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Cultura e Educação bi/multilíngue Conceito de representação a produção de sentido pela linguagem PASSO III Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.2 3.3 O CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO A PRODUÇÃO DE SENTIDO PELA LINGUAGEM Objetivos Compreender o conceito de representação e a conexão entre significado e linguagem com a cultura. Iniciamos nosso passo nos conscientizando de que aprender uma língua vai além de dominar somente aspectos linguísticos, pois as línguas estão repletas de marcas culturais. Assim, é importante que esse fator seja levado em consi- deração pelo professor não somente no cenário educacional bi/multilíngue, porém quando duas ou mais línguas coexistem como instrumento de instrução esse aspecto se evidencia. Nesse sentido, o conceito de “representação”, discutido por Hall (2016) é de grande importância por conectar significado e linguagem em uma perspectiva mais ativa dos sujeitos em relação ao mundo e à realidade que os cerca, bem como sobre si mesmos. Indicação de Leitura Leia a uma curta resenha contextualizando essa obra de Stuart Hall para se familiarizar com o autor - Link: https://bit.ly/2XFeDiS Acesso: 07/07/2019 https://bit.ly/2XFeDiS 3.2 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.3 Hall coloca a linguagem como centro do processo de representação e foco do estudo sobre culturas. A centra- lidade da linguagem, em sua perspectiva, deriva do fato de que ela é “o meio privilegiado pelo qual ‘damos sentido’ às coisas, onde o significado é produzido e inter- cambiado. Significados só podem ser compartilhados pelo acesso comum à linguagem” (HALL, 2016, p. 17). Hall apresenta o conceito de cultura com base em significados compartilhados: (...) Cultura diz respeito à produção e ao intercâmbio de sentidos – o “compartilha- mento de significados” – entre os membros de um grupo ou sociedade. Afirmar que dois indivíduos pertencem à mesma cultura equivale a dizer que eles interpretam o mundo de maneira semelhante e podem expressar seus pensamentos e sentidos de forma que um compreenda o outro. Assim, a cultura depende de que seus partici- pantes interpretem o que acontece ao seu redor e “deem sentido” às coisas de forma semelhante. (HALL, 2016, p.20) A conexão entre cultura, linguagem e significado acontece por meio da repre- sentação, conceito central de suas discussões. Mas, de que forma a linguagem realiza a construção da representação? Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.4 3.5 A linguagem é um sistema representacional que engloba signos e símbolos bastante variados, que podem ser, por exemplo: Sonoros Escritos Imagens eletrônicas Notas musicais Objetos Tais elementos da vida diária, assim como roupas, fotografias, sinais de trân- sito, entre outros tantos signos presentes materialmente em nossa sociedade, têm sua importância não pelo que são, mas sim pelo que fazem (HALL, 2016). Por meio da linguagem como sistema representacional, “pensamentos, ideias e sentimentos são representados numa cultura” (HALL, 2016, p.18) e os sentidos são produzidos e colocados em circulação, partilhados com outros indivíduos, construindo significados e representações. 3.4 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.5 Segundo Hall (2016), os sentidos são construídos em sociedade e consti- tuem a dimensão humana de nossa convivência, além de evidenciarem a importância do fator simbólico para nossa vida. A construção de sentido acontece a todo momento em nossas interações e vivências, nas quais produzimos e compartilhamos sentidos. Essa construção se dá, por exemplo, na mídia, cada vez mais ágil, presente e global e também pelos objetos culturais que consu- mimos, dos quais nos apropriamos Stuart Hall Hall foi um teórico cultural jamaicano que atuou no Reino Unido. Ele contri- buiu com obras chave para os estudos da cultura e dos meios de comunicação, assim como para o debate político. Fonte: https://www. geledes.org.br/stuart-hall/ nos rituais diários ou sobre os quais formulamos narrativas. Esses sentidos “regulam e organizam nossas práticas e condutas” (HALL, 2016, p. 22), ou seja, determinam convenções a serem seguidas, constituem as regras da vida em sociedade e delimitam o que pode ser realizado, formando, em contrapartida, o que será considerado subversão ou transgressão. Em outras palavras, a questão do sentido relaciona-se a todos os diferentes momentos ou práticas um nosso “circuito cultural” – na construção da identidade e na demarca- ção das diferenças, na produção e no consumo, bem como na regulação da conduta social. Entretanto, em todos esses exemplos, e em todas essas diferentes arenas ins- titucionais, um dos “meios” privilegiados através do qual o sentido se vê elaborado e perpassado é a linguagem. (HALL, 2016, p.22) Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.6 3.7 Hall menciona a importância da “virada cultural”, a partir da qual o foco nas reflexões sobre sentido passa para “algo a ser produzido – construído – ao invés