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1 CRISE INTERNACIONAL EM MEIO AMBIENTE 2 Sumário NOSSA HISTÓRIA ......................................................................................................... 3 DESAFIOS E AMEAÇAS GLOBAIS ............................................................................. 4 MEIO AMBIENTE E RELAÇÕES INTERNACIONAIS ............................................ 13 O que é o problema ou crise ambiental? ........................................................ 13 Perspectivas teóricas da gestão coletiva do meio ambiente .................... 16 Abordagens organizacionais ............................................................................. 19 Regimes internacionais ....................................................................................... 21 A ECONOMIA E O MEIO AMBIENTE....................................................................... 25 REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 34 3 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empre- sários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade ofere- cendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a partici- pação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber atra- vés do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 DESAFIOS E AMEAÇAS GLOBAIS Há décadas, talvez séculos, os centros de estudos, as organizações in- ternacionais, as universidades, os grandes conglomerados privados transnacio- nais e, principalmente, as instituições militares do mundo inteiro, cada qual limi- tadas pelas dimensões geopolítica, científicas, tecnológicas, econômicas, finan- ceiras e orçamentárias tem dado passos significativos no que é chamada de “modelagem do futuro”, ou, `as vezes também denominados de “estudos do fu- turo”. Tais estudos são um pouco diferente do que até hoje entendermos por planejamento estratégico ou planejamento de longo prazo, pois a sua principal finalidade é despertar a capacidade crítica e analítica em relação ao que no mo- mento nem sempre é conhecido em sua plenitude, no caso das instituições mili- tares isto se aproxima mais do que é descrito como “Hipóteses de Guerra”. Essas “modelagens” e “estudos do futuro”, ou planejamento prospectivo, utiliza diferentes metodologias e com o advento do que hoje chamamos de era digital, com o surgimento da internet e dos supercomputadores, tem dado passos muito rápidos, trabalhando na construção de variáveis complexas e as intera- ções entre essas variáveis, onde são construídos diversas matrizes com a ajuda da inteligência artificial, uma verdadeira miríade de informações. A cada ano ou dentro de uma certa periodicidade esses cenários vão sendo ajustados, inseridas novas variáveis ou descartados alguns fatos e fatores que não provocaram os efeitos desejados ou previstos, determinado o grau de acerto ou de erro quando da construção do cenário original. O interessante em tudo isso é que mesmo que não haja um trabalho conjugado, principalmente devido `as dimensões geopolíticas, onde cada país, principalmente em se tratando das grandes potências ou dos grandes blocos de poder mundial, tem suas variáveis secretas, pois afinal o que sempre existe em 5 termos de relações internacionais é a busca ou manutenção não apenas das soberanias nacionais, mas também uma corrida frenética no que concerne `a hegemonia, seja global, em que apenas poucos países possuem o caráter de superpotência mundial, mas também nessas modelagens podemos identificar uma luta ora aberta ora encoberta por hegemonias regionais ou sub-regionais. Todavia, independente desses aspectos geopolíticos, em todos esses estudos pode-se perceber uma certa “coincidência” de referência aos riscos, ameaças e desafios que pairam sobre o planeta terra e que afetam direta ou indiretamente os demais países. Ao longo dos últimos cinco anos, houve uma “agudização” da questão ambiental, com destaque para as mudanças climáticas e todas as consequên- cias atreladas ao aquecimento do planeta, alterações profundas no clima, no regime das chuvas e outras derivadas dessas que afetam diretamente a econo- mia e a sociedade, tanto em nível nacional quanto regional e mundial. Em alguns desses estudos, pode-se perceber a presença de uma variá- vel que pouca atenção estava despertando, tanto entre a população quanto entre governantes e empresários e outras lideranças, que era a questão da saúde pú- blica e suas relações com algumas variáveis como a precariedade do sanea- mento básico, o surgimento ou recrudescimento de algumas epidemias, inclusive relacionados com animais silvestres. Foi preciso surgir uma epidemia que fugisse ao controle das autoridades sanitárias, diante da baixa qualidade dos serviços públicos de saúde, mesmo em países desenvolvidos, para que o mundo viesse a entrar em um grande pânico, simplesmente pelo fato de que não havia e ainda não existe medicamento para tratamento e nem vacina para controlar e combater a pandemia que já infectou, até o último dia 30 de setembro de 2020, quase 34 milhões de pessoas ao redor do mundo e matou mais de um milhão de vítimas, principalmente integrantes de grupos mais vulneráveis e excluídos social e economicamente. Refiro-me ao “novo” coronavírus ou COVID 19. 6 Esta pandemia, com certeza não estava bem definida e identificada nos radares desses grandes centros e instituições que tentam, sempre, desespera- damente, perscrutar o futuro, na tentativa de controlar fatores, variáveis ou fatos que possam impactos negativamente o mundo todo ou os interesses nacionais ou de grandes corporações transnacionais, são os chamados fatores disruptivos ou portadores de futuro. O fato é que a COVID-19 desarticulou todos os governos, toda a econo- mia mundial, enfim, todas as atividades humanas e sociais e até que esteja dis- ponível alguma vacina que possa, de fato, imunizar a população mundial, conti- nuamos vivendo um verdadeiro sufoco, principalmente as consequências sociais como o aumento do contingente de pessoas sem trabalho e sem renda, depen- dendo da caridade pública (medidas e fontes de renda emergenciais) ou da so- lidariedade das pessoas e instituições com preocupações humanitárias. Mesmo que praticamente todos os países já estejam “flexibilizando” as restrições impostas durante esses últimos seis meses e estejam “retornando” ao que estão chamando de “novo normal”, ainda assim, diversas outras ameaças e desafios pairam sobre nossas cabeças, inclusive a possibilidade do surgimento de novas epidemias e pandemias relacionados com animais silvestres ou catás- trofes decorrentes da crise climática e ambiental. O Fórum Econômico Mundial há 15 anos realiza e publica estudos rela- cionados com fatos portadores de futuro, denominado de “Relatório dos Riscos Globais”, classificados em duas dimensões: a) probabilidade de ocorrência de cada risco/ameaça e, b) impacto que cada risco