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Nord Research © Todos os direitos reservados Rua Joaquim Floriano, 100 - Itaim Bibi, São Paulo - SP, 04534-000 contato@nordresearch.com.br Os Segredos do Investidor de Valor Nord Research 2021 Texto | Bruce Barbosa Edição | Glenda Donadio e Victor Weiler Revisão | Glenda Donadio Gráficos | Mariana Lima e Eric Lins Diagramação e capa | Marina Fiorese Gostaria de agradecer ao Warren Buffett e ao Charlie Munger por dividirem seus aprendizados. #compreMUITAbolsa Sumário Introdução ................................................................................................ 10 CAPÍTULO 1 ............................................................................ 14 1.1 Como encontrar os melhores negócios? ........................................15 Meu compromisso com você ......................................................................... 16 A estratégia ............................................................................................................ 16 O seu compromisso ........................................................................................... 18 1.2 O mercado tem medo de ganhar dinheiro ................................... 19 Senta que lá vem história............................................................................... 19 As “perspectivas” segundo o mercado ......................................................20 Como funciona para mim? ............................................................................28 1.3 Eu sempre quis comprar Ambev .................................................... 29 Quem manda no seu dinheiro é o mercado ..........................................30 Paixão de Verão ....................................................................................................31 O mercado define o que você compra e quando compra ................ 32 Quando as probabilidades não estão a seu favor .............................. 32 Por que não investir na poderosa Ambev? ............................................. 33 Probabilidades: onde posso errar? ............................................................. 34 Vai chegar a hora de comprar Ambev? ..................................................... 35 1.4 O retorno do Zé Vendinha ................................................................37 O investidor em bolsa é um otimista nato ............................................. 37 Desista de tentar prever o futuro ................................................................38 Faça apenas o que você sabe que consegue fazer ............................. 39 Esperar dá MUITO dinheiro ............................................................................40 O retorno do Zé Vendinha ...............................................................................41 1.5 O desejo de agir ................................................................................ 43 O que podemos aprender com os goleiros? .......................................... 45 A arma secreta .....................................................................................................46 1.6 Quando vender uma ação ...............................................................48 Ações para sempre .............................................................................................48 Não basta comprar bem ...................................................................................51 Três motivos para se despedir ..................................................................... 52 CAPÍTULO 2 ........................................................................... 56 2.1 Como analisar a gestão das empresas? ...................................... 57 Como analisar a gestão? .............................................................................. 57 Gestão versus resultados ............................................................................. 57 Quando o negócio é fácil ............................................................................. 58 Quando os resultados caem do céu ....................................................... 59 Quando a vantagem é clara ........................................................................ 60 Fusões e aquisições........................................................................................ 62 O fracasso óbvio ............................................................................................... 63 Empresas de ciclo longo ............................................................................... 64 Avaliando a gestão sem avaliar os resultados ................................... 66 2.2 Como maximizar acertos e minimizar erros? ............................ 67 Maximize os fundamentos, sempre os fundamentos ..................... 68 O Grande, Magnânimo, Excelentíssimo Preço ..................................... 68 Reduzo aqui, aumento acolá ...................................................................... 69 Por que não trocar posições sempre?.................................................... 69 2.3 O que é visibilidade de resultados? ........................................... 70 Por que olhar receita, Ebitda e lucro? .................................................... 71 Por que eu gosto de crescimento? .......................................................... 72 Valuation: quando o mercado vai longe demais ............................... 72 Crescimento trucida as armadilhas de valor ..................................... 75 Concentre-se nas melhores oportunidades ........................................ 75 2.4 Por que os dividendos não importam para o Investidor de Valor? ............................................................ 76 O fascínio pelos dividendos ....................................................................... 76 Alocação de capital ......................................................................................... 77 Crescimento vs. dividendos ........................................................................ 78 Preferência pelas que crescem mais ...................................................... 80 O que fazer com os dividendos? .............................................................. 83 2.5 Como avaliar a melhor incorporadora? ..................................... 84 Cuidados ao analisar empresas de ciclo longo ................................. 84 O exemplo do POC .......................................................................................... 85 Quando EV/Ebitda e P/L não são suficientes ..................................... 86 Vencendo a contabilidade ........................................................................... 87 Eztec a 2x NAV ................................................................................................... 88 Eztec a 3,6x VGV Lançado ............................................................................. 89 Eztec a 12x lucros futuros ............................................................................. 90 2.6 Alugue suas ações .......................................................................... 91 O short – venda sem ter ............................................................................... 91 Seja um doador (de ações) ......................................................................... 91 Meus preciosos dividendos ........................................................................ 92 Os riscos de aluguel são todos da Bolsa ................................................. 92 Custódia remunerada ....................................................................................... 93 Imposto de renda ............................................................................................... 95 CAPÍTULO 3 ............................................................................ 96 3.1 Como precificar o crescimento ....................................................... 97 Fluxo de Caixa Descontado (DCF – Discounted cash flow) ...............97 Acabou a matemática ..................................................................................... 101 Voltando aos múltiplos (finalmente) ....................................................... 102 3.2 Preço-teto e o investidor de longo prazo .................................. 103 O que é o preço-teto? ..................................................................................... 103 Preço-teto NÃO é preço-alvo .......................................................................104 3.3 As ações que mais subirão na bolsa ........................................... 106 O que vai subir mais? .....................................................................................106 Maiores resultados, maiores altas ............................................................ 107 3.4 Os segredos ocultos dos múltiplos ............................................ 109 A multiplicação dos múltiplos ....................................................................109 O segredo por trás dos múltiplos ..............................................................113 Margem de segurança..................................................................................... 114 Encontrando uma ação barata por múltiplos .......................................115 Os múltiplos, os números e o passar do tempo .................................115 Múltiplos vs. planilha de valuation ...........................................................117 Quando os múltiplos não fazem sentido .............................................. 118 Crescimento implícito por múltiplos ....................................................... 120 Estratégia: múltiplos baixos (limpos) e visibilidade ......................... 122 Comprando o bom e barato ......................................................................... 123 3.5 Por que não fazer valuation? ....................................................... 124 O valor é etéreo ................................................................................................. 124 A média das expectativas do centro do mercado do analista médio ......................................................................... 125 Não preveja o futuro ....................................................................................... 126 A falácia do preço-alvo ...................................................................................127 Inverta completamente seu pensamento ............................................. 128 Não perca dinheiro .......................................................................................... 129 O futuro é feito de probabilidades ........................................................... 129 3.6 Como avaliar P/L e EV/Ebitda? .....................................................131 Está caro ou barato? .........................................................................................131 Principais múltiplos de mercado: P/L e EV/Ebitda ........................... 132 Expectativas implícitas ................................................................................... 133 Os números enganam .................................................................................... 135 3.7 Instabilidade traz oportunidade ................................................. 137 Uma faca de dois gumes .............................................................................. 137 Pobres bilionários ........................................................................................... 138 De orelhas em pé............................................................................................. 139 “Compra no boato e vende no fato” ....................................................... 140 3.8 Desta vez não é diferente ............................................................. 141 Por que existem ciclos? ................................................................................ 141 A natureza humana ......................................................................................... 142 Os ciclos de crédito ........................................................................................ 143 Ciclos de crédito = ciclos de mercado = ciclos de bolsa ............... 145 Desta vez não é diferente ............................................................................ 146 CAPÍTULO 4 ..........................................................................148 4.1 É hora de comprar bolsa? .............................................................. 149 4.2 Mais retorno, mesmo com menos risco ..................................... 153 Nunca (NUNCA) venda ações quando as ações caem .................... 155 O grande, magnânimo, excelentíssimo preço ..................................... 155 Entendendo o risco ......................................................................................... 156 Quanto menor o preço, menor o risco .................................................. 158 CAPÍTULO 5 ..........................................................................160 5.1 As 9 regras de Guy Spier ................................................................ 161 Checklist ............................................................................................................. 162 Escreva as suas próprias regras ................................................................ 169 5.2 Barbosa vs. Pabrai: como a Fiat Chrysler pode se transformar nas bicicletas Yellow .............................................170 Aprendendo com Mohnish Pabrai ............................................................ 170 Fiat Chrysler Automóveis (FCA) .................................................................. 171 Barbosa discorda de Pabrai ........................................................................ 173 5.3 A checklist de Philip Fisher ........................................................... 176 Philip Fisher foi um gigante ........................................................................ 178 De onde vem o buy and hold ..................................................................... 178 Os famosos 15 pontos da checklist de Fisher ..................................... 179 Mais de Philip Fisher ...................................................................................... 189 5.4 A anti-checklist de Philip Fisher ................................................. 190 A anti-checklist ................................................................................................. 191 5.5 O segredo dos bilhões de Buffett ...............................................202 A Berkshire Hathaway é extremamente concentrada ..................... 204 Os segredos do investidor de valor 10 - Os Segredos do Investidor de Valor Introdução Para entender o Value Investing profundamente, eu preciso dar exemplos reais. Isso contrasta com um livro, que é uma publicação atemporal. Por isso, aproveite os exemplos e análises ponderando que elas aconteceram em algum momento do passado. Você pode estar lendo este livro em 2021, 2031 ou 2041. Espero que até lá ainda exista Bolsa de Valores e que os conceitos que utilizo continuem funcionando. Talvez essa diferença entre meus exemplos e o momento em que você está lendo este livro deixe a leitura muito mais interessante. Posso ter falado que uma empresa é maravilhosa e ela acabou de falir. Posso ter falado que um negócio é horrível e essa com- panhia, um tempo depois, tornou-se a nova Apple. É claro que estou sendo irônico, pois uma análise séria é feita trimestre após trimestre. Resultado após resultado. Mudar de opinião é uma das coisas mais importantes que você deve aprender a fazer. Nenhuma análise é para sempre. As probabilidades de sucesso de um investimento são avaliadas de acordo com o preço das empresas. Contudo, olhar apenas para o preço não traz informação nenhuma, logo, faz todo o sentido comparar o preço de uma empresa com seu lucro. Os múltiplos contam o queo mercado espera do resultado de uma empresa. Quanto maiores os múltiplos, maiores as expectativas implícitas. Em vista disso, fuja das empresas ruins e caras; evite aquelas que são boas, porém caras, e não caia em armadilhas de empresas ruins e baratas. Acima de tudo, invista seu dinheiro em empresas boas e baratas. 11 Empresas consideradas boas são aquelas que atendem a determinados requisitos, como boa rentabilidade, alto crescimento, baixo endividamento, vantagens competitivas sustentáveis, gestão com capacidade comprovada, disciplinada e transparente, negócios de fácil compreensão, baixos riscos atrelados etc. Em seguida, compare o preço de uma empresa em relação ao preço das demais (e da bolsa em geral) e em relação ao seu cres- cimento potencial colocando empresas diferentes numa mesma unidade de medida – essa é exatamente a função dos múlti- plos. Além disso, tenha em mente que quanto maior a distância entre o valor (qualidade) de uma empresa e seu preço, maiores serão as chances de ganhar mais dinheiro (ou de perder menos dinheiro, caso algo dê errado). Como nem sempre o mercado será racional nesse quesito, é preciso analisá-los com cautela, ou seja, levar em conta fatores como a fase do ciclo em que uma empresa se encontra, a exis- tência de não recorrentes nos últimos 12 meses de resultado da companhia, benefícios ou incentivos tributários e as diferenças entre as estruturas de capital de empresas comparáveis. Sempre tente entender o que acontece com os números que compõem o múltiplo (numerador e denominador). Você deve se preocupar com comprar bem (comprar barato, com uma enorme margem de segurança – 30% ou mais). Vender é sorte. Uma ação barata, por exemplo, é uma ação que está MUITO mais barata do que deveria. No Value Investing, o mais importante é entender quanto vale, sem nenhum balizamento de preço. Portanto, você nunca saberá o que é barato e o que é caro, mas é imprescindível entender de onde vêm os números, para onde vão e a história da companhia. Seja altamente conservador 12 - Os Segredos do Investidor de Valor e tome muito cuidado para nunca pagar mais do que a média do mercado (uns 15x lucros e umas 10x Ebitda). Dessa maneira, é possível comprar múltiplos elevados que crescem muito; comprar múltiplos muito baixos que têm uma alta probabilidade de reversão e, em algumas exceções, simples- mente comprar empresas imaginando melhora de resultados que não vem. Poucas empresas são interessantes, muitas são caras demais e várias outras ainda não foram devidamente precificadas. Por fim, pare de olhar para as cotações das ações. Preços de tela não significam nada. N-A-D-A. Risco não é a probabilidade de as ações caírem, mas sim a pro- babilidade de as ações apresentarem lucros piores. Resultados piores são o maior risco das empresas, ou seja, risco é a proba- bilidade que uma empresa não consiga rentabilizar seu capital no longo prazo. Analise os lucros das companhias (e o Ebitda), e não os preços das ações. Feche o Home Broker. Gaste tempo tentando entender os resultados e os negócios. Gaste tempo procurando entender os fundamentos das companhias. 13 14 - Os Segredos do Investidor de Valor Capítulo 1 COMO INVESTIR CAPÍTULO 1 - 15 1.1 Como encontrar os melhores negócios? Para quem ainda não me conhece, meu nome é Bruce Barbosa. Tenho mais de 17 anos de experiência em diversas posições no mercado financeiro, mas só me encontrei quando conheci o Value Investing – o nome deste livro não é uma coincidência! Já trabalhei na Bovespa, em Private Bank, em fundo de inves- timento, em mesa de operações de banco gringo e em research. Hoje trabalho para você, investidor. Isso não quer dizer que eu concordarei com o que você faz (ou gostaria de fazer) com os seus investimentos. Muito pelo contrário; em 99% das vezes, eu discordarei frontalmente. Não quer dizer que eu estou certo ou errado. A melhor pessoa para cuidar do seu rico dinheirinho é você mesmo, lembre-se disso. Eu sigo à risca o que o “Mago de Omaha” evangeliza, e 90% do que ele fala bate de frente com a "percepção geral" de como investir. Por exemplo: Buffett tem 100% de seu patrimônio em ações, não acredita em diversificação, para ele não existe risco versus retorno, ele não faz projeções, não acredita nas cabeças falantes dos jornais, não tem stop-loss nem preço-alvo… 16 - Os Segredos do Investidor de Valor MEU COMPROMISSO COM VOCÊ Não me leve muito a sério. Eu gosto de viver a vida o mais leve- mente possível. De antemão, já peço perdão pelas brincadeiras, piadas de mau gosto e comentários sarcásticos. O conteúdo dos textos neste livro pode ficar um pouco mais complexo. De qualquer modo, trabalhei arduamente para que não ficasse. Dediquei 110% do meu tempo para explicar DETALHADAMENTE tudo o que aprendi no mercado para você. Se não ficou claro, o erro é MEU. Mas não assuma que eu sei de muita coisa. Sinceramente, aprendo dia após dia e acredito que a maior parte do que preciso aprender está no futuro. A busca pelo conhecimento nunca cessa, e a maioria dos assuntos que abordarei aqui vem de discussões que tenho com outros investidores. Discutir investimentos apenas eleva o nosso entendimento sobre o assunto. Já faço uma ressalva desde o princípio: sigo apenas o Value Investing de Warren Buffett e Charlie Munger. Muitas pessoas fazem várias barbaridades e rotulam essas loucuras de Value Investing. Não acredite no que você vê por aí. Repetir uma frase de Buffett fora de contexto não é Value Investing. A ESTRATÉGIA A primeira coisa que você deve fazer antes de realizar qualquer investimento é: decidir o que comprar (e por quê?). Sim, o que comprar é muito mais importante que como, quando e por quê. Eu, por exemplo, utilizo a estratégia de inves- timentos da própria Berkshire Hathaway – empresa gerida por Buffett e Munger. CAPÍTULO 1 - 17 Em sua carta anual para investidores relativa a 2014, na página 23, Buffett deixa claro a todos quais são os pré-requisitos para que a Berkshire considere uma aquisição. Basicamente, ele diz: todas as empresas que cumprirem os requisitos nos interessam (e finaliza com um "give me a call”). Retirando alguns pontos que não fazem sentido (como tamanho e gestão, pois você não comprará a companhia inteira e nem trocará a gestão), o restante deve ser seguido ao pé da letra. Nos seus investimentos, você deve procurar por: um negócio simples, em setor que não esteja em grandes mudanças e de fácil entendimento; um negócio que tenha altos (e consistentes) retornos sobre o patrimônio investido (Return on Equity ou ROE), com pouca ou nenhuma alavancagem (dívida); um negócio consistente e com comprovado poder de gerar lucros (e visibilidade de resultados); preço interessante (barato = múltiplos de lucro ou Ebitda reduzidos). Com o tempo, você perceberá que, apenas com essas poucas regras, uma infinidade de possíveis candidatas é retirada da fila. Por meio dessas poucas regras, é possível focar apenas no que interessa. Quando você sabe exatamente o que está procurando, tor- na-se capaz de buscar apenas os melhores negócios existentes no Brasil. Então, quando esses negócios estiverem a preços atra- tivos, você partirá para as compras. 1 2 3 4 18 - Os Segredos do Investidor de Valor O SEU COMPROMISSO Seu compromisso deve ser em focar sua análise nos funda- mentos e resultados das empresas. Essa decisão poderá levar a perdas de curto prazo, visto que o mercado, segundo Graham, é um maníaco-depressivo. Logo, você focará em ações que gerem Alpha (no jargão de mercado). Empresas que podem gerar valor em uma economia em expansão, mas serão mais defensivas no caso de uma crise. O índice Bovespa é bastante dependente de empresas Beta – Vale e Petrobras, por exemplo. Em vista disso, tenha em mente que, na maioria dos dias, você não fará nada. Apenas aguardará ansiosamente para que o mercado lhe forneça uma oportunidade. Na maioria dos dias, vocêestudará os investimentos, as empresas e os negócios para aperfeiçoar a sua capacidade de análise. Leia muitos livros, assista a vídeos, palestras, acompanhe os textos, revistas, jornais, sites, blogs… esteja constantemente devorando tudo o que existe de melhor do mundo dos investi- mentos para você. CAPÍTULO 1 - 19 1.2 O mercado tem medo de ganhar dinheiro O medo de perder é o maior inimigo do investidor. A maioria dos investidores, com medo de perder -5%, deixa de ganhar +50%. Ninguém sabe o que o mercado fará no curto prazo. Eu só sei que, se os lucros sobem, as ações sobem (e isso pode demorar meses, até anos). O stop-loss é um belo exemplo de como deixar a volatilidade ditar seus retornos. SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA Para ilustrar o que quero dizer, citarei três acontecimentos da política brasileira que denotam os problemas de se preocupar com a volatilidade normal do mercado: O impeachment no Início de 2016: tentando prever o futuro, muitos investidores simplesmente não acredi- taram que o país sairia do buraco. O “Joesley day”, no dia 18 de Maio de 2017: preocu- pados com o curto prazo, muitos saíram quando deveriam ter entrado. Quando a reforma da previdência não passou, ao final de 2017: novamente, muitos achavam as ações caras e não viam novas altas. Vamos falar sério. Se é público e notório que ninguém sabe o que o mercado fará nos próximos dias (ou horas), por que todo o mercado ainda fica tentando acertar os movimentos de curto prazo? 20 - Os Segredos do Investidor de Valor AS “PERSPECTIVAS” SEGUNDO O MERCADO O mercado erra consistentemente (e eu também!) em sua aná- lise de cenário. É justamente explorando esses erros que se ganha dinheiro (sorte que eu não analiso cenário, ufa!). No curto prazo, os movimentos das ações dependem apenas de fluxo. Se um comprador grande está presente, as ações sobem. Se existe um vendedor, elas caem, independentemente da qualidade de resultados, preço ou qualquer fundamento. Todos no mercado sempre têm muitas certezas sobre o que acontecerá no futuro e, na maioria das vezes, dirão algo como: “pode cair ou pode subir, existem muitos riscos”; mas sempre dirão que acertaram em suas previsões. É assim que a mente humana funciona. Veja bem, você não precisa comprar na baixa e vender na alta. Comprar coisa boa no meio do caminho e esperar dá muito certo. Desista de tentar prever o que acontecerá. Tentando não perder -5%, você deixará na mesa as oportunidades de ganhar +50%. O medo de perder é o maior inimigo do investidor. Você já sentou para pensar por que toma as decisões que toma? Por que decide da forma que decide? Já pensou que o medo de perder -5% pode estar impedindo você de ganhar +50%? Pense bem. Faz sentido? Minha estratégia é 100% baseada em não perder, mas meu horizonte é de anos, e não de dias. Só considerarei rever uma posição se os resultados da empresa piorarem. Caso contrário, preciso apenas esperar que o mercado, em sua loucura, mude de direção. Isso pode levar meses, isso pode levar anos. CAPÍTULO 1 - 21 Eu confesso. Eu também tenho muito medo do mercado cair. Também tenho medo de perder meu rico dinheirinho no mercado. Contudo, meu medo é muito maior em relação a cometer erros (comprar uma ação com resultados decepcionantes) do que sobre acertar o “melhor ponto de entrada”. Ninguém acerta o melhor ponto de entrada. Só é possível ganhar mais dinheiro do que o mercado porque os investidores fazem coisas absolutamente impensáveis. Se você acha que os investidores como um todo são racionais e fazem coisas inteli- gentes, pense de novo. O mercado é uma manada desesperada que tenta agir antes de pensar. O mercado age como se perder -5% fosse o fim do mundo. Com isso, deixa de ganhar +50%. O famoso stop-loss é um ótimo exemplo disso. Afinal, quem foi que inventou a infâmia do stop-loss? Trata-se de apenas uma regra de traders para evitar perdas. É somente colocar uma oferta de venda automática no mercado para o caso de uma ação cair. Já se questionaram se montar um stop-loss faz sentido? Eu já vi milhares de vezes as pessoas zerando posições só para ver as ações disparando na cara delas. Quando as ações se movimentam, o movimento é rápido e imprevisível. Tentando não perder -5%, as pessoas deixam de ganhar +50%. Compro. Cai -5%, zero. Sobe +20%. O que eu faço? Compro mais caro? Não. Espero cair. Sobe mais +20%. O que eu faço? Não faz nenhum sentido. Os institucionais são ruins (ou piores que os pequenos). 22 - Os Segredos do Investidor de Valor É sério. Com medo de que a cota do fundo fique negativa e recebam resgates, os fundos se desesperam quando o mercado chacoalha um pouco mais. Muitos têm regras de “proteção" que os obrigam a zerar as posições que caírem (stop-loss). Muitos têm regras de “volatili- dade" e, se o mercado chacoalha demais, eles são obrigados a vender posições. Não faz absolutamente NENHUM sentido, mas quem investe em fundo está completamente cego para o que os gestores fazem ou não fazem. Como os investidores não têm a menor ideia do que faz o gestor, enxergam somente performance. Se a performance é ruim ou piora, sacam seu dinheiro bus- cando um fundo que esteja “melhor”. Quantas vezes você já ouviu: “este fundo está muito bem, deu X% nos últimos meses”. Essa é a PIOR recomendação de investimento que existe em todo o mundo. Já ouviu “rentabilidade passada não é garantia de ren- tabilidade futura?” No final, o investidor vende o fundo que caiu e compra o que subiu. Na sequência, o fundo que subiu cai e o que caiu sobe. Por conta disso, o investidor perde duas vezes. Apresentarei alguns exemplos de como o mercado funciona. INÍCIO DE 2016: O IMPEACHMENT Algumas pessoas respiraram fundo e compraram ações no início de 2016, mas foi preciso coragem. O fundo do mercado foi atingido em 26 de janeiro de 2016. O cenário era de uma terra arrasada. Temer assumia sem nenhum apoio da sociedade e precisava dar uma guinada de 180o no país. CAPÍTULO 1 - 23 Nessa época, nem conhecíamos todo o seu jogo de cintura no Congresso. Muitas pessoas ficaram de fora porque tinham medo que a “pinguela" ruiria. Alguns dos melhores investidores do Brasil tinham certeza de que o país iria para o buraco (com alçapão). Eu também. Tinha enormes dúvidas se o novo governo funcionaria, e os preços já refletiam a falta de perspectivas. O “magnânimo e excelentíssimo preço” já nos dizia que o Brasil nunca mais cresceria, e estávamos rapidamente caminhando para o buraco (com alçapão). Em vista disso, Temer percebeu que só conseguiria governar com a economia funcionando. Indicou o melhor time econômico da história e deu apoio às medidas que Meirelles precisava passar no Congresso. Como em um passe de mágica, dois anos depois, tínhamos os juros nas mínimas históricas e a economia voltando a crescer. Você não precisa acertar a mínima. A qualquer momento que você tivesse comprado ações nesses anos, estaria ganhando dinheiro. IBOV. Fonte: Bloomberg. 