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www.cers.com.br 1 www.cers.com.br 2 Redes sociais: Instagram: @professoracristianedupret Facebook: Cristiane Dupret (Página) SITE: www.cristianedupret.com.br DOIS PASSOS: Clique em Cadastre-se e Assine a Lista para receber um Ebook http://www.cristianedupret.com.br/ www.cers.com.br 3 AULA 07 Após os crimes contra a vida, o próximo tópico em análise, ainda no Título I, porém no Capítulo II, é relacionado aos crimes de lesão corporal. O primeiro fragmento da Parte Especial do Código Penal é representado pelos cri- mes de homicídio, induzimento, instigação e auxílio a suicídio; infanticídio e aborto. Ou seja, a parte especial é inaugurada com os crimes contra a vida. Em seguida aos crimes contra a vida, o Código Penal cuida das condutas ofensivas à integridade corporal ou à saúde de outrem. Previsto no artigo 129 do Código Penal, o crime de lesão corporal deve ser analisado não somente nesse diploma, mas em conjunto com Leis Especiais. A doutrina, como por exemplo Guilherme Nucci, costuma dizer que para configuração do crime de lesão corporal não basta somente a ofensa moral, sendo portanto, também necessário, que exista algum dano ao corpo humano. Assim como no crime de homicídio, na lesão corporal também precisa ser identificado o elemento subjetivo, ou seja, analisar se o crime é doloso ou culposo. Justifica-se tal afirmação, pois somente após a identificação deste elemento subjetivo é que, concluindo-se pela existência de lesão corporal dolosa, ela poderá sofrer nova classifi- cação. A lesão corporal dolosa poderá ser de natureza leve, grave, gravíssima ou seguida de morte. Já a lesão corporal culposa (artigo 129, parágrafo 6º) é aquela praticada sob negligência, imprudência ou imperícia do agen- te, não recebendo qualquer outra classificação e não possuindo, portanto, qualquer gradação. Não existe lesão corporal culposa leve, grave ou gravíssima. Vejamos esquematicamente como se classifica a lesão corporal quanto às modalidades típicas: Iniciando o conhecimento do crime de lesão corporal estudar-se-á primeiramente a modalidade grave e gravíssi- ma, tendo em vista que a identificação da lesão corporal de natureza leve é feita por exclusão. Vejamos o artigo 129, parágrafo 1º: Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; II - perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos. Muito embora o Código Penal ao intitular genericamente o parágrafo 1º do artigo 129 com a expressão “Lesão corporal de natureza grave” doutrinariamente e jurisprudencialmente afirma-se que a lesão corporal poderá ser grave ou gravíssima. www.cers.com.br 4 Entende-se que grave é a lesão corporal prevista no parágrafo 1º do artigo 129 e gravíssima aquela prevista no parágrafo 2º. Vejamos cada inciso: § 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; O inciso I do parágrafo 1º, ao expressar “ocupações habituais” quer dizer tudo o que a pessoa faz no seu dia a dia, não sendo necessariamente atividades lucrativas. Ao comparar com o inciso I do parágrafo 2º (lesão corporal gravíssima), verifica-se a exigência de incapacidade permanente para o trabalho. Percebe-se que o parágrafo 2º, inciso I é bem mais específico. Ou seja, a vítima pre- cisa ficar incapacitada de forma permanente para o trabalho. Vejamos o quadro comparativo abaixo: Lesão Corporal Grave (parágrafo 1º) Lesão Corporal Gravíssima (parágrafo 2º) I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; I - Incapacidade permanente para o trabalho; Pena - reclusão, de um a cinco anos. Pena - reclusão, de dois a oito anos. Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: II - perigo de vida; O inciso II do parágrafo 1º do artigo 129 trata sobre o perigo de vida. Daí surge-se a seguinte indagação: O que é perigo de vida? É aquele que consiste na probabilidade séria de causar perigo, devendo ser atestado pela perícia. Rogério Sanches, por exemplo, entende ser “aquele perigo presente, real e não somente opinado, resultado de simples conjecturas”. De acordo com exigência expressa da doutrina, o perigo de vida, apto a tornar a lesão cor- poral grave, precisa ser atestado por perícia. Lesão corporal de natureza grave § 1º Se resulta: III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; www.cers.com.br 5 Quanto ao inciso III do parágrafo 1º façamos a seguinte comparação com o parágrafo 2º: Lesão Corporal Grave (parágrafo 1º) Lesão Corporal Gravíssima (parágrafo 2º) III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; III - perda ou inutilização do membro, sentido ou fun- ção; Pena - reclusão, de um a cinco anos. Pena - reclusão, de dois a oito anos. O inciso III do parágrafo 1º abarca a debilidade permanente de membro, sentido ou função, o que é diferente no parágrafo 2º que, de forma mais gravosa traz a perda ou inutilização do membro, sentido ou função. Pergunta-se: O que é membro, sentido ou função? Membro São os superiores e inferiores: mão, braço e antebraço; pé, perna ou coxa. Sentido São todos os cinco sentidos (Audição, tato, paladar, visão e olfato) Funções Todas as funções do corpo humano (respiratória, reprodutora etc) Ex.: Imaginemos que a vítima perca o pulmão. Essa lesão corporal é considerada grave ou gravíssima? Embora o caso concreto tenha narrado a perda de um pulmão, trata-se de uma das funções do corpo humano, visto como lesão corporal grave, pois terá uma debilidade permanente da função respiratória. Imagine, agora, que no momento da lesão corporal a vítima perca um dos olhos (e não a visão). Poderia até se pensar na debilidade permanente de um dos sentidos (visão). Todavia, ao fazer a comparação dos parágrafos 1º e 2º é possível verificar que embora a perda de um dos olhes cause a debilidade permanente do sentido visão, deve preponderar a existência de hipótese