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Autora: Profa. Cristiane Vianna Guzzoni Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Christiane Mazur Doi Políticas Públicas de Lazer Professora conteudista: Cristiane Vianna Guzzoni Mestrado em Estudos do Lazer pela Universidade de Campinas (Unicamp) e graduação em Educação Física pela Universidade Estadual do Paraná (Unioeste) com especialização em Recreação e Lazer pela mesma universidade. Atua há mais de 25 anos como docente no Ensino Superior, tendo experiência também na Educação Básica em escolas públicas e particulares. Essa experiência permite ampla atuação nas diversas disciplinas do curso de licenciatura e bacharelado em Educação Física. Atualmente é docente na Universidade Paulista (UNIP) nas seguintes disciplinas: Filosofia e Dimensões Históricas da Educação Física, Corporeidade e Motricidade Humana, Recreação, Ginástica para Todos e orientadora de Trabalhos de Conclusão de Curso (TCC) e Estágios Supervisionados Obrigatórios. Por fim, está vinculada ao curso de EAD desta instituição atuando nas aulas práticas das disciplinas de Recreação e Ginástica para Todos, além de orientar Projetos de Produção Científica e TCCs. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) G993p Guzzoni, Cristiane Vianna. Políticas Públicas de Lazer / Cristiane Vianna Guzzoni. – São Paulo: Editora Sol, 2024. 76 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Lazer. 2. Políticas. 3. Atividade. I. Título. CDU 379.8:20 U519.34 – 24 G993p Profa. Sandra Miessa Reitora Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração e Finanças Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora das Unidades Universitárias Profa. Silvia Gomes Miessa Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal Profa. Laura Ancona Lee Vice-Reitora de Relações Internacionais Prof. Marcus Vinícius Mathias Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária UNIP EaD Profa. Elisabete Brihy Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. M. Deise Alcantara Carreiro Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes Projeto gráfico: Revisão: Prof. Alexandre Ponzetto Kleber Souza Luiza Gomyde Sumário Políticas Públicas de Lazer APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................8 Unidade I 1 O ENTENDIMENTO DO LAZER: UMA INTRODUÇÃO ..............................................................................9 1.1 Sobre o lazer, o trabalho e o tempo.................................................................................................9 1.2 Conceitos e reflexões sobre o lazer ............................................................................................... 10 1.3 Os conteúdos culturais do lazer ..................................................................................................... 11 1.4 As barreiras e os preconceitos sobre vivências do lazer ....................................................... 12 2 O LAZER COMO DIREITO SOCIAL ............................................................................................................... 14 2.1 Lazer: um direito garantido constitucionalmente .................................................................. 14 2.2 Duplo aspecto educativo do lazer ................................................................................................. 15 2.3 Patrimônio ambiental urbano ......................................................................................................... 17 2.4 A cidade como um espaço de lazer .............................................................................................. 19 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O LAZER E AS FASES DA VIDA ................................................................ 24 4 O LAZER E A EDUCAÇÃO FÍSICA ................................................................................................................ 25 4.1 Relações entre o lazer e a educação física ................................................................................ 25 4.2 A atuação do profissional de educação física no lazer ......................................................... 26 4.2.1 O animador sociocultural .................................................................................................................... 28 4.2.2 Competências a serem desenvolvidas pelo animador sociocultural ................................. 28 Unidade II 5 ATUAÇÃO PROFISSIONAL NO LAZER ....................................................................................................... 38 5.1 Democratização do lazer e o animador sociocultural ........................................................... 38 5.2 O animador sociocultural e o poder público ............................................................................. 40 5.3 O animador sociocultural e a iniciativa privada ...................................................................... 40 5.4 O animador sociocultural e o terceiro setor (Sistema S e ONGs) ..................................... 40 6 GESTÃO PÚBLICA DAS POLÍTICAS DE LAZER NO BRASIL ................................................................ 41 6.1 O papel do estado nas políticas sociais: as políticas de lazer no Brasil ......................... 41 6.2 Pressupostos de ação comunitária ............................................................................................... 42 6.3 Políticas públicas de formação e desenvolvimento de pessoal ......................................... 43 6.4 Políticas públicas de espaços e equipamentos de lazer ....................................................... 44 7 ELABORAÇÃO DE PROJETOS PARA O LAZER NA ÁREA DA EDUCAÇÃO FÍSICA ...................... 46 7.1 Por que propor um projeto de lazer? ........................................................................................... 46 7.2 Como elaborar um projeto de lazer? ............................................................................................ 46 7.3 Tipos de propostas de eventos para a área do lazer .............................................................. 49 7.3.1 Eventos sazonais ..................................................................................................................................... 49 7.3.2 Eventos permanentes ............................................................................................................................ 51 7.3.3 Eventos itinerantes ................................................................................................................................. 54 7.3.4 Eventos temáticos .................................................................................................................................. 55 8 SUGESTÕES DE PROPOSTAS DE LAZER PARA AS DIFERENTES FAIXAS ETÁRIAS E NECESSIDADES ................................................................................................................................................. 57 7 APRESENTAÇÃO Caroa realidade histórica e a especificidade dessa vivência. É correto o que se afirma em: A) III, apenas. B) I e II, apenas. C) II e III, apenas. D) I e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: segundo Joffre Dumazedier, o lazer é um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se, de livre vontade, a fim de repousar, divertir-se, recrear-se, entreter-se ou desenvolver sua informação (ou formação) desinteressada, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora. 36 Unidade I II – Afirmativa correta. Justificativa: segundo Nelson Carvalho Marcellino, o lazer é a cultura compreendida no seu sentido mais amplo, sendo vivenciada no chamado “tempo disponível”. Para o pensador, devemos considerar o caráter “desinteressado” dessa vivência. No lazer, buscamos basicamente a satisfação provocada pela situação. III – Afirmativa correta. Justificativa: segundo Christianne Luce Gomes, o lazer é uma dimensão da cultura que compõe um campo de práticas sociais vivenciadas ludicamente pelos praticantes e está presente na vida cotidiana em diferentes tempos e lugares. Questão 2. Vimos, no livro-texto, que a vivência do lazer é um aspecto fundamental da qualidade de vida. No entanto, esta vivência pode ser afetada por várias barreiras e por preconceitos, fatores que, de alguma forma, impedem ou diminuem o acesso das pessoas a experimentarem o seu tempo de lazer de maneira plena, inclusiva e prazerosa. Em relação a esse tema, considere os itens a seguir. I – Barreiras financeiras. II – Barreiras físicas. III – Barreiras culturais e étnicas. IV – Barreiras de gênero. V – Barreiras de idade. VI – Estigma e discriminação. São barreiras e/ou preconceitos que podem impactar a vivência do lazer os mostrados em: A) I, II, III, IV, V e VI. B) I, II, III, IV e V, apenas. C) II, III, IV, V e VI, apenas. D) I, III e V, apenas. E) II, IV e VI, apenas. Resposta correta: alternativa A. 37 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Análise da questão Algumas das principais barreiras e alguns dos principais preconceitos que podem impactar a vivência do lazer são: • Barreiras financeiras: a falta de recursos financeiros pode impedir o acesso a atividades de lazer, a viagens, a ingressos para eventos culturais ou esportivos e até mesmo à participação em clubes ou associações. • Barreiras