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O NOVIÇO de Martins Pena I - BIOGRAFIA Vida e obra Nascido no Rio de Janeiro no dia 5 de novembro de 1815, Luís Carlos Martins Pena teve uma vida curta, morrendo em Lisboa, de tuberculose em 7 de dezembro de 1848. Esses 33 anos de vida, entretanto, foram suficientes para que se consagrasse como dramaturgo, tendo escrito 28 peças teatrais. Ainda jovem, Martins Pena fez curso de comércio e frequentou a Academia de Belas-Artes, aprendendo pintura, escultura, arquitetura e cenografia. Estudou também História, Geografia, Literatura e Línguas. Em 1838, iniciou sua vida de funcionário público, tendo sido nomeado amanuense do consulado da Corte. Durante bom tempo trabalhou como censor teatral, escrevendo pareceres sobre peças de todos os gêneros: comédias, farsas, dramas, óperas etc. Tal trabalho lhe foi proveitoso, pois permitiu-lhe que se familiarizasse, cada vez mais, com a técnica teatral. Sua primeira peça, O Juiz de Paz da Roça, escrita em 1833, aos 18 anos, foi levada aos palcos pela primeira vez cinco anos mais tarde pela companhia teatral de João Caetano, um dos mais importantes atores brasileiros do século XIX. A montagem serviu para a consolidação da comédia de costumes como gênero preferido do público e popularizou o nome de Martins Pena. Após escrever outras comédias, como Um Sertanejo na Corte (inacabada), A Família e A Festa na Roça (1837), o autor decidiu enveredar pelo caminho do teatro histórico, gênero nobre no Romantismo europeu, mas não foi bem-sucedido. Na realidade, era como autor de comédias que ele se destacava. Entre 1844 e 1846, escreveu 17 peças cômicas, entre elas O Noviço. Em 1847, Martins Pena foi nomeado adido de primeira classe da legação brasileira em Londres. Seus trabalhos diplomáticos, entretanto, tiveram de ser interrompidos no ano seguinte, por estar gravemente enfermo. Não chegou a voltar ao Brasil. Morreu em Lisboa e foi sepultado no Cemitério dos Prazeres. Dois anos mais tarde, seus restos mortais foram exumados e trasladados para o cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Anote! Além de ser o grande precursor da comédia de costumes, Martins Pena também é considerado um dos pioneiros do teatro no Brasil. II - BIBLIOGRAFIA O juiz de paz na roça (1842), A família e a festa na roça (1842), O judas no sábado de Aleluia (1846), Os irmãos das almas (1846), O diletante (1846), O caixeiro da taverna (1847), Quem casa, quer casa (1847), O noviço (1853), Os dois ou O Inglês Maquinista (1871). III - INTRODUÇÃO O noviço, comédia em três atos, foi escrita em 1845 e representada pela primeira vez em agosto do mesmo ano. Embora não haja manuscrito do texto, com data (como em outros casos de obras de Martins Pena), a data pôde ser fixada com base em documentos da Biblioteca Nacional, na Seção de Manuscritos, onde há uma carta do comediógrafo dirigida ao secretário do Conservatório Dramático Brasileiro, cujo teor é o seguinte: "Am. Rufino Sei que estás muito mal comigo por não haver eu comparecido à sessão de domingo; tens razão, mas alguma coisa deve-se desculpar aos doentes. Ordenou-me o Médico que mudasse de ar por alguns dias, e obedecendo lhe parti na sexta-feira de madrugada para Jacarepaguá, e, confesso-te, não lembrei-me então da sessão. Hoje aqui cheguei de boa saúde para o que me determinares, e no entanto rubrica-me a comédia que junto vai, e devolve. ma pelo mesmo portadork que dela tenho muita pressa. Adeus. Teu am.o do C. Penna." Ao pé da página, a liberação da peça para o Teatro S. Pedro: "S. Pedro. O Novico lecenceada (sic) pelo presidente em 14 de junho de 1845. Rufino." (S. de Mss., 1-2, 11, 20.)' Um marco no teatro brasileiro Quando os jesuítas chegaram ao país, no século XVI, o teatro foi uma das formas utilizadas pelos religiosos para catequizar os índios. Fora esse espaço religioso, porém, a sociedade brasileira não tinha receptividade para esse tipo de arte, que acabou subsistindo de forma efêmera. Quando D. João VI chegou ao Brasil em 1808, encontrou um país carente de lazer e cultura e, para reverter a situação, ordenou o início de uma série de obras que resultaram no aparecimento da Biblioteca Nacional, do Jardim Botânico e também do Teatro São João. As peças encenadas, até então, eram de autores estrangeiros. A proclamação da Independência acendeu desejos de se nacionalizar a literatura e as outras formas de arte. Durante o Romantismo, surgiram textos teatrais brasileiros capazes de serem levados ao palco. Uma das primeiras encenações de autores nacionais foi a tragédia Antônio José, também conhecida como O Poeta da Inquisição, escrita por Gonçalves de Magalhães e encenada por João Caetano, em seu esforço de criar um ambiente teatral no Rio de Janeiro. Mas foi com Martins Pena que o teatro brasileiro tomou impulso. Fonte: http://vestibular.uol.com.b IV - RESUMO DO ENREDO PRIMEIRO ATO (Sala ricamente adornada: mesa, consolos, mangas de vidro, jarras com flores, cortinas etc., etc. No fundo, porta de saída, uma janela etc., etc.(sic)) CENA I AMBROSIO (só, de calça preta e chambre) - No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os meios, não consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos, era eu pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh, que temo eu? Se em algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres... (pp. 49/50). In Pena, Martins - Comédias.(ed. Crítica por Darcy Damasceno), 1971, RJ: Edições de Ouro. CENA II Entra Florência vestida de preto, como quem vai a festa. FLORÊNCIA (entrando) - Ainda despido, Sr. Ambrósio? AMBRÓSIO - É cedo. (Vendo o relógio.) São nove horas, e o oficio de Ramos principia às dez e meia. FLORENCIA - E preciso ir mais cedo para tomarmos lugar. AMBROSIO - Para tudo há tempo. Ora dize-me, minha bela Florência... FLORENCIA - O que, meu Ambrosinho? AMBROSIO - O que pensa tua filha do nosso projeto? FLORENCIA - O que pensa não sei eu, nem disso se me dá; quero eu - e basta. E é seu dever obedecer. AMBROSIO - Assim é; estimo que tenhas caráter enérgico. FLORÊNCIA - Energia tenho eu. AMBROSIO - E atrativos, feiticeira... FLORENCIA - Ai, amorzinho! (A parte.) Que marido! AMBROSIO - Escuta-me, Florência, e dá-me atenção. Crê que ponho todo o meu pensamento em fazer-te feliz... FLORENCIA - Toda eu sou atenção. AMBROSIO - Dous filhos te ficaram do teu primeiro matrimônio. Teu marido foi um digno homem e de muito juízo; deixou-te herdeira de avultado cabedal. Grande mérito é esse... FLORÊNCIA - Pobre homem! AMBROSIO - Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (A parte) Se o sabia! (Alto.) Amei-te por simpatia. FLORÊNCIA - Sei disso, vidinha. AMBRÓSIO - E não foi o interesse que obrigou-me a casar contigo. FLORÊNCIA - Foi o amor que nos uniu. AMBRÓSIO - Foi, foi, mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar essa fortuna que sempre desprezei. FLORÊNCIA (à parte) - Que marido! AMBRÓSIO (à parte) - Que tola! (Alto.) Até o presente tens gozado dessa fortuna em plena liberdade e a teu bel-prazer, mas daqui em diante, talvez assim não seja. FLORÊNCIA - E por quê? AMBRÓSIO - Tua filha está moça e em estado de casar-se. Casar-se-á, e terás um genro que exigirá a legítima de sua mulher, e desse dia principiarão as amofinações para ti, e intermináveis demandas. Bem sabes que ainda não fizestes inventário. FLORENCIA - Não tenho tido tempo, e custa-me tanto aturar procuradores! AMBROSIO - Teu filho também vai a crescer todos os dias e será preciso pôr fim dar-lhe a sua legítima... Novas demandas. FLORÊNCIA - Não, não quero demandas. AMBROSIO - E o que eu tambémdigo; mas como preveni las? FLORENCIA - Faze o que entenderes, meu