante a taxatividade da lei quanto ao percentual de 75% do valor do orçamento do Poder Público. Assim: “33.1) O descabimento da tese da presunção absoluta Não é cabível admitir a tese de que seriam desclassificadas, de modo inevitável, as propostas de valor inferior a 75% do orçado. Essa orientação, que configuraria uma presunção absoluta de inexequibilidade, equivaleria à reintrodução no sistema jurídico brasileiro da licitação de preço-base.” (grifos no original). Desta forma, não há critério objetivo o su�ciente para a con�guração do preço inexequível nem mesmo no caso de obras. No caso de produtos e serviços, então, sequer há uma presunção relativa do que seria inexequível. O laconismo foi erigido à regra legal quando se trata de inexequibilidade de produtos ou serviços. O melhor norte a ser seguido é o do efetivo cumprimento do contrato por parte do particular. O objetivo central da vedação ao preço inexequível é evitar a ruína do princípio da continuidade do serviço público. Reforça tal hermenêutica o fato de que a nova lei vincula (em duas oportunidades) a vedação do preço inexequível e do superfaturamento de forma conjunta nos mesmos incisos dos respectivos artigos. Ou seja, a ruína do princípio da continuidade do serviço público (em razão dos preços exorbitantes ou inexistência do produto/serviço) é a essência da regra do preço inexequível. Aliás, pedimos licença para a�rmar que a nomenclatura mais adequada e pedagógica não seria “preço inexequível”, mas “contrato de cumprimento impossível”. Um determinado valor de tarifa de pedágio é viável para uma empresa com capital elevado, mas não é exequível por uma empresa de reduzido capital. A exequibilidade é muito mais do contrato do que do preço. Os custos são variáveis e não há parâmetro legal que obrigue o particular a utilizar uma planilha especí�ca de custos. A planilha de custos é uma ferramenta de trabalho do particular e não uma obrigação legal e vinculante. A livre concorrência é que estabelecerá a planilha viável em determinado mercado e não uma regra legal ou a imposição do Poder Público. Ademais, o risco da atividade é inerente à livre iniciativa sendo responsabilidade sua (e não do poder público) a governança que garanta sua própria sobrevivência. Reforçatal entendimento o fato de que a atividade privada somente pode ter seu sigilo quebrado por ordem judicial ou ter seu sigilo compartilhado entre autoridades tributárias. A apuração de exequibilidade da proposta não é fundamento para que a Administração Pública possa imiscuir-se nas entranhas da iniciativa privada como poderia fazer no caso de ilicitudes. Vamos pensar numa hipótese muito próxima da realidade que poderá ilustrar o tema em debate. Digamos que uma grande empresa de alimentos queira oferecer produtos a preços baixos como estratégia de marketing para que o produto �que conhecido. Seria interessante, por exemplo, oferecer alimentos especiais em hospitais universitários que atuam na formação dos pro�ssionais de saúde. Qual seria a ilicitude em incluir como estratégia de marketing a venda de produtos a preço de custo? Seria irrelevante do ponto de vista da planilha de custos da empresa e traria melhores retornos do que custosos comerciais no horário nobre da televisão. Qual seria a regra jurídica a proibir tal comportamento da empresa que assume seus riscos dentro da lógica da livre iniciativa? Pensamos que não há tal proibição, salvo para aqueles que pretendam criar um “Capitalismo de Estado” em que o “Grande irmão” pudesse adentrar em qualquer entranha ou intimidade das empresas privadas, transformando-se em sócio compulsório. Pelo princípio da legalidade dirigido ao cidadão (artigo 5º, II) tudo aquilo que não é vedado está implicitamente permitido. Por outro lado, a Administração Pública somente pode fazer o que a lei expressamente determina (art. 37 “caput” da CF) e não há sequer previsão expressa do que seria preço inexequível, tampouco a proibição de venda como estratégia de marketing. Porém, o produto tem que ter a efetiva entrega ao Poder Público que o adquire. Essa é a razão de ser da regra que proíbe a oferta de produto a preço inexequível e não o custo individual do produto a ser oferecido ao Poder Público. Alguém poderia objetar que isso favoreceria a concentração de mercado prevista como algo a ser evitado e princípio geral no artigo 47,III e no artigo 40,§2º, III da nova lei das licitações. Tal regra, porém, deve ser interpretada de forma sistemática no interior da própria licitação e não como autorização ao arbítrio. O parcelamento do objeto nos termos da Súmula 247 do TCU que prevê a licitação por item e a oferta a vários licitantes é a maneira lícita de evitar-se a concentração de mercado e, ao mesmo tempo, obter a oferta mais vantajosa. Não é papel do Poder Público, porém, fazer as vezes do CADE �scalizando algo além de suas forças em evidente incompetência legal para tanto. Ademais, o próprio CADE autoriza fusões e certa concentração de mercado tendo como justi�cativa a concorrência da nova empresa criada com os grandes capitais internacionais, mostrando que, nem sempre, a concentração é vedada ou algo malé�co à economia. Assim, em razão do princípio da legalidade do artigo 5º, II, do princípio da legalidade do artigo 37, “caput” da CF, das regras de competência quanto ao poder de coibir concentrações de mercado e, ainda, tendo como hermenêutica que o preço inexequível é, necessariamente, aquele que afete o princípio da continuidade do serviço público, o “marketing licitatório de produto” é prática licita, possível e consentânea com a busca da proposta mais vantajosa pela Administração Pública. O CAPÍTULO 13 DISPENSA DE LICITAÇÃO s valores de dispensa licitatório foram modi�cados na nova Lei de Licitações. Os valores passam a ser de R$ 50.000,00 (serviços) e R$ 100.000,00 (obras). Assim: “Art. 75. É dispensável a licitação: I – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 100.000,00 (cem mil reais), no caso de obras e serviços de engenharia ou de serviços de manutenção de veículos automotores; II – para contratação que envolva valores inferiores a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), no caso de outros serviços e compras;” REPARO DE VEÍCULOS Os reparos de veículos estão dispensados de licitar (independentemente da questão do orçamento anual) até o valor de R$ 8.000,00. Assim: “§ 7º Não se aplica o disposto no § 1º deste artigo para as contratações de até R$ 8.000,00 (oito mil reais) de serviços de manutenção de veículos automotores de propriedade do órgão ou entidade contratante, incluído o fornecimento de peças.” Cada contratação de reparo tem um limite especí�co de R$ 8.000,000 e não está vinculado ao montante geral da dispensa. Criou-se uma modalidade de “’fracionamento lícito” no caso de reparos de automóveis. Os valores são atualizados anualmente. Em 2022 os valores foram atualizados pelo decreto nº 10.922 de 30.12.21. Inobstante a previsão de “fracionamento lícito”, o dever de planejamento impõe contratação permanente de o�cina de reparos. O registro de preços, por exemplo, estaria mais consentâneo com o elementar dever de planejamento. O CAPÍTULO 14 INEXIGIBILIDADE CAPÍTULO 14.1 NOVA LEI DE LICITAÇÕES E O CREDENCIAMENTO COMO “SINGULARIDADE MÚLTIPLA” credenciamento é uma modalidade de inexigibilidade cuja gênese efetiva encontra-se mais na criatividade da vida real do que da previsão da Lei Federal nº 14.133/21. O credenciamento tem origem na inexigibilidade do artigo 25 da antiga Lei de Licitações e na Lei 8.958/94 quanto às fundações de apoio. A hipótese é de inexigibilidade múltipla. A inexigibilidade, corriqueiramente, decorre da singularidade do objeto e do contratado. Na hipótese de credenciamento a circunstância como um todo é que apresenta singularidade e não o objeto ou o licitante. Aliás, paradoxalmente, a ausência de singularidade é tão profundamente acentuada que o somatório de objetos comuns é uma singularidade somada ou singularidade múltipla. O objeto do credenciamento apresenta dimensão singular que comporta licitantes múltiplos para a satisfação do interesse público. Daí a nomenclatura sugerida por nós: “singularidade múltipla”, ou “singularidade circunstancial”. A nova Lei de Licitações previu o instituto no artigo 79 da referida lei. Assim: “Art. 79. O credenciamento poderá ser usado nas seguintes hipóteses de contratação: I - paralela e não excludente: caso em que é viável e vantajosa para a Administração a realização de contratações simultâneas em condições padronizadas; II - com seleção a critério de terceiros: caso em que a seleção do contratado está a cargo do beneficiário direto da prestação; III - em mercados fluidos: caso em que a flutuação constante do valor da prestação e das condições de contratação inviabiliza a seleção de agente por meio de processo de licitação.” As hipóteses legais podem ser resumidas numa frase: respeito ao princípio da isonomia sem que haja necessidade de licitação. Ou, replicando Marçal, “inexigibilidade anômala” de licitação. Por conta de tal peculiaridade é que Marçal Justen Filho17 confere a denominação de “anômala” à inexigibilidade existente no credenciamento. Assim: “(...) 11) Uma manifestação anômala de objeto comum Não é despropositado afirmar que o credenciamento pode ser adotado em hipóteses de objeto comum, destituído de peculiaridades, em condições similares ao que se passa no caso do pregão. A distinção reside em que não é cabível um procedimento licitatório especí�co, em virtude de uma anômala inviabilidade de competição.” (grifos iniciais do autor e �nais nossos). O exemplo pedagógico escolhido por Marçal Justen Filho18 é colhido na jurisprudência do TCU refere-se à hipótese de médicos: “Jurisprudência anterior do TCU ‘O credenciamento pode ser utilizado para a contratação de profissionais de saúde, tanto para atuarem em unidades públicas de saúde quanto em seus próprios consultórios e clínicas, quando se veri�ca a inviabilidade de competição para preenchimento das vagas, bem como quando a demanda pelos serviços é superior à oferta e é possível a contratação de todos os interessados, devendo a distribuição dos serviços entre os interessados se dar de forma objetiva e impessoal’ (acórdão 352/2016, Plenário Min. BenjaminZymler).”( grifos iniciais nossos e �nais nossos). O blog da Zenite19 dá outro exemplo de credenciamento: as passagens aéreas. Assim: “Inclusive, a Instrução Normativa nº 3 de 11 de fevereiro de 2015 da SLTI do MPOG (recém-saída do forno) trouxe o credenciamento como ferramenta para ‘habilitação das empresas de transporte aéreo, visando à aquisição direta de passagens pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal’” Merece destaque o fato de que passagens aéreas tem característica de circunstância com multiplicidade singular no âmbito federal, mas; não necessariamente; terá tal característica na hipótese de um pequeno município. Talvez nessa última hipótese a dispensa de licitação tenha melhor adequação. A de�nição do mesmo blog já citado, corrobora a característica de singularidade múltipla. Assim: “O credenciamento é sistema por meio do qual a Administração Pública convoca todos os interessados em prestar serviços ou fornecer bens, para que, preenchendo os requisitos necessários, credenciem-se junto ao órgão ou entidade para executar o objeto quando convocados.“ (grifos no original). Alguns procedimentos devem ser feitos pela Administração Pública de maneira a garantir a efetiva isonomia no caso do credenciamento: chamamento público e cadastramento permanente; distribuição por critérios objetivos quando não for possível a distribuição a todos e não for possível a contratação simultânea. Oscar Wilde tem a célebre frase de que “a vida imita a arte mais do que a arte imita a vida”. Assim, também, a lei interpreta a vida, mas é a vida que interpreta melhor a lei. O credenciamento é verdadeira metamorfose da vida que transforma um fato “licitável” num fato de licitação inexigível. A inexigibilidade não surge da singularidade do objeto ou do licitante, mas pela ausência de singularidade que transforma o objeto em fracionável a um sem número de licitantes de maneira isonômica. Utilizando de licença poética, diríamos que o objeto é tão profundamente sem singularidade que se torna, parodoxalmente, uma “singularidade múltipla”. A “singularidade” não se encontra na individualidade, mas, exatamente no extremo oposto, na multiplicidade do objeto e dos “licitantes” que a tornam o credenciamento um veículo de efetiva isonomia com a participação de maior amplitude possível e não através de uma seleção de um licitante, tampouco contratação por inexigibilidade de um único licitante. O credenciamento é, assim, a maior expressão do princípio constitucional da isonomia que transforma a licitação em verdadeira “democracia direta licitatória”, em que todos os licitantes interessados poderão contratar com a Administração Pública. CAPÍTULO 14.2 CUSTO DE OPORTUNIDADE E CONTRATAÇÃO DE JURISTA ESPECÍFICO E SINGULAR O tema da inexigibilidade de licitação para a contração de serviços singulares de advocacia é objeto de acesa controvérsia pelos operadores do direito, inobstante a clareza solar do posicionamento da jurisprudência do C. STF, C. STJ e C. TCU no que diz respeito à Lei 8.666/93. O Ministério Público, em algumas oportunidades, considera ato de improbidade a contratação de escritório de advocacia quando o ente público tem quadro de procuradores e que deveria haver consulta aos vários advogados especializados como forma de aferir-se o preço de mercado. Data maxima venia, há um amesquinhamento das funções da advocacia ao enquadrá-la em “serviços” previsto no artigo 25, II da Lei 8.666/93 ou no artigo 74, III da Lei 14.133/2021. A comparação com “serviços” em geral demonstra profundo desconhecimento quanto às peculiaridades daquilo que consideramos como “artesanato” ou “obra de arte” produzida pelo operador do direito. Inobstante a expressão “singularidade” seja utilizada, corriqueiramente, em relação ao objeto, nossa interpretação é de que a “notória especialização” também confere singularidade ao jurista tanto quanto ao objeto. Mesmo levando-se em conta o princípio constitucional da impessoalidade, ainda sobra espaço na discricionariedade administrativa para a contratação do pro�ssional da advocacia para a defesa em juízo ou para exarar parecer. Soaria ridículo, estapafúrdio e despropositado exigir-se do administrador público a comparação entre vários pro�ssionais com identidade de notória especialização para servirem, mutuamente, como parâmetros e comparação dos preços de mercado. Singularidade e comparação são termos substancialmente antônimos. Se existir singularidade, a comparação é um exercício de farisaísmo ou de ananismo jurídico. Que sentido teria comparar Celso Antonio Bandeira de Mello, Floriano de Azevedo Marques e Marçal Justen �lho numa aferição de preços? O caso concreto é que dirá o melhor pro�ssional no caso especí�co e não a comparação entre eles, verdadeira heresia que atinge o âmago do próprio conceito de singularidade. O preço de mercado de cada um desses pro�ssionais é o preço cobrado em passado recente em relação aos próprios clientes e não a comparação entre eles, despropositada pelo próprio pressuposto lógico da incomparabilidade geral daquilo que é singular. Não tem sentido a exigência de aferição intersubjetiva num serviço cuja singularidade decorre, exatamente, da subjetividade única e especí�ca do pro�ssional do direito. Seria um contrassenso a simples comparação entre objetos distintos pela própria de�nição de sua singularidade. Só há efetiva possibilidade de comparação entre grandezas fungíveis. Decorre da infungibilidade do objeto a impropriedade da comparação de preços. Apenas por aproximação em casos extremos a comparação intersubjetiva teria signi�cado. Por exemplo, se determinados pro�ssionais singulares cobrassem valores tão díspares que os honorários de um fosse 100 ou 200 vezes os honorários do outro. Se for possível a comparação entre tais pro�ssionais, então, não há singularidade. O preço de mercado, portanto, é o preço “histórico” do próprio pro�ssional e não a comparação com outros pro�ssionais que tem suas subjetividades/singularidades próprias que lhes conferem distinto “histórico” de preços. Como comparar Adib Jatene com Dr. Kalil na área de cardiologia? A patologia especí�ca do coração é que dirá o nome e RG do pro�ssional mais adequado. Cada problema especí�co do coração terá um pro�ssional mais adequado, não sendo viável a comparação dos valores de cada pro�ssional, mas a comparação com o próprio pro�ssional em relação a clientes anteriores. A singularidade do advogado aproxima-o de um artesão forense, cujas singularidades residem no seu ofício e no produto único produzido desta arte. Um quadro de Salvador Dali poderia ser comparado com um quadro de Van Gogh? O quadro de Dali estaria nos parâmetros de mercado com a comparação com os preços do Van Gogh ou estaria nos preços de mercado com base na aferição de outros quadros do mesmo pintor? Data venia, a “persistência da memória” que imortalizou Salvador Dali não pode ser comparada aos “girassóis” de Van Gogh. A simples comparação já se a�gura num despropósito que desnatura a própria subjetividade e genialidade dos dois famosos pintores. Da mesma forma que comparamos acima, somente de forma indireta poderíamos aferir a comparação entre as duas infungibilidades: se uma obra custar 100 ou 200 vezes o valor da outra há forte indício de despropósito no preço. Ou seja, apenas por aproximação é possível fazer a comparação entre dois artistas distintos. Se a “notória especialização” puder ser comparada com outra “notória especialização”, então, nenhuma delas será “tão notória” assim. Ainda que possa parecer exagerada a comparação com gênios da arte, é forma mais adequada de tratarmos de um pro�ssional que detém “notória especialização”. A simples comparação com o trabalho de um procurador é ainda mais imprópria diante da diferença substancial entre os dois atores. Um é um ator de novela, acostumado a cumprir roteiros de produção televisiva em massa, outro é um ator de teatro de uma peça apresentada em alguns domingos do ano... ADVOCACIA DE MASSA NÃO PODE SER COMPARADACOM ADVOCACIA ARTESANAL Com o devido respeito aos procuradores, promotores de Justiça e membros da magistratura, a atividade jurídica de massa é incomparável com a advocacia artesanal que caracteriza os juristas dotados de “notória especialização”. O fato de haver procuradoria devidamente estruturada no Município não impede a contratação de advogado de notória especialização, já que a função do procurador e do contratado equivale às �guras metafóricas de “cirurgião geral” e “médico intensivista”. Um médico não é melhor nem pior que o outro. O momento especí�co em que cada pro�ssional será necessário é que o tornará melhor para aquele especí�co momento. Da mesma forma quanto ao Procurador e ao Jurista de notório saber jurídico. Não teria o menor sentido, venia concessa, a contratação do professor Marcelo Figueiredo para ajuizar uma singela e corriqueira execução �scal, função típica do procurador que atua na advocacia de massa. Da mesma forma, uma ação cujo valor da causa ultrapasse o tamanho de vários orçamentos do ente público e tenha contornos que fujam ao dia a dia não pode ter como responsável o Procurador, caso haja compromisso do gestor com o princípio da e�ciência e com o custo da oportunidade perdida no caso haja atuação de pro�ssional inadequado ao caso concreto. A comparação feita equivale a atribuir ao médico intensivista o diagnóstico de pequenas dores nas costas e atribuir ao cirurgião geral a monitoração hemodinâmica de um paciente internado na UTI do hospital. Da mesma forma, com a devida venia, o trabalho de um Promotor de Justiça não pode ser comparado ao de um jurista com notória especialização. Não há um trabalho “melhor”, mas um trabalho “mais adequado” em razão do tipo de serviço a ser prestado. CAPÍTULO 14.3 “VIGÊNCIA POST MORTEM” DA SINGULARIDADE Na Lei Federal 8.666/96 em seu artigo 25, II utiliza a expressão “singular” ao referir-se a serviços a serem prestados por pro�ssionais com notória especialização. A nova Lei 14.133/21, porém, não utiliza tal terminologia, mas usa o mesmo sentido real ao referir-se à inexigibilidade de licitação, sem repetir o exato vernáculo. Apesar disso, ousamos a�rmar que o termo continua sendo válido numa interpretação sistemática da nova lei que repetiu, substancialmente, a maioria das regras sobre a inexigibilidade. Aliás, outras regras aparentemente revogadas continuam em vigor, como, por exemplo o artigo 116 da Lei Federal 8.666/93 que prevê os requisitos para os convênios a serem �rmados pela Administração Pública. Apesar do artigo 184 da Lei 14.133/21 não prever os requisitos do artigo 116 da provecta Lei 8.666/93 tais requisitos continuam sendo exigíveis diante da interpretação sistemática da nova lei. Assim nos expressamos no prestigiado site consultor jurídico20 em 23.06.2.021. A expressão “vigência post mortem” é retórica já que nosso sistema não admite vigência de lei revogada (como ocorrerá com a Lei 8.666/93 em 2.023). É uma �gura de linguagem, verdadeira hipérbole hermenêutica para destacar que determinadas regras da lei anterior continuam vivas e vigentes. É o caso da “singularidade”. Inobstante não se utilize a exata expressão, o fato é que o serviço prestado por jurista portador de “notória especialização” só pode ser contratado diante da singularidade de sua habilidade técnica e não por outro motivo qualquer. Aliás, são conceitos umbilicalmente interligados, já que a singularidade tem a gênese no ventre da “notória especialização”. CAPÍTULO 14.4 CUSTO DE OPORTUNIDADE E O DEVER DE ESCOLHA DO PROFISSIONAL ADEQUADO A nova Lei de Licitações inseriu o conceito econômico de “custo de oportunidade”. A nova legislação “obriga” o gestor público a contratar um advogado singular sob pena de ocasionar a “perda de uma chance” à administração que só poderia ter seu problema resolvido por um pro�ssional especí�co. A nova Lei de Licitações revogou, até mesmo, o suporte legal à Súmula 473 do STF em razão da sobrevida que confere a atos administrativos nulos para a preservação do interesse público. Inobstante a ilicitude, o “custo de oportunidade” e a preservação do interesse público primário (oferecimento efetivo de serviços públicos) são novos parâmetros a serem observados no seio da Administração Pública. Logo, o custo de oportunidade foi inserido no seio da Administração Pública como consolidação do processo legislativo de inserção progressiva do princípio da e�cácia da emenda constitucional nº 19 que alterou o “caput” do artigo 37 da Carta Federal. Prevê a Súmula 473 do C. STF: “A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.” Aproximando a Administração Pública da vida real da administração privada, a nova Lei de Licitações introduziu o custo de oportunidade como parâmetro para o processo decisório. O gestor público, poderá utilizá-lo como fundamento para dar “sobrevida” ao ato nulo. Inspirada na “modulação” do STF em sede de controle concentrado de normas, a novel lei criou a �gura da “modulação da nulidade”, regra compatível com o nível pragmático de gestão dos erros administrativos e a observância da efetiva prestação do serviço público. Assim, também, prevê a nova regra da Lei de Licitações: “Art. 148. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 146 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos. § 1º Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis. § 2º Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez.” Note-se que a “sobrevida” do ato nulo poderá ter vigência por até um ano (seis meses, prorrogável). Tal regra pode ser utilizada tanto pelo administrador como pelo Poder Judiciário. Registre-se, ainda, que tal “sobrevida” é limitada a efeitos concretos inadiáveis e não ao ato administrativo por inteiro. Assim, por exemplo, a aquisição de produto essencial com superfaturamento e sem a devida licitação poderá permanecer sendo adquirido por um tempo (até que haja licitação) mas deverá ter seus preços imediatamente �xados nos parâmetros do mercado. O fundamento para a manutenção do ato administrativo é o “custo de oportunidade” que a revogação e/ou a anulação poderia acarretar. Assim: “Art. 147. Constatada irregularidade no procedimento licitatório ou na execução contratual, caso não seja possível o saneamento, a decisão sobre a suspensão da execução ou sobre a declaração de nulidade do contrato somente será adotada na hipótese em que se revelar medida de interesse público, com avaliação, entre outros, dos seguintes aspectos: (...) XI - custo de oportunidade do capital durante o período de paralisação.” Segundo Marçal Justen Filho21, a nova Lei de Licitações teria retirado fulcro para a Súmula 473 do STJ. Assim: “A perda do suporte normativo para a Súmula 473 do STF Deve-se destacar que deixou de existir respaldo normativo para a Súmula 473 do STF. Assim, se passa ao menos no âmbito das licitações e contratações administrativas. A orientação exposta na referida Súmula é incompatível com o regime jurídico consagrado pela Lei 14.133/2021.” No mesmo sentido da opinião de Marçal, já decidiu, em nosso sentir, o Colendo STJ ao conceder prazo de três meses para a convalidação de um contrato de fornecimento de oxigênio. Assim, decidiu a Corte da Cidadania no RMS 62.150, reconhecendo a nulidade do contrato e concedeu “sobrevida”de 3 meses para sua adequação ao reconhecimento da nulidade. Não há menção ao tema do “custo de oportunidade” na decisão do STJ. Em nosso modesto entendimento, porém, há, implicitamente, um reconhecimento do “custo de oportunidade” perdido caso houvesse anulação imediata com graves consequência à Saúde Pública. A decisão menciona o artigo 21 da LINDB. Assim: “Art. 21. A decisão que, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, decretar a invalidação de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativo deverá indicar de modo expresso suas consequências jurídicas e administrativas. Parágrafo único. A decisão a que se refere o caput deste artigo deverá, quando for o caso, indicar as condições para que a regularização ocorra de modo proporcional e equânime e sem prejuízo aos interesses gerais, não se podendo impor aos sujeitos atingidos ônus ou perdas que, em função das peculiaridades do caso, sejam anormais ou excessivos” Logo, “consequências jurídicas e administrativas” são termos da técnica jurídica que se aproximam do conceito de “custo de oportunidade” ou “custos da decisão” a ser tomada. Se até mesmo um ato administrativo “nulo” pode ter sobrevida em razão do custo de oportunidade, que dizer da necessidade de contratação lícita de um advogado com notória especialização e serviço singular? Evidente que a contratação é medida de respeito ao dinheiro público em consonância com a “perda de uma chance” que seria a omissão em contratar, bem como o custo oportunidade perdido nesta hipótese. Desta forma, a contratação de jurista especí�co e singular é dever do administrador que deve, obrigatoriamente, zelar pelo “custo de oportunidade” que seria a omissão desse dever. JURISPRUDÊNCIA SOBRE O TEMA A ADC nº 45 promete consolidar o entendimento acerca da singularidade no mesmo diapasão do presente texto. Sua Excelência, o Ministro Barroso, já sinalizou em seu voto que: “(...) 5. Notória especialização do profissional a ser contratado (art. 13, V, da Lei nº 8.666/1993). A escolha deve recair sobre profissional dotado de especialização incontroversa , com qualificação diferenciada, aferida por elementos objetivos, reconhecidos pelo mercado (e.g. formação acadêmica e profissional do contratado e de sua equipe, autoria de publicações pertinentes ao objeto da contratação, experiência bem-sucedida em atuações pretéritas semelhantes). 6. Natureza singular do serviço (art. 25, II, da Lei nº 8.666/1993). O objeto do contrato deve dizer respeito a serviço que escape à rotina do órgão ou entidade contratante e da própria estrutura de advocacia pública que o atende. Inviabilidade de contratar-se pro�ssional de notória especialização para serviço trivial ou rotineiro, exigindo-se que a atividade envolva complexidades que tornem necessária a peculiar expertise . Existência de característica própria do serviço que justifique a contratação de um profissional específico, dotado de determinadas qualidades, em detrimento de outros potenciais candidatos. Precedente: AP 348, Rel. Min. Eros Grau, j. em 15.12.2006. 7. Inadequação da prestação do serviço pelo quadro próprio do Poder Público . A disciplina constitucional da advocacia pública (arts. 131 e 132, da CF) impõe que, em regra , a assessoria jurídica das entidades federativas, tanto na vertente consultiva como na defesa em juízo, caiba aos advogados públicos. Excepcionalmente , caberá a contratação de advogados privados, desde que plenamente configurada a impossibilidade ou relevante inconveniência de que a atribuição seja exercida pelos membros da advocacia pública. 8. Contratação pelo preço de mercado . Mesmo que a contratação direta envolva atuações de maior complexidade e responsabilidade, é necessário que a Administração Pública demonstre que os honorários ajustados se encontram dentro de uma faixa de razoabilidade, segundo os padrões do mercado, observadas as características próprias do serviço singular e o grau de especialização profissional. Essa justificativa do preço deve ser lastreada em elementos que confiram objetividade à análise ( e.g. comparação da proposta apresentada pelo profissional que se pretende contratar com os preços praticados em outros contratos cujo objeto seja análogo). 9. Parcial procedência do pedido, conferindo-se interpretação conforme a Constituição aos arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993. Fixação da seguinte tese: “ São constitucionais os arts. 13, V, e 25, II, da Lei nº 8.666/1993, desde de que interpretados no sentido de que a contratação direta de serviços advocatícios pela Administração Pública, por inexigibilidade de licitação, além dos critérios já previstos expressamente (necessidade de procedimento administrativo formal; notória especialização profissional; natureza singular do serviço), deve observar: (i) inadequação da prestação do serviço pelos integrantes do Poder Público; e (ii) cobrança de preço compatível com o praticado pelo mercado” ( grifos nossos). Ressalte-se que o “preço de mercado” mencionado na decisão do eminente Ministro, segundo nosso entender, é aquela originado do “histórico” do próprio pro�ssional a ser contratado e não a comparação com outros pro�ssionais. No mesmo sentido é a jurisprudência do C. STJ: “(...) 7. Em primeiro lugar, anote-se que o Tribunal de origem decidiu de maneira irretocável quando afirmou que é possível contratar escritório de advocacia por inexigibilidade de licitação, mas, “para que tal contratação seja feita nos moldes da legalidade, deve haver o cumprimento de determinados requisitos, a saber: natureza singular do objeto contratado; pro�ssionais/empresas de notória especialização” (fl. 1.871, e-STJ). Também merece registro que o Juiz de Direito Christopher Alexander Roisin, em esmerada sentença, manifestou a mesma compreensão, enfatizando que essa é a jurisprudência do STJ e citando, exemplificativamente, o REsp 436.869/SP, Relator Min. João Otávio de Noronha, Segunda Turma, DJ 1º.2.2006, e o REsp 488.842/SP, Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 5.12.2008.” (AgInt no AREsp 833001 / SP AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2015/0312662-9 Relator(a) Ministro HERMAN BENJAMIN (1132) Órgão Julgador T2 - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 23/03/2021 Data da Publicação/Fonte DJe 28/04/2021 - grifos nossos) Também o Tribunal de Contas da União: “Para fim de contratação com base no art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993, serviços advocatícios podem ser considerados como singulares não apenas por suas características abstratas, mas também em razão da relevância do interesse público em jogo, a exigir grande nível de segurança, restrição e cuidado na execução dos serviços, a exemplo de demandas judiciais envolvendo valores de indenização muito elevados, que coloquem em risco a sobrevivência da entidade contratante.” (Acórdão 10940/2018-Primeira Câmara, DATA DA SESSÃO 18/09/2018,RELATOR BENJAMIN ZYMLER, grifos nossos) Logo, a jurisprudência está de acordo com o pensamento do autor, expressado nesse livro. 17 “ Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas”, Editora RT, Edição 2.021, página 1.130. 18 “ Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas”, Editora RT, Edição 2.021, página 1.133/1.134. 19 https://www.zenite.blog.br/a�nal-o-que-e-credenciamento/ 20 https://www.conjur.com.br/2021-jun-23/loureiro-vigencia-post-mortem-artigo-116-lei-866693 21 “Comentários à Lei de Licitações e contratações administrativas”, Ed. RT, 2.021, pág. 1.550. A CAPÍTULO 15 FRACIONAMENTO POR HIBRIDISMO nova Lei de Licitações teve a nítida intenção de aproximar as regras privadas de governança corporativa do dia a dia do lento e moroso paquiderme que é a Administração Pública. Uma das regras com nítida influência da lei das estatais (Lei Federal nº 13.303/2016) é a dispensa estabelecida para valor de R$ 50.000,00 para serviços e compras ou R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia ou manutenção de veículos automotores. A recomendação dada pelo TCE/SP no comunicado SDG nº 31/21 é o de que haja imediata adoçãopor Alexy, transformando-se uma norma (preferência da ME/EPP) num princípio que superaria as reais regras aqui descritas. Tal subversão axiológica ocorre com a interpretação gramatical e literal do artigo 44 da Lei complementar 123/2006 num empobrecimento das regras preconizadas por Carlos já Maximiliano2 que a interpretação literal/gramatical é infinitamente mais restrita que a interpretação sistemática. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA As regras sobre a preferência da ME/EPP estão assim previstas: Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte. (Vide Lei nº 14.133, de 2021 § 1o Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada. § 2o Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1o deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço. Art. 45. Para efeito do disposto no art. 44 desta Lei Complementar, ocorrendo o empate, proceder-se-á da seguinte forma: (Vide Lei nº 14.133, de 2021 I - a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada poderá apresentar proposta de preço inferior àquela considerada vencedora do certame, situação em que será adjudicado em seu favor o objeto licitado; II - não ocorrendo a contratação da microempresa ou empresa de pequeno porte, na forma do inciso I do caput deste artigo, serão convocadas as remanescentes que porventura se enquadrem na hipótese dos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, na ordem classificatória, para o exercício do mesmo direito; III - no caso de equivalência dos valores apresentados pelas microempresas e empresas de pequeno porte que se encontrem nos intervalos estabelecidos nos §§ 1o e 2o do art. 44 desta Lei Complementar, será realizado sorteio entre elas para que se identifique aquela que primeiro poderá apresentar melhor oferta. § 1o Na hipótese da não-contratação nos termos previstos no caput deste artigo, o objeto licitado será adjudicado em favor da proposta originalmente vencedora do certame. § 2o O disposto neste artigo somente se aplicará quando a melhor oferta inicial não tiver sido apresentada por microempresa ou empresa de pequeno porte. § 3o No caso de pregão, a microempresa ou empresa de pequeno porte mais bem classificada será convocada para apresentar nova proposta no prazo máximo de 5 (cinco) minutos após o encerramento dos lances, sob pena de preclusão” (grifos nossos). O artigo 44 da LC 123/06 teve interpretação autêntica pelo próprio estatuto da ME/EPP considerando o mencionado empate como uma ficção para que se assegure a efetiva apresentação economicamente mais vantajosa à Administração Pública. Ou seja, há uma “chance a mais” para a ME/EPP apresentar proposta mais vantajosa ao Poder Público. Em nenhum momento a referida lei complementar estabelece uma preferência pela simples razão de ser ME/EPP em detrimento da vantajosidade a ser buscada pela Administração Pública. Reza o artigo 49, II da mesma LC 123/06: “Art. 49. Não se aplica o disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: (Vide Lei nº 14.133, de 2021 (...) III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a Administração Pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; Nesse sentido é também o parecer da ZENITE exarado para a SUPERINTENDÊNCIA REGIONAL DA RECEITA FEDERAL - 10ª REGIÃO FISCAL ao declarar que na hipótese de empate REAL (não o ficto) deve haver sorteio entre todos os licitantes. O parecer da Zenite3 destacou: “Em vista do exposto, conclui-se que havendo o empate real (não ficto) entre a proposta de uma microempresa e a oferta de uma grande empresa, a microempresa não será de plano considerada vencedora. Cumpre à Administração convocá-la para exercer o direito de preferência previsto pela Lei Complementar nº 123/06 e oferecer lance inferior. Se nenhuma licitante beneficiada por esse direito exercer essa prerrogativa, o desempate deverá ser feito nos moldes da Lei nº 8.666/93, o que, via de regra, exigirá o sorteio.”(grifos nossos). O mesmo parecer IGAM exarado para a Câmara de Vereadores de Descalvado, citando o TCE/SC em caso idêntico: “Nesse diapasão, constata-se que, quando o objeto licitatório for a contratação de fornecimento de vale alimentação, e o edital prever a proibição de taxa negativa, não se pode aplicar as hipóteses de preferências contidas na LC 123/06, senão sempre será vencedora uma ME/EPP. Com a proibição de apresentação de taxa negativa ocorrerá o empate na taxa mínima admitida de 0% (zero por cento), impossibilitando a apresentação de proposta de valor inferior pelas ME/EPP. Assim, conclui-se que, no caso de proibição de apresentação de taxa de administração negativa, o sorteio deverá ocorrer entre todas as empresas licitantes o sorteio deverá ocorrer entre todas as empresas licitantes não se aplicando as regras da LC123/06, sob pena de isonomia e competitividade do certame.” (destaques no original). Ressalta-se ainda o disposto no art. 49 do Estatuto das Micros e Pequenas Empresas4 segundo o qual o referido tratamento diferenciado para MEs e EPPs poderão ser dispensados se não for vantajoso para Administração Pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contrato. Também a jurisprudência do TCE/SP vai no mesmo diapasão: “Ainda sobre essas disposições do Estatuto das Micro e Pequenas empresas que passaram a vigorar a partir das alterações do ano de 2014 (LCF nº 147/14), pelo art. 48, III, c.c. o art. 49, III, da LCF nº 123/06, ficou estabelecido que “deverá estabelecer, em certames para aquisição de bens de natureza divisível, cota de até 25% (vinte e cinco por cento) do objeto para a contratação de microempresas e empresas de pequeno porte” (g.n.), o que não se aplica caso “o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a Administração Pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado”. (Proc. 00012858.989.16-3. Tribunal Pleno – Seção Municipal. Seção: 03/08/2016. Conselheiro Substituto: Valdenir Antônio Polizeli – grifos nossos). Com a devida venia, a preferência estabelecida no artigo 44 da LC 123/06 deve ser interpretada em conjunto com seus respectivos incisos, com o artigo 45 e, também, com o artigo 49, II todos da mesma lei no sentido de que tal preferência somente será aplicado se for vantajoso para a Administração Pública. A ausência de vantajosidade acarretará a aplicação de outros critérios de desempate, inclusive o sorteio nos termos do artigo 45 e art. 3º §2º e incisos da Lei Federal 8.666/93. A interpretação meramente literal da preferência da ME/EPP prevista na Lei Complementar 123/06 conduziria à uma subversão axiológica que transformaria a preferência em mero privilégio das empresas de menor porte ao arrepio de outros princípios fundamentais para a Administração Pública, tais como a competitividade e a vedação ao enriquecimento sem causa. A preferência é uma ficção que assegura à ME/EPP uma chance a mais em relação às demais empresas do mercado e não um critério que suplantaria a necessidade de oferta efetivamente vantajosa para a Administração Pública. No caso de empate real, outros critérios deverão ser aplicados para o desempate sem nenhuma nova preferência. No caso da Lei Federal nº 14.133/21 os critérios serão aplicados homogeneamente a todos os licitantes, nos termos do artigo 60, aqui não havendo a previsão de sorteio, tal como previsto na provecta e moribunda Lei Federal nº 8.666/93. 1 “Teoria dos Direitos Fundamentais”, Ed. Malheiros, tradução de Virgílio Afonso da Silva, abril de 2008, passim 2 Hermenêutica e interpretação das normas”, Ed. Forense, 2001, passim. 3 Parecer subscrito por Rodrigo V. Junkes. 4 Art. 49. Não se aplicadas regras da lei 14.133/21 (grifos no original). Assim, estabeleceu a referida recomendação: “RECOMENDA que independentemente da possibilidade conferida de utilização simultânea das Leis nº 8.666 de 1993 e nº 14.133, de 2.021, vedadas a combinação de preceitos de uma e de outra, os Poderes e órgãos das esferas do Estado e dos Municípios avaliem a conveniência e oportunidade sobre a imediata adoção das regras da lei 14.133/21” (grifos no original). Para quem lê nas entrelinhas, parece claro que o período de dois anos é o período “de teste” da nova lei, espécie de período de “estágio probatório legal” onde a lei deverá ser, paulatinamente, aplicada pelo Poder Público. Algumas cautelas, porém, devem ser tomadas. Cada processo tem “vida autônoma” e é regido por uma das leis que tem vigência em cada “edital”, ou seja, em cada objeto específico. A nova lei estabeleceu um prazo de dois anos desta convivência entre o sistema quase revogado da lei federal nº 8.666/1993 e a nova Lei de Licitações. Assim: “ART 191 (...) § 2º Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 190, a Administração poderá optar por licitar de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.” Assim, o prazo referido no trecho acima transcrito é de dois anos. Assim: “Art. 190. Ficam revogados: (...) II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47 da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.” Concordamos com o TCU quando decidiu sobre idêntica regra de transição na lei das estatais: que o termo inicial da licitação para fins deste prazo de dois anos é a publicação do edital e não o início da fase interna da licitação (TCU, Acórdão nº 2279/2019, Plenário. Rel. Min. Augusto Nardes. Julg. 25/09/2019). A questão da dispensa, porém, reflete uma opção tácita pela provecta lei quando já realizada, no mesmo exercício de 2021, sob a égide da lei antiga. Nesta hipótese não tem relevância a data de aplicação de quaisquer procedimentos licitatórios já que exaurido o processo administrativo de dispensa e a configuração do ato jurídico perfeito. Explicamos melhor: digamos que determinada secretaria de um município tenha realizado dispensa de licitação, em janeiro de 2021, para a compra de determinados produtos dentro do limite da Lei 8.666/93 em valor de cerca de R$ 17.600,00, com fulcro no artigo 24, II. A dispensa foi realizada antes da vigência da nova Lei de Licitações. Seria possível a realização de dispensa, de idêntico objeto, em julho de 2021 com base na lei que entrou em vigor em 01º de abril de 2021? Não. Seria clara a ocorrência de fracionamento, já que a nova lei permite a opção (em cada processo licitatório, de uma única lei) e não o uso de duas regras de dispensa que configuraria hibridismo vedado pela nova lei. Ainda que sejam processos administrativos diferentes e editais diferentes, o objeto é o mesmo e configura burla à Lei de Licitações pela ocorrência de fracionamento tendo o hibridismo como instrumento de sua dissimulação. Ocorre uma espécie de “preclusão licitatória consumativa” com o uso da Lei 8.666/93 naquele objeto e configuração de ato jurídico perfeito quanto ao objeto adquirido. Esse fenômeno ocorre em razão da vedação clara ao hibridismo na nova lei. A jurisprudência dos Tribunais de Contas é clara ao prever que a utilização de dispensa no mesmo exercício configura a prática ilícita denominada de “fracionamento” que é burla à Lei de Licitações. O “fracionamento”, inobstante sua inexistência de previsão expressa na lei, é decorrência lógica do dever constitucional de licitar quaisquer objetos negociais do Poder Público combinado com o dever elementar de planejamento da Administração Pública. Não é lícito ao administrador público realizar várias pequenas licitações ou várias dispensas apenas para contornar o dever constitucional de licitar. Na hipótese de dispensa de licitação pela lei 8.666/93, após a vigência da nova lei 14.133/21 fica mais escancarada a ilicitude de utilizar-se nova dispensa para o mesmo objeto, seja qual for a lei utilizada para tanto. No caso de aquisição no interregno temporal anterior a 1º de abril de 2021 e nova aquisição do mesmo objeto após tal data é que pode surgir alguma dúvida sobre a suposta possibilidade de utilização das duas dispensas dos dois diplomas legais. A dispensa em janeiro pela Lei 8.666/93 e a dispensa em julho pela 14.133/21 configura ato ilícito. O fracionamento é reconhecido, em jurisprudência uníssona, em relação ao mesmo exercício financeiro não sendo lícito “esticar” o valor da dispensa criando modalidade híbrida, vedada expressamente pela nova lei. Cada processo licitatório (a nova lei menciona “edital” como sinônimo de processo administrativo e de objeto) deverá indicar por qual lei será regida. Uma primeira interpretação seria a de que “bastaria” um novo processo licitatório para autorizar o uso de uma lei distinta da lei anterior usada no mesmo objeto. Ainda que sem previsão expressa, cada “edital” ou cada “processo administrativo” refere-se a um único objeto. A interpretação de que fracionar processos legitimaria o fracionamento licitatório equivalente hermenêutico a “sumir com o corpo” para configurar a inocorrência do homicídio...... Um ilícito não pode ser instrumento para legitimar a prática de outro ilícito. Apesar de não haver, ainda, jurisprudência sobre o tema em razão do pequeno lapso temporal da vigência da lei e, também, em razão da inexistência do transcurso de um exercício financeiro, ousamos afirmar que a aplicação do direito intertemporal à espécie criou uma nova figura ilícita no seio da Administração Pública que é o “fracionamento por hibridismo”, dupla ilicitude a configurar burla à Lei de Licitações. Nem se argumente que se trataria de “efeito retroativo” da nova lei que atingiria atos anteriores à sua vigência. O que ocorre é exatamente o respeito aos fatos já consumados sob a égide da lei anterior e a ocorrência de ato jurídico perfeito por parte da Administração Pública que a impede de refazê-lo com base na comodidade da nova lei. Apesar da clareza da impossibilidade jurídica do “fracionamento por hibridismo” ousamos vaticinar que tal figura será muito conhecida, no futuro próximo, pela jurisprudência de nossas Cortes de Contas. A CAPÍTULO 16 REGISTRO DE PREÇOS novidade da lei é a previsão expressa de contratação de outros licitantes em classi�cação inferior ao vencedor, desde que observado o preço classi�cado em primeiro lugar. Assim: “Art. 82 (...) VII – o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;” Outra hipótese nova é a possibilidade de haver preços diferenciados, desde que haja justi�cativa. Assim: “Art. 82 (...) III – a possibilidade de prever preços diferentes: a) quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes; b) em razão da forma e do local de acondicionamento; c) quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote; d) por outros motivos justificados no processo;” Outra previsão inovadora é, ainda, a possibilidade de quantitativo inferior ao máximo previsto pela Administração Pública. Assim: “Art. 82 (...) IV – a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela;” Essa última regra é elemento de racionalidade inserido na novel legislação. A necessidade de ter armazenamento permanente à disposição do Poder Público acaba por gerar aumento indireto do preço, pois não se sabe se o bem será efetivamente fornecido gerando custo para o particular. A possibilidade de oferecimento de quantitativo parcialacarreta diminuição indireta do preço a ser ofertado, já que não cria obrigação de novos estoques pelo licitante. CAPÍTULO 16. 