24 - Os Segredos do Investidor de Valor 18 DE MAIO DE 2017, O JOESLEY DAY Após a delação premiada de Joesley Batista, que divulgou uma gravação com o presidente Michel Temer, o mercado caiu 8% em 1 dia. Algumas ações caíram mais de 30%. O pânico tomou conta do mercado, afinal, sem Temer, não passaríamos mais nenhuma reforma no Congresso, e as incer- tezas sobre quem assumiria seriam enormes. Muita gente foi “stoppada” (fizeram stop-loss) e vendeu suas posições achando que quedas maiores seriam iminentes. O noticiário era frenético. Todos escutando as gravações e imaginando que os dias do presidente Temer estavam contados. Nas semanas que se seguiram, o mercado se recuperou breve- mente e depois voltou a cair. Da máxima à mínima, a queda total foi de -11,5%. E a alta que se seguiu foi de +40%. A partir de 21 de junho de 2017, o Ibovespa se firmou e engatou um rally de 61 mil pontos até os 85 mil em 2018. Quem foi “stoppado” teve que comprar maiscaro e quem não fez nada simplesmente voltou a dormir tranquilo. Ah, o sono dos justos… IBOV. Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 1 - 25 NO FINAL DE 2017, A REFORMA DA PREVIDÊNCIA NÃO PASSA De dezembro de 2017 ao início de 2018, mesmo sem nenhuma esperança de aprovação da reforma da previdência ou qualquer garantia de quem seria o presidente, a bolsa decidiu criar pernas e andar de 71 mil para 85 mil pontos. Em novembro e dezembro de 2017, muita gente vendeu ações, pois a bolsa subiu demais. Além disso, existiam incer- tezas com as eleições e a reforma da previdência não havia passado. Estavam corretíssimos, mas o mercado subiu de 71 mil pontos até 85 mil. O fluxo gringo entrando em nossa bolsa foi o responsável pela puxada. E, aqui em cima, o fluxo virou e nos deixou bem mais suscetíveis aos ventos de fora. Como sempre, temos os riscos e temos as oportunidades. Sairemos da bolsa pensando que ela pode cair -5% e deixa- remos de ganhar +50%? Você me dirá: “Claro, você só pegou a performance das ações durante as altas”; “quaisquer comparações sempre serão IBOV. Fonte: Bloomberg. 26 - Os Segredos do Investidor de Valor benéficas para quem ficou comprado!”. Claro! O país estava em situação tão desesperadora que qualquer pequena melhora se transformou em grandes ganhos. Falo apenas do índice. Obviamente, escolho as ações que são mais lucrativas, mais sólidas, menos alavancadas, crescem mais e são muito mais charmosas! Olhe para o longo prazo. Pense em anos, e não em meses ou dias. Na bolsa, ao longo do tempo, se os lucros sobem, as ações sobem. Confira o desempenho do IBOV ano a ano, de 2000 até 2017. Variação anual do IBOVESPA: Bloomberg. Começamos em 15 mil pontos e subimos até 85 mil em 2018, +452%. Parece muito bom, mas o CDI deu quase o dobro disso, +768%. CAPÍTULO 1 - 27 Mas lembre-se de que, nessa época, nosso CDI era altíssimo. Em 2018, nosso CDI era de 6,5%. Em 2020, chegou a 2%. Ok. O Ibovespa (e não uma carteira de ações que eu esco- lheria) perdeu do CDI no período, mas o CDI era elevadíssimo. Para capturar os ganhos da próxima década, você não pode ficar paralisado com as perdas de -5% no meio do caminho. Permita-se perder um pouco para ganhar muito… IBOV (preto) e CDI (cinza). Fonte: Bloomberg Meta SELIC (CDI). Fonte: Bloomberg. 28 - Os Segredos do Investidor de Valor COMO FUNCIONA PARA MIM? Eu também tenho medo do mercado despencar na minha cara. Eu também tenho receio de que comprarei ações bem no pior momento, quando elas fazem um pico e derretem. Eu mesmo faço esses estudos, analisando o passado para voltar a pensar a longo prazo. Para comprar ações, é necessário vencer o medo de estar errado e dar um passo de confiança – não em relação a mim ou a qualquer outro analista, mas sim ao Brasil. O Brasil já se provou muito maior do que quaisquer problemas de curto prazo. Se governados por péssimos representantes conseguimos chegar até aqui, imagine se tivermos um bom pre- sidente? Um bom Congresso? Leio os jornais procurando focar não no que os “analistas” acham que vai acontecer, mas procurando o que os empresários comentam sobre seus negócios. Claro, todos querem ganhar dinheiro, porém se ganha dinheiro com os empreendedores, com os empresários, e não com os day traders. Você deve focar em ganhar +50% com os empreendedores, e não +5% com os day traders. CAPÍTULO 1 - 29 1.3 Eu sempre quis comprar Ambev Não seja o ex-marido traído e vidrado no amor que não volta mais. Desista de fazer previsões. De calcular preço-alvo. De tentar prever o futuro. Você não pode controlar o mercado. Quem define onde você vai aplicar seu dinheiro não é você. É o mercado. Sempre gostei de Ambev. Da gestão 3G, do movimento da companhia de consolidar mercado no Brasil, das marcas (as internacionais), das propagandas com mulheres maravilhosas na praia, da cultura, do foco nos custos, das outras empresas do grupo, do estilo de Lemann, Telles e Sicupira… Mas nunca comprei ações da Ambev. Para entrar em um ativo, o preço deve ser convidativo e os fundamentos da companhia devem ser sólidos – de preferência melhorando. Se você paga barato o suficiente em um negócio que cresce forte, rapidamente o mercado perceberá a oportu- nidade. Do contrário, se você pagar caro, o mercado já ESPERA o crescimento. Ambev simplesmente não negocia abaixo de 12x Ebitda e, desde 2015, o Ebitda da companhia não cresce. Pela qualidade de seu negócio (e preço que negocia), ela não deveria ter sofrido com a crise de 2014-2016, mas sofreu. A empresa piorou muito a qualidade de seus produtos no Brasil, está sofrendo com a competição e possui mais de 70% de 30 - Os Segredos do Investidor de Valor participação de mercado. A maior probabilidade é que novos entrantes roubem um pouco dessa participação. Sinceramente, eu não pago 13x Ebitda e 20x lucros para uma companhia que não cresce. Chegará a hora de comprar Ambev somente quando o mer- cado quiser. Quando o mercado errar no preço ou ignorar uma melhora drástica no negócio da empresa. Quando o preço cair demais. Quando o resultado melhorar demais. Quando TODAS as outras ações da bolsa estiverem caras em comparação. É o mercado que lhe diz onde vale a pena investir. QUEM MANDA NO SEU DINHEIRO É O MERCADO Pessoalmente, quando descobri (ou entendi) o que tentarei colocar aqui, foi um momento "eureka". Foi aquele momento em que tudo faz sentido. O mundo é redondo. O céu é azul. As estrelas são estrelas. O tema é uma peça fundamental do Value Investing e tem o simples objetivo de convencer você a desistir de tentar direcionar seu portfólio. Desistir de procurar encontrar ordem no caos do mercado. Desistir de traçar objetivos. Desistir de procurar fazer sentido no caos. Desistir de fazer previsões. De calcular preço-alvo. De procurar prever o futuro. Desista. Desprenda-se. Desencane. Deixe-se levar… pule! Você não pode controlar o mercado. Quem define onde você aplica seu dinheiro não é você, é o mercado. CAPÍTULO 1 - 31 PAIXÃO DE VERÃO No meu caso, sempre foi Ambev. Bem naquele estilo: "gostaria de ser investidor só para comprar Ambev". Gosto da gestão 3G da Ambev. Já gostava muito da história dos três "Gs", mas após ler o livro "Sonho grande", virou paixão. Confesso, sou partidário de uma boa cervejinha e sempre achei o movimento da companhia de consolidar mercado no Brasil genial. Gosto das marcas (ok, Skol, Brahma e Antarctica são péssimas, mas as marcas internacionais são maravilhosas). Becks, Stella, Corona, Hoegaarden, Budweiser, Goose Island, Estrella Galicia… entre muitas outras, são ótimas. Adorava as propagandas com mulheres maravilhosas na praia. Adoro a cultura. Quem conhece alguém que trabalha no grupo 3G entende o diferencial do pensamento de dono que o 3G fomenta. É impressionante como eles defendem seus negócios. Adoro o foco nos custos do grupo. Afinal, não dá para con- trolar a receita, porém é possível controlar os custos. Qualquer empresário entende a importância do foco nos custos. Gosto, inclusive, das outras empresas do grupo negociadas em bolsa aqui. Gosto muito do estilo de Lemann, Telles e Sicupira. Longe das câmeras, eles são humildes (o Sicupira só aparecia com uma camisa da Inbev) e trabalhadores. Verdadeiros exem- plos de brasileiros. Não é coincidência que se tornaram algumas das pessoas mais ricas do Brasil. Puro mérito. Tudo o que sempre quis na vida era ser sócio de uma empresa com marcas memoráveis de cerveja, tocada por gente como esses caras. Mas nunca comprei ações da Ambev… 32 - Os Segredos do Investidor de Valor O MERCADO DEFINE O QUE VOCÊ COMPRA E QUANDO COMPRA Faz sentido? Admirar tanto uma empresa e deixar passar uma ótima oportunidade de ser sócio dela? Para o Value Investing, faz. No Value Investing, quem define o que você compra e quando compra é o mercado. Se a empresa mais maravilhosa do mundo não der oportunidade, você continua apenas observando. Eu observo (de perto) Ambev até hoje, ela láe eu aqui. Nosso problema, o que sempre nos impediu de ficar juntos, o impasse que nos mantém afastados, invariavelmente foi a probabilidade. O binômio preço versus qualidade do ativo. Com Ambev, o mercado não sorriu para mim… ainda. QUANDO AS PROBABILIDADES NÃO ESTÃO A SEU FAVOR Para entrar em um ativo, o preço deve ser convidativo e os fun- damentos da companhia devem ser sólidos – de preferência melhorando. Se você pagar barato o suficiente em um negócio que cresce forte, rapidamente o mercado perceberá a oportunidade. Porém, se você pagar caro, o mercado já ESPERA o crescimento. Se o crescimento vier, ok, pode subir um pouquinho; no entanto, se não vier, pode cair “muitão”. Esse é o problema. Ao pagar caro, você coloca a probabilidade de sucesso do investimento em perigo. Como normalmente não é possível saber o que acontecerá, o conservadorismo dita que pagar barato é ALTAMENTE recomendável. Por isso, você deve procurar empresas que negociam a múlti- plos baixos (P/L e EV/Ebitda) e que lhe deem alguma visibilidade de resultados (crescimento). CAPÍTULO 1 - 33 Independentemente disso, sempre há a possibilidade de cometer um erro. Muitas vezes, o crescimento demora a apa- recer, em outras, o mercado demora a perceber ou existe algum outro problema (eleições, por exemplo). POR QUE NÃO INVESTIR NA PODEROSA AMBEV? Simples. Preço e visibilidade de crescimento. Olhando para o histórico, nota-se que Ambev simplesmente não negocia abaixo de 12x Ebitda. Ambev Ev/Ebitda (cinza-claro) e Ebitda acum 12m (cinza-escuro). Fonte: Bloomberg. Desde 2015, o Ebitda da companhia não cresce. Observando o mesmo gráfico com preço/lucro, temos: Ambev Preço/Lucro (preto) e Lucro líquido acum 12m (cinza). Fonte: Bloomberg. 34 - Os Segredos do Investidor de Valor Ambev tocou abaixo de 15x na crise de 2008, todavia sempre se mantém acima de 20x. Seus lucros também estão estáveis desde 2015. Agora, podemos começar a analisar os porquês. Ambev, pela qualidade de seu negócio (e preço que negocia), não deveria sofrer com a crise de 2014-2016, mas sofreu. A companhia piorou muito a qualidade de seus produtos no Brasil e está sofrendo um ataque violento de novas marcas entrantes estrangeiras e de cervejas artesanais. A Heineken (e as artesanais) ainda tem muito potencial de crescimento no Brasil. Claro. Ambev sabe se defender e tem seu próprio portfólio de cervejas, porém ela possui mais de 70% de participação de mercado – a maior probabilidade é que novos entrantes roubem um pouco dessa participação. Se Ambev perder participação, perde Ebitda e lucros – ou, no mínimo, não ganha e não cresce. Sinceramente, eu não pago 13x Ebitda e 20x lucros para uma companhia que não cresce. PROBABILIDADES: ONDE POSSO ERRAR? Claro. Existe uma grande chance de que eu esteja errado, contudo, pense no risco versus retorno. A companhia vem indicando para o mercado que deverá melhorar resultados há algum tempo. Pode ser que consiga. Inclusive, você pode estar lendo esta análise de Ambev depois de 2018, quando fiz esses cálculos que estou mencionando, e perceber que errei completamente. Mas até a publicação deste livro, tudo estava saindo conforme previsto. CAPÍTULO 1 - 35 Se você pagar caro por Ambev e ela crescer, ótimo, já estava no preço. Seu múltiplo se expande para 15x ou 16x Ebitda – as ações sobem 23%, mais o crescimento do Ebitda. Mas e se a companhia não cresce? Ou perde participação de mercado e tem queda de Ebitda e lucros? Até quando o mer- cado segura seu múltiplo de EV/Ebitda acima de 12x ou 13x? No 3T18, a companhia reportou queda de receita de -3%, de volumes -2%, de Ebitda -2% e lucro líquido ajustado -10%. Sim, Ambev pode se beneficiar muito de uma volta do consumo interno, entretanto há negócios muito mais fáceis e claros a preços muito mais baixos. Colocando de outra forma: pagar mais barato, com menor probabilidade de perda e maior probabilidade de resultados melhores. VAI CHEGAR A HORA DE COMPRAR AMBEV? Quando o mercado quiser. Quando o mercado errar no preço ou ignorar uma melhora drástica no negócio da empresa. Quando o preço cair demais. Quando o resultado melhorar demais. Quando TODAS as outras ações da bolsa estiverem caras em comparação. Não é preciso ficar vidrado em Ambev quando existem outras quatrocentas companhias disponíveis para investir. Não fique como um ex-marido traído, aprisionado em um amor que não volta mais. Há muitos outros peixes no oceano. Não é você que escolhe onde investir. É o mercado que lhe diz onde vale a pena investir. Não é você que define quando terá capital para comprar ações, é o mercado que escolhe quando vai cair e você aproveita para comprar barato. 36 - Os Segredos do Investidor de Valor Qual ação cairá? Qual ação estará barata? Não sei. Saberei com o passar do tempo. Com o desenrolar dos dias, meses e anos. A única coisa que posso fazer é esperar pelos erros do mercado e aproveitá-los, comprando quando cai. CAPÍTULO 1 - 37 1.4 O retorno do Zé Vendinha Gaste seu precioso tempo apenas com o que você consegue fazer. Há diversos investidores querendo vender suas posições ou achando que as ações já estão muito caras. O INVESTIDOR EM BOLSA É UM OTIMISTA NATO A bolsa hoje é mais barata do que no início de 2016, por exemplo, mesmo batendo novos recordes. Isso porque em 2016 tínhamos enormes riscos. O impeachment ainda não tinha passado, e grande parte da imprensa achava o impedimento de um presi- dente de partido grande (PT) impossível. Não sabíamos quem era Michel Temer (o mordomo de vam- piro), a economia caía de um precipício (-3,5% em 2015), os juros eram 14,5% ao ano. O país estava, resumidamente, em descontrole total. Mesmo assim, eu comprava bolsa e recomendava a compra de boas ações a bons preços. Eu era louco? Não tinha noção dos riscos? Não. Eu simplesmente via as ações precificando que o Brasil nunca mais cresceria, que o Brasil quebraria, que o Brasil viraria uma Venezuela (e não virou). Olhei para o fundo do poço (com alçapão) e encontrei o caminho de volta. Sinceramente, para ver a luz no fim do túnel quando não 38 - Os Segredos do Investidor de Valor existe luz no fim do túnel é necessário um otimismo nato e uma confiança sobre-humana. Além disso, demanda crer que o Brasil é maior do que qualquer governo, e o Brasil não funciona se a economia não funcionar. DESISTA DE TENTAR PREVER O FUTURO Estamos nas máximas. A bolsa continuará subindo? Não há resposta definitiva para a pergunta acima. Não tenho a menor ideia. Ninguém tem. Nem o melhor investidor de todos os tempos sabe se ou quando a bolsa sobe ou cai. Não sabe quando uma ação específica vai subir ou cair. Segundo o maior investidor do mundo, Warren E. Buffett: "I never have an opinion about the market because it wouldn't be any good and it might interfere with the opinions we have that are good." "If we're right about a business, if we think a business is attractive, it would be very foolish for us to not take action on that because we thought something about what the market was going to do. […] If you're right about the businesses, you'll end up doing fine." Em tradução livre: "Eu nunca tenho uma opinião sobre o mercado porque ela não seria boa e poderia interferir com as opiniões que temos que são boas." CAPÍTULO 1 - 39 "Se estamos certos sobre um negócio, se achamos que um negócio é atrativo, seria insensato para nós não tomarmos uma atitude a respeito disso porque pensamos que o mercado poderia fazer alguma coisa. […] Se você está certo sobre um negócio, você acabará indo bem." FAÇA APENAS O QUE VOCÊ SABE QUE CONSEGUE FAZER Desista de tentar prever se o mercado subirá ou cairá. Desista de tentar prever se uma ação subirá ou cairá. Desista de esperar que uma ação caia. Desista de torcer para que uma ação suba. Você sabe que não pode prever os movimentos do mercado, logo, tentar prever os movimentos do mercado é um desper- dício de tempo – e de dinheiro!Use esse tempo precioso para entender melhor as empresas, os negócios. Use esse tempo precioso para procurar novos negócios bons e baratos. Use esse tempo pre- cioso para pensar sobre esses negócios: por que são bons? Por que são baratos? Quais são os riscos? Existem barreiras de entrada? Quais? Por fim, use esse tempo precioso para se preparar para a próxima grande tacada. Para a próxima ótima empresa que negocia a preços de banana. Aprender mais e mais sobre os negócios fará uma diferença enorme em seus investimentos futuros. Aprender mais sobre os negócios permitirá que você reconheça uma ENORME opor- tunidade quando ela bater à sua porta. 40 - Os Segredos do Investidor de Valor ESPERAR DÁ MUITO DINHEIRO Investir não é como no filme "O Lobo de Wall Street", em que tudo é muito excitante, os movimentos são rápidos e os ganhos extraordinários. Investir é muito mais como no filme "A Grande Aposta" – existe um trabalho enorme anterior à compra, e a materialização do ganho leva tempo, causa estresse, noites mal dormidas, análises muito mais profundas, ser ridicularizado por aqueles que seguem a manada etc. Os dois filmes são espetaculares na minha humilde opinião. Analisando o mercado através das décadas, desde que Benjamin Graham publicou seu livro Security Analysis, em 1934, nada mudou. O mercado continua subindo muito mais do que deveria e caindo muito mais do que deveria. Os investidores acreditam mais no marketing das companhias do que em seus resultados. Os investidores continuam seguindo a manada e se preocupando demais com o preço. Os investidores con- tinuam sem paciência para esperar que o investimento dê resultado. As pessoas continuam acreditando demais nos preços de tela e de menos nos resultados das empresas. LCAM é um ótimo exemplo disso. LCAM3. Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 1 - 41 LCAM já havia subido mais de 1000% desde 2016. Errei, deveria ter encontrado a empresa muito antes, mas vi seu potencial no início de março de 2018. Em 2018, as ações passaram praticamente de lado. O deses- pero bateu. Os resultados vinham maravilhosos, porém as ações não se moviam. Até que, em um belo dia, LCAM anunciou a oferta, e as ações decidiram andar. Somente quem entendeu o potencial dos resultados da compa- nhia e suas barreiras competitivas; quem compreendeu que quanto maior a empresa de aluguel, menor seu custo de capital e menor o valor que paga pelos carros; que quanto maior LCAM, melhores seus resultados e que LCAM rouba mercado dos pequenos e cresce forte pôde esperar que as ações dessem resultado. Além disso, quem tiver paciência para esperar um pouco mais pode ter surpresas ainda melhores. Já dizia Charlie Munger: "O grande dinheiro não está em comprar e vender... mas sim em esperar." O RETORNO DO ZÉ VENDINHA Pare de olhar para os preços das ações. Preços de tela não signi- ficam nada. N-A-D-A. Risco não é a probabilidade das ações caírem. Risco, no Value Investing, é a probabilidade das ações apresentarem lucros piores. Resultados piores são o maior risco das empresas. Risco é a probabilidade que uma empresa não consiga rentabilizar seu capital no longo prazo. Por isso, analiso os lucros das companhias (e o Ebitda), e não os preços das ações. 42 - Os Segredos do Investidor de Valor Feche o Home Broker. Gaste tempo tentando entender os resultados e os negócios. Gaste tempo procurando entender os fundamentos das companhias. Olhe para os resultados e para os fundamentos das empresas. Tenha uma opinião. Prepare-se para a sua próxima GRANDE tacada. CAPÍTULO 1 - 43 1.5 O desejo de agir Nunca subestime o valor de não fazer nada. O ser humano tem uma tendência muito forte de pensar apenas no curto prazo. Quando se trata dos investimentos, as coisas não são dife- rentes. Quem não gostaria de obter retorno rápido? No entanto, o problema não é apenas querer resultados rápidos, é o insaci- ável desejo de agir. Os goleiros do futebol são um ótimo exemplo desse viés humano. Apesar de ser estatisticamente provado que ficar no centro do gol é mais vantajoso, os goleiros fazem isso apenas 6% das vezes. Eles nos mostram que, mesmo quando não fazer nada é a melhor opção, nossos impulsos nos levam a querer tomar alguma atitude. A antítese do desejo de agir é a paciência – arma fundamental para se proteger de você mesmo. No mundo dos investimentos, queremos evitar tomar uma decisão cedo demais. De qualquer modo, comprar e observar as ações caírem ou vender e ver as ações continuarem a subir faz parte da vida do investidor. É preciso ter paciência e disciplina para não agir por impulso, assim como manter o foco apenas nos fundamentos para balizar sua tomada de decisão, principalmente em um período de fraca performance, quando o impulso para agir é intensificado. O tempo médio que os investidores mantêm suas posições na bolsa americana ilustra bem esse problema de pensar somente no curto prazo e desejar obter retornos rápidos. 44 - Os Segredos do Investidor de Valor Algumas décadas atrás, os investidores mantinham suas posições por 7-8 anos; atualmente, o prazo médio é de apenas 6 meses. Se você segura uma ação por apenas 6 meses, clara- mente não está focado no longo prazo. É difícil conciliar o foco no curto prazo com uma visão funda- mentalista nos investimentos. Num horizonte de 6 meses, seu retorno será majoritariamente explicado por flutuações (quase que randômicas) no preço da ação. Entretanto, expandindo o horizonte para alguns anos, seu retorno será explicado pela combinação do preço (múltiplos) que você pagou no investimento e o crescimento nos resultados da empresa. Esses são os aspectos que o Investidor de Valor se preocupa, e claramente eles só importam no longo prazo. Tempo médio de carregamento de uma ação na NYSE. Fonte: GMO CAPÍTULO 1 - 45 O QUE PODEMOS APRENDER COM OS GOLEIROS? O problema não é apenas querer resultados rápidos, é o insaci- ável desejo de agir. Os goleiros do futebol são um ótimo exemplo desse viés humano. Eles não são as estrelas do time, mas quando o assunto é um pênalti, tornam-se os protagonistas. São 11 metros entre a bola e o gol, uma simples disputa entre o atacante e o goleiro. Como a média de gols por partida é de 2,5 gols, um pênalti (que tem 80% de chance de resultar em gol) pode influenciar drasticamente o resultado. Um estudo analisou a tomada de decisão dos goleiros de elite das principais ligas de futebol globais. Foi descoberto que a escolha dos atacantes é igualitariamente distribuída com 33% dos chutes na esquerda, centro ou direita do gol. Porém, os goleiros apresentaram um viés de ação e esco- lheram pular para a direita ou para a esquerda 94% das vezes. Quando um goleiro fica no centro do gol, ele é capaz de defender 60% dos chutes que vão no centro do gol, estatística muito mais alta do que quando ele pula para um lado e a bola vai para esse mesmo lado. No entanto, apesar de ter sido estatisticamente provado que ficar no centro do gol é mais vantajoso, os goleiros fazem isso apenas 6% das vezes. Quando indagados sobre a questão, a defesa dos goleiros foi que, ao pular para um lado, eles ao menos sentem que estão fazendo algo, enquanto ficar parado no centro do gol e assistir a bola entrar gera um sentimento muito pior. Bom… pessoalmente, não acredito que alguma coisa seja pior do que perder, independentemente do lado escolhido. 46 - Os Segredos do Investidor de Valor Os goleiros nos mostram que mesmo quando não fazer nada é a melhor opção, nossos impulsos nos levam a querer tomar alguma atitude. A ARMA SECRETA A antítese do desejo de agir é a paciência – arma fundamental para se proteger de você mesmo. No mundo dos investimentos, queremos evitar tomar uma decisão cedo demais. É difícil distinguir entre estar errado ou adiantado no curto prazo, mas comprar e observar as ações caírem ou vender e ver as ações continuarem a subir é algo que faz parte da vida do investidor. Conhecer com antecedênciapisos e topos é simplesmente impossível, porque oscilações de curto prazo são imprevi- síveis. É preciso ter paciência e disciplina para não agir por impulso, assim como manter o foco apenas nos fundamentos para balizar sua tomada de decisão – principalmente em um período de fraca performance, quando o impulso para agir é intensificado. De fato, não é fácil observar uma ação cair e não fazer nada. Ter paciência, nesses casos, é fundamental para não abrir mão de gordos retornos. Similarmente, quando a procura por valor no mercado não resulta em claras oportunidades, não fazer nada é a melhor opção. Warren Buffett tem, atualmente, US$ 385 bilhões em caixa, e não se sente compelido a agir por causa disso. “Ter dinheiro em caixa é incômodo, mas não tão incômodo quanto fazer algo estúpido.” – Warren Buffett. CAPÍTULO 1 - 47 O economista Paul Samuelson também alerta que investir deve ser uma atividade tediosa, como ver uma pintura secar ou observar a grama crescer. Se você busca excitação, vá para Las Vegas… só não espere ficar rico dessa forma. 48 - Os Segredos do Investidor de Valor 1.6 Quando vender uma ação Investir bem não se resume apenas a comprar bem, saber o momento de se despedir é tão importante quanto. AÇÕES PARA SEMPRE Ações são para o longo prazo e você sempre deve reservar algum espaço em sua carteira para elas. É lógico que a sua alocação em bolsa vai variar ao longo dos anos, a depender da fase do ciclo econômico em que o país se encontra, dos seus objetivos financeiros, do conhecimento/ disponibilidade para estudar/acompanhar as empresas em que investe, do seu apetite/tolerância ao risco etc. No entanto, mesmo que sua alocação em bolsa varie ao longo da sua jornada de construção/multiplicação patrimonial, as ações sempre devem ter algum espaço na sua carteira. Não importa se você ainda está construindo o patrimônio almejado ou se já chegou lá e quer viver apenas de renda, existem ações com potencial de multiplicar seu capital, assim como existem ações que vão lhe render gordos rendimentos em forma de proventos. Quando falo que ações são para sempre, quero dizer que faz sentido sempre manter alguma parcela dos seus recursos investida em empresas da bolsa (mas não necessariamente nas mesmas empresas sempre). CAPÍTULO 1 - 49 É comum confundir investir no longo prazo com comprar e esquecer, mas acontece que as empresas e os preços de suas ações mudam ao longo do tempo e, em algum momento, até uma empresa muito boa pode deixar de ser um bom investi- mento se seu preço deixa de fazer sentido. Os preceitos do Value Investing ensinam a focar no longo prazo simplesmente porque os ciclos empresariais demandam alguns anos para se concretizar. Uma empresa precisa primeiro planejar e então investir, para depois lançar seu produto/ser- viço no mercado e, finalmente, após a maturação do produto, começar a colher os frutos, caso sua estratégia e execução forem acertadas. Acontece que entre um bom plano e o sucesso de um projeto existem alguns anos de intervalo, e as boas empresas não vão se acomodar após um sucesso, mas sim começarão tudo de novo, reinvestindo os lucros obtidos. Quando recomendo que você invista em ações com foco no longo prazo, estou simplesmente alinhando suas expectativas. Eu sei que as oscilações de curto prazo no preço das ações são completamente imprevisíveis e, em alguns casos, até descorre- lacionadas com a realidade das empresas naquele momento, inclusive, as oportunidades surgem exatamente nesses pontos. Também sei que, quando se alonga o horizonte de inves- timento, a correlação entre os resultados das empresas e o movimento das ações se torna uma realidade. Quem observa apenas o que aconteceu com os lucros e o preço das ações da Itaúsa entre 2013 e 2015 acha que o que estou dizendo não faz sentido nenhum. 50 - Os Segredos do Investidor de Valor Porém, quando expando a janela de análise para as últimas décadas, fica claro que no longo prazo as ações tendem a acom- panhar seus resultados. Isso acontece porque, caso uma empresa tenha resultados cada vez melhores sem que o preço de sua ação suba na mesma proporção, ela vai se tornar cada vez mais barata e passará a chamar a atenção dos investidores, que partirão para as com- pras e puxarão o preço da ação para cima. Da mesma forma, uma ação que sobe demais e não apresenta resultados crescentes passa a ficar muito cara. Isso pode se sustentar por algum tempo, quando uma empresa consegue con- vencer o mercado de que apresentará um enorme crescimento no futuro, entretanto, caso ela não entregue os resultados pro- metidos, os investidores vão deixar de acreditar na companhia e suas ações podem afundar. Em outros momentos, efeitos de curto prazo ou não recor- rentes podem fazer com que a relação preço/resultado seja distorcida, mas apenas por uma pequena janela de tempo, como a que observamos em ITSA. Nesses casos específicos, o país Preço (preto) e Lucro (cinza) de ITSA4. Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 1 - 51 passou/passa por uma crise, e o banco, sempre conservador, faz altas provisões para se proteger de devedores duvidosos. No fim das contas, por mais que as oscilações nos preços das ações no curto prazo sejam fruto de reações exageradas a novas informações que muitas vezes nem acabam afetando os resultados da empresa, de oscilações no nível de otimismo/ pessimismo com a economia ou até de fatores técnicos, como um grande investidor montando uma posição, no longo prazo, as ações acabam acompanhando os resultados efetivamente entregues pelas empresas. NÃO BASTA COMPRAR BEM A mensagem que realmente quero passar é que investir em ações é algo para sempre, mas não necessariamente você investirá nas mesmas ações eternamente. A relação entre a qualidade de uma empresa (seu valor) e seu preço é o que define um bom investimento. Esses dois elementos sempre precisam ser analisados em conjunto na hora de tomar alguma decisão. Para classificar uma empresa como um bom investimento, é pre- ciso encontrar uma que esteja negociando abaixo do seu valor, seja porque é boa ou cresce demais, seja porque está barata demais. Todavia, como esses dois elementos (o valor da empresa e o seu preço) podem variar em ritmos ou até caminhos diferentes no curto prazo (às vezes até em alguns anos), comprar uma ação e simplesmente esquecê-la não é uma boa ideia. Para ter sucesso na bolsa, você precisa não apenas comprar na hora certa, mas também vender na hora certa. Caso contrário, 52 - Os Segredos do Investidor de Valor a probabilidade de sucesso, que no momento da compra estava a seu favor, pode se inverter. Como ninguém consegue prever o futuro, investir com as probabilidades ao seu lado é a única forma de obter retornos consistentes. Saber a hora de vender é tão importante quanto saber a hora de comprar. A literatura sobre investimentos dedicada a ensinar a comprar uma ação é vasta. Existe uma enxurrada de excelentes livros que o ensinam a escolher as melhores ações, entretanto, poucos falam sobre a outra ponta: a venda. TRÊS MOTIVOS PARA SE DESPEDIR Assim como não acredito que para identificar um bom inves- timento existe uma fórmula mágica, mas sim uma mistura de ciência, arte e esforço (by Peter Lynch), para sair de um investi- mento não é diferente. Gostaria muito que uma análise estatística ou gráfica forne- cesse o ponto de saída ideal ou que um valor estimado para um preço-alvo fosse realmente confiável. Infelizmente, não é assim que funciona na hora de comprar e também não é assim que funciona na hora de vender. Apesar de não serem indicadores precisos (como nada no mundo dos investimentos é), existem 3 motivos que justificam a venda de uma ação: A tese se concretizou Segundo Bruce Greenwald, autor de um dos melhores livros sobre Value Investing já escritos, existem 3 fontes de valor em uma empresa. CAPÍTULO 1 - 53 A primeira é o valor de reprodução daqueles ativos (quanto custaria parareproduzir maquinários, marca, expertise, tecno- logia etc.); a segunda é a capacidade de geração de lucros atual da empresa (se ela construiu alguma vantagem competitiva, lucra e vale mais); e a última é o valor do crescimento (que inclui o potencial de crescimento dos lucros futuros). A depender da força das vantagens competitivas e dos riscos inerentes a cada negócio, podemos identificar por qual dessas fontes de valor vale a pena pagar. Independentemente de qual seja a fonte de valor, você faz um investimento bem fundamentado porque acredita que o preço da ação naquele momento é inferior ao seu valor, é isso que conhecemos como tese de investimento. Com o passar do tempo, sua tese pode simplesmente se concretizar. Fontes de valor. Fonte: “Value Investing: From Graham to Buffett and Beyond”, de Bruce Greenwald. 54 - Os Segredos do Investidor de Valor O preço da ação pode chegar a um patamar próximo daquele que poderia ser considerado justo em relação ao valor dos ativos, ou à capacidade de geração de lucros da empresa, ou o bom crescimento pode cessar. Nesses casos, é hora de se despedir e partir para o próximo investimento. Fundamentos mudaram/erro de análise Mesmo com muito estudo e análise, você nunca saberá tudo sobre uma empresa; se nem quem está gerindo a empresa no dia a dia sabe, imagina quem está olhando de fora. Além disso, algo pode simplesmente mudar ao longo do caminho, uma vantagem competitiva pode deixar de existir, o crescimento esperado pode deixar de ser factível, novos con- correntes ou produtos substitutos podem ameaçar a empresa, a regulação pode mudar etc. Em alguns casos, as circunstâncias vão realmente mudar, em outros, o risco já estava lá e apenas passou despercebido. De qualquer maneira, não faz a mínima diferença se os fundamentos realmente se alteraram ou se você apenas identificou um erro de análise por conta de algum acontecimento. O fato é que, caso isso aconteça e você conclua que o preço atual já não garante a margem de segurança (diferença entre preço e valor) necessária para manter o investimento, também é hora de dizer adeus (ou até logo). Oportunidade melhor Por fim, o último motivo que considero adequado para vender uma ação é quando se encontra uma oportunidade melhor. Se você identifica uma empresa com uma relação de risco/ retorno mais atrativa ou que faça mais sentido para a composição CAPÍTULO 1 - 55 do portfólio no momento, você pode abrir mão de uma empresa que já não o deixava tão confortável e realizar uma substituição de ativos. Talvez você tenha ficado decepcionado com os três motivos para vender uma ação, afinal, nenhum deles é uma fórmula que mostra o momento exato de sair de um investimento. Mas o segredo para ganhar dinheiro com ações não é a precisão, é a consistência. Se você investe seu capital com disci- plina e paciência, conhece profundamente as empresas em que investe e não deixa seu emocional influenciar suas decisões, você terá grandes chances de obter retornos formidáveis na bolsa ao longo dos anos. Como comentei anteriormente, investir é uma arte; em alguns casos, você vai acertar, em outros, você vai errar. O importante é que a tomada de decisão seja sempre consistente e disciplinada, sem nunca divergir da estratégia. Capítulo 2 MONTANDO E GERINDO O PORTFÓLIO CAPÍTULO 2 - 57 2.1 Como analisar a gestão das empresas? Vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? Os resultados são bons porque o negócio é bom ou porque a gestão é boa? COMO ANALISAR A GESTÃO? Eu acho maravilhoso quando leio algum relatório de investimento que comenta sobre a gestão de uma empresa: a gestão, os execu- tivos, a cultura, os processos e a execução são sempre ótimos. Nunca li um relatório de investimento que dissesse que uma empresa é mal administrada ou que os gestores poderiam fazer um trabalho melhor. Isso é claro, já que os analistas têm um medo enorme de se indispor com as companhias. Também por essa razão, 99% das recomendações são de compra. Não faz sentido, mas é o que acontece. GESTÃO VERSUS RESULTADOS Uma enorme dificuldade de analisar a qualidade da gestão é que a única forma de determinar se os executivos ou a alta diretoria de uma empresa são competentes é analisando os números – os resultados e os lucros ao longo do tempo. Mas os resultados são bons porque o negócio é bom ou porque a gestão é boa? 58 - Os Segredos do Investidor de Valor Esse é o problema. Já que não dá para avaliar a gestão somente pelos resultados, é necessária uma outra forma de análise. Logo, é importante comparar negócios parecidos, mesmo que não sejam tão parecidos assim. Além disso, entender a dinâmica dos negócios nos anos e tentar identificar se o que aconteceu foi causado ou não pela gestão é essencial. Pode ser bom (o que aconteceu com Santander) ou pode ser ruim (o que aconteceu com BRF). Porém, na maioria das vezes, não tem como afirmar se a gestão é boa ou ruim. Na maioria das vezes, não há sinais suficientes para montar um caso de competência ou de incompetência. QUANDO O NEGÓCIO É FÁCIL Buffett já sabe, há anos e anos, que bancos são o melhor negócio do mundo. Ele ganhou muito dinheiro, principalmente com bancos (e financeiras) e empresas de mídia. Que azar, pois não temos boas empresas de mídia aqui no Brasil. Quem se lembra de GloboNabo? (apelido carinhoso dado pelos investidores a Globo Cabo) Por exemplo, todos os “bancões” no Brasil possuem retornos sobre patrimônio (ROE) elevadíssimos. Seriam todos os gestores dos “bancões”, então, extremamente competentes? Não. Por um lado, posso argumentar que o negócio bancário é fácil no Brasil (seguridade e serviços, e não crédito) e os ges- tores apenas levam os louros. Por outro lado, posso comparar a gestão entre os bancos. Itaú sempre teve rentabilidade melhor CAPÍTULO 2 - 59 que os outros, portanto sua gestão é, sim, um pouco melhor. ROE ITUB4 (preto), BBDC4 (cinza), SANB11 (pontilhado) e BBAS3 (tracejado). Fonte: Bloomberg. RENT3 (preto), LCAM3 (cinza) e MOVI3 (tracejado). Fonte: Bloomberg. QUANDO OS RESULTADOS CAEM DO CÉU A gestão das empresas locadoras de carros é competente? É fora da curva? É maravilhosa? Pelo gráfico de lucros das empresas, algo estão fazendo corretamente: 60 - Os Segredos do Investidor de Valor Os lucros das empresas subiram rapidamente nos últimos anos – das três juntas. Foi competência da gestão? Ou é apenas vento a favor? Sinceramente, aqui, parece que foi apenas sorte. Não consigo afirmar se os controladores entenderam, no começo, que esse negócio era tão dependente de escala. Todavia, sei que Localiza, a maior e melhor do setor, há alguns anos convivia pacificamente com os muitos pequenos competidores no setor. Localiza deixou que a competição sobrevivesse. Localiza escolheu não dominar o setor. Localiza deixou que a LCAM e a MOVI fossem criadas e crescessem. Falha monstruosa de gestão. Só após o surgimento de LCAM e MOVI que RENT decidiu se mexer. Mesmo assim, Localiza é vista como benchmark de gestão e execução. Faz sentido? QUANDO A VANTAGEM É CLARA Quem nunca ouviu falar nas arqui-inimigas Lojas Renner e Guararapes (Riachuelo)? É muito interessante a dinâmica entre as duas. Enquanto Renner é largamente vista como a melhor empresa da história do Brasil e região (e vende roupas), Guararapes é mais zoneada que loja do Brás. Mas não é bem assim: CAPÍTULO 2 - 61 Vejam como o Ebitda e as vendas das empresas são muito parecidos. Nos últimos anos, LREN passou um pouco adiante nas vendas, mas o Ebitda continua próximo. A grande diferença é que LREN é uma linha suave, sem solavancos, enquanto GUAR é muito mais propensa a chacoalhões. Olhem só como o mercado precifica as duas: Ebitda 12m (acima) e Vendas líquidas (abaixo) LREN3 (preto) e GUAR3 (cinza). Fonte: Bloomberg. Preço/ Lucros (acima) e EV/Ebitda (abaixo) LREN3 (preto) e GUAR3 (cinza). Fonte: Bloomberg. LREN tem, sim, uma gestão muito melhorque GUAR. Além de dar muito mais informações e ser muito mais amigável ao mercado, mas LREN negocia a 21x Ebitda e 35x lucros, e GUAR negocia a 6x Ebitda e 6,5x lucros. 62 - Os Segredos do Investidor de Valor FUSÕES E AQUISIÇÕES Acredito que existem apenas duas formas claras de analisar a gestão: uma empresa que faz bem M&A (fusões e aquisições); uma empresa benchmark do setor e elogiada pela competição. O M&A é ainda muito mais poderoso, pois a média de capaci- dade de gestão do setor pode ser fraca. No entanto, fazer aquisições por anos e anos e se manter de pé lá na frente com bons números operacionais é altamente desafiador, pelo simples motivo que entre 70% e 90% das aqui- sições não geram valor. É fácil entender o motivo. Imagine que gerir uma empresa com gente, sistemas, cultura, operações e clientes seja desafiador. Agora, imagine juntar duas empresas diferentes e unir tudo isso em pouco tempo. Ainda, após a união, forçar os dois times (e as duas culturas) a trabalharem juntos. Quem já trabalhou em empresa comprada ou compradora sabe dos enormes desafios que uma fusão ou aquisição traz. O maior exemplo aqui, para mim, é a Kroton. Ela é uma das maiores empresas de educação do mundo. Esse gigante foi criado por aquisições recorrentes de competi- dores em um setor em que gestão era nome feio. Se não fosse o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) barrando a compra da Estácio, Kroton seria maior e melhor ainda. É claro, Kroton também é benchmark do setor, admirada, odiada e acompanhada de perto por seus competidores. CAPÍTULO 2 - 63 Por que não comprar Kroton? Simples: As educacionais estão sofrendo com menos FIES e desem- prego elevado (sem emprego ninguém paga faculdade). Kroton, especificamente, está sofrendo com competição no EAD (ensino a distância). Ela dominava o setor e o MEC liberou muitos novos polos para suas competidoras. O FRACASSO ÓBVIO Eu não aprecio citar empresas que possuem gestão subótima ou ruim mesmo, mas falarei sobre o maior exemplo de falha de gestão nos últimos anos, que foi a BRF. Quando a Tarpon assumiu a BRF, prometeu que a companhia deixaria de ser commodity (seria mais pull que push) e a gestão deu um guidance (que o mercado largamente acreditou) de margem Ebitda de 16%. Pronto, foi só a margem alcançar 16% para a gestão ser ele- vada ao status de divindade. KROT3 Ebitda 12m (preto) e lucro 12m (tracejado). Fonte: Bloomberg. 64 - Os Segredos do Investidor de Valor Mas o tempo passou, a margem caiu e o mercado percebeu que a margem alta não tinha nada a ver com gestão, tinha a ver com o preço do milho (maior insumo) caindo e o preço do frango (maior produto) subindo. Foi só o milho subir e o frango cair que a margem despencou. O resto é história. EMPRESAS DE CICLO LONGO Outro exemplo bem explícito e notório que posso dar sobre a capacidade de gestão está no mercado imobiliário. Como as empresas têm ciclo longo, elas lançam, constroem e vendem em (mais ou menos) quatro anos, mas a contabilização disso tem especificidades enormes, o que deixa o mercado per- didinho com as empresas do setor. Basicamente, as incorporadoras só reconhecem que estou- raram os custos (e darão prejuízo) após o término das obras (4 anos). Entretanto, os resultados das vendas dos apartamentos aparecem nos trimestres anteriores. Quer dizer, a companhia vai BRF Margem Ebitda 12m. Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 2 - 65 lucrando até que chega a conta lá na frente e fica evidente que o lucro era de mentirinha. Fora isso, ainda há diversas companhias lançando imóveis simplesmente “invendáveis” em cidades sem capacidade de absorção daqueles elefantes brancos. Para fechar com chave de ouro, tivemos a grande crise de 2015-2016. Resultado: ROE. Fonte: Bloomberg. A única empresa que conseguiu manter seu ROE acima de 0% durante o período foi a maravilhosa Eztec. Em 2019, Trisul estava passando na frente, mas simplesmente porque ela quebrou antes das outras e estava em um ciclo diferente. Além disso, Cyrella passou por um ROE levemente negativo e já volta com força total. As outras destruíram o patrimônio de gerações das famílias controladoras. Fizeram IPO, pegaram o dinheiro, investiram da pior forma que conseguiram e não saíram do buraco, pelo menos enquanto eu escrevia estas linhas. 66 - Os Segredos do Investidor de Valor O mesmo aconteceu com os bancos pequenos que abriram o capital em 2007. Se você é entusiasta dos bancos digitais, sugiro entender a história dos bancos médios no Brasil. AVALIANDO A GESTÃO SEM AVALIAR OS RESULTADOS Esse é o desafio. Uma coisa está intrinsecamente ligada a outra. Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais? A gestão da empresa é boa porque o negócio é bom ou o negócio é bom porque a gestão é boa? Para não cair nesse looping infinito, existe uma maneira de comparar as empresas sem precisar olhar necessariamente para os resultados: avaliar as empresas comparando-as com outras que passam pelas mesmas dificuldades. CAPÍTULO 2 - 67 2.2 Como maximizar acertos e minimizar erros? Quando comprar? Quando vender? Quando realocar? Como pensar seu portfólio? Simples, gestão de portfólio à la Buffett. Antes de pensar em realocações, entenda estes pontos: 1. A qual preço (múltiplo) a ação negocia? 2. Como foi seu último resultado (expectativa vs. realidade)? 3. Qual a visibilidade que tenho sobre os próximos resultados? 4. Existem notícias de curto prazo que podem afetar os preços? Eu compro boas ações a bons preços e espero. Mesmo sem realocações estratégicas, é possível ganhar do IBOV. Consigo imaginar como deve estar a cabeça dos investidores neste momento: “Subiu muito?” “Vai cair?” “Compro mais ou vendo?” “O que fazer quando o mercado vai rápido demais?” “Como gerir um portfólio com algumas ações voando e outras sem sair do lugar?” Por fim, as perguntas ainda mais importantes: “como maxi- mizar os acertos?” e “como minimizar os erros?” 68 - Os Segredos do Investidor de Valor MAXIMIZE OS FUNDAMENTOS, SEMPRE OS FUNDAMENTOS Quem fica olhando só para preço de ação no Home Broker vende cedo demais. Compra tarde demais. Compra sem saber o que está comprando, sem convicção, sem confiança. Quem fica olhando só para preço de ação no Home Broker vende os foguetes e carrega os micos. Eu tenho certeza que você já fez muito isso. Eu já fiz também. Só existe um jeito de segurar foguetes e se livrar dos micos: entender o fundamento. Entender o valor. Entender os resultados e o preço. Entender a relação entre o quanto a ação negocia (x Ebitda), como estão seus resultados recentes e qual visibili- dade temos para resultados futuros. Só isso. O GRANDE, MAGNÂNIMO, EXCELENTÍSSIMO PREÇO Entender o preço é importantíssimo ao comprar ações. Entender o preço é importantíssimo ao vender ações. O preço também é impor- tantíssimo ao gerir seu portfólio (ao reduzir e aumentar posições). Sem entender minimamente o quanto uma empresa vale e o quanto ela deveria valer é impossível tomar quaisquer decisões no seu portfólio. Se você entende bem o que quero dizer com: "LCAM negocia a 10x Ebitda e cresce 30% ao ano", ótimo. CAPÍTULO 2 - 69 REDUZO AQUI, AUMENTO ACOLÁ Antes de pensar em realocações, questione-se: A qual preço (múltiplo) a ação negocia? Como foi seu último resultado (expectativa vs. realidade)? Qual a visibilidade que tenho sobre seus próximos resultados? Existem notícias de curto prazo que podem afetar os preços? Entendendo os pontos acima, você está pronto para fazer lou- curas com suas ações. POR QUE NÃO TROCAR POSIÇÕES SEMPRE? Para ser um investidor de valor, você deve mirar no longo prazo, com raras movimentações. Muitas vezes, mesmo permanecendo na inércia, é possível obter uma rentabilidade bastante interessante. Novas compras e realocações ficam a seu critério (se cair, compre mais). De qualquer modo, a essência é sempre a mesma: comprar boas ações a bons preços e esperar.Simples assim. 1 2 3 4 70 - Os Segredos do Investidor de Valor 2.3 O que é visibilidade de resultados? Como analisar os resultados? Quando o mercado reconhece o crescimento? O que o mercado já reconheceu ou foi longe demais? Como evitar armadilhas de valor? Visibilidade de resultados consiste na confiança no cresci- mento de resultados futuros. Crescimento de receita, Ebitda e lucros. Para que você tenha confiança nos resultados crescentes no futuro de uma empresa, é necessário entender o negócio, as estratégias, o ambiente competitivo, quais são as vantagens competitivas do negócio, as barreiras de entrada… enfim, o que permite que a empresa cresça de forma lucrativa. Eu analiso apenas receita +X%, Ebitda +X% e lucro +X%, e é por meio desses três indicadores que procuro a visibilidade de crescimento. A longo prazo, as ações sempre refletirão os resultados. Quanto maior e mais consistente o crescimento de resultados de uma empresa, maior a probabilidade de que o mercado reco- nheça seu valor. Busque comprar empresas a preços baixos, que apresentem crescimento e sejam mais e mais reconhecidas pelo mercado. Isto é, adquira ações que subam consistentemente, ações que você confia que terão resultados crescentes. Ações com visibilidade de resultados. CAPÍTULO 2 - 71 POR QUE OLHAR RECEITA, EBITDA E LUCRO? As três principais linhas de demonstração de resultados de uma empresa nos dão uma quantidade enorme de informações sobre o seu desempenho. Sempre compare os resultados trimestrais com o mesmo período do ano anterior: 3º trimestre com 3º trimestre, 1º tri- mestre com 1º trimestre, 2T19 com 2T20 etc. A receita é a variação nos volumes/vendas dos preços pra- ticados. Se o Ebitda cresce mais que a receita e as margens aumentaram (custos e despesas relativamente menores) = maior produtividade. Após o Ebitda, você deve subtrair a depreciação, impostos e resultado financeiro (custo das dívidas) para chegar ao lucro. Apenas olhando para a receita +X%, Ebitda +X% e lucro +X%, você consegue ter uma ideia muito boa de como variaram os volumes e preços (mercado aquecido?), custos e despesas (empresa mais produtiva) e o quanto a depreciação e as dívidas pesam nos resultados. Buffett e Munger são bem vocais em criticar o Ebitda, pois não consideram racional tirar a depreciação ou as despesas com juros da conta – e eles têm razão. No entanto, no Brasil, juros elevados e dólar volátil (despesas financeiras e lucros voláteis para as exportadoras que possuem dívida em dólar) tornaram popular o indicador. Utilizo o Ebitda, portanto, porque os preços no mercado brasileiro fazem muito mais sentido em EV/Ebitda do que em P/L. Logo, a receita, o Ebitda e o lucro fornecem muitas informa- ções sobre o que acontece no negócio. Inclusive, é por meio do 72 - Os Segredos do Investidor de Valor EV/Ebitda e do preço/lucro que procuro a noção de valor (preço) nas empresas. POR QUE EU GOSTO DE CRESCIMENTO? A longo prazo, as ações sempre refletirão os resultados das empresas. A cada novo resultado, os múltiplos se atualizam. Por exemplo, sai o lucro ou Ebitda do 3T19 e entra o lucro ou Ebitda do 3T20. Se o lucro cresce e o preço não sobe, a ação fica “barata”. Se o Ebitda cresce e o EV (EV = preço de mercado + dívida líquida) não sobe, a ação fica “barata”. Quanto maior e mais consistente o crescimento de resultados de uma empresa, maior a probabi- lidade de que o mercado reconheça seu valor. Com resultados subindo forte, os múltiplos cairão forte. Até o momento em que o mercado perceberá como as ações estão “baratas” e os compradores aproveitarão a oportunidade. O crescimento dos resultados das empresas em si é um gatilho para que o mercado reconheça o valor delas. VALUATION: QUANDO O MERCADO VAI LONGE DEMAIS Busque as empresas com as maiores probabilidades de crescimento e com os menores preços. Ou seja, com as maiores visibilidades de resultado e os menores múltiplos EV/Ebitda e preço/lucro. Por quê? Pelo simples motivo que o preço baixo protege você de erros de análise. O preço baixo protege você das loucuras que o mercado faz – afinal, ele é especialista nisso (bolhas, teorias, “novos normais”, lindas histórias etc.). O mercado sempre exa- gera – tanto no otimismo quanto no pessimismo. CAPÍTULO 2 - 73 Não é possível saber exatamente quanto valem as empresas. A precificação das companhias por fluxo de caixa descontado (DCF ou Discounted Cash Flow) depende de uma infinidade de acontecimentos futuros impossíveis de prever. Facilite a sua vida procurando as empresas com as maiores visibilidades de crescimento e os menores preços. Exemplos de boas empresas a preços elevados não faltam no mercado. Você já deve ter pensado em alguns. WEG talvez seja o melhor exemplo. Um ótimo negócio que sabe se reinventar e evoluir, além disso, a capacidade de gestão, resiliência e os ótimos resultados são inegáveis. Veja a evolução do Ebitda e lucro de WEG desde 2000: WEG – Ebitda (cinza) e lucro líquido (preto). Fonte: Bloomberg. 74 - Os Segredos do Investidor de Valor Quem não quer ser sócio de uma empresa como essa? Ela consegue se transformar e gerar valores nos melhores e piores momentos da economia. Mas tudo tem seu preço. Segundo Lou Simpson (antigo chefe de investimentos da seguradora Geico, de Buffett), “até a melhor empresa do mundo não é um bom investimento se o preço é alto demais". WEG cresce entre 20-30% ao ano há anos e é negociada a 70x lucros e 50x Ebitda. Ela é ótima, mas prefiro LCAM, que também cresce a 20-30% ao ano e negocia a 14x Ebitda. Imagino que LCAM continuará crescendo com o mercado de locação e novas oportunidades (leasing e Uber), roubando mer- cado das locadoras pequenas. A companhia é otimista com a continuidade do crescimento e eu também. Isso é a visibilidade de resultados. WEG – EV/Ebitda (gráfico lado esquerdo) e P/L (lado direito). Fonte: Nord Fundamentos. CAPÍTULO 2 - 75 CRESCIMENTO TRUCIDA AS ARMADILHAS DE VALOR A armadilha de valor, ou value trap, consiste nas empresas baratas que ficam baratas para sempre. São empresas que não possuem um gatilho que faça o mercado reconhecer seu valor. Eu já caí nessa cilada, aliás, é o maior risco da estratégia de Value Investing. Por esse motivo, utiliza-se a visibilidade de resultados para evitar esse risco. O crescimento é uma ótima forma de mostrar ao mercado o quão baratas são as empresas. CONCENTRE-SE NAS MELHORES OPORTUNIDADES Obviamente, existem muitas oportunidades na bolsa, porém você deve ser ultraconservador com seu rico dinheirinho. Já dizia Buffett: “Regra nº 1: nunca perca dinheiro. Regra nº 2: não se esqueça da regra nº 1.” Visto que o dinheiro é limitado, você deve encontrar as melhores companhias. As melhores empresas com os menores preços. Investir é para sempre. Bolsa é para sempre. Confiança é o nome do jogo e é preciso confiar na continuidade dos bons resultados das empresas. Além disso, avaliar o negócio profundamente para entender se existe visibilidade de resultados, assim como as vantagens competitivas que permitem à empresa manter seu crescimento com rentabilidade é fundamental. 76 - Os Segredos do Investidor de Valor 2.4 Por que os dividendos não importam para o Investidor de Valor? Por que pagar altos dividendos pode ser ruim? Por que preferimos as empresas que reinvestem seus lucros e crescem? O que fazer quando caem dividendos em nossas contas? Como "criar" divi- dendos quando você quiser? O FASCÍNIO PELOS DIVIDENDOS O encanto dos investidores pelos dividendos é algo interessante. Talvez o simples fato de ver aquele dinheirinho "pingando" na conta explique esse fascínio. Em vista disso, tentarei explicar por que os dividendos não são importantes para o Investidor de Valor e o que você deve fazer quando os recebe. Será a explicação da estratégia de Value Investing que aprendi com Warren Buffett e Charlie Munger. Basicamente, empresas lucrativas têmduas opções para alocar seus lucros, reinvestir em seu negócio ou distribuir dividendos. Ao distribuir dividendos, as empresas estão optando por não investir parte do seu lucro no seu negócio. Contudo, se a empresa tiver novas oportunidades de investimentos rentáveis (ROE ele- vado), por que não reinvestir esse lucro e crescer mais? Além de empresas boas e baratas, é importante que tenham resultados crescentes, e para isso é fundamental que as empresas man- tenham altos investimentos (só investindo o crescimento acontece). CAPÍTULO 2 - 77 Por esse motivo, a decisão de como alocar o capital é determi- nante para o crescimento dos resultados e do valor da empresa no longo prazo. ALOCAÇÃO DE CAPITAL A decisão mais importante para os gestores das empresas é a alocação de capital, como bem explicou o maior investidor de todos os tempos, Warren Buffett: “Com o passar do tempo, a habilidade dos gestores de uma companhia em alocar o capital tem um enorme impacto no valor da empresa”. Para Buffett, o pagamento de dividendos é apenas uma decisão de alocação de capital. Uma decisão do gestor de rein- vestir ou não na empresa (ou investir em outra empresa via uma aquisição ou um novo negócio). Empresas que pagam bons dividendos normalmente são aquelas que não têm grandes oportunidades de reinvestir seu lucro, ou são tão lucrativas que, mesmo reinvestindo, podem se dar o luxo de pagar bons dividendos. De qualquer forma, empresas com bons negócios e com boas oportunidades reinvestem muito em seus negócios para impul- sionar seu crescimento de longo prazo. Para o Investidor de Valor, o crescimento e a visibilidade de resultados são extremamente importantes, pois quanto mais elevado for o crescimento, maior a probabilidade do mercado reconhecer valor nessas empresas. O mercado paga caro (muito caro) por crescimento, e você deve se aproveitar maravilhosamente bem desse fenômeno. A escolha entre crescer ou pagar dividendos pode parecer óbvia, entretanto, para muitas empresas, a oportunidade de 78 - Os Segredos do Investidor de Valor investir e impulsionar seu crescimento pode não ser tão fácil ou frequente como você imagina. CRESCIMENTO VS. DIVIDENDOS Muitas empresas simplesmente não reinvestem ou crescem porque seu negócio é "ruim" – mercado em declínio, competição ferrenha, não conseguem repassar custos, baixa margem e/ou rentabilidade etc. Essas companhias não devem ser o seu foco. Ainda, mesmo as companhias lucrativas e com bons negócios (crescentes) podem ter dificuldade em reinvestir para crescer. As empresas de Utilidade Pública, conhecidas por serem boas pagadoras de dividendos, são um ótimo exemplo. De modo geral, elas são grandes geradoras de caixa e distribuem dividendos gordos quando não crescem. Contudo, nos momentos de expansão, quando investem para crescer, os dividendos ficam escassos, pois os custos dos ativos (usinas, linhas de transmissão, redes de telefonia, prédios etc.) são muito elevados. As empresas de utilidade investem muito (queimam caixa e não pagam dividendos) em certos períodos e geram bastante caixa (pagam dividendos) em outros. No gráfico abaixo, fica clara essa dinâmica quando vemos os resultados da Engie. A geradora de energia é lucrativa, rentável e possui um dos maiores dividend yields (quanto maior o indi- cador, maior o dividendo aos acionistas). Desde 2011, o Ebitda da Engie cresceu em média +9% ao ano. Como uma escadinha, podemos ver que seus resultados crescem com a entrada de novos ativos, mas se estabilizam até que novos projetos entrem em operação. CAPÍTULO 2 - 79 Também conhecidos pelos altos dividendos, os bancos são fortes geradores de caixa, com alta lucratividade e conseguiam reinvestir bastante, crescer e pagar dividendos gordos. Hoje já não é mais assim. Em relação a ITSA (=ITUB), por exemplo, fica clara a alta lucra- tividade do banco no gráfico abaixo. Ebitda acumulado 12 meses Engie (cinza-escuro) e lucro (cinza-claro). Fonte: Bloomberg. Lucro acumulado 12 meses ITUB. Fonte: Bloomberg. 