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Atualizado em 26set-22 Análise Criminal - CBFPM MP 3–1 
MANUAL DO 
PARTICIPANTE 
ABORDAGEM SOCIOPSICOLÓGICA DA VIOLÊNCIA – CBFPM 2022/2023 
17 
UD II - Estudos contemporâneos 
 
 
 
 
 
 
Notas 
Objetivos 
Ao finalizar esta unidade o participante espera-se que o 
participante tenha alcançado os seguintes objetivos: 
1. Refletir sobre a complexidade dos fenômenos criminais, 
entendendo o conceito de crime sob o aspecto formal; 
 
2. Analisar e entender os diferentes conceitos sobre 
violência. 
 
3. Fortalecer atitudes para refletir sobre os fatores e 
situações inerentes à violência e à criminalidade, de acordo 
com as informações recebidas. 

 
 
CBFPM 2022/2023 – Estudos contemporâneos NOTAS DE AULA 
Atualizado em 26set-22 Análise Criminal - CBFPM MP 3–2 
1. Introdução 
Atualmente, as teorias científicas sobre a violência e a criminalidade 
são utilizadas para a compreensão e investigação do fenômeno criminoso, 
indagando porque determinadas pessoas são tratadas como criminosas; 
vislumbrando o predomínio dos elementos sociais e situacionais sobre a 
personalidade e orientando na formulação de políticas públicas. 
Sendo assim, torna-se indispensável conhecer os modelos teóricos que 
abordam os eventos de crimes nos seus três níveis de análise: individual, micro 
e macroestrutural. O nível individual enfoca o princípio da escolha racional em 
que ele pondera sobre custos e benefícios de ações criminosas. O nível 
microestrutural enfoca os processos de socialização, aprendizado e de 
introjeção de autocontrole produzidos pelos grupos de referência. O nível 
macroestrutural enfatiza os conflitos econômicos, os conflitos morais e 
culturais, a pressão pela aquisição de bens e a desigualdade de oportunidades. 
Espera-se que com este módulo, o policial militar tenha condições de 
compreender de forma mais ampla o fenômeno da violência e do crime a partir 
de uma prévia visão do homem e da sociedade; desenvolva habilidades de 
discutir as variáveis e pressupostos dos diferentes modelos teóricos que 
abordam a violência e os eventos do crime, bem como as formas de 
intervenção nas ações de segurança pública; e, ainda, refletir sobre os fatores e 
situações inerentes à violência e à criminalidade, de acordo com o espaço 
público de sua atuação. 
 
 
2. Abordagem sobre o crime 
O crime é um dos conceitos mais intrincados e discutíveis, haja vista 
que depende da época e do lugar para que seja considerado como tal. De regra, 
nos meios policiais, prevalece o conceito de crime em seu sentido formal, em 
que o mesmo é visto como um ato ou omissão que viola uma lei penal 
incriminadora. Por esta perspectiva, o crime é um comportamento que foi 
tipificado por um código, um código penal, um produto de convenções 
localizadas no tempo e no espaço. 
Entender o que leva as pessoas a cometer crimes é uma tarefa árdua. 
Afinal, não há consenso sobre uma verdade universal, mesmo que esta se refira 
a uma determinada cultura, em um dado momento histórico. Como explicar 
que em uma comunidade onde haja dois irmãos gêmeos, um deles enverede 
pela via do narcotráfico, ao passo que o outro prefira seguir o caminho da 
 