produz no mundo ou em determinadasregiões ou países. Alguns desses riscos são substituídos ao longo desses anos, o mesmo acontecendo tanto em relação `a probabilidade de acontecerem e seus impac- tos, tudo na forma de um “ranking”/classificação, em ordem de gravidade e do 7 tamanho do impacto produzido, caso tais riscos/ameaças venham a se concreti- zar. No Relatório relativo ao corrente ano (2020) os dez riscos com maiores probabilidade de ocorrerem são os seguintes: 1) clima extremo/mudanças climáticas; 2) fracasso das ações para combaterem as mudanças climáticas; 3) ocorrência de desastres naturais; 4) perda da biodiversidade; 5) desastres naturais provocados pela ação humana (exemplo das quei- madas na Amazônia, no Pantanal, no Cerrado, demais biomas e centenas/mi- lhares de outros locais no Brasil ou em outros países); 6) fraudes e roubos cibernéticos; 7) ataques cibernéticos; 8) crise da água; 9) falência global de governos nacionais e, 10) bolhas econômicas e financeiras. Já os impactos, desses ou de outros riscos/ameaças não mencionadas, entre os de maiores probabilidades de ocorrência, o mesmo relatório apresenta o seguinte “ranking”/classificação: 1) fracasso das ações de combate `as mudanças climáticas, ou seja, fracasso do Acordo de Paris, em que diversos países ou abandonaram o acordo, como aconteceu com os EUA ou alguns que simplesmente firmaram os compro- missos e não os cumprem, como o caso do Brasil, cuja política, estratégias e 8 ações e omissões na área ambiental tem sido motivo de críticas dentro e fora do país, prejudicando, sobremaneira, a imagem no país, principalmente no exterior. Os demais riscos/ameaças que causam os maiores impactos são os se- guintes: 2) ameaça de armas nucleares e de destruição em massa; 3) a perda acelerada da biodiversidade mundial; 4) a ocorrência de mudanças climáticas extremas; 5) a crise aguda da água, que pode, tanto matar milhões de pessoas quanto provocar conflitos entre nações; 6) desarticulação total de redes e da infraestrutura de informação, o que colocaria em risco iminente tanto a soberania nacional quanto a oferta de servi- ços públicos essenciais; 7) o aumento de desastres naturais, como furacões, tornados, tsunami, secas prolongadas, chuvas torrenciais, boa parte dos quais decorrentes da ação do ser humano que continua destruindo a natureza e degradando o meio ambi- ente; 8) ataques cibernéticos, comandados por países ou organizações terro- ristas internacionais; 9) desastres naturais provocados pela ação humana, incluindo o au- mento do desmatamento, das queimadas, da poluição do solo, do ar e das águas; e, 10) doenças infectocontagiosas e pandemias. Neste último caso, mesmo que na época da produção do relatório a CO- VID 19 ainda não estava em seu auge, vislumbrava-se que suas consequências sanitárias, econômicas, financeiras e na gestão pública poderiam ser desastro- sas. 9 Todavia, mesmo com tantos alertas, inclusive de inúmeros cientistas, di- versos países e seus governantes, incluindo o Brasil, pouco fizeram para se an- teciparem e reduzirem os impactos dessa ameaça. Resumindo, em termos de probabilidade de ocorrência, cinco amea- ças/riscos foram classificadas como ambientais; e uma em cada variável, a sa- ber: econômica; geopolítica, social e tecnológica. Considerando os impactos, também cinco foram classificados na dimensão ambiental; dois na social; um na econômica e dois na tecnológica. Um outro estudo de grande repercussão foi realizado pela ONU, durante quase nove meses, tendo iniciado em janeiro de 2020 e apresentado seus resul- tados há poucas semanas, por ocasião das comemorações dos 75 anos do sur- gimento da ONU, denominado “UN75 2020 e depois”, com o lema “constru- indo/modelando nosso futuro juntos” e o tema “O futuro que queremos e a ONU que precisamos”. Na ocasião do lançamento da pesquisa que embasaria o Relatório, o Secretário-Geral da ONU António Guterrez, assim resumiu o desafio que estava sendo proposto “Juntos nós devemos ouvir o mundo e juntos nós precisamos agir”. Foram entrevistadas mais de 1,0 milhão de pessoas em, praticamente todos os países, uma amostra da população mundial incluindo gênero, raça, faixa etária, local de residência, status socioeconômico e outras mais, além mais 50 mil entrevistas em 50 países. por um grupo independente “Edelman Inteli- ggence”, em parceria com a Pew Research Center, para, finalmente, ser elabo- rado um relatório de 94 páginas que a ONU disponibilizou há poucas semanas por ocasião da abertura da Assembleia Geral em comemoração aos 75 anos da mesma. As principais conclusões e os principais desafios, ameaças e riscos que esta pesquisa mundial chegou, dentro do contexto de uma visão de futuro, sem perder de vista a existência dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável ou a 10 chamada AGENDA 2030, para os próximos anos ou talvez algumas décadas foram resumidos em 10 dimensões. De forma sintética, esses desafios são os seguintes: 1) tem havido uma redução da cooperação internacional para, de fato, conseguir atingir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas mais de 160 metas; 2) Aceleração da crise climática com danos irreversíveis e irreparáveis; 3) ameaça cada vez maior da proliferação e possibilidade de uso de ar- mas nucleares e de destruição em massa; 4) alteração do perfil demográfico, aumento populacional e envelheci- mento rápido da população em diversos países, migrações internas e internaci- onais forçadas, gerando crise humanitária; 5) ameaças cibernéticas e desarticulação de grandes sistemas produti- vos, de comunicação, afetando, inclusive sistemas de transporte, de abasteci- mento e a segurança nacional e internacional; 6) aumento das tensões geopolíticas e surgimento ou agravamento de conflitos bélicos regionais, colocando em risco a paz regional e internacional; 7) aumento acentuado dos diversos tipos de violência, desde a violência doméstica e de gênero, a violência social, política, a proliferação do terrorismo e do crime organizado transnacional; 8) aumento da desigualdade social, econômica, regional e de gênero, aumentando a pobreza, a miséria e a fome; 9) aumento da chamada “rebelião das massas”, com grandes “ondas” de protestos como tem ocorrido na Europa, nos Estados Unidos, em Hong Kong e diversos outros países e regiões; 11 10) aumento da exclusão digital, ampliando o fosso entre países. e gru- pos sociais em relação ao domínio e acesso `as tecnologias de última gera- ção, contribuindo para o surgimento de conflitos de interesse, como, por exem- plo, a questão da Internet de alta velocidade, o 5G. A ONU identificou três grandes prioridades que deveriam nortear as ações dos diversos países, sem o que, o futuro do planeta e da humanidade está em jogo: a) prioridade global e urgente – ampliar o acesso aos serviços públicos essenciais de qualidade e sua universalização como educação; saúde, sanea- mento