80 - Os Segredos do Investidor de Valor O ITUB é uma máquina de gerar caixa, reinveste e ainda se dá o luxo de pagar bons dividendos, porém o crescimento é baixo. Nota-se, no gráfico, que desde meados de 2015, o banco já não consegue manter o crescimento de seus lucros. Ultimamente, a maior competição e a queda nas receitas de serviços (principal motor do crescimento e da rentabilidade) o deixam com uma visibilidade de crescimento bem baixa. Não estou dizendo que as boas pagadoras de dividendos são ruins. Pelo contrário, são empresas lucrativas e com ROEs atrativos, mas muitas vezes não crescem como eu gostaria. É exatamente por isso que pagam gordos dividendos: as ações ficam baratas (dividend yield alto) e sobra caixa (sem reinvesti- mento elevado). No geral, empresas com dividend yield alto são lucrativas e rentáveis, mas o crescimento e a visibilidade podem ser menores do que o desejado. Sabendo da maior probabilidade do mercado enxergar valor nas empresas que crescem mais, você deve dar preferência às companhias capazes de fazer bons investimentos e manter seus resultados crescentes ao longo dos anos. Dividendos são bons, mas crescimento é melhor. PREFERÊNCIA PELAS QUE CRESCEM MAIS Warren Buffett, em uma de suas cartas para os acionistas da Berkshire Hathaway, soube explicar bem o pensamento do Value Investing: "Para cada dólar retido pela empresa, pelo menos um dólar de valor de mercado será criado para os acionistas. Isso só acontecerá se o capital retido produzir lucros incrementais iguais ou superiores aos geralmente disponíveis para os investidores." CAPÍTULO 2 - 81 Em outras palavras, as empresas que retêm seus lucros e sabem reinvestir bem são capazes de gerar mais valor aos seus acionistas (reinvestem a ROE alto). Por exemplo, PRIO, LCAM e MOVI que, apesar de não distribuírem nenhum dividendo, são empresas capazes de crescer mais e criar valor para seus investidores. A maravilhosa PRIO, sem distribuir um único centavo em divi- dendos nos últimos anos, cresceu seu Ebitda em média +54% ao ano desde 2017, como mostra o gráfico abaixo. Esse crescimento não é por acaso, a empresa sabe investir (comprando novos campos) e tem grande capacidade de aumentar sua produção. É a mesma capacidade das locadoras LCAM e MOVI com a expansão das suas frotas (compra de carros) e das operações, e consequentemente no crescimento elevado dos seus resultados. No gráfico a seguir, vemos o crescimento do EBITDA de cerca de 28% em média ao ano de LCAM (desde 2012) e +37% de MOVI (desde 2017). Ebitda PRIO (colunas pretas). Fonte: Bloomberg. 82 - Os Segredos do Investidor de Valor Ebitda LCAM (cinza-claro) e Ebitda MOVI (cinza-escuro). Fonte: Bloomberg. Entretanto, você não se depara com empresas baratas e com crescimento elevado como PRIO, LCAM e MOVI todos os dias. Há também empresas que proporcionam ótimas oportunidades mesmo não crescendo nos mesmos patamares. As maravilhosas PARD, CARD e SHUL também sabem reinvestir seu lucro e manter seu bom crescimento, conforme o gráfico abaixo. Ebitda acumulado 12 meses PARD (preto), CARD (cinza-escuro) e SHUL (cinza-claro). Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 2 - 83 Mais do que isso, elas ainda conseguem proporcionar ótima visibilidade de resultados futuros (confiança de que continuarão crescendo) e, quem sabe, no futuro, alcançar patamares de cres- cimento ainda maiores. O QUE FAZER COM OS DIVIDENDOS? Mesmo que você prefira empresas que mantenham seus inves- timentos e o crescimento em níveis elevados, de tempos em tempos você verá algum dinheirinho "pingando" na sua conta. Assim como a alocação de capital é importante para os ges- tores das empresas, ela também deve ser para você. Enquanto você confiar e tiver boa visibilidade de crescimento em suas empresas, a melhor alocação a ser feita é reinvestir os divi- dendos e juros sobre o capital próprio (JCP), como também as bonificações e outros proventos.Simples assim, você os recebe e aumenta a sua posição. Caso goste de dividendos, você pode escolher se pagar um dividendo apenas vendendo uma pequena parte de suas ações – é exatamente o mesmo efeito de um dividendo. Quer um dividendo de 5%? Apenas venda 5% de seu portfólio todo ano. Por fim, sugiro que você faça isso quando o mercado estiver batendo máximas. 84 - Os Segredos do Investidor de Valor 2.5 Como avaliar a melhor incorporadora? O ciclo longo e a contabilidade não permitem que se olhe apenas para o EV/Ebitda e P/L. CUIDADOS AO ANALISAR EMPRESAS DE CICLO LONGO Buffett é famoso por dizer que é pago para pensar. Muita gente simplesmente ignora as maravilhas que alguns momentos de meditação fazem pelo seu entendimento do mundo. Pelo seu dinheiro investido. Há muito, pensei em como avaliar as incorporadoras. Afinal, por conta do ciclo longo, essas empresas demoram para conta- bilizar em seus resultados números que já foram auferidos nos lançamentos de seus empreendimentos. Apenas para fins ilustrativos, utilizarei o desempenho de Eztec no ano de 2019 como exemplo. Nesse ano, Eztec negociava a enormes 152x Ebitda e 36x lucros. Estava cara? Não. Enquanto os resultados contábeis conti- nuavam fracos e imóveis, os lançamentos e vendas líquidas já passavam das máximas de 2012 de Eztec. O NAV de Eztec tinha uma pequena variação contra o Patrimônio da companhia – entre 1,5x e 2x). Ela valia o dobro (2x) de seu NAV, enquanto na crise o mercado pagava apenas 0,5x NAV na companhia. CAPÍTULO 2 - 85 Em 2019, Eztec negociava a 3,6x seu VGV lançado, mais ou menos o mesmo patamar da companhia no ciclo anterior. Em 2013, ela lucrou 3x mais do que em 2019 e lançou um VGV de R$ 1,5 bilhão. A conta é: Eztec lançou R$ 1,5 bilhão e lucrou R$ 600 milhões. Ainda, o guidance de lançamentos da empresa foi de R$ 1,5 – 2 bilhões. Com lucros que podem ultrapassar R$ 600 milhões (patamar de 2013) e valor de mercado de R$ 7 bilhões, Eztec negocia abaixo de 12x lucros futuros. O EXEMPLO DO POC Normalmente, a incorporadora lança um empreendimento e vende 50% dos imóveis antes de começar a construir. As vendas e o recebimento do caixa acontecem antes mesmo da primeira estaca ser inserida no solo. Contudo, pelas regras contábeis, as incorporadoras só podem reconhecer as vendas de empreendimentos após o prédio ser construído e vendido. É o POC, ou Percentage of Completion. Suponha que a Eztec lançará um empreendimento. No lança- mento, a companhia monta um estande (aqueles apartamentos decorados padrão) para mostrar o que será o prédio quando estiver pronto. Ali, sem ter construído nada, a Eztec vende, em média, 50% do prédio inteiro – valor igual ao custo de todo o empreendimento (a margem de Eztec é de pouco mais de 40%). Apenas com as vendas no estande, a Eztec consegue captar dinheiro para construir o prédio inteiro. Os felizardos compra- dores começam a pagar pelo apartamento antes da obra começar. 86 - Os Segredos do Investidor de Valor Nesse ponto, a incorporadora ainda pode desistir da construção. Mantido o plano e tendo vendido em média 50% do imóvel, a Eztec começa a construção. Um prédio leva em torno de 2 ou 3 anos para ficar pronto. Nesses 2 anos, ela vai reconhecendo as vendas (receitas, Ebitda e lucros) de acordo com o percentual construído do prédio (POC). Mesmo com o prédio pronto, se ele só tiver sido 50% vendido, Eztec só reconhece 50% das receitas (Ebitda e lucros). Mesmo tendo vendido 100% do empreendimento, se o prédio não estiver terminado, ela só reconhece o quanto foi construído. QUANDO EV/EBITDA E P/L NÃO SÃO SUFICIENTES Esse é o problema. Olhando para o preço de Eztec em 2019, tínhamos: EV/Ebitda (cinza-claro) e P/L (preto). Fonte: Bloomberg. Eztec negociava a enormes 152x Ebitda e 36x lucros. Estava cara? Não. CAPÍTULO 2 - 87 A receita, Ebitda e lucros da empresa não dizem o que acon- tece na companhia. Mesmo tendo lançado e vendido milhões em imóveis, a contabilidade não permite que Eztec mostre como estão andando seus negócios. Esperar a contabilidade, nesse caso, deixa você completamente atrás da curva. VENCENDO A CONTABILIDADE Enquanto você olha para lucros e Ebitda estagnados: Lucro líquido (preto) e Ebitda 12m (tracejado). Fonte: Nord Research. VGV lançamentos 12m (preto) e Vendas líq 12m (tracejado). Fonte: Nord Research. Veja só o que acontece com lançamentos e vendas líquidas de distratos: 88 - Os Segredos do Investidor de Valor Juntando os dois gráficos acima, temos: Lucro líq 12m (tracejado); Ebitda 12m (pontilhado); VGV lançamentos 12m (preto) e Vendas líq 12m (cinza-escuro). Fonte: Nord Research. Enquanto os resultados contábeis continuavam fracos e imó- veis, os lançamentos e vendas líquidas já passavam das máximas de 2012 de Eztec. É necessária uma maneira melhor de analisar a companhia. EZTEC A 2X NAV Criei algumas formas, porém elas só funcionam para Eztec, pois tenho maior confiança nela. Ela é a única que não teve grandes estouros de custos de obras na última crise e não lançou imóveis invendáveis nos confins do país. Uma forma de olhar é o quanto vale o estoque de imóveis de Eztec em comparação com seu valor de mercado. O patrimônio da companhia pode ser um proxy disso, mas o NAV (Net Asset Value) é um indicador ainda melhor. Isso fica claro no gráfico a seguir: CAPÍTULO 2 - 89 O NAV de Eztec (cinza) tem uma pequena variação com o Patrimônio da companhia – entre 1,5x e 2x. Quer dizer, quando Eztec termina a construção de muitos empreendimentos, seu NAV cai em relação ao seu patrimônio. Os imóveis são contabili- zados antes no patrimônio a custo, e no NAV só aparece depois, a valor de mercado. No entanto, o interessante é que Eztec vale o dobro (2x) de seu NAV (preto), enquanto na crise o mercado pagava apenas 0,5x NAV na companhia. Quer dizer, o mercado aposta que os lançamentos agregarão valor ao acionista. EZTEC A 3,6X VGV LANÇADO Isso me faz pensar: Eztec negociava quantas vezes seus lança- mentos anunciados? Simples, Eztec negociava a 3,6x seu VGV (Valor Geral de Vendas) lançado, mais ou menos o mesmo patamar da companhia no ciclo anterior a esse. Sem lançar novos empreendimentos em 2017, o múltiplo bateu até 25x. Além disso, considerando mar- gens estáveis, é possível, inclusive, ir mais longe. NAV/MKT Cap (preto) e NAV/Patrimônio Líq (cinza). Fonte: Nord Research. 90 - Os Segredos do Investidor de Valor EZTEC A 12X LUCROS FUTUROS Analisando o lucro histórico de Eztec em 2013-2014, a companhia lucrou 3x mais do que lucrou em 2019: R$ 190 milhões contra R$ 600 milhões em 2013. Nos anos de 2012 e 2013, a empresa lançou um VGV (valor geral de vendas ou valor dos imóveis ven- didos) de R$ 1,5 bilhão. A conta é: Eztec lançou R$ 1,5 bilhão e lucrou R$ 600 milhões. O guidance de lançamentos de Eztec em 2019 foi de R$ 1,5 – 2 bilhões e, com lucros que podem ultrapassar R$ 600 milhões (patamar de 2013) e valor de mercado de R$ 7 bilhões, Eztec negociava abaixo de 12x lucros futuros. Em 2019, não era a ação mais barata do mundo, mas também não era cara, pensando que teríamos o menor juro da história. Juros baixos somados à confiança na solidez de nossa economia significam mais famílias ávidas por comprar seu imóvel próprio. Só que ninguém contava que haveria uma pandemia no caminho (nem eu, quando fiz essa análise). Fonte: Nord Research. CAPÍTULO 2 - 91 2.6 Alugue suas ações Você pode disponibilizar suas ações para locação com a finalidade de gerar uma rendinha extra. Para entender o operacional, pegue o telefone e ligue na sua corretora. Só tome cuidado com contratos que você não consegue sair. O SHORT – VENDA SEM TER No mercado financeiro, é possível vender algo que você não possui. É maluco, mas é verdade, e você ainda recebe o dinheiro da venda na sua conta. Essa operação é conhecida como short ou venda a descoberto (o nome em inglês sempre facilita – quem traduziu os termos para o português fez péssimas escolhas).O short tem a finalidade de apostar na queda do ativo ou de alavancagem da carteira – os recursos obtidos com a venda podem ser investidos em outros ativos. Porém, para impedir que um grande investidor venda infinita- mente uma ação, a bolsa exige que o short alugue as ações. Dessa forma, o máximo de operações short será igual à quantidade de ações em circulação, ou melhor, o máximo de ações short será apenas a quantidade de ações que estão disponíveis no mercado para aluguel. SEJA UM DOADOR (DE AÇÕES) Seja, também, um doador de órgãos – mas esse é um papo para outra hora. Comentarei sobre o aluguel de ações do ponto de vista do doador, ou seja, você. 92 - Os Segredos do Investidor de Valor Você, que possui ações em carteira, pode disponibilizá-las para locação com a finalidade de gerar uma rendinha extra. Ações, units, ETFs e BDRs podem ser alugados. Alugando suas ações, você recebe uma taxa de aluguel – nor- malmente baixa, ao redor de 1% ao ano. No entanto, a grande vantagem de disponibilizar suas ações para aluguel é que você continua recebendo todos os direitos que possui como acionista. MEUS PRECIOSOS DIVIDENDOS Mesmo alugando as ações, você recebe normalmente os pro- ventos pagos pela empresa; dividendos, juros sobre capital, entre outros, são pagos normalmente. Apenas o direito de voto em assembleias é transferido para o tomador durante a vigência do contrato (mas quem vota em assembleia? Deveríamos votar em relação ao que estiver errado). Dividendos e juros sobre o capital próprio (JCP) são transfe- ridos automaticamente para a conta do doador (você) no dia seguinte do recebimento na conta do tomador (quem paga o aluguel). A Bolsa faz isso automaticamente. No caso de bonificações, durante a vigência do aluguel, os valores são corrigidos e repassados na liquidação do contrato. Bonificações são como dividendos, mas podem ser pagas em ações (ao invés de dinheiro). OS RISCOS DE ALUGUEL SÃO TODOS DA BOLSA Alugar suas ações não envolve nenhum risco. Quando você compra e vende uma ação no mercado, por exemplo, é a Bolsa que atua como sua contraparte e garante a CAPÍTULO 2 - 93 operação, e a corretora é a responsável por executar as garantias e realizar a liquidação financeira. Ações alugadas NÃO podem ser vendidas! O único problema de alugar suas ações é que você não pode vendê-las enquanto estão alugadas. Por isso, cuidado com contratos de aluguel que você (doador) não pode sair a qualquer momento. Para vender suas ações, você deve desfazer o aluguel antes de vendê-las. O aluguel tem remuneração, garantia e prazo predeterminados. O ponto negativo de alugar suas ações é não poder se des- fazer delas até a data do vencimento do contrato de aluguel. Por isso, prefira os contratos reversíveis ao doador (você), ou seja, você escolhe a data que deseja romper o contrato de aluguel. Uma outra boa saída são os atuais serviços automáticos de custódia remunerada oferecidos por grande parte das corre- toras, mas não é necessário se preocupar com isso. Explico. CUSTÓDIA REMUNERADA As grandes corretoras, para facilitar a sua vida, inventaram uma forma de automatizar o serviço de aluguel. Além de cuidar de todo o operacional envolvido, esse serviço dá a flexibilidade de poder vender a qualquer momento, mesmo se as ações esti- verem alugadas. Logicamente, você paga pelo serviço (não existe almoço grátis). Parte dos seus ganhos será dividida com a corretora como pagamento pelo serviço, mas nenhum desembolso de sua parte é necessário, uma vez que a comissão é descontada da taxa cobrada. 94 - Os Segredos do Investidor de Valor Caso sua corretora não ofereça esse serviço automático, você precisa entrar em contato para manifestar o interesse em alugar determinada ação e por qual prazo. Ligue na sua corretora para entender como funciona esse serviço. Quanto você ganhará por isso? A remuneração de quem aluga as próprias ações varia muito. Depende da demanda e da oferta dos tomadores e doadores no mercado. Ações com mais liquidez costumam ter maior oferta de doadores e menor taxa de aluguel – grandes investidores insti- tucionais alugam suas ações. Tudo dependerá da oferta e demanda pelo aluguel daquela ação em determinado momento. As taxas de aluguel podem variar de 0,10% ao ano até 15% ao ano (ou muito mais). Você será remunerado proporcionalmente ao tempo em que a ação ficou alugada. No site da B3, você pode conferir a lista completa com a taxa média atualizada de remuneração para o doador, já livre de comissão. Taxas de aluguel. Fonte: B3 CAPÍTULO 2 - 95 IMPOSTO DE RENDA O rendimento obtido com o aluguel é considerado de renda fixa, logo, ele obedece à tabela regressiva de IR e é recolhido na fonte pela própria corretora. Você apenas precisa declarar, em seu imposto de renda anual, o rendimento com aluguel de ações no campo “Outros”, de “Tributação Exclusiva/Definitiva”, assim como o repasse dos dividendos e JCP no campo “Outros”, de “Rendimentos Isentos e Não Tributáveis”. Ambas as informações são obtidas facilmente no Canal Eletrônico do Investidor (CEI), no “Informe de Rendimentos Financeiros” e no “Informe de Reembolso do BTC”. Por fim, o aluguel de ações não envolve nenhum custo e permite ganhos adicionais (pequenos) com a taxa de aluguel recebida. O risco é apenas operacional (da corretora) e você continua a receber todos os proventos pagos pela empresa no período. Você só precisa estar atento, quando desejar vender sua posição, se as ações estão alugadas – entenda bem o opera- cional do aluguel com a sua corretora para evitar problemas. Cada corretora possui uma forma de operar e não posso res- ponder por todas. Pegue o telefone e ligue na sua corretora. É antiquado, mas funciona maravilhosamente bem. As que possuem o serviço de custódia remunerada permitem maior flexibilidade (mas ligue para confirmar também). O imposto de renda é recolhido na fonte e seus ganhos já são depositados livres da comissão da corretora. Alugue suas ações e seja feliz! Capítulo 3 PRECIFICAÇÃO E VALUATION CAPÍTULO 3 - 97 3.1 Como precificar o crescimento Quantas vezes mais vale uma ação que cresce? O crescimento futuro e o quanto pagamos por ele é muito mais importante do que o que vimos no passado. Prometo que o que comentarei aqui mudará a sua vida. Mudou a minha. Falarei sobre um assunto que sempre me incomodou. Um pro- blema em minha forma de valuation (valoração de empresas e negócios). Da forma que faço o valuation (comparando os negó- cios entre si e os múltiplos que todos eles negociam), não fica claro como os preços podem variar com o crescimento. Afinal, eu compro barato. Mas quanto mais barato é barato? Após muita reflexão, descobri uma forma de deixar isso mais claro para você e para mim também. Permita-me levar você nessa viagem maravilhosa pelo mundo das finanças. Contudo, para isso, precisaremos de um pouquinho de matemática… FLUXO DE CAIXA DESCONTADO (DCF – DISCOUNTED CASH FLOW) O DCF é muito simples. O dinheiro tem valor no tempo (assu- mimos que você ganha dinheiro com o passar do tempo). Por isso, o dinheiro hoje vale mais que o dinheiro amanhã, semana que vem e ano que vem. É uma continha simples: basicamente, você deve descontar o fluxo de caixa (o dinheiro que você recebe ou que a empresa 98 - Os Segredos do Investidor de Valor produz) por uma taxa, um percentual. O conceito é igual para qualquer tipo de ativo: para títulos de renda fixa, para imóveis, leilão de hidrelétrica, ações, aluguéis… tudo. DCF perpétuo Quanto você pagaria por R$ 10 depositados anualmente em sua conta (para sempre)? Simples: R$ 10/10% = R$ 100. Aqui, assumi perpetuidade (paga- mentos para sempre) e uma taxa de desconto de 10%. Além disso, assumi que o primeiro fluxo é pago somente no próximo ano (ou no primeiro ano). R$ 10 podem vir de dividendos, juros, lucros, fluxo de caixa livre, salários, qualquer tipo de fluxo financeiro funciona da mesma forma. A taxa de descontoExistem infinitas maneiras de calcular a taxa de desconto. Quem me conhece sabe que eu gosto de facilitar a minha vida (e a sua também). A taxa deriva dos juros básicos do nosso país (SELIC ou CDI) somados a um prêmio de risco. Esse risco depende da capacidade de pagamento (em caso de dívida) ou da capacidade de geração do fluxo financeiro (lucro, Ebitda, fluxo de caixa livre, dividendos etc.) pela empresa, pessoa, imóvel… Para facilitar, utilizei 10%. Lembrando que estou me baseando no CDI de 6,5% e na curva de juros longa em 9,32%. Vou facilitar e colocar logo 10%, mas perceba que os 10% não incorporam muito risco. De qualquer modo, não faz diferença, pois utilizarei tudo isso de uma maneira comparativa. CAPÍTULO 3 - 99 Das contas acima, concluí que pagaria R$ 100 por um fluxo de R$ 10 para sempre. R$ 100 = R$ 10/10% Lembre-se desse número, ok? O crescimento entra na conta Tudo maravilhoso, porém a conta não é bem essa quando o fluxo não é estático. Quando o fluxo cresce (os lucros, Ebitda, divi- dendos, fluxo de caixa livre etc.), é necessário adaptar a fórmula. Quanto você pagaria por R$ 10 depositados anualmente em sua conta que cresce 5% ao ano (para sempre)? Simples: R$ 10/(10% - 5%) = R$ 10/5% = R$ 200. Simplesmente deduzo o crescimento do valor da taxa de des- conto no denominador (não me pergunte o motivo, não inventei a fórmula). É claro, se o fluxo cresce 5% ao ano, ele se tornará infinito na per- petuidade. Tudo que cresce se torna infinito no infinito. Ou melhor, se o fluxo cresce mais que a economia do país, ele se tornará maior que toda a economia do país (e do mundo) na perpetuidade. Para driblar esse problema, os analistas inventaram uma forma de quebrar o crescimento em degraus. DCF de 10 anos (2 degraus) Como não dá para deixar o fluxo (empresas), que cresce mais que a economia, crescer para sempre, é preciso criar degraus. Quanto você pagaria por R$ 10 depositados anualmente em sua 100 - Os Segredos do Investidor de Valor conta que cresce 5% ao ano (por 10 anos) e para de crescer (pelo resto da eternidade)? Simples, você quebra a conta em 2: Primeiro: calcule quanto vale o fluxo dos primeiros 10 anos. Segundo: calcule quanto vale o fluxo dali para frente e traga-o a valor presente. Ao trazê-lo a valor presente, você terá o valor do fluxo no ano 10. Como o dinheiro tem valor no tempo, é necessário trazê-lo para hoje (ano zero). Primeiro: Taxa de 10% ao ano e crescimento de 5% nos 10 primeiros anos. Segundo: no ano 10, como o fluxo de R$ 15,5 é eterno, temos: R$ 15,5/10% = R$ 155,1. Traga esse valor para o dinheiro de hoje (trazemos a valor presente). R$ 155,1/(1 10%)^10 = R$ 59,80 (para quem não sabe, o ^ significa a potência, o "elevado") O total seria: R$ 74,40 + R$ 59,80 = R$ 134,20 CAPÍTULO 3 - 101 É possível fazer o mesmo com variados fluxos. Da mesma forma que quebrei nos 10 primeiros anos e depois assumi perpetuidade, é possível usar uma infinidade de "degraus" de crescimento. Na planilha, faço a mesma conta com crescimento de 5 anos em vez de 10. Já é difícil imaginar o que aconteceria com uma empresa em 10 anos, por isso pararei por aqui. Afinal, como todos me ensi- naram no meu primeiro dia na mesa de trading de opções, não é na precisão do valuation que se ganha dinheiro. ACABOU A MATEMÁTICA Fiz tudo isso para chegar a uma conclusão simples: um fluxo (empresa, ação) crescendo 5% vale 2x um fluxo sem crescimento (de acordo com as minhas contas, R$ 100 contra R$ 200). Uma empresa que cresce 5% ao ano nos 10 primeiros anos vale 1,34x uma empresa sem crescimento – ou uma empresa que cresce 5% a mais que outra (por 10 anos) vale 1,34x mais, ou 34% mais. Uma empresa que cresce 10% a mais (por 10 anos) vale 1,82x, já uma empresa que cresce 20% a mais (por 10 anos) vale 3,38x. Faça as contas. Divirta-se. 102 - Os Segredos do Investidor de Valor VOLTANDO AOS MÚLTIPLOS (FINALMENTE) Você já entendeu aonde eu quero chegar. Agora, vamos ao "pulo do gato", ao momento “a-há!”. Esqueça toda a matemática. Esqueça a taxa de desconto e os cresci- mentos. Volte a pensar no relativo, sempre no relativo. A conclusão aqui é simples. Com a tabelinha acima, você sabe o quanto pagar por uma empresa que cresce comparando com uma empresa que não cresce ou que cresce menos. Simples, não? Pagar 30x Ebitda em uma empresa até pode fazer sentido, mas você está assumindo que ela crescerá 20% a mais por ano, todos os anos, comparando com uma empresa que negocia a 10x Ebitda (aproximadamente). Uma empresa que negocia a 20x Ebitda precisa crescer, pelos próximos 10 anos, 10% a mais que uma empresa que negocia a 10x Ebitda (aproximadamente). Fez sentido? Se eu compro Lojas Renner, que negocia a 17x Ebitda, ela pre- cisa crescer 20% a mais por 10 anos do que Guararapes, que negocia a 6,5x Ebitda (mais ou menos), ou LREN precisa crescer 40% a mais nos primeiros 5 anos. Mas se olhamos para os lucros, LREN negocia a 29x lucros, ela precisa crescer apenas 10% a mais por 10 anos do que Guararapes, que negocia a 16x lucros (mais ou menos), ou 20% a mais nos primeiros 5 anos. CAPÍTULO 3 - 103 3.2 Preço-teto e o investidor de longo prazo O mercado deve ser tratado como nosso servo, e não como nosso mestre. De acordo com Benjamin Graham, “O Senhor Mercado está aí para servi-lo, não para guiá-lo”. Essa lição valia para Graham nos anos 1930, vale para Buffett desde os anos 1950 e vale para o Investidor de Valor até hoje. É possível ganhar do mercado se você tomar decisões diferentes e mais racionais que o mercado. Como Munger comenta, tentamos ser apenas mais racionais, pois quem tenta ser mais inteligente que o mercado acaba tomando riscos desnecessários. Quem manda no seu patrimônio é você. Mas como é possível alocar seu portfólio em meio ao tur- bulento mercado financeiro? Em meio às altas fortes demais? Em meio às quedas violentas demais? É para isso que serve o mandamento do preço-teto. O QUE É O PREÇO-TETO? Por mais que a regra seja simples, “compre ações quando elas caem”, não é possível adivinhar o que as ações farão num futuro próximo. Ninguém sabe. Por esse motivo, criei o preço-teto como uma ferramenta para mostrar ao investidor que as ações subiram demais. 104 - Os Segredos do Investidor de Valor O preço-teto é apenas um chute. Uma recomendação de “calma”. “As ações acabaram de subir. Melhor esperar um pouco para comprar mais.” Como não é possível saber o que o mercado fará no curto prazo, o teto é apenas um chute, uma tentativa de evitar que o investidor compre o que mais sobe. Mas não é porque as ações subiram acima do preço que você deve vendê-las, longe disso. Não existe nenhuma fórmula complexa ou valuation por trás do preço-teto. Ele é apenas um referencial do preço máximo recomendado ao assinante pagar por aquela ação naquele momento. PREÇO-TETO NÃO É PREÇO-ALVO Não se deve fazer valuation porque não é possível prever o futuro. Logo, se não dá para saber os lucros de uma empresa no próximo trimestre, quem dirá estimá-los para os próximos dez anos. É essencial para um valuation estimar os lucros de uma empresa para os próximos dez anos, o que torna o preço-alvo um exercício de futurologia. É claro que um analista inteligente pode usar seu modelo de valuation (preço-alvo) para entender o que acontece no negócio. Contudo, um analista inteligente entende as limitações do modelo e o trata assim, apenas como um modelo. Não dá para saber quando a bolsa cairá. Como disse Peter Lynch, com muita propriedade, “muito mais dinheiro foi perdido por investidores se preparando para correções, ou tentando antecipar correções, do que nas correções efetivamente”. CAPÍTULO 3 - 105 Já que não há a possibilidade de antecipar os movimentos, as regras do jogo são simples: Ações abaixo do preço-teto: compre! Ações acima do preço-teto: espere e/ou compre a próxima do seu ranking. Simples assim. 