físicas: a falta de acessibilidade em espaços de lazer, como parques, praias e instalações esportivas, pode limitar a participação de pessoas com mobilidade reduzida, pessoas idosas ou pessoas com deficiências físicas. • Barreiras culturais e étnicas: preconceitos culturais e étnicos podem restringir o acesso de pessoas a atividades de lazer, especialmente em contextos em que a diversidade cultural não é respeitada ou valorizada. • Barreiras de gênero: normas de gênero rígidas podem influenciar as escolhas de lazer das pessoas, limitando as oportunidades e impondo expectativas. • Barreiras de idade: a idade também pode ser uma barreira, especialmente para os jovens e as pessoas idosas. Os jovens podem enfrentar restrições de acesso a determinadas atividades com base em regulamentações etárias, enquanto as pessoas idosas podem ser vistas como inadequadas para participar de certas práticas de lazer. • Estigma e discriminação: o estigma e a discriminação em relação a grupos específicos, como LGBTQIAPN+ ou pessoas com transtornos de saúde mental, podem afetar sua disposição para participar de atividades de lazer em ambientes que não são acolhedores ou inclusivos. • Barreiras psicológicas: fatores psicológicos, como baixa autoestima, ansiedade social ou depressão, podem dificultar o envolvimento em atividades de lazer. • Barreiras de tempo: pressões de tempo relacionadas a trabalho, cuidados familiares ou outras obrigações podem limitar a disponibilidade para o lazer. • Barreiras geográficas: a localização geográfica, como viver em áreas rurais isoladas, pode limitar o acesso a opções de lazer, devido à falta de instalações e eventos disponíveis. • Falta de conhecimento e informação: a falta de conhecimento sobre as oportunidades de lazer disponíveis na comunidade pode impedir que as pessoas participem ativamente dessas atividades.aluno, Este livro-texto foi elaborado visando cobrir os aspectos fundamentais referentes ao lazer e às políticas públicas de lazer. O lazer é um direito garantido constitucionalmente, porém, assim como tantos outros direitos sociais, acaba negligenciado em função de uma série de problemas, inclusive o desconhecimento da importância desta prática para a qualidade de vida e a saúde do indivíduo. Neste sentido, o objetivo aqui é contribuir para o conhecimento e a formação de profissionais que estejam aptos a propor projetos e atividades de lazer de acordo com as necessidades e expectativas dos diferentes públicos. Os capítulos estão em uma sequência pensada de acordo com o aprofundamento progressivo em temas e aspectos que contribuem para a ampliação de suas competências como animador sociocultural e/ou gestor de lazer. Bom estudo! 8 INTRODUÇÃO Este livro-texto exibe os principais temas acerca do lazer e das políticas públicas de lazer que contribuem na formação de estudantes do curso de Educação Física. Introduz-se o tema através de elementos que possibilitam a sua compreensão de modo mais abrangente. Trataremos dos conceitos e significados do lazer para diferentes autores, a relação intrínseca entre lazer e trabalho, e as barreiras e os preconceitos que podem impossibilitar as vivências do lazer. Abordaremos o lazer como um direito social e sua potencialidade educativa, entendendo a cidade como um espaço privilegiado para a aplicação de políticas públicas de lazer e o espaço urbano como um patrimônio social que deve, a partir das políticas públicas, possibilitar um amplo espectro de ofertas de lazer. Refletiremos acerca do papel do lazer nas diferentes fases da vida, estabelecendo aspectos e características que contribuem para a aderência a programas de lazer de acordo com interesses e especificidades de cada praticante. Discutiremos ainda a necessidade de propostas de atividades que estejam alinhadas às expectativas nas diferentes faixas etárias. Buscaremos estabelecer as relações possíveis entre o lazer e a Educação Física, bem como apresentaremos diferentes possibilidades de atuação para o profissional da área. Discutiremos a necessidade de formação de um profissional qualificado para a atuação nas diferentes áreas e interesses de lazer –, o denominado animador sociocultural, e exibiremos diversas possibilidades de atuação profissional. Também falaremos da importância da democratização do lazer, tanto em relação à oferta de espaços e equipamentos quanto à ampliação das propostas. Em sequência, exporemos temas específicos referentes às políticas públicas de lazer no Brasil e sua estreita relação com as ações comunitárias, a formação de agentes de lazer, e os processos de construção de equipamentos e espaços de lazer. Avaliaremos, também, o papel do Estado na proposição e gestão de políticas públicas de lazer. Apresentaremos os principais critérios para o desenvolvimento de projetos e suas diferentes formas e possibilidades de elaboração. Por fim, sugeriremos atividades que possam compor projetos visando atender às demandas das diferentes faixas etárias. Esperamos que ao final deste material os alunos tenham desenvolvido competências que possibilitem uma atuação efetiva nesta área. 9 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Unidade I 1 O ENTENDIMENTO DO LAZER: UMA INTRODUÇÃO 1.1 Sobre o lazer, o trabalho e o tempo Antes de começarmos a nossa jornada em busca da compreensão mais efetiva dos elementos que permeiam o universo do lazer, precisamos entender que lazer e trabalho estão relacionados de maneira intrínseca, uma vez que o lazer se refere a um tempo de não trabalho, denominado disponível ou livre. De acordo com Huizinga (1999), é importante salientar que o lúdico, a diversão, o jogo, sempre fez parte da cultura humana. Há registros desses elementos no cotidiano da humanidade desde seus primeiros tempos. Porém, essas atividades estavam incorporadas às práticas cotidianas e misturavam-se aos fazeres cotidianos ou, como no caso dos trabalhadores do campo: elas estavam reguladas pelos diferentes períodos entre o plantio e a colheita, ou seja, seguiam o ritmo do tempo natural, da luz do dia e das estações do ano. Segundo Melo e Alves Junior (2003, p. 2), Por certo existem similaridades com o que foi vivido em momentos anteriores – e mesmo por isso devemos conhecê-los – mas o que hoje entendemos como lazer guarda peculiaridades que somente podem ser compreendidas em sua existência concreta atual. O fato de haver equivalências não significa que os fenômenos sejam os mesmos. [...] É somente a partir de determinado momento da história que se começa a utilizar a palavra lazer. A Revolução Industrial é, sem dúvida, um dos fatores mais importantes para o surgimento do que chamamos hoje de lazer. Em meados do século XVIII, o trabalho em fábricas exigia uma dedicação de tempo muito grande por parte dos trabalhadores (entre 12 e 16 horas diárias). O tempo passou a ser medido de uma nova maneira, dividido artificialmente (em horas) e não mais pelo tempo natural (dia e noite). A partir disso, surge um tempo de trabalho e um tempo de não trabalho que passa a ser denominado de lazer (Melo; Alves Junior, 2003). Esse processo não foi rápido e nem pacífico. A diminuição da jornada de trabalho e a reivindicação de melhores condições de trabalho foram, ao longo dos anos, redefinindo os tempos de trabalho e de lazer até chegarmos à configuração atual, com as leis trabalhistas estabelecendo tais períodos. 10 Unidade I Outra consideração importante é que não se pode falar sobre lazer sem levar em conta as especificidades a que estamos nos referindo, dado que essa compreensão não é universal. Conforme Gomes (2014, p. 3), As experiências de lazer são aqui concebidas como práticas sociais que possibilitam o desfrute da vida e a compreensão de mundo, detendo assim um grande potencial para a mediação cultural. [...] Por essa razão, é preciso entendê-lo de modo situado em cada território, ou seja, levando em conta algumas das peculiaridades históricas, culturais, sociais, políticas, éticas e estéticas, entre outras, que expressam diversidades e singularidades locais. 1.2 Conceitos e reflexões sobre o lazer Apresentaremos na sequência o que pensam em relação ao lazer Joffre Dumazedier, Nelson Carvalho Marcellino e Christianne Luce Gomes. Joffre Dumazedier, sociólogo francês, é o precursor dos estudos sobre o lazer, e inspirou o início dos estudos sobre o tema no Brasil. Seu conceito acerca do assunto reflete principalmente o caráter desinteressado das práticas – o que não quer dizer que o praticante não tenha interesse no que faz, mas sim que a sua escolha pela atividade talvez não tenha vínculos com o trabalho ou que seja uma exigência deste. Ainda de acordo com ele (Dumazedier, 1976), o lazer trata-se de um conjunto de ocupações às quais o indivíduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, para divertir-se, recrear-se e entreter-se, ou ainda para desenvolver informações ou formações desinteressadas, sua participação social voluntária ou sua livre capacidade criadora. Já para Nelson Carvalho Marcellino (2000), lazer é cultura – compreendida no seu sentido mais amplo – vivenciada (praticada ou fruída) no “tempo disponível”; nesse caso, o caráter “desinteressado” da vivência é característica fundamental e traço definidor de lazer para o autor. Não se busca, pelo menos em princípio, outra recompensa que não a satisfação provocada pela situação. Neste conceito apresentado pelo autor, além da reafirmação do caráter descompromissado do lazer – já afirmado por Dumazedier – evidencia-se a amplitude das possibilidades de compreensão e de vivência do lazer a partir de uma ampliação também da compreensão dos sentidos de cultura. Se entendermos a cultura como o conjunto das práticas e tradições que caracterizam determinado povo, perceberemos que há inúmeras formas de ela se expressar e, portanto, diferentes possibilidades devivenciá-la. Por fim, Christianne Luce Gomes (2014) considera o lazer como uma dimensão da cultura que constitui um campo de práticas sociais vivenciadas ludicamente pelos sujeitos, estando presente na vida cotidiana em diferentes tempos e lugares. 