básico e alimentação; b) ampliar as medidas de solidariedade e apoio ̀ as áreas em crise, onde vivem mais de 2,8 bilhões de pessoas; c) combater de forma efetiva as desigualdades e injustiças que geram pobreza, fome, miséria e degradação humana. Além dessas três prioridades o Relatório também destaca como desafios urgentes a serem enfrentados, os seguintes: a) proteção efetiva ao meio ambiente e combater/controlar/reverter as mudanças climáticas; b) garantir os direitos humanos, incluindo o acesso aos serviços públicos de qualidade e uma melhor distribuição da justiça. Consoante com suas atribuições que é de também analisar as tendên- cias e tomar medidas de controle do Sistema financeiro, em novembro de 2019, em uma conferência sobre “A economia das mudanças climáticas”, um dos inte- grantes do Conselho Diretor do FED/Banco Central Americano, falou com todas as letrassobre os impactos das mudanças climáticas na economia dos EUA, enfatizando que “projeta-se (estudos de futuro) que os riscos climáticos tenham profundos efeitos sobre a economia e o sistema financeiro norte-americano”. 12 E há poucas semanas, nesta mesma linha de alerta, o Relatório da Co- missão Federal (do próprio Governo e Congresso dos EUA) também declarou publicamente que as mudanças climáticas podem desestabilizar todo o Sistema financeiro e mercado futuro dos EUA. Uma última observação que devemos ter em conta é que mesmo que todos esses estudos se refiram a riscos, ameaças e desafios globais, as ações humanas que provocam essas ameaças são realizadas ou deixam de ser reali- zadas em cada localidade do planeta, razão pela qual todas as pessoas devem observar o que está acontecendo no planeta a partir de sua inserção no território e agir de forma mais responsável. Por exemplo, uma pessoa que provoca queimada, seja por ato crimi- noso, por descuido ou acidente, deve pensar que sua ação pode redundar em uma grande ou várias imensas queimadas como as que estão acontecendo no Pantanal, no Cerrado, na Amazônia ou em qualquer outro bioma brasileiro. Só no Pantanal este ano já foram destruídos mais de 3,7 milhões de ha, com perdas irreparáveis para a biodiversidade, além dos prejuízos econômicos e sociais. De forma semelhante, governantes, sejam no âmbito federal, estadual ou municipal que se omitem ou fazem vistas grossas para crimes ambientais ou promovem o sucateamento de órgãos de fiscalização ambiental também estão contribuindo para a degradação do meio ambiente ou de outros fatores que re- forçam riscos e ameaças globais. De forma semelhante, empresários que teimam em destruir a natureza, provocando danos ambientais, imaginando que suas ações nada tem a ver com as mudanças climáticas, também contribuem para a destruição da biodiversi- dade, para o aquecimento do planeta e outras mazelas que bem conhecemos. Como podemos perceber, existe uma grande preocupação com as di- versas ameaças globais que pairam sobre todos os países, com destaque para as questões ambientais, que, em outros estudos têm sido consideradas como os novos paradigmas do desenvolvimento ou o que o Papa Francisco tem exortado 13 quando fala da “Nova Economia” e que um desenvolvimento realmente humano, precisa estar focado não apenas ou exclusivamente na “saúde” das empresas e na busca desenfreada pelo lucro, sacrificando/destruindo, inclusive a natureza, mas sim, ter como base o respeito ao meio ambiente, `a dignidade da pessoa humana, onde a exclusão social que atinge mais de 80% da população mundial seja algo de um passado muito triste que deve ser superado. MEIO AMBIENTE E RELAÇÕES INTERNACIONAIS O que é o problema ou crise ambiental? Esta pergunta é extremamente relevante, porque é a partir de sua res- posta que se pode construir uma ligação entre a área temática concebida como "meio ambiente" e as relações internacionais como campo do saber. A ligação entre ambas as áreas revela também uma perspectiva interes- sante relativa à necessidade de gestão coletiva da crise ambiental, uma vez que os problemas que constituem esta crise perpassam as tradicionais fronteiras ter- ritoriais dos Estados nacionais e demandam uma ação conjunta de todos os ato- res envolvidos. Como, então, pode ser entendida e definida a crise? Em adição, porque a gestão deve ser coletiva? Em primeiro lugar, considere que a realidade que cerca a todos seja uma superposição de duas esferas. Uma denomina-se "Mundo", por cristalizar a gama de interações políticas, econômicas e sociais entre os indivíduos do globo. A outra será chamada de "Terra" pela capacidade de apreensão do conjunto das coisas físicas ou naturais. Portanto, a crise ambiental será aqui definida como a incongruência entre Terra e Mundo, ou seja, entre um espaço físico e outro so- cialmente construído. 14 Todavia, se a crise é baseada na incongruência então, a sua solução, de forma geral, deveria estar baseada na convergência entre ambos. O exame do pensamento ambiental ou ecológico revela três estilos de pensamento, implicando em diferentes caracterizações tanto para a crise ambi- ental, quanto para suas soluções. Tanto a Bíblia, quanto a economia clássica de Thomas Malthus são exemplos de um estilo de pensamento antropocêntrico que considera a "Terra como um conjunto de recursos à disposição da sociedade. Tomadas as constatações de Malthus, a crise ambiental poderia ser de- finida como recursos finitos para uma população exponencialmente crescente. As soluções seriam o próprio equilíbrio natural existente entre homem e "meio", a fome, ou controle populacional. Por outro lado, há abordagens geocên- tricas, como a hipótese de Gaia elaborada por James Lovelock, ou melhor, a "Terra englobaria o "Mundo". Neste ponto, deve-se notar que os antípodas aqui definidos anteriormente, antropocentrismo e geocentrismo, são variantes de um discurso também presente na ecologia entre conservação ou preservação.8 O terceiro modelo seria aquele que conciliaria as abordagens antropo- cêntricas e geocêntricas. Especialmente após a tentativa de racionalização do problema ambiental em 1972, com a publicação do Relatório do Clube de Roma, intitulado The limits to growth, e a realização da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano (UNCHE, em inglês), também em 1972, ficou claro que o problema ambiental gravitava em torno de duas temáticas centrais, o crescimento econômico ininterrupto e a exaustão dos recursos naturais. Também já havia sido demonstrado por vários economistas, como Ezra Mishan e Arthur Pigou, por exemplo, que o crescimento econômico, especial- mente quando refletido pelo Produto Interno Bruto (PIB), não era capaz de con- tabilizar determinados custos oriundos do consumo e produção, as chamadas "externalidades negativas". https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back8 15 Além disto, o preservacionismo radical defendido por muitos ambienta- listas, nas décadas de 1970 e 1980, não