1 2 106 - Os Segredos do Investidorde Valor 3.3 As ações que mais subirão na bolsa Quais são as ações que terão o melhor desempenho na bolsa? O que vai subir mais? Muito mais vale a expansão de resultados do que a expansão de múltiplos para as altas das ações. A longo prazo, as empresas que tiverem maiores crescimentos de resultados serão também as que terão melhor desempenho no mercado. O índice Ibovespa pode subir e, mesmo assim, ficar mais barato. Por exemplo, se o índice subir 16%, mas os lucros das empresas subirem 20%, a bolsa ficará mais barata. Porém, você sempre ajustará essa relação pelo preço (expectativas). Qualquer coisa abaixo de 7x ou 8x Ebitda e abaixo de 15x lucros funciona bem. Quais são as ações que terão melhor desempenho na bolsa? O QUE VAI SUBIR MAIS? Basicamente, muito mais vale a expansão de resultados do que a expansão de múltiplos para as altas das ações. A expansão de múltiplos tem vida curta, enquanto a expansão de resultados nos leva a patamares inimagináveis. Breves altas semanais pouco valem para a construção de seu patrimônio ao longo do tempo. Pequenas altas de curto prazo são impossíveis de prever e fazem pouca ou nenhuma diferença em suas rentabilidades futuras. CAPÍTULO 3 - 107 O que vale são as grandes mudanças de preço. O que vale são os grandes crescimentos de resultados vs. expansão de lucros e Ebitda. Também porque, muitas vezes, somente com expansão de resultados o mercado começa a reprecificar com- panhias baratas demais (expansão de múltiplos). Logo, pensando a longo prazo, as empresas que tiverem maiores crescimentos de resultados serão também as que terão melhor desempenho no mercado. MAIORES RESULTADOS, MAIORES ALTAS Tudo isso para dizer apenas que você deve mudar a forma que pensa. É simples. As ações que mais subirão no mercado são aquelas que mostrarão os melhores resultados nos pró- ximos trimestres. As ações com maior potencial de alta, pragmaticamente, são aquelas que terão os maiores crescimentos de lucros e Ebitda nos próximos trimestres. Mas é claro: o mercado precisa se surpreender com o crescimento. Caso contrário, será apenas um "dentro do esperado pelo mercado". Os preços, sempre eles, ainda devem ser baixos demais para refletir tal potencial de crescimento – qualquer coisa abaixo de 7x ou 8x Ebitda e abaixo de 15x lucros funciona bem hoje. E, de supetão, a forma que pensamos muda. A pergunta que você deve sempre se fazer, então, é: quais empresas terão os maiores crescimentos de resultados? Aí você chegará, finalmente, à discussão do que realmente importa; à pergunta mais importante de todo o mercado 108 - Os Segredos do Investidor de Valor financeiro; ao que faz sentido; ao que agrega valor; ao que deverí- amos estar discutindo o tempo todo. Peço encarecidamente a você que não procure a ação que mais sobe, mas sim a ação mais barata e que tenha maior poten- cial de expansão de resultados. CAPÍTULO 3 - 109 3.4 Os segredos ocultos dos múltiplos Os múltiplos servem para facilitar a nossa vida. Eles são apenas uma análise de valor relativo. Você deve comparar empresas diferentes em uma base de comparação única. Só isso. Por exemplo, ao comprar um imóvel, você utiliza um múltiplo preço por metro quadrado (preço/m²). Você faz uma pesquisa de imóveis com características similares: no mesmo bairro, com o mesmo padrão, quartos, conveniências do condomínio… Mas somente avaliar os preços de venda não adianta. Não faz sentido assumir que um imóvel de 80 m² é comparável com outro de 120 m². O preço/m² facilita a sua vida – compara imó- veis diferentes de uma forma fácil, rápida e prática. E eu adoro a praticidade. Com a bolsa funciona da mesma forma. Igualzinho. A MULTIPLICAÇÃO DOS MÚLTIPLOS Como comparar Itaú com LCAM? PRIO com SAPR? BBAS com GUAR? Só é possível utilizando múltiplos. Afinal, os negócios são diferentes em tamanho e em todo o resto. Mas é necessário entender: quem ganha mais dinheiro? Quem gera mais valor? Quem é mais barato? Quem é mais endividado? Você pode utilizar múltiplos para determinar todos esses pontos. ROE e ROIC para lucratividade, Preço/Lucro, EV/Ebitda e Preço/ Patrimônio para preço, EV/Ebitda para endividamento etc. 110 - Os Segredos do Investidor de Valor Abaixo, seguem alguns exemplos que mais utilizo: ROE (Return on Equity): quanto maior, melhor (sempre). É a medida de rentabilidade do acionista, ou seja, quanto a empresa está gerando de valor. Seu cálculo é simples: lucro líquido/patrimônio líquido. Mas existe um porém: quanto maior a rentabilidade, mais interessante é para os competidores entrarem no mercado – é o que acontece com Cielo. ROIC (Return on Invested Capital): nível de rentabilidade para o acionista e para o credor. Enquanto o ROE só consi- dera o fluxo de capital para o acionista, no ROIC temos o valor gerado para os acionistas e detentores de dívida. Se o ROIC é maior que o custo médio de capital, a companhia gera valor. Se o custo de capital (taxa do empréstimo) é menor que o ROIC, quanto maior a dívida, maior o ROE. Se a compa- nhia possui um custo de dívida e um nível de endividamento estáveis, o ROE varia juntinho com o ROIC no tempo. PE (price to earnings ou Preço/Lucro): é um múltiplo de preço, calculo quanto pago pelos lucros da companhia. É uma forma de comparar preços: quanto menos pago pelos lucros, melhor. Quanto menor o P/L, melhor. O P/L também pode ser pensado como payback ou "quanto tempo meu dinheiro demora para retornar para o meu bolso em forma de lucro da empresa?". Se o P/L é 10x, 10 anos. Se é 5x, 5 anos. E por aí vai. Quanto menos tempo, menos estou pagando pelos lucros. CAPÍTULO 3 - 111 Mas é claro, normalmente as empresas não pagam 100% de lucros em dividendos, então o dinheiro não volta literalmente para o seu bolso. Dos lucros, elas tiram o dinheiro para rein- vestimento (manutenção e crescimento), o que chamamos de Capex (Capital Expenditures). Contudo, se a empresa tem lucros crescentes, o P/L vai cair com o tempo. Então posso pagar P/L maior hoje apostando em lucros maiores no futuro. Se a empresa é cíclica (Eztec ou PTBL, por exemplo), quando analiso o P/L, estou avaliando os lucros da parte ruim do ciclo (lucros baixos). Você deve imaginar quais seriam os lucros em um cenário melhor para entender os preços. Quando a companhia dá prejuízo, o P/L não faz sentido. Empresas com muitas dívidas (ou cíclicas) têm P/Ls extrema- mente voláteis, por isso também uso o EV/Ebitda ou o P/B. EV/Ebitda: um múltiplo que facilita a comparação entre companhias de setores diferentes; isso porque desconsi- dera, no cálculo, custos específicos do negócio como juros, impostos, amortização e depreciação. Além disso, ajuda na comparação de companhias que ainda não tenham lucros estáveis (lucros voláteis demais). O EV/ Ebitda acaba sendo muito mais estável que o P/L no tempo. Buffett e Munger são bastante vocais em criticar o Ebitda, pois não consideram algo racional tirar depreciação ou juros da conta, mas o EV/Ebitda é a métrica preferida pelo mer- cado brasileiro. Faz muito mais sentido olhar para esse múltiplo para entender 112 - Os Segredos do Investidor de Valor os preços de mercado (por isso o utilizo). Uso o EV (em vez do preço no numerador) porque, no Ebitda, há o fluxo de caixa para os acionistas e também para os credores (o EV também considera o valor dos dois). P/B (price to book ou Preço/Patrimônio Líquido): também consiste em um múltiplo de preço, um pouco mais utilizado para bancos, incorporadoras ou companhias com lucro e/ou Ebitda negativo. É perfeito para empresas em dificuldade – quando o resultado já não existe, mas há valor no patrimônio. Utilizo o P/B para imaginar quanto uma companhia poderia gerar de resultados utilizando aqueles ativos em seu patrimônio (book). O patrimônio é o que sobra da companhia em caso de falência (com ajustes, pois os preços marcados no balanço seguem regras contábeis). É um múltiplo bastante estável, mas não refletea capacidade de geração de resultados da companhia (lucros e Ebitda). Dívida líquida/Ebitda: medida de alavancagem da com- panhia; qual é o nível da dívida com relação ao seu lucro operacional. Sempre analiso a dívida líquida fazendo uma relação com o Ebitda, pois a companhia paga suas dívidas com seu fluxo de caixa (Ebitda). Só empresas quebradas pagam dívidas ven- dendo seus ativos (Dívida/patrimônio). CAPÍTULO 3 - 113 O SEGREDO POR TRÁS DOS MÚLTIPLOS Entendidos os múltiplos acima, como usá-los? Como entender o que é caro? O que é barato? O que é lucrativo? O que é endividado? Simples. Nos múltiplos, temos dois fatores variando constan- temente: o numerador (em cima) e o denominador (embaixo). Por exemplo, o preço/lucro: Se o preço sobe e o lucro fica estável, o P/L sobe. Se o preço cai e o lucro fica estável, o P/L cai. Se o preço fica estável e o lucro sobe, o P/L cai. Se o preço fica estável e o lucro cai, o P/L sobe. Graficamente, temos: Quando o lucro de Itaú sobe e o preço não sobe, o P/L cai (período de 2009 a 2015). Quando o lucro de Itaú fica estável e o preço sobe, o P/L sobe (período de 2016 a 2019). No período de 2009-2015, Itaú ficou mais barato, P/L caindo. No período de 2016-2019, Itaú ficou mais caro, P/L subindo. Faz sentido? ITUB4 Preço (tracejado), Lucro (cinza), preço/lucro (preto). Fonte: Bloomberg. 114 - Os Segredos do Investidor de Valor Funciona da mesma forma para todos os múltiplos – SEMPRE tente entender o que acontece com os números que compõem o múltiplo (numerador e denominador). MARGEM DE SEGURANÇA O que é uma ação barata? Uma ação barata é uma ação MUITO, mas MUITO mais barata do que deveria. Por exemplo, imagine que você quer comprar uma camiseta. Você sabe que o valor normal da camiseta é R$ 30. Você sempre comprou aquela camiseta, daquela marca e daquela cor por R$ 30. Aí, você encontra essa mesmíssima camiseta por R$ 28. É mais barato? Sim. Vale a pena comprar a camiseta para tentar revendê-la por R$ 30? Não, pois o simples motivo que você terá trabalho ao revendê-la não justifica ganhar R$ 2. Mas e se a camiseta está sendo vendida a R$ 15? Aí sim, Value Investing. Você compra o máximo de camisetas que consegue e tenta revendê-las próximo de R$ 30. Se vender a R$ 28 está ótimo. Se vender a R$ 27 está ótimo. Se vender a R$ 25 está maravilhoso… Isso é comprar com margem de segurança. Isso é Value Investing. Sua preocupação está em comprar bem. Comprar barato e com uma enorme margem de segurança. Vender é sorte. Se você vender próximo ao valor já está de bom tamanho. CAPÍTULO 3 - 115 ENCONTRANDO UMA AÇÃO BARATA POR MÚLTIPLOS O mais importante no Value Investing é entender quanto vale. Como no exemplo da camiseta, o mais importante é ter uma ideia de quanto a camiseta vale. Se você não sabe quanto vale, você não tem nenhum balizamento de preço. Você nunca saberá o que é barato e o que é caro. O mesmo vale para o exemplo do m². Você precisa saber qual o preço (mais ou menos) do m² naquela região. É 10k o m²? É 12k? É 14k? Obviamente, é impossível resumir todo um negócio complexo em alguns múltiplos – aqui mora um enorme problema. OS MÚLTIPLOS, OS NÚMEROS E O PASSAR DO TEMPO Múltiplo tem uma enorme vantagem: é fácil e rápido. No entanto, múltiplo também tem uma enorme desvantagem: é fácil e rápido. Muitos investidores olham apenas para os múltiplos atuais e definem como "barato", "bom", sem entender de onde vêm os números, para onde vão, o que faz a empresa, o que acontece no balanço, se há não recorrentes, quem é o controlador, entre outros aspectos. É importantíssimo entender a história da companhia para não entrar em enrascadas. Embustes. Prejuízo. Por exemplo: Cielo negocia a apenas 6x lucros, com um ROE de quase 30%. Dívida líquida/Ebitda de 2x e pagando um divi- dendo enorme. 116 - Os Segredos do Investidor de Valor Bom negócio? É claro que não. Os lucros de Cielo caem vertiginosamente e a companhia já anunciou que brigará em preços, o lucro cairá e pagará menos dividendos. Mas quem olha só para os múltiplos não vê o que acontece no negócio. Exemplo: FESA4 (Ferbasa) a 7x lucros, 5x Ebitda, sem dívida, dividendo alto e ROE de 17%. Boa e barata? Não. FESA tem um contrato de fornecimento de energia da Eletrobras que acaba em 2037. Esse contrato dá a ela energia a 30% do custo de outras empresas. Há o risco de o contrato acabar ou ser cancelado com a privatização de Eletrobras. Ninguém sabe os termos, pois o contrato é secreto. Então, para precificar FESA, preciso imaginar que o negócio acabará, no máximo, em 2037 (talvez antes), e os múltiplos não me ajudam aqui. Eu precisaria montar um fluxo de caixa até 2037 (ou antes) e descontá-lo. Além desses problemas, há os ajustes no Ebitda ou no lucro, resultados não recorrentes (ganho ou perda extraordinária) que mudam completamente os números das companhias, aquisição, desinvestimento… Portanto, cuidado com os múltiplos. Eles podem ser traiço- eiros quando os números estão mudando. Por outro lado, os múltiplos têm suas vantagens também. CAPÍTULO 3 - 117 MÚLTIPLOS VS. PLANILHA DE VALUATION Só quem já fez sabe. Uma planilha de valuation depende de que você chute (estime, projete, invente) uma infinidade de números. Ao final, os números não batem, e o preço-alvo é alto demais ou baixo demais. Sim, acontece com todo mundo e você precisa ajustar seus números para aproximá-los do mercado. Faz sentido? Não. Como a planilha aceita qualquer absurdo, 99,99% das plani- lhas têm erros conceituais que nunca são ajustados. A margem cresce demais, a empresa cresce demais, a taxa de desconto é baixa demais, há crescimento sem o investimento necessário… a lista é infinita. Por conta disso, a planilha dá uma confiança enorme ao inves- tidor para comprar uma empresa cara. Olhando por múltiplos, você provavelmente nunca compraria uma empresa que negocia a 25x Ebitda e 60x lucros. Mas quando você faz a conta, tudo é possível. A planilha aceita os maiores absurdos. (Bill Gates deveria ter inventado, no Excel, travas anti-absurdo, mas ainda não chegamos lá). 25x Ebitda pode ser uma pechincha. A empresa vale 40x. Pronto. Acabou a margem de segurança. Valuation é tão complicado que o maior expoente em valua- tion no mundo (Aswath Damodaran, que dá aula na NYU, onde fiz MBA) é um investidor pavoroso. Ele é terrível. Ótimo professor, mas péssimo investidor. Por sorte, seu salário na NYU o deixa confortável para perder dinheiro no mercado. 118 - Os Segredos do Investidor de Valor QUANDO OS MÚLTIPLOS NÃO FAZEM SENTIDO Pense assim: no P/L, se os lucros despencam e o preço fica estável, o múltiplo sobe rapidamente, como abaixo: O lucro de Eztec caiu de R$ 500 milhões para R$ 100 milhões, mas o preço das ações não caiu -80%. Logo, o múltiplo de preço subiu bastante. Foi de 8x para 50x. Tudo isso porque o mercado entendeu que a queda de lucros de Eztec seria temporária e não colocou toda a queda no preço – a expectativa é que os lucros voltem no futuro. A mesma coisa acontece quando uma empresa tem um lucro extraordinário. O mercado entende o crescimento de lucros e o P/L parece barato. Romi, por exemplo, reconheceu um ganho judicial de ICMS no 1T19 e negociava a míseros 3,7x lucros. Eztec lucro (cinza) e P/L (preto). Fonte: Bloomberg. Romi3 lucro (cinza) e P/L (preto). Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 3 - 119 Nesses casos (e também em outros), você pode usar o Preço/ patrimônio (P/PL ou P/B) como substituto. As incorporadoras são bastante precificadas por esse múltiplo (Eztec negociava a 1,6x P/B na ocasião). O racional é que os resultados caíram, então é de se imaginar que o patrimônio da companhia (os ativos, o PL) é o responsável por gerar valor. Logo, você faz uma aproximação de quanto os ativos geravam de resultado no passado e quanto eles podem gerar de resultado no futuro. Eztec, antes da crise de 2015/2016, quando negociava ao preço de 1,6x PB, negociava também a 9x Ebitda e8x lucros (mais ou menos). No gráfico acima, retirei o período logo após 2018, com P/L e EV/ Ebitda muito altos, para não prejudicar a visualização do histórico. Você pode, ainda, usar outros múltiplos. O sell side é mestre em inventar múltiplos específicos por setor, mas prefiro manter todos os múltiplos comparáveis para todas as empresas. Assim, consigo precificar relativamente o que der e vier. Além do problema acima, ainda existem exemplos de múl- tiplos incorretamente elevados demais e reduzidos demais. Eztec P/L (preto), EV/Ebitda (cinza) e PB (tracejado). Fonte: Bloomberg. 120 - Os Segredos do Investidor de Valor Por isso, utilizo os dois múltiplos EV/Ebitda e P/L conjuntamente, para tentar expurgar efeitos de não recorrentes. Quando algo está estranho, procuro entender melhor ou buscar uma forma menos "estranha" de precificar, mas isso nem sempre é possível. CRESCIMENTO IMPLÍCITO POR MÚLTIPLOS Criei uma forma prática de determinar quanto estou pagando pelo crescimento. Basicamente, um múltiplo elevado está me dizendo que o mercado espera crescimento maior daquela companhia. Uma ação que negocia a 30x lucros hoje, negocia a 15x lucros se os lucros dobrarem em 1 ano. Se o preço permanece, mas os lucros dobram, o P/L cai pela metade. Por exemplo, Raia cresceu muito no passado e negociava a múltiplos elevados: a companhia negociava a enormes 18x Ebitda e 48x lucros em 2019. RADL3 P/L (preto) e EV/Ebitda (cinza). Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 3 - 121 Faz sentido? Raia (ou RD) cresce tanto assim para valer a pena? Desse modo, fora o trimestre que Raia teve forte crescimento de Ebitda por um ajuste contábil, o próprio mercado já imagina normalização nos últimos dois trimestres (duas últimas barrinhas translúcidas à direita). O crescimento esperado é de 10% nos últimos 2 trimestres, que vem da nova norma contábil. Portanto, a ideia é apenas: Uma empresa que cresce 5% a mais que outra (por 10 anos) vale 1,34x mais ou 34% mais. Uma empresa que cresce 10% a mais (por 10 anos) vale 1,82x (82%). Uma empresa que cresce 20% a mais (por 10 anos) vale 3,38x (238%). RADL3 Ebitda trimestral. Fonte: Bloomberg. 122 - Os Segredos do Investidor de Valor Se uma empresa negocia a 10x lucros: Uma empresa que cresce lucros 5% a mais (por 10 anos) vale 13,4x lucros. Uma empresa que cresce 10% a mais (por 10 anos) vale 18,2x lucros. Uma empresa que cresce 20% a mais (por 10 anos) vale 33,8x lucros. O mesmo vale para o múltiplo de Ebitda. Logo, pagar 34x Ebitda em uma empresa até pode fazer sen- tido, mas você está assumindo que ela crescerá 20% a mais por ano durante 10 anos, comparando com uma empresa que negocia a 10x Ebitda. Ao final dos 10 anos, a empresa de 33x Ebitda terá Ebitda muito maior e as duas empresas negociarão a 10x Ebitda. Da mesma forma, uma empresa que negocia a 20x Ebitda precisa crescer, pelos próximos 10 anos, 10% a mais que uma empresa que negocia a 10x Ebitda. De qualquer modo, sempre prefira pagar barato por empresas com boas perspectivas porque, se o crescimento vier, o ganho nas ações (a reprecificação) é muito maior. ESTRATÉGIA: MÚLTIPLOS BAIXOS (LIMPOS) VISIBILIDADE Os múltiplos são, por natureza, comparativos. Mas não se trata apenas disso. É extremamente necessário entender o que vem acontecendo com o negócio da companhia e com os números que você está olhando. Você precisa analisá-los um a um. CAPÍTULO 3 - 123 COMPRANDO O BOM E BARATO Juntando tudo o que falei acima, avaliar empresas é fácil. Como diz Charlie Munger (parceiro de Buffett na Berkshire), existem três caixinhas apenas: interessante; cara demais e não consigo entender ou precificar. Poucas empresas estão no "interessante", muitas no "cara demais" e mais ainda no "não consigo precificar". Afinal, se você não encontra nada barato é porque não pro- cura o suficiente. O trabalho do analista é de caçador – quanto mais eu procuro, mais encontro coisa boa. Tenho que dizer "não" para uma infinidade de oportunidades antes de achar algo bom. É só isso que você deve fazer. Fácil, não? 124 - Os Segredos do Investidor de Valor 3.5 Por que não fazer valuation? O VALOR É ETÉREO Tomarei como exemplo a diária cobrada por uma diarista pelo seu dia de trabalho. Digamos que ela cobre R$ 120 pelo serviço de limpeza de uma casa. A transação (troca do seu dinheiro pelo serviço prestado) só se concretizou porque, para quem a con- trata, o serviço vale mais de R$ 120 e, para ela, vale menos. Se fosse possível determinar o valor intrínseco desse serviço, não haveria negócio. O preço seria igual ao "valor justo" para ambas as partes e nenhuma transação aconteceria. O mesmo vale para o mercado de ações. Continuando o exemplo: essa mesma pessoa que paga R$ 120 na limpeza só aceita pagar R$ 70 em um serviço de passar suas roupas. Para ela, naquele momento, a limpeza da casa vale mais. Quanto a mais? Não é possível determinar. Mas é possível, facilmente, ordenar. Se ambos os serviços custassem R$ 120, provavelmente essa pessoa continuaria a contratar a diarista, mas passaria suas pró- prias roupas (ou buscaria uma opção mais barata). Resumindo: valor é ordinal, e não cardinal. O serviço de lim- peza da casa vale mais do que o de passar as roupas. Complicando um pouco mais: e se a mesma transação fosse realizada após uma grande festa, com a urgência de ser realizada antes dos pais retornarem de viagem? CAPÍTULO 3 - 125 Nessa situação, a pessoa teria uma sensibilidade menor caso um preço mais alto lhe fosse apresentado. Ou seja, o valor, além de indeterminável, varia ao longo do tempo. Se o desemprego é elevado? A diarista provavelmente estaria mais propensa a aceitar um valor menor. Tudo isso para dizer que o valor de uma empresa não é estático. Depende do olhar de quem compra, depende das opções de quem vende. Nem Buffett nem Munger concordam 100% quando estimam valores para as empresas. Não concordam nem mesmo no valor da Berkshire. Como, então, determinar se o valor de uma empresa é maior ou menor do que o negociado em bolsa? A MÉDIA DAS EXPECTATIVAS DO CENTRO DO MERCADO DO ANALISTA MÉDIO Como não é possível determinar o valor justo de uma ação (e estou sempre buscando a discrepância entre preço e valor), avalio a variável que tenho disponível: o preço. O preço de tela de qualquer ação deveria refletir a média das expectativas de todos os participantes do mercado em relação àquela empresa, mas não reflete porque o mercado é louco, o mercado é insano, o mercado é maníaco-depressivo, o mercado é fluxo, o mercado é reggae, o mercado é rock. O mercado pirou de vez. De vez em quando, temos enormes erros na precificação de ações no mercado. Imagine que um grande fundo performa mal e toma resgates relevantes. Ele não tem opção barata ou cara, líquida ou ilíquida, 126 - Os Segredos do Investidor de Valor demandada ou não, o gestor é obrigado a liquidar posições em uma ação. Quando ele aparece na "pedra", no mercado, no book ou coloca sua ordem no mercado e começa a vender, os compra- dores percebem. É claro, inteligentes que são, os fundos compradores saem da frente do vendedor forçado ou vendem junto com ele. Isso é muito interessante. É melhor para o comprador sair da frente e liquidar suas posi- ções na frente do grande fundo do que tentar comprar o lote dele – muitas vezes, o lote do grande é muito maior do que o pequeno suporta. Pronto. Temos todo o necessário para uma ação ficar amas- sadíssima e criar o desespero nos outros investidores de que "alguém sabe de algo que eu não sei"; "caiu muito e provavel- mente vai cair mais". Acontece sempre. Acontece com o grande gestor. Acontece comigo. Acontece com você. Sim, o mercado inteiro tem tanto medo de perder dinheiro que os preços de tela não fazem sentido. Não deixe que os movimentos de curto prazo das ações ditem como você enxerga uma empresa. NÃO PREVEJA O FUTURO O que você aprendeu sobre precificação não faz nenhum sen- tido. Basicamente,o que você aprendeu com as corretoras e bancos não faz nenhum sentido. Eu faço o oposto disso. Exatamente o oposto. CAPÍTULO 3 - 127 O “normal” do investidor é seguir estes passos: “O Brasil investirá mais em infraestrutura”. “As empresas de infraestrutura terão lucros maiores”. “Procuro a empresa de infraestrutura que mais ganhará com a previsão de mais investimentos”. Mas e se esse cenário não se tornar realidade? A probabilidade de acertar o cenário é baixíssima. Uma boa forma de entender a incapacidade dos melhores analistas de prever o futuro é ler os jornais de 2016. Nada do que previam se tornou realidade. Isso acontece muito mais rotineiramente do que você ima- gina. Nenhuma das previsões para os juros americanos em 2019 se tornou realidade, e os juros americanos são os ativos mais bem analisados do mundo. A FALÁCIA DO PREÇO-ALVO Investir não é prever o futuro. O analista “normal” imagina um cenário para a empresa, um futuro, um potencial, um contexto, transforma essa possibilidade em números e chega a um preço-alvo. O preço-alvo reflete as expectativas que o analista tem em relação ao futuro da empresa hoje. Já sei que essas expectativas estão erradas. O próprio analista que faz o valuation sabe que não consegue prever o futuro. Ele entende que suas expectativas estão tão erradas que todos os valuations e todos os preços-alvo ficam entre 20% e 30% do preço atual. 128 - Os Segredos do Investidor de Valor Os analistas enviam suas previsões para as empresas para “bater” os números. O chefe do analista já determinou se a ação é “compra” ou “venda”, assim como o valor do preço-alvo antes que ele fizesse o valuation. O valuation de longo prazo sobe ou cai junto com o preço das ações no curto prazo. O valor de uma empresa está no longo prazo (80% do valor em um valuation está no longo prazo), mas o preço-alvo varia drasticamente com os resultados trimestrais (curto prazo). O analista que calcula o preço-alvo finge que acredita naquilo e o investidor inteligente finge que acredita nele. O bom inves- tidor institucional não calcula preço-alvo ou não acredita em seu próprio preço-alvo. O investidor inteligente pode até fazer valuation, mas usa os números como forma de entender a empresa e o que o mercado precifica. Pouco importa o preço-alvo. INVERTA COMPLETAMENTE SEU PENSAMENTO Ao invés de imaginar um cenário para uma empresa e definir que nesse futuro a empresa ganha, faça o contrário: compre barato. O barato reflete as baixas expectativas com a empresa para o futuro. Tudo o que você deve fazer é procurar empresas com baixas expectativas (baratas) e que podem ter seus resultados melho- rando no futuro próximo. Se tudo der errado e os resultados não melhorarem, está no preço. Mas se os resultados melhorarem, você estará bem posi- cionado, independentemente do cenário. CAPÍTULO 3 - 129 NÃO PERCA DINHEIRO Para o Value Investing, é muito mais importante não perder do que ganhar. Para o Value Investing, é necessário ser altamente conservador. Para o Value Investing, não é aconselhável entrar em novas tendências, novas tecnologias, novas modas, novas ondas. O ponto negativo é que você ficará de fora dos bancos digitais, das fintechs, do bitcoin, das empresas de saúde caríssimas… O ponto positivo é que você perderá menos quando errar. Você não se verá pagando altos múltiplos por uma empresa que dominará o mundo: Magazine Luiza ou Banco Inter, por exemplo. Você não se verá entrando em projetos (OGX); você não se verá entrando nas novas bolhas (bitcoin). Sigo as duas regras principais de Warren E. Buffett: Não perca dinheiro e nunca se esqueça da regra número 1. O FUTURO É FEITO DE PROBABILIDADES É claro que você deve olhar para o futuro. Contudo, o futuro do Value Investing de Buffett é feito de probabilidades, e as probabilidades estão refletidas nos preços. Procurar investimentos em que as probabilidades estão a seu favor é toda a base do Value Investing, mas você sempre olhará para um futuro incerto. Quanto menos pagar pela expec- tativa de um futuro maravilhoso, melhor. 1 2 130 - Os Segredos do Investidor de Valor Se você não prevê o futuro, não precisa de preço-alvo. Não pre- cisa de valuation. Não precisa prever o futuro, apenas olhe para o passado – para os múltiplos passados. Se você pagar barato o suficiente se baseando em um pas- sado ainda muito impactado pela crise, estará bem em qualquer futuro. Você só precisa tentar fugir de resultados piorando. Só precisa fugir das facas caindo, das value traps (armadi- lhas de valor). As armadilhas acontecem quando existe um valor escondido nas empresas que nunca é precificado, ou seja, a ação barata que fica barata para sempre. Para evitar isso, procure companhias com resultados melho- rando. Procure lucros subindo. Procure crescimento. Procure previsibilidade de resultados. CAPÍTULO 3 - 131 3.6 Como avaliar P/L e EV/Ebitda? Como os múltiplos são calculados? O que eles dizem sobre as expectativas do mercado? Quais são os cuidados necessários ao utilizá-los? Qual escolher? ESTÁ CARO OU BARATO? Existem apenas 4 tipos de empresas na bolsa: ruins e caras, boas e caras, ruins e baratas e as boas e baratas. Claramente, você vai querer passar longe das primeiras, evitar as segundas, não cair em armadilhas com as terceiras e investir seu dinheiro nas últimas – as empresas boas e baratas que encontrar. Seu trabalho deve ser buscar discrepâncias entre a qualidade da empresa (valor) e o preço dela. Quanto maior a distância entre o valor e o preço, maiores as chances de ganhar mais dinheiro e de perder menos caso algo dê errado. Empresas boas são empresas que atendem a uma série de requisitos como: boa rentabilidade, alto crescimento, baixo endividamento, vantagens competitivas sustentáveis, gestão com capacidade comprovada, disciplinada e transparente, negó- cios de fácil compreensão, baixos riscos atrelados etc. Logicamente, não existe empresa perfeita e que atende a todos os requisitos, mas para uma empresa ser classificada como boa, ela precisa apresentar boa parte das características acima. Porém, encontrar uma boa empresa é apenas uma das variáveis 132 - Os Segredos do Investidor de Valor necessárias para que um investimento seja bom. Também é preciso analisar o preço das empresas para conhecer as proba- bilidades de sucesso de um investimento. Afinal, duas comparações são fundamentais para a tomada de decisão de investimento ou desinvestimento: o preço da empresa em relação ao de seus pares (e da bolsa em geral) e em relação ao seu crescimento potencial. Para tal, você deve colocar empresas diferentes numa mesma unidade de medida, e é para isso que servem os múltiplos. PRINCIPAIS MÚLTIPLOS DE MERCADO: P/L E EV/EBITDA Os lucros que uma empresa gera são reinvestidos no negócio ou distribuídos na forma de proventos; eles são a remuneração do acionista por ter investido seu capital na empresa. Logo, faz todo o sentido comparar o preço de uma empresa a seu lucro para analisar o quão cara ou barata aquela ação está. Olhar para o preço da ação isoladamente não traz informação nenhuma. Uma ação que negocia a R$ 50 pode ser muito mais barata do que uma ação que negocia a R$ 25. Basta que a pri- meira entregue um lucro por ação de R$ 5 nos últimos 12 meses, e a segunda, apenas de R$ 1. No exemplo acima, a primeira ação negocia a 10x lucros, enquanto a segunda negocia a 25x lucros, e esse é o índice Preço/Lucro (P/L) – o múltiplo mais popular no mundo dos investimentos. Chegaríamos ao mesmo P/L dividindo a capitalização de mer- cado da empresa (preço*quantidade de ações) pelo seu lucro CAPÍTULO 3 - 133 líquido total dos últimos 12 meses. Multiplicar o numerador (preço) e o denominador (lucro) pela quantidade de ações não muda nada. Já uma empresa que entregou um Ebitda de R$ 100 milhões nos últimos 12 meses, tem uma capitalização de mercado de R$ 500 milhões e uma dívida líquida de outros R$ 500milhões está negociando a 10x Ebitda. O índice Enterprise Value/Ebitda ou EV/Ebitda nada mais é do que a soma do valor agregado de todas as fontes de financia- mento de uma empresa – acionistas (capitalização de mercado) e credores (dívida líquida) – dividido pelo seu Ebitda. Ao utilizar o Ebitda como referência, é necessário somar a dívida ao dinheiro dos sócios porque, assim como os acionistas, os credores da empresa ainda não receberam sua remuneração – os juros, que são lançados na demonstração de resultados como despesa financeira para a empresa. EXPECTATIVAS IMPLÍCITAS Os múltiplos são essenciais para comparar as empresas, mas também servem para mostrar o que o mercado espera dos resul- tados de uma empresa. Quanto maiores os múltiplos, maiores as expectativas implícitas. Se uma empresa que negocia com um P/L de 30 dobrasse seus lucros, passaria a ter um P/L de 15 se suas ações se mantivessem estáveis. Quanto maiores os múltiplos de uma empresa, mais ela tem que crescer para negociar a um múltiplo mais baixo e deixar de ser cara. Desse modo, é importante comparar os múltiplos com a factu- alidade do crescimento implícito neles. 