 
CBFPM 2022/2023 – Estudos contemporâneos NOTAS DE AULA 
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legalidade? 
Os criminólogos que, principalmente a partir do início do século XX, 
estudaram o assunto identificaram uma série de fatores criminogênicos que, 
combinados em proporções e situações específicas, poderiam explicar a 
causação do crime. Desse modo, o que há na literatura são inúmeros modelos 
que focalizam alguns fatores em particular. Portanto, melhor do que perceber 
cada um dos modelos como uma panaceia que explique situações tão díspares, 
ou mesmo como modelos que deem conta da generalidade do mundo criminal, 
menos ingênuo seria interpretá-los como matizes que podem ajudar a compor 
um quadro. 
Do ponto de vista da intervenção pública para a manutenção da paz social, não 
importa conhecer a verdade. Importa, antes de mais nada, reconhecer se em 
uma determinada região há alguma regularidade estatística entre aqueles 
fatores criminogênicos, concretos (presença de armas, drogas etc.), ou 
imaginários (supervisão familiar, reconhecimento etc.), e, além disso, saber se 
o Estado possui instrumentos para intervir nessa regularidade, direta ou 
indiretamente, com a participação da própria sociedade. As teorias de causação 
do crime, ao lançarem luz sobre determinadas variáveis e sua epidemiologia, 
permitem que o planejador do Estado escolha dentre inúmeras variáveis 
aquelas que supostamente devem ser as mais importantes. Os modelos 
empíricos, ao detalharem a metodologia de aferição, possibilitam a 
centralização das atenções e dos escassos recursos públicos em algumas 
poucas variáveis, que podem não explicar uma verdade universal, mas 
interferem decisivamente (com maior probabilidade) na dinâmica criminal 
daquela região onde se quer intervir. Desse modo, o planejador público que 
acreditar piamente em um único modelo de causação criminal (seja qual for) 
para tomar suas decisões e orientar suas ações e recursos estará fadado a 
utilizar um "leito de Procusto", algumas vezes com êxito, outras não, a 
depender do "cliente" ou da situação em particular. Daí a necessidade da 
multidisciplinaridade: um meio de aumentar o conjunto de instrumentos de 
análise e de intervenção pública para um objeto extremamente complexo. 
É evidente a complexidade do fenômeno e a dificuldade em creditar a umas 
poucas variáveis os determinantes da criminalidade, que tem raízes na primeira 
infância até a pré-adolescência, passando pela supervisão e elos com a família, 
com os amigos e com a escola, e terminando com outras virtuais fontes de 
tensão social inerentes a um espectro mais amplo que envolve as instituições e 
a forma de organização macroestrutural. Por outro lado, desse ambiente micro 
e macroestrutural decorrem os resultados acerca da distribuição do produto da 
economia, aferido objetivamente a partir de variáveis, como renda per capita, 
graus de desigualdade da renda, probabilidade de se estar empregado e acesso 
às oportunidades e serviços que possibilitem a obtenção de moradia, saúde (e 
alimentação) e cultura pelos indivíduos, condições necessárias para a inclusão 
social. 
 
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Em uma outra mão, existem as variáveis dissuasórias que levariam o 
indivíduo a se abster de cometer crimes. Dentre essas há, em primeiro lugar, o 
controle interno individual (controle social), traduzido aqui pela percepção e 
sentimento de concordância do indivíduo para com o conjunto vigente de 
normas e valores sociais, que faz estreitar os elos desse para com a sociedade. 
Por fim, há o controle externo, imposto pelas instituições pertencentes ao fluxo 
de justiça criminal, que se inicia pela polícia, passando pela justiça e 
terminando nos sistemas punitivos, que indicariam as probabilidades de 
aprisionamento e a magnitude das punições. 
A depender da cultura, da região e do momento histórico vivido, algumas 
dessas variáveis podem incidir de forma mais decisiva para explicar 
determinada dinâmica criminal. Muitas vezes elas interagem em vários níveis, 
conforme apontado no modelo ecológico, fazendo com que as próprias 
dinâmicas criminais funcionem como motivadoras de outras. 
 
3. Abordagem sobre a violência 
 
O comportamento classificado como violento, da mesma forma as ações 
denominadas violentas, tem feito parte ao longo da história da humanidade. 
Violência não se refere a um evento homogêneo, porquanto assume diversas 
formas e práticas sociais: política, física, psicológica, moral, cultural, 
econômica, sexual, ecológica, educacional etc. De acordo com a época e o lugar, 
há diferentes teorias e explicaçõessobre os atos reputados como violentos. 
 
Inicialmente, pode-se destacar que a violência pode ocorrer de forma 
explícita ou implícita. Explícita é aquela relacionada com assaltos, homicídios, 
estupros, sequestros, lesões corporais. Este tipo de violência está diretamente 
relacionado com o dia a dia da atividade polícia militar. Além do mais, existe 
também a denominada violência implícita que diz respeito à fome, 
analfabetismo, baixo salário, desemprego, impunidade, corrupção, preconceito, 
falta de saneamento básico, mortalidade infantil, etc. 
 