amorzinho. AMBROSIO - Eu já te disse há mais de três meses o que era preciso fazermos para atalhar esse mal. Amas a tua filha, o que é muito natural, mas amas ainda mais a ti mesma... F LORENCIA - O que também é muito natural... AMBROSIO - Que dúvida! E eu julgo que podes conciliar esses dous pontos, fazendo Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote - e farás ação meritória. FLORENCIA - Coitadinha! Sempre tenho pena dela; o convento é tão triste! AMBROSIO - É essa compaixão mal-entendida! O que é este mundo? Um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusões da vida. E o que é o convento? Porto de salvação e ventura, asilo da virtude, único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... E deve uma mãe carinhosa hesitar na escolha entre o mundo e o convento? FLORÊNCIA - Não, por certo... AMBROSIO - A mocidade é inexperiente, não sabe o que lhe convém. Tua filha lamentar-se-á, chorará desesperada, não importa; obriga-a e daí tempo ao tempo. Depois que estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo, abençoará o teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranquilidade e verdadeira felicidade, rogará a Deus por ti. (A parte.) E a legítima ficará em casa... FLORÊNCIA - Tens razão, meu Ambrosinho, ela será freira. AMBRÓSIO - A respeito de teu filho direi o mesmo. Tem ele nove anos e será prudente criarmo-lo desde já para frade. FLORÊNCIA - Já ontem comprei-lhe o hábito com que andará vestido daqui em diante. AMBRÓSIO - Assim não estranhará quando chegar à idade de entrar no convento, será frade feliz. (A parte.) E a legítima também ficará em casa... FLORENCIA - Que sacrifícios não farei eu para ventura de meus filhos! (pp. 50 a 55). CENA III Juca entra vestido de frade, conforme plano de Ambrósio e colaboração de Florência, que elogia o filho por causa da veste, mas não consegue evitar que ele reclame da roupa por atrapalhar suas brincadeiras. O menino não quer ser frade e Ambrósio procura seduzi-lo com a promessa de que lhe dará um carrinho bonito. O menino aceita a chantagem e sai correndo, gritando que quer ser frade. Ambrósio comenta: AMBROSIO - Este levaremos com facilidade... De pequenino se torce o pepino... Cuidado me dá o teu sobrinho Carlos. FLORENCIA - Já vai para seis meses que ele entrou como noviço no convento. AMBRÓSIO - E queira Deus que decorra o ano inteiro para professar, que só assim ficaremos tranquilos. FLORÊNCIA - E se fugir do convento? AMBROSIO - Lá isso não temo eu... Está bem recomendado. É preciso empregarmos toda nossa autoridade para obrigá-lo a professar. O motivo, bem o sabes... A cena termina com Florência comentando que Carlos é endiabrado e Ambrósio retirando-se do palco, comentando que vai se vestir. CENA IV FLORENCIA (só) - Se não fosse este homem com quem casei-me segunda vez, não teria agora quem zelasse com tanto desinteresse a minha fortuna. É uma bela pessoa... Rodeia-me de cuidados e carinhos. Ora, digam lá que uma mulher não deve casar-se segunda vez... Se eu soubesse que havia de ser sempre tão feliz, casar-me-ia cinquenta. (p.59) Comentário: Essa cena é curta, pois contém apenas o pequeno monólogo de Florência. Esse momento de solidão no palco é quebrado logo pela entrada de Emília. Você já deve ter percebido que as cenas são divididas e marcadas assim, toda vez que entra ou sai alguma personagem, muda-se de cena. CENA V Emília entra, vestida de preto, cara triste, como quem vai atravessar a sala, e é interrompida pela mãe, que indaga o motivo de tal tristeza. A moça reclama que não deseja ir para o convento, mas obedecerá, sabendo no entanto, que isso será sua infelicidade. Florência tenta convencê-la, com os argumentos que ouvira há pouco de Ambrósio sobre os problemas do mundo, mas se perde e não consegue lembrar as palavras difíceis. Entra Ambrósio e ela pede-lhe para repetir à filha suas explicações sobre o mundo. Ele, sem dar muita atenção, repete o discurso maquinalmente: "AMBROSIO (adiantando-se) - O mundo é um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusões da vida... E o convento é porto de salvação e ventura, único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... Onde está minha casaca?" (p.61) Comentário: Essa última frase é um achado feliz do dramaturgo para deixar claro, através da ação, que a personagem não está ligando a mínima para o que está dizendo. É um discurso insincero, hipócrita, decorado, mero clichê, que lhe serve muito bem na ocasião, mas que ele renegaria se lhe interessasse em outra situação. CENA VI Emília, sozinha, queixa-se por ter de obedecer à mãe, revela que detesta o padrasto e é apaixonada por Carlos CENA VII Carlos entra assustado e fecha a porta. Está vestido com o hábito de noviço. Emília assusta-se. Ele explica que fugiu porque não aguentava a vida no convento, principalmente porque estava há sete dias fazendo jejum e acabou revoltando-se: "CARLOS - Hoje, já não podendo, questionei com o D. Abade. Palavras puxam palavras; dize tu, direi eu, e por fim de contas arrumei-lhe uma cabeçada, que o atirei por esses ares. EMILIA - O que fizestes, louco? CARLOS - E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar; tenho, pelo menos três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. Militar é o que eu quisera ser; para as chama-me a inclinação. Bordoadas, espadeiradas, rusgas é que me regalam; esse é o meu gênio. Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que frequenta a plateia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa." (p.63) Os jovens conversam e Carlos demonstra a Emília que sua tia Florência está sendo iludida por Ambrósio, que faz tudo para afastá-los de casa, só por interesse na herança. CENA VIII Entra Juca vestido de frade e Carlos insiste com Emília para que perceba como é clara a intenção de Florência e Ambrósio, a ponto de enganar uma criança. Carlos decide que vai fazer uma "estralada". CENA IX CARLOS (Só) - Hei de descobrir algum meio... Oh, se hei de! Hei de ensinar a este patife, que casou-se com minha tia para comer não só a sua fortuna, como a de seus filhos. Que belo padrasto!... Mas por ora tratemos de mim; sem dúvida no convento anda tudo em polvorosa... Foi boa cabeçada! O D. Abade deu um salto de trampolim... ( Batem à porta.) Batem? Mau! Serão eles? (Batem.) Espreitemos pelo buraco da fechadura. (Vai espreitar.) É uma mulher... (Abre a porta.) (p.70) CENA X A mulher que chega é Rosa, mulher de Ambrósio há oito anos, que veio do Ceará à procura do marido desaparecido. Ambrósio há seis anos aplicara o mesmo golpe, tomara conta de seus bens, vendera tudo e fugira, com a desculpa de que iria empregar o dinheiro em negócio fora do país. Rosa confidencia toda sua vida e todos os seus problemas a Carlos, pensando que se trata de um respeitável frade. Carlos consegue dela a certidão de seu casamento com Ambrósio, cuja voz, lá de dentro, pede que se apressem para sair: AMBROSIO (dentro) - Desçam, desçam, que passam as horas. CARLOS - Aí vem ele. ROSA - Meu Deus! CARLOS - Tomo-a debaixo da minha proteção. Venha cá; entre neste quarto. ROSA - Mas Reverendíssimo... CARLOS - Entre, entre, senão abandono-a (Rosa entra no quarto à esquerda e Carlos cerra a porta.) CENA XI CARLOS (só) - Que ventura, ou antes, que patifaria! Que tal? Casado com duas mulheres! Oh, mas o Código é muito claro... Agora verás como se rouba e se obriga a ser frade... (p.75) CENA XII Nessa cena, começam a ganhar corpo as confusões e os movimentos rápidos, que proporcionam aos intérpretes os melhores momentos de humor. Ambrósio entra e fica espantado de ver Carlos, que, seguro por causa do documento que permitirádesmascará-lo, enfrenta-o com muita ironia. Emília