134 - Os Segredos do Investidor de Valor Faz mais sentido que uma empresa jovem e em plena expansão negocie a múltiplos altos do que uma empresa madura que cresce em linha com a inflação e já não tem tantas oportuni- dades de investimento para crescimento. Mas nem sempre o Sr. Mercado vai ser racional, ele adora pagar múltiplos altos por empresas premium ou quality, como Weg (WEGE3), que é uma excelente empresa, mas negocia a um P/L de 56 e cresceu apenas 11% seus lucros de jan/2019 a jan/2020. O Sr. Mercado também adora pagar adiantado por resultados que existem apenas num futuro extremamente promissor. Sinqia (SQIA3), por exemplo, ainda está longe de entregar tudo o que promete ser, mas negociava a altos 130x Ebitda em jan/2020. Essas empresas podem, sim, entregar excelentes resultados e corresponder a todas as expectativas implícitas do mercado nos próximos anos. Porém investir é tomar decisões com infor- mações limitadas e sem saber o futuro. O único jeito de obter uma boa rentabilidade com consistência no mercado de ações é investindo com as probabilidades ao seu lado. Quando se paga caro demais por uma empresa, as coisas podem azedar quando ela decepciona o mercado. As probabili- dades estão contra você. Em determinado momento, as ações de Hering (HGTX3), por exemplo, que negociavam a 18x Ebitda previamente, caíram mais de 12% em único dia, após a empresa divulgar prévias operacio- nais para o 4T19. Tudo isso só serve para exemplificar uma coisa: pagar caro sem ter como contrapartida a visibilidade de um alto cresci- mento de resultados significa incorrer em riscos muito altos e que não são devidamente remunerados. CAPÍTULO 3 - 135 OS NÚMEROS ENGANAM Para não fazer uma leitura incorreta dos múltiplos, é preciso analisá-los com cautela. É preciso se atentar para fatores como a fase do ciclo em que uma empresa se encontra, a existência de não recorrentes nos últimos 12 meses de resul- tado da companhia, benefícios ou incentivos tributários e as diferenças entre as estruturas de capital de empresas comparáveis. A Eztec (EZTC3), por exemplo, negociava a 54x lucros no início de 2020, mas é preciso levar em consideração que a empresa retomou o forte ritmo de lançamentos de empreendimentos apenas em 2019. Os imóveis lançados levam até 3 anos para serem cons- truídos e entram nos resultados da companhia de acordo com a evolução financeira das obras, ou seja, existe um “atraso” entre o que a empresa já está lançando e o que o resultado atual nos mostra. Dessa forma, olhar apenas para os múltiplos de EZTC pode levar à falsa conclusão de que a empresa estava muito cara na ocasião, quando na verdade não estava. Em outros casos, não recorrentes podem afetar considera- velmente os múltiplos das empresas. Em seu IPO, a varejista de moda C&A (CEAB3), por exemplo, foi precificada em sua estreia na bolsa com um múltiplo de 5,5x Ebitda. Uma barganha, certo? Errado! Ao retirar dos R$ 1,35 bilhão de Ebitda nos últimos 12 meses antes da oferta, os quase R$ 700 milhões referentes a créditos fiscais obtidos pela com- panhia no período, chega-se a um EV/Ebitda Ajustado de 10,7, caro demais para uma empresa que nem dá lucro sem a ajuda dos não recorrentes. 136 - Os Segredos do Investidor de Valor A própria Hering, citada há pouco, pode não parecer cara quando negocia a 18x lucros, mas ao analisar seu EV/Ebitda de 15, já não parece tão barata assim. Isso acontece porque a empresa goza de um enorme benefício fiscal e não paga imposto de renda. A-há! Pegadinha do malandro. Em outros casos, as empresas poderão apresentar prejuízos, o que inviabiliza a comparação do P/L daquela empresa com o de outras. Um P/L negativo não tem interpretação. Empresas do mesmo setor, com rentabilidade operacional similar, também podem apresentar um P/L muito distinto entre si, caso tenham níveis de endividamento muito diferentes. Por fim, é importante lembrar que a análise dos múltiplos é apenas um dos passos de um extenso processo de análise que leva muito mais em conta fatores qualitativos do que quantitativos. Infelizmente, uma regra de bolso como “um P/L acima de X é caro” pode mais atrapalhar do que ajudar. Portanto, para entender se uma empresa está cara ou barata, você precisa comparar seus múltiplos com sua capacidade de crescimento de resultados e seus riscos. CAPÍTULO 3 - 137 3.7 Instabilidade traz oportunidade No período pré-eleição presidencial no Brasil em 2018, os resultados das empresas melhoraram drasticamente e as ações despencaram, principalmente para as ações de empresas focadas no consumo interno (visto que é o consumo interno que mantém o apoio a qualquer governo). Normalmente, as pessoas só apoiam o Lula pois imaginam que a bonança de 2002-2010 foi resultado de sua gestão. Quer dizer, qualquer governo que não consegue consertar a eco- nomia é rapidamente descartado. As ações estavam baratas, mas o barato poderia ficar ainda mais barato. Quaisquer previsões eram (e continuam sendo) inúteis. Era necessário ter capacidade de alocação e se acos- tumar com a ideia de que seu patrimônio cairia. UMA FACA DE DOIS GUMES O mercado não pensa quando se desespera. Vale o fluxo de res- gates dos fundos sendo obrigados a vender a qualquer preço, os day traders tomando stop-loss, os gringos fugindo com medo que seus cotistas descubram que estavam “em Brazil”… Nesse mercado, pouca gente realmente investe da forma que deveria. Isso é maravilhoso para quem não tem medo de perdas de curto prazo e entende o valor de boas empresas no tempo. Par, eu ganho; ímpar, eu não perco. 138 - Os Segredos do Investidor de Valor Naquela época, o momento era de reflexão e preparo psi- cológico para a montanha-russa que poderíamos enfrentar. Estávamos no final da subida, naquele momento de silêncio em que começávamos a enxergar a queda se aproximando. Não conseguíamos ver o fundo. Quaisquer previsões eram inúteis. A única coisa a fazer era permanecer em posição fetal apenas esperando o inevitável. "Não sei" não vende relatórios: o primeiro turno seria em pouco mais de uma semana. E parece que havíamos definido o resultado do primeiro pleito. Só algum fato muito relevante mudaria o cenário. No entanto, para o segundo turno, ainda não tínhamos abso- lutamente nada definido. Quem entendia de eleições dizia que ainda era muito cedo para ler o que aconteceria no segundo turno. O segundo turno consistia em novas eleições, porém simples- mente dizer "não sei" não venderia jornais. Por isso tínhamos páginas e páginas de previsões que não diziam nada. Confesso, eu também as li. POBRES BILIONÁRIOS Nada restava a ser feito. Em tempos assim, apenas converse com seu marido (mulher) que o saldo da corretora pode cair de maneira relevante nos próximos dias. Evite problemas em casa e, comosempre, tenha caixa. Tenha capacidade de alocação – novo dinheiro entrando ou realocação. Acostume-se com a ideia de que seu patrimônio (e o de todos os outros investidores no Brasil) cairá nos próximos dias. CAPÍTULO 3 - 139 O único ponto positivo é que todos os bilionários brasileiros terão perdas muito maiores que as suas. DE ORELHAS EM PÉ Em tempos assim, busco me preparar para violentas mudanças de preços. Procuro me atualizar sobre a maior quantidade de empresas que consigo. Gostaria de ter 20 braços, 14 ouvidos, 16 bocas, 30 telefones… converso com o máximo de empresas possível e com a maior quantidade de pessoas possível. Nesses momentos, você deve ter as duas orelhas em pé. As oportunidades podem vir de todos os lados, e você deve estar preparado. Sempre acontece nas crises. O mercado se prepara para vomitar stop-losses. O timing é importante, mas não tanto quanto você imagina. Pense em semanas, e não em dias. As grandes oportunidades acontecem quando nos aproveitamos dos erros de outros investidores. Quando os preços não fazem sentido com os resultados. Quando os fundos multimercado (e todos os outros) pre- cisam vomitar posições. Quando os stop-losses batem e os gestores são obrigados a vomitar posições. Quando os resgates se acumulam e a porta fica pequena para muitos saírem ao mesmo tempo. É bastante claro quando isso acontece. Quando os investi- dores institucionais são obrigados a vomitar posições, o fundo está próximo. Grandes movimentos ocorrem com vendedores forçados, alavancados, com mais risco do que deveriam, em ativos que não deveriam estar. 140 - Os Segredos do Investidor de Valor “COMPRA NO BOATO E VENDE NO FATO” Olhe para o dólar sempre que quiser entender por onde anda o medo dos investidores brasileiros. A operação padrão dos ges- tores é uma posição otimista com Brasil amparada (protegida, “hedgeada”) em opções de dólar. O padrão é este: se tudo vai bem, ganham com o Brasil indo bem. Se tudo vai mal, perdem no Brasil, mas recuperam com o dólar. Quanto maior o medo, mais fuga para o dólar: Dólar contra o real (USDBRL). Fonte: YahooFinance. Mas o mercado é traiçoeiro. Se todos pensam a mesma coisa, o mercado vai contra o movimento da média – considerando que não haja novos fatos que mudem o ambiente. No período em questão, o cenário havia piorado, com Haddad indo para o segundo turno e ganhando de Bolsonaro. Mesmo assim, o dólar caiu. Bateu a máxima de R$ 4,20 e passou para R$ 4,03. Em uma história de terror anunciada, o fluxo de compra de dólar já ocorreu? Poderia estar acontecendo o famoso "compra no boato e vende no fato". Isto é, o mercado compra antes do evento e, quando o que todos previam acontece, o movimento já foi. CAPÍTULO 3 - 141 3.8 Desta vez não é diferente Para entender os ciclos, cabelos brancos são FUNDAMENTAIS no mercado financeiro. De onde viemos? Para onde vamos? Não tenho (nem de perto) experiência suficiente para discutir esse tema com propriedade. Por conta disso, busco sabedoria em um dos maiores investidores e escritores de investimentos de todos os tempos: Howard Marks. A maioria das coisas é cíclica, e a maioria das oportunidades de ganhar ou perder dinheiro acontece quando as pessoas se esquecem disso. A razão básica para a ciclicidade dos mercados é o envolvi- mento de humanos, pois as pessoas são movidas pela emoção. Ciclos nunca deixaram e nunca deixarão de acontecer, mas quando uma perna positiva – ou negativa – de um ciclo for longa demais, as pessoas vão dizer que “desta vez é diferente”. É aqui que entra a importância dos cabelos brancos ao investir. Só quem já viveu os ciclos entende sua inevitabili- dade. Marks tem mais de 45 anos de experiência de mercado. Cabelos brancos são essenciais no mercado financeiro. POR QUE EXISTEM CICLOS? "É essencial se lembrar de que praticamente tudo é cíclico. Não tenho certeza de quase nada, mas algumas coisas são verdade: 142 - Os Segredos do Investidor de Valor ciclos vão sempre prevalecer; nada anda em uma direção para sempre. Árvores não crescem até o céu. Poucas coisas vão a zero; e não tem nada mais perigoso para a saúde de um investidor do que insistir em extrapolar os eventos recentes para o futuro.” É assim que Marks introduz o tema “ciclos” em seu livro The Most Important Thing. No mundo dos investimentos, quase tudo é incerto. Estimativas e premissas podem estar erradas. Circunstâncias mudam o tempo todo. Algo dado como certo pode simples- mente evaporar, porém alguns conceitos acabam se provando consistentes ao longo do tempo. Um deles é que a maioria das coisas é cíclica; outro é que a maioria das oportunidades de ganhar ou perder dinheiro acontece quando as pessoas se esquecem disso. Quase nada no mercado segue uma trajetória linear. Economias, mercados e empresas sobem e descem. O progresso é seguido da deterioração e vice-versa, já dizia Nietzsche, há mais de 100 anos: "estamos fadados ao eterno retorno”. A NATUREZA HUMANA A razão básica para a ciclicidade dos mercados é o envolvimento de humanos. Humanos estão sempre causando problemas por onde passam. Quando as decisões envolvem pessoas, os resul- tados são variáveis e cíclicos. Isso ocorre porque as pessoas são movidas pela emoção. As pessoas são inconsistentes. CAPÍTULO 3 - 143 Fatores objetivos desempenham papel fundamental nos ciclos, mas investidores exageram na reação a eles, tanto para cima quanto para baixo, e isso determina a amplitude dos ciclos. Em ordem: otimismo, excitação, euforia (ponto de máximo risco no investimento), negação, medo, pânico, desânimo (ponto de máxima oportunidade), depressão, esperança, otimismo. Quando as pessoas estão otimistas, seu comportamento é fortemente afetado. Gastam mais e poupam menos. Assumem dívidas para trazer a valor presente ganhos futuros. Inclusive, aceitam pagar mais pelo valor futuro, o que torna a posição financeira das pessoas mais precária. Acontece que o termo pre- caução costuma ser completamente ignorado em períodos de grande otimismo. O problema é que tudo isso pode se reverter num piscar de olhos. Ciclos carregam dentro de si sua própria reversão. As próprias tendências são as criadoras das razões para sua reversão. Cada etapa do ciclo causa a próxima etapa. O ciclo é apenas uma sequência de causa-consequência: “...o sucesso carrega dentro de si as sementes do fracasso, e o fracasso as sementes do sucesso” – do memorando You can’t predict, you can prepare, de Howard Marks. Por isso a economia é uma ciência humana, e não exata. OS CICLOS DE CRÉDITO Howard Marks é gestor de crédito – compra e vende títulos de dívida de empresas (debêntures, CDBs e muitos outros). Marks afirma que o ciclo de crédito é um dos mais pronunciados. Dos mais claros. Dos mais fáceis de acompanhar. 144 - Os Segredos do Investidor de Valor Segundo ele, ciclos no mercado de crédito talvez sejam os mais inevitáveis de todos e servem como um bom exemplo, eis o processo: 1. A economia vive um momento de prosperidade. 2. Provedores de capital crescem em número – com pouco noticiário negativo, os riscos de emprestar dinheiro aparentam ter sido reduzidos. 3. A aversão ao risco desaparece. 4. Instituições financeiras expandem seus negócios – proveem mais crédito. 5. A competição por share de mercado leva a uma redução nas taxas de juros cobradas, requisitos mínimos e garantias. Isso leva à destruição de capital – quando recursos financiam projetos cujo custo de capital excede o retorno ao capital investido. Nesse ponto, a parte ascendente do ciclo é atingida, dando início à reversão: 1. Prejuízos começam a desencorajar os emprestadores. 2. A aversão ao risco aumenta, assim como as taxas de juros, restrições ao crédito e exigências de garantias. 3. Menos crédito está disponível no mercado, até o ponto em que somente os tomadores mais qualifi- cados conseguem recursos. CAPÍTULO 3 - 145 4. Empresas ficam sedentas por crédito, não conse-guem rolar suas dívidas e passam a dar calotes ou até quebram. 5. Esse processo contribui e reforça a contração econômica. Nesse extremo, o processo pode ser revertido novamente. Com pouca competição no mercado de crédito e investimentos, retornos e exigências mais altas podem voltar a ser demandados. O ciclo de crédito se corrige sozinho, e é um dos fatores deter- minantes das flutuações dos ciclos econômicos. Provedores de crédito permissivos demais ou investidores exigentes/prudentes de menos financiam as bolhas financeiras (geralmente). Quando credores ou investidores proveem dinheiro barato em excesso, o resultado acaba sendo um excesso de expansão (sem disciplina) seguido por consequências negativas (grandes prejuízos). Foi exatamente isso que aconteceu nos EUA na última grande crise mundial de 2007-2008. CICLOS DE CRÉDITO = CICLOS DE MERCADO = CICLOS DE BOLSA Como você pode imaginar, os ciclos de crédito e de ações são parecidos. Um influencia o outro, mas não necessariamente andam juntinhos. O investidor não precisa ter habilidade preditiva para se apro- veitar desses movimentos, precisa apenas estar familiarizado com o caráter repetitivo e sem fim dos ciclos de mercado. Ciclos nunca deixaram e nunca deixarão de acontecer. 146 - Os Segredos do Investidor de Valor Eventualmente, quando uma perna positiva ou negativa de um ciclo for longa demais, as pessoas vão dizer que “desta vez é diferente”. DESTA VEZ NÃO É DIFERENTE As bolhas são tão comuns que já inventaram até um gráfico dos ciclos das bolhas: Em ordem: fase escondida (decolagem); fase de descobrimento (primeira queda, armadilha do pessimista); fase da mania (atenção da imprensa, entusiasmo, ganância, desilusão, "novo paradigma"); fase do esvaziamento (negação, armadilha do otimista, volta ao "normal", medo, rendição, desespero, volta à média). Quem acredita que "desta vez é diferente" (sim, tem no grá- fico) e anuncia que Buffett está velho gagá justifica a própria visão com mudanças na política, instituições, tecnologia ou comportamento que tornaram as regras antigas obsoletas. CAPÍTULO 3 - 147 Apenas investidores iniciantes acreditam que algo que nunca aconteceu antes – o fim dos ciclos – pode acontecer. Aqui está a importância dos cabelos brancos ao investir. Só quem já viveu os ciclos entende sua inevitabilidade. Não tem cabelos brancos? Toda a sabedoria desses gigantes está disponível para você em livros, textos, cartas, vídeos, ima- gens etc. Quem não busca conhecimento nos mais velhos, nos cabelos brancos, só aprenderá perdendo dinheiro. Só na segunda – ou terceira – vez esses mesmos investidores, agora com experi- ência, saberão que ciclos nunca deixarão de existir e usarão isso em sua vantagem. Capítulo 4 MERCADO EM GERAL E ÍNDICE BOVESPA CAPÍTULO 4 - 149 4.1 É hora de comprar bolsa? “Ibovespa a 130 mil pontos, o que fazer?” Com economias crescendo forte e resultados subindo, a res- posta é a mesma de sempre. Bolsa é sempre, bolsa é para sempre. "É hora de comprar bolsa?" “Ibovespa a 130 mil pontos!” Os comprados estouram champagne e quem ainda não tem ações se morde de raiva. A mesma pergunta de sempre: "Está na hora de comprar bolsa?" E a resposta é a mesma de sempre: "Sim, é sempre hora de comprar bolsa." Bolsa é sempre. Bolsa é para sempre. Ibovespa. Fonte: Bloomberg. 150 - Os Segredos do Investidor de Valor "Ah, mas eu queria comprar na baixa." Este é o sonho de todo mundo que nunca investiu (ok, de quem já investe também): Ibovespa. Fonte: Bloomberg. Ibovespa. Fonte: Bloomberg. Que maravilha seria. Comprar na mínima e vender na máxima. Porém os gênios do passado só não saberiam dizer o que fazer agora. Se hoje é compra ou venda. A realidade de quem investe no mercado é muito mais assim: CAPÍTULO 4 - 151 A realidade é clara: é compra ou é "não venda". É tão óbvio. Qualquer um que disser que acerta os movimentos do mercado é mentiroso ou pilantra – ou os dois! "Mas a bolsa já subiu demais, está cara." Muita calma, pequeno gafanhoto. Pare de olhar para as cota- ções e olhe para os resultados das empresas. Só os resultados dirão para você se estamos pagando caro ou barato por algo. Quando compramos empresas (não são ações, são empresas), estamos comprando a capacidade dessas empresas de entregar gordos lucros no futuro. Portanto, a sua salvação é olhar para os lucros. Veja só: Ibovespa. Fonte: Bloomberg. Lucros em alta = ações em alta. Lucros em queda = ações em queda. Se a bolsa está cara ou barata depende do que acontecerá com os resultados das empresas da bolsa. É muito simples. "E os riscos? E se a bolsa cai?" 152 - Os Segredos do Investidor de Valor Peter Lynch tem uma frase ótima sobre isso: “Mais dinheiro foi perdido por investidores se preparando para correções ou se antecipando a correções do que nas correções em si.” Afinal, você já viu um jornalista otimista? Não, porque crise, pânico e desespero vendem muito mais jornais. Os jornais estão sempre anunciando o fim do mundo no meio da crise e também no meio do boom. "Bolsa está na máxima, mas os riscos são enormes." "Bolsa está na mínima, mas os riscos são enormes." Você tem medo? É só não fazer o que você sabe que é errado. Não quer quebrar? Não siga quem quebrou. A bolsa só é um cas- sino para quem trata a bolsa como um cassino. O segredo da bolsa é comprar empresas e focar no longo prazo. A probabilidade de sucesso do investidor sobe junto com o prazo de seu investimento. Os day traders entregam seu dinheiro de mão beijada para os investidores de longo prazo (agradecemos muito! Obrigado!). Boas empresas a bons preços geram muito valor para seus acionistas a longo prazo. Você duvida? Pergunte ao Bezos, Musk, Arnault, Gates, Zuckerberg e Buffett… Quer ficar rico? Siga o que os ricos fazem. Você já viu day trader na lista de mais ricos do mundo? Pois é, nem eu. Compre boas empresas a bons preços ou comece uma. É o mesmíssimo conceito. Afinal, quem paga mais barato que o fun- dador de uma empresa? Não sabe qual empresa fundar? Seja sócio de uma na bolsa. É muito mais fácil. Ela já está prontinha, gerando gordos lucros para você aproveitar. CAPÍTULO 4 - 153 4.2 Mais retorno, mesmo com menos risco Abrace o risco, goste de risco, ame o risco. Saber lidar com o risco é uma enorme oportunidade para o seu patrimônio. O risco é inevitável. Para ganhar dinheiro, você precisa aprender a con- viver e a aproveitar as oportunidades que o risco lhe traz. É essencial lembrar que cada investidor tem uma tolerância ao risco diferente, portanto é importante entendê-la. Tudo se resume ao preço: fracos fundamentos não significam mais risco. Um ativo com fundamentos não tão fortes pode ser um exce- lente investimento, se comprado a um preço baixo o suficiente. O risco está presente mesmo se a economia estiver voando. Talvez exista muito mais risco. Preços elevados significam alto risco. Já o excesso de pessimismo, aversão ao risco e o medo elevam os retornos potenciais – e reduzem o risco. O preço e o comportamento dos investidores do mercado darão a você a percepção necessária para reconhecer o nível de risco aceito pelo mercado. Risco é (apenas) resultado em queda. O risco não tem nada a ver com a volatilidade de uma ação, mas sim com o grau de incerteza nos resultados de uma empresa. Quanto maior a incer- teza, maior o risco. Se os resultados sobem, no longo prazo, as ações hão de melhorar. Logicamente, quando falo de incerteza no contexto de risco, me refiro à porção negativa dessa, ou seja, à probabilidade de perda permanente de capital. 154 - Os Segredos do Investidor de Valor Investir é uma atividade muito mais relacionada com o futuro do que com o presente ou com o passado. No entanto, como ninguém consegue prever o futuro, o risco é inevitável. Aprenda a amar o risco. O risco é oportunidade. Em vista disso, entender, reconhecer e controlar o risco é fundamental. Afinal, lidar bem com ele é essencialpara obter consistência em seus investimentos ao longo dos anos. É preciso compreendê-lo para entender se ele é tolerável ou não (para você), assim como para compará-lo com o potencial de retorno de um ativo. Quem vendeu LCAM no meio de 2018, por exemplo, está arrependido até hoje. LCAM3. Fonte: Bloomberg. Bons investimentos são aqueles cujo valor esperado é posi- tivo, com alguma margem de segurança. Bons investimentos são aqueles cuja probabilidade de sucesso é elevada. Em outras palavras, investimentos em que se ganha muito com cenário positivo e se perde pouco em cenário negativo. Par, eu ganho; ímpar, eu não perco. CAPÍTULO 4 - 155 NUNCA (NUNCA) VENDA AÇÕES QUANDO AS AÇÕES CAEM É importantíssimo lembrar que cada investidor tem uma tolerância ao risco diferente. Cada investidor tem sua necessidade e disponi- bilidade de recursos específica. Um fundo de pensão, por exemplo, pode ter uma necessidade de retorno absoluto, como 10% ao ano, e se ficar alguns anos rendendo 5%, estará em apuros. Gestores de fundos normalmente têm sua performance medida de maneira relativa em comparação a determinado índice de mer- cado. Felizmente, você não precisa se preocupar em sofrer grandes resgates de seus cotistas se sua performance de curto prazo não vai bem. Também não precisa temer perder seu emprego por causa de um investimento que não deu certo. Gestores e analistas em research de bancos ou corretoras também não podem ser diferentes porque, para eles, errar com todos não carrega as mesmas consequências de errar sozinho. Se todos erram: "o mercado não ajudou". Se ele erra sozinho: "é incompetente". Liquidez é outro fator importante para quem precisa entrar e sair de posições com grandes volumes financeiros a qualquer momento, sem mexer muito no preço do ativo – nós não temos esse problema. Enfim, esses são apenas alguns dos aspectos que justificam que você poderia tolerar mais risco do que um investidor profissional. Mas é preciso tomar os devidos cuidados para que essa vantagem não jogue contra você, especialmente em momentos em que tudo parece estar indo bem demais. O GRANDE, MAGNÂNIMO, EXCELENTÍSSIMO PREÇO Um grande tabu que precisa ser quebrado é que fracos funda- mentos significam mais risco. Um ativo com fundamentos fracos pode, sim, ser um excelente investimento, se comprado a um preço baixo o suficiente. 156 - Os Segredos do Investidor de Valor Outro ponto relevante é que o risco pode estar presente mesmo se a economia estiver voando. A combinação de arrogância, baixa compreensão de uma empresa e seu setor e ignorar o risco pode ser extremamente venenosa para o seu rico dinheirinho. Quando o otimismo é exagerado e os preços altos demais, as pessoas tendem a associar histórias excitantes com altos poten- ciais de retorno, assim como projetam altos retornos para o que vem performando bem ultimamente. Por mais que esses investimentos possam render bem por um tempo, certamente o resultado disso é um só: maior risco. Investimentos que estão no auge da popularidade, os queridi- nhos do momento, os que mais subiram e aqueles que o otimismo tomou conta não são apenas os que apresentam menores retornos potenciais, mas também os que carregam o maior risco. Os investidores de valor sabem que podem alcançar maior potencial de retorno e menos risco ao mesmo tempo. Basta comprar empresas por muito menos do que elas valem. Da mesma forma, pagar caro implica menor potencial de retorno e mais risco. O maior risco não vem de fracos fundamentos, alta volatilidade ou baixa liquidez, vem de pagar caro demais. Alto risco e baixo potencial de retorno são dois lados de uma mesma moeda, derivados primordialmente de altos preços. ENTENDENDO O RISCO O risco existe apenas no futuro, não há dúvidas sobre o passado. O que aconteceu já aconteceu. Só no Brasil que o passado talvez seja imprevisível, segundo Pedro Malan. Muitas coisas poderiam ter acontecido no passado, CAPÍTULO 4 - 157 e o fato de que apenas uma aconteceu subestima a variabilidade dos acontecimentos. Partir da premissa de que padrões normais se repetirão é extre- mamente perigoso. Ocasionalmente, o impensável acontece. Uma crise, um choque, um problema… Por isso não faço previsões ou projeto cenários. Assumir que o passado se repete subestima significativamente o potencial de mudanças. O “pior cenário” é sempre o pior cenário já visto no passado, mas nada garante que as coisas não possam ser piores no futuro. A crise de 2007-2008 nos EUA é um ótimo exemplo disso. Quem assume riscos maiores do que tolera está sujeito a ser expulso do jogo nas fases negativas dos ciclos – é obrigado a vender quando a bolsa cai. Especialmente durante o bull market, os investidores tendem a superestimar sua habilidade de compreender e adivinhar o futuro. São os "jênios" do mercado. O elemento primordial da criação de risco é exatamente a crença de que o risco é baixo, o que joga os preços para cima e leva a um cenário de potenciais retornos cada vez menores. Do mesmo modo, o excesso de pessimismo, a aversão ao risco e o medo elevam os retornos potenciais. Por mais inacreditável que isso possa soar, é quando os preços atingem níveis de bolha e os investimentos são os mais perigosos que o interesse dos investi- dores atinge os mais altos patamares. E o pior, isso se repete a cada ciclo de bull market (nunca muda). No fim das contas, o nível geral de risco está muito mais relacio- nado ao comportamento dos investidores do que aos ativos em si. 158 - Os Segredos do Investidor de Valor Quando o mercado passa a ignorar e a aceitar cada vez mais risco, o risco aumenta cada vez mais. Assim, são formadas as bolhas. Quando as grandes bolhas estouram, temos o desespero das crises. Índice de Tecnologia americano Nasdaq, entre 1998 e 2002. Fonte: Bloomberg. O bom controle de risco pode ter seus benefícios não obser- váveis no bull market, mas ainda assim é essencial, já que a qualquer momento o urso pode atacar. A performance de longo prazo dos maiores e melhores inves- tidores não vem apenas de seus altos retornos, mas também de sua consistência. Os grandes investidores se diferenciam com mercados em queda, e não com mercados em alta. Quando o assunto é con- trole de risco, o objetivo é um só: consistência de rentabilidade. QUANTO MENOR O PREÇO, MENOR O RISCO Apesar de o risco só existir no futuro, não é preciso prever o futuro para entendê-lo. Você pouco saberá sobre eventos espe- cíficos que se materializarão, pois a realidade do risco não é nem um pouco simples ou direta. CAPÍTULO 4 - 159 Mas o preço e o comportamento recente dos investidores lhe dão a percepção necessária para reconhecer o risco em um investimento em determinado momento. A maior parte do risco reside exatamente onde ele é menos percebido. Finalizo este texto com o paradoxo criado por Howard Marks sobre risco: Quando todos acreditam que algum ativo é muito arriscado, o baixo nível de interesse reduz seu preço até o ponto em que o risco se torna extremamente baixo. Uma opinião negativa generalizada reduz o risco de um investimento ao afastar todo o otimismo de seu preço. Já quando todos percebem muito pouco risco em um ativo, o preço sobe a níveis em que o risco se torna enorme. Sem o medo, uma recompensa pelo risco deixa de ser cobrada. Esse paradoxo existe porque a maioria dos investidores enxerga “qualidade” em vez de preço como determinante de risco. Mas ativos de “alta qualidade” podem ser arriscados e ativos de “baixa qualidade” podem ser seguros, é tudo uma questão do preço que se paga por cada um deles. Busque boas empresas com baixos preços, independente- mente do sentimento momentâneo do mercado. Sentimento de otimismo ou pessimismo, excitação ou medo, bull ou bear market, nunca abra mão do controle de risco! 