Nesse sentido, a Brigada Militar, como dito, atua na maioria das vezes na 
violência explícita, porém, segundo Hoffmann (2012): 
 
[....] os atos de violência implícita, na maioria das vezes praticados 
pelas classes que detêm o poder, não são facilmente percebidos como 
violência e requerem um exercício de reflexão para que seja detectado 
o seu grau de nocividade ao meio social. 
 
 
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A filósofa brasileira Chauí (1999) conceitua violência da seguinte 
maneira: 
 
[...] violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso físico e/ou 
psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e 
sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. 
A violência se opõe à ética porque trata seres racionais e sensíveis, 
dotados de linguagem e de liberdade, como se fossem coisas, isto é, 
irracionais, insensíveis, mudos e inertes ou passivos. 
 
Vista da perspectiva da saúde pública, a violência é definida pela 
Organização Mundial da Saúde, como “o uso deliberado da força física ou do 
poder”, seja em grau de ameaça ou efetivo, contra si mesmo, outra pessoa ou um 
grupo ou comunidade, que cause ou tenha muitas probabilidades de causar 
lesões, morte, danos psicológicos, transtornos de desenvolvimento ou privações. 
 
Conforme o Dicionário de Ciências Sociais, de Alain Birou: 
 
De modo geral, diz-se que há violência na sociedade e no exercício 
da vida social sempre que uma pessoa ou grupo, constituindo uma 
força, emprega meios de coação para obrigar materialmente os 
outros a adotarem atitudes contra a vontade ou a realizarem atos que 
não realizariam se a isso não fossem coagidos. Constitui um atentado 
direto e consciente à liberdade, com emprego da força ou da ameaça. 
Nem toda a coação é violenta, mas toda a forma de violência implica 
em coação. 
 
Segundo Costa (1987, p. 238) estudos de Sociologia da Violência 
demonstram que: 
 
Não existe na sociedade humana uma violência instintiva como entre 
os animais. Também não existe uma noção absoluta de violência. 
Existem violências sob formas diversas, em diferentes 
circunstâncias. Há a violência institucionalizada oficial, praticada 
pela policia, pelo Estado; a violência internacional entre dois 
mundos em conflito; a violência não oficial, mas também 
organizada, entre bandos armados que se defrontam pelo domínio de 
atividades ilegais (drogas, jogos etc.), ou pelo domínio de terras 
como os bandos de jagunços dos proprietários rurais; a violência 
como explosão de movimentos de massa, como os linchamentos; a 
violência resultante do preconceito contra mulheres, negros, 
homossexuais, sob a forma individual ou organizada, a exemplo da 
Ku Kux Klan, organização direitista e racista norte-americana. 
 
Ao falarmos em estudos contemporâneos, título proposto pela presente 
unidade didática, não se pode esquecer da relação entre violência e mídia. 
Nos dias atuais, a mídia oficial e não oficial, está cada vez mais presente 
nas diversas dimensões da sociedade e em todos os seus estratos. Padrões de 
comportamento, valores, condutas certas ou erradas, são criadas, principalmente, 
via televisão, redes sociais, graças à facilidade de acesso e a seus recursos de 
áudio e vídeo. 
 