assusta-se com o que Carlos poderá fazer e com as consequências disso. Florência procura acalmar o marido e aplacar o sobrinho. Carlos conduz Ambrósio ao quarto vizinho, entreabre a porta e mostra Rosa. Ambrósio fica tão assombrado que quase arrasta Florência e Emília para fora. Sai tão apressado que nem pega o chapéu: "FLORENCIA - Sem Chapéu? AMBROSIO - Vamos, vamos! (Sai, levando-as) CARLOS - Então, senhor meu tio? Já não quer que eu vá para o convento? (Depois que ele sai.) Senhor meu tio, senhor meu tio? (Vai à porta, gritando.)" (p.78) Comentário: Hoje pode ser estranho a um leitor o espanto da esposa porque o marido sai sem chapéu, mas naquele tempo era assim, um homem respeitável jamais sairia à rua sem o seu inseparável chapéu. Era um sinal de status. Essa situação funciona como sinal ou índice da elevada preocupação em que ficou Ambrósio e os gritos finais de Carlos funcionam como uma forte ironia, uma gostosa gozação do rapaz tripudiando sobre o adversário que já vê vencido. CENA XIII Carlos ri-se do susto de Ambrósio. Rosa, que ouvira vozes de mulheres e do marido, pede esclarecimentos ao rapaz. Carlos, então, conta-lhe que Ambrósio está casado com Florência. Rosa cai desmaiada. Carlos chama Juca para ajudá-lo. Rosa recupera os sentidos. Nisso, chegam os meirinhos e o Mestre de Noviços à procura de Carlos, que mente a Rosa, dizendo que eles devem estar vindo para prendê-la a mando de Ambrósio. Propõe então que troquem de roupas para enganá-los. CENA XIV Carlos espera enganar o mestre porque ele sofre das vistas, ou, como ele mesmo diz, é um catacego. Rosa e Carlos trocam de roupa. Chegam os meirinhos. CENA XV Carlos orienta os perseguidores como devem prender o rapaz e prepara tudo para que Rosa seja presa em seu lugar. CENA XVI Os mesmos e Rosa vestida de frade e chapéu na cabeça. ROSA (entrando) - Já se foram? (Assim que ela aparece, o Mestre e os meirinhos se lançam sobre ela e procuram carregar até fora.) MESTRE - Está preso. Há de ir. É inútil resistir. Assim não se foge... (Ect.. etc.) ROSA (lutando sempre) - Ai, ai, acudam-me! Deixem-me! Quem me socorre? (Etc.) CARLOS - Levem-no, levem-no. (Algazarra de vozes; todos falam ao mesmo tempo etc. Carlos, para aumentar o ruído, toma um assobio que está sobre a mesa e toca. Juca também entra nessa ocasião etc. Execução.) (p.86) FIM DO PRIMEIRO ATO ATO SEGUNDO A mesma sala do primeiro ato. CENA I Juca está à janela. Carlos pede-lhe que avise quando Ambrósio vier. Quando o menino avisa, ele ordena para que vá para o interior da casa. Depois, retira-se ele próprio para o quarto em que há pouco estivera Rosa. Como ela está com suas roupas, espera confundir Ambrósio. CENA II e III Ambrósio entra agitado. Deixou a esposa e Emília na igreja e veio tentar resolver seu problema. Carlos aparece com o rosto coberto e ambos mantêm uma conversa cômica, em que o rapaz imita Rosa, enquanto Ambrósio ameaça a "mulher". Carlos ajoelha-se, implora, e, em certo momento, puxa as pernas de Ambrósio, derrubando-o ao chão. Ambrósio descobre o disfarce e tenta ameaçar o rapaz, que mostra seu trunfo definitivo, a certidão de casamento. CENA IV Ambrósio procura por Rosa dentro da casa, enquanto Carlos se diverte: CARLOS (só) - Procure bem. Deixe estar, meu espertalhão, que agora te hei de eu apertar a corda na garganta. Estais em meu poder, queres roubar-nos... (Gritando.) Procure bem; talvez esteja dentro das gavetinhas do espelho. Então? Não acha? (p.92) CENA V Ambrósio, reconhecendo-se perdido, implora a Carlos para que o salve. O rapaz concorda, mas aproveita-se da situação: CARLOS - Eu salvarei, mas debaixo de certas condições... AMBROSIO - E quais são elas? CARLOS - Nem eu nem o primo Juca queremos ser frades... AMBROSIO - Não serão. CARLOS - Quero casar-me com minha prima... AMBROSIO - Casarás. CARLOS - Quero a minha legítima... AMBROSIO - Terás a tua legítima. CARLOS - Muito bem. AMBROSIO - E tu me prometes que nada dirás à tua tia do que sabes? CARLOS - Quanto a isso pode estar certo. (À parte.) Veremos..." (P.93) Ambrósio pergunta pela Rosa, e Carlos garante que ela se foi e não vai poder voltar. Ambrósio implora pelo documento, mas o rapaz recusa-se terminantemente a entregá-lo. Ambrósio implora ajoelhado e é assim que Florência chega, com Emília e os encontra. Como Carlos ainda não tirou a roupa de Rosa, Florência acredita que se trata de uma mulher, gerando um mal-entendido, que é logo desfeito, quando Carlos se põe a rir. "CARLOS (com a cara baixa) - Sou uma desgraçada! FLORÊNCIA - Ah, é uma desgraçada... seduzindo um homem casado! Não sabe que... (Carlos que encara com ela, que rapidamente tem suspendido a palavra e, como assombrada, principia a olhar para ele, que ri-se.) Carlos! Meu sobrinho! EMÍLIA - O primo! CARLOS - Sim, tiazinha; sim, priminha. FLORÊNCIA - Que mascarada é essa? CARLOS - É uma comédia que ensaiávamos para sábado de Aleluia. FLORÊNCIA - Uma comédia? AMBRÓSIO - Sim, era uma comédia, um divertimento, uma surpresa. Eu e o sobrinho arranjávamos isso... Bagatela, não é assim, Carlinho? Mas então vocês não ouviram o ofício até o fim? Quem pregou? FLORÊNCIA (à parte) - Isto não é natural... Aqui há cousa. AMBROSIO - A nossa comédia era mesmo sobre isso. FLORÊNCIA - O que está o senhor a dizer? CARLOS (à parte) - Perdeu a cabeça. (Para Florência.) Tia, basta que saiba que era uma comédia. E antes de principiar o ensaio o tio deu-me a sua palavra que eu não seria frade. Não é verdade, tio? AMBROSIO - E verdade. O rapaz não tem inclinação, e para que obriga -lo? Seria crueldade. FLORÊNCIA - Ah! CARLOS - E que a prima não seria também freira, e que se casaria comigo. FLORÊNCIA - É verdade, Sr. Ambrósio? AMBROSIO - Sim, para que constranger estas duas almas? Nasceram um para o outro; amam-se. E tão bonito ver um tão lindo par! FLORÊNCIA - Mas, Sr. Ambrósio, e o mundo, que o senhor dizia que era um pélago, um sorvedouro e não sei o que mais? AMBROSIO - Oh, então eu não sabia que estes dous pombinhos se amavam, mas agora que o sei, seria horrível barbaridade. Quando se fecham as portas de um convento sobre um homem, ou sobre uma mulher que leva dentro do peito uma paixão como ressentem estes dous inocentes, torna-se o convento abismo incomensurável de acerbos males, fonte perene de horrissonas desgraças, perdição do corpo e da alma; e o mundo, se nele ficassem, jardim ameno, suave encanto da vida, tranquila paz da inocência, paraíso terrestre. E assim sendo, mulher, quererias tu que sacrificasse tua filha e teu sobrinho?" (pp.98/9) No momento de maior alegria para Carlos e Emília, quando os dois se abraçam, chega o Mestre dos noviços, acompanhado de meirinhos, e prende o rapaz. Comentário: Desde o começo, Ambrósio fica caracterizado como golpista declarado, mas esse momento é o em que mais se evidencia sua falsidade e hipocrisia e, ao mesmo tempo, é o instante em que tais defeitos são mais ridicularizados pela situação, pois o malfeitor está dominado pelo protagonista, Carlos... CENA VI Carlos é arrastado para o convento. Todos os demais ficam estarrecidos, sem ação. CENA VII Florência protesta e o Mestre explica que está cumprindo ordens do Abade. Conta que antes já estivera ali, mas tinha sido enganado por uma mulher. Florência fica confusa e não entende que mulher seria essa. Ambrósio logo entende e teme por sua situação. O mestre continua sua história: "MESTRE - Tende paciência. Pintar-vos a confusão em que por alguns instantes esteve o convento, é quase impossível. O D. Abade, ao conhecer que o noviço preso era uma mulher, pelos longos cabelos que ao tirar o chapéu lhe caíram sobre os ombros, deu um grito de horror. Toda a comunidade acorreu e grande foi então