11 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Para a autora, assim como para seus colegas vistos anteriormente, o lazer é compreendido como uma dimensão da cultura; entretanto, sua conceituação chama a atenção para a necessidade de considerarmos a realidade histórica e a especificidade dessa vivência, dado que, este conceito de lazer nos traz uma referência importante sobre o contexto no qual essas práticas são vivenciadas. Observação Os três autores escolhidos para apresentar os conceitos de lazer visaram ampliar as possibilidades de compreensão do termo e abordar a constante reformulação e ressignificação do conceito a partir do avanço e aprofundamento de estudos antropológicos, sociais, econômicos, filosóficos e outros. 1.3 Os conteúdos culturais do lazer O termo “conteúdos culturais do lazer” foi proposto por Joffre Dumazedier (1973) ao determinar cinco áreas distintas que caracterizam os interesses de praticantes de lazer: interesses físicos, manuais, artísticos, intelectuais e sociais. Mais recentemente, foram incorporados os interesses turísticos (Camargo, 1980) e virtuais (Schwartz, 2003) em virtude da ampliação de citações deste tipo de prática nas pesquisas e relatos sobre as atividades realizadas nos períodos de lazer. Interesse pode ser compreendido como a motivação mais forte, que faz com que o praticante procure determinada atividade; no entanto, é possível que mais de um estímulo encoraje a busca de uma atividade, dado que é possível conjugar diversos benefícios em uma única prática de acordo com interesses próprios e subjetivos. É importante frisar que, para serem considerados lazer, esses interesses não podem ser motivados por necessidades laborais ou de aperfeiçoamento profissional. Listamos a que se referem cada um dos termos que formam os conteúdos culturais do lazer: • Interesses físicos: ligados a práticas corporais e de esportes, caracterizam-se pela utilização do corpo como instrumento na vivência do tempo de lazer. Por exemplo: corrida, ginástica, lutas, caminhadas, jogos, dança, ciclismo, entre outros. • Interesses manuais: ligados a práticas de atividades em que a manipulação de objetos é o prazer principal. Por exemplo: carpintaria, marcenaria, construção de objetos, artesanato, jardinagem, pintura, tricô, crochê, culinária, entre outros. • Interesses artísticos: ligados à prática ou fruição de atividades de cunho artístico, podem ser definidos como uma busca pela experiência estética, como peças de teatro, visitas a museus, espetáculos de dança, circo, cinema e centros culturais. 12 Unidade I • Interesses intelectuais: buscam aproximação ao conhecimento ou raciocínio, às atividades de aprendizagem ou desenvolvimento pessoal. Por exemplo: cursos, palestras, aulas livres. • Interesses sociais: envolvem a participação em grupo, o encontro com pessoas, trocas de experiências e sociabilização. Como exemplo podemos citar reuniões sociais, encontros em bares, festas, programas noturnos, restaurantes, passeios em grupos. • Interesses turísticos: envolvem passeios e viagens, em grupo ou individualmente. O interesse aqui pode ser de conhecer lugares e culturas novas ou mudar de ambiente, de clima, de realidade sociocultural. • Interesses virtuais: o atual desenvolvimento tecnológico e o crescente acesso a computadores, tablets e celulares por grande parte da população tornou o acesso virtual uma das grandes possibilidades da pós-modernidade. Atualmente podemos acessar de forma remota quase tudo: bancos, escolas, faculdades, bibliotecas, museus, cidades, supermercados, lojas e outros. Essas alternativas criaram várias atividades que podem ser desenvolvidas de maneira virtual, ou seja, sem a necessidade de estar presente fisicamente, o que permite a criação, por exemplo, de uma realidade imaginária (como no caso dos jogos e/ou dos óculos que simulam uma realidade inventada). Podemos afirmar então que os interesses virtuais são caracterizados por tipos de atividades de lazer realizadas com uso da tecnologia. Observação A possibilidade de que haja mais de um interesse envolvido não nega a análise de Dumazedier, apenas reforça a ideia sobre a complexidade das relações de interesses e motivações na vida cotidiana. 1.4 As barreiras e os preconceitos sobre vivências do lazer A vivência do lazer é um aspecto fundamental para a qualidade de vida. No entanto, essa vivência pode ser afetada por várias barreiras e preconceitos, fatores que, de alguma forma, impedem ou diminuem o acesso das pessoas a seu tempo de lazer de maneira plena, inclusiva e prazerosa. Algumas das principais barreiras e preconceitos capazes de impactar a vivência do lazer são: • Barreiras financeiras: a falta de recursos financeiros pode impedir o acesso a atividades de lazer, a viagens, a ingressos para eventos culturais ou esportivos e até mesmo à participação em clubes ou associações. • Barreiras físicas: a falta de acessibilidade em espaços de lazer, como parques, praias e instalações esportivas, pode limitar a participação de pessoas com mobilidade reduzida, pessoas idosas ou pessoas com deficiências físicas. 13 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER • Barreiras culturais e étnicas: preconceitos culturais e étnicos podem restringir o acesso a atividades de lazer, especialmente em contextos em que a diversidade cultural não é respeitada ou valorizada. • Barreiras de gênero: normas de gênero rígidas podem influenciar as escolhas de lazer das pessoas, limitando as oportunidades e impondo expectativas. • Barreiras de idade: a idade também pode ser uma barreira, especialmente para os jovens e pessoas idosas. Os jovens podem enfrentar restrições de acesso a determinadas atividades com base em regulamentações etárias, enquanto as pessoas idosas podem ser vistas como inadequadas para praticar certas atividades de lazer. • Estigma e discriminação: o estigma e a discriminação em relação a grupos específicos, como pessoas LGBTQ+ ou com transtornos de saúde mental, podem afetar a disposição para participar de atividades de lazer em ambientes que não são acolhedores ou inclusivos. • Barreiras psicológicas: fatores psicológicos, como baixa autoestima, ansiedade social ou depressão, podem dificultar o envolvimento em atividades de lazer. • Barreiras de tempo: pressões de tempo relacionadas a trabalho, cuidados familiares ou outras obrigações podem limitar a disponibilidade para o lazer. • Geografia: a localização geográfica, como viver em áreas rurais isoladas, pode limitar o acesso a opções de lazer devido à falta de instalações e eventos disponíveis. • Falta de conhecimento e informação: a falta de conhecimento sobre as oportunidades de lazer disponíveis na comunidade pode impedir que as pessoas participem ativamente delas. O fator econômico é um dos grandes impeditivos para a vivência do lazer, principalmente por indivíduos que têm interesses artísticos como fonte motivadora. Sabemos que ingressos para espetáculos, entradas para cinema, teatro ou eventos acabam pesando no orçamento. Segundo Marcellino (2000), a faixa etária é um aspecto que também pode ser considerado uma barreira para a prática do lazer, visto que crianças e pessoas idosas tendem a ser negligenciadas: as crianças por não terem ainda entrado no mercado produtivo, e as pessoas idosas por já terem saído desse mesmo mercado. O gênero também é um fator que contribui como barreira para a plena vivência do lazer, pois as mulheres ainda são responsáveis pela maioria das tarefas domésticas e, quando trabalham, enfrentam uma jornada dupla de trabalho. Este aspecto se reflete principalmente na geração mais velha, cuja divisão de tarefas domésticas não é um hábito comum. Dessa forma, a classe social, a faixa etária e o gênero, entre outrosfatores, limitam o lazer a uma parcela da população, principalmente se consideramos a frequência da prática e sua qualidade (Marcellino, 2000). 14 Unidade I Lembrete Para promover a vivência do lazer de forma mais inclusiva e igualitária, é importante reconhecer essas barreiras e preconceitos e adotar medidas para superá-los. Isso pode incluir políticas de acessibilidade, educação e conscientização sobre a diversidade, promoção da igualdade de gênero e aceitação cultural, bem como a criação de oportunidades de lazer acessíveis a todos, independentemente de sua situação financeira, idade ou habilidades. O lazer é um direito fundamental que deve estar ao alcance de todos, sem discriminação. 