1 A MATRIZ DE RISCOS NO REGISTRO DE PREÇOS O registro de preços sempre foi importante instrumento de aquisição de produtos pela Administração Pública quando não há possibilidade de previsão exata de quantitativos. Nesse diapasão é a súmula 31 do TCE/SP: “Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada” As principais inovações sobre o registro de preço na nova lei referem-se à possibilidade de “carona”, registro de mais de um licitante e a possibilidade de prorrogação por novo período de um ano. O objetivo deste texto é debater a inovação acerca da possibilidade de mais de um licitante ser o detentor da ata e as consequências desta regra quanto aos riscos assumidos. O primeiro ponto a ser observado é a maneira pela qual os “licitantes” (no plural) poderão fazer parte deste Registro de preços. Também há possibilidade de que o licitante faça oferta parcial do montante a ser objeto do registro de preços, reduzindo sua matriz de riscos. Outra novidade digna de registro (permitam a ironia) é quanto ao prazo de validade que na Lei Federal 8.666/93 e na antiga Lei do Pregão (Lei 10.520/02) é de 60 dias e na nova lei dependerá exclusivamente da previsão do edital. Há visível aproximação do novo registro de preços com regras da iniciativa privada tais como oferecimento parcial da proposta e a “carona” do RP de outro ente político tal como faria uma empresa privada em relação a compras feitas por outra empresa do mesmo grupo econômico. As características de direito privado do Registro de Preços �zeram com que Marçal Justen Filho22 a�rmasse em sua reconhecida obra: “A ‘ata de registro de preços’ não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (grifos nossos) Assim, a �gura do contrato preliminar tem previsão nos artigos 462 a 466 do Código Civil e somente pode ser aplicado ao registro de preços com adaptações em consonância com as cláusulas exorbitantes e a supremacia do interesse público. Prevê o artigo 463 do Código Civil: “Art. 463. Concluído o contrato preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.” Evidentemente que o contrato administrativo não tem essa amplitude do contrato de direito privado. A “liberdade de arrependimento” do contrato preliminar está prevista ,implicitamente, ao se admitir a existência de vários fornecedores pelo mesmo preço oferecido pelo licitante vencedor, garantindo o interesse público na pluralidade de detentores da ata. Assim, prevê o artigo 82 “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) VII - o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;” Desta forma, o edital deve prever qual será, especi�camente, a multa a ser aplicada na hipótese de descumprimento pelo licitante vencedor. Tal arrependimento, porém, somente poderá ser exercido após o prazo de validade (necessariamente previsto no edital) de sua proposta. A nossa modesta interpretação é a de que a imposição de multa é obrigatória apenas na hipótese de descumprimento do primeiro licitante, caso não haja outro licitante apto a fornecer pelo mesmo preço. Havendo outro licitante apto a fornecer o produto/serviço do RP a mera sanção de advertência parece ser su�ciente, caso seja a primeira desistência do licitante. A multa será �xada entre 0,5% a 30% do valor do contrato descumprido pelo licitante vencedor, sendo recomendável a escolha do percentual aplicável já no edital do Registro de Preços de maneira a evitar discussões estéreis e protelatórias. Aparentemente, a imposição de multa seria uma sanção obrigatória ao licitante vencedor que não efetiva a entrega/produto do registro de preços. Não é, porém, a interpretação que aqui se pretende. O licitante vencedor que deixar de efetivar a entrega do produto/serviço poderá ser, novamente, convocado para oferecer o produto/serviço pelo qual foi sagrado vencedor da licitação. Essa interpretação está em consonância com o princípio da ampla competitividade do processo licitatório e da possibilidade de registro de mais de um licitante junto ao registro de preços. Assim, apenas se houver duas negativas de fornecimento pelo licitante vencedor, ou uma única negativa, na hipótese de ser o único licitante detentor da ata de registro de preços. Nesse diapasão, prevê o artigo 90,§1º da referida Lei: “Art. 90. A Administração convocará regularmente o licitante vencedor para assinar o termo de contrato ou para aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo e nas condições estabelecidas no edital de licitação, sob pena de decair o direito à contratação, sem prejuízo das sanções previstas nesta Lei. § 1º O prazo de convocação poderá ser prorrogado 1 (uma) vez, por igual período, mediante solicitação da parte durante seu transcurso, devidamente justificada, e desde que o motivo apresentado seja aceito pela Administração.” (grifos nossos). A interpretação da aplicação da multa apenas de hipótese de inexistência de outro licitante apto e registrado no RP tem como fundamento, também, a regra de que as partes do contrato respondem na proporção das consequências de sua inexecução. Assim: “Art. 115. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, e cada parte responderá pelas consequências de sua inexecução total ou parcial.” A interpretação que se faz do artigo 115 é a de que é verdadeiro princípio a ser seguido no momento da aplicação de sanções. O grande problema do registro de preços é o fato de que, indiretamente, ele acaba “in�ando” os valores dos produtos/serviços pois o particular terá que “reservar” produto/serviço sem a certeza da entrega do mesmo. No caso de produto, é mais visível que o preço será in�ado em razão do “estoque permanente” que terá que ser feito pelo particular sem que haja qualquer garantia de fornecimento. A interpretação que �exibiliza a obrigatoriedade de manutenção de produto/serviço acaba favorecendo a redução, indiretamente, do produto ou serviço já que não há mais aquele vínculo “manu militare” que acabava por impulsionar o preço criando um “spread” licitatório invisível a olho nu. Desta forma, havendo mais de um licitante no registro de preços, a possibilidade de cumprimento pelos licitantes seguindo a ordem de classi�cação ameniza o risco e diminui o “spread” que sempre acompanhou o registro de preços. As consequências concretas do inadimplemento do licitante vencedor e o prazo de validade da proposta são os maiores parâmetros a serem seguidos de forma a implementar o interesse público albergado no registro de preços. É superlativamente recomendável que haja, já no edital, a descrição da matriz de riscos, constando, expressamente, que na hipótese de haver um único detentor da ata, o vínculo existente entre o Poder Público e o licitante vencedor tem a característica de vinculação plena, sendo aplicáveis as sanções por inadimplemento, caso haja recusa de fornecimento no prazo de validade da ata (rotineiramente, de um ano). Assim, o novo registro de preços pode ter vários licitantes registrados pela ordem de classi�cação e como consequência confere uma pequena liberdade ao licitante vencedor consistente em poder negar o fornecimento com a modesta sanção da advertência, caso a negativa ocorra após a validade de sua proposta e caso haja outro licitante registrado apto a promover o fornecimento.CAPÍTULO 16. 2 REGISTRO DE PREÇOS PARA OBRAS Apesar de já admitido no âmbito do TCU no âmbito de serviços rotineiros, passa a ter previsão expressa. Assim: “É possível a contratação de serviços comuns de engenharia com base em registro de preços quando a finalidade é a manutenção e a conservação de instalações prediais, em que a demanda pelo objeto é repetida e rotineira. Contudo, o sistema de registro de preços não é aplicável à contratação de obras, uma vez que nesta situação não há demanda de itens isolados, pois os serviços não podem ser dissociados uns dos outros.” (Acórdão 3605/2014- Plenário, 09/12/2014, relator Marcos Bemquerer – grifos nossos) Inobstante a aparente mudança legislativa, permanece a regra de registro de preços apenas para conservação e objeto rotineiro. Tal hermenêutica é obtida da aparente novidade da lei. Assim: “Art. 85. A Administração poderá contratar a execução de obras e serviços de engenharia pelo sistema de registro de preços, desde que atendidos os seguintes requisitos: I – existência de projeto padronizado, sem complexidade técnica e operacional; II – necessidade permanente ou frequente de obra ou serviço a ser contratado.” Logo, caso não se trate de serviço corriqueiro, não deve ser aplicado o registro de preços. Capítulo 16. 2. 1 Carona Interfederativa: Padronização Os operadores do Direito que atuam em licitações conhecem a terminologia “carona” como jargão pro�ssional/sinônimo da utilização do Registro de Preços de outros entes políticos. Na nova Lei de Licitações a padronização é verdadeira norma hipotética fundamental da nova Lei de Licitações, princípio mor que alicerça toda a novel legislação. A referida padronização é feita através das “caronas”, termo utilizado para a utilização de instrumentos de outro ente federativo. O segundo princípio básico da padronização (seguindo uma hierarquia que decorre da lei e que tem �nalidade pedagógica) é a verticalidade ascendente da “carona” interfederativa. Assim, prevê o artigo 43 §1º da Lei Federal nº 14.133/21 a “bússola” da carona interfederativa: “Art. 43. O processo de padronização deverá conter: (...) § 1º É permitida a padronização com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial.” (grifos nossos) Reforçando o “norte” de verticalidade ascendente, a nova lei proíbe a “verticalidade descendente” no caso do Registro de Preços. Assim: “Art. 86. O órgão ou entidade gerenciadora deverá, na fase preparatória do processo licitatório, para fins de registro de preços, realizar procedimento público de intenção de registro de preços para, nos termos de regulamento, possibilitar, pelo prazo mínimo de 8 (oito) dias úteis, a participação de outros órgãos ou entidades na respectiva ata e determinar a estimativa total de quantidades da contratação. (...) § 8º Será vedada aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal.” No caso do “catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras”, a carona interfederativa é permitida, novamente, na “verticalidade ascendente”. Assim: “Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão: (...) II - criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;”(grifos nossos). O mesmo artigo 19 prevê em seu inciso IV a padronização de minutas de editais, termos de referência e contratos, remetendo, novamente, ao padrão do paradigma vertical ascendente. A padronização é tão valorizada na nova lei que a ausência de utilização do modelo padronizado deve ser justi�cada. Assim: “V - instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos; (...) § 2º A não utilização do catálogo eletrônico de padronização de que trata o inciso II do caput ou dos modelos de minutas de que trata o inciso IV do caput deste artigo deverá ser justi�cada por escrito e anexada ao respectivo processo licitatório.” (grifos nossos) CAPÍTULO 16.3 CARONA INTERFEDERATIVA - LIMITES Seguindo a regra geral da nova Lei de Licitações, a “carona” é admitida no RP de obras. Assim: “Art. 86.: (...) § 2º Se não participarem do procedimento previsto no caput deste artigo, os órgãos e entidades poderão aderir à ata de registro de preços na condição de não participantes, observados os seguintes requisitos: I – apresentação de justi�cativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público; (...) § 3º A faculdade conferida pelo § 2º deste artigo estará limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital. A peculiaridade da “carona” em RP de obras é a existência de limites quantitativos Assim, prevê o mesmo artigo 86: “(...) § 4º As aquisições ou as contratações adicionais a que se refere o § 2º deste artigo não poderão exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e para os órgãos participantes. § 5º O quantitativo decorrente das adesões à ata de registro de preços a que se refere o § 2º deste artigo não poderá exceder, na totalidade, ao dobro do quantitativo de cada item registrado na ata de registro de preços para o órgão gerenciador e órgãos participantes, independentemente do número de órgãos não participantes que aderirem.” CAPÍTULO 16.4 CARONA COMPULSÓRIA A “carona” pode ser imposta pelo ente que for promover transferência voluntária a outro ente. Note-se que é discricionária a obrigatoriedade do ponto de vista do gerenciador do Registro de Preços (União, por exemplo) e vinculada quanto ao ente político que receberá a transferência voluntária (Município, por exemplo). Assim: “Art. 85 (...) § 6º A adesão à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora do Poder Executivo federal por órgãos e entidades da Administração Pública estadual, distrital e municipal poderá ser exigida para fins de transferências voluntárias, não ficando sujeita ao limite de que trata o § 5º deste artigo se destinada à execução descentralizada de programa ou projeto federal e comprovada a compatibilidade dos preços registrados com os valores praticados no mercado na forma do art. 23 desta Lei Na hipótese de “carona compulsória” em razão de transferências voluntárias, não há limitação de quantitativos ao montante geral do registro de preços do ente que promove a transferência. Da mesma forma, quanto à adesão decorrente de produtos de consumo médico-hospitalar, não existem limitadores ao registro de preços do órgão gerenciador. Assim: “§ 7º Para aquisição emergencial de medicamentos e material de consumo médico- hospitalar por órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal, a adesão à ata de registro de preços gerenciada pelo Ministério da Saúde não estará sujeita ao limite de que trata o § 5º deste artigo.” § 8º Será vedada aos órgãos e entidades da Administração Pública federal a adesão à ata de registro de preços gerenciada por órgão ou entidade estadual, distrital ou municipal.” A �nalidade da norma é o controle interno da máquinapública e a compatibilidade com os preços de mercado. A “carona” pode ser imposta pelo ente que for promover transferência voluntária a outro ente. Note-se que é discricionária a obrigatoriedade do ponto de vista do gerenciador do Registro de Preços (União, por exemplo) e vinculada quanto ao ente político que receberá a transferência voluntária. CAPÍTULO 16.5 “VENCEDOR FICTO E PARCIAL” E “PRECIFICAÇÃO MÚLTIPLA” O registro de preços tem algumas novidades que deverão gerar dúvidas na Administração Pública sobre a natureza de tais regras. Algumas são regras impositivas e outras estão no âmbito da discricionariedade administrativa. Uma das regras é a do “vencedor ficto” ou seja, aquele licitante que classi�cado em segundo lugar e aceitando o preço do primeiro colocado passa ser considerado “vencedor secundário”, caso o primeiro colocado não forneça o objeto da licitação. Tal regra está prevista no artigo 82, VII da NLLC: “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) VII - o registro de mais de um fornecedor ou prestador de serviço, desde que aceitem cotar o objeto em preço igual ao do licitante vencedor, assegurada a preferência de contratação de acordo com a ordem de classificação;” (grifos nossos). A regra do “vencedor ficto” é impositiva à Administração Pública, ou seja, havendo adequação de preços o “vencedor ficto” deverá ter tal direito ao fornecimento na hipótese de insu�ciência ou inexecução pelo “vencedor real”. A regra também é impositiva na hipótese inversa: não havendo adequação de preços a Administração Pública NÃO poderá aceitar a �gura do “vencedor ficto”. Já a �gura do “preço múltiplo” trata de hipótese distinta. Nesse caso há uma discricionariedade mitigada. Ou seja, existem aspectos discricionários e aspectos facultativos colocados à disposição do Poder Público. A administração PODE escolher a técnica de preci�cação diferenciada (ou múltipla) DESDE QUE haja justi�cativa de tal diferenciação em razão de fatores (rol meramente exempli�cativo) do local de entrega, da forma de acondicionamento, tamanho do lote, etc. Assim, prevê a NLLC: “Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) III - a possibilidade de prever preços diferentes: a) quando o objeto for realizado ou entregue em locais diferentes; b) em razão da forma e do local de acondicionamento; c) quando admitida cotação variável em razão do tamanho do lote; d) por outros motivos justi�cados no processo;” (grifos nossos) Trata-se, portanto de discricionariedade mitigada a hipótese de “precificação múltipla” já que a lei exige justi�cativa expressa para tal opção. Já a hipótese de vencedores parciais da ata de registro de preços é uma discricionariedade propriamente dita, já a NLLC autoriza, mas não impõe tal sistemática de gestão administrativa. Caberá à Administração Pública a escolha (ou não) de sua utilização, já que se trata de divisão da ata que poderá ou não favorecer a organização do Poder Público. A princípio poderíamos pensar que isso forçaria a baixa dos preços na medida em que diluiria o custo de estoque presente em todo registro de preços. Já tivemos oportunidade de manifestar nossa opinião no CONJUR (15.04.2.023, “Lei nº 14.133/21: TCE-SP e a revisão do registro de preços”: https://www.conjur.com.br/2023-abr-15/laercio-santos-perspectiva- manutencao-jurisprudencia ) no sentido de que o registro de preços “força” o aumento do preço a ser oferecido pelo (s) licitante (s) já que obriga o particular a manter estoque para fornecimento imediato ao poder público. É óbvio que o custo do preço da manutenção do “estoque” será repassado para o preço a ser oferecido no registro de preços. Mas a questão pertinente ao tema dos “vencedores parciais” é se essa multiplicidade de vencedores favoreceria a redução dos custos de estoque e, por consequência, dos preços oferecidos para a ata de registro de preços. A questão não comporta resposta prévia e única. Fatores como economia de escala poderiam indicar que um único vencedor teria maiores condições de redução de preços. Fatores como o favorecimento de oligopólios de grandes fornecedores indicaria no sentido oposto de que os preços repassados continuariam elevados. Sendo a licitação um tema multidisciplinar, buscamos orientação em regras de mercado. No caso dos “vencedores parciais” não obtivemos uma resposta pronta. Vamos então ao texto da lei para tal resposta. Prevê a NLLC: ”Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) IV - a possibilidade de o licitante oferecer ou não proposta em quantitativo inferior ao máximo previsto no edital, obrigando-se nos limites dela;” (grifos). A insu�ciência de resposta prévia às questões de mercado aliada ao texto da NLLC obriga-nos a entender que se trata de MERA FACULDADE da Administração Pública a escolha pela �gura dos “vencedores parciais”. Em síntese: a �gura do “vencedor �cto” é impositiva à Administração Pública, a �gura da “precificação múltipla” é de discricionariedade mitigada e a �gura dos “vencedores parciais” é discricionária. CAPÍTULO 16.6 A REVISÃO DO REGISTRO DE PREÇOS – PERSPECTIVA DE MANUNTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA A jurisprudência do TCE/SP (com base na Lei Federal nº 8.666/93) é �rme no sentido da impossibilidade de equilíbrio econômico-�nanceiro na ata de registro de preços. Encontramos exceções apenas para casos excepcionalíssimos como a variação brusca dos combustíveis que transformou o seu preço de mercado em metáfora viva do imponderável. Mesmo a exceção encontrada não admitiu o reequilíbrio propriamente dito, mas apenas aceitou a necessidade de reequilíbrio como forma de não transformar o serviço público em capítulo bíblico do apocalipse. O presente texto de opinião ousa a�rmar que a jurisprudência será mantida, mesmo com a nova Lei de Licitações e contratos. Uma análise precipitada poderia conduzir o intérprete à conclusão de que o artigo 82, VI da nova lei conduziria à possibilidade de reequilíbrio, caso haja previsão no edital. Assim, prevê referida regra: ”Art. 82. O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre: (...) VI - as condições para alteração de preços registrados; Pensamos que a referida regra autoriza tal previsão apenas para hipóteses excepcionais em que haverá prejuízo na manutenção dos serviços públicos tal e qual já aponta a jurisprudência do TCE/SP. A jurisprudência sumulada do TCE/SP já aponta que o registro de preços NÃO é compatível com serviços continuados, onde a imprevisão contratual e o reequilíbrio têm mais sentido. Nesse diapasão é a súmula 31 da Corte de Contas: “Em procedimento licitatório, é vedada a utilização do sistema de registro de preços para contratação de serviços de natureza continuada” A Súmula transcrita permanece em vigor com a nova Lei de Licitações e contratos em nosso modesto entendimento. As principais inovações sobre o registro de preços na nova lei referem- se à possibilidade de “carona”, registro de mais de um licitante e a possibilidade de prorrogação por novo período de um ano. Também a possibilidade de oferta parcial pelo licitante é mudança digna de nota. Nenhuma destas apontadas novidades é o su�ciente para retirar do Registro de Preços o seu caráter de aquisição pontual para serviços e bens cujo planejamento seja mais di�cultoso. O Registro de preços “força” o aumento do preço a ser oferecido pelo (s) licitante (s) já que obriga o particular a manter estoque para fornecimento imediato ao poder público. É óbvio que o custo do preço da manutenção do “estoque” será repassado para o preço a ser oferecido no registro de preços. Nenhuma das inovações do novo sistema registral são su�cientes para transformar o preço da ata do registro de preços num valor idêntico às aquisições de mercado em que não há essa exigência indireta da manutençãode “estoques”. Ainda que tenha ocorrido a amenização destes custos com a possibilidade de mais de um licitante na ata e a possibilidade de “carona” que torna a ata numa expectativa com maior probabilidade de efetivação, ainda assim, o risco de estoque sem comprador continua presente. Todo custo do licitante é computado no preço �nal. Esse é o ponto central a ser analisado acerca da manutenção da jurisprudência sobre a vedação (em regra) do reequilíbrio. Uma nova ata tem maior probabilidade de aproximação com o preço real de mercado já que a ata sempre se efetiva com o “spread” da possibilidade de estoque inútil para o fornecedor. Para fazermos uma comparação grosseira, a ata de registro de preços equivale à aquisição pelo consumidor de um produto numa padaria 24 horas ou num atacadão que funciona apenas em horário comercial com vendas de produtos em maiores quantidades. Não se pode esperar que a padaria venda um litro de leite pelo mesmo preço do atacadão. Seria um contrassenso econômico absurdo. Da mesma forma, quanto ao registro de preços em que o licitante deve “aguardar” sem a certeza da venda do produto ou serviço. O registro de preços não é um contrato propriamente dito, mas mero contrato preliminar. Marçal Justen Filho23 a�rma em sua reconhecida obra: “A ‘ata de registro de preços’ não produz diretamente um contrato de fornecimento ou de serviço. Ela formaliza um contrato preliminar, que envolve a disciplina de futuras contratações entre as partes.” (grifos nossos) O reequilíbrio econômico-�nanceiro é aplicável aos contratos propriamente ditos e não aos contratos preliminares que podem se transformar em promessa jamais cumprida. A nova Lei de Licitações menciona a palavra “econômico-�nanceiro” em 16 oportunidades. Em nenhuma delas aparece entre os artigos 82 a 86 que tratam do tema do registro de preços na nova lei. Aparece, porém em 6 oportunidades dentre os artigos 124 a 136 que tratam do capítulo da alteração do contrato e dos preços. Em síntese: o reequilíbrio econômico-�nanceiro da nova Lei de Licitações é aplicável a contratos propriamente ditos e não a promessas de contrato que carregam um acréscimo, em sua gênese, de preço in�ado pelo dever jurídico de manutenção de um estoque de uso incerto. O Professor Marçal24 admite a possibilidade da repactuação de preços no registro de preços com a nota da excepcionalidade. Assim: “(...) Eventualmente e na medida em que se promova registro de preços para serviços continuados com a utilização de mão de obra exclusiva, pode-se cogitar de repactuação de preços.” E prossegue: “Caso se verifiquem eventos supervenientes de cunho extraordinário, acarretando o desequilíbrio da relação original entre encargos e vantagens, a solução mais adequada é a extinção do registro de preços.” (grifos nossos). Portanto, nossa aposta, pedindo licença ao E. TCE/SP, é a de que a jurisprudência da Corte de Contas permanecerá exatamente a mesma sobre a excepcionalidade do reequilíbrio econômico-�nanceiro no âmbito do registro de preços, preferindo-se que seja extinta a ata anterior e �rmada outra diante da natureza do registro de preços de aquisição com maior risco para o fornecedor e, na mesma proporção, maior preço para a Administração Pública. 