a confusão. Um gritava: Sacrilégio! Profanação! Outro ria-se; este interrogava; aquele respondia ao acaso... Em menos de dois segundos a notícia percorreu todo o convento, mas alterada e aumentada. No refeitório dizia-se que o diabo estava no coro, dentro doscanudos do órgão; na cozinha julgava-se que o fogo lavrava nos quatro ângulos do edifício; qual, pensava que D. Abade tinha caído da torre abaixo; qual, que fora arrebatado para o céu. Os sineiros, correndo para as torres, puxavam como energúmenos pelas cordas dos sinos, OS porteiros fecharam as portas com horrível estrondo: os responsos soaram de todos os lados, e a algazarra dos noviços dominava esse ruído infernal, causado por uma única mulher. Oh, mulheres!" (p. 104) Florência informa ao Mestre que pretende tirar Carlos do convento, pois ele não revela inclinação para a vida religiosa. O Mestre diz que então não deveriam ter enviado o moço para lá, mas que para ele a saída desse endiabrado é motivo de alegria. No entanto, Florência, diz ele, precisa falar com o Abade. CENA VIII Ficam em cena Florência, Ambrósio e Emília. Esta lastima pelo que pode acontecer ao primo. Ambrósio preocupa-se com o que pode vir a acontecer. Florência manda a filha se recolher, para acertar as contas com o marido. CENA IX Florência ligando os fatos, lembra-se de momentos passados e insiste com o marido para que lhe diga quem era a mulher que estava no quarto, quando saíram para ir à igreja. Ela tenta evitar, negar tudo, mas não consegue. Então, inventa uma história que possa servir para enganar a mulher “AMBRÓSIO - Que importa o nome? O nome é uma voz com que se dão a conhecer as cousas... Nada vale; o indivíduo é tudo... Tratemos do indivíduo. (A parte.) Não sei como continuar. FLORÊNCIA - Então, e que mais? AMBRÓSIO - Amei a essa mulher. Amei, sim, amei. Essa mulher foi por mim amada, mas então ainda não te conhecia. Oh, e quem ousará criminar a um homem por embelezar-se de uma estrela antes de ver a lua, quem? Ela era a estrela e tu és a lua. Sim, minha Florencinha, tu és a minha lua cheia e eu sou teu satélite." (p.110) Rosa aparece e mostra a certidão. Ambrósio tenta fugir pelos fundos, mas os meirinhos partem em seu encalço. Fecham-se as cortinas. ATO TERCEIRO Quarto em casa de Florência: mesa, cadeiras etc. etc., armário, uma cama grande com cortinados, uma mesa pequena com um castiçal com vela acesa. E noite. CENA I Oito dias depois dos últimos acontecimentos. Florência ainda está de cama, por causa do choque provocado pela terrível revelação. Ainda chora pela traição de Ambrósio, e é consolada pela filha. Florência demonstra-se arrependida por decidir obrigar a filha a uma vida de convento e decide enviar alguém para cuidar da retirada de Carlos do convento. Relembrando a última cena passada, Emília conta que viu seu padrasto saltar o muro e desaparecer. Florência diz que já há um mandado de prisão contra ele. CENA II Florência encarrega o criado José de levar uma carta ao Abade. Mal parte o criado, ela pede à filha para despedi-lo no dia seguinte, pois tinha sido admitido pelo Ambrósio e, só por isso, já desconfiava dele. Quando a filha diz que o criado parece um bom moço, ela observa: "Também o outro parecia-me bom homem. Já não me fio em aparências". (p. 119) Emília vai ver como está o serviço da criadagem e Florência fica só no quarto. CENA III Florência monologa sobre o fato de ter-se mudado para o quarto de Carlos, pois no seu tudo fazia lembrar o pérfido Ambrósio. Pergunta se pelo que teria acontecido a Rosa e maldiz-se por ter sido tola de casar se sem indagar quem era o homem com quem se casava. Deseja que outras tirem proveito do seu exemplo. CENA IV Carlos entra com o hábito rasgado e sujo. Entra em seu quarto pelos fundos e constata que sua tia mudou-se para ele. Pergunta-se pelo que teria acontecido a Rosa, a Ambrósio e onde estará sua prima. Nisso batem palmas lá fora. E o Mestre de noviços. Carlos já teme ter sido descoberto e, para não ser preso, esconde-se debaixo da cama da tia. CENA V Entra Emília e Florência ordena que ela atenda à porta. CENA VI Volta Emília com o Padre-Mestre, que diz estar procurando o noviço Carlos. Durante a conversa com Florência, o padre diz que ninguém aguenta mais as diabruras do seu sobrinho e, que, mesmo que ele seja solto pelo Abade, é necessário prendê-lo e ministrar um castigo, pelo menos, para servir de exemplo aos outros noviços. Florência promete que se o sobrinho aparecer, ela mandará enviá-lo ao convento. Carlos, debaixo da cama, faz sempre algumas observações cômicas na forma de "a parte. CENA VII Após a saída do padre, Florência critica o comportamento de Carlos, que é defendido pela prima. Carlos, ainda escondido sob a cama, puxa o vestido de Emília, que disfarça, fingindo sentir cócegas nas solas dos pés, para a mãe não perceber do que se trata. CENA VIII Volta o criado José, dizendo que entregou a carta e que o Abade enviou um padre que veio com ele. Florência pede ao padre que entre, pois vai aproveitar sua visita para confessar-se. Carlos continua escondido sob a cama. CENA IX Florência sozinha monologa: "A ingratidão daquele monstro assassinou-me. Bom é ficar tranquila com a minha consciência". CENA X Entra o criado José com o frade, que na verdade é Ambrósio disfarçado. Ela dá dinheiro ao criado e o despacha. Ele se vai, dizendo: "Que lá se avenham... A paga cá está." CENA XI O frade evita falar, dizendo sempre “hum, hum", e mesmo quando fala disfarçando a voz, desperta suspeita em Carlos que diz nunca ter ouvido tal voz no convento. Ambrósio tranca a porta, quando Florência diz que vai confessar-se. Quando, em confissão, Florência diz mal do marido, e comenta que ele não ousa aparecer, por causa da ordem de prisão, Ambrósio tira o capuz e se revela, dando-lhe grande susto e exigindo: "Pois bem, cometerei outro crime, que me pode salvar. Dar-me-eis tudo quanto possuís: dinheiro, joias, tudo! E desgraçada de vós, se não me obedeceis! A morte!..." (p.132) Grande confusão. Florência grita e corre pelo quarto, seguida por Ambrósio. Derrubam a mesa e quebra-se a luminária, ficando o quarto às escuras. Carlos sai de sob a cama e Ambrósio, pegando em seu hábito de noviço, no escuro, pensa que é Florência, grita: "Ah, mulher, estais em meu poder. Estas portas não tardarão a ceder; salvai-me ou mato-te!" Leva uma bofetada de Carlos que o atira ao chão. Carlos volta a esconder-se sob a cama. Ambrósio faz comentário sobre a força da mão que o atingiu e se esconde num armário. CENA XII O vizinho Jorge e mais quatro pessoas entram pelos fundos. Trazem armas e uma vela. Tudo clareia. Florência, assustada, diz que era um ladrão disfarçado de frade. Isso provoca um grande equívoco, que Emília tenta evitar "EMÍLIA (para Florência) - É Carlos, minha mãe, é o primo! FLORÊNCIA (para Emília) - Qual o primo! É ele, teu padrasto. EMÍLIA - É o primo! FLORÊNCIA - É ele, é ele. Vem. Procurem-no bem, vizinhos, e pau nele. Anda, anda. (Sai com Emília.)" (p.134) CENA XIII JORGE - Amigos, cuidado! Procuremos tudo; o ladrão ainda não saiu daqui. Venham atrás de mim. Assim que ele aparecer, uma boa maçada de pau, e depois pés e mãos amarradas, e Guarda do Tesouro com ele... Sigam-me. Aqui não está; vejamos atrás do armário. (Vê.) Nada. Onde se esconderia? Talvez debaixo da cama. (Levantando o rodapé.) Oh, cá está ele! (Dão bordoadas.) CARLOS (gritando) - Ai, ai, não sou eu, não sou ladrão, ai ai! JORGE (dando) - Salta para fora, ladrão, salta! (Carlos sai para fora, gritando.) Não sou ladrão, sou de casa! JORGE- A ele, amigos! (Perseguem Carlos de bordoadas por toda a cena. Por fim, mete-se atrás do armário e atira com ele no chão. Gritos: Ladrão!) (p. 135) CENA XIV Jorge conta a Florência que o ladrão estava oculto sob a cama, mas que lhe deram boas bordoadas. Ele escapara pela porta, mas os outros foram em sua perseguição. Ela agradece e ele parte. CENA XV Emília sofre e protesta com a mãe que era o primo Carlos, pois se ela o vira. A mãe contesta que era Ambrósio e como garante como prova o fato de ter falado com ele. CENA XVI Juca avisa à mãe de que chegara Rosa. Florência resolve que a mulher não tem culpa dos crimes do marido e resolve recebê-la. CENA XVII As duas conversam e resolvem que devem vingar-sede Ambrósio. Este, não aguentando a falta de ar dentro do armário, denuncia-se. Ele fica preso, sem conseguir sair. Então, Florência percebe que sua filha tinha razão e fora o Carlos que levara as bordoadas no lugar de Ambrósio. As duas mulheres aproveitam-se da situação para espancar o patife do Ambrósio com cabo de vassoura. Dão boas risadas com o feito. CENA XVIII EMILIA (entrando) - O que é? Riem-se? FLORÊNCIA - Vem cá, menina, vem ver como se deve ensinar aos homens. CENA XIX Entra Carlos preso por soldados etc., seguido de Jorge. Florência explica ao vizinho o equívoco e os meirinhos soltam Carlos. Rosa entrega aos soldados o mandado de prisão e mostra Ambrósio preso no armário. Quando o levam, ele protesta: "AMBRÓSIO - Um momento. Estou preso, vou passar seis anos na cadeia... Exultai, senhoras. Eu me deveria lembrar antes de me casar com duas mulheres, que basta só uma para fazer o homem desgraçado. O que diremos de duas? Reduzem-no ao estado em que me vejo. Mas não sairei daqui sem ao menos vingar-me em alguém. (Para os meirinhos.) Senhores, aquele moço fugiu do convento depois de assassinar um frade. CARLOS - O que é lá isso? (Mestre de Noviços entra pelo fundo.) AMBROSIO - Senhores, denuncio-vos um criminoso. MEIRINHO -É verdade que tenho aqui uma ordem contra um noviço... MESTRE - ...Que já de nada vale. (Prevenção.) · TODOS - O Padre-mestre! MESTRE (para Carlos) - Carlos, o D. Abade julgou mais prudente que lá não voltasses. Aqui tens a permissão por ele assinada para saíres do convento. CARLOS (abraçando-o) - Meu bom Padre-mestre, este ato reconcilia-me com os frades. MESTRE - E vós, senhoras, esperai da justiça dos homens o castigo deste malvado. (Para Carlos e Emília.) E vós, meus filhos, sede felizes, que eu pedirei para todos (ao público) indulgência! AMBRÓSIO - Oh, mulheres, mulheres!" (p.146) (Cai o pano.) V-REVISÃO DO ENREDO Um espertalhão de nome Ambrósio, na procura de enriquecimento fácil, vende os bens de sua primeira mulher e foge, procurando outra vítima fácil no Rio de Janeiro. Encontra Florência, viúva e com herança considerável, mas com um filho, uma filha, e um sobrinho que gosta de sua filha. Ambrósio casa-se com ela e, para evitar que os filhos exijam legalmente sua parte da herança, convence a esposa a colocar todo mundo no convento. Carlos, o sobrinho, causa tantas confusões no convento, que o Abade decide que é melhor ele não mais voltar lá. Rosa, a primeira mulher de Ambrósio, aparece e Carlos aproveita-se disso para desmascarar o farsante, que vai parar na cadeia. VI - ESTRUTURA DA OBRA Martins Pena deu preferência à comédia de costumes de um e três atos, e à prosa como maneira adequada de se representar o discurso das personagens. É importante destacar que antes do Romantismo, as falas das personagens teatrais eram registradas em versos. O primeiro ato compõe-se de 16 cenas; o segundo, de 9; e o terceiro, de 19, todas razoavelmente curtas. Algumas cenas chegam a constituir-se apenas de uma frase de uma das personagens, que serve de preparação para a entrada da outra na cena seguinte. Exemplo: CENA IX FLORENCIA (SÓ) - A ingratidão daquele monstro assassinou-me. Bom é ficar tranquila com a minha consciência." (p.129) Dramaticamente, isto é, em termos de montagem essa cena é importante para proporcionar o tempo suficiente para que, após a saída de Emília, na cena anterior, possa entrar Ambrósio, sem que tudo fique parado e inerte no palco, entediando o público. Mas não é só isso, essa frase e seu conteúdo preparam o clima para a cena seguinte, em que uma mulher (Florência) se dispõe a abrir o coração e seus segredos a um padre, que, na verdade, é o farsante Ambrósio de quem ela vai se queixar na confissão. Tudo na obra de Martins Pena, embora muitas vezes ingênuo e simples, é bastante funcional. Resulta daí o seu sucesso e a sua atualidade. A ação se passa no Rio de Janeiro do século XIX, concentrando se, por necessidade dramática, na casa de Florência, ambientando-se na sala os dois primeiros atos e o último no quarto de Carlos. As personagens principais são: Ambrósio, espertalhão sem escrúpulos, que conta enriquecer a qualquer custo, alegando que os fins justificam os meios; Florência, viúva rica e ingênua, sua segunda mulher e mãe de Emília, jovem, filha obediente, mas que não deseja ir para o convento e sim casar-se com Carlos, sobrinho de Florência, esperto, ágil, forte, que é internado como noviço da Ordem de S. Bento, mas causa grandes confusões enlouquecendo os padres. Não se pode esquecer de Rosa, provinciana, primeira mulher de Ambrósio, que veio do Ceará à sua procura. Entre os secundários temos: Juca, 9 anos, irmão de Emília; Padre-Mestre dos noviços; Jorge, vizinho de Florência: José, criado admitido na casa por Ambrósio. VII- ESTILO DE ÉPOCA E ESTILO INDIVIDUAL Martins Pena foi o nosso primeiro autor popular, o mais importante do Romantismo, e um dos mais importantes dramaturgos brasileiros de todos os tempos. Prova de sua habilidade na construção de cenas hilariantes tem sido o sucesso das apresentações de sua peça, o Noviço, pelo grupo TAPA. Foi Martins Pena quem inaugurou no Brasil o gênero comédia de costumes, reproduzindo criticamente com visão bem humorada tipos e situações, mostrados muitas vezes com um realismo ingênuo de retratista satírico. De Martins Pena, disse o crítico Sílvio Romero: "Se se perdessem todas as leis, escritos, memórias da História brasileira dos primeiros cinquenta anos deste século XIX, e nos ficassem somente as comédias de Martins Pena, era possível reconstruir por elas a fisionomia moral de toda essa época." Martins Pena revela sempre um alto nível de observação da realidade circundante e contemporânea. Isso fornece elementos, suficientemente bem elaborados por ele através da linguagem, que permitem a criação de tipos irônicos, engraçados e até mesmo caricatos. Entre tais figuras, que poderiam ser encontradas no Rio Janeiro do Século XIX, encontramos: velhos abusados, contrabandistas de escravos, moças preocupadas com o casamento, solteironas inconformadas, rapazes elegantes, jovens atirados e audaciosos, estrangeiros espertos e oportunistas, provincianos em desacordo com os hábitos citadinos, comerciantes inescrupulosos e a típica família brasileira. Para conseguir o riso fácil, Martins Pena empregou todos os conhecidos recursos da farsa: equívocos, disfarces, traços caricaturescos, ação rápida pela acumulação de cenas, linguagem direta e simples, flagrando com rara felicidade diversos e variados momentos da vida social brasileira, tanto do campo quanto da cidade. Alfredo Bosi, comparando a criação de personagens de Martins Pena com o processo criativo de Joaquim Manuel de Macedo, observa argutamente que: "O convívio direto com o público e a urgência de divertir impediram que Martins Pena idealizasse sem critério como o fazia o autor de A Moreninha nos seus quadros fluminenses. O nosso comediógrafo pode distorcer pelo vezo de tipificar, mas nunca pela romantização, de onde a maior dose de realismo, convencional embora, do seu teatro, se comparado àquela ficção". O