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1 LINGUAGEM E CONSCIÊNCIA: MEDIAÇÃO PARA UMA PRÁTICA REFLEXIVA Clarice Vaz Peres Alvesi RESUMO Este artigo discute a importância de se conceber a linguagem como processo interlocutivo nas práticas educacionais e o papel desse sistema simbólico na formação da consciência do indivíduo. Também chama atenção para a importância de o docente desenvolver uma práti- ca reflexiva e uma formação continuada não só na construção de novos caminhos, mas também na desconstrução de outros já instaurados. INTRODUÇÃO A linguagem é um dos principais instrumentos de ação e de práticas sociais forma- dora do mundo cultural, pois ela traz em si a construção e a expressão do conheci- mento, os valores e as normas de conduta que norteiam a vida do indivíduo em so- ciedade. Através desse sistema simbólico, podemos julgar, defender, condenar, o- cultar, argumentar, enfim, expressar idéias e sentimentos. Além de ser um instrumento revelador do sujeito, a linguagem também faz parte da formação da consciência desse sujeito, uma vez que ela ocupa espaço privilegiado na constituição do psíquico, do social e da educação. A esse respeito, Palangana (1996) diz que, através da linguagem que circula em sala de aula, o aluno adquire um conjunto de riquezas produzidas pelos próprios homens, dentre elas a consciên- cia, que pode ser um fato alienado ou um forte instrumento na leitura de mundo. Por- tanto, compete à escola assumir a parte que lhe é de direito e obrigação, viabilizan- do aos indivíduos que a freqüentam, condições necessárias à formulação de consci- ência para que possam atuar como ‘cidadãos’ na realidade social em que estão in- seridos. LINGUAGEM – CONSCIÊNCIA – PRÁTICAS EDUCACIONAIS O desenvolvimento do indivíduo está entrelaçado à linguagem, pois é através dela que o sujeito compreende e age no mundo. Ele se constitui como tal à medida que interage com os outros, visto que sua concepção e conhecimento de mundo resul- tam desse trabalho social de interação. Esse sistema comunicativo é, pois, uma forma de ação, um lugar de interação que possibilita aos indivíduos de uma socie- dade a prática de diversas ações. É na interlocução que a linguagem e o sujeito se constituem. Assim, uma das funções da escola é proporcionar um encontro adequado entre o a- luno e a linguagem para que ele tenha condições de fazer uso adequado desse sis- tema simbólico a fim de atender às necessidades básicas de comunicação em uma sociedade que está em constante transformação. Entendemos que abordar a lin- guagem como processo interlocutivo nas práticas educacionais exige uma práxis permanente, sem cristalização de caminhos. PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 2 O texto, escrito ou oral, é uma unidade lingüística básica de comunicação, pois as pessoas organizam seu dizer em textos, frutos de suas formações discursivas e in- terdiscursivas. Logo, partimos do pressuposto de que o aluno é perpassado pelas práticas discursivas predominantes na instituição escolar e que as formulações (isto é, aquilo que o enunciador diz) das crianças revelam suas filiações a regiões de um saber que circula na escola. Esse saber discursivo é que constitui a identidade da criança enquanto aluno, uma vez que as práticas, os valores e os significados de uma determinada sociedade são organizados por comportamentos específicos que são revelados através da linguagem. Geraldi (1997) diz que, na escola o “eu” do professor indica a sua objetividade dis- cursiva. O “eu” do aluno é sempre silenciado ou, dito de outra forma, na relação de trocas eu/tu, o “eu” que se destaca é sempre o “locutor-professor”, e, quando o “tu- aluno” produz lingüisticamente, tem sua fala marcada pelo “eu-professor-escola”, sua voz não é a voz que fala, mas a voz que devolve, re-produz a fala do “eu- professor-escola”. Dessa forma, percebemos que a realidade escolar inibe o diálogo, pela prática de linguagem em que cada locutor se apresenta como sujeito do discur- so. Essa prática faz instaurar, na sala de aula, a autoridade da voz do “eu- professor”, ocasionando uma ruptura em um espaço que deveria emanar a interação e a produção de novos sentidos. A instituição escolar precisa abrir espaço para que os alunos expressem sua “voz”, visto que diversos problemas podem ser resolvidos de maneira menos desgastante e bem mais eficaz quando os alunos são sistematicamente ouvidos. Eles estão inse- ridos no processo educativo, por isso percebem com facilidade determinadas situa- ções