que caracteriza a lesão corporal como gravíssima. Considera-se uma deformidade permanente, é algo esteticamente perceptível. Desta forma, é sempre importante no caso concreto, averiguar a situação dentro da análise de todos os incisos de ambos os parágrafos (1º. e 2º), pois caso a questão apresente situação que possa se adequar aos dois parágrafos, deve preponderar a existência de lesão corporal gravíssima. Quanto ao inciso IV do parágrafo 1º é preciso ter muita atenção na diferença entre acelerar o parto e a morte do feto. Vejamos: IV - aceleração de parto Este inciso precisa ser analisado em comparação com o inciso V do parágrafo 2º. Aceleração de parto significa dizer que a criança vai nascer antes da hora. Quando houver a morte do feto é en- quadrado no inciso V do parágrafo 2º (lesão corporal gravíssima). No inciso V, o resultado aborto é atribuído ao agente a título de culpa, pois ele não pode ter a intenção de causar a morte do feto. Caso haja tal intenção, deverá responder também pelo crime de aborto. Imagine que o agente após o término de seu relacionamento e por sua namorada estar grávida, começa a chutar a vítima com a intenção da morte do feto. Neste caso, o agente quer aquele resultado, o que trará a responsabili- zação criminal pelo concurso de crimes de lesão corporal da gestante e aborto. Essa lesão corporal, no entanto, não será a prevista no artigo 129, inciso V. Se o agente agride uma mulher que ele não sabe que está gravida não será enquadrado em lesão corporal gra- víssima, ou seja, o inciso V, visto que ele não tinha ciência daquela situação. Desta forma, para que se caracterize o inciso V, o sujeito passivo precisa ser a gestante e o sujeito ativo saber da condição de gestante, mas ele não quer o aborto, querendo somente agredir avítima. Este aborto, como vimos, é provocado a titulo de culpa. Esquematizando: www.cers.com.br 6 É importante ainda diferenciar tais modalidades da previsão contida no artigo 127 do Código Penal. Vejamos: Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são dupli- cadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. O artigo acima, embora chamado pelo Código Penal, de forma qualificada de aborto, caracteriza-se como causa de aumento de pena do referido crime. Portanto, imaginemos que alguém provoque aborto na gestante. No entan- to, em virtude das manobras abortivas, acabe, culposamente, produzindo na gestante lesões corporais que impe- dem uma nova gravidez. Qual será a responsabilidade penal do agente? Ele deverá responder pelo crime de aborto, majorado pelo artigo 127 do Código Penal. Lesão Corporal no âmbito doméstico: A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria Da Penha, tem como objetivo tornar mais gravosa a penalidade daquele que agride a mulher no âmbito de violência doméstica. É importante ressaltar que após a entrada em vigor dessa lei, houve alteração no preceito secundário do artigo 129, parágrafo 9º. No entanto, é importante en- tender que o parágrafo 9º do artigo 129 não se restringe à hipótese de violência doméstica contra a mulher. Ele se aplica a qualquer hipótese de lesão corporal leve praticada no âmbito doméstico, ainda que a vítima seja um ho- mem. Um exemplo disso pode ser a lesão corporal praticado pelo filho contra o pai. No entanto, caso a violência doméstica seja contra a mulher, deverá incidir a lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), que prevê vários malefícios direcionados a quem praticou a violência doméstica contra a mulher. Desta forma, quando é identificada no caso concreto a prática de lesão corporal no âmbito doméstico, tipificar-se- á a conduta no parágrafo 9º. Vejamos: § 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem con- viva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hos- pitalidade: (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006). Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos. Ao fazer leitura do parágrafo 9º é preciso ter ciência que não se trata da aplicação imediata da Lei Maria da Pe- nha. Justifica-se tal afirmação no sentido de que não há referência expressa no parágrafo 9º de violência contra a mulher, conforme visto anteriormente. Outro ponto de destaque é que a tipificação no parágrafo 9º não poderá ocorrer se a lesão corporal for grave ou gravíssima. Veremos isso a seguir. www.cers.com.br 7 Se a lesão corporal for praticada contra a mulher no âmbito doméstico com natureza grave ou gravíssima. Como tipificar? Vejamos o parágrafo 10 § 10. Nos casos previstos nos §§ 1o a 3o deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9o deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço). Continuará a ser tipificada no parágrafo 1º ou 2º, com o aumento de 1/3 da pena, em virtude da incidência do pa- rágrafo 10. Lesão Corporal Funcional Assim como o crime de homicídio teve alteração legislativa, o crime de lesão corporal, por meio da Lei 13.142/15, também sofreu modificação, com a inclusão do parágrafo 12, cuja natureza é de causa de aumento de pena. Ve- jamos: § 12. Se a lesão for praticada contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decor- rência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa con- dição, a pena é aumentada de um a dois terços. Pontos importantes: A lesão corporal leve é de ação penal pública condicionada à representação, assim como a lesão corporal culpo- sa. A Lei 9.099/95, no artigo 88, exige a representação como condição de procedibilidade para a ação penal de natureza leve e culposa. Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. Pergunta-se: E nos casos de violência doméstica também funciona da mesma forma? O artigo 129, parágrafo 9º não altera a regra. É preciso ter atenção, pois não significa dizer que será aplicada a Lei 9.099 em sua íntegra. Isso porque a pena máxima do parágrafo 9º é de três anos. Não se trata de uma infração penal de menor poten- cial ofensivo. No entanto, por ser lesão corporal de natureza leve, deve incidir o artigo 88 da Lei 9099/95. Via de regra, o crime previsto no parágrafo 9º do artigo 129 é de ação penal pública condicionada à representação. Atenção!!! Quando a lesão corporal doméstica for caracterizada contra a mulher, o cenário será outro. Isso quer dizer que irá incidir a aplicação da Lei Maria da Penha. O artigo 41 da Lei Maria da Penha veda a aplicação de lei 9.099/95. Por outro lado, vimos que é a Lei 9.099/95, no artigo 88, que exige a representação para os crimes de lesão corporal leve e culposa. Então, embora a regra seja que na lesão corporal leve e culposa, a representação funcione como condição de procedibilidade da ação penal, essa regra não será aplicada quando a lesão corporal leve ou culposa ocorrer no âmbito doméstico contra a mulher. Desta forma, podemos afirmar que em qualquer hipótese de violência doméstica contra a mulher, que se caracterize o crime de lesão corporal, independente de sua modalidade, a ação penal será sempre pública incondicionada. Vejamos a diferença: Ação penal pública condicionada à representação Ação Penal pública incondicionada Via de regra, nas hipóteses de lesão corporal leve ou culposa, inclusive nas hipóteses do artigo 129, parágra- fo 9º. Quando a violência for contra a mulher e em situação de violência doméstica, seja qual for a modalidade de lesão corporal. Vejamos o artigo 41 da Lei Maria da Penha: www.cers.com.br 8 Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995. Esse artigo teve a sua constitucionalidade questionada, através da ADC (Ação Declaratória de Constitucionalida- de) 19, e da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 4424. Em julgamento, o STF já analisou o artigo 41 e con- siderou a constitucionalidade dele. Sendo assim, qualquer modalidade de lesão corporal contra a mulher vítima de violência doméstica é de ação penal pública incondicionada. Isso porque não se pode aplicar a Lei 9099/95 em caso de violência doméstica contra a mulher. De acordo com o artigo 5º da Lei 11.340/06, as formas de violência doméstica e familiar contra a mulher são: - Física; - Psicológica; - Sexual; - Patrimonial; - Moral. Já o artigo 5º da referida lei especifica quando a violência será considerada doméstica. Vejamos: Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omis- são baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou pa- trimonial: I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa; III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, indepen- dentemente de coabitação. www.cers.com.br 9 Parágrafo único. As relações pessoaisenunciadas neste artigo independem de orientação sexual. Cabe destacar que o fato de não existir representação como condição da ação penal em caso de lesão corporal com violência doméstica contra a mulher, não significa que em outros crimes isso aconteça também. Um exemplo disse é o crime de ameaça, cometido como violência psicológica doméstica contra mulher. Este crime continuará sendo de ação penal pública condicionada à representação, pois neste caso, a exigência de representação encon- tra-se dentro do próprio Código Penal. Ou seja, o problema não está na figura da representação em si, mas sim no fato de não podermos aplicar a lei 9099/95, onde consta a exigência de representação para o crime de lesão corporal leve ou culposa. Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único - Somente se procede mediante representação. Ainda pensando no exemplo da ameaça, que é de ação penal pública condicionada, o artigo 16 da Lei Maria da Penha prevê a exigência de ser realizada audiência especial caso a vítima queira se retratar. O objetivo do legis- lador, ao impor essa condição, é saber se a vítima está sendo coagida a tomar aquela decisão, seja para manter o lar, seja por medo de maiores agressões. Vejamos: Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público. Desta forma: Caso a mulher seja vítima do crime de ameaça proferida pelo seu companheiro. A ação penal conti- nua sendo condicionada à representação, tendo em vista que o artigo 147 do Código Penal traz essa previsão. Caso a vítima tenha interesse em se retratar é preciso que haja uma audiência especial perante o juiz para que a vítima renuncie o direito de representação. Prosseguindo nos malefícios da Lei Maria da Penha, o artigo 17 veda a aplicação de algumas penas. Veja: Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa. O legislador quis evitar que o agente cometa o crime de violência doméstica e que tenha como consequência o simples pagamento de uma cesta básica, por exemplo. Enunciados importantes: STJ, 542 A ação penal relativa ao crime de lesão corporal resultante de violência doméstica contra a mulher é pública in- condicionada. STJ, 536 A suspensão condicional (artigo 89, da Lei 9.099) do processo e a transação penal (artigo 76, da Lei 9.099) não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha. CRIMES CONTRA A HONRA Iniciando o estudo do capítulo V, do Título I, do Código Penal, serão analisados os crimes contra a honra, tipifica- dos nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, prevendo, respectivamente a calúnia, difamação e injúria. Vejamos um primeiro quadro esquemático acerca de tais previsões típicas: www.cers.com.br 10 Tanto no crime de calúnia quanto no crime de difamação, pode-se perceber que há em comum a imputação de um fato. Quer se dizer que imputa-se algo que supostamente ocorreu, ou seja, um acontecimento. O crime de calúnia, em poucas palavras, caracteriza-se por imputar falsamente um fato tido como crime. Já a difamação é imputar a alguém fato (acontecimento) não criminoso, mas ofensivo à reputação. E, por