crítico José Veríssimo chamou a atenção para o caráter original da obra de Martins Pena, marcada pela inspiração nativa e pela individualidade própria, pois é muito pouco provável que tenha conhecido o teatro inglês ou francês, e tampouco Gil Vicente, pois, segundo José De Paula Ramos Jr., o dramaturgo português estava sendo resgatado em sua terra, depois de longo esquecimento, no mesmo período em que nosso comediógrafo dava início à sua carreira. VIII - ANÁLISE DA OBRA Considerado o criador do teatro de costumes no Brasil, Martins Pena retratou a sociedade de sua época, criando personagens que simbolizam diferentes tipos sociais – dos senhores feudais aos escravos. A crítica dos costumes, mostrando por meio do humor e da sátira as condutas e os costumes "censuráveis" da população, o autor traça um amplo retrato do Brasil da primeira metade do século XIX. Observador astuto de sua época e crítico mordaz, Martins Penaexpõe a desorganização e a corrupção nos serviços públicos, o contrabando de escravos, a exploração do sentimento religioso, os comerciantes que enganam seus clientes, os casamentos sob encomenda ou homens que se casam apenas por interesse financeiro. Para lembrar Martins Pena é o precursor de um gênero de teatro, a chamada comédia de costumes. Por meio do humor e da sátira, constrói um retrato da sociedade brasileira. Seus personagens representam tipos sociais, em geral, vistos sob seus piores aspectos. Quase todas as comédias de Martins Pena possuem alguns traços em comum. O autor costuma mostrar as tradições e os costumes populares, como as festas do Espírito Santo, a "malhação" do Judas, os festejos de São João. E há uma série de situações que se repetem ao longo de suas peças: as intrigas domésticas, os caçadores de dotes, os casamentos por interesse, as diferenças entre o universo dos moradores da roça e da cidade. Pré - Realismo Cronologicamente, Martins Pena pertence ao Romantismo, movimento literário do início do século XIX, cujas características são o individualismo, o lirismo e o predomínio da sensibilidade e da imaginação sobre a razão. Suas peças, escritas entre 1833 e 1846, trazem várias marcas dessa escola. É comum, por exemplo, encontrar personagens driblando todas as adversidades para ficar junto da pessoa amada. Afinal, um bom casamento era, naqueles tempos, uma das principais preocupações dos jovens. Seus textos, porém, antecipam algumas características do Realismo, movimento literário surgido em meados do século XIX. Para lembrar O Realismo opõe-se ao lirismo e à imaginação dos autores românticos. Nas peças de Martins Pena, isso aparece em alguns personagens, como moças que não se envergonham quando se encontram diante dos amados ou jovens que se rebelam contra as decisões autoritárias dos pais – situações que não se encaixam no perfil do Romantismo. Um noviço no Rio de Janeiro O Noviço é uma comédia em três atos escrita em 1845, mas publicada somente em 1853. A história se passa no Rio de Janeiro e mostra tanto cenas de cultura popular como as intrigas da sociedade. A trama desenrola-se a partir da ação de Ambrósio, um homem pobre, ambicioso e sem escrúpulos que se casa com Florência, uma viúva rica, mãe de dois filhos, Emília e Juca, e tutora de Carlos, seu sobrinho órfão – o noviço da peça. Ingênua e facilmente manipulada pelo marido, Florência acredita que Ambrósio se casou com ela por amor e não desconfia que, na verdade, ele está interessado apenas em seu dinheiro. Um enredo de intrigas O Noviço é construído com uma cadeia de intrigas na qual nem mesmo os personagens de melhor caráter hesitam em lançar mão da chantagem e outros subterfúgios pouco éticos. • Ambrósio percebe que Emília se encontra em idade de se casar e, se isso ocorrer, Florência terá de dar ao noivo um dote, algo que lhe desagrada profundamente. Então, convence a mulher de que a moça deveria ser colocada em um convento e, para evitar que surjam outros problemas com sua tão cobiçada herança, persuade a mulher a também colocar Juca, o outro filho, no convento para se tornar frade. Para atrapalhar a tranquilidade de Ambrósio, surge Carlos, interno a contragosto há seis meses no convento da Ordem de São Bento. O grande desejo do noviço é ser militar e casar-se com Emília, que também é apaixonada por ele. A jovem também não se conforma com a decisão de ter que se tornar freira. Após dar uma cabeçada que fez desmaiar o abade de seu convento, Carlos foge e se esconde na casa de Emília. Ao descobrir que o padrasto da moça convenceu Florência a colocar os filhos dela no convento, começa a desconfiar da honestidade de Ambrósio. • As coisas para Ambrósio se complicam ainda mais quando aparece na casa de Florência a cearense Rosa, primeira mulher de Ambrósio. Pensando ser Carlos um padre, ela lhe conta estar há seis anos à procura do marido que desaparecera com todo o dinheiro que possuía. Informada de que Ambrósio estaria no Rio de Janeiro, dirigiu-se à cidade, localizou a casa na qual ele morava e foi procurá-lo, querendo saber se era verdadeira a informação de que ele se casara novamente. • Carlos obtém um trunfo contra Ambrósio, mas ainda tem um problema a superar: o mestre dos noviços está em seu encalço, querendo reconduzi-lo ao convento. Então, mente a Rosa dizendo que Ambrósio chamou a polícia para prendê-la. Troca de roupa com ela que, ao ser encontrada de batina, é levada à força ao convento. • Carlos começa a chantagear Ambrósio. Exige que ele convença sua tia a retirá-lo do convento, autorize seu casamento com Emília e receba o dote a que tem direito. Com medo de ser desmascarado, o bígamo golpista concorda com as exigências. O enredo ainda apresenta mais confusões, mantendo o ritmo da comédia com várias cenas engraçadas até o final feliz para Carlos e Emília. TEMÁTICA SOCIAL O noviço é uma das peças mais populares de Martins Pena e podemos dizer que seu grande tema é o engano: Anote! Temos o mestre dos noviços, que captura Rosa por engano; temos Ambrósio, mentindo para toda a família; e até mesmo Carlos, que para desmascarar Ambrósio engana Rosa. Nem os religiosos escapam, pois, à noite, eles vestem casaca e se disfarçam com uma peruca, fingindo-se de leigos, para frequentar o teatro, o que lhes é proibido. Assim como em toda a sua obra, Martins Pena tece uma série de críticas à sociedade brasileira em O Noviço. A corrupção, a impunidade, o tratamento desigual por parte da Justiça em relação a pobres e ricos, por exemplo, não escapam à atenção do autor que, logo no início da peça, faz Ambrósio comentar: "No mundo, a fortuna é para quem sabe adquiri-la. [...] Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares [...] Há oito anos, eu era pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o mérito... Se em algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres [...]". As críticas à religião e à burocracia religiosa também estão presentes nas falas do noviço Carlos: "Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar: tenho, pelo menos, três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. [...] Gosto de teatro, e de lá ninguém vai ao teatro, à exceção de Frei Maurício, que frequenta a plateia de casaca e cabeleira, para esconder a coroa." Para lembrar Martins Pena viveu em uma época na qual a Igreja Católica estava ligada ao Estado e dava-se grande importância às exterioridades do culto. Suas críticas aos religiosos e, indiretamente, à Igreja revelam uma grande coragem, ousadia e muita irreverência. O agudo senso de observação de Martins Pena muitas vezes resulta em um amargo quadro da sociedade brasileira da primeira metade do século XIX. O personagem Carlos, obrigado a seguir uma carreira que não deseja, é um instrumento para o autor fazer um discurso libertário cheio de críticas sutis às instituições: "Eis aí porque vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz: seja tesoureiro de repartição, fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação [...]". Martins Pena também se aproveita das falas de Carlos para retratar a situação dos intelectuais na sociedade brasileira, quase sempre pendurado emempregos burocráticos, em geral, nas repartições públicas: "Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes cousas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria no Brasil... E assim [o] obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim se gasta uma vida!" Apesar de traçar um painel pessimista da realidade, Martins Pena não deixa de mostrar esperanças: "O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida [...] Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura." Para o autor, entretanto, as injustiças, a corrupção e as desigualdades só serão corrigidas quando os mais fracos se unirem e, juntos, lutarem contra os poderosos. Essa união está simbolizada no acordo que Florência e Rosa fazem para se vingarem de Ambrósio: "ROSA – E nós, suas desgraçadas vítimas, nos odiaremos mutuamente, em vez de ligarmo-nos, para de comum acordo perseguirmos o traidor? FLORÊNCIA – Senhora, nem eu, nem vós temos culpa do que se tem passado. Quisera viver longe de vós; vossa presença aviva meus desgostos, porém farei um esforço – aceito o vosso oferecimento – unamo-nos e mostraremos ao monstro o que podem duas fracas mulheres quando se querem vingar. Anote! Martins Pena fez do palco um espelho do Brasil. Suas comédias, escritas poucos anos depois da proclamação da Independência, significam uma tomada de consciência da realidade brasileira, uma maneira de se tentar pensar criticamente sobre nossa cultura. Com isso, a tradição da comédia de costumes acabou sendo incorporada em nosso teatro, que seria continuada, nos anos seguintes, por autores como Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar, Artur Azevedo, Viriato Correia, Oduvaldo Vianna e tantos outros. Como escreveu o crítico José Veríssimo a respeito de Martins Pena, "poder-se-ia dizer, com alguma razão, que o teatro brasileiro estava, se não fundado, começado". BIBLIOGRAFIA CONSULTADA Bosi, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira. 1977, SP: Ed. Cultrix. Cândido, Antônio. Formação da Literatura Brasileira, s/d, SP: Livraria Martins Ed., 4o edição. Pena, Martins. O noviço. 1996, São Paulo: Ateliê Editorial. Pena, Martins. Comédias de Martins Pena. 1971, RJ: Edições de Ouro. Ver: Bosi, Alfredo. História concisa da Literatura Brasileira, 1977, São Paulo: Editora Cultrix, pág. 165. Veja mais: Pena, Martins. O noviço. Apresentação e notas de José De Paula Ramos Jr. 1996, São Paulo: Ateliê Editorial, pág.16. EXERCÍCIOS Na 1ª cena, do primeiro ato, da peça O noviço, aparece Ambrósio, que diz: "No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. 1. Que ação desta personagem é coerente com o que é dito acima? 2. Qual é a consequência de suas ações? 3. Essas consequências, vistas como decisões de quem cria o enredo, que significados podem ter para os leitores ou espectadores? O noviço Carlos foge do convento e desabafa: "E que culpa tenho eu, se tenho a cabeça esquentada? Para que querem violentar minhas inclinações? Não nasci para frade, não tenho jeito nenhum para estar horas inteiras no coro a rezar com os braços encruzados. Não me vai o gosto para aí... Não posso jejuar, tenho, pelo menos três vezes ao dia, uma fome de todos os diabos. Militar é o que eu quisera ser; para aí chama-me a inclinação." 4. A tia consegue fazer dele um padre? Em caso negativo, diga como ele consegue escapar a essa imposição. 5. Relacionando essa reflexão da personagem com o seu destino no final da peça, a que conclusão podemos chegar? (GABARITO) 1 – Abandonar a mulher do primeiro casamento, fugindo com o dinheiro dela, e casando-se interesseiramente com uma viúva rica, para dar novo golpe. Acrescente-se a isso o fato de querer internar em convento todos os dependentes de sua segunda mulher, para evitar que recebam parte da herança. 2 – É desmascarada e acaba sendo presa. 3- Revelam que o desejo de enriquecimento fácil, por meios desonestos, é errado e deve ser evitado pela pessoa de bom senso, assim como deve ser punida a pessoa que não agir da maneira correta. 4 – Não, ele consegue impor sua vontade ao desmascarar Ambrósio como golpista, interesseiro e, o que é pior, bígamo, crime que o conduz à cadeia, livrando Carlos de sua autoridade. 5 – Podemos concluir que os pais não devem violentar a tendência vocacional dos filhos, impondo-lhes destinos ou profissões, que a eles sejam desagradáveis. LEIA ATENTAMENTE: CENA I AMBROSIO (só, de calça preta e chambre) - No mundo a fortuna é para quem sabe adquiri-la. Pintam-na cega... Que simplicidade! Cego é aquele que não tem inteligência para vê-la e a alcançar. Todo homem pode ser rico, se atinar com o verdadeiro caminho da fortuna. Vontade forte, perseverança e pertinácia são poderosos auxiliares. Qual o homem que, resolvido a empregar todos os meios, não consegue enriquecer-se? Em mim se vê o exemplo. Há oito anos, era eu pobre e miserável, e hoje sou rico, e mais ainda serei. O como não importa; no bom resultado está o mérito... Mas um dia pode tudo mudar. Oh, que temo eu? Se em algum tempo tiver de responder pelos meus atos, o ouro justificar-me-á e serei limpo de culpa. As leis criminais fizeram-se para os pobres... (pp. 49/50). In Pena, Martins - Comédias (ed. Crítica por Darcy Damasceno), 1971, RJ: Edições de Ouro. CENA II Entra Florência vestida de preto, como quem vai a festa. FLORÊNCIA (entrando) - Ainda despido, Sr. Ambrósio? AMBRÓSIO - É cedo. (Vendo o relógio.) São nove horas, e o oficio de Ramos principia às dez e meia. FLORENCIA - E preciso ir mais cedo para tomarmos lugar. AMBROSIO - Para tudo há tempo. Ora dize-me, minha bela Florência... FLORENCIA - O que, meu Ambrosinho? AMBROSIO - O que pensa tua filha do nosso projeto? FLORENCIA - O que pensa não sei eu, nem disso se me dá; quero eu - e basta. E é seu dever obedecer. AMBROSIO - Assim é; estimo que tenhas caráter enérgico. FLORÊNCIA - Energia tenho eu. AMBROSIO - E atrativos, feiticeira... FLORENCIA - Ai, amorzinho! (A parte.) Que marido! AMBROSIO - Escuta-me, Florência, e dá-me atenção. Crê que ponho todo o meu pensamento em fazer-te feliz... FLORENCIA - Toda eu sou atenção. AMBROSIO - Dous filhos te ficaram do teu primeiro matrimônio. Teu marido foi um digno homem e de muito juízo; deixou-te herdeira de avultado cabedal. Grande mérito é esse... FLORÊNCIA - Pobre homem! AMBROSIO - Quando eu te vi pela primeira vez, não sabia que eras viúva rica. (A parte) Se o sabia! (Alto.) Amei-te por simpatia. FLORÊNCIA - Sei disso, vidinha. AMBRÓSIO - E não foi o interesse que obrigou-me a casar contigo. FLORÊNCIA - Foi o amor que nos uniu. AMBRÓSIO - Foi, foi, mas agora que me acho casado contigo, é de meu dever zelar essa fortuna que sempre desprezei. FLORÊNCIA (à parte) - Que marido! AMBRÓSIO (à parte) - Que tola! (Alto.) Até o presente tens gozado dessa fortuna em plena liberdade e a teu bel-prazer, mas daqui em diante, talvez assim não seja. FLORÊNCIA - E por quê? AMBRÓSIO - Tua filha está moça e em estado de casar-se. Casar-se-á, e terás um genro que exigirá a legítima de sua mulher, e desse dia principiarão as amofinações para ti, e intermináveis demandas. Bem sabes que ainda não fizestes inventário. FLORENCIA - Não tenho tido tempo, e custa-me tanto aturar procuradores! AMBROSIO - Teu filho também vai a crescer todos