que ocorrem no cotidiano da sala de aula. Se a escola oportunizar um momen- to para uma escuta atenta e qualificada, um fecundo diálogo pode emergir desse contexto. Esse caminho contribui não só para a formação de cidadania, como tam- bém para a uma nova concepção de ensino. Como diz Moretto (1999) “Aprender é construir significados e ensinar é oportunizar essa construção”. A linguagem é um trabalho social e histórico do sujeito com o outro e é para o outro e com o outro que ela se constitui, visto que não há sujeito dado, pronto, que entra na interação, mas um sujeito se completando e se constituindo nos seus textos orais e escritos através de uma relação interlocutiva. Assim, se desejarmos traçar uma especificidade para nossa prática docente é no trabalho reflexivo com textos que a encontraremos. Cabe ressaltar que, o trabalha com leitura e com prática de textos na sala de aula não é responsabilidade apenas do professor de língua materna, mas de todos pro- fissionais envolvidos no processo educativo, já que é através da linguagem verbal que o docente constrói conhecimento com seus alunos. Não existe disciplina que possa realizar sua ‘caminhada’ sem fazer uso da língua. Portanto, se esse compro- misso com a linguagem for assumido por todas as áreas, certamente nossos alunos serão mais críticos e as atividades de leitura e escritas não se tornarão tão comple- xas. Além disso, o educando desenvolverá a capacidade de ‘entrelaçar’ as informa- ções adquiridas em cada disciplina, pois sabemos que a construção do conhecimen- to não se dá de forma compartimentada como a escola, normalmente, trabalha. Na instituição escolar, não raro, assiste-se a um apagamento da voz do aluno ou a manifestação dela apenas para fins gramaticais, no caso de línguas, ou de repetição PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 3 de conteúdos, em outras disciplinas (Souza, 2003). O ensino da língua materna, consideradas algumas exceções, tem adotado duas tendências diferenciadas. Uma está direcionada para o ensino da metalinguagem, ou seja, privilegia-se o saber a respeito da língua em detrimento do uso da língua. A outra está centrada na super- valorização do texto produzido pelo aluno, sem nenhuma análise reflexiva sobre sua ação lingüística, com o objetivo de adequar o escrito a intenção comunicativa. A primeira tendência explica-se não só pela forte valorização histórica da gramática, mas também porque ser ‘gramatiqueiro’ dá menos trabalho ao professor. Na gramá- tica não há reflexão; é um conjunto de regras que está à disposição dos usuários da língua. Com isso, não se pretende dizer que a gramática não seja importante. É, mas como uma ‘ferramenta’ a serviço da língua. Na segunda tendência, há ausência de práticas reflexivas sobre os elementos da tessitura. Os professores raramente privilegiam a construção do sentido, a organização de idéias, a imagem do leitor e o contexto durante as atividades de leitura e produção. Assim, o alunonão concebe o texto como uma prática social. Urge, enquanto educadores, termos claro que não iremos obter muito sucesso em nossa atividade docente se não mudarmos a concepção de língua e de ensino que norteiam as ações educativas, pois a aprendizagem é resultado de práticas significa- tivas e contextualizadas. Furlanetto (2003) diz que “Desenvolvimento “pleno” não se obtém sem práticas específicas e sistemáticas, que envolvem socialização, cogni- ção, ética. O elemento fundamental de mediação para a apropriação e manuseio de conhecimentos é a linguagem verbal”. Portanto, para que tenhamos alunos capazes de compreender o mundo e nele agir, é preciso abordar a linguagem como atividade interlocutiva e com esse olhar direcionar o processo educacional instaurando–o so- bre a singularidade dos sujeitos em contínua constituição. Nas palavras de Geraldi (1997), o aluno não desempenha uma função de sujeito dentro da prática escolar. Ele está assujeitado às condições ideológicas da cultura predominante na escola. É produto do meio das práticas discursivas escolares, e não produto de interações verbais onde ao mesmo tempo em que repete atos e ges- tos constrói novos atos e gestos através de um movimento histórico em que a repe- tição e a criação andam juntas. A escola necessita deslocar o processo de ensino como transmissão e entender a sala de aula como espaço de interação onde aluno e professor tenham a oportuni- dade de aprender e ensinar um ao outro, construindo novos contextos e situações, assim, transformando os sentidos que circulam