era solução, porque impunha restrições ao bem estar humano. O que estava em jogo era a inexistência de uma aborda- gem que pudesse conciliar tanto a garantia de bem estar aos indivíduos, quanto a conservação e utilização racional dos recursos naturais. Tal abordagem surgiu nos anos 80, quando a International Union of Con- cerned Scientists (IUCS) lançou um documento chamado World Conservation Strategy: Living Resource Conservation for Sustainable Development, que trazia implicitamente uma sistematização da relação entre crescimento econômico in- sustentável e recursos naturais em exaustão, e o Relatório da Comissão Brun- dtland, Nosso Futuro Comum, reforçou e politizou o termo "desenvolvimento sus- tentável", ou seja, "O desenvolvimento que atende as necessidades do presente sem comprometer a habilidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades". Se a possível solução para a crise ambiental caminha pela idéia de con- vergência entre as esferas física e social, como e por que promover uma gestão coletiva? Muitos analistas das relações internacionais relembram o papel das fronteiras territoriais e dos Estados-Nação como possíveis forças beligerantes em um sistema internacional carente de autoridade central. Outros analistas ressaltam o porquê da necessidade de autoridade cen- tral para manutenção da ordem se o sistema internacional é constituído de inú- meras regras e normas tácitas ou informais que influenciam o comportamento dos Estados. Entretanto, é de menor importância para a crise ambiental a lente pela qual se entende as relações internacionais porque tal crise pertence ao mundo físico e ultrapassa tanto fronteiras, quanto qualquer outro conceito assu- mido. O essencial para este campo do saber são os conflitos, arranjosinstitu- cionais – formais e informais – e negociações que emergem da gestão coletiva da crise ambiental. Ou seja, a crise é global no âmbito do problema da solução 16 e da gestão. Três perspectivas emergem, então, da gestão coletiva da crise am- biental: governança global, regimes internacionais e as abordagens organizaci- onais. Perspectivas teóricas da gestão coletiva do meio ambiente "[...] nosso objetivo deve ser ajudar nossos estudantes, colegas, e o pú- blico mais amplo a entender a necessidade de governança em um mundo parci- almente globalizado e os princípios que fariam esta governança legítima." Robert Keohane Abordagens organizacionais, regimes internacionais e governança glo- bal são as três abordagens mais comuns para analisar o problema da gestão coletiva do meio ambiente. Marie-Claude Smouts sugere que tais abordagens representam de fato o movimento da cooperação internacional desde a institui- ção do sistema internacional Vestfaliano no século XVII, rumo a uma possível governança mundial. Entretanto, tais conceitos exibem uma tendência relativa- mente comum nas ciências socais: a falta de refinamento teórico. Entre as ideias de governança global e regimes internacionais há uma forte complementaridade. Kratochwil e Ruggie, em seu estudo sobre as organi- zações internacionais, fornecem um interessante ponto de partida: "O núcleo substantivo em torno do qual as várias abordagens teóricas se agregaram é o problema da governança internacional". Ou seja, a governança global/internacional é o objeto de estudo do campo denominado "organizações internacionais". Mais claramente, o objeto de estudo deste campo seria verificar como pode existir governança na ausência de governo. Se ambos os conceitos pertencem a um mesmo subcampo de es- tudo, o que estabeleceria uma diferenciação entre eles? Uma sugestão de diferenciação, que inclui a proposta de Kratochwil e Ruggie, é fornecida por James Rosenau e Ernst-Otto Czempiel em Governança 17 sem Governo, uma das obras mais conhecidas sobre o assunto. Para estes au- tores, o diferencial entre eles estaria no caráter de área temática dos regimes internacionais, conforme a definição de Krasner. Ou seja, o conceito de regimes internacionais seria menos abrangente que o de governança global, que seria o conjunto de todos os regimes internaci- onais, conclusão similar à de Olav Stokke: "[...] o conceito de governança implí- cito na análise de regimes é mais estreito do que aquele pretendido pela gover- nança global". O que seria, então, uma definição para governança global? Governança é para Rosenau e Czempiel "[...] um sistema de ordenação que depende de sentidos intersubjetivos, mas também de constituições e esta- tutos formalmente instituídos". Entretanto, se governança é um sistema de orde- nação, e daí não é estranho que a definição acima seja semelhante àquela de "ordem mundial" proposta por Hedley Bull, então qual relação existe entre go- vernança e ordem? Os próprios autores respondem: "[...] governança e ordem são fenômenos claramente interativos[...] a ordem é ao mesmo tempo uma pre- condição e uma consequência do governo. Uma coisa ajuda a explicar a outra, e nenhuma aparece em primeiro lugar".Se governança é um sistema de ordena- ção e não há hierarquia entre ordem e governança, seja esta última com ou sem governo, constituiu-se uma tautologia. A ordem é estabelecida por meio da go- vernança, que por sua vez é um mecanismo de ordem. Isto é, ordem explicando a ordem. A exemplo da ideia proposta por Rosenau e Czempiel pode-se perceber a dificuldade de precisão em relação tanto ao conceito de governança global, como também às outras duas abordagens que vêm sendo utilizadas com fre- quência na área ambiental. Uma ideia que poderia apreender a relação entre os três conceitos é aquela que remete ao status jurídico da instituição e ao grau de inclusão dos atores na gestão coletiva do meio ambiente, de acordo com a fi- gura abaixo. Em relação ao jurídico entende-se a existência de: https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#fig1 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#fig1 18 (a) associação voluntária; (b) ato institutivo; (c) personalidade jurídica; (d) ordenamento jurídico interno; (e) existência de estrutura própria; (f) exercício de poderes próprios. Ou seja, o status jurídico remete ao grau de flexibilidade e formalidade de uma instituição social e a participação dos atores à legitimidade, cosmopoli- tanismo e democratização no processo de gestão coletiva. A seguir as três abor- dagens serão analisadas separadamente. 