2 O LAZER COMO DIREITO SOCIAL 2.1 Lazer: um direito garantido constitucionalmente A Constituição Federal de 1988, em seu capítulo II, que trata dos direitos sociais, afirma o seguinte: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição (Brasil, 2015). O lazer é um elemento fundamental da qualidade de vida e do bem-estar das pessoas, e, em muitas sociedades, é reconhecido como um direito humano. Embora o seu reconhecimento como um direito garantido constitucionalmente possa variar entre os países, muitas constituições incluem princípios que apoiam o direito ao lazer e ao descanso. O lazer é frequentemente incorporado em documentos constitucionais e legais: • Descanso e lazer: muitas constituições afirmam o direito ao descanso e ao lazer como parte dos direitos fundamentais dos cidadãos. Por exemplo, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 afirma, em seu Artigo 6, que o direito ao lazer é um dos direitos sociais (Brasil, 1988; 2015). • Igualdade e não discriminação: as constituições frequentemente proíbem a discriminação com base em várias categorias, como gênero, idade, raça e orientação sexual. Isso significa que todas as pessoas têm direito ao lazer, independentemente de suas características pessoais. • Participação na vida cultural e social: algumas constituições garantem o direito à participação na vida cultural e social da comunidade, o que inclui o direito de desfrutar de atividades de lazer e culturais. • Direitos da criança e do adolescente: muitos países têm leis específicas que protegem os direitos das crianças e dos adolescentes, incluindo o direito ao lazer e à recreação como parte de seu desenvolvimento saudável. 15 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER • Acesso à cultura e à educação: a cultura e a educação desempenham um papel fundamental nas atividades de lazer, e muitas constituições abordam o direito ao acesso a essas áreas. • Políticas públicas: as constituições também podem estabelecer a responsabilidade do Estado em garantir o acesso a oportunidades de lazer, muitas vezes por meio da implementação de políticas públicas e programas. • Proteção do meio ambiente: o acesso a áreas naturais e à recreação ao ar livre também é frequentemente protegido por leis ambientais e constitucionais. Embora o reconhecimento do lazer como um direito garantido constitucionalmente seja uma realidade em muitos locais, a sua implementação prática pode variar amplamente. Em alguns lugares, a oferta de oportunidades de lazer pode ser mais abrangente e acessível do que em outros. Portanto, a sociedade, as instituições governamentais e as organizações da sociedade civil desempenham um papel fundamental na promoção e proteção do direito ao lazer e na busca por garantir que todas as pessoas tenham a oportunidade de desfrutar dele de forma plena e igualitária. Portanto, o lazer precisa ser compreendido como um dos fatores importantes para a garantia da qualidade de vida do brasileiro e não apenas como um privilégio ou algo menos importante – como ocorre frequentemente quando temos que racionar as despesas e decidir entre coisas “mais importantes” do que a diversão, dado que é comum a associação do lazer ao consumo ou a gastos desnecessários. A proposta aqui é justamente desmistificar essa noção de que o lazer precisa ser “comprado”, e tentar estabelecer aspectos que contribuam para a compreensão da importância de políticas públicas que tanto garantam o acesso da população ao lazer como permitam a participação da comunidade nas decisões acerca das ações a serem propostas. Para tanto, precisamos investir em duas frentes: a educação para as vivências do lazer e o lazer como uma possibilidade educativa. Trataremos desses temas a seguir. 2.2 Duplo aspecto educativo do lazer Segundo Marcellino (1990, p. 58-59), é necessário compreender que o lazer comporta em si duas possibilidades relacionadas à educação: “a primeira, que o lazer é um veículo privilegiado de educação; e a segunda, que para a prática positiva das atividades de lazer é necessário o aprendizado, o estímulo, a iniciação”. Vamos pensar um pouco sobre isso? Muito se fala sobre todas as potencialidades que o lazer tem de ampliar conhecimentos e de desenvolver outras competências que não apenas as relacionadas ao trabalho, a que dedicamos grande parte de nossa vida na educação formal? Você já se perguntou ou parou para pensar quanto de nossas aprendizagens estão diretamente relacionadas a aspectos utilitaristas, ou seja, a coisas que aprendemos em função de necessidades do nosso cotidiano, como trabalho, alimentação, economia e saúde? 16 Unidade I Trata-se então de começarmos a pensar que, para que o lazer seja vivenciado ao máximo e que todas as suas potencialidades sejam de fato aproveitadas, é necessário que sejam desenvolvidas políticas que possibilitem a educação para reconhecer essas vivências, não apenas a fim de usufruí-las, mas também de reivindicá-las, uma vez que as necessidades e as preferências das atividades de lazer precisam ser discutidas com a população em geral. Precisamos criar formas de educar as pessoas para aproveitar o lazer e vivenciar de forma positiva o seu tempo disponível; do contrário, as possibilidades educativas presentes no lazer estarão sempre cerceadas pelas ofertas generalistas do poder público – que, na maioria das vezes, não considera as peculiaridades e especificidades da comunidade local – ou pelo consumo, sempre associado a modismos (ou ainda a preconceitos que consideram que especialistas seriam melhores para decidir o que é bom para os leigos). A importância da educação para o lazer é reafirmada por Marcellino “como uma forma de resistência, uma espécie de formação de arcabouço que permita atitudes críticas, criativas, não só na prática como no consumo – na vivência do lazer” (1990, p. 77). O lazer pode ainda ser considerado a partir de duas perspectivas educacionais: educação formal e educação informal. A primeira é aquela que ocorre em ambientes educacionais sempre norteados por currículos e projetos pedagógicos de acordo com as normas e legislação vigente. A segunda, por outro lado, acontece em todos os tempos e lugares, quando estamos em contato com as pessoas e com a cultura local – ou seja, não é necessário estar em uma escola para aprender. Aliás, muitas das coisas que sabemos sobre a vida e o mundo, aprendemos cotidianamente em ambientes não formais como em casa, com amigos e com pessoas da família. Aspecto educativo informal • Aprendizado autônomo: o lazer proporciona oportunidades de aprendizado autônomo, o que permite que as pessoas explorem interesses pessoais e adquiram novos conhecimentos por conta própria. Isso pode envolver livros, documentários, cursos on-line ou buscar informações por tópicos de interesse pessoal. • Desenvolvimento de habilidades: muitas atividades de lazer envolvem o desenvolvimento de habilidades práticas, como aprender a tocar um instrumento musical, cozinhar pratos novos ou praticar esportes. • Exploração cultural e social: o lazer permite que as pessoas explorem diferentes culturas,tradições e formas de expressão artística, o que promove a compreensão intercultural e a apreciação da diversidade. • Desenvolvimento de competências sociais: a participação de atividades de lazer em grupo, como esportes de equipe ou clubes, ajuda a desenvolver competências sociais, como trabalho em equipe, empatia e comunicação. • Conscientização ambiental: atividades ao ar livre, como caminhadas e observação de aves, podem aumentar a consciência ambiental e o apreço pela natureza. 17 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Aspecto educativo formal • Educação não formal: em muitas sociedades, programas de educação não formal incorporam atividades de lazer que ensinam habilidades práticas, conhecimento cultural e valores. Exemplos incluem oficinas comunitárias, clubes de leitura e cursos de artesanato. • Educação física e esportes: as escolas frequentemente oferecem aulas de educação física e esportes com um aspecto educativo formal como parte do currículo, ensinando habilidades motoras, princípios de saúde e condicionamento físico. • Arte e cultura nas escolas: a educação artística e cultural nas escolas formaliza o aprendizado em áreas como música, arte, dança e teatro. • Turismo e história local: o turismo educativo e as visitas a locais históricos podem fazer parte do currículo escolar, proporcionando oportunidades formais para aprender sobre a história, a cultura e o patrimônio local. • Aprendizado ao longo da vida: a educação ao longo da vida promove a continuidade do aprendizado confirme o avanço da idade, e o lazer é uma parte significativa desse processo. Isso pode incluir cursos para adultos, workshops e palestras. Lembrete Precisamos educar a população (educação para o lazer) para que esta aproveite da melhor maneira todas as possibilidades educativas do lazer (educação pelo lazer), pois ele oferece um ambiente rico para a aprendizagem – seja ela informal, permitindo que as pessoas explorem interesses pessoais e adquiram habilidades e conhecimentos por conta própria, ou formal, por meio de programas educativos não formais e extracurriculares. Ambos os aspectos educativos do lazer são cruciais para o desenvolvimento pessoal, o enriquecimento cultural e a promoção da educação contínua ao longo da vida. A isso denominamos duplo aspecto educativo do lazer. 