na sociedade (Alves, 2003). Dessa forma, o diálogo é o caminho para uma ação docente mais humanizante e construti- va. A preocupação de um educador comprometido com sua prática deve estar vol- tada para a construção de novos caminhos, visto que muitos alunos não terão aces- so a uma nova forma de ‘olhar’ o mundo se a escola não a disponibilizar. Vasconcel- los(2007, p.119) diz que: Enquanto não houver uma mudança mais radical na forma de organização da sociedade, não sairemos totalmente da alienação, mas podemos combatê-la, criar espaços de desalienação, onde as pessoas possam tomar consciência e ter uma experiência alternativa de relacionamento (ainda que limitada). Os sujeitos vão sendo despertados para uma nova consciência pela convivência reflexiva, e isto permite a cada um assumir tarefas num nível cada vez mais profundo e crítico. Esta prática vai minando a corrente da alienação e prepara um movimento maior de mudança. A escola deve participar deste processo: PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 4 uma nova estrutura, para favorecer a reagregação do homem, deve permitir o encontro, a reflexão, a ação sobre a realidade, numa práxis libertadora. Uma práxis libertadora exige além de construir um novo caminho, desconstruir outros já enraizados. Para isso, é preciso não só desencadear um conjunto de ações, mas também sustentar um processo de mudança. Não podemos imaginar que vamos im- plantar de repente um ensino de qualidade. Muitas vezes, só vamos encontrar um pon- to de equilíbrio, embora provisório, depois de algumas tentativas e alguns erros come- tidos. Esses erros, freqüentemente, são usados como justificativa para interromper a nova caminhada, ao invés de servirem de elemento de aprendizado e avanço. Alterar a realidade é um desafio. Uma transformação significativa depende de uma série de pequenas transformações na mesma direção. Por isso, é preciso perseverança, paci- ência e clareza de onde se quer chegar. Entendemos que o papel da escola, numa práxis libertadora “deve ser o de preparar gerentes de informação e não meros acumuladores de dados” (Moretto, 1999). Po- rém, para que tenhamos realmente ‘gerentes’ em nossas salas de aula, é preciso que os profissionais da educação tenham clara a função social da escola, como se dá a construção do conhecimento e a responsabilidade que cabe a cada educador no contexto escolar. É o professor quem gerencia o processo de aprendizagem; que investiga o conhecimento que o aluno já tem sobre o assunto que será trabalhado; que propõe atividades significativas para que ocorra aprendizagem; que está em contato dia-a-dia com a criança, observando se a mesma está construindo ou não conhecimento. Portanto, o educador é a ‘essência’ para que se tenha uma educação de qualidade, pois o que transforma a realidade é a ação. Estamos inseridos em uma sociedade do conhecimento. Essa situação redefine o perfil dos profissionais, principalmente os da educação. Logo, o desafio maior é criar uma ação docente na qual leve o aluno “a aprender a aprender’. Para que isso ocor- ra, é preciso compromisso, reflexão, renovação teórica, quebra de caminhos cristali- zados e, principalmente, força de vontade para a ação, porque o caminho é longo e árduo. Jacques Delors (1998) no “relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o Século XXI” diz que a sociedade do conhecimento exige uma for- mação continuada. O educador deve estar em constante renovação, visto que o co- nhecimento é uma produção social, portanto um conjunto de verdades relativas que se transformam em função do desenvolvimento das sociedades e dos recursos dis- poníveis. Assim, a visão de terminalidade que anteriormente foi atribuída aos cursos, em especial aos de graduação, deve ser substituída pela formação profissional con- tinuada. Delors propõe para a educação uma aprendizagem ao longo de toda a vida firmada em quatro pilares: aprender a conhecer; aprender a fazer; aprender a viver juntos e aprender a ser. O autor apresenta como primeiro pilar o aprender a conhecer: Este tipo de aprendizagem que visa não tanto à aquisição de um repertório de saberes codificados, mas antes ao domínio dos próprios instrumentos do conhecimento pode ser considerado, simultaneamente, como meio e como fi- nalidade da vida humana. Meio porque se pretende que cada um aprenda a PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 5 compreender o mundo que o rodeia, pelo menos na medida em que isso lhe é necessário para viver dignamente, para desenvolver