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FENÔMENOS DIGITAIS E PENSAMENTO COMPUTACIONAL Olá, Ao longo da história, tivemos vários modelos, assim como infraestruturas de comunicação e do ciberespaço, que caracterizaram diferentes fases tecnológicas. O telefone, a televisão, as fitas cassete, foram invenções que trouxeram inovações tecnológicas para cada época. O filme, por exemplo, foi o primeiro meio audiovisual que envolveu conceitos de “armazenamento e distribuição”. A televisão possibilitou a participação, mesmo que mínima, do telespectador. Hoje, vivemos imersos em uma cultura dominantemente digital, caracterizada pela digitalização do material até então analógico, e da convergência, em que várias mídias, que antes funcionavam separadamente, agora se associam em um mesmo ambiente, formando a hipermídia. A cultura digital abre espaço para a participação digital, que requer pessoas com novas habilidades e conhecimentos. Por isso, é tão importante que os educadores e a escola assumam o compromisso de desenvolver as competências necessárias para garantir a inclusão de todas as pessoas nessa nova cultura. Bons estudos! AULA 2 – EDUCAÇÃO E CULTURA DIGITAL Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir as características da cultura digital. Identificar como a cultura digital influencia a educação. Relacionar a cultura digital com os desafios diários da sala de aula. 2 AS CARACTERÍSTICAS DA CULTURA DIGITAL A cultura digital é uma nova cultura que surge a partir da digitalização das tecnologias analógicas, com o uso do microcomputador, além do desenvolvimento da cibernética, linguagens de programação, e ainda recebe influências de fatores sociais, políticos, econômicos, etc. Para compreender melhor as características da cibercultura, usaremos o teórico Lévy (1999), que utiliza termos como ciberespaço e cibercultura, que surgem no cenário digital. Segundo o autor: […] ciberespaço é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo "cibercultura", especifica o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço (LÉVY, 1999, p. 14). Assim, ciberespaço e cibercultura estão relacionados, sendo cibercultura no sentido de Levy (1999) é o termo que ele utiliza para se referir à cultura digital. O ciberespaço é um espaço aberto de comunicação composto por vários sistemas eletrônicos de comunicação que transmitem informações de fontes digitais. É uma mídia que reúne todos os dispositivos para gerar, registrar, comunicar e simular informações. A informação neste ambiente tem um caráter virtual é fluido, em tempo real, interativo, etc. Segundo Lévy (1999), a cultura que emerge desse ambiente, a cibercultura, expressa o desejo de criar laços sociais. Os laços sociais surgem da possibilidade de criar comunidades virtuais com interesses comuns e processos cooperativos abertos. O ambiente da tecnologia digital pode promover o vínculo. Cerveró (2007) refer-se a cibercultura partindo da reformulação da construção de conceitos que conhecemos que ainda se relaciona com a escrita e nos conduz à cultura clássica e humana. Na visão da autora, a cultura digital desestabiliza essa cultura clássica representando um novo marco na dinâmica sócio-cultural. Em suma, a cibercultura, ou cultura digital, está amplamente associada ao surgimento de novas formas de cultura relacionadas ao uso da Internet. Não é apenas cultura de computador, a cibercultura emerge da interação do ciberespaço com a cultura (GEERTZ, 2000). Ela conecta significados e modos de agir ou interagir no ciberespaço. Esta é uma forma diferente da que existia antes da chegada (CERVERÓ, 2007). 2.1 As Três Leis da Cibercultura Depois de discutir os principais conceitos de cibercultura, passamos às três principais leis que caracterizam a cultura digital e lhe conferem identidade, na perspectiva de Lemos (2010). A três leis que nos ajuda a entender a cibercultura de hoje, são a lei da liberação do polo de emissão, da reconfiguração sociocultural e de conexão em rede. 1ª lei: liberação do polo de emissão — A geração da Web 2.0 permitirá a liberação do polo de transmissão, permitindo que os destinatários passem a transmitir suas informações globalmente por meio de múltiplas mídias, amplificadas pela tecnologia digital e interatividade. Essas são características importantes que compõem uma cultura digital. A cultura digital é moldada por produtores e usuários. Existem muitos exemplos que surgem da lei de liberação do polo emissor. Junto com as atitudes positivas dos usuários como criadores de conteúdo, existem argumentos que estão fortemente ligados à redefinição dos direitos de propriedade intelectual, como a prática de software de código aberto. Adaptando-se ao meio cultural digital, novas e abertas licenças estão surgindo para o uso, modificação e distribuição de conteúdo. A liberação do polo de emissão ainda se refere à comunicação auto-organizada no nível sociopolítico, independente da mediação dos sistemas tradicionais de mídia. Vemos aqui princípios de coletividade e colaboração que também estão muito presentes na cultura digital. 