2.3 Patrimônio ambiental urbano O patrimônio cultural urbano refere-se a elementos culturais e históricos que fazem parte da identidade de uma cidade e que são preservados como parte de seu legado cultural. Ele pode assumir várias formas e desempenhar um papel importante no enriquecimento da vida urbana. 18 Unidade I Alguns aspectos importantes relacionados ao patrimônio cultural urbano são: • Arquitetura histórica: edifícios, casas, igrejas e estruturas antigas são parte do patrimônio cultural de uma cidade. Preservar e restaurar essas obras pode ajudar a contar a história da cidade e manter sua identidade visual única. • Centros históricos: muitas cidades têm bairros ou distritos históricos que contêm edifícios e estruturas preservadas que refletem a arquitetura e o estilo de vida de épocas passadas. • Monumentos e esculturas: estátuas, monumentos e esculturas com significado cultural ou histórico são muito encontrados em áreas urbanas, lembrando eventos, figuras importantes e valores culturais. • Museus e galerias de arte: museus urbanos abrigam coleções de arte, artefatos históricos e exposições que ajudam a educar as pessoas sobre a história e a cultura da cidade e do país. • Sítios arqueológicos: algumas cidades têm sítios arqueológicos que revelam vestígios de civilizações antigas, permitindo que as pessoas aprendam sobre a Pré-História. • Teatros e espaços culturais: teatros históricos e locais de entretenimento cultural são essenciais para a preservação das artes e da cultura. • Bibliotecas antigas: bibliotecas cujo acervo contém coleções raras e históricas desempenham um papel importante na preservação da literatura e do conhecimento. • Eventos culturais e festivais: as cidades frequentemente realizam festivais e eventos que celebram sua herança cultural, com atrações de música, dança, culinária, arte e tradições locais. • Preservação da história local: histórias orais, tradições locais e memoriais comunitários também fazem parte do patrimônio cultural de uma cidade. A preservação do patrimônio cultural urbano é fundamental para manter a identidade e a história de uma cidade viva. Isso não apenas enriquece a vida dos habitantes urbanos, mas também atrai turistas e investidores interessados em experimentar a cultura e a história local. Além disso, a preservação do patrimônio cultural urbano desempenha papel importante na construção de um senso de comunidade e no fortalecimento das raízes culturais em um ambiente em constante mudança. Desde a década de 1980 percebe-se uma crescente preocupação pela preservação e proteção pública dos bens culturais, o que resultou no aumento de bens tutelados pelo Estado. Segundo Tourinho e Rodrigues (2020, p. 1): Diante da inexistência ou insuficiência de políticas públicas promotoras da preservação de bens e práticas culturais, em períodos mais recentes vêm 19 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER se verificando, especialmente nos grandes centros urbanos, movimentos independentes de valorização de marcos, lugares e práticas, constituídos pelas próprias comunidades, organizadas em torno da preservação de suas referências culturais. Conforme as autoras, a necessidade dessa proteção se justifica pela necessidade de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir para as futuras gerações esse patrimônio histórico, cultural e natural a partir de políticas que visem o bem coletivo e proteger o patrimônio. No Brasil, essa recomendação foi atendida com a criação do Iphan Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no ano de 1973, cuja administração foi dividida entre membros indicados pelos Ministérios da Cultura, da Educação, da Indústria e do Comércio e Planejamento dando origem ao Programa de Cidades Históricas (PCH), cujo início efetivo se deu a partir de 1974. O principal objetivo era a preservação de bens tombados, e sua sustentação econômica seria por meio de atividades turísticas. Como pode-se imaginar, os recursos para este fim nem sempre são suficientes, e a preservação do patrimônio muitas vezes sofre degradação e abandono. Em muitos casos, mobilizações da população ou de coletivos organizados da sociedade civil acabam assumindo a responsabilidade pela preservação dos patrimônios. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, percebe-se o aumento da conscientização popular sobre a importância da preservação do patrimônio público e da compreensão das cidades como um grande espaço de possibilidades para a vivência do lazer. É importante reafirmar que este tipo de conscientização e de apropriação do espaço urbano como um espaço público e democrático somente será efetivado a partir de um processo educacional que valorize o espaço coletivo como uma conquista social. Saiba mais Com o objetivo de conhecer quais são os principais patrimônios culturais urbanos do Brasil e descobrir acerca de nossa riqueza histórica, acesse o site do Iphan: BRASIL. Ministério da Cultura. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. [Homepage]. c2023. Disponível em: http://tinyurl.com/3stxnsxk. Acesso em: 24 nov. 2023. 2.4 A cidade como um espaço de lazer Se existe um espaço que pode ser caracterizado como um “espaço público de lazer”, este local são as cidades. No entanto, temos a tendência a caracterizar o espaço público e, principalmente as ruas, como espaços nos quais as práticas morais, aprendidas na vida privada, não se sustentam. 20 Unidade I Segundo DaMatta (1985), a rua é sempre um lugar onde coisas ruins podem acontecer, onde pessoas desconhecidas e suspeitas transitam, e nela deve-se evitar a permanência – exceto em caso de necessidade, como nos deslocamentos para o trabalhoou outras obrigações cotidianas. Enfim, temos a percepção que a rua não é o melhor lugar para se estar, em contraponto à casa, tida como um ambiente seguro, confortável, onde podemos nos “soltar”. Ainda de acordo com o autor, a fuga da rua permite que dela se apropriem pessoas e eventos que acabam por legitimar a perspectiva descrita, e o espaço público perde toda a sua potencialidade enquanto espaço de construção coletiva. Figura 1 Disponível em: https://tinyurl.com/3px3f6ca. Acesso em: 24 nov. 2023. Os espaços nas cidades tendem a ser definidos a partir dos conceitos de centro e periferia e, assim como em relação às condições de moradia, ambos refletem a indiscutível distinção socioeconômica entre aqueles que pertencem a esses grupos. Morar no centro, ou em bairros nobres, significa ter acesso a transporte, trabalho, educação, saúde, saneamento básico e lazer de mais qualidade e em maior quantidade. Os bairros de periferia são costumeiramente considerados como “dormitórios”, ou seja, locais para onde as pessoas voltam apenas para dormir, já que grande parte de seu tempo é dedicado ao trabalho, cuja oferta ocorre majoritariamente nas regiões centrais. Nas grandes cidades, esses problemas se ampliam consideravelmente, dado que é comum gastar muito tempo com o deslocamento entre casa e trabalho. No caso do lazer, não raramente os principais espaços e equipamentos públicos estão localizados longe dos subúrbios e, quando os encontramos na periferia, eles estão degradados, abandonados, subutilizados ou não correspondem às expectativas ou necessidades da população local que, na maioria das vezes, sequer foi consultada antes da construção do equipamento. 21 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER As cidades desempenham um papel crucial na oferta de espaços de lazer para seus habitantes. Elas podem ser projetadas e adaptadas para disponibilizar uma ampla gama de opções de lazer para indivíduos de todas as idades e origens. Constam a seguir algumas formas pelas quais as cidades podem ser um espaço de lazer: • Parques e áreas verdes: parques urbanos, praças e jardins dispõem de espaços para atividades ao ar livre, como piqueniques, esportes, caminhadas e relaxamento. Eles também contribuem para a qualidade do ar e fornecem um refúgio da agitação da cidade. Figura 2 Disponível em: https://tinyurl.com/kdmkwvhp. Acesso em: 24 nov. 2023. • Ciclovias e calçadas: a oferta de caminhos para pedestres e ciclistas promove um estilo de vida saudável, incentiva a mobilidade sustentável e cria oportunidades de lazer ao ar livre. • Áreas de recreação aquática: cidades próximas a corpos d’água podem oferecer praias, cais, marinas e oportunidades para esportes aquáticos, como natação, canoagem e vela. • Eventos culturais e festivais: muitas cidades organizam eventos culturais, festivais, shows e exposições que proporcionam entretenimento e educação para a população. 22 Unidade I Figura 3 Disponível em: https://tinyurl.com/5c6xr5jk. Acesso em: 24 nov. 2023. • Passeios a pé e tours: muitas cidades oferecem passeios a pé, tours históricos e visitas guiadas que permitem que os moradores e turistas explorem a história e a cultura locais. • Centros culturais e teatros: a presença de teatros, museus, galerias de arte e centros culturais criam oportunidades de lazer intelectual e cultural. • Praças e espaços públicos de encontro: praças e áreas de encontro público são locais onde as pessoas podem se reunir, socializar, praticar esportes e participar de eventos comunitários. • Bibliotecas públicas: bibliotecas não apenas oferecem acesso a uma ampla gama de recursos, mas também promovem leitura e pesquisa como atividades de lazer. • Restaurantes e cafés ao ar livre: uma ampla variedade de opções de restaurantes, cafés e bares com espaços ao ar livre convida as pessoas a socializar e desfrutar de refeições ao ar livre. • Comércio de rua e feiras: ruas comerciais movimentadas e feiras de rua podem ser lugares onde as pessoas fazem compras, degustam alimentos e bebidas e desfrutam de atividades culturais. • Instalações esportivas: campos esportivos, quadras e ginásios públicos possibilitam a prática de esportes e atividades físicas. • Espaços para animais de estimação: áreas para animais de estimação, como parques de cães, criam oportunidades para proprietários de animais interagirem e seus pets brincarem. 