1 2 Capítulo 5 ENSINAMENTOS DOS VALUE INVESTORS CAPÍTULO 5 - 161 5.1 As 9 regras de Guy Spier As 9 regras vêm do livro The education of a value investor:my transformative quest for wealth, wisdom and enlightenment, do investidor de valor Guy Spier. Sua ideia é tornar o processo de investimento mais racional e menos suscetível às irracionalidades que arruínam os investidores. Nossos vieses podem nos levar a tomar péssimas decisões. Talvez algumas destas regras ajudem você a desenvolver as suas próprias regras: 1. Não olhe para os preços das ações: preços não dizem nada sobre o negócio. 2. Não compre de vendedores: eles lhe dirão qualquer coisa para vender. 3. Evite falar com os gestores das empresas. Eles têm interesses próprios. 4. Pesquise na ordem correta: olhe para os números crus, depois para as opiniões. 5. Não discuta com pessoas enviesadas: vieses poluem seu raciocínio. 6. Não negocie com o mercado aberto: quem quer nego- ciar não escolhe preço. 7. Não venda após uma grande queda: não se afete por movimentos no mercado. 8. Não fale sobre investimentos: emitir uma opinião difi- culta mudar essa opinião. 9. Crie sua própria checklist de investimentos: uma lista de erros previsíveis. 162 - Os Segredos do Investidor de Valor CHECKLIST Muita gente comenta: “a ação X está barata. Caiu 30%, negocia a 10x lucros e tem ROE alto”. Claramente, as características men- cionadas são importantes para determinar a atratividade de um investimento, mas não são suficientes. Ainda faltam diversos pontos importantíssimos para deter- minar se uma empresa é interessante (se o investimento vale a pena). Mas isso demanda o entendimento de diversos outros fatores que não foram considerados. 1. Não olhe para o preço das ações Olhar continuamente para os preços das ações resultará em apenas um fato: você perderá aquele minuto de vida. Pare de olhar para o mercado toda hora. Aproveite esse tempo que você perde no Home Broker para aprender mais sobre as empresas que investe – será um uso muito mais inteligente do seu tempo e lhe dará noites de sono muito mais tranquilas. Grande parte das vezes, os preços de mercado não dizem nada sobre a qualidade dos negócios que você investe. Olhar para os movimentos dos preços não significa que o negócio melhorou ou piorou – significa apenas que um investidor vendeu e outro comprou. Um investidor que precisa vender pode fazer isso a um preço que não faz sentido, mesmo para ele. Mas a necessidade de se livrar daquele investimento naquele momento determina que as ações serão vendidas. Eu mesmo olho para os preços do mercado apenas algumas CAPÍTULO 5 - 163 vezes ao dia e, no telefone, com um atraso de 15 minutos. Sinceramente, se você não vai comprar mais ações, não há motivo para prestar atenção nos preços. 2. Se alguém está lhe vendendo algo, não compre Fuja dos vendedores, principalmente do mercado financeiro. É um pouco de contrassenso falar isso para você, já que eu mesmo vendo algo. Eu vendo relatórios de análise e tento con- vencê-lo de que tais e tais investimentos são bons. De qualquer modo, a segunda regra de Guy Spier continua fazendo todo o sentido. As pessoas lhe dirão qualquer coisa para vender algo para você. Sempre desconfie. Desconfie das corretoras e bancos. Desconfie do Bruce. Os IPOs são ótimos exemplos de como o mercado funciona. Os bancos de investimento são contratados a peso de ouro para vender uma parcela de uma empresa ao mercado. Esses “caramingas” de terno e gravata são especialistas em vender qualquer coisa, e certamente terão sucesso na venda caso a empresa seja boa ou não. Se você não está pagando diretamente essa pessoa pelos conselhos, algum outro indi- víduo está pagando essa mesma pessoa para lhe empurrar algo. Para eles, só importa a taxa de colocação (que eles recebem) paga pela empresa. Conselhos grátis no mercado financeiro só vão prejudicá-lo. Nada é de graça na vida (e muito menos no mercado). Fuja dos vendedores. Fuja de todas as pessoas que querem convencê-lo de algo. Tenha suas próprias convicções. Faça seu próprio trabalho. 164 - Os Segredos do Investidor de Valor 3. Evite falar com os gestores das empresas Assim como Guy Spier não fala com vendedores, ele considera os gestores da empresa vendedores. O mesmo raciocínio vale: os gestores, ao conversar com você, têm o interesse de puxar o preço de suas ações para cima. É para isso que são pagos os senhores do departamento de relações com investidores: para puxar os preços para cima. Os bons gestores, os bons presidentes e diretores são vendedores habilidosos. Eles subiram os degraus da empresa justamente vendendo sua capacidade de entrega. Particularmente, concordo 100% com Guy, mas acho que o benefício de conversar com as empresas é maior do que o malefício de ser envolvido por elas. Existem muitos aspectos que preciso entender sobre o negócio da companhia, e conversar com os gestores facilita bastante esse aprendizado. Claro, eles sempre tentarão me convencer de que aquela é a melhor companhia do mundo. Minha regra número 1 é: seja cético. Sempre. Eu acho hilário como os gestores sempre procuram me con- vencer de algo. Algumas empresas querem modificar a forma que calculo a dívida delas. Algumas dizem que os lucros não são importantes, que devo focar em qualquer outra métrica. Algumas querem me convencer que um custo que aparece todo ano é não recorrente. Se você não tem a solidez mental de enxergar através dos gestores, é melhor não se deixar ser influenciado por eles. Faça seu dever de casa checando as informações que os gestores passam e entenda de onde aquilo vem. CAPÍTULO 5 - 165 4. Faça seu trabalho de pesquisa na ordem correta Guy Spier desenvolveu uma ordem de como analisar as infor- mações de uma empresa. Primeiro, ele olha para os números crus nos balanços anuais e trimestrais da companhia. Ele checa o parecer dos auditores que, mesmo tendo aprovado o balanço, podem dar pistas de algo errado nos números ou alguma pos- sível inconsistência. Somente depois de analisar os números crus, Guy lê as opi- niões dos gestores no release de resultados, press releases e transcritos de conference calls. A regra faz todo o sentido: ele não deixa que sua primeira impressão seja poluída por opiniões de gestores sobre os números. Ele prefere que os números criem sua primeira impressão. Somos altamente influenciáveis e, se nos deixarmos ser sedu- zidos pela fala doce dos gestores antes de olharmos os números, podemos cometer erros. Os gestores SEMPRE modificam a forma como falam para melhorar o conteúdo. Por exemplo, para uma empresa que deu prejuízo, o foco do release será no crescimento de receita ou nas exportações. Para uma empresa que deu lucro por um efeito contábil não recor- rente, a explicação desse efeito pode estar escondida em letras miúdas ao final do texto (normalmente é isso que acontece). 5. Evite discutir suas ideias de investimento com pessoas enviesadas Guy gosta de discutir ideias de investimento com outras pessoas, mas não quaisquer pessoas. Ele tem seu círculo de amizades e toma cuidado para não deixar que os vieses de outros investi- dores poluam seu raciocínio. 166 - Os Segredos do Investidor de Valor Cuidado com quem você confia no mercado. Nunca discuta investimentos com quem tem interesses ocultos, ou seja, quem possui ou gostaria de ter algum tipo de relacionamento profis- sional com você. Tenha amigos de confiança que o ajudem a pensar, mas que não julguem seus erros e acertos. É ótimo contar com o feedback de outro investidor, porém é péssimo que a agenda desse inves- tidor tente levar você a pensar como ele. Fazemos isso naturalmente. Naturalmente tentamos con- vencer outras pessoas do que acreditamos – mesmo que não estejamos corretos. Nas redes sociais, na internet, em quaisquer outros lugares, a maioria das pessoas quer trazer investidores para uma ação que já possuem. Se consiste em uma ótima oportunidade ou não, você só saberá fazendo o seu próprio trabalho. O que mais acontece no mercado é um investidor que fala das maravilhas de uma empresasomente para ter liquidez suficiente para sair. Não existe ninguém bonzinho no mercado. 6. Não compre ou venda ações com o mercado aberto Guy não gasta seu tempo tentando acertar o menor preço de compra e venda de uma ação. Ele avisa seu corretor no dia ante- rior da negociação sobre o que pretende fazer e deixa que o corretor faça o que foi pedido durante o dia. Faz sentido. Gastamos uma infinidade de tempo olhando para o Home Broker acreditando que teremos a presciência de saber quando comprar ou vender. Todo esse tempo gasto somente nos tira tempo precioso de análise ou reflexão. Muita gente define CAPÍTULO 5 - 167 um preço que gostaria de comprar ou vender algo, e isso não faz nenhum sentido. Trabalhei com um analista que dizia: se você quer comprar, compre no preço de tela e venda no preço de tela. Quem quer negociar não escolhe preço. Ele tem toda a razão. Afinal, R$ 0,10 para cima ou para baixo não fará diferença nenhuma em seus resultados durante os anos. Podemos perder ótimos investimentos por escolhermos demais o preço. Além disso, perdemos tempo precioso olhando para as ações piscarem no Home Broker. 7. Não venda após uma grande queda Essa regra é maravilhosa. Segundo Guy, não se deve vender uma ação por 2 anos se ela despenca logo após sua compra. Sem querer, eu já sigo essa regra em meus investimentos. Simplesmente não se deixe afetar por grandes movi- mentos do mercado. Você fez a pesquisa, encontrou um investimento que vale a pena, estudou, fez seu dever de casa; uma variação súbita de preços não deveria mudar em nada suas conclusões. Sempre achamos que os tubarões do mercado sabem de algo que não sabemos. No entanto, normalmente não sabem, o mercado não sabe de algo que você não sabe. Os preços de mercado se movimentam sem fazer sentido. Essa regra melhorará sua qualidade de análise antes de entrar em uma ação. Afinal, quando uma ação cai, devemos comprar mais, e não vendê-la. Não venda as ações quando elas caem. 168 - Os Segredos do Investidor de Valor 8. Evite falar sobre seus investimentos atuais Guy comenta que falar em público sobre um investimento tira a sua flexibilidade para mudar de opinião. Após falar que uma ação é ótima, ele se vê forçado a defender essa posição com outras pessoas ou em situações futuras. Faz todo o sentido. Contudo, na minha situação, é obviamente difícil não falar dos meus investimentos atuais. De qualquer forma, concordo com ele que emitir uma opinião sobre um ativo dificulta mudar essa opinião no futuro. Fica bem claro quando recomendo uma ação e mudo de ideia em um curto espaço de tempo; muitas pessoas veem a mudança rápida como sinal de inconsistência e, na verdade, foi apenas uma mudança de fatos. Os fatos mudam e nossas opiniões devem mudar com eles. 9. Desenvolva sua própria checklist de investimentos Essa é a melhor ideia de Spier. Desenvolva uma lista de coisas a evitar ou que você deve procurar em seus investimentos. Somos diferentes e temos vieses diferentes. Uma checklist ajuda você a se lembrar de erros ou pontos de atenção que, sozinho, seu cérebro não lembraria. Essa checklist acabará por se transformar em uma lista viva de seu aprendizado como investidor. Por exemplo, após um erro, podemos anotar na checklist o motivo do erro e como evitá-lo futuramente. Lendo ou estu- dando, podemos chegar à conclusão de algo importante que deveríamos procurar nas empresas – como fluxo de caixa, divi- dendos, ROE etc. CAPÍTULO 5 - 169 Uma boa forma de começar a sua checklist é fazer uma lista de todos os erros que você já cometeu. Sempre que for fazer um novo investimento, releia sua lista para ajudar seu cérebro a raciocinar sobre aquela posição. A checklist é uma lista de erros previsíveis. Anotando quais erros já cometemos, evitamos cometer os mesmos erros novamente. ESCREVA AS SUAS PRÓPRIAS REGRAS Tenha suas próprias regras, faça sua própria checklist. Escreva essas regras em algum lugar e relembre-as de tempos em tempos. O cérebro humano é cheio de idiossincrasias. Proteja-se de você mesmo. Proteja o seu rico dinheirinho. 170 - Os Segredos do Investidor de Valor 5.2 Barbosa vs. Pabrai: como a Fiat Chrysler pode se transformar nas bicicletas Yellow A título de exemplo, analisarei uma das posições de Mohnish Pabrai na Fiat Chrysler Automóveis. APRENDENDO COM MOHNISH PABRAI Pabrai tem US$ 80 milhões em seus fundos e eu tenho só um patinete elétrico, uma estante de livros do Buffett e uma empre- sinha promissora. Sabe aquela história de que analisar os problemas de alguém ensina mais do que analisar os acertos? Tentarei avaliar um dos maiores investimentos de Mohnish para buscar entender melhor o que eu mesmo faço em meus investimentos. Acho interessantíssimo analisar as decisões passadas dos gestores, o que eles disseram e como lidaram depois com pos- síveis fracassos. Adoro ler as cartas dos gestores brasileiros e internacionais, fico extasiado com seus acertos e erros, princi- palmente com suas análises das situações que se enfiaram. É um aprendizado riquíssimo. Voltando ao assunto… O que eu e Mohnish Pabrai temos em comum? Além dos nomes estranhos e a admiração por Buffett, Munger e o Value Investing, acho que muito pouco. CAPÍTULO 5 - 171 Fiquei até com vontade de comprar as empresas em que Pabrai investe, contudo, pensando melhor, acho que não faria tanto sentido. De qualquer modo, analisarei um de seus inves- timentos, o que conheço melhor, uma montadora que também está presente no Brasil. FIAT CHRYSLER AUTOMÓVEIS (FCA) Em sua carta, Mohnish explica que comprou Fiat em 2012, quando o valor de mercado da companhia era de US$ 5 bilhões e sua receita era de US$ 130 bilhões. Só a Ferrari, vendida, valia US$ 21 bilhões em 2016 (Fiat tinha 90% da empresa) e Magneti Marelli, também vendida, saiu por US$ 7 bilhões. Mas vale a pena comprar Fiat hoje? Sempre que se carrega uma posição, você está decidindo que vale a pena comprar aquela posição aquele dia. Por esse motivo, nunca entendi a recomendação "manter" dos bancos… Lendo a carta, fui dar uma olhada em Fiat. É claro, a primeira coisa que olho é o preço: em 2019, ela negociava a 2x Ebitda e 5x lucros. Fiat EV/Ebitda (cinza) e P/L (preto). Fonte: Bloomberg. (Perceba que o histórico é curto – desde o fim de 2014. Por algum motivo, não consegui números mais antigos no Bloomberg. Eu gostaria muito de ter os dados desde 2008 para entender o que aconteceu na crise) 172 - Os Segredos do Investidor de Valor Ótimo. É notável que Mohnish gosta das coisas baratas – gostei desse Pabrai. Em seguida, analisarei a qualidade do negócio, ou seja, se é rentável ao longo do tempo e/ou endividado. Fiat ROE (tracejado) e Dívida líquida/Ebitda (preto). Fonte: Bloomberg. É possível observar que seu ROE, no início de 2019, era de 14%, vindo de 2% lá em 2016 e com uma tendência de alta. Ao mesmo tempo, a companhia vem reduzindo seu endividamento – não só o valor total do endividamento, mas seu Ebitda também vem subindo. Ótimo. Pouca dívida, rentabilidade interessante. Agora, verei a visibilidade de resultados (é a parte mais inte- ressante da carta de Pabrai). Olhando para os números de Fiat, vemos que a companhia vem apresentando números melhores – apesar da queda. Fiat: Ebitda (acum 12 meses, preto) e Lucro (acum 12m, cinza). Fonte: Bloomberg. CAPÍTULO 5 - 173 Tudo parece muito bem, tudo parece muito bom. Entendi o que aconteceu até aqui. Agora, vou me basear nas palavras de Mohnish para entender o que pode acontecer à frente. Com a gestão de Sergio Marchionne (falecido), Mohnish nos explica que a Fiat cortou a produção de carros com baixas mar- gens e focou em linhas com margens mais altas – além de vender subsidiárias e cortar custos. Com isso, a Fiat saiu das menores margens para as maiores entre as três grandes. Além de toda essa melhora, Fiat tem um plano detalhado de metas para 2022. Com o plano, Fiat teria US$ 33 bilhões em dinheiro em caixaem 2022 e toda a empresa valia US$ 23 bilhões no início de 2019. Nesse período, só o caixa de 2022 valeria 150% da Fiat. Seguindo o plano, Fiat estaria negociando a menos de 2x lucros de 2022 (os lucros sobem até lá e o múltiplo cai). Esses lucros seriam bastante conservadores. Fiat tinha como meta de lucros US$ 5 bilhões em 2018, porém entregou vendas de ativos valendo US$ 28 bilhões e lucros de US$ 3 bilhões (já sem esses ativos). Segundo Pabrai, a companhia mostrou o que pode fazer e pode atingir suas metas de 2022 tranquilamente. Os objetivos do falecido Marchionne seriam comandos sacrossantos que a companhia estaria focada em entregar. BARBOSA DISCORDA DE PABRAI Não há como não se empolgar com a animação de Mohnish em sua carta. Eu mesmo fiquei querendo comprar ações da Fiat. 174 - Os Segredos do Investidor de Valor No entanto, em um ponto, discordo de Pabrai – e pode ser por puro desconhecimento do setor ou do que acontece com as montadoras lá fora. Ao ler os jornais e revistas, é de conhecimento geral que as montadoras são negócios ruins. Quebraram em 2008 e continuam com problemas para rentabilizar seus negócios. O custo fixo para produzir automóveis é enorme, e as companhias não conseguem se diferenciar para cobrar preços mais altos por seus carros. Os carros são as primeiras coisas que as pessoas param de consumir nas crises. As montadoras ganham pouco dinheiro com economia ótima e são as primeiras a ter problemas nas crises, além de todo o Capex que produzir um carro e as novas tecno- logias demandam. Se não fosse só isso, a Tesla já vende carros elétricos e semiautônomos (o futuro). A Tesla negocia a 11x seu patrimônio, enquanto as montadoras "normais" negociam a 1x. Tesla (cinza), Fiat (preto), GM (pontilhado) e Ford (tracejado). Fonte: Bloomberg. As montadoras estão em um setor ruim, que pode piorar muito. O setor deverá sofrer mudanças enormes nos próximos anos com os carros elétricos e autônomos. CAPÍTULO 5 - 175 Se me permite, eu acredito que os carros serão como hoje são as bicicletas da Yellow ou do Itaú. Chamaremos os carros por aplicativos e apenas utilizaremos os carros (autônomos) para uma viagem. O carro será propriedade da Uber, das montadoras ou das locadoras de carro – os três negócios se tornarão um só. Em vista disso, precisaremos de muito menos carros. Hoje os carros ficam 90% do tempo parados. Se todos dividirmos os carros, teremos a necessidade de uma frota de apenas 10% da atual. Como as montadoras sobreviverão com 90% de sua capaci- dade ociosa? Isso demora, mas não demora tanto quanto você imagina. Posso estar errado, mas me parece um futuro complexo para as montadoras. 176 - Os Segredos do Investidor de Valor 5.3 A checklist de Philip Fisher Ao longo deste texto, apresentarei as 15 questões do livro “Ações Comuns, Lucros Extraordinários”, de Philip Fisher, para encon- trar um investimento lucrativo. Seu objetivo é identificar quais atributos uma companhia deveria apresentar para que sejam grandes as chances de se obter um retorno consideravelmente alto com ela. Uma ação pode ser um excelente investimento mesmo sem atender completamente a todas as questões, mas uma compa- nhia que falha em vários dos pontos apresentados a seguir não é digna do seu rico dinheirinho, segundo Fisher. Os 15 pontos são: 1. A empresa tem produtos ou serviços com potencial de mercado suficiente para garantir o aumento das vendas por muitos anos? 2. A gestão da empresa tem determinação para continuar a desenvolver produtos ou processos que aumen- tarão o potencial de vendas quando o potencial dos produtos ou serviços atuais já tiver sido explorado? 3. Quão efetivas são as pesquisas e desenvolvimento de novos produtos e serviços da empresa em relação ao seu tamanho? 4. A empresa tem uma organização de vendas acima da média? CAPÍTULO 5 - 177 5. A empresa tem uma margem de lucro que vale a pena? 6. O que a empresa tem feito para manter ou melhorar sua margem de lucro? 7. A empresa tem uma boa relação com os seus funcionários? 8. Existe uma boa relação entre os executivos da empresa? 9. Qual é a profundidade da gestão? 10. Qual é a qualidade da análise de custos e controles das contas? 11. Existem outros aspectos do negócio, específicos do seu setor, que deem ao investidor pistas impor- tantes sobre quão bem a empresa poderá se sair em relação às suas concorrentes? 12. A empresa tem uma visão de curto ou de longo prazo sobre os seus lucros? 13. No futuro, é provável que o crescimento da empresa necessitará da emissão de mais ações para se finan- ciar, de maneira que a diluição anulará o benefício dos acionistas que se anteciparam a esse crescimento? 14. A empresa fala normalmente com os seus acionistas quando as coisas estão indo bem, mas se cala de repente quando as coisas estão indo mal? 15. A empresa tem uma gestão com integridade inquestionável? 178 - Os Segredos do Investidor de Valor PHILIP FISHER FOI UM GIGANTE O livro de Fisher não é somente um clássico de investimentos, ele mudou completamente a visão de Buffett e Munger sobre o assunto. Para que você tenha ideia do tamanho das ideias de Phil Fisher no Value Investing, foi com base em seu livro de 1958 que Charlie Munger convenceu Warren Buffett a comprar boas empresas a bons preços. Até ali, Buffett apenas procurava as bitucas de cigarro de Graham – e elas já estavam acabando para o poder de fogo de Buffett. Muitos dizem que Fisher foi a segunda maior influência, em menor escala que Graham, na estratégia de investimento da Berkshire Hathaway. Não é exagero dizer que as ideias de Fisher mudaram o pano- rama de investimentos mundiais. DE ONDE VEM O BUY AND HOLD Philip Fisher ajudou a construir o que é hoje o Value Investing. Fisher foi o inventor do estudo dos aspectos qualitativos de uma empresa no processo de análise. As ideias de Benjamin Graham sempre foram muito baseadas no quantitativo (as "net-nets", diversas regrinhas que Graham usava para determinar se uma ação era barata o suficiente). Fisher mudou tudo com a publicação de seu livro. O Value Investing nunca mais foi o mesmo. Em vez de preço/patrimônio, caixa/valor de mercado e outros múltiplos, Fisher defendeu olhar para o negócio: posicionamento de mercado, integridade da gestão, como é a relação da empresa com seus funcionários e executivos… CAPÍTULO 5 - 179 Parece natural olhar para isso hoje, mas foi revolucionário na época. Fisher defende que se você encontrar um ótimo negócio, deve comprá-lo e carregá-lo para sempre. Afinal, se o negócio é bom mesmo, bem gerido, dar tempo ao tempo fará maravilhas pelo seu investimento. OS FAMOSOS 15 PONTOS DA CHECKLIST DE FISHER Os "quinze pontos para olhar em uma ação" de Fisher são princí- pios que desafiam o tempo. Eles são uma ótima base qualitativa para encontrar empresas bem geridas com ótimas perspectivas de crescimento. Uma companhia pode ser um excelente investimento mesmo sem atender completamente a alguns pontos. No entanto, segundo Fisher, uma empresa que falha em diversos pontos não merece seu dinheiro. Nem todas as informações são fáceis de obter; analisar a gestão pode ser complicado, por exemplo. Ainda, alguns pontos podem exigir conversar com fornecedores, competidores e ex-funcionários. Nada que gastar um pouco de sola de sapato não resolva. Vamos aos pontos: 1. A empresa tem produtos ou serviços com potencial de mercado suficiente para garantir o aumento das vendas por muitos anos? Ninguém consegue crescer sem produto, e o mercado precisa ser grande o suficiente ou estar em crescimento acelerado. Esse ponto se aplica a empresas de qualquer tamanho, small caps 180 - Os Segredos do Investidor de Valor ou grandes líderes da indústria. Fisher está sempre procurando crescimento por décadas. Companhias que só conseguem ter grande lucro uma vez na vida por corte de custos provavelmente não serão grandes vence- doras no longo prazo. Ele divide as empresasvencedoras em duas classes: “sortudas e capazes” e “sortudas porque são capazes”. As primeiras são aquelas companhias bem geridas, que se aproveitam de uma tendência secular. Um bom exemplo é a Amazon, que se aproveitou da revolução da internet para dominar o e-commerce. As outras são empresas que “criam” sua própria sorte, reinven- tando seu negócio, lançando produtos inovadores ou mudando sua estratégia. Fisher usa o exemplo da DuPont em seu livro, mas a Apple é um bom exemplo atual desse tipo de empresa. 2. A gestão da empresa tem determinação para continuar a desenvolver produtos ou processos que aumentarão o potencial de vendas quando o potencial dos produtos ou serviços atuais já tiver sido explorado? De novo, ninguém consegue crescer sem produto e, se o produto não é mais "aquela Brastemp", a companhia está preparada para inovar? Fisher argumenta que esse ponto é sobre a atitude da gestão. A empresa está buscando novas formas de crescer? Quem quer crescer continuamente precisa inovar constantemente. Até mesmo a Coca-Cola precisa inovar. Steve Jobs poderia ter parado no iPod e ser lembrado eternamente por ter revolucionado a indústria da música. Os investidores iniciais estariam satisfeitos. CAPÍTULO 5 - 181 Mas Apple se tornou a maior empresa do mundo depois do iPod, vieram iPhone, iPad, Apple Watch e, atualmente, a Apple quer ser uma financeira. A pesquisa e desenvolvimento (P&D) é a chave para o sucesso de longo prazo, e aumentar a base de conhecimento da empresa é fundamental. Companhias que têm um pipeline de lançamento de novos produtos/serviços podem conseguir mais crescimento no longo prazo. 3. Quão efetiva é a pesquisa e desenvolvimento de novos pro- dutos e serviços da empresa em relação ao seu tamanho? A análise do gasto com P&D não pode se limitar a olhar para a evolução do percentual gasto em relação às vendas, pois isso nos conta muito pouco sobre qual é o retorno que a empresa está tendo sobre cada real investido. Esse ponto é um daqueles difíceis de se avaliar. Talvez, o sucesso dos últimos lançamentos da empresa possa servir como indicador da produtividade do P&D. O ideal é que a companhia esteja dedicando seus inves- timentos ao que aumenta seu “moat” (o fosso do castelo de Buffett), ou seja, sua vantagem competitiva. Seja reduzindo seus custos, seja lançando produtos diferenciados. Cortes nos projetos são um sinal de alerta, pois podem melhorar os resultados no curto prazo, mas afetam considera- velmente a competitividade da empresa a longo prazo. 182 - Os Segredos do Investidor de Valor 4. A empresa tem uma organização de vendas acima da média? Vender é atividade padrão de qualquer empresa, sem vender ninguém sobrevive. Para Fisher, um bom indicador de sucesso nas vendas é a reincidência, ou seja, clientes que já consumiram o produto/ serviço e voltam a consumi-lo ou se tornam consumidores recorrentes. A qualidade da força de vendas importa. A análise desse ponto é mais qualitativa e pode demandar conversas com clientes e competidores. Como a força de vendas é remunerada consiste em outro ponto importante, visto que os incentivos precisam estar corretamente alinhados. Igualmente importante é o quanto a empresa gasta com treinamento para a sua equipe comercial. 5. A empresa tem uma margem de lucro que vale a pena? De nada valem excelentes e crescentes vendas se elas não são lucrativas. Portanto, deve-se analisar a evolução da margem de lucros ao longo dos anos, assim como compará-la com as mar- gens da concorrência. Entenda o quão voláteis são os lucros da empresa. Quanto a margem de lucro cresce nos anos bons ou cai nos anos ruins. Procure por empresas que têm margens consistentemente altas. Fisher abre uma exceção para empresas que estão passando por processos profundos de mudança, que podem gerar um aumento permanente na lucratividade. Outra exceção são as empresas que estão focando no crescimento e abrindo mão dos lucros no curto prazo. CAPÍTULO 5 - 183 O importante, nesse caso, é que esse sacrifício esteja de fato financiando um futuro promissor, por exemplo, quando lucros menores financiam mais P&D ou mais marketing. 6. O que a empresa tem feito para manter ou melhorar sua margem de lucro? O sucesso de um investimento geralmente não depende do que se sabe sobre o passado da companhia no momento da compra, mas sim do que será divulgado após a compra da ação. Não são os lucros do passado que importam, mas sim os do futuro. Extrapolar tendências pode ser uma grande armadilha para o investidor. Por exemplo, assumir que os 10% de margem de lucro dos últimos 5 anos se repetirão nos próximos 5. O investidor deve se atentar para as tendências em cada uma das linhas do resultado de uma empresa como competição, demanda, preço para seus produtos, custo dos insumos e mão de obra, mudanças nos impostos etc. A tendência dos lucros é consequência de todos esses fatores. O que a empresa tem feito para manter ou aumentar sua lucratividade é o que importa aqui. Conversar diretamente com a empresa é a melhor opção nesse caso, mas sempre com a devida desconfiança e checagem sobre o que foi dito. 7. A empresa tem uma boa relação com os seus funcionários? O efeito na produtividade oriundo da maneira como a empresa trata seus funcionários geralmente não é muito reconhecido pelos investidores. Porém a diferença na rentabilidade entre a empresa que tem 184 - Os Segredos do Investidor de Valor um bom relacionamento com seus funcionários e a que tem uma relação conflituosa pode ser enorme. Se os fun- cionários sentem que são bem tratados e valorizados, uma liderança eficiente pode alcançar muito mais produtividade por trabalhador. Se não existe um senso de responsabilidade consequente de gestores que fazem com que os funcionários se sintam neces- sários e parte do negócio, um sinal de alerta deve ser ligado. Além disso, uma companhia com alta rotação de funcionários acaba incorrendo em altos custos de treinamento e dificul- dades para manter a consistência na entrega. O interesse/desejo geral de quem está buscando um novo emprego pela companhia também pode ser um indicador de que a empresa tem um bom relacionamento com seus cola- boradores. Plataformas como LinkedIn e Glassdoor podem ser boas fontes de informação. 