22 “Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos”, EDITORA RT, 2.021,pág.1.159 . 23 “Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos”, EDITORA RT, 2.021,pág.1.159 . 24 “Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos”, EDITORA RT, 2.021,pág.1.167. A CAPÍTULO 17 FIM DA VINCULAÇÃO AO PREÇO DO VENCEDOR lei revogada previa como cláusula obrigatória a vinculação à oferta do vencedor. Assim: “Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: (...) XI - a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;” A novel licitação, porém, não cria tal vinculação que, diga-se, con�gurava verdadeira invasão ao preceito da livre inciativa, quando impunha aos demais classi�cados o preço que jamais ofereceram. Assim, prevê a nova regra: “Art. 90 (...) § 2º Será facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou não retirar o instrumento equivalente no prazo e nas condições estabelecidas, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições propostas pelo licitante vencedor. § 3º Decorrido o prazo de validade da proposta indicado no edital sem convocação para a contratação, ficarão os licitantes liberados dos compromissos assumidos. § 4º Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do § 2º deste artigo, a Administração, observados o valor estimado e sua eventual atualização nos termos do edital, poderá: I – convocar os licitantes remanescentes para negociação, na ordem de classificação, com vistas à obtenção de preço melhor, mesmo que acima do preço do adjudicatário;” Note-se que haverá um iter procedimental de tentativa de �xação do preço vencedor, mas não sua obrigatoriedade, já que poderá ser �rmado contrato com preço distinto daquele vencedor. Aliás, a falta de contratação do vencedor pode decorrer, exatamente, da inexequibilidade superveniente ou inexequibilidade observada de forma superveniente. Registre-se que o autor fala sobre o “�m da vinculação ao preço vencedor no que diz respeito à revogada Lei Federal nº 8.666/93, já que o pregão em seu artigo 4º, XVI da Lei Federal nº 10.520/02 (também revogada) autorizava o exame das propostas subsequentes na hipótese de desquali�cação do vencedor. A CAPÍTULO 18 FISCALIZAÇÃO CAPÍTULO 18.1 ERGOFOBIA” E FISCALIZAÇÃO DOS CONTRATOS "Ergofobia”, rigorosamente, é uma patologia caracterizada pelo medo de situações relacionadas ao trabalho. Metaforicamente, porém, é aquele procedimento abominável e comum em repartições públicas de “informarem” _ seja qual for o assunto _ que não seria da competência daquele servidor público, mas de outro servidor noutro setor; este, por sua vez; também não é o competente e assim sucessivamente até o dia do apocalipse. A anedota do mau servidor adquire contornos nazistas quando se tem notícia de servidores do especí�co setor em omissão escancarada de seus deveres. Servidores da assistência social que dão as costas a idosos para suposta economia de dinheiro público ou servidores da saúde que alegam incompetência para decidir em contratos de manutenção da vida por equipamentos médicos superam imagens dos campos de concentração. A “banalização do mal” descrita por Hanna Arendt parece sobreviver mesmo em Estados Democráticos. Desta forma, a “banalização do mal” brota novamente como tiririca numa terra que aparentava estar livre dessa praga. Por conta de “argumentos” tais como “sempre foi assim”, ou “não é comigo” é que a legislação foi reformada no sentido de imputar maior responsabilidade no âmbito da escória do serviço do serviço público. Uma minoria, diga-se, mas uma minoria com potencial para arruinar todo o serviço público senão gerações de uma nação. Os sintomas desta doença corporativa são de fácil detecção: recusa em formalizar qualquer pedido e preferência pela informalidade típica dos corruptos enrustidos. Outro sintoma é passar os dias procurando culpados por todos os males da humanidade. Acessos de ira e gritos também são comuns já que os irados e os preguiçosos estão no mesmo círculo do inferno descrito por Dante Alighieri. Vale lembrar que a lei 9.784/1999 é utilizada na imensa maioria dos grotões e acanhadas urbes de civilidade reduzida onde os descalabros são bem mais frequentes. A Lei Federal 9.784/99 (aplicável aos Estados e Municípios nos termos da Súmula 633 do C. STJ), já tinha previsão no sentido da obviedade ululante do dever de decidir. Assim: “CAPÍTULO XI DO DEVER DE DECIDIR Art. 48. A Administração tem o dever de explicitamente emitir decisão nos processos administrativos e sobre solicitações ou reclamações, em matéria de sua competência.”(grifos nossos). A regra, porém, nunca foi o su�ciente para fulminar hábitos arraigados desde o Brasil Colônia com a confusão entre público e privado descrita por Sergio Buarque de Holanda em sua obra “Raízes do Brasil”. Apenas temas do interesse pessoal do “ergofóbico” são tratados como temas de sua competência. O resto “não é comigo”. Para tentar exterminar esse mal imemorial a lei 14.210/2.021 alterando a lei 9.784/99 prevê a decisão coordenada: “Art. 49-A. No âmbito da Administração Pública federal, as decisões administrativas que exijam a participação de 3 (três) ou mais setores, órgãos ou entidades poderão ser tomadas mediante decisão coordenada, sempre que: (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021) I - for justificável pela relevância da matéria; e (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021) II - houver discordância que prejudique a celeridade do processo administrativo decisório. (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021)” Portanto, uma das formas de dar �m ao “jogo de empurra” é a possibilidade de “decisão coordenada”, versão do Direito Administrativo da �gura materna que “junta as crianças” que �cam botando a culpa entre si para uma espécie de acareação que retoma lições da infância. Claro que bem utilizada será uma aplicação do conceito de “sinergia” comum no setor privado quando a junção de competência é bem mais do que uma simples soma, mas uma multiplicação do potencial de gestão. No aspecto especí�co das licitações a lei 14.210/2.021 previu a �gura da “especificação” ou “corte epistemológico administrativo” da responsabilidade do gestor do contrato administrativo nos seguintes termos: “Art. 49-A (...) § 6º Não se aplica a decisão coordenada aos processos administrativos: (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021) I - de licitação; (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021) II - relacionados ao poder sancionador; ou (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021) III - em que estejam envolvidas autoridades de Poderes distintos. (Incluído pela Lei nº 14.210, de 2021)” (grifos nossos). Ou seja, o jogo de empurra quanto à gestão do contrato administrativo foi fulminado de morte. Exatamente por se tratar de tema com “corte epistemológico administrativo” , ou seja, tema de uma determinada secretaria que gerencia o contrato é que não se admite na lei a “decisão coordenada”. Apesar da obviedade ululante, a nova lei estabelece com clareza solar que o contrato administrativo de serviços clínicos é competência da autoridade de Saúde do ente político, o contrato de serviços de engenharia da autoridade de Obras e assim sucessivamente, como determina a racionalidade mais rasteira e elementar. As penas e, portanto, a gestão do contrato, são da competência do setor com aderência à matéria do contrato, tal e qual o professor da disciplina é o responsável pelas notas daquela mesma disciplina! Assim, prevê o novo Códex Licitatório: “Art. 156. Serão aplicadas ao responsável pelas infrações administrativas previstas nesta Lei as seguintes sanções: I - advertência; II - multa; III - impedimento de licitar e contratar; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar. § 6º A sanção estabelecida no inciso IV do caput deste artigo será precedida de análise jurídica e observará as seguintes regras: I - quando aplicada por órgão do Poder Executivo, será de competência exclusiva de ministro de Estado, de secretário estadual ou de secretário municipal e, quando aplicada por autarquia ou fundação, será de competência exclusiva da autoridade máxima da entidade;” (grifos nossos). O tema �ca mais relevante para as licitações e contratos administrativos, já que a referida Lei foi sancionada em 30.09.2.021, cerca de 5 (cinco) meses após o início de vigência na NLLC que é de 01.04.2.021. Como a NLLC teve “vacatio legis opcional” de 2 (dois) anos, prorrogada por mais 8 meses, a referida alteração da “decisão coordenada” e a vedação deste tipo de decisão no caso de imposição da pena de inidoneidade, signi�ca que a responsabilidade é da secretaria especí�ca da matéria do contrato administrativo. Há possibilidade de delegação (pelo secretário da pasta) para a imposição de sanções menores (advertência, multas, suspensão) mas a responsabilidade da gestão do contrato continuará sendo do secretário (ou cargo equivalente) da pasta do tema do contrato administrativo. Se tem poder de delegar signi�ca que tem a responsabilidade de gerir o referido contrato. No mesmo diapasão sobre a responsabilidade dos secretários das respectivas pastas, prevê a Lei de Improbidade: “Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente: (...) XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;” A omissão do secretário (ou autoridade equivalente) é uma forma de anuência ao enriquecimento sem causa do licitante vencedor e, portanto, a omissão é uma infração à lei de improbidade. Inspirada na “ergofobia”, metáfora do pecado capital da preguiça, é que a lei 14.201/2.021 conjugada com as alterações da Lei Federal 9.784/2.021 e com a Lei de Improbidade criou mecanismos de combate à desídia no serviço público. Resta saber se esse “corte epistemológico administrativo” será o su�ciente para coibir as gestões desastrosas famosas em nosso meio político em governos de todos os matizes ideológicos. O CAPÍTULO 19 ATRASO CONFIGURADOR DE INADIMPLEMENTO prazo de “inadimplência consentida” ou de con�guração, propriamente dita da inadimplência, será de dois meses e um dia e não mais 90 dias como na lei revogada. Assim: “Art. 137 (...) § 2º O contratado terá direito à extinção do contrato nas seguintes hipóteses: IV – atraso superior a 2 (dois) meses, contado da emissão da nota fiscal, dos pagamentos ou de parcelas de pagamentos devidos pela Administração por despesas de obras, serviços ou fornecimentos;” A con�guração da inadimplência, desta forma, está um pouco mais próxima da realidade do mundo dos negócios, inobstante haja ainda o privilégio temporal de dois meses. Houve redução do prazo con�gurador do inadimplemento que na revogada Lei Federal nº 8.666/93 era superior a 90 dias (art. 78, XV). Julio Comparani e Gabriel Pinheiro Chagas25, porém, recebem com ceticismo a redução do prazo da nova lei indicando precedente da Corte da Cidadania: É o caso, por exemplo, do Agravo em Recurso Especial nº 1.339.560/DF, em que o STJ afastou a aplicação do dispositivo alegando a essencialidade dos serviços prestados e o atendimento ao interesse público: "Sobre a alegação de violação, pelo acórdão recorrido, do artigo 78, XV, da Lei n. 8666/93, assiste razão ao agravante pois, no caso de serviços essenciais, não se pode ignorar o interesse público, no que o referido dispositivo não pode ser interpretado de forma isolada" (Agravo em Recurso Especial nº 1.339.560/DF, relator ministro Francisco Falcão, j. 04/02/2019). Inobstante o brilho dos autores do texto transcrito pedimos licença para concordar com o STJ já que não se pode interpretar a lei como “licença para matar”. O precedente cita serviços essenciais onde, portanto, não se discute apenas o vil metal pecuniário, mas temas como vida, saúde, segurança que _ venia concessa _ tem supremacia em relação a interesses estritamente privados. 25 https://www.conjur.com.br/2021-mar-13/comparini-chagas-lei-licitacoes N CAPÍTULO 20 RECEBIMENTO DO OBJETO RECEBIMENTO PROVISÓRIO COMO REGRA GERAL a Lei revogada, o recebido provisório só tinha previsão expressa quanto a obras. A nova lei cria a regra geral de recebimento provisório e posterior recebimento de�nitivo para todas as hipóteses. Assim: “Art. 140. O objeto do contrato será recebido: I – em se tratando de obras e serviços: a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, mediante termo detalhado, quando verificado o cumprimentodas exigências de caráter técnico; b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo detalhado que comprove o atendimento das exigências contratuais; II - em se tratando de compras: a) provisoriamente, de forma sumária, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização, com verificação posterior da conformidade do material com as exigências contratuais; b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade competente, mediante termo detalhado que comprove o atendimento das exigências contratuais.” Somente quem trabalha no setor público sabe dimensionar a relevância da inclusão do recebimento provisório como imposição legal. Consulte um servidor público sobre histórias em que _ por exemplo _ um ar condicionado foi recebido (de�nitivamente) e não havia controle, não funcionava a contento ou não tinha rede elétrica compatível e, ainda assim, foi recebido de forma de�nitiva.... Apenas quem conhece as mazelas e vícios da Administração Pública pode dimensionar a relevância da inserção de tal regra de governança corporativa do Poder Público. I CAPÍTULO 21 NULIDADE MODULADA nspirada na “modulação” do STF em sede de controle concentrado de normas, a novel lei criou a �gura da “modulação da nulidade”, regra compatível com o nível pragmático de gestão dos erros administrativos. Em sede da Suprema Corte brasileira, já é muito bem exercitada a modulação para as inconstitucionalidades. Ora, a lei já era inconstitucional antes mesmo de adentar ao STF. Inobstante tal fato, somente uma visão exacerbadamente formalista exigiria que _ sempre _ houvesse efeitos “ex tunc” desde o nascimento da norma inconstitucional. Ainda que inconstitucional, a norma surte efeitos no mundo real e tais efeitos não podem ser ignorados. Da mesma forma, o ato administrativo _ ainda que ilícito _ surte efeitos. É famosa a “teoria da aparência” quando o “servidor de fato” tinha seus atos reconhecidos em homenagem aos princípios da segurança e da boa-fé do administrado. No mesmo diapasão é a novel regra de “modulação”. Note-se que a “convalidação” da norma da lei federal nº 9.784/199926 já tinha a �nalidade de aproveitamento de regras substancialmente lícitas. Assim, prevê a nova regra da Lei de Licitações: “Art. 148. A declaração de nulidade do contrato administrativo requererá análise prévia do interesse público envolvido, na forma do art. 146 desta Lei, e operará retroativamente, impedindo os efeitos jurídicos que deveria produzir ordinariamente e desconstituindo os já produzidos. § 1º Caso não seja possível o retorno à situação fática anterior, a nulidade será resolvida pela indenização por perdas e danos, sem prejuízo da apuração de responsabilidade e aplicação das penalidades cabíveis. § 2º Ao declarar a nulidade do contrato, a autoridade, com vistas à continuidade da atividade administrativa, poderá decidir que ela só tenha eficácia em momento futuro, suficiente para efetuar nova contratação, por prazo de até 6 (seis) meses, prorrogável uma única vez.” Note-se que “sobrevida” do ato nulo poderá ter vigência por até um ano (seis meses, prorrogável). Registre-se, ainda, que tal “sobrevida” é limitada a efeitos concretos inadiáveis e não ato administrativo por inteiro. Assim, por exemplo, a aquisição de produto essencial superfaturado sem a devida licitação poderá permanecer sendo adquirida por um tempo (até que haja licitação) mas deverá ter seus preços imediatamente �xados nos parâmetros do mercado. 26 Art. 55. Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser convalidados pela própria Administração. A CAPÍTULO 22 MUDANÇA QUANTO AOS PERCENTUAIS DE MULTA multa por descumprimento contratual passou a ter termos mais especí�cos na nova lei. São estabelecidos os patamares de 0,5% a 30% do contrato, criando parâmetros objetivos. Assim: “Art. 156 (...) § 3º A sanção prevista no inciso II do caput deste artigo, calculada na forma do edital ou do contrato, não poderá ser inferior a 0,5% (cinco décimos por cento) nem superior a 30% (trinta por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta e será aplicada ao responsável por qualquer das infrações administrativas previstas no art. 155 desta Lei Também é estabelecida uma equivalência entre ilícitos e sanções, diminuindo a margem de discricionariedade na �xação das sanções administrativas. Desta forma, o impedimento de licitar e contratar será imposto nas hipóteses: “II – dar causa à inexecução parcial do contrato que cause grave dano à Administração, ao funcionamento dos serviços públicos ou ao interesse coletivo; III – dar causa à inexecução total do contrato; IV – deixar de entregar a documentação exigida para o certame; V – não manter a proposta, salvo em decorrência de fato superveniente devidamente justificado; VI – não celebrar o contrato ou não entregar a documentação exigida para a contratação, quando convocado dentro do prazo de validade de sua proposta; VII – ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado; Assim, prevê a nova lei: “§ 4º A sanção prevista no inciso III do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do art. 155 desta Lei, quando não se justificar a imposição de penalidade mais grave, impedido o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta do ente federativo que tiver aplicado a sanção, pelo prazo máximo de 3 (três) anos”. Note-se que que a inidoneidade tem prazo de até 6 anos na nova lei que aumentou o prazo previsto no revogado artigo 1º da Lei federal nº 9.873/ 1999 (revogação tácita). Assim: “§ 5º A sanção prevista no inciso IV do caput deste artigo será aplicada ao responsável pelas infrações administrativas previstas nos incisos VIII, IX, X, XI e XII do caput do art. 155 desta Lei, bem como pelas infrações administrativas previstas nos incisos II, III, IV, V, VI e VII do caput do referido artigo que justifiquem a imposição de penalidade mais grave, impedido o responsável de licitar ou contratar no âmbito da Administração Pública direta e indireta de todos os entes federativos, pelo prazo mínimo de 3 (três) anos e máximo de 6 (seis) anos.” Logo, a inidoneidade teve seu prazo ampliado com a nova lei, sendo mudança signi�cativa no âmbito das sanções administrativas. A CAPÍTULO 23 DIREITO INTERTEMPORAL nova lei estabeleceu um prazo de 2 anos de convivência entre o sistema revogado da lei federal nº 8.666/1993 e a nova Lei de Licitações. Assim: “ART 191 (...) § 2º Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 190, a Administração poderá optar por licitar de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.” Assim, o prazo referido no trecho acima transcrito é de dois anos. Assim: “Art. 190. Ficam revogados: (...) II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47 da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.” Concordamos com o TCU quando decidiu sobre idêntica regra de transição na lei das estatais que o termo inicial da licitação para �ns deste prazo de 2 anos é a publicação do edital e não o início da fase interna da licitação (TCU, Acórdão nº 2279/2019, Plenário. Rel. Min. Augusto Nardes. Julg. 25/09/2019, indicado por Joel de Menezes Niebuhr, op. Cit. Pág. 12) Assim, decidiu o C. TCU, citado por Joel Niebuhr27: “Registre-se, contudo, que o Tribunal de Contas da União externou entendimento contrário em situação muito parecida, relativa à transição para a aplicação pelas estatais da Lei n. 13.303/2016, que também concedeu o prazode 2 (dois) anos e também permitiu que licitações iniciadas neste prazo sob o regime antigo prosseguissem com o mesmo regime. Transcreve-se as razões da Corte de Contas: 15. O mencionado decreto, no § 2º do art. 71, deixou assente a permissão da “utilização da legislação anterior para os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro”, ou seja, enquanto as adaptações não fossem promovidas, dentro do prazo limite de 24 meses, poderia ser aplicada a lei antiga. 16. Apesar dessa controvérsia ter perdido importância, uma vez decorrido neste momento o prazo máximo de transição previsto em lei, a equipe técnica deste Tribunal identificou que os procedimentos licitatórios do “Edital de Concorrência 02/2018 do Metrô-DF”, tiveram como base a Lei n. 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos da Administração Pública), em detrimento da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). 17. A essência da discussão está no fato de o legislador não ter explicitado se esse início do procedimento licitatório se refere à sua efetiva publicação ou ao começo do planejamento da licitação, em sua fase interna/preparatória. No presente caso, os estudos para as obras se iniciaram em 2014 (Evidência 4). 18. Entendo não haver dúvida em relação ao momento a ser considerado como de início do procedimento, isso porque não se pode ampliar a interpretação de concessão dada pelo legislador para uma transição de normativos. Com isso, a melhor interpretação é a de que a transição vale para licitações que tiveram seu edital “publicado” entre a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro.(...)” Registre-se que a opinião do autor que selecionou a decisão acima transcrita diverge do C. TCU, optando pela opinião de que a fase interna (e não a publicação) é que dá início à licitação. Ousamos divergir, tendo em vista que a publicidade é condição de e�cácia do ato administrativo e este não tem existência, senão mera potencialidade de existência para o mundo externo. A publicidade é que dá vida externa ao ato administrativo. CAPÍTULO 23. 1 Ê VIGÊNCIA “POST MORTEM” DO ARTIGO 116 DA LEI 8.666/93 Convênios e o laconismo da nova Lei de Licitações Um questionamento feito por respeitado servidor do setor de �nanças públicas sobre o tema dos convênios sob a égide da nova Lei de Licitações serviu de inspiração para o presente texto, feito sob medida para o prestigiado site “consultor jurídico” e _posteriormente _ como parte da revisão desta 2ª edição sobre as inovações da Lei de Licitações. A dúvida suscitada foi: “Como ficam os convênios com a nova Lei de Licitações se o artigo 184 da nova lei não prevê os requisitos para os convênios como prevê o artigo 116 da lei federal nº 8.666/93?” Essa é a síntese da indagação sobre o tema dos convênios e o direito intertemporal. Vejamos as duas regras e prestemos atenção ao laconismo (meramente aparente) da nova lei. Assim, prevê o artigo 184 da nova lei (14.133/21): “Art. 184. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber e na ausência de norma específica, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração Pública, na forma estabelecida em regulamento do Poder Executivo federal.” Uma primeira interpretação da regra acima nos levaria a concluir que o Decreto Federal nº 6.170/2007 seria a regra para a pormenorização dos convênios, conforme previsão da parte �nal do artigo 184 da nova lei. Porém, tal decreto padece de dois defeitos congênitos que o impedem de se transformar num “código dos convênios”. Primeiro defeito: só pode regulamentar verbas federais a serem transferidas a outros entes via convênio e não a todo e qualquer convênio. Segundo defeito: A competência para legislar sobre “normas gerais” de licitações compete à União que tem competência privativa para legislar sobre normas gerais de licitações, conforme previsão do artigo 22, XXVII da Carta Federal. Tal competência _ evidentemente _ não pode ser exercida pela via do decreto já que a inovação originária da ordem jurídica somente pode ser feita pela lei em sentido estrito. De qualquer maneira o referido decreto serve de fulcro jurídico para os convênios que envolvam a União e repasses para os contratos de colaboração com órgãos ou entidades sem �ns lucrativos. E para os demais convênios? Para os demais convênios devemos aplicar as regras do artigo 116 da Lei federal nº 8.666/93, inclusive após a revogação da referida lei pelos motivos que elencaremos a seguir. Prevê a referida regra: “Art. 116. Aplicam-se as disposições desta Lei, no que couber, aos convênios, acordos, ajustes e outros instrumentos congêneres celebrados por órgãos e entidades da Administração. § 1o A celebração de convênio, acordo ou ajuste pelos órgãos ou entidades da Administração Pública depende de prévia aprovação de competente plano de trabalho proposto pela organização interessada, o qual deverá conter, no mínimo, as seguintes informações: I - identificação do objeto a ser executado; II - metas a serem atingidas; III - etapas ou fases de execução; IV - plano de aplicação dos recursos financeiros; V - cronograma de desembolso; VI - previsão de início e fim da execução do objeto, bem assim da conclusão das etapas ou fases programadas; VII - se o ajuste compreender obra ou serviço de engenharia, comprovação de que os recursos próprios para complementar a execução do objeto estão devidamente assegurados, salvo se o custo total do empreendimento recair sobre a entidade ou órgão descentralizador.” Note-se que tanto a lei 8666/93 quanto a nova lei 14.133/21 preveem a aplicação subsidiária das regras licitatórias como parâmetro para as regras aplicáveis aos convênios. Note-se, ainda, que todas as regras previstas no §1º do artigo 116 da lei 8.666/93 estão previstas _ de maneira esparsa_ na nova lei 14.133/21 e no sistema jurídico. Vejamos. Previsão de “plano de trabalho” do §1º do artigo 116 da lei federal 8.666/93. O artigo 5º da nova lei prevê como princípio da licitação o “planejamento” e utiliza esse termo 12 (doze) vezes ao longo do texto legal, referindo-se ao estudo técnico preliminar, sendo que no artigo 18 o termo é utilizado como vinculado ao plano anual de contratações. Portanto, o termo “plano de trabalho” do artigo 116 da lei federal 8.666/93 continua vivo na nova lei, ainda que de forma esparsa ao longo de toda a nova legislação. Assim, há “sobrevida” desta regra. A “sobrevida” tem valor retórico, pois _ de fato _ a regra “nasceu” com a nova lei em outros artigos especí�cos da nova norma. A regra do §1º, I do artigo 116 da lei federal 8.666/93 prevê a indicação do objeto. As regras licitatórias da nova lei 14.133/21 utilizam o termo “objeto” 124 vezes. No artigo 6º, XXIII, “a” ao de�nir o termo de referência faz menção ao “objeto” prevendo a necessidade de sua de�nição. Ainda que não fosse por previsão legal, o objeto deve ser delimitado em qualquer ato/contrato ou convênio já que até mesmo os contratos sigilosos devem ter algum objeto. Trata-se , portanto da própria existência do convênio a delimitação de seu objeto. Se não há objeto não é possível a existência do próprio convênio. O artigo 46 da nova Lei de Licitações prevê em seu §9º a indicação das metas na maioria dos regimes contratuais. Todo convênio deve ter alguma meta ou objetivo, motivo pelo qual permanece em vigor a regra do inciso II do §1º do artigo 116 da federal 8.666/93. No mesmo diapasão, o artigo 46 §§ 6º e 9º da nova lei 14.133 estabelecem a necessidade de cronograma �nanceiro atrelado ao cronograma de obras/serviços. Assim: “§ 6º A execução de cada etapa será obrigatoriamente precedida da conclusão e da aprovação, pela autoridade competente, dos trabalhos relativos às etapas anteriores. § 7º (VETADO). § 8º (VETADO). § 9º Os regimes de execução a que se referem os incisos II, III, IV, V e VIdo caput deste artigo serão licitados por preço global e adotarão sistemática de medição e pagamento associada à execução de etapas do cronograma físico-financeiro vinculadas ao cumprimento de metas de resultado, vedada a adoção de sistemática de remuneração orientada por preços unitários ou referenciada pela execução de quantidades de itens unitários.” Desta forma, os incisos III a VI do artigo 116 da provecta lei federal 8666.93 (que tratam das etapas �nanceiras e de execução do convênio) continuam em vigor em razão da previsão nos parágrafos 6º e 9º da nova lei que tratam _ exatamente _ dos mesmos temas. Já o inciso VII do mesmo artigo 116 da provecta lei 8.666/93 tem previsão na Lei federal nº 4.320/64 em seu artigo 4º, bem como na Constituição Federal em seu artigo 167, I. A previsão orçamentária para as respectivas despesas nem precisaria constar na Lei de Licitações já que é regra mínima de governança estatal. Receitas/despesas e respectivas dotações são regras básicas e elementares das �nanças públicas e das regras elementares de gestão. En�m, do ponto de vista prático é possível (e até recomendável) que a pormenorização das regras sobre convênios na Administração Pública continue seguindo as mesmas regras do artigo 116 da provecta lei federal 8.666/93 já que _ apesar do laconismo da nova lei federal 14.133/21 _ as mesmas regras da lei antiga estão espalhadas pela lei nova, lei federal 4.320/64 e Constituição Federal. Para reforço do quanto exposto, registre-se que o próprio decreto federal nº 6.170/2007 segue _ grosso modo _ as mesmas regras quanto ao cronograma de desembolso (artigo 7º,§1º do referido decreto), remuneração da equipe da entidade privada vinculada à execução do objeto (art. 11-B, §3º) e obrigatoriedade de haver forma de acompanhamento por parte do órgão concedente da execução do objeto do convênio (art. 6º do decreto). Em síntese, o decreto também exige descrição do objeto, planejamento e cronograma de execução e desembolso das respectivas verbas. O convênio �rmado sem seguir tais mínimos parâmetros feriria de morte os princípios da impessoalidade, moralidade e da e�cácia previstos no artigo 37 “caput” da Carta Federal já que seria um “convênio” sem o mínimo de objetividade com �nalidades impossíveis de serem determinadas cuja e�cácia seria, também, impossível de ser apreciada. En�m, não se trataria de um convênio propriamente dito mas de um arremedo de ato administrativo regido por normas sobre ilicitudes praticadas no seio da Administração Pública. As regras do artigo 116 da lei federal 8.666/93 são _ a bem da verdade_ parâmetros óbvios da própria existência jurídica do convênio. Sem tais regras de descrições básicas do convênio não seria possível a prestação de contas prevista no artigo 70, parágrafo único da Carta Federal, já que um convênio sem descrição de seu objeto, de suas metas e seus cronogramas de desembolso e execução não teria qualquer substância real para a prestação de contas e seria simples enriquecimento sem causa de uma das partes do convênio. 27 Op. Cit, pág. 12. P CAPÍTULO 24 CANABIDIOL E REGRAS DA ANVISA or puro preconceito, a aquisição de canabidiol é permeada por polêmicas inúteis que não enfrentam o fato simples e óbvio de que é apenas mais um medicamento e como tal deve ser tratado. Não é o único remédio que pode ser utilizado para �ns distintos de sua �nalidade medicinal. Opioides, por exemplo, são extraídos da papoula que também é utilizada para a produção do ópio, droga que arrasa civilizações inteiras. O paciente deve ter direito à chance de minimizar seu sofrimento e polêmicas desumanas não colaboram com a mitigação da dor e devem ser solenemente ignoradas. A polêmica adentra, também, no âmbito do procedimento licitatório e pode resultar na utilização indevida do produto importado se não forem observadas regras da vigilância sanitária. Tema que é utilizado pelos licitantes, de forma maliciosa, é a da suposta possibilidade do uso de duas regras diferentes da ANVISA. Melhor esclarecendo, duas Resoluções da Diretoria Colegiada da Anvisa. Trata-se da confusão deliberada entre a RDC 327/2019 e a RDC 660/2.022 para �ns pouco republicanos. O primeiro so�sma utilizado pelos licitantes tomados pela sanha pecuniária é que, supostamente, a resolução posterior (660/2.022) teria revogado, tacitamente, a resolução anterior (RDC 327/2019). Tal so�sma ignora a regra da especialidade, já que as RDCs tratam de temas bem distintos, inobstante a semelhança quanto à regulamentação do uso do canabidiol. Uma trata de importação por paciente pessoa física e outra trata da importação para comercialização. Tais “argumentos” são apresentados por licitantes imbuídos de acentuada má-fé e, no fundo, signi�cam uma forma enrustida e dissimulada de utilizar sua inoperância operacional como “trunfo” para participação numa licitação que, rigorosamente, tais licitantes não tem a menor condição técnica e/ou operacional de participar. Expliquemos melhor. O paciente pessoa física que adquire diretamente o produto do exterior tem regramento distinto da empresa que adquire o mesmo produto para comercialização. A RDC 327/2.019 trata de requisitos para importação, acondicionamento, percentual de princípio ativo, autorização sanitária, monitoramento etc. Em síntese, a RDC 327/2019, regulamenta em detalhes as etapas que antecedem a utilização do remédio em consonância com as regras civilizatórias atuais. O artigo 2º da referida RDC sintetiza bem seu papel regulador: “Art. 2° O procedimento estabelecido no disposto nesta Resolução se aplica à fabricação, importação, comercialização, monitoramento, fiscalização prescrição e dispensação de produtos industrializados contendo como ativos derivados vegetais ou fitofármacos da Cannabis sativa, aqui denominados como produtos de Cannabis.” Assim, a RDC 327/2019 estabelece, de forma clara como a luz do sol, tudo aquilo que o licitante fornecedor deve fazer para que se enquadre como tal. A RDC 660/2.022, por sua vez estabelece critérios para a importação DIRETA por pessoa física. A RDC 660/2.022 não revogou a RDC 327/2019 de forma tácita nem expressa. Referida RDC complementa a RDC anterior na hipótese de di�culdades junto à burocracia estatal ou, ainda, no caso de medicamentos análogos sem regulamentação especí�ca e que não esteja sendo importado comercialmente. A RDC 660/2.022 é dirigida às pessoas físicas, ou seja, pacientes que pre�ram utilizar a “via crucis” da importação ao invés da “via crucis” da burocracia estatal. A RDC 660/2.022 não é dirigida a empresas que queiram participar de licitações. Referida RDC é um suplemento regulamentar para acesso ao medicamento e observância do direito à vida do paciente e não instrumento de “facilitação” da importação por licitantes/fornecedores desorganizados e desleixados. A ementa da RDC 660/2.022 é deveras esclarecedora de que é uma regra para “pessoas físicas”, ou seja, pacientes do canabidiol e não empresas que pretendam fornecer o medicamento ao poder Público. Assim: “RESOLUÇÃO RDC Nº 660, DE 30 DE MARÇO DE 2022 Define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.” (grifos nossos). Mais adiante, esclarece com luz solar o artigo 1º da Resolução 660/2.022 acerca da obviedade ululante de que se trata de norma direcionado ao PACIENTE e não ao fornecedor/licitante. Assim: “Art. 1º Esta Resolução define os critérios e os procedimentos para a importação de Produto derivado de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde.”(grifos nossos). A alegação de suposta aplicação da RDC 660/2.022, caso reiterada pelo licitante, pode con�gurar, até mesmo o tipo penal previsto na Lei 14.133/2.021. Assim: “Perturbação de processo licitatório Art. 337-I. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de processolicitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, e multa.” Na verdade, o que busca o licitante malicioso é proceder à “terceirização inversa”, ou seja, utilizar o Poder Público para auferir lucros transferindo todo o trabalho e todo o risco para a própria administração num espetáculo de “privatização dos lucros” e “socialização dos prejuízos”. Se a Administração Pública optasse, “ad argumentandum tantum”, pela aplicação da RDC 660/2.022 teria que “acompanhar” cada paciente em sua aquisição de medicamento, realizando todo o serviço que deveria estar a cargo do licitante vencedor. Deveria, inclusive, indicar servidor público para tal acompanhamento. Qual seria a função do licitante numa aquisição feita diretamente pelo paciente ou feita , na prática, pela própria administração? Orientação? Mera orientação não necessitaria de empresa contratada e poderia ser feito, por exemplo, pelo quadro de funcionários da Secretaria de Saúde. A �nalidade da licitação é, exatamente, terceirizar ao particular a tarefa de aquisição do medicamento seguindo os trâmites da ANVISA evitando que servidores �quem sobrecarregados com a burocracia da importação por cada paciente. A utilização da RDC 660/2.022 pelo Poder Público seria a institucionalização da confusão do Público com o Privado e transformação dos entes políticos em mero instrumento para lucros de empresas que, rigorosamente, não cuidariam, efetivamente, da importação do canabidiol e sequer poderiam participar de uma licitação. Além disso, tornaria o rastreamento do produto importado quase impossível, facilitando o uso indevido até mesmo para o trá�co de drogas, transformando o Poder Público em entreposto do narcotrá�co! Em síntese: a aquisição de canabidiol deve seguir, necessariamente, a RDC 327/2019, já que o uso por empresa de RDC direcionada ao paciente pessoa física (RDC 660/2.022) signi�caria uma “terceirização às avessas” impondo ao Poder Público todo o ônus e ao particular todo o bônus da importação do medicamento. O CAPÍTULO 25 TERCEIRIZAÇÃO E VEDAÇÃO AO SUICÍDIO ESTATAL que muda e o que permanece, substancialmente, nas regras da terceirização na Administração Pública? Já tivemos oportunidade de opinar junto a este respeitado CONJUR sobre as alterações em relação à responsabilidade da Administração Pública: https://www.conjur.com.br/2023-jan-03/laercio-loureiro -culpa- administracao-publica-lei-14133. Quanto aos convênios já tivemos oportunidade de opinar pela manutenção substancial das mesmas regras da provecta lei 8.666/93, usando a metáfora da “vigência ‘post mortem’” da lei 8.666/93 nesse especí�co aspecto. Assim: https://www.conjur.com.br/2021-jun-23/loureiro-vigencia- post-mortem-artigo-116-lei-866693 O “terceiro setor” tem legislação especí�ca e, portanto, não sofre alterações substanciais com a nova lei. O presente texto pretende enfrentar as possíveis alterações em relação ao Decreto Federal nº 9.507/2018 e ainda, em relação à Lei Federal nº 13.429/2017 (que alterou a lei 6.019/74, sobre trabalho temporário). As regras vedam o “suicídio estatal”, conforme explicitado adiante. Referido Decreto apenas escancara hipóteses de vedação à terceirização com a �nalidade de afastar hermenêuticas de “privatização” de funções típicas de Estado. Já a referida Lei Federal 13.429/2017 altera a lei do trabalho temporário e o tema da terceirização. A dúvida consiste em saber até que ponto incidiria nas entranhas do Poder Público. Primeiro tema: O Decreto Federal é aplicável a outros entes federados (Estados, DF e Municípios)? Ousamos a�rmar que sim. Aplica-se aos demais entes políticos especialmente a regra do artigo 3º. O decreto nada mais faz do que uma “interpretação autêntica” de regras constitucionais que di�cilmente teriam uma hermenêutica distinta, já que, inobstante a obviedade, afasta hermenêuticas de amesquinhamento das funções estatais propriamente ditas. Assim prevê referido artigo 3º do Decreto Federal nº 9.507/2018: “Art. 3º Não serão objeto de execução indireta na Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional, os serviços: I - que envolvam a tomada de decisão ou posicionamento institucional nas áreas de planejamento, coordenação, supervisão e controle; II - que sejam considerados estratégicos para o órgão ou a entidade, cuja terceirização possa colocar em risco o controle de processos e de conhecimentos e tecnologias; III - que estejam relacionados ao poder de polícia, de regulação, de outorga de serviços públicos e de aplicação de sanção; e IV - que sejam inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou da entidade, exceto disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal. § 1º Os serviços auxiliares, instrumentais ou acessórios de que tratam os incisos do caput poderão ser executados de forma indireta, vedada a transferência de responsabilidade para a realização de atos administrativos ou a tomada de decisão para o contratado.” O que o Decreto faz é sedimentar a obviedade de que o Estado precisa existir e cumprir suas funções elementares. O Decreto é uma espécie de “Leviatã” escrito por Temer (e não por omas Hobbes) informando, em suas entrelinhas, que o Estado precisa existir para evitar a guerra de todos contra todos. O Estado, portanto, não pode “privatizar” as decisões, �scalizações, poder de polícia, dever de sancionamento, etc. Em síntese, o Decreto é aplicável porque faz uma “interpretação conforme” (para usar expressão da jurisprudência do STF) para destacar que o Estado foi “criado” pela Constituição de 1988 e não pode abrir mão de sua própria existência. Por tais motivos é que o Decreto é aplicável a qualquer ente político, pois nada mas faz do que vedar o “suicídio estatal” de privatizar o próprio dever de decidir/�scalizar/sancionar. Não há ofensa ao princípio federativo pelo simples motivo de que nenhuma norma jurídica (nem mesmo uma emenda constitucional) poderia interpretar a Carta Federal de maneira a “abolir” o próprio Estado. Quanto à aplicação da Lei Federal nº 13.429/2017 o ponto relevante para o presente debate é a vedação de contratação de pessoa jurídica que tenha como sócios quem tenha sido empregado da Administração Pública nos 18 meses que antecedem a exoneração/demissão do empregado. Assim: “Art. 5º - C. Não pode figurar como contratada, nos termos do art. 4º -A desta Lei, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos dezoito meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios forem aposentados. “Art. 5º - D. O empregado que for demitido não poderá prestar serviços para esta mesma empresa na qualidade de empregado de empresa prestadora de serviços antes do decurso de prazo de dezoito meses, contados a partir da demissão do empregado.” No que tange à Administração Pública celetista (empresas públicas, sociedades de economia mista, estados e municípios) não há a menor dúvida: aplica-se a regra da do trabalho temporário e a respectiva vedação. A questão a saber é se a reforma do trabalho temporário seria aplicável aos entes políticos estatutários, já que não são regidos pela CLT. Pensamos que sim. A regra que veda a “pejotização” no âmbito privado tem caráter inequivocamente moralizador da regra da terceirização. No âmbito privado a moralidade precisa vir expressa em lei em consonância com o princípio da legalidade do art. 5º, II (o cidadão pode fazer tudo o que não estiver proibido por lei). Já no âmbito do Poder Público é decorrência direta do artigo 37, “caput”. Assim, a Administração Pública só pode fazer aquilo que tenha previsão em lei. A reforma do trabalho temporário é aplicável aos entes políticos que não tenham legislação especí�ca tratando do tema, já que somente a lei pode autorizar contratação do outrora servidor através de empresa terceirizada de propriedade do servidor exonerado/demitido. Tantoo disposto nos arts. 47 e 48 desta Lei Complementar quando: I - os critérios de tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não forem expressamente previstos no instrumento convocatório; I - (Revogado); (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) (Produção de efeito) II - não houver um mínimo de 3 (três) fornecedores competitivos enquadrados como microempresas ou empresas de pequeno porte sediados local ou regionalmente e capazes de cumprir as exigências estabelecidas no instrumento convocatório; III - o tratamento diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte não for vantajoso para a Administração Pública ou representar prejuízo ao conjunto ou complexo do objeto a ser contratado; IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. IV - a licitação for dispensável ou inexigível, nos termos dos arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, excetuando-se as dispensas tratadas pelos incisos I e II do art. 24 da mesma Lei, nas quais a compra deverá ser feita preferencialmente de microempresas e empresas de pequeno porte, aplicando-se o disposto no inciso I do art. 48. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) A CAPÍTULO 2 ‘NOVOS” PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO lguns “novos” princípios foram introduzidos pela nova Lei de Licitações. Assim: “Art. 5º Na aplicação desta Lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro)” Os princípios inseridos na nova Lei de Licitações são: planejamento, da segregação de funções e da celeridade. O autor colocou “entre aspas” a afirmação de que seriam “novos” em razão de que, implicitamente, sempre existiram. O princípio que merece destaque é o da segregação de funções, que nada mais é do que o princípio do “devido processo legal” administrativo. A regra visa aumentar o controle interno das licitações vedando cumulação de funções como, v.g., da chefia de licitação exarar parecer na condição de membro da Procuradoria do Município. A menção dos novos princípios é o suficiente para os objetivos deste manual prático das novidades da Lei de Licitações. Cabe aqui indicar um exemplo que, inobstante faça referência ao processo judicial, serve de luz ao debate. Um juiz que tenha formação em medicina pode dispensar a atuação de perito médico numa ação que debate erro médico? O exemplo não é Acaciano, pois no Fórum Central João Mendes Junior, na capital do Estado, temos uma juíza com formação em medicina. A cumulação de funções perito/juiz violaria _ escancaradamente _ o princípio do devido processo legal. Na verdade, haveria “perda de uma chance” pelo jurisdicionado, já que em vez de ter a opinião de um profissional da medicina e, também, a opinião de um magistrado, teria a “fusão de opiniões” amesquinhando seu direito à defesa. Da mesma forma, no âmbito do processo licitatório, há imperiosa necessidade da atuação de vários atores como forma de controle interno da Administração Pública. A inserção do princípio facilitará o reconhecimento de eventuais nulidades no processo administrativo licitatório em razão da ofensa ao “devido processo legal licitatório” Os princípios da celeridade e do planejamento são a mera decorrência lógica do princípio constitucional da eficácia do art. 37 “caput” da Carta Federal. O CAPÍTULO 3 DEFINIÇÕES objetivo deste capítulo não é indicar todas as novas definições da lei, mas apenas as novas definições relevantes para fins de debate da nova sistemática, TERMO DE REFERÊNCIA Inobstante ser muito utilizado na etapa interna da licitação, não havia previsão expressa para “Termo de Referência”, pelo que o mesmo poderia também ser denominado esboço, anteprojeto, projeto elementar, definição básica, entre outros. Termo de Referência é a transformação concreta do “verbo licitatório” previsto na mente do administrador público. É o mínimo existencial para início e prosseguimento da licitação, ainda em seu âmbito interno. Um secretário que não saiba firmar um termo de referência do objeto a ser licitado deve aprender a firmá-lo ou pensar em mudar de atividade profissional, do contrário, se assemelhará a um analfabeto que pretende dar aulas. Assim, define a Lei: “Art. 6º (...) XXIII – termo de referência: documento necessário para a contratação de bens e serviços, que deve conter os seguintes parâmetros e elementos descritivos: a) definição do objeto, incluídos sua natureza, os quantitativos, o prazo do contrato e, se for o caso, a possibilidade de sua prorrogação; b) fundamentação da contratação, que consiste na referência aos estudos técnicos preliminares correspondentes ou, quando não for possível divulgar esses estudos, no extrato das partes que não contiverem informações sigilosas; c) descrição da solução como um todo, considerado todo o ciclo de vida do objeto; d) requisitos da contratação; e) modelo de execução do objeto, que consiste na definição de como o contrato deverá produzir os resultados pretendidos desde o seu início até o seu encerramento; f) modelo de gestão do contrato, que descreve como a execução do objeto será acompanhada e fiscalizada pelo órgão ou entidade; g) critérios de medição e de pagamento; h) forma e critérios de seleção do fornecedor; i) estimativas do valor da contratação, acompanhadas dos preços unitários referenciais, das memórias de cálculo e dos documentos que lhe dão suporte, com os parâmetros utilizados para a obtenção dos preços e para os respectivos cálculos, que devem constar de documento separado e classificado; j) adequação orçamentária; ” O “termo de referência” equivale ao “pedido” formulado ao licitante. Quem não sabe formular o pedido, não o terá adequadamente atendido. O termo de referência é a comunicação clara e objetiva que dá vida ao certamente licitatório na fase interna. MATRIZ DE RISCOS Novidade digna de aplausos é o conceito de “matriz de riscos” que aproxima o Poder Público da eficácia da atividade privada. É um exercício de previsão e planejamento daquilo que é a essência da atividade administrativa a ser exercida. Assim, prevê a nova Lei o conceito: “Art. 6º (...) XXVII - matriz de riscos: cláusula contratual definidora de riscos e de responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de ônus financeiro decorrente de eventos supervenientes à contratação, contendo, no mínimo, as seguintes informações: a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato que possam causar impacto em seu equilíbrio econômico-financeiro e previsão de eventual necessidade de prolação de termo aditivo por ocasião de sua ocorrência; b) no caso de obrigações de resultado, estabelecimento das frações do objeto com relação às quais haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, em termos de modificação das soluções previamente delineadas no anteprojeto ou no projeto básico; c) no caso de obrigações de meio, estabelecimento preciso das frações do objeto com relação às quais não haverá liberdade para os contratados inovarem em soluções metodológicas ou tecnológicas, devendo haver obrigação de aderência entre a execução e a solução predefinida no anteprojeto ou no projeto básico, consideradas as características do regime de execução no caso de obras e serviços de engenharia; Jessé Torres Pereira Júnior5 trata deste tema no âmbito da Lei dasna Administração Pública celetista quanto na administração estatutária a vedação de “pejotizar” tem a �nalidade de impedir a institucionalização da hipocrisia administrativa com a prevalência do interesse privado em relação ao interesse público. Ou seja, trata-se, novamente, de uma regra de sobrevivência à existência do Estado como ente público propriamente dito. Além disso, a regra prestigia o dever de ingresso pelo concurso público, não podendo o servidor que rompeu seus laços laborais atuar com os benefícios da atividade privada, e, ao mesmo tempo, e com o trânsito na administração típicos do servidor. Seria, praticamente, o exercício de advocacia administrativa com amparo contratual. Em síntese: O decreto 9.507/2018 é aplicável a todos os entes políticos sem que haja ofensa ao princípio federativo por ser mera “interpretação conforme” das regras constitucionais pertinentes à própria existência do Estado. A reforma do trabalho temporário, no aspecto da “quarentena” de 18 meses para a contratação de empregado que rompeu o contrato de trabalho aplica-se aos entes políticos regidos pela CLT e aplica-se, também, aos entes políticos estatutários como decorrência do princípio da moralidade. A exceção dos estatutários seria no caso em que haja legislação especí�ca. Referidas regras vigentes em relação à Lei 8.666/93 continuam vigentes sob a égide da NLLC, já que são normas de “vedação ao suicídio estatal” e sedimentadoras do princípio da moralidade. T CAPÍTULO 26 VIGÊNCIA DO PCA E “FRACIONAMENTO DE PLANIFICAÇÃO” ema que gera dúvidas nas mentes da Administração Pública é a data em que o “Plano de Contratações Anual” (PCA) é obrigatório, já que inovou o ordenamento jurídico ao estabelecer uma “responsabilidade de planejamento” até então inexistente. Além disso, também geram dúvidas quais seriam as consequências geradas pelo seu descumprimento, já que não há previsão expressa na NLLC. Em razão de sua relevância para a Administração Pública e de seu caráter “disruptivo” com o passado de “voluntarismo” e falta de planejamento é que o início de sua vigência como regra obrigatória tem acentuada relevância jurídica. O PCA é a alma do dever de planejamento, termo mencionado em 12 (doze) oportunidades pela Nova Lei de Licitações e Contratos. Em nossa modesta opinião, o PCA somente será obrigatório a partir do dia 01 de janeiro de 2.024 em conjunto com a Lei Orçamentária Anual que também deverá entrar em vigor na mesma data. A lei 14.133/21 autorizou de forma expressa e inequívoca que o Poder Público pode optar pelo uso da provecta lei 8.666/93 ou pelo uso da Lei 14.133/21. Conforme já explicitamos em nossa obra “Inovações da Nova Lei de Licitações”, pág. 101, o que a lei veda é o “hibridismo”, ou seja, o uso parcial de regras num mesmo procedimento licitatório. A recomendação dada pelo TCE/SP no comunicado SDG nº 31/21 também menciona a vedação de “hibridismo”. Assim, estabeleceu a referida recomendação: “RECOMENDA que independentemente da possibilidade conferida de utilização simultânea das Leis nº 8.666 de 1993 e nº 14.133, de 2.021, vedadas a combinação de preceitos de uma e de outra, os Poderes e órgãos das esferas do Estado e dos Municípios avaliem a conveniência e oportunidade sobre a imediata adoção das regras da lei 14.133/21” (grifos no original). Para quem lê nas entrelinhas jurídicas, parece claro que o período de 2 anos (agora 2 anos e 8 meses com a prorrogação feita pela Medida Provisória nº 1.167/23) é o período “de teste” da nova lei, espécie de período de “estágio probatório legal” onde a lei deverá ser _ paulatinamente _ aplicada e assimilada pelo Poder Público. Assim previa a NLLC antes da MP 1.167/23: “ART 191 (...) § 2º Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 190, a Administração poderá optar por licitar de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.” (grifos nossos). E agora a redação dada pela referida MP: “ART 191 (...) § 2º É vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no inciso II do caput do art. 193.” (grifos). Em nossa obra28 mencionamos que a �gura ilícita do “fracionamento por hibridismo” consistente em dispensar uma licitação pelo valor da lei 8.666/93 e, posteriormente; no mesmo exercício; “somar” o valor para atingir-se o limite da NLLC que é superior ao da lei antiga. O procedimento é claramente ilícito, conforme previsto na recomendação do TCE/SP e na previsão do artigo 191,§2º da NLLC. Ora, se o hibridismo é ilícito, conforme já sedimentado nas Cortes de Contas e na doutrina, como poderíamos admitir que o PCA seria obrigatório ainda que a Administração Pública opte (legitimamente) por utilizar a provecta lei em alguns procedimentos licitatórios e a NLLC em outros procedimentos? Se a lei antiga não obriga o PCA por que seria lícito exigi-lo enquanto ainda vigente a lei provecta e a opção de escolha das leis? Se o hibridismo é vedado e a fase de “testes” com a nova lei é parte da implementação do planejamento no seio da Administração Pública, a obrigatoriedade do PCA antes do término do prazo de convivência das duas leis criaria uma espécie de “hibridismo conjuntural” com a obrigatoriedade do PCA para licitações pela NLLC e também para a provecta lei 8.666/93. Ou seja, o PCA somente é obrigatório quando a totalidade dos procedimentos for regido, obrigatoriamente, pela NLLC. Corroborando o exposto, a aprovação do PCA seria uma forma de “abrir mão” do “período de graça” da fase de testes para implementação e assimilação da NLLC. O “período de graça” somente pode existir se o PCA tiver sua vigência obrigatória em 01.01.2.024. Planejamento pressupõe que, previamente, haja análise e observação para posterior plani�cação. O “período de graça” é o lapso temporal escolhido para a NLLC para que haja análise e observação e obtenção de dados, pressupostos lógicos de um planejamento bem feito. Não faz o menor sentido hermenêutico que a lei autorizasse a fase de “testes” e impusesse o PCA desde o início sem a obtenção dos dados que serão utilizados para a própria formulação e construção do PCA. O PCA somente pode ser considerado obrigatório quando a própria NLLC for considerada integralmente obrigatória já que é a única interpretação que preserva a vigência integral e sistemática da NLCC. Outro ponto que merece destaque é sobre a natureza jurídica do PCA. A norma seria propriamente uma regra de licitações e contratos ou seria uma norma jurídica de cunho orçamentário? A regra tem cunho licitatório, mas há inequívocas consequências re�exas decorrentes do orçamento público no PCA. Portanto, o Plano de Contratações Anual deve ser compatível com a Lei Orçamentária, ainda que não tenha cunho orçamentário. A melhor recomendação é que sejam feitos em conjunto: LOA e PCA. O diálogo entre PCA e LOA é uma imposição lógica inescapável e decorrência do dever de planejamento. Desta forma, em razão da imperiosa necessidade de interpretar-se o PCA em consonância com a regra de “opção pelo Poder Público” da lei licitatória a ser utilizada no “período de graça”, e, ainda, em razão da vedação ao hibridismo (no caso hibridismo conjuntural) chegamos à inexorável conclusão de que o PCA será obrigatório a partir do dia 01 de janeiro de 2.024. O PCA serve como regra de imposição do planejamento, fazendo com que as secretarias de um ente político superarem suas visões “do próprio umbigo” e organizem com racionalidade a aquisição de produtos, serviços e soluções em tecnologia da informação. Nesse sentido, aliás, é a de�nição da Controladoria Geral da União29: “O Plano Anual de Contratações (PAC) é o instrumento que consolida todas as compras e contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar, no ano seguinte, e contempla bens, serviços, obras e soluções de tecnologia da informação.” As secretarias de administração passam a ter uma responsabilidademaior, devendo compatibilizar as inúmeras demandas dos setores entre si e em relação à Lei Orçamentária. A governança fará parte das atribuições de tais secretarias. Ainda que não seja, propriamente “uma lei”, mas apenas uma regra legal e mesmo não sendo formalmente lei orçamentária é que utilizamos de metáfora para batizar o PCA como verdadeira “Lei de Responsabilidade Licitatória” já que impõe a responsabilidade típica dos gestores privados aos gestores públicos. Num segundo momento da evolução da jurisprudência dos Tribunais de Contas apostamos na �gura do “fracionamento de planificação” quando inúmeras aquisições idênticas são realizadas por várias secretarias do mesmo ente político demonstrando a absoluta falta de comunicação interna e desrespeito ao dinheiro público. Nossa modesta opinião é a de que haverá evolução na jurisprudência dos Tribunais de Contas da �gura do fracionamento “ad valorem” para o fracionamento “inordinatio” ou “fracionamento de planificação”. A essência é a mesma: burla às regras licitatórias criando gastos indevidos de dinheiro público. É regra elementar do mercado que os preços de atacado são unitariamente menores do que os preços de varejo. No “fracionamento de planificação” ou fracionamento “inordinatio” a Administração Pública busca um preço maior de forma irracional e irresponsável por mera desídia gerencial. No “fracionamento de planificação” há “sobrepreço” previsto no artigo 6º, LVI da NLLC pois a ausência de planejamento cria “preços artificiais” que seriam menores no caso de planejamento adequado. Há vedação ao sobrepreço no artigo 11, III da nova lei, máxime quando a própria conduta da Administração Pública gera o “preço artificial” acima do mercado. Na jurisprudência formada a partir da Lei 8.666/93 o termo “fracionamento” surge como um ilícito consistente em realizar duas ou mais licitações mais simpli�cadas daquilo que, rigorosamente, é o mesmo objeto e deveria ter uma licitação com maior complexidade e maiores chances de economia de dinheiro público. Com a nova Lei de Licitações o “fracionamento” passa a ter característica de divisão indevida de licitações por falta de organização e planejamento internos criando sobrepreço por negligência administrativa. Progressivamente, as Cortes de Contas deverão advertir, rejeitar as contas e impor multas, já que há desperdício de dinheiro público no “fracionamento de planificação”. Mais adiante o Ministério Público deverá propor ações de ressarcimento em razão do sobrepreço criado arti�cialmente por desídia administrativa. O PCA é o instrumento que viabiliza licitações que levem em conta “a �oresta” e não apenas “as árvores” e inclui na Administração Pública rudimentos de gestação e governança até então inexistentes. O PCA e a �gura do sobrepreço criaram a �gura de ilicitude administrativa do “fracionamento de planificação” ou fracionamento “inordinatio”, objeto de análise futura por parte de nossas Cortes de Contas. 28 “Inovações da Nova Lei de Licitações”, 2ª edição, Ed. Dialética, capítulo 15, págs. 101/104. 29 https://repositorio.cgu.gov.br/handle/1/46324#:~:text=O%20Plano%20Anual%20de%20Contrata% C3%A7%C3%B5es,solu%C3%A7%C3%B5es%20de%20tecnologia%20da%20informa%C3%A7%C3 %A3o. T CAPÍTULO 27 “NEOFOBIA” E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ema que deverá abarrotar tribunais pelo país é o da falta de aplicação da nova Lei de Licitações e a con�guração da improbidade administrativa decorrente da “neofobia” (aversão injusti�cada e preguiçosa de aplicação da nova lei). A ausência de planejamento (citado em doze oportunidades pela nova lei) já foi objeto de decisão pelo Poder Judiciário e con�guração da improbidade administrativa pelo E. TJ/SP. Assim: “Ementa: AÇÃO CIVIL PÚBLICA RESSARCIMENTO ATO DE AGENTE MUNICIPAL DANO DO ERÁRIO COMPROVAÇÃO IRREGULARIDADE NÃO SUPERÁVEL CARACTERIZAÇÃO DE IMPROBIDADE (ART. 10 DA LEI Nº 8.429/92). REPARAÇÃO RECONHECIDA. A realização de obra não concluída ao final da gestão, implica insu�ciência de planejamento administrativo. A causa do dano ao erário constatada propicia reparação. Com a consideração decorrente do previsto pelo parágrafo único, do art. 12, da Lei da Improbidade, é possível restringir e dosar penas, resultando na cominação apenas da reparação. Sucumbência recíproca. Recurso provido em parte” (Apelação 0004974-79.2011.8.26.0104, Relator: Danilo Panizza, Comarca de Cafelândia, ª Câmara de Direito Público, data de julgamento: 27/01/2015, data de publicação: 29/01/2015 – grifos nossos). No precedente indicado, a improbidade decorre da falta de planejamento elementar que fez com que a obra não fosse concluída dentro do período do mandato. A dúvida que surge é se a necessidade de DOLO inserida com a reforma da Lei de Improbidade descaracterizaria a falta de aplicação da nova Lei de Licitações (neofobia) como ato passível de con�guração como improbidade. Pensamos que não. Neofobia é improbidade dolosa de ressarcimento imprescritível. A nova Lei de Licitações teve seu prazo de vigência obrigatória prorrogado pela medida provisória nº1.167/2023 para 30 de dezembro de 2.023 e não mais 01 de abril de 2.023. A medida provisória, data maxima venia, nasceu de anseios de prefeitos desleixados que “não tiveram tempo” no período de dois anos para a implementação da nova lei. De qualquer forma, a recusa em aplicar a nova lei no período suplementar criado pela medida provisória con�gura o dolo necessário para a con�guração da improbidade administrativa. Aquilo que foi feito para amparo jurídico à procrastinação acaba servindo de elemento de demonstração do dolo na hipótese de insistência da inércia na aplicação da lei. O “dolo” é a vontade livre e consciente de praticar o ato. Se a aplicação da nova lei deveria ter sido efetivada em 01.04.2.023 e não foi efetivada em 31 de dezembro de 2.023 �ca claro, como a luz do sol, o dolo A vontade livre e consciente de não aplicar a nova lei �ca escancarada. Desta forma, a “neofobia” tão conhecida de servidores públicos com tacanho pro�ssionalismo con�gura improbidade administrativa no que tange ao dolo de omitir-se num dever legal, sem prejuízo dos eventuais aspectos penais do crime de prevaricação. Uma possível saída criada pela reforma da lei de improbidade refere-se à necessidade de indicação na sentença das circunstâncias reais da Administração Pública que “obrigaram” o servidor a ter agido da maneira como agiu. Assim: “Art. 17-C. A sentença proferida nos processos a que se refere esta Lei deverá, além de observar o disposto no art. 489 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil): (...) III - considerar os obstáculos e as di�culdades reais do gestor e as exigências das políticas públicas a seu cargo, sem prejuízo dos direitos dos administrados e das circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação do agente; (Incluído pela Lei nº 14.230, de 2021)”(grifos nossos). Note-se que as “desculpas esfarrapadas” que o servidor poderia tentar encaixar na previsão legal de “obstáculos e dificuldades” acabam se encaixando melhor na negligência permanente con�guradora do dolo A prorrogação do prazo de aplicação feita pela Medida Provisória deixa patente que o prazo de dois anos e oito meses é su�ciente e adequado, máxime quando dois já o seriam. Alegações do gênero “já contávamos com a prorrogação” só pioram a situação do servidor/ réu já que a fofoca e a adivinhação não podem ser utilizadas como escusa ao dever jurídico de planejamento. Alegações lamentáveis do gênero “determinado servidor estava de férias” ou outras manifestações dissimuladas de preguiça também não socorrem neofóbicos. Férias tem o limite temporal de 30 dias que é muitíssimo inferior aos dois anos e oito meses de prazo para aplicação da nova lei. O princípio da legalidade restará vilipendiado pelo servidor que insistir em agir desta forma vergonhosa e ilícita. A jurisprudência da Egrégia Corte Paulista já decidiu (após a reforma da LIA ocorrida em 2.021) que a ofensa ao princípio da legalidadejá traz ínsita a presunção de prejuízo. Assim: “Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação civil pública – Improbidade administrativa – Decisão interlocutória que recebeu a petição inicial e determinou seu processamento – Acerto – Preenchimento das condições da ação – Cuida-se de imputação que, em tese, implica a violação ao princípio da legalidade, o dano ao erário é presumido – Teoria da asserção – Ausência de comprovação, de plano, da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita – Inteligência do art. 17, § 6º, da Lei nº 8.429/1992 – Inexistência de situação apta a justificar a reforma da decisão agravada – Recurso não provido” (Agravo de Instrumento 2239973-80.2019.8.26.0000, Relator: Magalhães Coelho, Comarca de Santa Adélia, 7ª Câmara de Direito Público, data de julgamento: 06/07/2.020, data de publicação: 07/07/2.020 – grifos nossos). Merece destaque o fato de que a presença do DOLO traz ao servidor a aplicação da IMPRESCRITIBILIDADE da ação de ressarcimento. Assim, já decidiu o C. STF: “DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO ADMINISTRATIVO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPRESCRITIBILIDADE. SENTIDO E ALCANCE DO ART. 37, § 5 º, DA CONSTITUIÇÃO. 1. A prescrição é instituto que milita em favor da estabilização das relações sociais. 2. Há, no entanto, uma série de exceções explícitas no texto constitucional, como a prática dos crimes de racismo (art. 5º, XLII, CRFB) e da ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (art. 5º, XLIV, CRFB). 3. O texto constitucional é expresso (art. 37, § 5º, CRFB) ao prever que a lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos na esfera cível ou penal, aqui entendidas em sentido amplo, que gerem prejuízo ao erário e sejam praticados por qualquer agente. 4. A Constituição, no mesmo dispositivo (art. 37, § 5º, CRFB) decota de tal comando para o Legislador as ações cíveis de ressarcimento ao erário, tornando-as, assim, imprescritíveis. 5. São, portanto, imprescritíveis as ações de ressarcimento ao erário fundadas na prática de ato doloso tipi�cado na Lei de Improbidade Administrativa. 6. Parcial provimento do recurso extraordinário para (i) afastar a prescrição da sanção de ressarcimento e (ii) determinar que o tribunal recorrido, superada a preliminar de mérito pela imprescritibilidade das ações de ressarcimento por improbidade administrativa, aprecie o mérito apenas quanto à pretensão de ressarcimento.” (RE 852475, Tribunal Pleno, Relator: Min. Alexandre de Moraes, Relator para o acordão: Min. Edson Fachin, julgamento: 08/08/2018, publicação: 25/03/2019 – grifos nossos). Não se trata de informação irrelevante se levarmos em conta que a nova Lei de Licitações tem forte tendência de simpli�car procedimentos e evitar o desperdício de dinheiro público. Exemplo de economia da nova lei: os contratos podem ser �rmados por 5 anos prorrogáveis por idêntico prazo, evitando os intermináveis e inúteis aditamentos da provecta lei 8.666/93. Outro exemplo: a contratação integrada facilita a implantação da obra diminuindo prejuízos decorrentes da demora do procedimento licitatório. Ou ainda: o Registro de Preços pode ser prorrogado ade forma a evitar gasto com nova licitação. En�m, somente após alguns anos os Tribunais de Contas e os próprios entes públicos terão condições de avaliar a economia gerada pela nova lei. O servidor improbo, porém, tem contra si uma ameaça permanente de ação de ressarcimento, já que a presença do dolo decorrente da “neofobia” acarreta a imprescritibilidade da ação de ressarcimento. En�m, a “neofobia” existente quanto à nova Lei de Licitações caracteriza improbidade administrativa pela ofensa ao princípio da legalidade. A presença do dolo con�gura-se com a inércia mesmo após a prorrogação do prazo. A imprescritibilidade é ínsita às ações de ressarcimento em face do abominável e inoperante servidor C CAPÍTULO 28 PUBLICAÇÃO DO EDITAL DELIMITA OPÇÃO LEGISLATIVA omo procurador apaixonado por licitações, temos ouvido a insistente a�rmação de que “a fase interna seria o marco” para a opção entre a aplicação da lei 14.133/21 ou a lei 8.666/93. Com a devida venia, pretende-se transformar a arrogância em preceito jurídico de aplicação obrigatória. Ou ainda, o desleixo contumaz num princípio jurídico superior ao princípio da legalidade. Tal hermenêutica lembra a metáfora do “ouriço” utilizada por Celso Lafer30 em sua respeitada obra “A reconstrução dos direitos humanos de acordo com o pensamento de Hannah Arendt”. Referida e brilhante metáfora refere-se à visão “centrípeta e monista da realidade” que, citando Hannah Arendt, relaciona-se ao totalitarismo. A visão, supostamente ingênua, de que o poder público poderia utilizar a fase interna como marco temporal re�ete uma intensa hipocrisia que, no fundo, concede ao semideus da Administração Pública a opção de escolher o início da vigência da Lei. Se o procedimento interno terminar em 2.033 o Estado poderia utilizar a lei revogada? Alguém poderia dizer que este autor utilizou um exemplo extremo... Será? A utilização do procedimento interno seja no �nal do ano de 2.023 seja no ano de 2.033 re�ete idêntica e arrogante opção pela transformação da presunção de legitimidade numa arma de uso ilimitado e indiscriminado. Sabemos que nossa Administração Pública, marcada pela bagunça estrutural pode (e irá) abusar de tal princípio para suplantar o princípio da legalidade. A verdade nua e crua é que a Administração Pública padece de “neofobia” o medo do novo. Referido transtorno coletivo nada mais é do que o pecado da preguiça. São Tomás de Aquino31 já ensinava que a “pusilanimidade” é uma modalidade de preguiça. Ou seja, a covardia em sua essência, nada mais é do que a preguiça acentuada. A nova lei estabeleceu um prazo de 2 anos de convivência entre o sistema revogado da lei federal nº 8.666/1993 e a nova Lei de Licitações. Assim: “ART 191 (...) § 2º Até o decurso do prazo de que trata o inciso II do caput do art. 190, a Administração poderá optar por licitar de acordo com esta Lei ou de acordo com as leis citadas no referido inciso, e a opção escolhida deverá ser indicada expressamente no edital, vedada a aplicação combinada desta Lei com as citadas no referido inciso.” Assim, o prazo referido no trecho acima transcrito é de dois anos. Assim: “Art. 190. Ficam revogados: (...) II – a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002, e os arts. 1º a 47 da Lei nº 12.462, de 4 de agosto de 2011, após decorridos 2 (dois) anos da publicação oficial desta Lei.” Concordamos com o TCU quando decidiu sobre idêntica regra de transição na lei das estatais que o termo inicial da licitação para �ns deste prazo de 2 anos é a publicação do edital e não o início da fase interna da licitação (TCU, Acórdão nº 2279/2019, Plenário. Rel. Min. Augusto Nardes. Julg. 25/09/2019, indicado por Joel de Menezes Niebuhr, op. Cit. Pág. 12) Assim, decidiu o C. TCU, citado por Joel Niebuhr32: “Registre-se, contudo, que o Tribunal de Contas da União externou entendimento contrário em situação muito parecida, relativa à transição para a aplicação pelas estatais da Lei n. 13.303/2016, que também concedeu o prazo de 2 (dois) anos e também permitiu que licitações iniciadas neste prazo sob o regime antigo prosseguissem com o mesmo regime. Transcreve-se as razões da Corte de Contas: 15. O mencionado decreto, no § 2º do art. 71, deixou assente a permissão da “utilização da legislação anterior para os procedimentos licitatórios e contratos iniciados ou celebrados até a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro”, ou seja, enquanto as adaptações não fossem promovidas, dentro do prazo limite de 24 meses, poderia ser aplicada a lei antiga. 