23 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Figura 4 Disponível em: https://tinyurl.com/yhzzcd5s. Acesso em: 24 nov. 2023. As cidades que priorizam o lazer como parte fundamental de sua infraestrutura urbana geralmente têm cidadãos mais satisfeitos e saudáveis. Além disso, a promoção de espaços de lazer acessíveis e inclusivos contribui para a coesão social e o bem-estar da comunidade. É muito importante resgatar a rua como um espaço privilegiado de lazer: praças, parques, ruas (que se transformam em espaços transitórios ou em equipamentos temporários), são locais importantes de vivências coletivas que permitem que pessoas das mais diferentes faixas etárias, de maneira individual ou coletiva (família, amigos etc.), possam experimentar diferentes possibilidades de lazer a partir dos mais diferentes interesses culturais. Para tanto, as atividades devem contemplar diversas propostas: atividades físicas, artísticas, manuais, sociais etc., visando atender a variadas demandas e levando em consideração as variadas faixas etárias. Exemplo de aplicação Pesquise locais e atividades oferecidas pelo poder público de sua cidade que permitem a vivência de lazer e de ocupação dos espaços públicos de maneira democrática, como praças, ruas, parques, quadras, teatros, escolas, entre outros. Procure visitar algum desses projetos e avalie seus pontos positivos e negativos, e pense sobre quais sugestões poderiam ser enviadas aos responsáveis a fim de melhorar a qualidade de manutenção e desenvolvimento destes. 24 Unidade I 3 CONSIDERAÇÕES SOBRE O LAZER E AS FASES DA VIDA Assim como tudo o que se refere aos interesses e expectativas dos seres humanos depende da idade e da maturidade (características físico-motoras, cognitivas, emocionais e psicossociais), as atividades de lazer também tendem a se modificar nos diferentes períodos da vida. Essas características e tendências devem ser observadas pelos profissionais e responsáveis pelos projetos e propostas para oferecer atividades adequadas aos diferentes indivíduos. A recreação e o lazer desempenham papéis importantes em todas as fases da vida, proporcionando oportunidades para relaxar, se divertir, aprender e socializar. Independentemente da fase da vida, a recreação e o lazer têm um papel importante na promoção do bem-estar físico e mental, no fortalecimento de relacionamentos e na promoção da felicidade e qualidade de vida. É importante adaptar as atividades de lazer às preferências e capacidades individuais em cada fase da vida. Deve-se ressaltar ainda que pode haver diferenças e singularidades nestas práticas e, para tanto, precisa-se considerar a individualidade dos sujeitos. Por exemplo, não é porque a pessoa completou 60 anos que tem que praticar atividades mais leves ou tranquilas – tudo depende de seu histórico e de suas condições físicas; assim como também não é toda a criança ou jovem que estará apto a realizar atividades físicas intensas se, no seu cotidiano, não há esse costume. Enfim, atividades de lazer devem, prioritariamente, oferecer a possibilidade de vivências lúdicas, permitindo ao participante divertir-se e encontrar satisfação na prática escolhida. Por isso, é função do profissional ser capaz de preparar um ambiente adequado e devidamente seguro para que esse ideal de prática se concretize. Seguem algumas considerações sobre as características e necessidades de cada uma dessas fases: • Lazer na infância: o lazer na infância é uma oportunidade para as crianças explorarem seus interesses, desenvolverem habilidades, fortalecerem sua imaginação e criar memórias preciosas. Além disso, ele promoveum estilo de vida saudável e ativo, que é fundamental para o crescimento e o desenvolvimento infantil. É importante que os pais e cuidadores incentivem o lazer equilibrado, fornecendo oportunidades para explorar, aprender e se divertir. • Lazer na juventude: o lazer desempenha um papel importante na vida dos jovens, oferecendo oportunidades de relaxamento, desenvolvimento de habilidades, socialização e autoexpressão. Durante essa fase, os interesses e atividades de lazer muitas vezes se tornam mais diversos e complexos. Sobre a adolescência em específico, é fundamental que os pais e cuidadores apoiem e incentivem as atividades de lazer, ajudando a criar um ambiente seguro e saudável para a exploração de interesses próprios. O lazer na adolescência desempenha um papel crucial no desenvolvimento 25 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER pessoal, na construção da identidade, nas amizades e na aquisição de habilidades que serão valiosas ao longo da vida. • Lazer na fase adulta: o lazer na vida adulta desempenha um papel crucial na redução do estresse, no desenvolvimento de relacionamentos, na expansão do conhecimento e na promoção da saúde física e mental. É importante dedicar tempo para o lazer e encontrar atividades satisfatórias e que proporcionem enriquecimento pessoal. Isso não apenas melhora a qualidade de vida, mas também contribui para a resiliência e o bem-estar ao longo da vida adulta. • Lazer e a pessoa idosa: o lazer na vida das pessoas idosas é fundamental para a promoção do envelhecimento ativo, que se concentra na manutenção da saúde e do bem-estar, na participação ativa na comunidade e na busca da realização pessoal. Oferecer oportunidades para o lazer é importante para garantir que as pessoas idosas desfrutem de uma qualidade de vida satisfatória e permaneçam engajadas em práticas que deem alegria e satisfação. Além disso, o lazer na terceira idade contribui para o combate ao isolamento e à solidão, promovendo uma vida ativa e social. • Lazer e as pessoas com deficiências: o lazer é parte importante da vida de todas as pessoas, independentemente de suas capacidades. Promover a inclusão de pessoas com deficiência no lazer é uma expressão de respeito pelos direitos humanos e da valorização da diversidade. As sociedades inclusivas oferecem oportunidades para que todos desfrutem de uma ampla gama de atividades de lazer e alcancem melhor qualidade de vida. Exemplo de aplicação Faça uma proposta de atividade que envolva todas as faixas etárias mencionadas anteriormente, e que também inclua pessoas com deficiência. De que maneira você proporia um sábado no parque, em que crianças, adolescentes, jovens, adultos e pessoas idosas pudessem participar de atividades recreativas? Que atividades você desenvolveria? 4 O LAZER E A EDUCAÇÃO FÍSICA 4.1 Relações entre o lazer e a educação física A área de educação física se relaciona com o lazer por meio de duas possibilidades: a primeira a partir de seus interesses culturais, como jogos, esportes e recreação, que são algumas das atividades preferidas quando se trata de aproveitar os períodos de lazer. O segundo é na atuação profissional, como animador sociocultural. Este segundo tema trataremos posteriormente. O lazer, conforme já abordado, é um dos fatores que constituem os direitos sociais do cidadão brasileiro, segundo o previsto no artigo 6º do Capítulo II da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988). Além disso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) fundamenta esse entendimento quando inclui o lazer como um dos fatores essenciais na avaliação da qualidade de vida das pessoas. 26 Unidade I Segundo a OMS (2013), qualidade de vida é a percepção do indivíduo de sua inserção na vida, no contexto de cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Esta definição envolve, além da influência da saúde física e psicológica, o nível de independência, as relações sociais e as crenças pessoais. Na maioria das vezes, trata-se de uma avaliação subjetiva, ou seja, da satisfação do indivíduo no que diz respeito à sua vida cotidiana. É importante não confundir qualidade de vida com padrão de vida: o primeiro refere-se a uma percepção/sensação subjetiva, enquanto o segundo calcula a qualidade e quantidade de bens e serviços disponíveis. Observação Quando falamos em qualidade de vida, estamos nos referindo às sensações/percepções sobre fatores como a autoestima e o bem-estar pessoal, o que compreende vários aspectos: a capacidade funcional, o nível socioeconômico, o estado emocional, a interação social, a atividade intelectual, o autocuidado, o suporte familiar, o estado de saúde, os valores culturais, éticos e religiosos, o estilo de vida, a satisfação com o emprego e/ou com atividades diárias e com o ambiente em que se vive. O padrão de vida, por sua vez, pode garantir qualidade de vida, mas não necessariamente: não é raro que a busca pela manutenção deste padrão acabe por sacrificar vários dos fatores envolvidos na qualidade de vida (alimentação, sono, atividades físicas, lazer). 