de simplesmente ‘encontrado’” (HALL, 2016, p. 25). Mas ele também se dedica à denominada “virada discursiva” dentro dos estudos sobre representação no âmbito da cultura. Hall (2016) apresenta três diferentes abordagens ou teorias que explicam como a linguagem é usada para representar o mundo: Enfoque Reflexivo Enfoque Intencional linguagem como espelho a linguagem reflete um sentido que já existe fora no mundo dos objetos, das pessoas e dos eventos linguagem como expressão é o falante que dá o seu sentido sobre o mundo, o que ele pretende que suas palavras signifiquem se torna o único sentido possível para elas Enfoque Construtiva linguagem como construção social o sentido não está nem nas coisas em si, nem nos usuá- rios da língua individualmente; ele é construído na e pela linguagem, usando sistemas representacionais, constituídos por conceitos e signos 3.6 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.7 Ele se dedica ao enfoque construtivista e duas de suas variantes: Abordagem semiótica Abordagem discursiva Influência de Ferdinand de Saussere linguista suíço Michel Foucault historiador e filósofo francês Hall (2017, p. 28) evidencia que a linguagem ganha nova importância “como um termo geral para as práticas de representação, sendo dada à linguagem uma posição privilegiada na construção e circulação do significado.” Assim, ele diferencia, pela linguagem, a existência dos objetos no mundo real e o signifi- cado que eles adquirem para a vida das pessoas: O significado surge não das coisas em si - a "realidade" - mas a partir dos jogos da linguagem e dos sistemas de classificação nos quais as coisas são inseridas. O que consideramos fatos naturais são, portanto, também fenômenos discursivos. (HALL, 2016, p. 29). Isso nos leva a uma nova percepção de linguagem em relação ao conceito de cultura visto como “a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas” (HALL, 2016, p. 29). Assim, todas as nossas formas de organização Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.8 3.9 Representação A representação é um processo discursivo, culturalmente determinado e cons- truído sócio-historicamente. A representação “diz respeito à produção de sentido pela linguagem” (Hall, 2016, p. 32) COISAS MAPAS CONCEITUAIS LINGUAGEM Dois sistemas de representação Correspondência entre coisas Torna possível trocar, sentidos e conceitos, necessidade de ter acesso a uma linguagem comumConceitos e imagens formados no pesamento; conjunto de representações mentais Por meio dos signos: palavras, sons ou imagens que carregam sentido Conceitos simples ou complexos, reais ou fictícios, concretos ou abstratos comum, incluindo os movimentos econômicos e sociais, são compreendidas como parte de nossa cultura e de nosso discurso, fazem parte de nossa iden- tidade e de nossas formas de organizar a vidacotidiana “por dependerem do significado e terem consequências em nossa maneira de viver” (HALL, 2016, p. 29). Representação: Construção de sentido “A relação entre ‘coisas’, conceitos e signos se situa, assim, o cerne da produção do sentido na linguagem, fazendo do processo que liga esses três elementos o que chamamos de ‘representação’” (HALL, 2016, p.38) 3.8 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.9 Representação A imagem formada mentalmente pode ser diferente para cada indivíduo por diferentes fatores, embora a função de recipiente para beber algum líquido se mantenha como comum ao conceito. Esses conceitos são organizados, classi- ficados e agrupados, por exemplo, pelos “princípios da similaridade e da dife- rença” (HALL, 2016, p. 35), formando um sistema conceitual. Assim, temos processos parecidos, porém diferentes, para representar as coisas do mundo e que, em conjunto, formam o significado. O primeiro sistema de representação envolvido é o que Hall chama de mapas conceituais ou mapas mentais e possibilitam pensarmos nos objetos e nas coisas do mundo, mesmo que abstratas, formando imagens e conceitos em nossos pensamentos. Pense, por exemplo, em um copo. Em que tipo de copo você pensou? Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.10 3.11 Poderia ocorrer ainda que o mapa conceitual que carrego na minha cabeça fosse totalmente diferente do seu, o que nos levaria – eu e você – a interpretar ou dar sentido ao mundo de maneiras totalmente diversas. Seríamos incapazes de com- partilhar nossos pensamentos ou de trocar ideias sobre o mundo. Na verdade, pro- vavelmente entenderíamos e interpretaríamos o mundo de uma maneira única e individual. Somos, entretanto, capazes de nos comunicar porque compartilhamos praticamente os mesmos mapas conceituais e, assim, damos sentido ou inter- pretamos o mundo de formas mais ou menos semelhantes. Isso é, de fato, o que significa pertencer ‘à mesma cultura’. Uma vez que nós julgamos o mundo de maneira relativamente similar, podemos construir uma cultura de sentidos compar- tilhada e, então criar um mundo social que habitamos juntos. (HALL, 2016, p. 36) Mas, como partilhar esses mapas conceituais com os outros? Isso só é possível “quando também temos acesso a uma linguagem comum” (HALL, 2016, p. 36), que se configura como o segundo sistema de represen- tação. A linguagem é compreendida como um conceito amplo, que não diz respeito somente à língua falada ou escrita, mas a tudo aquilo que se configura um signo, ou seja, que carrega sentido: “Os signos indicam ou representam os conceitos e as relações entre eles que carre- gamos em nossa mente e que, juntos, constroem os sistemas de significado da nossa cultura.” (HALL, 2016, p.37). A linguagem, vista como uma forma de organização dos signos, serve para expressar sentidos e comunicar pensamentos a outras pessoas. 