16. Apesar dessa controvérsia ter perdido importância, uma vez decorrido neste momento o prazo máximo de transição previsto em lei, a equipe técnica deste Tribunal identificou que os procedimentos licitatóriosdo “Edital de Concorrência 02/2018 do Metrô-DF”, tiveram como base a Lei n. 8.666/1993 (Lei Geral de Licitações e Contratos da Administração Pública), em detrimento da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). 17. A essência da discussão está no fato de o legislador não ter explicitado se esse início do procedimento licitatório se refere à sua efetiva publicação ou ao começo do planejamento da licitação, em sua fase interna/preparatória. No presente caso, os estudos para as obras se iniciaram em 2014 (Evidência 4). 18. Entendo não haver dúvida em relação ao momento a ser considerado como de início do procedimento, isso porque não se pode ampliar a interpretação de concessão dada pelo legislador para uma transição de normativos. Com isso, a melhor interpretação é a de que a transição vale para licitações que tiveram seu edital “publicado” entre a edição do regulamento interno referido no § 1º ou até o dia 30 de junho de 2018, o que ocorrer primeiro.(...)” Registre-se que a opinião do autor mencionado e que selecionou a decisão acima transcrita diverge do C. TCU, optando pela opinião de que a fase interna (e não a publicação) é que dá início à licitação. Preferimos, data venia, a opinião do TCU. Ousamos divergir, tendo em vista que a publicidade é condição de e�cácia do ato administrativo e este não tem existência, senão mera potencialidade de existência para o mundo externo. A publicidade é que dá vida externa ao ato administrativo. Qualquer interpretação que retire o mundo externo da partícipe da licitação é mero exercício de autoritarismo desprovido de fundamento jurídico. 30 https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/6925/5143 31 “Suma Teológica”, Volumes I a X, Ed. Sulina, passim 32 Op. Cit, pág. 12. A CAPÍTULO 29 CONCLUSÕES nova Lei de Licitações inseriu a Administração Pública num pequeno trecho da e�ciência administrativa do setor privado. A teoria dos jogos e as técnicas de negociação do setor privado também passaram a tangenciar as negociações do Poder Público. Consideramos a nova Lei de Licitações um avanço civilizatório no sentido de que regras de governança corporativa e negociações efetivas serão realizadas com a nova lei. Apesar das inúmeras novidades apenas o tempo dirá se as inovações legislativas são su�cientes para a efetiva introdução do princípio da e�cácia no seio da Administração Pública. De qualquer maneira o princípio da segurança e da isonomia foram privilegiados na novel legislação. Polêmicas deverão marcar as regras que visam romper privilégios estatais e implantar a gestão racional na Administração Pública. REFERÊNCIAS ASSUMPÇÃO NEVES, Daniel Amorim, “Manual de Direito Processual Civil”, Editora Juspodivm, 10ª edição, 2018. CARVALHO, MATHEUS, OLIVEIRA, João Paulo e ROCHA, Paulo Germano, “Nova Lei de Licitações comentada e comparada”, ed. Juspodivm, 2ª edição; CONSULTOR JURÍDICO, www.conjur.com.br. COSTA WAGNER, Luiz Guilherme, coordenador, “Estudos em homenagem em homenagem ao professor Adilson Dallari, editora Del Rey, 1ª edição, 2004. CHARLES, Ronny e Michelle Marry, “RDC, Regime Diferenciado de Contratações”, Editora Juspdivum, 2ª edição, 2020. FOLHA DE S. 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TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO, informações obtidas pelo site www.tcu.gov.br; TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/consultaCompleta.do?f=1 ANEXO: LISTA DE LIVRARIAS NO EXTERIOR EM QUE A VERSÃO EM PORTUGUÊS FOI DISPONIBILIZADA Alemanha: https://www.buecher.de/artikel/ebook/inovaes-da-nova-lei-de-licitaes- ebook-epub/67570825/ https://www.amazon.de/Inova%C3%A7%C3%B5es-Nova-Lei-Licita%C3% A7%C3%B5es-altera%C3%A7%C3%B5es-ebook/dp/B0BXMQMSPF Argentina: https://ar.audimo.com/ebook/1299644/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes- breve-estudo-das-alteracoes-da-lei-federal-no-14133 Austrália: https://www.amazon.com.au/Inova%C3%A7%C3%B5es-Nova-Lei- Licita%C3 %A7%C3%B5es-altera%C3%A7%C3%B5es- ebook/dp/B0BXMQMSPF Áustria: https://www.weltbild.at/artikel/ebook/inovaces-da-nova-lei-de- licitaces_4040 7535-1 Bélgica: https://www.bol.com/be/nl/p/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes/9300000 144458450/ https://www.storytel.com/be/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 Bulgária: https://www.storytel.com/bg/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 Canadá: https://www.amazon.ca/-/fr/La%C3%A9rcio-Jos%C3%A9-Loureiro-dos- Santos-ebook/dp/B0BXMQMSPF Dinamarca: https://mo�bo.com/dk/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro-dos- santos-756041 Espanha: https://latam.casadellibro.com/ebook-inovaces-da-nova-lei-de-licitaces- ebook/9786525269993/15865149 https://vivlio.casadellibro.com/product/9786525269993_9786525269993_ 10045/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes EUA https://www.barnesandnoble.com/w/inova-es-da-nova-lei-de-licita-es-la- rcio-jos-loureiro-dos-santos/1143175402 Finlândia: https://www.bookbeat.com/�/kirja/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes: -1033339 https://www.storytel.com/�/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 França https://www.fnac.com/livre-numerique/a17884762/Laercio-Jose-Loureiro- dos-Santos-Inovacoes-da-Nova-Lei-de-Licitacoes Holanda: https://www.amazon.nl/Inova%C3%A7%C3%B5es-Nova-Lei- Licita%C3%A7 %C3%B5es-altera%C3%A7%C3%B5es- ebook/dp/B0BXMQMSPF India: https://www.storytel.com/in/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 Itália: https://www.storytel.com/it/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 https://www.kobo.com/it/it/ebook/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes-1 Japão: https://www.amazon.co.jp/Inova%C3%A7%C3%B5es-Nova-Lei- Licita%C3% A7%C3%B5es-altera%C3%A7%C3%B5es- ebook/dp/B0BXMQMSPF México: https://www.storytel.com/mx/books/inova%C3%A7%C3%B5es-da-nova- lei-de-licita%C3%A7%C3%B5es-breve-estudo-das- altera%C3%A7%C3%B5es-da-lei-federal-no-14-133-2224517 Noruega: https://www.kobo.com/no/nb/ebook/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes-1 Polônia: https://www.kobo.com/pl/pl/ebook/inova%C3%A7oesdanovalei%20licita% C3%A7%C3%B5es Portugal: https://www.wook.pt/autor/laercio-jose-loureiro-dos-santos/6201499 https://pt.everand.com/book/629760046/Inovacoes-da-Nova-Lei-de-Licitacoes-breve-estudo-das-alteracoes-da-lei-federal-no-14-133 https://www.kobo.com/br/pt/ebook/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes-1 Reino Unido: https://www.amazon.co.uk/Inova%C3%A7%C3%B5es-Nova-Lei-Licita%C3 %A7%C3%B5es-altera%C3%A7%C3%B5es-ebook/dp/B0BXMQMSPF Suécia: https://www.storytel.com/se/authors/la%C3%A9rcio-jos%C3%A9-loureiro- dos-santos-756041 Suíça: https://www.weltbild.ch/artikel/ebook/inovaces-da-nova-lei-de- licitaces_40407535-1 Taiwan: https://www.kobo.com/tw/zh/ebook/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes-1 Turquia: https://www.kobo.com/tr/tr/ebook/inovacoes-da-nova-lei-de-licitacoes-1 Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1 - ME/EPP E A HABILITAÇÃO QUANTITATIVA DA NOVA LEI CAPÍTULO 1.1 - LEI ORDINÁRIA X LEI COMPLEMENTAR CAPÍTULO 1.2 - O EMPATE FICTO DA ME/EPP DIFERE DO EMPATE REAL CAPÍTULO 2 - ‘NOVOS” PRINCÍPIOS DA LICITAÇÃO CAPÍTULO 3 - DEFINIÇÕES CAPÍTULO 4 - AGENTES PÚBLICOS CAPÍTULO 4.1 - DEFESA EM JUÍZO DO SERVIDOR PÚBLICO PELO ÓRGÃO PÚBLICO CAPÍTULO 5 - DEVER DE PLANEJAMENTO CAPÍTULO 5.1 - REGRAS DE “COMPLIANCE” INSPIRADAS NA LEI ANTICORRUPÇÃO CAPÍTULO 5.2 - AGENTE DE CONTRATAÇÃO É CARREIRA DE ESTADO E NÃO DE GOVERNO CAPÍTULO 6 - CONSÓRCIOS CAPÍTULO 7 - ORGANIZAÇÃO DA LICITAÇÃO CAPÍTULO 7.1 - NOVA LEI DE LICITAÇÕES E A PROIBIÇÃO DE MARCA CAPÍTULO 7.2 - ANTECIPAÇÃO DE PAGAMENTO AO FORNECEDOR CAPÍTULO 7.3 - LIMITES TEMPORAIS DO ATESTADO DE CAPACIDADE TÉCNICA CAPÍTULO 7.4 - MANUTENÇÃO DO TEMA 1.038 DO C. STJ CAPÍTULO 7.5 - O QUE É ESTUDO TÉCNICO PRELIMINAR? CAPÍTULO 7.6 - PEQUENO MANUAL PRÁTICO PARA IMPLEMENTAÇÃO DO “PREGÃO NOVO” CAPÍTULO 7.7 - MARCA E NECESSIDADE DE ALTERAÇÃO DA SÚMULA 270 DO TCU CAPÍTULO 8 - MODALIDADES DE LICITAÇÃO CAPÍTULO 8.1 - PREGÃO OBRIGATÓRIO PARA SERVIÇOS DE ENGENHARIA CAPÍTULO 9 - MEMÓRIA ADMINISTRATIVA CAPÍTULO 9.1 - A “SERASA” LICITATÓRIA DA NOVA LEI DE LICITAÇÕES CAPÍTULO 9.2 - DESEMPATE PELA “AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO CONTRATUAL” CAPÍTULO 9.3 - CAPITAL MÍNIMO E CAUÇÃO: SÚMULA 27 DO TCE/SP MANTIDA E 275 DO TCU SUPERADA CAPÍTULO 10 - CONTRATO ADMINISTRATIVO DE SERVIÇOS CAPÍTULO 10.1 - CULPA DA ADMINSITRAÇÃO PÚBLICA REGULAMENTADA CAPÍTULO 11 - PRAZOS E MODALIDADES LICITATÓRIAS CAPÍTULO 12 - PREÇO INEXEQUÍVEL CAPÍTULO 12.1 - MARKETING LICITATÓRIO DE PRODUTO, INEXEQUIBILIDADE E A NOVA LEI DE LICITAÇÕES CAPÍTULO 13 -DISPENSA DE LICITAÇÃO CAPÍTULO 14 - INEXIGIBILIDADE CAPÍTULO 14.1 - NOVA LEI DE LICITAÇÕES E O CREDENCIAMENTO COMO “SINGULARIDADE MÚLTIPLA” CAPÍTULO 14.2 - CUSTO DE OPORTUNIDADE E CONTRATAÇÃO DE JURISTA ESPECÍFICO E SINGULAR CAPÍTULO 14.3 - “VIGÊNCIA POST MORTEM” DA SINGULARIDADE CAPÍTULO 14.4 - CUSTO DE OPORTUNIDADE E O DEVER DE ESCOLHA DO PROFISSIONAL ADEQUADO CAPÍTULO 15 - FRACIONAMENTO POR HIBRIDISMO CAPÍTULO 16 - REGISTRO DE PREÇOS CAPÍTULO 16.1 - A MATRIZ DE RISCOS NO REGISTRO DE PREÇOS CAPÍTULO 16.2 - REGISTRO DE PREÇOS PARA OBRAS Capítulo 16. 2.1 - Carona interfederativa: padronização CAPÍTULO 16.3 - CARONA INTERFEDERATIVA - LIMITES CAPÍTULO 16.4 - CARONA COMPULSÓRIA CAPÍTULO 16.5 - “VENCEDOR FICTO E PARCIAL” E “PRECIFICAÇÃO MÚLTIPLA” CAPÍTULO 16.6 - A REVISÃO DO REGISTRO DE PREÇOS – PERSPECTIVA DE MANUNTENÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA CAPÍTULO 17 - FIM DA VINCULAÇÃO AO PREÇO DO VENCEDOR CAPÍTULO 18 - FISCALIZAÇÃO CAPÍTULO 18.1 - ERGOFOBIA” E FISCALIZAÇÃO DOS CONTRATOS CAPÍTULO 19 - ATRASO CONFIGURADOR DE INADIMPLEMENTO CAPÍTULO 20 - RECEBIMENTO DO OBJETO CAPÍTULO 21 - NULIDADE MODULADA CAPÍTULO 22 - MUDANÇA QUANTO AOS PERCENTUAIS DE MULTA CAPÍTULO 23 - DIREITO INTERTEMPORAL CAPÍTULO 23.1 - VIGÊNCIA “POST MORTEM” DO ARTIGO 116 DA LEI 8.666/93 CAPÍTULO 24 - CANABIDIOL E REGRAS DA ANVISA CAPÍTULO 25 - TERCEIRIZAÇÃO E VEDAÇÃO AO SUICÍDIO ESTATAL CAPÍTULO 26 - VIGÊNCIA DO PCA E “FRACIONAMENTO DE PLANIFICAÇÃO” CAPÍTULO 27 - “NEOFOBIA” E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA CAPÍTULO 28 - PUBLICAÇÃO DO EDITAL DELIMITA OPÇÃO LEGISLATIVA CAPÍTULO 29 - CONCLUSÕES REFERÊNCIAS ANEXO: LISTA DE LIVRARIAS NO EXTERIOR EM QUE A VERSÃO EM PORTUGUÊS FOI DISPONIBILIZADAEstatais (Lei Federal nº 13.303/2016): “Segundo a Lei nª 13.303/16, trata-se de cláusula contratual definidora de riscos e responsabilidades entre as partes e caracterizadora do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, em termos de eventos supervenientes à contratação, devendo conter, no mínimo, as seguintes informações: (a) listagem de possíveis eventos supervenientes à assinatura do contrato, impactantes no equilíbrio econômico-financeiro da avença; (b) estabelecimento preciso das frações do objeto em que haverá liberdade da contratada para inovar em soluções metodológicas ou tecnológicas, em obrigações de resultado(...) (c) estabelecimento preciso das frações em que não haverá liberdade da contratada para inovar...” Pedimos licença ao eminente leitor para sintetizar de outra maneira: na matriz de riscos será determinada, de maneira clara, onde a licitante vencedora tem obrigação de meio, e onde tem obrigação de resultado. Como consequência lógica da definição acima, a divisão do excedente, ou do prejuízo, decorrente da atividade contratual de resultado, também deverá estar expressa no edital do certame. Assim, é o próprio edital que definirá ser uma obrigação de meio ou de resultado e, não necessariamente, a obrigação a ser contratada. Pensemos na hipótese de contratação do Professor Celso Antonio Bandeira de Mello para defesa de um Município numa ação com objeto singular (v.g, uma ação judicial sobre municipalização do serviço de água em que o valor da causa é quatro ou cinco vezes o orçamento do município). Ainda que corriqueiramente seja firmado um contrato de meio, nada impede que a Administração Pública insira uma cláusula de resultado (ou de risco), estabelecendo, v.g., um percentual da economia obtida pelo município como remuneração ao querido professor. Se o contrato firmado for de meio, não haverá que se falar em matriz de riscos, já que o risco será tão-somente do Município. Por outro lado, se o contrato previr multas ao contratado, ou prêmios pelo resultado obtido, teremos uma matriz de riscos a ser explicitada no contrato administrativo. O autor usou como exemplo um contrato por inexigibilidade (notória especialização do paradigma vivo do Direito Administrativo e objeto singular), no entanto, quaisquer outros contratos da Administração Pública poderiam servir ao mesmo propósito. A contratação integrada é exemplo em que há necessidade de explicitação da matriz de riscos, conforme entendimento do TCU citado pelo autor supra referido (TCU, proc. nº 034.015/2012-4, relatora: Ministra Ana Arraes). Assim: “(...) ...impõe à contratada a assunção dos riscos financeiros adicionais que eventualmente surgirem para a conclusão da obra conforme os padrões de qualidade.” A decisão do TCU faz referência à contratação integrada do RDC (Regime Diferenciado de Contratações) que, diga-se, é a mesma prevista na nova Lei. Em síntese: A matriz de riscos é a equação do equilíbrio econômico- financeiro específica das frações de risco do contrato administrativo Sobre a contratação integrada, discorremos a seguir. CONTRATAÇÃO INTEGRADA E CONTRATAÇÃO SEMI- INTEGRADA A regra (já prevista no RDC e na Lei das Estatais) foi assimilada pelo novo estatuto licitatório. Assim: “Art. 6º (...) XXXII – contratação integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver os projetos básico e executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto; XXXIII – contratação semi-integrada: regime de contratação de obras e serviços de engenharia em que o contratado é responsável por elaborar e desenvolver o projeto executivo, executar obras e serviços de engenharia, fornecer bens ou prestar serviços especiais e realizar montagem, teste, pré-operação e as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto;” A regra da contratação integrada surgiu com a necessidade imperiosa de término das obras para as olimpíadas e para a copa do mundo. Como a falta crônica de planejamento deixou tais obras para a undécima hora, a única saída foi abreviar o procedimento licitatório autorizando-se, por lei, a elaboração concomitante de projeto básico e projeto executivo da obra. A regra, na modesta opinião do autor, é muito boa. Do estrume é que nascem as belas flores, seria nossa síntese poética sobre a origem de tal regra. Já que o Poder Público tem aversão estrutural ao planejamento e à governança administrativa, nada melhor do que assumir, legislativamente, tão inequívoco fato e transferir ao particular (que tem planejamento e governança) esta tarefa. O que existe com a nova lei é a previsão expressa de que o particular pode atuar de forma concomitante no projeto básico e no projeto executivo. Isso aumenta a responsabilidade do administrador público em formular o termo de referência de maneira mais clara e objetiva. Caso a Administração Pública tenha condições técnicas e/ou de tempo pode continuar no modelo tradicional de formulação do projeto básico, deixando ao setor privado apenas o projeto executivo. A regra da contratação integrada e semi-integrada é um reconhecimento da assimetria de conhecimentos técnicos e reconhecimento da superioridade das informações do particular. Perfeita é a descrição de tais hipóteses formulada por Matheus Carvalho: “Os regimes de contratação integrada e semi-integrada distinguem-se pelo simples fato de que na contratação integrada o particular é responsável pela elaboração dos projetos básico e executivo, enquanto que, na contratação semi-integrada, apenas pelo projeto executivo.” DIÁLOGO COMPETITIVO Os autores pesquisados relatam que a novidade da lei teria sua origem na experiência europeia. Prevê o novo códex licitatório: “Art. 6º (...) XLII – diálogo competitivo: modalidade de licitação para contratação de obras, serviços e compras em que a Administração Pública realiza diálogos com licitantes previamente selecionados mediante critérios objetivos, com o intuito de desenvolver uma ou mais alternativas capazes de atender às suas necessidades, devendo os licitantes apresentar proposta final após o encerramento dos diálogos;” Marina Zago e Fernanda Rodrigues6 escreveram no prestigiado site “Consultor Jurídico”: “Entre as novidades contidas no projeto de lei está uma nova modalidade de licitação: o diálogo competitivo (previsto no artigo 32 do PL), muito inspirado na experiência europeia. Importante notar que as disposições trazidas pelo PL serão subsidiariamente aplicadas às concessões e parcerias público-privadas — o que aumenta o potencial de uso do diálogo competitivo também nessas modalidades contratuais.” A nova regra do diálogo competitivo institucionaliza aquilo que já ocorria de maneira irregular junto à Administração Pública que é a “orientação informal” de licitantes com reconhecido “know how” na área. O projeto merece aplausos à medida em que institucionaliza e joga luz na referida prática, deixando o “palpite” transformar-se em consultoria oficial e coletiva com vistas ao futuro procedimento licitatório. A hipocrisia não merece amparo legal. Práticas corriqueiras devem ser regulamentadas ou coibidas. Coibir aquilo que é essencial na atividade administrativa não seria razoável tampouco inteligente. Pensamos que o “lobby”, prática corriqueira junto aos Poderes Legislativo e Executivo, deveria ser regulamentado, uma vez que se trata de interesses lícitos. Neste caso, somente a regulamentação possibilitaria a qualificação do tema como “legítimo”. A escuridão da falta de regulamentação nada mais faz que criar monopólios e oligopólios que se valem da ilicitude para manter a falta de competitividade do objeto do Lobby. É isso que a lei visa coibir: regulamentou o Lobby outrora obscuro para um “diálogo competitivo” que substitui aquilo que era irregular e, muitas vezes, facilitava o tráficode influência e a prática de corrupção. Pedimos venia para definir diálogo competitivo da seguinte forma: modalidade de contratação cujos parâmetros licitatórios serão firmados em parceria com os particulares. CATÁLOGO ELETRÔNICO DE PADRONIZAÇÃO DE COMPRAS Outra novidade legislativa que tenta transformar a área pública em local bem gerenciado é o referido catálogo de padronização. Assim, prevê a nova Lei: “Art. 6º (...) LI - catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras: sistema informatizado, de gerenciamento centralizado e com indicação de preços, destinado a permitir a padronização de itens a serem adquiridos pela Administração Pública e que estarão disponíveis para a licitação; A padronização é a pedra de toque da nova Lei de Licitações. Como veremos mais adiante até mesmo a “padronização contratual” típica das grandes empresas influenciou a novel lei. Há, por exemplo, aprovação prévia de minutas de editais, regra francamente racional que já deveria existir há milênios em administrações públicas minimamente organizadas. Também é possível a utilização de parâmetros de outros entes públicos. Ressalte-se que, nesta hipótese não é necessário que o padrão adotado seja da União7. Assim: “Art. 42 (...) § 1º É permitida a padronização com base em processo de outro órgão ou entidade de nível federativo igual ou superior ao do órgão adquirente, devendo o ato que decidir pela adesão a outra padronização ser devidamente motivado, com indicação da necessidade da Administração e dos riscos decorrentes dessa decisão, e divulgado em sítio eletrônico oficial.” CONTRATO DE EFICIÊNCIA Regra visivelmente nascida no RDC tem como objetivo autorizar o contrato de risco, modalidade de contrato de resultado. Registre-se que, nessa hipótese, a matriz de riscos deve esclarecer (no edital e no contrato) que o risco será do particular. Nada impede, porém, que haja divisão dos riscos num contrato que seja misto de meio e resultado. Assim prevê referida regra: “Art. 6º (...) LIII - contrato de eficiência: contrato cujo objeto é a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, remunerado o contratado com base em percentual da economia gerada;” Merece aplausos a novidade legislativa. A novidade contratual está detalhada mais adiante no artigo 39 do novo códex licitatório: “Art. 39. O julgamento por maior retorno econômico, utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência, considerará a maior economia para a Administração, e a remuneração deverá ser fixada em percentual que incidirá de forma proporcional à economia efetivamente obtida na execução do contrato. (...) § 2º O edital de licitação deverá prever parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo para a remuneração devida ao contratado. § 3º Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico será o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço. § 4º Nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência: I – a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração do contratado; II – se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior ao limite máximo estabelecido no contrato, o contratado sujeitar-se-á, ainda, a outras sanções cabíveis.” Desta forma, um contrato tipicamente privado foi inserido no seio da Administração Pública. Na hipótese de ausência de resultado pode haver previsão de multa (que pode ser o próprio resultado não obtido) ou a simples ausência de remuneração quanto ao resultado frustrado. Registre-se que é possível que o contrato tenha cláusulas de meio e cláusulas de resultado num mesmo contrato. Assim, pode haver pagamento de parcela contratual independente de resultado e pagamento (ou multa) por parcela contratual dependente do resultado buscado. SOBREPREÇO E SUPERFATURAMENTO Inobstante as duas categorias legais acarretem o mesmo efeito da nulidade do procedimento licitatório, há pequena diferença quanto à forma de enriquecimento sem causa ocorrida. No sobrepreço há enriquecimento sem causa pela contratação fora dos preços de mercado. Já no superfaturamento existem procedimentos fraudulentos na execução do contrato administrativo. O sobrepreço frauda os preços de mercado, já o superfaturamento cria necessidades fictícias na execução contratual. Assim: “Art. 6º (...) LVI – sobrepreço: preço orçado para licitação ou contratado em valor expressivamente superior aos preços referenciais de mercado, seja de apenas 1 (um) item, se a licitação ou a contratação for por preços unitários de serviço, seja do valor global do objeto, se a licitação ou a contratação for por tarefa, empreitada por preço global ou empreitada integral, semi-integrada ou integrada; LVII – superfaturamento: dano provocado ao patrimônio da Administração, caracterizado, entre outras situações, por: a) medição de quantidades superiores às efetivamente executadas ou fornecidas; b) deficiência na execução de obras e de serviços de engenharia que resulte em diminuição da sua qualidade, vida útil ou segurança; c) alterações no orçamento de obras e de serviços de engenharia que causem desequilíbrio econômico-financeiro do contrato em favor do contratado; d) outras alterações de cláusulas financeiras que gerem recebimentos contratuais antecipados, distorção do cronograma físico-financeiro, prorrogação injustificada do prazo contratual com custos adicionais para a Administração ou reajuste irregular de preços; O que a novel legislação fez foi especificar o “sobrepreço” e algumas modalidades “fabricadas artificialmente” de sobrepreço procedimental que recebe o nome técnico de superfaturamento. 