fim, injúria é trazer qualidades negativas ou defeitos á pessoa; é a ofensa à dignidade ou decoro. Ex. 1: A , durante reunião do condomínio, diz que a síndica se apropriou indevidamente de determinados valores, destinados à quota extra para pintura do prédio. Caracteriza-se o crime de calúnia. Ex. 2: A atribui a síndica qualidade pejorativa, profere xingamentos, chamando-a de ladra e estelionatária. Carac- teriza-se o crime de injúria. Cabe destacar que aqui incide o erro da maioria dos estudantes. Muitos acreditam que neste caso haveria calúnia, pelo fato de os xingamentos serem ligados a crimes. No entanto, é importante enten- der o porquê não haverá calúnia. O artigo 138 exige que o agente impute fato, acontecimento. Esse fato imputado precisa ser determinado. O agente precisa dizer que a pessoa fez alguma coisa, como no exemplo anterior. Desta forma, o mero xingamento sempre será considerado crime de injúria. Ex.3: A , durante uma festa, na frente de outras pessoas, atribui fato ofensivo à reputação da vítima, mas que não é definido como crime, dizendo que a pessoa se prostitui aos fins de semana na boate X. Caracteriza-se o crime de difamação. Houve imputação de fato determinado. Caso o agente apenas afirmasse que a pessoa era prostitu- ta, o crime praticado seria de injúria. Observa-se que no quadro acima, nos dois primeiros crimes, calúnia e difamação, atinge-se a honra objetiva da vítima. Conclui-se, então, que é necessário que outra pessoa tome conhecimento. Ou seja, a consumação destes crimes ocorre quando outra pessoa toma conhecimento da ofensa, fazendo com que se possa alterar o juízo de valor que outras pessoas fazem da vítima. Vejamos a diferenciação esquematizada: www.cers.com.br 11 Vejamos os artigos correspondentes aos crimes: Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa. Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. CALÚNIA Tipificado no artigo 138 do Código Penal, o crime de calúnia é entendido como a imputação falsa de um fato defi- nido como crime. O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa. Trata-se, portanto, de crime comum. Ainda nesse dispositivo, é possível verificar no parágrafo 2º a possibilidade de crime praticado contra os mortos, que terá como sujeito ativo tanto aquele imputa o fato quanto aquele que propaga o dito. A calúnia é o único crime contra a honra que pode ser cometido quando o agente imputa fato contra alguém que já morreu, O crime de calúnia é doloso, pois há a vontade do agente em ofender a honra objetiva daquela vítima. A consu- mação ocorre quando um terceiro toma conhecimento dos fatos imputados à vítima. Exceção da Verdade: Exceção da verdade dá-se quando o agente quer provar que tal imputação feita é verdade. A regra é pela admis- são da exceção da verdade no crime de calúnia, existindo apenas três hipóteses de vedação. § 3º - Admite-se a prova da verdade, salvo: I - se, constituindo o fato imputado crime de ação privada, o ofendido não foi condenado por sentença irrecorrível; II - se o fato é imputado a qualquer das pessoas indicadas no nº I do art. 141; III - se do crime imputado, embora de ação pública, o ofendido foi absolvido por sentença irrecorrível. www.cers.com.br 12 Em qualquer outra situação é possível que o agente consiga provar que o que ele falou é verdade. Neste caso, ele não responderá por calúnia. DIFAMAÇÃO Encontra-se tipificada no artigo 139 do Código Penal e tem como conduta a imputação de qualquer fato ofensivo à sua reputação e que não seja definido como crime. Poderá ser sujeito ativo qualquer pessoa. Trata-se também de crime comum. Assim como no crime de calúnia, a conduta do agente é dolosa, tendo em vista que se tem a inten- ção de desonrar a imagem daquela vítima. Quanto ao momento da consumação, ocorre quando um terceiro toma conhecimento dos fatos imputados ao ofendido. Na difamação, somente se admite a exceção da verdade quando o ofendido é funcionário público e a ofensa é relativaao exercício de suas funções. Parágrafo único - A exceção da verdade somente se admite se o ofendido é funcionário público e a ofensa é rela- tiva ao exercício de suas funções. Ex.: A imputa fato ofensivo à reputação de funcionário público, dizendo que todas as tardes, ele sai no seu horário de trabalho para encontrar com sua amante. INJÚRIA O crime de injúria encontra-se no artigo 140 do Código Penal e tem como conduta a ofensa à dignidade ou decoro de alguém. Poderá ser sujeito ativo qualquer pessoa, sendo considerado crime comum a exemplo dos demais. Ao contrário dos dois primeiros crimes estudados a injúria tem o objetivo de ofensa a honra subjetiva do agente. Des- ta forma, estará consumado quando a ofensa chega ao conhecimento do próprio ofendido. A conduta será dolosa, podendo o dolo ser direto ou eventual. E, consuma-se quando a vítima toma conhecimento das palavras negativas que foram ditas ao seu respeito. É possível verificar que no parágrafo 1º haverá a possibilidade do perdão judicial, que é causa extintiva da punibi- lidade. O crime continua existindo, todavia, o juiz deixará de aplicar a pena. Vejamos: § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Já o parágrafo 2º traz a previsão da injúria real, sendo considerada uma forma qualificada de injúria. Nessa moda- lidade, compreende-se dizer que o agente age com violência ou vias de fato ao ofender a dignidade ou decoro da vítima. Vejamos: § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se consi- derem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. E, no parágrafo 3º tem-se a injúria preconceituosa, que não se confunde com o crime de preconceito (Lei nº 7.716/89). A injúria preconceituosa é acompanhada de xingamentos, utilizando-se o agente de elementos referen- tes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou com deficiência. Vejamos: § 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: Pena - reclusão de um a três anos e multa. www.cers.com.br 13 Crime de Injúria preconceituosa (parágrafo 3º do artigo 140 do CP) Crime de preconceito (Lei 7.716/89) Artigo 1º A injúria preconceituosa é acompa- nhada de xingamentos, utilizando-se o agente de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou porta- dora de deficiência. - Procedência nacional - cor - Raça - Etnia - Religião Conduta: impedir alguém de fazer alguma coisa devido a sua cor, raça, religião. Ou ainda, incitar ou praticar preconceito. Crime inafiançável e imprescritível (artigo 5º, inciso XLII da CRFB). Dentre as modalidades típicas previstas na Lei de Preconceito (Lei 7.716/89) o artigo 20 traz uma hipótese que é bem diferente das demais. Veremos tal modalidade mais adiante. Imagine que A entra na sua página social e posta uma declaração falando mal de uma determinada religião. A conduta não é direcionada a uma determinada pessoa e sim ao grupo religioso como um todo. Nesse caso, confi- gura-se crime de preconceito, previsto no artigo 20 da lei. Se A xingar determinada pessoa utilizando-se da religião dela, fazendo declarações maldosas à pessoa, em virtu- de da religião que ela segue, configura-se o crime de injúria preconceituosa, prevista no 3º do artigo 140 do CP. É importante a leitura do artigo 20 da Lei de 7.716/89, vejamos: Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência naci- onal. Pena: reclusão de um a três anos e multa. § 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza: Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa. § 3º No caso do parágrafo anterior, o juiz poderá determinar, ouvido o Ministério Público ou a pedido deste, ainda antes do inquérito policial, sob pena de desobediência: I - o recolhimento imediato ou a busca e apreensão dos exemplares do material respectivo; II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas ou televisivas. II - a cessação das respectivas transmissões radiofônicas, televisivas, eletrônicas ou da publicação por qualquer meio; III - a interdição das respectivas mensagens ou páginas de informação na rede mundial de computadores. § 4º Na hipótese do § 2º, constitui efeito da condenação, após o trânsito em julgado da decisão, a destruição do material apreendido. O artigo 3º desta lei traz a conduta de impedir acesso a alguns direitos, por motivos de preconceito. Vejamos: Art. 3º Impedir ou obstar o acesso de alguém, devidamente habilitado, a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta, bem como das concessionárias de serviços públicos. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, por motivo de discriminação de raça, cor, etnia, religião ou pro- cedência nacional, obstar a promoção funcional. Atenção!!! Na hipótese de preconceito por orientação sexual não se enquadra na Lei de Preconceito (7.716/89), nem no crime de injúria preconceituosa (parágrafo 3º do artigo 140) por ausência de previsão legal, não sendo possível a analogia in malam partem. www.cers.com.br 14 A lei 7716/89 prevê ainda outras condutas típicas que se caracterizam por impedimento de acesso a direito, tais como: - Recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial; - Recusar, negar ou impedir a inscrição ou ingresso de aluno em estabelecimento de ensino público ou privado; - Impedir o acesso ou recusar hospedagem; - Impedir o acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias, ou locais semelhantes abertos ao público; - Impedir o acesso ou recusar atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões, ou clubes sociais abertos ao público; - Impedir o acesso ou recusar atendimento em salões de cabeleireiros, barbearias, termas ou casas de massagem ou estabelecimento com as mesmas finalidades; - Impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou escada de acesso aos mesmos; - Impedir o acesso ou uso de transportes públicos, como aviões, navios barcas, barcos, ônibus, trens, metrô ou qualquer outro meio de transporte concedido; - Impedir ou obstar o acesso de alguém ao serviço em qualquer ramo das Forças Armadas; - Impedir ou obstar, por qualquer meio ou forma, o casamento ou convivência familiar e social; Prevê ainda a Lei 7716/89 como efeito da condenação a perda do cargo ou função pública, para o servidor públi- co, e a suspensão do funcionamento do estabelecimento particular por prazo não superior a três meses. Tais efei- tos não são automáticos e devem ser motivados na sentença. I - deixar de conceder os equipamentos necessários ao empregado em igualdade de condições com os demais trabalhadores; II - impedir a ascensão funcional do empregado ou obstar outra forma de benefício profissional; III - proporcionar ao empregado tratamento diferenciado no ambiente de trabalho, especialmente quanto ao salá- rio. Tão importante quanto saber diferenciar o crime contra a honra do o crime de preconceito, é glorioso imperioso diferenciar o crime de calúnia do crime de denunciação caluniosa, que é crime contra a Administração da Justiça. Vejamos o artigo 339 do Código Penal: Art. 339. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial, instauração deinvestigação admi- nistrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº 10.028, de 2000) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. Em que pese o artigo 339 também trazer a expressão “imputando-lhe crime de que o sabe inocente” há uma dife- rença na conduta, pois a sua particularidade é “Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judi- cial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa”. O verbo núcleo é dar causa, movimentando indevidamente a máquina administrativa. Como meio haverá a impu- tação a alguém falsamente de fato definido como crime. Imagine a seguinte situação: A não gosta do seu vizinho e sabendo que a esposa dele o abandonou, decide ir à delegacia e contar falsamente que o seu vizinho cometeu o crime de homicídio contra a esposa. Quando a policia vai investigar, provavelmente não irá encontra-la, pois ela está em outra cidade. Nesse caso, o agente movimenta a máquina administrativa para investigar algo que não procede. O crime de calúnia, nesse caso, ficará absorvido pela denunciação caluniosa. O parágrafo 2º aduz que quando for hipótese de imputação de contravenção penal a pena poderá ser diminuída de metade. Ou seja: No crime de denunciação caluniosa, diferente do crime de calúnia, a imputação pode ser de contravenção penal. www.cers.com.br 15 § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção. Além da tipificação da calúnia, da difamação e da injúria, o Código Penal prevê outras disposições importantes quanto aos crimes contra a honra. Ao analisarmos o artigo 141 do Código Penal verifica-se as causas de aumento de pena a serem considerada na terceira fase da dosimetria da pena. Vejamos: Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido: I - contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro; II - contra funcionário público, em razão de suas funções; III - na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria. IV – contra pessoa maior de 60 (sessenta) anos ou portadora de deficiência, exceto no caso de injúria. Parágrafo único - Se o crime é cometido mediante paga ou promessa de recompensa, aplica-se a pena em dobro. Já no artigo 142, existem situações que excluem o crime de injúria ou difamação: Art. 142 - Não constituem injúria ou difamação punível: I - a ofensa irrogada em juízo, na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador; II - a opinião desfavorável da crítica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar ou difamar; III - o conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumpri- mento de dever do ofício. Parágrafo único - Nos casos dos ns. I e III, responde pela injúria ou pela difamação quem lhe dá publicidade. A retratação é considerada como causa extintiva da punibilidade (artigo 107 do CP). Isso quer dizer que o crime existe, porém não será punido. O artigo 143 estabelece a possibilidade de retratação (desdizer o que foi dito ante- riormente) nos crimes de calúnia ou difamação, não sendo cabível a retratação em caso de injúria. Art. 143 - O querelado que, antes da sentença, se retrata cabalmente da calúnia ou da difamação, fica isento de pena. Parágrafo único. Nos casos em que o querelado tenha praticado a calúnia ou a difamação utilizando-se de meios de comunicação, a retratação dar-se-á, se assim desejar o ofendido, pelos mesmos meios em que se praticou a ofensa. (Incluído pela Lei nº 13.188, de 2015) De acordo com a inclusão feita no parágrafo único, a vítima pode exigir que a retratação seja feita pelo mesmo canal em que foi proferida a calúnia ou difamação, como por exemplo, Facebook. O artigo 144 prevê o pedido de explicação em juízo, para que o ofensor se expresse melhor quanto ao ocorrido e que se possa verificar se houve ou não a ofensa. Atenção à seguinte expressão: “Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, res- ponde pela ofensa”. Quer se dizer que ele será responsabilizado pelo crime, porém não significa que será conde- nado. Art. 144 - Se, de referências, alusões ou frases, se infere calúnia, difamação ou injúria, quem se julga ofendido pode pedir explicações em juízo. Aquele que se recusa a dá-las ou, a critério do juiz, não as dá satisfatórias, res- ponde pela ofensa. O artigo 145 do Código Penal dispõe sobre a ação em penal nos crimes contra a honra. Em regra, os crimes con- tra a honra são de ação penal privada. No entanto, excepciona-se a injúria real e os crimes contra a honra do Pre- sidente da República e de Chefe de Governo. Neste último, a ação penal pública será pública condicionada à re- quisição do Ministro da Justiça. Quanto à injúria preconceituosa, a ação penal será publica condicionada à representação do ofendido. www.cers.com.br 16 Art. 145 - Nos crimes previstos neste Capítulo somente se procede mediante queixa, salvo quando, no caso do art. 140, § 2º, da violência resulta lesão corporal. Parágrafo único. Procede-se mediante requisição do Ministro da Justiça, no caso do inciso I do caput do art. 141 deste Código, e mediante representação do ofendido, no caso do inciso II do mesmo artigo, bem como no caso do § 3o do art. 140 deste Código. Hipótese bastante diferenciada ocorre em caso de crime contra a honra de funcionário público em razão de sua função. Muito embora o artigo 145 preveja a hipótese como de ação penal pública condicionada à representação, o enunciado 714 do STF permite a legitimidade concorrente. Vejamos: É concorrente a legitimidade do ofendido, mediante queixa, e do ministério público, condicionada à representação do ofendido, para a ação penal por crime contra a honra de servidor público em razão do exercício de suas fun- ções. Logo, passa a existir a possibilidade de que o funcionário público inicie ação penal privada ou de que ofereça re- presentação, caso em que o Ministério Público deverá oferecer a denúncia. Frisa-se que isso não se confunde o crime de desacato. O crime de desacato configura-se na presença do funcio- nário público, conforme veremos mais adiante na análise dos crimes contra a Administração Pública. Observe o quadro abaixo: Crime de Desacato (artigo 331 do CP) Injúria contra o funcionário público em razão de sua função (artigo 141, inciso II) - Pode ser praticado por qualquer pessoa; - É imprescindível que seja praticado na presença do funcionário público; - Consuma-se com humilhação, menosprezo da fun- ção. - xingamento do funcionário público; - Pode ser por escrito Ação penal pública incondicionada