as suas capacidades profissionais, para comunicar. Finalidade, porque seu fundamento é o prazer de compreender, de conhecer, de descobrir. (Delors 1998, p. 91) Através dessa visão privilegia-se o prazer da descoberta, da análise e compreensão da realidade, da construção e reconstrução do saber. Aprender a conhecer é tam- bém refletir sobre o conhecimento e concebê-lo como um processo inacabado, em constante renovação. Assim, compreendemos que o aprender a aprender deve ser uma constante nas práticas educacionais. O sujeito precisa ser provocado a buscar o conhecimento, a desenvolver e a organizar o pensamento a fim de transformar a realidade da qual faz parte. Delors (idem, p. 93) aponta o aprender a fazer como o segundo pilar e diz que: Aprender a fazer não pode, pois, continuar a ter o significado simples de pre- parar alguém para tarefa material bem determinada, para fazê-lo participar no fabrico de alguma coisa. Como conseqüência, as aprendizagens devem evo- luir e não podem mais ser consideradas como simples transmissão de práti- cas mais ou menos rotineiras, embora estas continuem a ter um valor forma- tivo que não é de desprezar. O segundo pilar revela que a criticidade deve permear o ato educativo. Não há mais espaço na nova concepção de educação para o simples exercício da repetição. O desenvolvimento das habilidadese das competências deve nortear o processo de ensino-aprendizagem. Assim, os dois pilares: aprender a conhecer e aprender a fa- zer exigem que teoria e prática caminhem juntas na ação docente. Toda a prática deve ter como base uma boa teoria, caso contrário, o fazer docente corre o risco de tornar-se sem sentido – tanto para o educador como para o aprendiz. De acordo com Delors, o terceiro pilar refere-se ao aprender a viver juntos, “levar os alunos a tomarem consciência das semelhanças e da interdependência entre todos os seres humanos do planeta” (idem, p.97). Entendemos que o indivíduo está inseri- do em um contexto social amplo e, por isso, precisa conviver harmoniosamente com todos os seres. Aprender a viver juntos é aprender a viver em uma sociedade mar- cada por imensas diferenças sociais, econômicas e intelectuais. É respeitar e com- preender o outro com suas limitações e seus conflitos. É participar cooperativamente na organização de uma sociedade mais igualitária, de uma educação realmente para todos. Conforme Moram (2004) “A visão de inter-relacionamento, de interconexão e de to- talidade, proposta pelo novo paradigma da ciência, busca a superação das verdades absolutas e inquestionáveis, do positivismo, da racionalidade e do pensamento con- vergente.” A concepção do aprender a viver juntos exige uma nova postura da esco- la e das práticas docentes, visto que a relação interativa passa a ser privilegiada no contexto de sala de aula e professor e aluno caminham lado a lado na construção do conhecimento. Não há mais espaço na sociedade do conhecimento para um profes- sor autoritário, que diz deter o conhecimento, e sim para um professor que se apro- xima do aluno num processo de colaboração e de parceria, e juntos vão refletir e a- prender administrar as diferenças existentes e desenvolver senso crítico frente à realidade da qual fazem parte. Se assim não for a postura do educador, a escola não estará preparando o aluno para enfrentar as exigências da nova sociedade. PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 6 O quarto pilar refere-se ao aprender a ser. Delors diz que: A educação deve contribuir para o desenvolvimento total da pessoa, espírito e corpo, inteligência, sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pesso- al, espiritualidade. Todo o ser humano deve ser preparado, especialmente, graças à educação que recebe na juventude, para elaborar pensamentos au- tônomos e críticos e para formular os seus próprios juízos de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes circunstâncias da vi- da. (Idem, p.99) O quarto pilar nos faz refletir que tipo indivíduo a escola está formando? O processo de hominização está presente em nossas práticas ou somos profissionais apenas preocupados com o conteúdo? É urgente proporcionarmos a formação de um sujeito mais “humano”, mais social – social no sentido de comprometido com o bem-estar da coletividade. O homem está voltado para si, preocupado com competitividade e- xagerada. Cabe à escola realizar o caminho inverso, pois sabemos que ela é o prin- cipal pilar na formação da sociedade. Nosso compromisso como educadores é ajudar nossos alunos a