os dias e será preciso pôr fim dar-lhe a sua legítima... Novas demandas. FLORÊNCIA - Não, não querodemandas. AMBROSIO - E o que eu também digo; mas como preveni las? FLORENCIA - Faze o que entenderes, meu amorzinho. AMBROSIO - Eu já te disse há mais de três meses o que era preciso fazermos para atalhar esse mal. Amas a tua filha, o que é muito natural, mas amas ainda mais a ti mesma... FLORENCIA - O que também é muito natural... AMBROSIO - Que dúvida! E eu julgo que podes conciliar esses dous pontos, fazendo Emília professar em um convento. Sim, que seja freira. Não terás nesse caso de dar legítima alguma, apenas um insignificante dote - e farás ação meritória. FLORENCIA - Coitadinha! Sempre tenho pena dela; o convento é tão triste! AMBROSIO - É essa compaixão mal-entendida! O que é este mundo? Um pélago de enganos e traições, um escolho em que naufragam a felicidade e as doces ilusões da vida. E o que é o convento? Porto de salvação e ventura, asilo da virtude, único abrigo da inocência e verdadeira felicidade... E deve uma mãe carinhosa hesitar na escolha entre o mundo e o convento? FLORÊNCIA - Não, por certo... AMBROSIO - A mocidade é inexperiente, não sabe o que lhe convém. Tua filha lamentar-se-á, chorará desesperada, não importa; obriga-a e daí tempo ao tempo. Depois que estiver no convento e acalmar-se esse primeiro fogo, abençoará o teu nome e, junto ao altar, no êxtase de sua tranquilidade e verdadeira felicidade, rogará a Deus por ti. (A parte.) E a legítima ficará em casa... FLORÊNCIA - Tens razão, meu Ambrosinho, ela será freira. AMBRÓSIO - A respeito de teu filho direi o mesmo. Tem ele nove anos e será prudente criarmo-lo desde já para frade. FLORÊNCIA - Já ontem comprei-lhe o hábito com que andará vestido daqui em diante. AMBRÓSIO - Assim não estranhará quando chegar à idade de entrar no convento, será frade feliz. (A parte.) E a legítima também ficará em casa... FLORENCIA - Que sacrifícios não farei eu para ventura de meus filhos! (pp. 50 a 55). 1 – A caracterização proposta para o cenário condiz com as cenas que seguem? Comente. 2 – A primeira cena apresenta a intimidade de um personagem. É possível relacionar o estado em que se encontra vestido com as revelações que faz enquanto monologa? Comente. 3 – O monólogo de Ambrósio caracteriza sua personalidade e ao mesmo tempo critica a Justiça. Apresente sinteticamente as características dessa personalidade e relacione-a com a ideia da impunidade. 4 – O monólogo inicial de Ambrósio tem uma importante função, que se começa a exercer já na cena II. Que função é essa? Como o público participa dela? 5 – Comente o valor de falas como “Para tudo há tempo.” e “Grande mérito é esse...”, baseando -se na interpretação que delas faz Florência e o público. Lembre-se da resposta da questão anterior. 6 – As exclamações de Florência e o uso de diminutivos permitem ao público adivinhar o estado de espírito da personagem? Comente. 7 – O processo de convencimento a que Ambrósio submete Florência culmina num discurso em tom inspirado. Analise esse discurso e comente os efeitos cômicos que deve produzir no público. (GABARITO) 1 – Sim, pois se trata de uma cena da qual participam figuras de uma família abastada. 2 – Sim. Ele está “despido”, como se afirma no texto: desnuda-se diante do público, que pode conhecer seu caráter. 3 – Ambrósio é ambicioso e inescrupuloso. Sabe que, uma vez enriquecido – seja da forma que for -, poderá comprar a Justiça. 4 – Há fatos que o público conhece, mas que outros personagens da peça desconhecem. Por isso, muitos acontecimentos e fala têm significado diferente para o público e para os personagens. 5 – Florência interpreta-as dentro da situação em que se encontra, tomando-as literalmente, sem qualquer malícia. Já o público, que sabe que tipo de pessoa é Ambrósio, vê nessas frases insinuações aos planos maquiavélicos do ambicioso marido “apaixonado”. 6 – Sim; ela está apaixonada e iludida. Essa paixão e essa cegueira são apresentadas de forma caricatural ao público. 7 – Para o público, que sabe quem é Ambrósio, seu discurso moralizante e piegas é uma fonte de humor. Leia atentamente: CARLOS — O tempo acostumar! Eis aí porque vemos entre nós tantos absurdos e disparates. Este tem jeito para sapateiro: pois vá estudar medicina... Excelente médico! Aquele tem inclinação para cômico: pois não senhor, será político... Ora, ainda isso vá. Estoutro só tem jeito para caiador ou borrador: nada, é ofício que não presta... Seja diplomata, que borra tudo quanto faz. Aqueloutro chama-lhe toda a propensão para a ladroeira; manda o bom senso que se corrija o sujeitinho, mas isso não se faz; seja tesoureiro de repartição fiscal, e lá se vão os cofres da nação à garra... Essoutro tem uma grande carga de preguiça e indolência e só serviria para leigo de convento, no entanto vemos o bom do mandrião empregado público, comendo com as mãos encruzadas sobre a pança o pingue ordenado da nação. EMÍLIA — Tens muita razão; assim é. CARLOS — Este nasceu para poeta ou escritor, com uma imaginação fogosa e independente, capaz de grandes cousas, mas não pode seguir a sua inclinação, porque poetas e escritores morrem de miséria, no Brasil... E assim o obriga a necessidade a ser o mais somenos amanuense em uma repartição pública e a copiar cinco horas por dia os mais soníferos papéis. O que acontece? Em breve matam-lhe a inteligência e fazem do homem pensante máquina estúpida, e assim se gasta uma vida? É preciso, é já tempo que alguém olhe para isso, e alguém que possa. EMÍLIA — Quem pode nem sempre sabe o que se passa entre nós, para poder remediar; é preciso falar. CARLOS — O respeito e a modéstia prendem muitas línguas, mas lá vem um dia que a voz da razão se faz ouvir, e tanto mais forte quanto mais comprimida. EMÍLIA — Mas Carlos, hoje te estou desconhecendo... CARLOS — A contradição em que vivo tem-me exasperado! E como queres tu que eu não fale quando vejo, aqui, um péssimo cirurgião que poderia ser bom alveitar; ali um ignorante general que poderia ser excelente enfermeiro; acolá, um periodiqueiro que só serviria para arrieiro, tão desbocado e insolente é, etc., etc. Tudo está fora de seus eixos. EMÍLIA — Mas que queres tu que se faça? CARLOS — Que não se constranja ninguém, que se estudem os homens e que haja uma bem entendida e esclarecida proteção, e que, sobretudo, se despreze o patronato, que assenta o jumento nas bancas das academias e amarra o homem de talento à manjedoura. Eu, que quisera viver com uma espada à cinta e à frente do meu batalhão, conduzi-lo ao inimigo através da metralha, bradando: "Marcha... (Manobrando pela sala, entusiasmado:) Camaradas, coragem, calar baionetas! Marche, marche! Firmeza, avança! O inimigo fraqueia... (Seguindo Emília, que recua, espantada:) Avança!" 1 – Interprete a fala de Carlos: “Ora ainda isso vá”. 2 – Em que se fundamenta, basicamente, o discurso de Carlos? 3 – Segundo o noviço, como a sociedade conduz os talentos artísticos? 4 – O que há de modesto no discurso de Carlos? (GABARITO) 1 – Ele sugere que a vocação para cônego (membro do clero) não é completamente incompatível com a política, já que a Igreja tem também seus meandros politiqueiros. 2 – Na pouca autonomia que os jovens da época tinham para decidir seu próprio futuro, ficando à mercê dos mais velhos que geralmente optavam pela carreira que lhes parecia melhor, sem considerar o talento da pessoa em questão. 3 – Direcionando -os para carreiras burocráticas e enfadonhas que lhes tolherá a veia artística e a inteligência. 4 – Ele reivindica, no século XIX, o que é mais corrente no mundo atual: o direito de os jovens seguirem a carreira que mais lhes interessasse.