Condicionada à representação ou legitimidade concor- rente – ação de iniciativa privada CRIMES PATRIMONIAIS Iniciando o Título II da Parte Especial do Código Penal, estudaremos os crimes patrimoniais, que demonstram a proteção do Estado à propriedade. Inaugurando os crimes patrimoniais, tem-se o furto, com tipificação no artigo 155 do Código Penal. Um dos primei- ros passos é saber diferenciar o crime de furto do crime de roubo. www.cers.com.br 17 No furto não há utilização de violência ou grave ameaça. O furto caracteriza-se pela mera subtração. Previsto no artigo 155 do Código Penal, o crime de furto pode ser praticado por qualquer pessoa, tratando-se de crime comum. A conduta é necessariamente dolosa, tendo em vista que o agente age com vontade consciente de subtrair o patrimônio alheio. É admissível a tentativa. O furtoclassifica-se, essencialmente, em simples, majorado, privilegiado ou qualificado. O furto majorado caracteriza-se pela incidência de causa de aumento de pena na hipótese prevista no parágrafo primeiro do artigo 155: § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. Já o furto privilegiado está previsto no parágrafo 2º e traz alguns requisitos a serem cumpridos para que o juiz possa substituir a pena de reclusão pela detenção, diminuir a pena ou somente aplicar a multa. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. Exige-se a primariedade e o pequeno valor da coisa furtada. Entende-se como primário aquele que não é reinci- dente. Neste ponto é preciso ter atenção para não confundir pequeno valor com aplicação do princípio da insignifi- cância. O princípio da insignificância exclui a tipicidade material. Caso a hipótese autorize aplicação do princípio da insignificância, não haverá crime. Logo, o parágrafo 2º apenas deve incidir subsidiariamente, caso esteja des- cartada a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância ou bagatela. Os Tribunais Superiores entendem que para aplicação do princípio da insignificância devem ser respeitados al- guns requisitos que são cumulativos. Vejamos: - Conduta minimamente ofensiva; - Reduzido grau de reprovabilidade do comportamento; - Ausência de risco social; - Inexpressividade da lesão jurídica causada. Se não houver a possibilidade de aplicação do princípio da insignificância, passa-se a análise do crime de furto privilegiado. O crime continua a ser punido, porém de uma maneira menos gravosa. Entende a jurisprudência que pequeno valor pode ser considerado como aquele de até um salário mínimo. Ou seja, a análise acaba sendo bas- tante objetiva para a incidência do parágrafo 2º. Ainda no crime de furto, há situações em que ele será punido de forma mais gravosa. Trata-se das qualificadoras. Em tais hipóteses, o legislador previu nova escala penal. Atualmente, existem três parágrafos que preveem for- mas qualificadas no artigo 155: Os parágrafos 4º, 5º e 6º. Incluído por alteração legislativa, o parágrafo 6º somente poderá ser aplicado para condutas praticadas após a sua vigência. A Lei 13.330/2016 entrou em vigor em 03/08/2016, sendo considerada lei maléfica e somente po- www.cers.com.br 18 dendo ser aplicada para condutas praticadas, portanto, a partir do dia 03/08/2016. Vejamos a nova modalidade de furto qualificado: § 6º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produ- ção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. Há, ainda, outras qualificadoras previstas no parágrafo 4º: 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; Para que seja configurada a qualificadora do abuso de confiança o sujeito passivo do crime (vítima) tem que de- positar confiança no sujeito ativo do crime. Já a qualificadora de fraude não pode ser confundida com o crime de estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal. Vamos diferenciar: Crime de Furto mediante fraude (artigo 155, parágrafo 4º, inciso II). Crime de Estelionato (artigo 171 do CP) A fraude é usada como meio para que a vítima não vigie a coisa. A fraude é usada para enganar a vítima mantendo-a em erro. Cria-se ou mantém a vítima em erro. Geralmente, a própria vítima entre- ga a coisa. Verbo do núcleo do tipo: subtrair Verbo do núcleo do tipo: Obter Ex. 1: Caso o agente minta para a vítima, dizendo que alguém está chamando por ela em uma outra sala, de for- ma que ela saia do local, desvigie a coisa e ele consiga efetivar a subtração, haverá furto qualificado pela fraude. Ex. 2: Caso o agente iluda a vítima, dizendo que se ela entregar o computador usado, ele trocará por outro novo, mas que vai no carro buscar e a vítima, acreditando, entrega voluntariamente o computador, haverá estelionato. A previsão de escalada para o Direito Penal é qualquer meio de ingresso anormal, que exija um esforço fora do comum do agente. Já a destreza caracteriza-se por uma habilidade extrema para a subtração, de forma que a vítima sequer perceba a conduta criminosa. III - com emprego de chave falsa; Quanto ao emprego de chave falsa, trata-se de qualquer coisa usada para abrir, que tenha ou não formato de chave. Pontua-se que a cópia da chave verdadeira não é considerada como emprego de chave falsa. Neste caso, a depender da situação narrada, poderá estar presente outra qualificadora. IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transpor- tado para outro Estado ou para o exterior. Pergunta-se: É possível que o crime de furto seja privilegiado e qualificado? Há entendimento dos Tribunais Supe- riores no sentido de admissão de combinação. O STJ editou o enunciado 511 tratando sobre o tema. STJ, 511 É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualifica- do, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva. Pergunta-se: O artigo 157, parágrafo 2º admite o concurso de duas ou mais pessoas como causa de aumento de pena. No furto, o concurso de