se conhecerem, a entenderem o contexto histórico em que estão inseridos, a acompanharem a evolu- ção das profissões e instrumentalizá-los para encontrar alternativas dignas de vida. Nossa juventude precisa acreditar em si, precisa de sonho e de esperança para re- construir uma sociedade para todos. Vasconcellos (2007, p: 96:97) diz que: O que muda a realidade é a práxis; precisamos chegar a ela. Não há mais espaço para intenções genéricas; é preciso transformar idéias em ações con- cretas, para assim, dialeticamente, transformar a própria consciência, enrai- zando o lampejo inicial que provocou a ação, bem como alterando-a de acor- do com o confronto com o movimento do real. Mas, se desejamos transformar realidade, não pode ser através de qualquer prática. Esta deve corresponder a uma nova visão (logo, pautada numa reflexão crítica) e, mais do que isto, a uma nova postura (adesão interior, crença, convicção). A práxis plena, por- tanto, é muito complexa, já que envolve não apenas a reflexão e emoção (necessidade), mas também, para que possa realmente acontecer, a corres- pondência a determinadas condições objetivas (possibilidades). A escola não pode ser vista apenas como local de trabalho. Ela deve ser ao também espaço de formação, de estudo, de reflexão, de análise e de mudança. O processo de transformação exige a prática, pois o que muda a realidade é a ação e a reflexão sobre essa ação, no entanto sabemos que não é qualquer ação que produz a mu- dança que desejamos. Um dos caminhos para uma prática docente qualificada é o planejamento e a reflexão sobre esse planejamento. É fundamental que o professor tenha clareza da importância do planejamento para o desempenho de qualidade da atividade docente, visto que se não planejar conscientemente, a tendência é repro- duzir. Não basta o docente dominar o assunto, é preciso refletir sobre o que preten- de ensinar a partir da realidade do grupo, e assim organizar as informações de ma- neira significativa, isto é, que corresponda a alguma necessidade do sujeito no seu processo de desenvolvimento, compreensão e transformação da realidade. Para saber o que fazer, devemos primeiramente localizar as necessidades. O ponto de PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 7 partida para mudar uma determinada situação é o desejo de mudança, de aperfei- çoamento, de querer algo melhor. Devemos estar comprometidos com a construção de um sujeito que domine tanto o ‘por que’, o ‘para que’ e o ‘como’ aprender determinados conteúdos. No processo de desenvolvimento, o indivíduo deve ser capaz buscar o conhecimento por si, construir sua autonomia. “Uma das maiores violências que se pode fazer a um ser humano é negar-lhe um horizonte de futuro, uma perspectiva de vida, um projeto onde ele pos- sa se incluir.” (Vasconcellos, 2006) Acreditamos que as ações educativas são carregadas de valores, de intenções, inte- resses e teorias que orientam o educador na construção de uma nova postura edu- cativa. Porém, é fundamental que no decorrer do processo, esses elementos sejam teorizados e utilizados para guiar as ações e reflexões. Os professores precisam ter consciência acerca das ações que necessitam empreender para superar seus pro- blemas e limitações. Mas para organizar a ação e suscitar transformações em nos- sas práticas educacionais diárias, faz-se necessária uma investigação ativa e eman- cipatória. Esse processo de tornar-se investigador de sua própria prática não pode se dar de forma isolada, pois essa investigação educacional deve ser uma investiga- ção participativa para que a mudança seja possível nas diversas instâncias da soci- edade. De acordo com Mion (2001, p. 121) Refletir sobre a própria prática significa verificar como se constrói, na prática, o conhecimento crítico. Isto implica em mostrar como se faz o afastamento para poder refletir sobre; inclusive, mostrar como a investigação-ação educa- cional contribui para os processos de ensino-aprendizagem no ensino funda- mental, médio e superior, além de mostrar a viabilidade desta parceria na formação inicial e continuada de professores. Isto implica também em res- ponder a questão “O que é produzir conhecimento?” e encaminha-nos para o desenvolvimento profissional, entendendo esse desenvolvimento comoum processo de formação continuada, isto é, escolaridade formal. É preciso que o educador tenha consciência da incompletude; a percepção de que sempre há mais para conhecer, transformar, crescer; que educar é um constante desafio; uma luta diária à