3.10 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.11 Os dois sistemas estão relacionados e encontram-se no centro do processo de representação, de construção de sentido dentro da cultura, sendo que: O primeiro nos permite dar sentido ao mundo por meio da construção de um con- junto de correspondências, ou de uma cadeia de equivalências, entre as coisas – pessoas, objetos, acontecimentos, ideias abstratas etc. – e o nosso sistema de conceitos, os nossos mapas conceituais. O segundo depende da construção de um conjunto de correspondências entre esse nosso mapa conceitual e um conjunto de signos, dispostos ou organizados em diversas linguagens, que indicam ou represen- tam aqueles conceitos. (HALL, 2016, p. 38) No entanto, além de partilhar mapas conceituais semelhantes, é preciso garantir que os sujeitos também compartilhem uma forma similar de interpretar os signos que estão presentes em uma linguagem para que realmente exista coparticipação de sentidos. Os sentidos dos signos precisam ser interpretados, pois não são fixos e não estão nem no objeto real, nem na palavra que usamos para nomeá-lo. Luzes do tráfego Vestuário Música Imagens visuais Expressões faciais ou gestos Sistema escrito ou falado de uma língua Linguagem Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.12 3.13 Códigos Hall apresenta a noção de código para algo que faça a correlação entre a linguagem e os sistemas conceituais. São os códigos que consolidam e estabi- lizam as relações e os sentidos possíveis em diferentes linguagens e diferentes culturas: “Eles nos dizem qual linguagem devemos usar para exprimir determi- nada ideia. O inverso também é verdadeiro: os códigos nos dizem quais conceitos estão em jogo quando ouvimos ou lemos certos signos.” (HALL, 2016, p. 42) Não se trata, nesse caso, de “traduzir” na acepção que conhecemos como transposição dos termos entre diferentes línguas, mas de traduzir o sentido, de forma que realmente exista comunicação entre os envolvidos no processo. As maneiras como traduzimos os signos das diferentes linguagens em conceitos e vice-versa só é possível por conta das convenções que construímos social e culturalmente. São formas de enxergar o mundo aprendidas desde a infância, o que torna crianças sujeitos culturais: Cultura compartilhamento de Mapas conceituais Sistemas de linguagens Códigos que governam as relações de “tradução” entre eles e estabilizam o sentido 3.12 Cultura e Educação Bi/multilíngue 3.13 Elas aprendem o sistema de convenções e representações, os códigos de sua língua e cultura, o que as equipa com uma habilidade cultural e per- mite que elas atuem como sujeitos culturalmente competentes. As crianças, inconscientemente, internalizam os códigos que as permitem expressar cer- tos conceitos e ideias por meio de seus sistemas de representação – escrita, fala, gestos, visualização e assim por diante – bem como interpretar ideias que são comunicadas a elas usando os mesmos sistemas. (HALL, 2016, p. 43) Assim, passam a pertencer a uma mesma cultura, partilhando mapas concei- tuais e linguagens comuns e, acima de tudo, os códigos formados por meio de convenções sociais que regem a relação entre esses sistemas. Após termos formalizado alguns conceitos importantes para compreendermos a forma como as representações são constituídas e sua relação com a defi- nição de cultura com a qual pretendemos trabalhar, veremos de que maneira a totalização dessas representações interfere na visão que recebemos ou repro- duzimos. Partindo do pressuposto que os sentidos não são fixos, mas que fazem parte de convenções sociais e histórias, iremos observar por meio de exemplos, alguns efeitos da totalização. BANDONI, A. Projeto Requeijão [blog]. Disponível em: Acesso em: 3/6/2019. BÖHMERMANN, J. Be deutsch! Neo Magazin Royale/ZDF. Colorido, sonorizado, 4m38s, 2016. Disponível em: Acesso em: 2/5/2019. CUNHA, E. L. A propósito de cultura e representação. Revista Matrizes. V.10 - Nº 3 set/dez. 2016 USP, São Paulo, p. 219-224. Disponível em: . Acesso em: 2/5/2019 HALL, S. Cultura e representação. Rio de Janeiro: PUC-Rio; Apicuri, 2016 SANDERSON, S. Paródia viraliza ao ironizar valores liberais alemães. Deutsche Welle. Publicado em 01/04/2016. Disponível em: . Acesso em: 2/5/2019 SEQUIN, A. A história do copo americano. Casa Vogue. Disponível em: . Acesso em: 3/6/2019. REFERÊNCIAS Professora: Nadia Dini Design: Mirela Martins