19 Abordagens organizacionais O desenvolvimento destas abordagens surgiria a partir da discussão de "governo mundial" e da suposta necessidade de legalização das relações inte- restatais. Estas foram ideias que tiveram grande impacto nos estudiosos de Re- lações Internacionais, segundo Inis Claude Jr., escrevendo em 1962, não devido à operacionalização de tal governo, mas sim à ideia de "ordem mundial" que vinha incrustada em tal discussão. De fato, as primeiras abordagens para o estudo das Organizações In- ternacionais (OI's) também exibiriam a proposição que o mundo poderia cami- nhar para a centralização de poder, para uma organização ou governo mundial. Katzenstein et alii propõe a partir da análise do periódico mais consa- grado no estudo das Organizações Internacionais, que em suas duas primeiras décadas de publicação, 1947-1967, a revista International Organization teve te- mas centrais que gravitaram em torno da análise de organizações formais, em especial as Nações Unidas (ONU). A categorização de Katzenstein et alii é simi- lar às três categorias iniciais do estudo das Organizações Internacionais (OI's) para Kratochwil e Ruggie. A primeira, o estudo das instituições formais, buscaria o que as OI's são, considerando-se que a governança internacional seria qualquer coisa que estas organizações façam. A seguir, o estudo dos processos institucionais das OI's buscava desvendar como estas se constituem e funcionam, com atenção espe- cial à ONU. Finalmente, a categoria "papel organizacional" é exatamente aquela que cujos enfoques constariam a gestão de bens comuns e, novamente, a tradi- ção de "governo mundial" na roupagem dos estudos funcionalistas e neofuncio- nalistas. O ano de 1967 marcaria a aprovação da resolução anti-sionismo na As- sembleia Geral das Nações Unidas, fato que teria provocado o desinteresse norte-americano na organização. Além disto, a détente américo-soviética, o pro- cesso de descolonização afro-asiática, junto a emergência do Terceiro Mundo 20 como uma força contestadora da Ordem Econômica Mundial, as modificações estruturais trazidas com a Terceira Revolução Industrial – fazendo emergir cen- tros de poder alternativos no sistema internacional, como Alemanha e Japão – e as crises energéticas trouxeram profundas modificações às abordagens organi- zacionais durante o período 1967-1969. Desta forma, Suhr coloca que: Em reação ao papel exagerado das Organizações Internacionais nos es- tudos em Relações Internacionais John Gerard Ruggie introduziria o conceito de regimes. Ele proclamava uma mudança de foco para como a resposta coletiva deveria ser analisada como padrões mais amplos e informais de comportamento estatal. Portanto, ele buscou conceituar o espaço em que as Organizações In- ternacionais operam. Ou seja, o declínio da hegemonia norte-americana aliado a um novo mi- lieu internacional impulsionou uma nova geração de abordagens e análises, den- tre as quais a de Regimes Internacionais, examinada na próxima seção. Entretanto, o fim da bipolaridade trouxe consequências mais profundas para estas abordagens. Se por um lado houve uma tendência de fragmentação entre povos e dentro dos territóriosnacionais, por outro houve também coesão e integração, como demonstra o caso da criação da União Europeia. De qual- quer forma, foi evidente que modificações profundas na ordem internacional Ves- tfaliana estavam em curso, devido ao surgimento e consolidação de novas iden- tidades coletivas. As organizações internacionais, com atenção especial à ONU, falharam na gestão destes novos problemas e questões globais, fossem eles de segu- rança, como as sucessivas crises nas operações e de manutenção da paz, em meio ambiente, vide os problemas de executabilidade (enforcement) dos princi- pais instrumentos oriundos da Conferência do Rio (1992) ou dos péssimos ba- lanços da Conferência de Joanesburgo (2002), ou na área de desenvolvimento, como ficou evidente quando da publicação dos frustrantes resultados finais da "Década do Desenvolvimento da ONU". Todos estes fatores contribuíram para a 21 caracterização da tão difundida "Crise do Multilateralismo" e para que se bus- cassem abordagens mais flexíveis e novos conceitos operacionais. Regimes internacionais Com a definição do "paradigma" neo-realista por Kenneth Waltz, no iní- cio da década de 1970,26 os estudiosos do campo das Relações Internacionais começaram a questionar que apesar do sistema internacional carecer de autori- dade central, os Estados pareciam estar imiscuídos em uma rede institucional em um sentido mais amplo, em regras implícitas e explícitas que contribuíam para a modificação do comportamento estatal e eventualmente para a conver- gência com o comportamento dos demais. Em outras palavras, "A análise de regimes tentou preencher esta lacuna pela definição de um foco que não era tão amplo quanto o sistema internacional, ou tão estreito quanto o estudo das organizações internacionais".27 Martin Grif- fiths sugere uma razão semelhante para o surgimento da Teoria de Regimes Internacionais. Segundo este autor, as abordagens "realistas" das relações in- ternacionais, com especial ênfase na famosa "Teoria de Estabilidade Hegemô- nica", desenvolvida separadamente por Stephen Krasner e Robert Gilpin, não eram capazes de explicar certos acontecimentos da vida internacional. Assim, estudiosos de inclinação liberal, como Robert Keohane, "[...] foram responsáveis pela popularização da ideia de regimes como variáveis que interferiam no poder do Estado, de um lado, e nos resultados internacionais, do outro".30 Seria exatamente como uma variável interveniente que os Regimes In- ternacionais iriam ser definidos por Stephen Krasner, ou melhor, "Regimes inter- nacionais são definidos como princípios, normas, regras e procedimentos de to- mada de decisão, sobre os quais as expectativas dos atores convergem em uma determinada área temática". Todavia, nem todos atores, entre eles alguns que contribuíram para o próprio volume editado por Krasner, concordam com essa definição e de fato, como Smouts et alii ressalta, a formulação da Teoria de Regimes foi abalada https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back26 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back27 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back30 22 pelo "modismo intelectual" e, naturalmente, pela imprecisão concei- tual.32 Stephan Haggard e Beth Simmons propõem uma divisão em quatro cor- rentes para a Teoria de Regimes Internacionais: estrutural, estratégica ou teoria dos jogos, funcional e cognitiva.33 Pode-se adotar ainda a divisão mais sucinta, embora similar, proposta por Hasenclaver et alii entre neoliberais, realistas e cognitivistas. De forma simples, a abordagem neoliberal tem tal nome porque se ba- seia fortemente na teoria microeconômica e é funcional porque o Regime Inter- nacional surgiria para cumprir a tarefa de reduzir as incertezas entre os atores e fazê-los caminhar para resultados "ótimos". Neste grupo se encaixariam tanto as abordagens de "Teoria dos Jogos" quanto a funcional, cujo melhor exemplo é a obra After Hegemony, de Robert Keohane. Já nas abordagens estruturais, ou realistas, o poder é a variável central, uma vez que a sua distribuição entre os atores do sistema internacional influen- cia fortemente na possibilidade de formação e declínio dos regimes internacio- nais, como lembram Krasner e Gilpin com a "Teoria da Estabilidade Hegemô- nica". Por fim, as abordagens rotuladas como "cognitivistas" têm fortes raízes na filosofia da ciência, como uma crítica ao racionalismo, e na sociologia, enfati- zando questões de aprendizado, percepções e identidades de grupo. Um exem- plo desta última abordagem é encontrado nas precisas críticas de Kratochwil e Ruggie à definição de Regimes Internacionais proposta por Krasner. As escolas de pensamento para a Teoria de Regimes Internacionais estão sistematizadas na tabela 1. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back32 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back33 https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#tab1 23 Governança global Na citação que introduz a seção sobre perspectivas teóricas, Robert Keohane salienta o caráter parcialmente globalizado do mundo e a necessidade de governança efetiva. Por conseguinte, um enorme rol de questões emerge. Entre elas, o que é governança? Ela é realmente global? A governança é efetiva ou é apenas um ideal liberal? De fato, a segunda pergunta já foi respondida pelo próprio Keohane. A governança não é global, porque o mundo é parcialmente globalizado. Neste ponto é necessária uma distinção entre globalismo e globalização, tal qual pro- posta por Ulrich Beck. Globalismo pressupõe o estado pleno de globalização econômica, quando a expansão dos mercados em seu grau máximo substitui a política. Por outro lado, a globalização [...] significa os processos, em cujo andamento os Estados nacionais veem a sua soberania, sua identidade, suas redes de comunicação, suas chances de poder e suas orientações sofrerem a interferência cruzada de atores transnacionais ou [...] o aprofundamento da distân- cia em escala mundial através da emergência e estreitamento das re- des de conexões – ambientais e sociais, assim como econômicas. Assim, qualquer análise que leve em consideração a ideia de gover- nança global trará um forte grau de normatividade. Em relação à definição de governança global há duas questões em or- dem. A primeira é relativa à ideia de governança global proposta pelo professor 24 Craig Murphy, onde esta seria a expansão do projeto liberal em escala glo- bal.40 Como Beck relembra, esta discussão é de fato sobre globalismo e não globalização, que pressupõe a ideia de governança global. Em segundo, há de se distinguir entre as possíveis ideias de definição para governança. Marie-Claude Smouts et alii propõe uma estrutura tripartite en- tre "Governança Corporativa", um critério de boa governabilidade formulado pelo Banco Mundial (Bird) no fim dos anos 80, "Governança Multinível", que diz res- peito ao estilo de tomada de decisão na União Europeia, e finalmente a "Gover- nança sem Governo", conceito cunhado por Rosenau e Czempiel, que traz a idéia de que o mundo caminharia rumo a uma poliarquia, no sentido proposto por Robert Dahl, relacionando o caráter transnacional-estatal da política mundial e a idéia de globalização. Por fim, há a abordagem de Robert Keohane, que en- tende a "Governança como um Dilema" sobre como desenhar instituições para desempenhar funções desejadas e ao mesmo tempo respeitar os valores demo- cráticos em um mundo parcialmente globalizado. De fato, qualquer ideia de governança sempre irá pressupor um alto grau de capacitação dos indivíduos que estão sendo governados. Ou seja, qualquer definição de governança passará pela ideia de democratizaçãoe legitimidade ou de comunicação aberta e reflexividade coletiva. Mesmo que não haja uma definição ideal para governança, uma vez que esta própria palavra pode ser considerada um ideal, a proposta de agenda posi- tiva de Robert Keohane é um ótimo ponto de partida para uma definição de go- vernança: analisar o papel do processo de institucionalização na expansão dos ideais democráticos e no fortalecimento das capacidades dos indivíduos em ní- vel global. Esta proposta é convergente com aquela de "Novo Multilateralimo", ela- borada pelo professor canadense Robert Cox, que pressupõe uma ordem mun- dial construída "de baixo para cima" com objetivo de justiça, equidade e respeito ao outro, como bem sintetiza a professora Marie-Claude Smouts. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292004000200004#back40 25 A ECONOMIA E O MEIO AMBIENTE A partir dos estudos relacionados ao meio ambiente, entende-se que a economia é o fator que mais explora negativamente esse sistema. Com base nesse modelo de mercado, a natureza é devastada em seu nível máximo para que gere recursos que resultem em evolução humana e capital monetário. Acontece que as tendências de desenvolvimento atual são totalmente predatórias para o meio ambiente, além do aumento populacional, da urbaniza- ção e da falta da educação ambiental, os governos e as empresas privadas de- pendem de um paradigma que utilizam recursos naturais sem que eles sejam restituídos, gerando assim, o déficit ambiental (CORTEZ, 2007). Economistas afirmam que a globalização econômica é um fato irreversí- vel, o que se pode fazer é tentar amenizar a situação atual, mas nunca voltare- mos ao status quo. Ademais, a devastação ambiental não foi feita só por falhas e imperfeições do mercado, mas sim, construída a partir da ineficácia e corrup- ção dos Estados, que não souberam tutelar esse bem antes dele entrar em co- lapso (VEIGA, 2014). Um fato que não é pensado pelos economistas é que, em um pequeno período de tempo o mercado também vai entrar em crise uma vez que os recur- sos que são retirados da natureza vão acabar, e assim, nenhum desenvolvi- mento poderá ocorrer, a humanidade ficará estagnada e vivendo em ambiente inóspito. A escassez foi um conceito fundamental da economia. Ela era uma es- cassez discreta e mascarada, com pequenos avanços ambientais, onde o pro- gresso tecnológico também ajudava a neutralizá-la. Na crise ambiental atual, o princípio da escassez converteu-se em um problema global e as externalidades da economia enfrentam uma lei limite. 26 A população é diretamente afetada pelas decisões que a economia toma, tanto em sua vida em sociedade, como no ambiente que é modificado para que as premissas estabelecidas pela lei do comércio alcancem o sucesso (MOTA, 2001). A partir da mudança comportamental de uma sociedade que visa somente a prosperidade através da retirada de recursos da natureza, alcançou- se um novo patamar na evolução do homem, aquele que atinge o nível máximo da racionalidade, o homo economicus. Ele se caracteriza pelos desejos do ho- mem atual, extorquindo tudo que pode do ambiente em que vive. O meio deve servir o homem, e não o contrário, seus desejos estão inti- mamente ligados ao mercado e ele não pensa nas consequências do consumo desenfreado (LAYRARGUES, 1997). A imposição do mercado se tornou a única forma de vida, uma lei su- prema. Nesse diapasão, é chamado de externalidades o conjunto de problemas que se mostram fora do alcance da compreensão da teoria do processo econô- mico, são todas as decisões que são tomadas e afetam diretamente quem não participou delas. Uma economia que usa a tudo e a todos vem conduzindo a humanidade para um caminho sem volta, com base nas decisões tomadas pelo mercado, a natureza será explorada, de forma que não possa se regenerar, tampouco serão tomadas medidas para tal (BROWN, 2013). A consciência ecológica nasceu a partir das externalidades da econo- mia, foi analisando esses processos que Leff (2013) leciona que devido ao con- sumo excessivo foi preciso mudar de hábitos e mudar o mercado. Para a econo- mia, a natureza sempre foi vista como um reino de abundância, no momento em que isso passou a ser desconstruído os papeis se inverteram, não mais a natu- reza devia servir o homem, mas o homem deve tentar preservar o meio em que vive sem deixar que o mercado e as formas de desenvolvimento influenciem sua preservação. 