2ª lei: princípio de conectividade generalizadas – as leis que caracterizam a cibercultura concentram-se nos princípios da conectividade em rede. “[...] É preciso emitir em rede, entrar em conexão com os outros, produzir sinergias, trocar pedaços de informação, circular, substituir” (LEMOS, 2009, p. 40). A inteligência coletiva é construída por meio da tecnologia digital baseada em atitudes colaborativas. As conexões sociais criadas em redes abertas na Internet favorecem o processo de conexão das mentes individuais. Essa rede de troca só é possível pela lei da conectividade generalizada, sendo assim, a cibercultura é moldada por meio de redes interativas de troca e compartilhamento entre indivíduos, grupos, comunidades, entre outros. Como exemplo podemos citar as redes de Ensino a Distância que são beneficiadas por esse princípio desenvolvendo um sistema de aprendizado colaborativo dentro da rede. Dessa maneira, estudantes de todo o mundo compartilham seus conhecimentos, ideias e interesses. 3ª lei: reconfiguração sócio-cultural – a cultura digital, moldada por atitudes ativas dos usuários como produtores de conteúdo em ambientes colaborativos e conexões em geral, contribui para mudanças profundas em termos de práticas e instituições sociais e culturais. A cultura digital reconfigura a grande indústria cultural e modifica as redes sociais das sociedades industriais (LEMOS, 2009). A cultura da tecnologia digital enriqueceu a diversidade cultural do mundo. Cenários de comunicação em rede opõem-se a modelos massificados de indústria e comunicação, revelando culturas locais em meio a um global supostamente homogeneizador. A grande variedade de possibilidades de troca e compartilhamento de conteúdo amplia o acesso aos mais diversos tipos de obras artísticas, culturais, etc. 2.2 A Cultura Digital e a Educação A cultura digital cria um novo cenário de participação social, cultural, profissional, etc., e é justamente por meio dessas tecnologias que avaliamos o quanto é possível integrar alguém em uma sociedade da informação completamente nova ou marginalizá-lo. A educação pode ajudar aqui, pois além do uso de ferramentas digitais, a principal tarefa das instituições escolares é envolver as pessoas nesse cenário de participação digital e desenvolver suas habilidades e competências para essefim. Portanto, não basta associar a cultura digital à escola sem antes considerar a necessidade de reestruturar as práticas de letramento. Conforme nos pontuam Lee e So (2014, p. 138), “[...] as pessoas precisam de competências e habilidades não tradicionais para lidar com a mudança dos ambientes sociais e tecnológicos”. Hoje, em meio a uma cultura digital, ser alfabetizado significa saber ler e escrever não apenas pelos meios tradicionais, mas também pela tecnologia digital. O uso educativo e cívico desse cenário digital vai muito além da simples atuação como consumidor de conteúdo. Observa-se que alunos chegam à escola com habilidades relacionadas à cultura digital. Desde cedo, a maioria deles sabe como usar dispositivos móveis, como navegar em mecanismos de pesquisa online, como editar filmes, fotos e conteúdo de mídia, como jogar e muito mais. No entanto, o principal desafio da escola não é apenas o acesso a essas tecnologias e a formação técnica, mas também a formação para o uso crítico e ético das próprias tecnologias. Quando falamos de alfabetização para a cultura digital, podemos citar o relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO, que une todas as alfabetizações necessárias para o desenvolvimento de habilidades importantes para o cenário digital. A essa reunião de várias áreas a Unesco nomeou de “alfabetização midiática e informacional (AMI), conforme Figura 1, a seguir (WILSON et al., 2013). Figura 1 – A união de várias áreas de alfabetização para o cenário digital Fonte: Wilson et al., 2013. Do ponto de vista organizacional, o cenário de alfabetização ideal para a cultura digital reúne práticas e saberes de múltiplos domínios. Com a convergência de tecnologias, não faz mais sentido tratar cada área de forma holística e não individualmente. A seguir, no Quadro 1, vamos apresentar as principais habilidades que consideramos relevantes para o ambiente de cultura digital. Quadro 1 – Habilidades para o século XXI e para a cultura digital Habilidade