8. Existe uma boa relação entre os executivos da empresa? Se ter um bom relacionamento com os colaboradores do chão de fábrica é importante, o relacionamento com os executivos da companhia é vital. Os executivos da companhia são diretamente responsáveis pelo sucesso ou fracasso da empresa. Como suas decisões são sempre de alto impacto, a tensão é natural. Conflitos ou ressentimentos podem fazer com que os executivos deixem a empresa ou não produzam seu máximo. Busque um bom clima entre os altos executivos e conselho de administração, como também verifique as oportunidades de promoções com base na meritocracia, e não no Q.I. (Quem CAPÍTULO 5 - 185 Indica), remuneração pelo menos em linha com o mercado e com base na qualidade do resultado entregue, entre outros fatores. Quanto mais a companhia fugir de padrões como esses, menor a probabilidade de ser um ótimo investimento. 9. Qual é a profundidade da gestão? Fisher recomenda evitar as empresas altamente dependentes do seu fundador ou principal executivo. Você não quer investir numa empresa que se tornará um desastre caso uma pessoa- -chave não esteja mais disponível. O aspecto mais importante aqui é a capacidade de delegar autoridade. É preciso que os vários níveis de executivos tenham autonomia real e que lhes sejam oferecidas oportunidades de desenvolver seu trabalho. Caso contrário, as pessoas-chave ficarão sobrecarregadas com detalhes demais e pessoas capazes deixam de ser desenvolvidas para liderar o crescimento da companhia. Outro ponto importante é a receptividade da companhia às novas ideias e às sugestões. Uma vez que a evolução constante é necessária, é importante que boasideias não sejam perdidas por orgulho ou indiferença. 10. Qual é a qualidade da análise de custos e controle das contas? Nenhuma companhia terá sucesso no longo prazo se não con- seguir analisar seus custos com o nível de detalhes e acurácia necessários. Somente dessa forma os gestores saberão o que precisa de mais atenção. 186 - Os Segredos do Investidor de Valor Uma companhia que não aloca corretamente cada gasto está fadada a não conseguir precificar corretamente seus pro- dutos e a não alocar corretamente seus esforços. Você nunca saberá com certeza se a contabilidade de uma empresa é precisa o suficiente, a não ser quando algo muito errado se torna público. Só a partir daí a falha fica evidente. No entanto, você deve sempre estar atento a indícios de contabilidade agressiva, como constante revisão de premissas, métodos de depreciação ou reconhecimento de receita, por exemplo. Tenha em mente também que os incentivos oferecidos podem levar a manipulações contábeis que ocasionariam maiores bônus atrelados a certos indicadores de performance. Vimos isso com a Heinz (do grupo 3G). 11. Existem outros aspectos do negócio, específicos do setor, que fornecem pistas importantes sobre como a empresa se compara à concorrência? Nesse ponto, provavelmente os moats de uma companhia serão identificados. Localização dos pontos de venda, patentes, know-how, canais de distribuição, vantagens de escala ou abrangência regional são exemplos de fatores qualitativos que podem ser importantes para um setor específico. Fatores quantitativos específicos também existem. No seg- mento das locadoras de veículos, é comum olharmos o ROIC Spread (ROIC – Custo líquido da dívida); em empresas do setor imobiliário, olhamos o NAV (ativo líquido ou valor dos imó- veis – dívida) e, nos bancos, a PDD (provisão para devedores duvidosos) é um número importante a ser avaliado. CAPÍTULO 5 - 187 O importante aqui é utilizar os fatores específicos de cada setor para entender como a companhia se destaca positiva ou negativamente. 12. A empresa tem uma visão de curto ou de longo prazo sobre os seus lucros? Algumas companhias focam em ganhar o máximo possível agora, outras vão deliberadamente abrir mão de lucros hoje para construir a base necessária para lucrar ainda mais nos próximos anos. O melhor investimento sempre será na empresa com uma visão de longo prazo em relação aos seus lucros. Como a empresa lida com seus clientes e fornecedores pode ser um bom indicador para esse ponto. Aquelas que abrem mão do melhor negócio hoje visando à construção de uma relação de longo prazo saudável são um ótimo exemplo. Uma empresa que aceita ter um gasto extra, não recorrente, com um cliente regular terá um lucro menor naquela tran- sação específica, mas pode agregar muito mais valor ao longo dos anos. 13. No futuro, é provável que o crescimento da empresa neces- sitará da emissão de mais ações para se financiar, de maneira que a diluição anulará o benefício dos acionistas que se ante- ciparam a esse crescimento? Basicamente, a recomendação de Fisher aqui é buscar negócios que geram caixa o suficiente para financiar seu crescimento com os recursos da própria operação a níveis razoáveis de endividamento. 188 - Os Segredos do Investidor de Valor Empresas que constantemente precisam emitir novas ações (ou dívidas conversíveis), por ultrapassarem a capacidade des- crita acima, acabam diluindo os acionistas atuais no processo e devem ser evitadas. Se a empresa emite novas ações com prudência, como quando os preços estão em patamares muito altos, o investidor não pre- cisa se preocupar. Porém é importante ressaltar que de nada adianta uma grande estratégia de financiamento se a companhia falha na maioria dos outros 14 pontos. 14. A empresa fala normalmente com os seus acionistas quando as coisas estão indo bem, mas se cala, de repente, quando as coisas vão mal? Assim como empresas que prometem demais e entregam de menos, empresas que só estão disponíveis para prestar esclarecimentos quando tudo vai bem são empresas que devem ser evitadas. Mesmo as melhores empresas passarão por momentos de pressão em seus lucros, quedas na demanda, aumento da com- petição, cometerão erros na execução ou estratégicos etc. Os aspectos fundamentais aqui são a sinceridade e disponi- bilidade. Assumir responsabilidade pelos erros e explicar qual é o plano para melhorar o negócio não demonstra fraqueza. Ao contrário, é uma excelente qualidade. Fuja de empresas que tentam esconder notícias ruins. 15. A empresa tem uma gestão com integridade inquestionável? A assimetria de informações é natural no processo de investir em ações. Logicamente, a gestão da companhia sabe muito mais sobre o negócio do que seus acionistas. CAPÍTULO 5 - 189 Mesmo sem violar leis, existem diversas maneiras que os con- troladores da empresa podem se beneficiar em detrimento dos acionistas minoritários. Alguns exemplos seriam quando eles se pagam salários bem acima do que os resultados alcançados justificam ou alugam propriedades para a empresa a preços bem mais altos do que os praticados no mercado. O único jeito de se proteger é buscar investir em companhias que se preocupam em desenvolver um relacionamento de con- fiança com seus acionistas e demonstram alta responsabilidade ética e moral. Segundo Fisher, esse é o único ponto que uma empresa não pode falhar em preencher, mesmo que atenda satisfatoriamente a todos os outros pontos. MAIS DE PHILIP FISHER A checklist de Fisher é longa, e as perguntas não são fáceis de responder. Contudo, como para um piloto experiente, uma checklist é sempre útil para não deixarmos de fora pontos importantes da análise. "Temos gasolina para este vôo?" – parece mundano, mas já vimos aviões caírem por problemas assim. Utilize o conheci- mento de Fisher para montar sua própria checklist no futuro próximo, talvez com menos pontos, mas que lhe digam mais sobre os negócios que você analisa. 190 - Os Segredos do Investidor de Valor 5.4 A anti-checklist de Philip Fisher 10 coisas para não fazer em seus investimentos. Se Fisher tem 15 pontos que devemos analisar, Fisher também tem 10 pontos que devemos evitar. Apresentarei os 10 pontos a serem evitados em seus investi- mentos segundo Philip Fisher, uma das principais influências de Warren Buffett: 1. Não compre empresas que são apenas promessas. 2. Não ignore ações que negociam no balcão. 3. Não compre uma ação somente porque gostou do “tom” em seu release de resultados. 4. Não assuma que um múltiplo de Preço/Lucro alto necessariamente indica crescimento implícito no preço. 5. Não se preocupe com centavos. 6. Não exagere na diversificação. 7. Não tenha medo de comprar durante uma guerra. 8. Não seja influenciado pelo que não importa. 9. Não se esqueça de considerar quando e a qual preço comprar uma ação de crescimento. 10. Não siga a multidão. CAPÍTULO 5 - 191 A ANTI-CHECKLIST Saber o que não fazer é tão importante quanto saber o que fazer. Philip Fisher tinha consciência disso. O inventor da estratégia de comprar boas empresas para o longo prazo criou as 15 questões para encontrar “Ações Comuns, Lucros Extraordinários”. Mas não é só isso: Fisher também criou as 10 coisas que os investidores devem evitar em seus investimentos. Anteriormente, comentei como Philip Fisher identifica ações com grande poten- cial de se destacar, com crescimento de vendas e lucros acima da média nos próximos anos. Para encontrar essas companhias, Fisher se utiliza de 15 per- guntas qualitativas que analisam o negócio, a gestão, a estratégia e a cultura das empresas. Pode-se dizer que Fisher inventou a procura por empresas de qualidade. Investimento em qualidade, o termo que, como Value Investing, de tão utilizado acabou não significando mais nada. Estudar profundamente a qualidade de uma empresa é o prin- cipal ponto defendido por Fisher. E, com a lista das 10 coisas que não devemos fazer, conseguimosentender melhor também o que fazer. Vamos aos 10 pontos: 1. Não compre empresas que são apenas promessas Fisher é vocal na busca por empresas que desenvolvam novos produtos, serviços ou processos para explorar novos mercados. Companhias que acabaram de nascer ou estão para começar geralmente prometem isso. Muitas delas estão em setores relacionados à tecnologia atual- mente, mas é possível ver isso com certa frequência nos setores industriais ou naqueles que envolvem a exploração de algum 192 - Os Segredos do Investidor de Valor recurso natural (alguém lembra da ascensão meteórica e subse- quente fiasco das empresas X?). Mas, para Fisher, empresas com pelo menos 2 ou 3 anos ope- racionais e pelo menos 1 ano de lucro estão em outro patamar. Isso porque o investidor pode observar a produção da empresa, vendas, controle de custos, gestão e todos os outros aspectos envolvidos em sua operação. O mercado adora uma boa história, e os banqueiros são cra- ques em inventar os contos mais sensacionais para explicar os negócios, ao contrário do que acontece quando se investe em empresas que ainda são apenas projetos. Apresentações de Power Point e planilhas de Excel aceitam tudo, fora que os banqueiros contratados para fazer a venda são extremamente bons de lábia. Em empresas nascentes, planilhas e apresentações serão as únicas fontes de informação para que você tome sua decisão de investir. Pode parecer excitante e lucrativo investir em empresas nascentes, mas é também ALTAMENTE arriscado. A probabilidade de erros na sua conclusão ou mesmo na exe- cução por parte da empresa é muito maior. Além disso, essas companhias geralmente estão fortemente ligadas a uma ou duas pessoas-chave que dominam alguma área do negócio, mas deixam a desejar em outras características fundamentais para o sucesso de uma empresa. Exemplos de empresas que são apenas promessas são: as empresas X, os bancos digitais, algumas fintechs, qualquer empresa que se denomine "disruptiva", entre outras classificações. Se a empresa ainda não provou que possui um negócio lucra- tivo, cuidado! CAPÍTULO 5 - 193 2. Não ignore ações que negociam no balcão Existe o mercado "normal", que é o que enxergamos, e existe um mercado de "balcão", digamos, um mercado fora da bolsa de valores normalmente via mesas de operação dos bancos de investimento. No Brasil, não é permitida a negociação de ações no balcão – todas as negociações precisam passar pela bolsa. Logo, esse ponto faz muito mais sentido na realidade americana, que tem diversas piscinas de negociação (bolsas). Fisher diz que empresas que não são publicamente nego- ciadas não deveriam ser ignoradas, mas alerta para a maior relevância de um corretor de confiança nesses casos. Isso porque empresas não listadas nos trazem o risco de liquidez – para sair de uma empresa não negociada, precisamos encontrar a contraparte disposta a comprar nossas ações. Para localizar essa contraparte, dependeremos do corretor. Não há problema se comprarmos uma boa empresa, todavia, se cometemos um erro de análise ou se a empresa não consegue se manter lucrativa como outrora, não temos saída. Estaremos casados com a empresa, a menos que encontremos alguém dis- posto a tomar o risco. 3. Não compre uma ação somente porque gostou do “tom” do seu release de resultados As empresas têm um departamento que fica 100% do tempo dedicado a passar a melhor imagem possível da companhia para o mercado. É precisamente esse departamento que conversa com os investidores: o departamento de Relações com Investidores. 194 - Os Segredos do Investidor de Valor Não seja enganado por quão animadoras são as apresentações institucionais ou os comentários da gestão; eles não refletem o ambiente de trabalho, entusiasmo, harmonia etc. Assim como você não deve comprar um produto pela sua pro- paganda, mas sim por seus atributos, o mesmo deve ser feito com seus investimentos. O principal aqui é evitar compras por impulso. Foque nos fatos e fundamentos, não se deixe influenciar por sua apresentação, mas também não tenha preconceitos caso a apresentação de uma empresa não seja a coisa mais linda e organizada do mundo. Os exemplos aqui são diversos. Inclusive, quando me reúno com um RI muito bom (muitas vezes ex-banqueiro), sei que poderia ser enganado por eles tranquilamente. Eles possuem todas as informações. Eles foram treinados para me dizer apenas o que querem. Eles sabem como funciona o meu trabalho. Eles sabem criar as melhores histórias. É muito melhor um time de RI ruim que me diz o que quero saber do que um ótimo time que consiga me enganar com apre- sentações e promessas. 4. Não pressuponha que um múltiplo de Preço/Lucro alto neces- sariamente indica crescimento forte implícito no preço Não podemos presumir que existirá uma conversão à média do mercado dos múltiplos. Devemos olhar como o múltiplo da com- panhia está em relação à sua própria média histórica. Segundo Fisher, não podemos pressupor que uma empresa que negocia a 30x lucros (em um mercado em que as empresas negociam em média a 15x lucros) crescerá 2x mais. CAPÍTULO 5 - 195 Mas é possível saber, por exemplo, que uma empresa que cresce 5% a mais que outra (por 10 anos) vale 1,34x mais. Uma empresa que cresce 10% a mais (por 10 anos) vale 1,82x. Essa empresa pode ter obtido o crachá de premium no mer- cado. Ao longo dos anos, demonstrou grande competência e consistência, o que levou o mercado a estar disposto a pagar mais caro pela confiabilidade. São as empresas quality – merecendo, ou não, o título. Sendo esse o caso, a empresa poderá dobrar seus lucros que sua ação provavelmente também dobrará de valor, desse modo, o múl- tiplo permanecerá alto. Para diferenciar se um múltiplo alto significa crescimento ou atribuição premium, é preciso analisar se o crescimento nos pró- ximos anos é sustentável ou se é uma oportunidade específica que dificilmente será replicada no longo prazo. 5. Não se preocupe com centavos Fisher usa o exemplo de um investidor que colocou uma ordem de compra de 100 ações a R$ 35,00 no mercado e não aceitava pagar mais do que isso em nenhuma hipótese. A ação não negociou abaixo de R$ 35,50 nesse dia… nem no dia seguinte… nem nunca mais. Vinte e cinco anos depois, a ação é negociada a R$ 500,00, e a tentativa de economia de R$ 100 reais do investidor custou R$ 46500,00. A recomendação de Fisher é muito simples: se a empresa parece ser a certa e o preço é razoavelmente atrativo, compre no preço de mercado e seja feliz. Não fique escolhendo preço. A economia feita ao acertar com precisão o momento ideal de compra é insignificante perto do lucro que será perdido ao não 196 - Os Segredos do Investidor de Valor comprar a ação. Se a ação não tem potencial, o investidor nem deveria estar preocupado com ela. Não fique escolhendo preço, nem para comprar nem para vender. 6. Não exagere na diversificação O princípio da diversificação é, talvez, o mais difundido no mer- cado. Os horrores de “colocar todos os ovos numa cesta só” são altamente disseminados pelas ruas. Porém, poucos se atentam ao outro extremo – as desvantagens de diversificar demais. Ter ovos em tantas cestas que elas se tornam pouco atrativas, assim como as dificuldades envolvidas em acompanhar tantas cestas. Para Fisher, o maior problema em possuir 25 ações, por exemplo, é que poucas delas teriam potencial realmente extra- ordinário, e o investidor não as conheceria suficientemente bem. O excesso da diversificação leva os investidores a alocar poucos recursos em companhias que eles conhecem profundamente e muito dinheiro naquelas que pouco conhecem. Segundo Fisher, comprar uma ação sem conhecer suficientemente a empresa é muito mais arriscado do que diversificar pouco. Mas quanta diversificação é realmente necessária? Quanta diversificação é demais? Primeiro, é importante citar que uma carteira com 10 ações, sendo que 8 são do mesmo setor, é claramente mais arriscadado que uma que possui uma ação em cada setor. Fisher não fala apenas de setores, mas de fatores de risco. CAPÍTULO 5 - 197 Qualquer coisa que faça com que as receitas ou lucros de empresas distintas se comportem de maneira similar. Acreditamos muito mais nos fatores de risco do que nos setores. Já que muitas empresas são do mesmo setor, mas se parecem pouco, ou se parecem mais com companhias de outros setores. Posteriormente, Fisher nos apresenta a ideia de que classes diferentes de empresas exigem uma diversificação mínima dife- rente. São 3 categorias: A, B e C. Ele recomenda investimentos iniciais máximos de 20%, 10% e 5%, respectivamente. As empresas do grupo A são aquelas já consolidadas e com com- petência comprovada, de maior qualidade de resultados. No grupo B, o risco seria moderadamente maior, empresas um pouco mais jovens ou que dependem mais do crescimento das vendas. Por fim, o grupo C é composto por empresas “tudo ou nada” (o que chamamos de strike ou canaleta), que eventualmente vão gerar grandes lucros ou perdas completas (ou quase completas) do capital. Ou seja, quanto maior o risco do negócio, menor deveria ser a alocação nele. É importante ressaltar que o risco, para Fisher (e para mim), não tem nada a ver com a volatilidade das ações – tem a ver apenas com a volatilidade dos RESULTADOS. 7. Não tenha medo de comprar durante uma guerra Vale para as guerras, nos EUA, e vale para as crises, no Brasil. A mensagem do livro é de fato sobre guerras, mas vale para qual- quer situação de pânico. Como Warren Buffett diz, “seja ganancioso quando os outros são medrosos e seja medroso quando todos são gananciosos”. 198 - Os Segredos do Investidor de Valor A recomendação é sempre ter dinheiro em caixa aguardando a próxima crise para aproveitar as barganhas no mercado. Sempre existirão barganhas no mercado, mas só o investidor paciente consegue agarrá-las. A paciência (décadas, e não apenas anos) é a maior virtude do investidor. 8. Não seja influenciado pelo que não importa Fisher alerta que certas informações superficiais geralmente acabam ganhando muito mais atenção dos investidores do que deveriam. A variação do preço de uma ação nos últimos anos é um ótimo exemplo de informação inútil. Qual é o valor de olhar para o preço máximo e mínimo dos últimos anos? Nenhum. É ilógico e prejudicial ao seu dinheiro, e frequentemente vai levá-lo a abrir mão de grandes oportunidades e divergir sua atenção do que realmente importa. Olhe SEMPRE para os resul- tados, e não para os preços das ações. O que define o preço de uma ação? A média ponderada de todas as estimas de valor dela naquele momento. O que todos os com- pradores e vendedores potenciais enxergam de valor ponderado pelo número de ações que cada um estaria disposto a possuir. Ocasionalmente, desvios vão acontecer, como quando algum investidor grande é forçado a liquidar sua posição em deter- minada companhia. Porém, rapidamente, especuladores vão se interessar pelo ativo e o preço será corrigido. O ponto é que o preço atual é formado de acordo com as infor- mações disponíveis hoje. Se novas informações chegarem, elas CAPÍTULO 5 - 199 farão com que o preço suba ou caia de acordo com o impacto esperado no valor da empresa. O preço passado de uma ação não tem relação nenhuma com o preço atual. A empresa hoje não é a mesma que foi ontem. Procurar por aquela empresa “que não subiu ainda” é incons- cientemente acreditar na ilusão de que todas as ações vão subir o mesmo tanto e que aquela que já subiu não vai subir mais. Como se aquela que não subiu tivesse a “obrigação” de subir porque ficou para trás. O quanto uma empresa subiu ou caiu no passado não tem relação nenhuma com o que deve ser comprado agora. O importante é identificar se existem melhorias já realizadas, ou a vir no futuro, que justifiquem preços maiores do que os atuais. Ou seja, altas ou quedas fazem sentido se os resultados acompanham os preços. Os lucros passados também não importam, o que importa é o lucro que pode acontecer no futuro e com qual probabilidade. De nada servem dados que não têm influência real na empresa. Esse ponto é ainda mais relevante hoje, com a abundância de informações que recebemos diariamente. Outro erro relevante que o investidor não deve cometer é acreditar que, seja o que for que aconteceu no passado, vai con- tinuar acontecendo indefinidamente. A intenção não é ignorar informações passadas, mas sim usar essas informações com sabedoria; analisar o quão cíclicos são os resultados de uma empresa é um exemplo de uma análise correta da informação passada. Do mesmo modo, o múltiplo de Preço/Lucro passado serve de base para entender onde ele pode estar no futuro, porém sempre tendo em mente que o que importa são os lucros futuros, e não os passados. O que importa são os resultados futuros, e não o que vem acontecendo com as ações. 200 - Os Segredos do Investidor de Valor 9. Não se esqueça de considerar quando e a qual preço com- prar uma ação de crescimento Como saber se ao comprar uma ação hoje, ela não cairá mais nos próximos 3 ou 6 meses antes de começar a subir? Infelizmente, você nunca vai saber. Por isso, Fisher recomenda que se compre uma ação em uma data específica em vez de a um determinado preço. Nada garante que a empresa vai parar de cair, mesmo se você comprar no seu preço ideal. Quando se escolhe uma data específica, como um mês antes de um lançamento importante que você acredita que será bem-sucedido, por exemplo, você provavelmente não pegará o mínimo, mas terá uma chance maior de investir antes do cresci- mento ocorrer. Empresas de qualidade e que vão crescer serão mais caras. Em vez de tentar acertar qual o preço ideal para entrar, compre antes do crescimento real acontecer ou, como faria Buffett, compre quando cai. Se cair mais, compre ainda mais. 10. Não siga a multidão O alerta de Fisher aqui é para aqueles casos em que nenhum fundamento mudou, mas o mercado decidiu precificar uma ação de maneira completamente diferente. Os fatos são os mesmos, mas as conclusões são diferentes. Ações são como roupas, podem entrar ou sair da moda, e isso pode produzir grandes distorções nos preços, capazes de durar meses ou anos. Às vezes, vamos ver ações dobrando de preço no mercado simplesmente porque os investidores resolveram enxergá-las CAPÍTULO 5 - 201 com outro olhar. Com certeza você conhece alguns termos atuais que, quando atrelados a alguma ação, fazem o preço subir abruptamente: Bitcoin, fintech e banco digital são alguns deles. Para piorar, tal efeito pode acontecer não apenas com ações específicas, mas também com setores inteiros. No fim das contas, o que costuma acontecer é que os preços em algum momento acabam indo na direção oposta. O mercado é maníaco-depressivo, fuja das alucinações coletivas. Seja vendedor quando o mercado for maníaco e comprador quando for depressivo. Pense de maneira inde- pendente. As melhores oportunidades não estarão onde todos estão olhando. 202 - Os Segredos do Investidor de Valor 5.5 O segredo dos bilhões de Buffett O que é a Berkshire Hathaway? A Berkshire é uma holding de investimentos (como a Itaúsa) tocada por Warren Buffett e Charlie Munger. São 3 partes: caixa, empresas 100% controladas (capital fechado, fora da bolsa) e ações de empresas negociadas na bolsa. A BRK vale US$ 650 bilhões, seu caixa está em US$ 144 bilhões. Olhando apenas para a parcela de empresas negociadas em bolsa, a BRK é extremamente concentrada. Apple é 44% do total. As 5 maiores alocações valem 74% do total. As 10 maiores valem 86% do total. Só em bancos (sem serviços financeiros), a BRK possui mais de 20% do total. Buffett adora bancos, pois o ROE médio deles é muito maior que o ROE das empresas "normais". Além disso, negociam a múltiplos mais baixos, ou seja, são mais baratos. No entanto, você não precisa investir como a BRK. Com 320 bilhões para investir, a possibilidadede escolha da BRK é muito menor que a sua. Você não precisa comprar Petro, Vale, Itaú e Ambev. Você não é multibilionário (que eu saiba). Você pode comprar PetroRio, Unidas (Locamerica), Vulcabras e Taurus. Liquidez não é um problema para você. Eu faço um enorme esforço para que a minha carteira seja diversificada, mas a concentração é que ganha dinheiro. CAPÍTULO 5 - 203 Buffett já teve mais de 60% de todo o seu patrimônio em apenas 1 ação: a seguradora Geico. A seguir, vou destrinchar o que é e como funciona a Berkshire (BRK). Ainda, vou destrinchar quem era Buffett antes da BRK e por que ela foi criada. Vou mudar um pouco, vou me guiar pelo que ele faz – e o que ele faz nem sempre é a mesma coisa que ele diz. A Berkshire Hathaway é tocada por Warren Buffett e Charlie Munger – os dois maiores investidores de todos os tempos. Buffett começou a comprar ações da Berkshire Hathaway (BRK) em 1962. Na época, a BRK era uma empresa têxtil – quase quebrada – da Nova Inglaterra (mesma região do Patriots de Tom Brady). A BRK fechou as portas, mas Buffett ganhou dinheiro com ela. Simplesmente porque comprou ações suficientes, tomou o con- trole e parou de investir no negócio de têxteis (péssimo negócio). Com o caixa que sobrava (já que não reinvestia), Buffett com- prava ações. Rapidamente, o valor dos investimentos em bolsa dentro da empresa valia algumas vezes o que valia a empresa. Então, a BRK fechou as portas de sua manufatura têxtil e per- maneceu como uma holding de investimentos. Buffett manteve o nome para sempre se lembrar "do maior erro da sua vida". A BRK possui três partes principais: caixa; empresas 100% controladas (capital fechado, fora da bolsa); ações de empresas negociadas na bolsa. A BRK vale, na bolsa, US$ 650 bilhões, é a 5ª maior empresa 204 - Os Segredos do Investidor de Valor negociada nos EUA. O caixa da BRK está em US$ 144 bilhões. As ações negociadas em bolsa que a BRK possui valem US$ 320 bilhões. São mais de 45 empresas. A BERKSHIRE HATHAWAY É EXTREMAMENTE CONCENTRADA Começarei pelo mais fácil. Analisarei as ações detidas pela BRK que negociam em bolsa. Analisarei a BRK como um fundo. Os US$ 320 bilhões. Se essa parte da BRK fosse um fundo mútuo (como os nossos fundos de ações, ou FIAs), seria o terceiro maior dos EUA. Se fosse uma ETF (como os nossos BOVA11 ou o PIBB11) seria o segundo maior. Mesmo sendo enorme, a BRK é extremamente concentrada. Lembrando que Buffett investe US$ 650 bilhões (e você preocu- pado com seus milhões de reais na bolsa). De seu portfólio de ações líquidas (negociadas em bolsa), somente a Apple equivale a 44% do total (US$ 117 bilhões). As 5 maiores alocações valem 74% do total. As 10 maiores valem 86% do total. Só em bancos (sem serviços financeiros), a BRK possui mais de 20% do total. Para se ter uma ideia do nível de concentração, no S&P500 (SPX, o índice de ações americano), cada ação tem, no máximo, 3,7% de participação, as 5 maiores possuem 13,5% e as 10 maiores 21%. Bancos e financeiras são 32% do SPX. BRK parece concentrada hoje, entretanto, a empresa investe US$ 320 bilhões, o suficiente para comprar 44% da Apple – a maior empresa do mundo. Pense bem. Não é por sorte que a BRK decidiu concentrar suas compras na maior empresa do mundo (Apple). Lembre-se CAPÍTULO 5 - 205 de que, com US$ 320 bilhões para investir, a possibilidade de escolha da BRK é muito menor que a sua. Você tem muito mais opções de investimento que a BRK. Liquidez não é um problema para você. Seguir cegamente o que a BRK faz não tem nenhum sentido. Seguir cegamente o que os maiores gestores brasileiros fazem também não faz sentido. Por exemplo, um dos investimentos feitos por Buffett, a Phillips 66, representava apenas 0,8% do portfólio de ações da BRK. Mesmo assim, a imprensa criticou ferozmente Buffett pela compra – por míseros 0,8% do total. Não é nada perto dos 44% da Apple. Ou dos 11% do Bank of America. A Phillips 66 é uma rede de postos de gasolina. Buffett comprou uma rede de postos enquanto o mercado olha para o futuro, em que os carros da Tesla não precisam reabastecer. Mas Buffett sabe que as pessoas precisarão parar para comer, ir ao banheiro ou descansar. Obviamente, com o mercado igno- rando o futuro na rede de postos, a BRK não deve ter pagado caro na Phillips 66. Isso não quer dizer que eu pense igual. Longe disso. Porém, ao invés de pasteurizar as pessoas, prefiro continuar discordando. Mesmo que pareça estranho para quem olha de fora. Eu sempre discuto sobre a diversificação dos fundos. Muitos acreditam que os fundos diversificados têm menos risco. Eu faço um enorme esforço para que a minha carteira também seja diversificada, contudo, para mim, a concentração é que ganha dinheiro. Para concentrar, é necessário que você saiba o que está fazendo, mas esse é um assunto para outra oportunidade… 206 - Os Segredos do Investidor de Valor Aproveite os conceitos deste livro. Lembre-se de que as coisas mudam, mas não mudam tanto assim. Estude. E, para encerrar, a recomendação mais importante: cuide muito bem do seu rico dinheirinho. Só você sabe como deu tra- balho para juntá-lo. Fonte: Fira Sans, Barlow Condensed e Anton Imagem de capa: @k-life