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Segundo nos ensina Hoffmann (2012), no que se refere à Segurança 
Pública, as relações com a mídia podem ser especialmente verificadas: I - na 
construção do que a sociedade considera ou não como violência e crime; II - na 
sensação de segurança e de insegurança; III - nas situações de investigação em 
que pode atuar como parceira ou obstáculo; e IV - na divulgação ou omissão de 
notícias de interesse da coletividade, além da participação em possíveis 
encaminhamentos para a busca de soluções. 
Em grande proporção, a mídia constrói a realidade que conhecemos. Para 
um evento “existir” ou não, ele necessita de divulgação pela grande imprensa. 
Desse modo, torna-se público o que é alvo de seus enfoques. 
Em contrapartida, mantém-se “privado” o que não passa pelos veículos 
de comunicação. Se algo não é divulgado, é como se não existisse, 
sociologicamente falando. 
De acordo com Rondelli (1998), citado por Hoffmann (20212), se a 
violência é também linguagem ou forma de comunicar alguma coisa, a mídia age 
como amplificadora da linguagem primeira da violência. Frequentemente, os 
meios de comunicação criam e/ou alteram a imagem que o leitor tem dos fatos, 
uma vez que a cobertura não chega a representá-los fielmente e sim os aspectos 
que pretendem divulgar. 
Os eventos considerados violentos extrapolam a sua condição de 
fenômenos sociais e psicológicos: são transformados em matéria-prima, como 
produtos comerciais, para assegurar audiência e anunciantes. Diga-se, a receita 
obtida por meio de anúncios costuma ser maior que aquela fruto das vendas de 
exemplares. Diante disso, a mídia acaba atuando como agente de divulgação e, 
muitas vezes, de exaltação à violência. 
A complexidade dos fatos é reduzida à superficialidade maniqueísta e 
linear, em que alguém é rotulado como bom e um outro alguém seria mau. No 
lugar de estudos sobre origens, situações, contextos, influências, possibilidades e 
soluções, são reencarnados, à exaustão, personagens como vilão versus mocinho, 
agressor versus vítima. 
Não obstante, a mídia acaba funcionando como um tribunal, que apura, 
julga e sentencia, constrói uma justiça e uma ética próprias, paralelamente às 
instituições oficiais. Considerando as finalidades comerciais dos meios de 
comunicação, não é difícil imaginar os prejuízos decorrentes de tal prática. Entre 
eles, o aumento da exclusão e da separação entre os diversos estratos da 
sociedade, uma vez que a mídia tende a dar ênfase somente a alguns tipos de 
delitos e a determinados autores desses eventos. 
Por fim, ainda nos ensinamentos de Hoffmann (2012), em vez de 
explorar as tragédias como espetáculo, a mídia poderia detalhar o ocorrido com 
diferentes opiniões e pareceres, formados por profissionais da área, 
pesquisadores e representantes dos envolvidos. Em lugar do sensacionalismo 
demagógico, a mídia deveria privilegiar a busca de soluções e mudanças que 
previnam contra novas desgraças. O grande desafio parece consistir na definição 
do que possa ser considerada, de um lado, liberdade de expressão e, de outro, 
respeito ou limitação ao que convém que seja preservado. 
 
MODELO ECOLÓGICO (Segundo Cerqueira e Lobão, 2003): 
 
 
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Vários autores procuraram elaborar um modelo integrado para explicar a 
violência, cujo enfoque se dá nos vários níveis, estrutural, institucional, 
interpessoal e individual. Tais anseios decorreram da percepção empírica que a 
violência e a sua tolerância variam significativamente entre as sociedades, entre 
as comunidades e entre os vários indivíduos. Um primeiro uso foi de 
Bronfenbrenner (1977), que procurou explicar o desenvolvimento humano e a 
psicologia social. Outros autores buscaram explicar, por meio dessa abordagem, 
a etiologia de dinâmicas criminais específicas, como Belsky (1980),que se 
preocupou com o abuso infantil; Dutton (1988) e Edelson e Tolman (1992), que 
estudaram a violência doméstica contra a mulher; e Brown (1995), cujo estudo 
foi voltado para a coersão sexual. Segundo essa abordagem, mais do que atribuir 
importância a determinadas características isoladas, o modelo — que ficou 
conhecido como modelo ecológico [ver Shrades (2000)] — considera que a 
combinação de tais atributos pertencentes àqueles diferentes níveis ocuparia um 
papel central para explicar a violência. Por outro lado, esses vários níveis se 
reforçariam a depender da sua combinação. Dentre as variáveis que 
constituiriam os níveis supramencionados, no plano individual há o histórico 
pessoal, os fatores ontogenéticos e as respostas da personalidade individual 
diante de situações de tensão. No contexto mais íntimo do indivíduo, onde a 
violência poderia se processar, há as relações interpessoais com familiares e com 
outros conhecidos íntimos. No plano institucional figuram as associações 
formais e informais comunitárias, profissionais, religiosas, ou outras redes 
sociais em que haja a identidade dos grupos. No nível macroestrutural inserem-
se as estruturas econômica, política e social que incorporam crenças e normas 
culturais que permeiam a sociedade, conforme apontado na Figura 1, baseada em 
Moser e Shrader (1999): 
 
 
 
 
 
 
 
 
Figura 1 – Arcabouço integrado para a causalidade da violência.

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