27 A solução para criar a consciência ecológica é construir outra economia, uma vez que todas as ciências evoluem, é possível utilizar novos métodos para mudar o sistema econômico. O autor Enrique Leff (2013) propõe uma transição para a sustentabilidade baseada no equilíbrio entre o meio ambiente, a produti- vidade e a organização econômica, compreendendo que a sustentabilidade se reverterá em vida humana visto que os indivíduos somente continuaram a viver nesse planeta com a ajuda do meio ambiente. Ademais, existem dois tipos de economias sustentáveis, a economia am- biental, que pretende modificar as formas como o mercado acontece e engloba os bens e serviços ambientais no conceito de capital natural, e a economia eco- lógica que serve para se ajustar as leis da termodinâmica e os ciclos ecológicos, abrindo-se para relações com outros sistemas. Observa-se que atualmente a economia possui dificuldades em criar no- vas técnicas para o futuro, é importante criar um novo paradigma, onde uma economia global ecologizada consiga criar outro meio de desenvolvimento, ba- seado em uma pluralidade de economias locais e sustentáveis. O que se percebe é que investir na natureza é perder o dinheiro que poderia ser investido em mais “desenvolvimento”. Ou seja, sem pensar no futuro, a indústria do desenvolvimento somente visa a evolução contemporânea, porém, os Estados ainda estarão aqui nos próximos trinta anos, resta saber se a natu- reza vai estar também e quais as condições de vida que vão ser proporcionadas para a sociedade sem esse bem essencial (CORTEZ, 2007). Sabe-se que com o avanço da degradação do ambiente, muitos mitos vieram à tona, como por exemplo, o fato do homem ser tido como a figura mais importante do ecossistema, estando acima de todas as criaturas. A economia cresceu e tomou proporções desmedidas, os primeiros economistas a ver a re- lação da economia com a destruição da natureza criaram propostas de economia zero. O alerta acontece quando achamos que podemos, de uma hora pra outra, acabar com a economia e com tudo que fizemos e conhecemos até hoje e que 28 vem destruindo a natureza, é preciso um passo de cada vez, a generalização torna-se tão destrutiva quanto a evolução da economia (MOTA, 2001). A pulsão de ter, controlar e acumular, é reflexo de uma subjetividade que se constituiu a partir da estrutura econômica e da racionalidade moderna. Des- construir a economia insustentável significa questionar o pensamento, a ciência, o próprio modo de agir da sociedade, não é possível manter uma economia em crescimento que se alimenta de uma natureza finita, a exemplo disso o uso do petróleo e do carvão que são transformados em combustível para a indústria e para os transportes, gerando o dióxido de carbono, principal gás causador do efeito estufa e pelo aquecimento global (CORTEZ, 2007). José Veiga (2014) co- loca que desconstruir não se trata de parar a máquina capitalista, nem de ecolo- gizar a economia, ou moderar o consumo, o que se deve fazer é desconstruir as razões que nos levam a maltratar o meio ambiente. Deve-se legitimar outros princípios, outros valores de potenciais econô- micos, elaborar outros pensamentos estratégicos e programas políticos, para que então possamos dissipar a racionalidade econômica e criar a racionalidade ambiental, tornando natural as atitudes sustentáveis. A desconstrução é um pro- cesso complexo,vale ressaltar que ela não funciona no método de sustentabili- dade sozinha, é preciso descontruir o modelo de mercado atual e reconstruir. Por muitas vezes Veiga (2014) explana de forma brilhante que o pro- cesso entrópico, no que tange a economia e o meio ambiente sustentável, ori- gina-se da termodinâmica, medindo a desordem de um sistema, de forma aná- loga, a desordem do sistema capitalista reflete na destruição do meio ambiente. A privatização é mencionada por Leff (2013), não como meio de prote- ção do meio ambiente, mas sim, como um meio de poder usufruir dele de forma “legal” uma vez que pertence a alguém. Bens e serviços que antes eram tidos como eternos estão sendo submetidos a estratégias de privatização e apropria- ção capitalista, como a água, florestas, biodiversidade, etc. A submissão da na- tureza livre em detrimento do modelo de mercado propicia que ela possa ser explorada de forma mascarada, com o instituto da privatização, utilizando-se de 29 argumentos de proteção ambiental, muitas empresas e indústrias conseguem explorar o ambiente natural sem que realmente haja preocupação em sua ma- nutenção. A supereconomização também coloca a água em perigo, o uso irracional e o desperdício desse elemento o levaram a escassez. Hoje, a poluição e a falta de água também são problemas significativos, tal qual o aquecimento global. Estima-se que atualmente quarenta por cento da população mundial têm proble- mas com a falta de água , mesmo que esse recurso seja um dos mais abundan- tes do planeta. É quase que um clichê mencionar que a água é fonte de vida, e que está presente em tudo que vemos, mais do que isso, a água pode ser considerada um direito humano, possuir água para a vivência é exercer seu papel como ser humano, que necessita de recursos para tornar a vida viável (ANGELO, 2014). Além de problemas com a produção de alimentos, visto que todos os alimentos necessitam de água para seu desenvolvimento, a água faz falta no momento em que o saneamento básico é esquecido. Pessoas vivendo sob condições inóspitas, sem o mínimo de cuidados básicos e acarretando doenças por falta desse elemento já são realidade mun- dial. A falta da água é notada no momento em que não podemos mais agir, deve- se utilizar de medidas protetivas e não suplementares no que tange os elemen- tos da natureza. Novamente, vê-se que a preservação do ambiente é imprescindível para que não ocorram irregularidades com a vida humana em prol do desenvolvi- mento (CORTEZ, 2007). O consumo da água duplica a cada vinte anos, ou seja, quanto mais o mundo é governado pela economia, mais água se gasta, isso porque a globali- zação destrói o sistema de regeneração da natureza. 