crimes é elemento qualifica o crime. Desta forma, poderia, então, mesclar os pará- grafos do crime de roubo com o furto para melhorar a pena do agente? O STJ entende que não poderá haver a www.cers.com.br 19 combinação de leis, pois o concurso de pessoas qualifica o crime de furto. A majorante ocorrerá apenas no crime de roubo. Vejamos: STJ, 442 É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo. No furto, deve haver o animus rem sibi habendi. Isso significa que o agente quer agir como se dono da coisa fos- se. O agente não tem a intenção de pegar apenas emprestado e depois devolver. Caso a intenção seja esta, a conduta não será considerada penalmente típica. Logo, o denominado “furto de uso”, em que o agente pega a coisa já com a intenção de devolver posteriormente, é conduta atípica. Não há de se confundir o furto de uso com a hipótese prevista no artigo 16 do Código Penal, o arrependimento posterior. Vejamos o que dispõe o artigo: Art. 16 - Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. O artigo 16 prevê uma causa de diminuição de pena, denominada arrependimento posterior. Neste caso, o agente decide devolver depois. No momento em que ele subtrai, há a intenção de se tornar dono da coisa. Presente está o animus rem sibi habendi. No entanto, por algum motivo, após a consumação, ele decide devolver a coisa ou reparar o dano. Sendo assim, continuará respondendo pelo crime, havendo influência apenas no processo dosi- métrico da pena. Prosseguindo na distinção do furto em relação a outros crimes, cabe destacar que subtrair não se confunde com deixar de devolver a coisa de que tem a posse. Assim como o crime de furto é considerado crime patrimonial, a apropriação indébita também se enquadra neste capítulo, com previsão no artigo 168. Vejamos: Apropriação indébita Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. Para praticar apropriação indébita, é necessário que o agente exerça a anterior posse ou detenção lícita da coisa. Desta forma, imaginemosque alguém peça um livro emprestado a um amigo. Após o empréstimo, a pessoa deci- de não devolver, ficando com o livro para si. Neste caso, não haverá crime de furto, mas sim apropriação indébita. Vejamos a diferença entre eles: Crime de Furto (artigo 155 do CP) Crime de apropriação indébita (artigo 168 do CP) Subtrair coisa alheia móvel Apropriar-se, pois o agente já tem a posse ou a detenção da coisa. A consumação ocorre no mo- mento do desapossamento Na apropriação indébita, a posse anterior é lícita, de boa fé. A consumação ocorre no momento da inversão da posse. Atenção!!! Se a posse anterior é de má fé, o crime praticado será de estelionato. No crime de estelionato, há o inadimplemento preconcebido. Desta forma, no exemplo trabalhado acima, caso o agente mentisse ao pedir o livro emprestado, já desejando ficar com ele para si, a posse seria desde o início de má fé, caracterizando o crime de estelionato. Vejamos o que dispõe o artigo 171 do Código Penal: Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis. www.cers.com.br 20 § 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º. O parágrafo 2º do artigo 171 prevê hipóteses de estelionato especial. Vejamos: § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: Disposição de coisa alheia como própria I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria; Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias; Defraudação de penhor III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado; Fraude na entrega de coisa IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém; Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conse- quências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro; Fraude no pagamento por meio de cheque VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento. A lei 13228/15 incluiu o parágrafo 4º no artigo 171, prevendo causa de aumento de pena no estelionato praticado contra idoso. Vejamos: § 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso.(Incluído pela Lei nº 13.228, de 2015) É de extrema importância saber a data de entrada em vigor deste parágrafo, pois se a conduta for praticada antes da sua vigência, ou seja, 23/12/2015, não poderá incidir a causa de aumento de pena, tendo em vista que a lei é maléfica e portanto, não poderá retroagir. Para complementar a análise inicial dos crimes patrimoniais, leia os enunciados abaixo: STJ 582: Consuma-se o crime de roubo com a inversão da posse do bem mediante emprego de violência ou gra- ve ameaça, ainda que por breve tempo e em seguida à perseguição imediata ao agente e recuperação da coisa roubada, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada. STJ 511: É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva. STJ 442: É inadmissível aplicar, no furto qualificado, pelo concurso de agentes, a majorante do roubo. STJ 244: Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato mediante cheque sem pro- visão de fundos. STJ 107: Compete a justiça comum estadual processar e julgar crime de estelionato praticado mediante falsifica- ção das guias de recolhimento das contribuições previdenciárias, quando não ocorrente lesão a autarquia federal. STJ 96: O crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida. www.cers.com.br 21 STJ 73: A utilização de papel moeda grosseiramente falsificado configura, em tese, o crime de estelionato, da competência da justiça estadual. STJ 48: Compete ao Juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e julgar crime de estelionato come- tido mediante falsificação de cheque. STJ 24: Aplica-se ao crime de estelionato, em que figure como vítima entidade autárquica da previdência social, a qualificadora do § 3º, do art. 171 do código penal. STJ 17: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, e por este absorvido. www.cers.com.br 22