4.2 A atuação do profissional de educação física no lazer Os profissionais de educação física desempenham um papel fundamental ao promover atividades de lazer saudáveis e na melhoria da qualidade de vida das pessoas. Existem diversas possibilidades de atuação desses profissionais no campo do lazer, tais como: • Instrutor de atividades físicas: os profissionais de educação física podem liderar grupos de exercícios em academias, clubes, parques e outros locais de recreação. Eles ajudam as pessoas a se manterem ativas e saudáveis, orientando sobre exercícios adequados e desenvolvendo programas de treinamento personalizados. • Treinador esportivo: muitos esportes e atividades físicas fazem parte das opções de lazer das pessoas. Os profissionais de educação física podem atuar como treinadores esportivos, ajudando indivíduos ou equipes a melhorar habilidades e desempenho em esportes e jogos recreativos. 27 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER • Organização de eventos esportivos e recreativos: profissionais de educação física podem desempenhar um papel importante na organização de competições esportivas, torneios e eventos recreativos em suas comunidades. Isso envolve planejamento, logística, arbitragem e gestão de competições. • Lazer adaptado: alguns profissionais de educação física se especializam em lazer adaptado, trabalhando com pessoas com deficiência para garantir que elas tenham acesso a atividades de lazer apropriadas e seguras. • Recreação em espaços públicos: profissionais de educação física podem atuar na gestão e animação de espaços públicos de lazer, como parques, praças e centros recreativos, planejando e coordenando atividades para a comunidade local. • Educação e promoção de saúde: eles podem desempenhar um papel essencial na educação e promoção de hábitos de vida saudáveis, ensinando a importância do lazer ativo e de atividades físicas regulares. • Consultoria em lazer: alguns profissionais de educação física disponibilizam consultoria a organizações e empresas que desejam promover o bem-estar de seus funcionários ou oferecer atividades de lazer a seus clientes. • Gestão de programas de lazer: profissionais de educação física podem gerenciar programas de lazer, como clubes esportivos, academias, centros de recreação e resorts, assegurando que esses locais ofereçam atividades de qualidade e seguras. • Pesquisa em lazer: alguns profissionais se dedicam à pesquisa acadêmica em lazer, contribuindo para a compreensão dos benefícios do lazer e desenvolvendo novas abordagens e estratégias para melhorar a experiência de lazer das pessoas. Essas são apenas algumas das possibilidades de atuação dos profissionais de educação física no campo do lazer. A área é diversificada e oferece oportunidades para atender às necessidades de pessoas de todas as idades e capacidades, contribuindo para uma sociedade mais ativa, saudávele bem equilibrada. Saiba mais Com o objetivo de melhor compreender como funciona o mercado de atuação do profissional em educação física, acesse: EDUCAÇÃO física: saiba tudo sobre o curso e o mercado. Guia da Carreira, [s. l.], 7 jan. 2023. Disponível em: https://tinyurl.com/yv534ddw. Acesso em: 24 nov. 2023. 28 Unidade I 4.2.1 O animador sociocultural O animador sociocultural é um profissional especializado para trabalhar com o lazer, porém, diferentemente do que a palavra “especialização” costuma caracterizar, essa atividade exige uma formação generalista ou que desenvolva competências diversificadas, que envolvam temas como cultura, educação, esportes, artes, política, sociologia, e outros. Marcellino (1995) sugere que se formem equipes pluri, multi ou interdisciplinares, a fim de ampliar as possibilidades das propostas, uma vez que diferentes profissionais proporcionariam uma abordagem mais ampla e diversificada sobre os temas. Ainda segundo o autor (1995, p. 20-21): A compreensão mais ampla das questões relativas ao lazer e de seu significado para o homem contemporâneo, pelas suas próprias características abrangentes, não pode ficar na dependência exclusiva de uma disciplina, exigindo a contribuição de várias ciências humanas, de filosofia e de profissionais ligados direta ou indiretamente, como arquitetos, professores de educação física, terapeutas ocupacionais, trabalhadores sociais, arte educadores. A “especificidade concreta” do lazer, exige um novo especialista, não um “especialista tradicional” – superficial e unidimensional – mas o que domine a sua especialidade dentro de uma visão de totalidade. E para contemplar essa visão são exigidos, pelo menos, dois requisitos: uma sólida cultura geral – que permita perceber os pontos de intersecção entre a problemática do lazer e as demais dimensões da ação humana e a contribuição de outras áreas de ação/investigação – e o exercício constante da reflexão. Portanto, não devemos imaginar que os únicos profissionais a trabalharem na área serão educadores físicos formados, uma vez que atividades e projetos de lazer incluem muito mais do que atividades físico-esportivas. O mais comum é a participação de diferentes pessoas nos projetos de lazer, principalmente no que se refere às políticas públicas. Então, quais são as competências que um profissional de educação física que pretenda trabalhar nessa área deve desenvolver? Veremos a seguir. 4.2.2 Competências a serem desenvolvidas pelo animador sociocultural Constam a seguir as competências a serem desenvolvidas de acordo com Marcellino (1995): Formação e informação O profissional do lazer não necessariamente precisa ter formação superior, apesar de desejável. Um curso superior qualifica um profissional para atuar no lazer, pois contribui para sua capacitação técnica e seu desempenho. Cursos como Turismo, Educação Física, Educação Artística, Sociologia e Pedagogia são sempre valorizados. 29 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER O profissional deve ser muito bem-informado e estar à par do que está acontecendo no seu tempo (na sua cidade, estado, país e no mundo) e em seu campo profissional. Nesta área de atuação, assim como em várias outras atualmente, a formação constante é um requisito fundamental. Comportamento e atitude O profissional do lazer deve ser alguém que goste de trabalhar com pessoas, que compreenda os limites entre as relações pessoais e profissionais e que tenha facilidade em relacionar-se bem com todos os indivíduos indistintamente. Deve ser alguém capaz de lidar com imprevistos e mediar conflitos, sendo acima de tudo um agregador, além de exigir do profissional estar atualizado social e culturalmente, sempre em dia com os acontecimentos e fatos da comunidade. Criatividade e cooperação A criatividade e a cooperação são dois conceitos interligados e essenciais em muitos aspectos da vida humana, desde a resolução de problemas até o desenvolvimento de projetos inovadores. Exibiremos cada um desses conceitos e como eles se relacionam: • A criatividade é a capacidade de pensar de maneira original, inventar novas ideias, abordagens e soluções para problemas. Ela envolve a habilidade de pensar de modo inovador, fazer conexões entre conceitos aparentemente desconexos e produzir algo novo e significativo. A criatividade não se limita ao domínio das artes, mas é uma qualidade que pode ser aplicada em diversas áreas da vida, incluindo negócios, ciência, tecnologia, educação e muito mais. • A cooperação é uma ação de trabalho com outras pessoas ou grupos para alcançar objetivos comuns ou resolver problemas. Envolve a colaboração, a comunicação eficaz e o compartilhamento de recursos, conhecimentos e esforços entre indivíduos ou entidades com interesses semelhantes. Trata-se de uma característica fundamental da interação social e desempenha um papel crucial em diversos contextos. Portanto, criar e cooperar são elementos essenciais em um projeto coletivo e multidisciplinar, que é o que caracteriza o trabalho de animadores culturais. Comunicação e linguagem A comunicação e a linguagem são responsáveis pela transmissão e captação de informações, e tão importante quanto saber falar bem é saber ouvir bem. A comunicação permite que as pessoas compartilhem dados, conhecimentos e experiências. Isso é crucial para a disseminação de informações importantes, educação e aprendizado. 30 Unidade I Observação Competências são conjuntos de habilidades a serem desenvolvidas pelo profissional a fim de exercer de maneira significativa e eficiente o seu papel social. Elas não são imutáveis, e sempre sofrerão as interferências de seus contextos históricos. Por exemplo: o desenvolvimento tecnológico exigiu o avanço de competências que não existiam nas décadas anteriores. Da mesma forma que algumas competências deixam de ser essenciais à medida que a sociedade, o comportamento ou a realidade vivida se transformam, pense em quantas coisas que já existiram e, aos poucos, foram perdendo importância e cedendo lugar a outras. Portanto, é sempre necessário estarmos atentos às tendências e a formação permanente do profissional é muito importante para acompanhar essas mudanças. 