30 A crise da água é real e estima-se que 1,3 bilhão de pessoas no mundo não tem acesso a água e que 2,5 bilhões não possuem sistema de saneamento básico, atualmente, trinta e um países sofrem de escassez de água, sendo as- sim, o mundo se divide em regiões ricas e pobres. Vale ressaltar que um dos objetivos de desenvolvimento do milênio é reduzir pela metade o número de pessoas que não possuem água potável e de qualidade, fato esse que não se concretizará se o meio ambiente também não virar prioridade (MOTA, 2001). Nesse sentido, foram criados debates como o Centro de Saberes e Cui- dados Socioambientais da Bacia do Prata , um projeto que conjuga ações go- vernamentais integrando Brasil, Argentina, Bolívia, Paraguai e Uruguai, gerando cinco eixos. A água como tema gerador e articulador, que trata da importância da água como elemento vital para a humanidade e para a sustentabilidade, sendo a crise da água uma crise de vida da diversidade biológica e das condições de existência humana no planeta; a bacia como território operacional no que tange as bacias hidrográficas, visto que elas ligam territórios, agregam culturas que se misturam e a vida próxima a esses locais depende das águas (CORTEZ, 2007). O pensamento ambiental como quadro conceitual da ação também é um eixo, esse novo pensamento é a porta para a sustentabilidade, o saber ambiental está nascendo na gestão pública, em projetos comunitários, programas educati- vos e na forma de ensino. O pensamento atual deve ser modificado para que exista a sustentabili- dade, é preciso proporcionar o conhecimento e colocar em prática ações não só para as gerações atuais como para as futuras. A educação ambiental como mo- bilizador social discorre sobre o manejo do meio ambiente, saber lidar com a natureza e decidir o que fazer com ela não cabe somente ao governo, mas sim 31 a toda sociedade, para isso é preciso explanar sobre a educação ambiental glo- balizada, para que seja possível gerar uma consciência ambiental intrínseca no ser humano (GRANZIERA, 2015). Quando se trata da construção coletiva de conhecimentos, ação e orga- nização, novamente o tema da racionalidade ambiental vem à tona, esse eixo completa os demais, visto que com conhecimento, ações e organizações com diferentes culturas e diálogos entre países será possível gerar a racionalidade ambiental, a partir da construção coletiva. O tema das mudanças climáticas teve que chegar até convenções e fó- runs globais para que o planeta percebesse que isso realmente existia, no fim da década de 1960 houve pela primeira vez uma tomada de consciência ambi- ental, daí pra cá, não mudou muita coisa, mas o início da discussão é necessário para que se começasse a pensar nos prejuízos que a humanidade vem cau- sando ao meio ambiente (GRANZIERA, 2015). A educação ambiental é o meio pelo qual a geração atual e as futuras irão poder cuidar do meio ambiente, para isso, ainda é preciso salvar o que resta da natureza. A educação ambiental baseia-se na formação de conhecimentos, construção de valores sociais e atitudes que realmente façam diferença na luta pela degradação do meio ambiente. É imperioso lembrar que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo, sendo assim, cuidar de tal meio é vital para a manutenção da vida na Terra. Entende-se que a educação ambiental é um aprendizado como qualquer outro, tal processo deve ser preconizado na sociedade por meio da escola, da comu- nidade e dos meios de comunicação (BROWN, 2013). Por muito tempo desmatamentos, incêndios florestais e a poluição at- mosférica foram tidos como desastres naturais, hoje em dia, os resultados dos processos de industrialização foram relatados a sociedade e por meio de “Uma Verdade Inconveniente”5 tomamos consciência de que realmente é necessário 32 a mudança, após mais ou menos cinquenta anos do primeiro surto de destruição ambiental. Aos poucos, governantes pedem auxílio na corrida contra o tempo para implementar uma vida sustentável ao povo, nesse sentido, percebe-se que a concepção atual está mudando aos poucos, já existe quem esteja preocupado com a situação em que o meio ambiente se encontra e disposto a fazer algo para mudar (BROWN, 2013). O fato que se deve enfrentar é que a crise ecológica é um risco para a população e gera pobreza, para isso, nada mais correto que investir em educa- ção ambiental. Apesar de buscar o desenvolvimento, somente quem já encontra- se em estado de desenvolvimento avançado é que continua a crescer, as popu- lações carentes e que necessitam de ajuda mundial não recebem auxílio, e as- sim, continuam a margem da evolução mundial. A educação ambiental é importante para que se evite que o meio ambi- ente seja destruído ainda mais, é primordial que esse nível de destruição não seja ultrapassado, mas sim, minimizado (GRANZIERA, 2015). Sendo assim, não é possível universalizar a luta pela sustentabilidade, é preciso que cada País, cada Estado, cada Cidade atue no que considera essencial para a localidade, visando à regeneração ambiental. Ainda, mais do que a programas governamentais, a sociedade deve ser educada de forma que o problemada insustentabilidade tenha fim, e que no futuro as gerações seguintes não convivam com o meio ambiente danificado como temos vivido. Para isso se concretizar é preciso buscar outros resultados com ações econômicas e sociais que não seja apenas o desenvolvimento, visto que, na atualidade ele é o único resultado que importa e deve ser atingido (BROWN, 2013). Portanto, mais do que mudar a economia e o meio como a gerimos, é preciso educar a população mundial, mudar a consciência que está intrínseca na sociedade, deixar parcialmente de lado os fins econômicos e focar no meio 33 ambiente como bem maior, uma vez que a economia também não teria sucesso se a natureza se extinguisse. Ou seja, para que haja desenvolvimento é preciso cuidar do meio ambi- ente que provém os recursos para essa evolução, mesmo que não seja fácil mudar todo o conceito econômico, não será mais viável utilizar-se da natureza sem uma postura conservacionista. 34 REFERÊNCIAS ANGELO, Claudio. O Aquecimento Global – Série Folha Explica. Editora: Publifolha, São Paulo, SP. 2008. BROWN, L. R. Eco-Economia: construindo uma economia para a terra. Editora UMA. Salvador, Bahia. 2013 CMMAD (COMISSAO MUNDIAL PARA O MEIO AMBIENTE E DESEN- VOLVIMENTO). Nosso Futuro Comum. Editora FGV. Rio de Janeiro, RJ. 1991. CORTEZ, A. T. C.; ORTIGOZA, S. A. G. (Orgs). Consumo Sustentável: conflitos entre necessidade e desperdício. São Paulo: Unesp, 2007. GRANZIERA; Maria Luiza Machado; REI, Fernando (Org.). Direito Am- biental Internacional: Avanços e Retrocessos: 40 anos de Conferências das Na- ções Unidas. Editora Atlas. São Paulo, SP. 2015. LAYRARGUES. P. P. 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