superação de si e à construção do outro. Ser educador é transformar-se continuamente, transformar o outro e a realidade, desvelando, assim, as condições de alienação e omissão que estão presentes no cotidiano. A prática reflexiva envolve um reconhecimento de que o professor necessita desem- penhar uma função ativa na construção de metas e finalidades de seu trabalho e de que precisa desempenhar uma ação de liderança na reforma educativa. É importan- te mencionarmos que a produção de novos conhecimentos sobre o ensino e a a- prendizagem não é compromisso apenas dos pesquisadores, dos bancos universitá- rios; os professores de ensino fundamental e médio também possuem teorias, de que podem contribuir com a construção de um conhecimento comum sobre as práti- cas de ensino. O conceito de professor como um profissional reflexivo surge para compreender e aperfeiçoar a própria experiência docente. Como diz Esteban & Zac- cur ( 2002 p. 21) É fundamental, portanto, que o/a professor/a se instrumentalize para obser- var, questionar e redimensionar seu cotidiano. Tal movimento se torna con- creto através do permanente diálogo prática-teoria-prática. A prática sinaliza questões e a teoria ajuda apreender estas sinalizações, a interpretá-las e a PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 8 propor alternativas, que se transformam em novas indagações, alimentando permanentemente o processo reflexivo que motiva a constante busca pela ampliação dos conhecimentos de que se dispõe. Alguns educadores fazem uma divisão entre teoria e prática e dizem p.ex., que a re- flexão fica no “antes” da atividade pedagógica, no pólo da teoria, e a ação fica no “depois” da reflexão, no da prática. Essa visão faz uma justaposição (e não intera- ção) e rompe a concepção de educação como práxis transformadora. Na perspecti- va dialética, a atividade educativa engloba tanto a Elaboração quanto a Realização Interativa, qual seja, reflexão a partir da prática, prática refletida, reflexão sobre a prática e sobre a reflexão (Vasconcellos, 2005). Teoria e prática se completam. Somente uma prática embasada pela teoria se sus- tenta, tem clareza de onde de quer chegar e que tipo de indivíduo quer formar. Por- tanto, dissociar esses dois pólos é fragmentar o processo educativo, ou melhor, mascará-lo, visto que quando não se tem uma teoria corremos o risco de reproduzir outras que, muitas vezes, não correspondem a nossa concepção de educação. CONSIDERAÇÕES FINAIS A escola constitui-se espaço fundamental para a formação da consciência, por isso seu papel é essencial na construção de uma nova sociedade. No entanto, para que isso ocorra é preciso que os educadores percebam a função social da escola e a responsabilidade que os mesmos possuem para que essa função realmente seja cumprida. Não há dúvidas de que o sistema educacional como um todo precisa rever seus pro- cessos pedagógicos e estratégias de ensino. Necessita também desenvolver a in- terdisciplinaridade e a transversalidade, qualificar os docentes e ter uma postura ati- va na formação de novos caminhos para a construção da cidadania, só assim tere- mos uma práxis libertadora. Enquanto não houver um processo de conscientização por parte dos educadores e da sociedade que a transformação da realidade só acontecerá através da educação; que somente com uma prática reflexiva e uma formação continuada dos docentes poderá sustentar esse processo de mudança, todo esforço para a transformação se- rá em vão. A escola deve ser o lugar que promove o espaço para a autoria vista como produção de sentidos e não como reprodutora de conhecimento. É preciso permitir que o alu- no produza sentidos. A instituição escolar tem de perder o medo da heterogeneidade e assumir-se como sociedade de discurso e, assim, contribuir para a abertura, para o novo, construindo a heterogeneidade da linguagem e dos sujeitos. BIBLIOGRAFIA ALVES, C. V. P. Aluno: produto discursivo das práticas escolares. In: BOHN, Hilário e SOUZA, Osmar (orgs.) Escrita e Cidadania. Florianópolis: Insular, 2003. PDF created with pdfFactory trial version www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com http://www.pdffactory.com 9 DELORS, Jacques e outros. Educação: Um tesouro a descobrir – Relatório para Unesco da Comissão Internacional sobre educação para o Século XXI. São Paulo: Cortez/Unesco, 1998. ESTEBAM, M. T. e ZACCUR, E. A pesquisa como eixo de formação docente. Rio de Janeiro: DP&A, 2002. FURLANETTO, M. M. 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