31 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Resumo Iniciamos esta unidade buscando a compreensão do universo do lazer, sua relação com o trabalho, o lúdico, a diversão e a cultura humana. É importante percebermos que, inicialmente, o lazer, não estava relacionado ao tempo disponível nem separado das obrigações cotidianas; na verdade, ele era parte das vivências, misturava-se com as demais atividades do dia a dia e, muitas vezes, era baseado nessa relação. Vamos nos lembrar das festas e dos festivais que ocorriam em períodos Pré-Revolução Industrial: essas atividades faziam parte da vida das pessoas e, na maioria das vezes, eram dedicadas aos elementos pertencentes à cultura daquele povo como, por exemplo, uma colheita farta (festa do trigo, das flores e do milho) ou um jogo que incluía objetos com os quais elas trabalhavam (as ferramentas, as armas e os utensílios dos afazeres domésticos). Com o advento da Revolução Industrial, o tempo de trabalho já não era mais compartilhado com as atividades lúdicas, já que havia a necessidade de um deslocamento para as fábricas e até mesmo uma mudança para as cidades; dessa forma, surge um tempo de trabalho e um tempo de não trabalho. Este tempo de não trabalho ainda precisa ser dedicado a outras obrigações: domésticas, sociais, religiosas, entre outras. O tempo disponível após todas essas obrigações serem cumpridas é o que chamamos de lazer. Em seguida, foram abordados conceitos de lazer que apresentam diferentes considerações sobre o entendimento de alguns autores e a importância de compreender e situar historicamente estes conceitos, uma vez que as transformações culturais e sociais interferem significativamente nas vivências do tempo disponível (lazer). Os interesses culturais dos praticantes de lazer são apresentadoscomo uma forma de compreender a motivação que os leva a participar das atividades. Tais interesses podem ser físicos, culturais, sociais, artísticos, manuais, intelectuais, turísticos e, mais recentemente, o interesse virtual foi acrescentado, dada a mudança de comportamento influenciada pelo desenvolvimento tecnológico e surgimento da internet. Também vimos algumas barreiras e preconceitos que podem impedir ou dificultar a vivência do lazer de maneira plena, inclusiva e prazerosa. As barreiras podem ser financeiras, físicas, étnicas e culturais, ou ainda de gênero e idade, falta de tempo, falta de conhecimento e de informação, e fatores psicológicos, como a baixa autoestima, ansiedade ou depressão. É importante compreendermos que, para uma vivência plena do lazer, tanto os cidadãos quanto o poder público precisam adotar medidas 32 Unidade I de superação. Essas medidas devem incluir políticas de acessibilidade, educação, conscientização sobre diversidade cultural e de gênero, e ainda formas de divulgação e de acesso à informação para a população em geral mais democráticas e acessíveis. O lazer, além de ser um dos itens fundamentais na avaliação da qualidade de vida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), é garantido constitucionalmente como um dos direitos fundamentais do cidadão brasileiro, como consta em sua Constituição Federal, art. 6º (Brasil, 1988). Embora reconhecido constitucionalmente, percebe-se que, na prática, esse direito não se consolida efetivamente, sendo necessário que tanto o poder público quanto a população se conscientizem da importância dele e busquem formas de garantir o acesso e a participação de todos, tanto na vivência quanto na elaboração de propostas. A melhoria das condições e ofertas de lazer para a população passa por um duplo aspecto educativo que, segundo Marcellino (1990), permite que as pessoas utilizem do caráter educativo do lazer como um veículo da educação (educação pelo lazer) e, em uma segunda possibilidade educativa, que sejam construídas formas de educar essa mesma população para a vivência positiva do seu tempo de lazer (a educação para o lazer). A educação para o lazer deve ser promovida pelo poder público através das escolas, comunidades e demais instituições que tenham caráter educativo (formal ou informal) e a educação pelo lazer acontecerá a partir da participação da população no momento de apresentação das propostas e das demandas de suas comunidades. Dessa forma, podemos esperar a melhoria na qualidade e quantidade de ofertas de lazer que realmente correspondam às expectativas coletivas. A cidade é considerada um dos principais locais onde o lazer acontece; sendo possível afirmar que ela se caracteriza como um espaço público de lazer. Por esse motivo, o patrimônio ambiental urbano – os monumentos históricos, os museus, as praças, teatros, espaços culturais, bibliotecas, a arquitetura das construções históricas, entre tantos outros – deve ser preservado, mantido e disponibilizado para as pessoas como forma de fortalecimento das raízes culturais e de construção de um senso de comunidade. Apesar de todas as dificuldades enfrentadas, percebe-se a ampliação, por parte da população, da conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio público e da compreensão das cidades como um grande espaço de possibilidades para desfrutar de lazer. É importante reafirmar que este tipo de conscientização e de apropriação do espaço urbano como um espaço público e democrático somente será efetivado a partir de um processo educacional que valorize o espaço coletivo como uma conquista social. 33 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Na sequência, falamos sobre a importância e as características do lazer nas diferentes fases e condições da vida: infância, juventude, vida adulta, para pessoas idosas e portadores de deficiências. O lazer é influenciado pela idade e maturidade, adaptando-se às características físicas, cognitivas, emocionais e psicossociais. Foram apresentadas as principais características e expectativas em relação às atividades de lazer em cada uma dessas fases. É importante salientarmos que, independentemente da fase, o lazer promove bem-estar físico e mental, fortalece relacionamentos e contribui para a felicidade. Individualidades devem ser consideradas; por exemplo, não há restrições absolutas devido à idade. O lazer na infância incentiva a exploração; na juventude, é crucial para o desenvolvimento pessoal; na fase adulta, reduz o estresse e na terceira idade promove o envelhecimento ativo. A participação de pessoas com deficiência no lazer é essencial para sociedades inclusivas e para uma melhor qualidade de vida. A área de educação física relaciona-se com o lazer por meio de duas possibilidades: a primeira ocorre a partir dos interesses culturais (por exemplo jogos, esportes e recreação, que são algumas das atividades preferidas), quando se trata de aproveitar os períodos de lazer e a segunda se dá na atuação profissional, na forma de animador sociocultural. As possibilidades de atuação de um profissional da educação física incluem: instrução de atividades físicas, organização de eventos, recreação em espaços públicos e privados, consultoria de lazer, gestão de programas de lazer e pesquisa em lazer. Essas são apenas algumas possibilidades, uma vez que o campo do lazer é bastante diversificado e se aproveita de inúmeras oportunidades para atender a expectativas de pessoas de todas as idades e necessidades, contribuindo, assim, para a construção de uma sociedade mais ativa e saudável. O animador sociocultural é um profissional especializado no trabalho com o lazer. Em relação a esse profissional, foram apresentadas diversas habilidades a serem desenvolvidas, uma vez que não se espera que ele seja formado com conhecimentos em apenas uma área. Espera-se que ele, diferentemente do que a palavra “especialização” costuma significar, domine uma ampla gama de conhecimentos que o possibilite transitar em diferentes áreas do saber. Segundo Marcellino (2000), é esperado que esse profissional integre equipes pluri e multidisciplinares a fim de ampliar as propostas de lazer que abarquem diversos temas que a ele se relacionam. Foram citadas também algumas competências a serem desenvolvidas por este profissional, como, por exemplo, em relação a sua formação e informação, ao seu comportamento e sua atitude, a sua capacidade de utilizar a intuição e a imaginação, bem como a criatividade e cooperação em 34 Unidade I grupo, além do desenvolvimento em comunicação e linguagem, já que esses últimos são fundamentais ao compartilhar informações, conhecimentos e experiências, contribuindo significativamente na transmissão e captação de informações. Por fim, tratamos dos aspectos fundamentais que envolvem o lazer, seu desenvolvimento, suas características e os conceitos e as possibilidades envolvidos. Além disso, refletimos sobre a importância de um profissional qualificado para atuar na área do lazer. 35 POLÍTICAS PÚBLICAS DE LAZER Exercícios Questão 1. Vimos, no livro-texto, que alguns conceitos sobre o que é lazer foram dados por Joffre Dumazedier, Nelson Carvalho Marcellino e Christianne Luce Gomes. A respeito das concepções dos pensadores citados sobre o lazer, avalie as afirmativas. I – O conceito de Joffre Dumazedier sobre lazer reflete principalmente o caráter desinteressado das práticas. Isso não significa que o praticante não tenha interesse, mas sim que a sua escolha pela atividade não tem vínculos com o trabalho nem é uma exigência dele. II – Nelson Carvalho Marcellino, além de reafirmar o caráter descompromissado do lazer apresentado por Dumazedier, evidencia a gama de possibilidades de compreensão e de vivência do lazer, com base na ampliação do entendimento dos sentidos da cultura. III – Para Christianne Luce Gomes, o lazer é uma dimensão da cultura, sendo que sua conceituação chama a atenção para a necessidade de considerarmos