5 “Comentários à Lei das Empresas Estatais, Lei nº 13.303/16, Editora Fórum, 2ª Edição, págs. 406 a 408. 6 https://www.conjur.com.br/2019-nov-11/opiniao-dialogo-competitivo-agrega-co ntratacoes-publicas 7 A nova lei prioriza a utilização de modelos e paradigmas da administração federal na maioria de suas regras sobre registros licitatórios. R CAPÍTULO 4 AGENTES PÚBLICOS egra típica do âmbito privado prevê a “gestão por competências”, ou seja, a indicação de servidores que tenham “vocação” e perfil para o trabalho a ser efetivado no âmbito das licitações. Não será tarefa fácil, se levarmos em conta que é uma raridade encontrarmos a busca de metas de desempenho (comuns na área privada) e observância das “competências” previstas na Lei. Assim, prevê a regra mencionada: “Art. 7º Caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar agentes públicos para o desempenho das funções essenciais à execução desta Lei que preencham os seguintes requisitos:” A nova lei também faz referência ao “agente de contratações”. Assim: “Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento da licitação.” Não há efetiva novidade nesta regra que apenas muda a nomenclatura do “chefe das licitações”, que será o “agente de contratação”, mantendo a designação do termo “pregoeiro” da legislação anterior. CAPÍTULO 4.1 DEFESA EM JUÍZO DO SERVIDOR PÚBLICO PELO ÓRGÃO PÚBLICO O tema não é uma novidade propriamente dita, mas apenas novidade no âmbito interno da Lei de Licitações. Processualmente, a Lei de Ação Popular e a lei de Ação Civil Pública já tinham tal previsão. Assim, prevê a novidade processual inserida no âmbito do direito material das licitações: “Art.10. Se as autoridades competentes e os servidores e empregados públicos que tiverem participado dos procedimentos relacionados às licitações e aos contratos de que trata esta Lei precisarem defender-se nas esferas administrativa, controladora ou judicial em razão de ato praticado com estrita observância de orientação constante em parecer jurídico elaborado na forma do § 1º do art. 52 desta Lei, a advocacia pública promoverá, a critério do agente público, sua representação judicial ou extrajudicial” Sobre a provecta previsão da obviedade acima descrita já previa a Lei de Ação Popular (Lei Federal nº 4.717/65): “Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. (...) § 3º A pessoas jurídica de direito público ou de direito privado, cujo ato seja objeto de impugnação, poderá abster-se de contestar o pedido, ou poderá atuar ao lado do autor, desde que isso se afigure útil ao interesse público, a juízo do respectivo representante legal ou dirigente.” A lei de ação popular tem aplicação à lei de ação civil pública por expressa previsão da lei de ação civil pública (lei federal nº 7.347/1985). Assim: “Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados: “ Note-se que a nova Lei de Licitações deixou claro o tema da defesa daquele que não mais é servidor público. Assim: “Art. 6º (...) § 2º Aplica-se o disposto no caput deste artigo inclusive na hipótese de o agente público não mais ocupar o cargo, emprego ou função em que foi praticado o ato questionado.” O esclarecimento da lei serve como parâmetro para a “quebra dos feudos” típicos da Administração Pública já que prejudica a “lógica de Pilatos” muito corriqueira nos órgãos públicos, consistente em “lavar as mãos” sempre que possível e imputar ao outro setor a responsabilidade exclusiva por todos os males da humanidade (e, também, da Administração Pública). A regra favorece o “pensamento de equipe”, comum na área privada e raro na área pública. Merece destaque a ADI nº 6915, proposta ANAPE (Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal) que questiona a ofensa ao princípio federativo, já que estaria invadindo a autonomia de Estados e Municípios ao impor tal regra de funcionamento interno no âmbito dos referidos entes políticos. Em razão da legitimidade da ANAPE a inconstitucionalidade alegada ofenderia Estados e Distrito Federal. Por uma razão lógica, entendemos que ofenderia, também, Municípios. O CAPÍTULO 5 DEVER DE PLANEJAMENTO dever de planejamento e acompanhamento (uma coisa puxa a outra) é inserido em diversas oportunidades na nova lei. Aliás, quem é da área pública conhece muito bem o “planejamento da água batendo no ouvido”, típico daqueles servidores que não fazem jus à relevância do cargo que ocupam. Ainda que seja preconceituoso imputar tal desvio de caráter a todos os servidores públicos, seria hipocrisia ignorar a realidade (ainda que restrita) da a�rmação. Assim: “Art. 11 (...) Parágrafo único. A alta administração do órgão ou entidade é responsável pela governança das contratações e deve implementar processos e estruturas, inclusive de gestão de riscos e controles internos, para avaliar, direcionar e monitorar os processos licitatórios e os respectivos contratos, com o intuito de alcançar os objetivos estabelecidos no caput deste artigo, promover um ambiente íntegro e confiável, assegurar o alinhamento das contratações ao planejamento estratégico e às leis orçamentárias e promover eficiência, efetividade e eficácia em suas contratações.” No mesmo sentido, o artigo 12 prevê regra mais especí�ca e concreta sobre a necessidade de planejamento: “Art. 12 (...) VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias. § 1º O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos.” Referido dever de planejamento é reiterado, mais adiante, no artigo 18 da nova lei. Assim: “CAPÍTULO II DA FASE PREPARATÓRIA Seção I Da Instrução do Processo Licitatório Art. 18. A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos: I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize (...) X- a análise dos riscos que possam comprometer o sucesso da licitação e a boa execução contratual; XI – a motivação sobre o momento da divulgação do orçamento da licitação, observado o art. 24 desta Lei.” Destaque-se que as principais inovações quanto ao planejamento são o estudo preliminar e a análise de risco. Na verdade, a análise SWOT, já conhecida dos administradores privados foi, discretamente, inserida no âmbito da Administração Pública. Vamos resumi-la aqui (a análise SWOT, traduzida para FOFA) como análise de pontos fortes, pontos fracos, ameaças e oportunidades. Como contrapartida ao dever de planejamento a nova lei cria mecanismos que o facilitam. Por exemplo, a utilização de instrumentos tais como o catálogo eletrônico de padronização e a possibilidade de utilização do catálogo federal: “Art. 19. Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão: I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços; II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos; Também no mesmo diapasão, outro instrumento é a padronização de minutas elaboradas pelo órgão de assessoria jurídica do Poder Público, copiando modelo óbvio utilizado pela iniciativa privada. Assim: “Art. 19 (...) IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos; Note-se que a utilização das minutas padronizadas e do catálogo eletrônico de padronização é a regra. A ausência dessas �guras deverá ser justi�cada. Assim: “Art. 19 (...) (...) § 2º A não utilização do catálogo eletrônico de padronização de que trata o inciso II do caput ou dos modelos de minutas de que trata o inciso IV do caput deste artigo deverá ser justificada por escrito e anexada ao respectivo processo licitatório. Na modesta opinião do autor, não haverá grande di�culdade nesse quesito da nova lei, já que é possível a utilização de modelos da área federal. Com um pouco de boa vontade, as minutas da área federal poderão ser, gradativamente, substituídas por modelos próprios das respectivas administrações. ARTIGOS DE LUXO Dentro do quesito “planejamento” a Administração Pública deverá estabelecer em regulamento os limites para enquadramento de produtos como“de luxo” no prazo de 180 dias da edição da nova lei. Assim: “Art. 20. Os itens de consumo adquiridos para suprir as demandas das estruturas da Administração Pública deverão ser de qualidade comum, não superior à mínima necessária para cumprir as finalidades às quais se destinam, vedada a aquisição de artigos de luxo. § 1º Os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário definirão em regulamento os limites para o enquadramento dos bens de consumo nas categorias comum e luxo. § 2º A partir de 180 (cento e oitenta) dias contados da promulgação desta Lei, novas compras de bens de consumo só poderão ser efetivadas com a edição, pela autoridade competente, do regulamento a que se refere o § 1º deste artigo.” Outra regra em consonância com o dever de planejamento é a previsão de audiência pública. Assim: “Art. 21. A Administração poderá convocar, com antecedência mínima de 8 (oito) dias úteis, audiência pública, presencial ou a distância, na forma eletrônica, sobre licitação que pretenda realizar, com disponibilização prévia de informações pertinentes, inclusive de estudo técnico preliminar, elementos do edital de licitação e outros, e com possibilidade de manifestação de todos os interessados. Parágrafo único. A Administração também poderá submeter a licitação à prévia consulta pública, mediante a disponibilização de seus elementos a todos os interessados, que poderão formular sugestões no prazo fixado. Art. 22. O edital poderá contemplar matriz de alocação de riscos entre o contratante e o contratado, hipótese em que o cálculo do valor estimado da contratação poderá considerar taxa de risco compatível com o objeto da licitação e os riscos atribuídos ao contratado, de acordo com metodologia predefinida pelo ente federativo.” Outra novidade é a utilização da MEDIANA (que difere da média simples) para aferição do preço de mercado. Novidade meramente legislativa, diga-se, vez que já era utilizada junto aos setores licitatórios. Assim: “Art. 23. O valor previamente estimado da contratação deverá ser compatível com os valores praticados pelo mercado, considerados os preços constantes de bancos de dados públicos e as quantidades a serem contratadas, observadas a potencial economia de escala e as peculiaridades do local de execução do objeto. § 1º No processo licitatório para aquisição de bens e contratação de serviços em geral, conforme regulamento, o valor estimado será definido com base no melhor preço aferido por meio da utilização dos seguintes parâmetros, adotados de forma combinada ou não: I – composição de custos unitários menores ou iguais à mediana do item correspondente no painel para consulta de preços ou no Banco de Preços em Saúde disponíveis no Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP); Com a licença dos senhores contadores e especialistas da área de exatas, a média é apenas a soma de valores divido pelo número de referências pesquisadas. Na mediana os valores extremos inferiores e superiores são excluídos do valor calculado. Assim, os desvios são afastados do cômputo para aferição do preço de mercado. Provavelmente, regras de cálculo e de desvio padrão favorecerão o fornecimento deste número que re�ete o preço de mercado. Digamos que a mediana seria a média “real” que difere da simples soma de unidades e divisão pelo número de unidades. Um valor “fora da curva” não entre no cômputo da mediana. O autor denomina de “novidade” no sentido de constar expressamente na lei. Do ponto de vista da realidade dos setores de licitação, a mediana já era instrumento de aferição do valor de mercado de produtos e serviços. CAPÍTULO 5.1 REGRAS DE “COMPLIANCE” INSPIRADAS NA LEI ANTICORRUPÇÃO A regra abaixo é in�uência da Lei anticorrupção (Lei Federal nº 12.846/2013) que estabelece regras que visam evitar corrupção e má gestão da coisa pública. Termo de origem inglesa que, na nossa modesta tradução livre, seria conformidade com parâmetros ético-contábeis-jurídicos. Assim: “Art. 14 (...) (...) § 5º Em licitações e contratações realizadas no âmbito de projetos e programas parcialmente financiados por agência oficial de cooperação estrangeira ou por organismo financeiro internacional com recursos do financiamento ou da contrapartida nacional, não poderá participar pessoa física ou jurídica que integre o rol de pessoas sancionadas por essas entidades ou que seja declarada inidônea nos termos desta Lei. Note-se que a vedação à participação em licitações do órgão �nanciador é estendida ao órgão �nanciado o que não tinha, pelo menos expressamente, previsão na lei revogada. No mesmo sentido é a regra do artigo 25 da lei quanto a obras de vulto. Assim: “Art. 25 (...) § 4º Nas contratações de obras, serviços e fornecimentos de grande vulto, o edital deverá prever a obrigatoriedade de implantação de programa de integridade pelo licitante vencedor, no prazo de 6 (seis) meses, contado da celebração do contrato, conforme regulamento que disporá sobre as medidas a serem adotadas, a forma de comprovação e as penalidades pelo seu descumprimento. O artigo 7º da Lei Anticorrupção é que nos fornece subsídios sobre o conceito de integridade: “Art. 7º (...) VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; Logo, a empresa comprometida com transparência é valorizada pela nova lei. PORTAL NACIONAL DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS Dentro do dever de planejamento, a nova lei criou o PNCP, sítio eletrônico administrado pela União com a �nalidade de centralizar as informações. Deve oferecer modelos, preços e padrões e cadastro geral como farol da padronização dos procedimentos licitatórios. Também servirá como “Serasa” dos licitantes no âmbito da Administração Pública. Assim: “Art. 174. Fica criado o Portal Nacional de Contratações Públicas (PNCP), sítio eletrônico oficial destinado à: I – divulgação centralizada e obrigatória dos atos exigidos por esta Lei; II – realização facultativa das contratações pelos órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todos os entes federativos. § 1º O PNCP será gerido pelo Comitê Gestor da Rede Nacional de Contratações Públicas, a ser presidido por representante indicado pelo Presidente da República e composto de: I – 3 (três) representantes da União indicados pelo Presidente da República; II – 2 (dois) representantes dos Estados e do Distrito Federal indicados pelo Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração; III – 2 (dois) representantes dos Municípios indicados pela Confederação Nacional de Municípios. § 2º O PNCP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das contratações: I – planos de contratação anuais; II – catálogos eletrônicos de padronização; III – editais de credenciamento e de pré-qualificação, avisos de contratação direta e editais de licitação e respectivos anexos; IV – atas de registro de preços; V – contratos e termos aditivos; VI – notas fiscais eletrônicas, quando for o caso. § 3º O PNCP deverá, entre outras funcionalidades, oferecer: I – sistema de registro cadastral unificado; II – painel para consulta de preços, banco de preços em saúde e acesso à base nacional de notas fiscais eletrônicas; III – sistema de planejamento e gerenciamento de contratações, incluído o cadastro de atesto de cumprimento de obrigações previsto no § 4º do art. 87 desta Lei; IV – sistema eletrônico para a realização de sessões públicas; V – acesso ao Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS) e ao Cadastro Nacional de Empresas Punidas (CNEP); VI – sistema de gestão compartilhada com a sociedade de informações referentes à execução do contrato, que possibilite: a) envio, registro, armazenamento e divulgação de mensagens de texto ou imagens pelo interessado previamente identificado;“ Desta forma, a lei favorece a quebra da assimetria de informações. O particular licitante costuma ter um acervo de informações muito superiorao Poder Público, notadamente quanto às técnicas dos serviços e obras. Com essa regra, o acervo de informações do Poder Público será ampliado de maneira a coibir o licitante de má-fé e o licitante inapropriado às funções públicas. CAPÍTULO 5.2 AGENTE DE CONTRATAÇÃO É CARREIRA DE ESTADO E NÃO DE GOVERNO A nova Lei de Licitações de�ne o agente de contratação como servidor ou empregado público dos quadros permanentes em forte indicativo de que se trata de servidor/empregado da carreira de Estado e não da carreira de governo. Assim: “Art. 6º(...) LX - agente de contratação: pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação.” A “nova” �gura não é assim tão nova na medida em que o pregoeiro e outros atores licitatórios já desempenham funções muito assemelhadas na Administração Pública. O ponto central deste texto é se o agente de contratação poderia ser uma �gura ligada às funções de che�a, direção e assessoramento (ou funções chamadas de “grati�cadas”) previstas no artigo 37, V da Carta Federal ou se deveriam ser carreiras típicas de Estado tais como Procuradores, Fiscais, médicos, etc. A diferenciação entre carreiras de estado e carreiras de governo é muito mais uma obra doutrinária do que uma previsão explícita do sistema jurídico. Há, porém, uma previsão legal que auxilia na diferenciação. O decreto- lei 6.185/1974 prevê: “Art. 2º Para as atividades inerentes ao Estado como Poder Público sem correspondência no setor privado, compreendidas nas áreas de Segurança Pública, Diplomacia, Tributação, Arrecadação e Fiscalização de Tributos Federais e Contribuições Previdenciárias, Procurador da Fazenda Nacional, Controle Interno, e no Ministério Público, só se nomearão servidores cujos deveres, direitos e obrigações sejam os definidos em Estatuto próprio, na forma do art. 109 da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei nº 6.856, de 1980) O artigo 109 da Constituição anterior (1967) previa: “Art. 109 - É vedado ao Juiz, sob pena de perda do cargo judiciário: I - exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo um cargo de magistério e nos casos previstos nesta Constituição; II - receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, percentagens nos processos sujeitos a seu despacho e julgamento; III - exercer atividade político - partidária,” Apesar do texto da carta anterior prever vedações ao magistrado, o sentido previsto é o de vedar práticas do magistrado que acabem por confundir o público e o privado. A regra semelhante de nossa Carta atual é o parágrafo único do artigo 95 “Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III - dedicar-se à atividade político-partidária. IV - receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) V - exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração.” Parece que a hermenêutica do conceito de carreira de Estado não pode _ evidentemente _ restringir-se à interpretação literal e vinculado ao exercício da magistratura e carreiras explicitamente indicadas no artigo 2º do decreto-lei 6.185/1974. Se interpretássemos pela literalidade da norma, somente na área federal existiriam carreiras de Estado e �guras patológicas como o “procurador comissionado” ressurgiriam das trevas do atraso civilizatório. O autor alemão Robert Alexy8 faz referência à superioridade axiológica dos princípios em relação às normas. Os princípios a serem utilizados para a interpretação do referido decreto-lei são aqueles previstos no artigo 37, “caput” da Constituição Federal e não uma interpretação literal e rasteira da regra/norma do referido Decreto-lei. Opinamos, portanto, pela interpretação extensiva do conceito de carreira de Estado, incluindo tudo aquilo em que pode haver locupletamento através da confusão deliberada entre público e privado. É o caso do agente de contratação já que a carreira que não tem exata reprodução no mundo corporativo/privado. O comprador de uma empresa privada não tem (nem de longe) a mesma carga de responsabilidade que tem um agente de contratação. Qualquer comparação com o setor privado será mero exercício de elocubração desprovida de fulcro na realidade da nova Lei de Licitações. Nesse diapasão é a previsão do novo códex licitatório: “Art. 8º A licitação será conduzida por agente de contratação, pessoa designada pela autoridade competente, entre servidores efetivos ou empregados públicos dos quadros permanentes da Administração Pública, para tomar decisões, acompanhar o trâmite da licitação, dar impulso ao procedimento licitatório e executar quaisquer outras atividades necessárias ao bom andamento do certame até a homologação. § 1º O agente de contratação será auxiliado por equipe de apoio e responderá individualmente pelos atos que praticar, salvo quando induzido a erro pela atuação da equipe.”(grifos nossos). Embora nos grotões e cidadezinhas de reduzida inserção civilizatória tenha existido �guras esdrúxulas como procurador comissionado, controlador comissionado e �scal comissionado tais �guras devem ser relegadas ao lixo histórico diante de sua natureza sociológica de resquícios autoritários da pior qualidade axiológica. As �guras “comissionadas” em carreiras típicas de Estado demonstram a atualidade de autores como Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freire já que há evidente confusão entre público e privado e repetição dos modelos “Casa-Grande e Senzala” com a criação pretendida em urbes retrógradas da �gura do “agente de contratação de con�ança” ou “agente de contratação grati�cado”. O agente de contratação só pode ser um servidor/empregado de carreira sob pena de ressuscitarmos, sob novas vestes, as �guras de do “controlador comissionado”, “procurador comissionado” e outras formas de exercício do autoritarismo que faz questão de confundir o interesse público com o interesse pessoal ou partidário do prefeito/governador/presidente. Sérgio Buarque de Holanda faria sua versão jurídica de “Raízes do Brasil” (editora José Olympio) se descrevesse uma anomalia do direito administrativo que se pretende criar em anacrônicas urbes brasileiras. Da mesma forma Gilberto Freyre em sua obra “Casa-Grande e Senzala” (editora José Olympio) teria novo material de estudo diante da reprodução do modelo de cooptação dos agentes de contratação como “mucamas” da casa-grande. Mucama era a escrava negra que tinha a “permissão” de trabalhar junto aos brancos fazendo serviços domésticos ou até mesmo como “ama de leite” do �lho dos senhores da “casa-grande”. É essa reprodução do modelo escravocrata que se repetiu _ não por acaso_ em urbes agrícolas e de reduzido desenvolvimento civilizatório com as �guras do “procurador comissionado”, “�scal comissionado” dentre outros anacronismos caipiras. O senhor da Casa-grande estaria “permitindo” �guras de governo que deveriam ser �guras de Estado. A ideia de criar �guras “comissionadas”, grati�cadas ou que tenham algum vínculo de con�ança com o detentor do poder revela vilipêndio ao artigo 37, V da Constituição que prevê tais �guras para a carreira de governo e não para a carreira de Estado. Fere, ainda, o princípio da impessoalidade, moralidade e e�ciência. Não há argumento jurídico para pessoalizar uma �gura do dia a dia do Estado como pretendido por alguns grotões. Só serviria para manter o “dedo” do chefe do Poder Executivo em atividades que não são do seu partido tampouco do