Descrição Jogar A capacidade de experimentar o meio digital como uma forma de resolução de problemas. Performance A capacidade de adotar identidades alternativas para fins de improvisação e descoberta. Simulação A capacidade de interpretar e construir modelos dinâmicso de processos do mundo real. Apropriação A capacidade de se apropriar e remixar conteúdo de mídia de maneira significativa. Multitarefa A capacidade ou habilidade de executar e gerenciar simultaneamente duas ou mais aplicações ou realizar duas ou mais tarefas simultâneas. Cognição distribuída A capacidade de interagir de forma significativa com ferramentas que expandem capacidades mentais. Inteligência coletiva A capacidade de reunir conhecimento e compará-lo com outros em direção a um objetivo comum. Julgamento A capacidade de avaliar a confiabilidade e credibilidade de diferentes fontes de informações. Navegação transmídia A capacidade de acompanhar o fluxo de informações através de múltiplas modalidades. Networking A capacidade de procurar, sintetizar e disseminar informações. Negociação A capacidade de se envolver em diversas comunidades online, discernindo e respeitando múltiplas perspectivas, e seguindo normas alternativas que visam o respeito mútuo. Fonte: Adaptado de Jerkins et al., 2016. Segundo Jenkins e colaboradores (2006), essas são as habilidades importantes para a promoção da participação na cultura digital, a partir do desenvolvimento dessas habilidades podemos promover a chamada inclusão social e digital para os dias de hoje. Todas essas habilidades incluem as pessoas nos mais diversos ambientes educacionais, profissionais, sociais e culturais contemporâneos. Tanto o professor como a escola precisam desenvolver ambientes que beneficiem o desenvolvimento dessas habilidades. Por isso, é importante salientar que não basta somente incluir aparelhos tecnológicos nas salas de aula, pois uma escola equipada com computadores não significa, necessariamente, inclusão digital. É necessário reformular as práticas de ensino e aprendizagem propícias para o desenvolvimento dessas habilidades e para garantir a formação adequada para esse contexto, dentro de um modelo aberto de aprendizagem, com metodologias e abordagens pedagógicas — sala de aula invertida, atividades e avaliações por pares, gamificação, etc (WILSON et al., 2013). 2.3 Os Desafios da Cultura Digital em Sala de Aula As demandas advindas do ambiente cultural digital apresentam diversos desafios em sala de aula tanto para professores quanto para alunos. O primeiro e mais importante deles é sem dúvida a transformação dos cenários educacionais tradicionais, substituindo os métodos clássicos por métodos mais abertos e colaborativos combinados com um ambiente digital. O modelo tradicional de sala de aula individual, onde o professor é o ponto central, também deve mudar. O ambiente de ensino e aprendizagem de hoje deve ser coletivo, onde todos colaboram e aprendem juntos. Dessa forma, criam-se salas de aula e escolas compatíveis com o ambiente de inteligência coletiva criado pelos cenários digitais (JENKINS et al., 2006). Essa mudança redistribuirá os papéis de alunos e professores, e os professores que precisam adotar uma abordagem equilibrada da tecnologia terão muito o que se preparar. Muitos desses professores que não são da nova geração nascidos na tecnologia digital tendem a resistir. Essa atitude acaba gerando críticas que afastam os alunos da escola. Por exemplo, muitos professores preferem proibir o uso de celulares em sala de aula ao invés de inserir o aparelho como ferramenta pedagógica. A tecnologia cria tensão para os professores desse segmento em relação à cultura secular da escola. Muitas pessoas comparam tecnologia antiga e nova e veem a nova tecnologia como uma "ameaça" real à cultura escolar. Outros educadores, por outro lado, adotam uma atitude completamente diferente. Eles destacam o uso da tecnologia digital com muito otimismo, sem apontar deficiências ou criticá-la. Green e Hannon (2007) referem-se a esta dicotomia, comparando pessoas com crenças cegas, quais a própria existência da tecnologia já é inovadora e positiva, e aquelas que são adeptas do pânico moral, que acredita que as tecnologias digitais da informação e comunicação é uma degeneração que devem ser combatidas. Outro grande desafio diz respeito às atitudes dos alunos. Apesar de estarem expostos a um ambiente que exige uma atitude positiva online, muitos não conseguem fazê-lo na sala de aula devido a um rigoroso modelo de ensino e aprendizagem em que os professores são sempre o centro do processo. Ainda acho difícil desempenhar um papel mais ativo papel no processo. Por exemplo, certas incertezas podem ser observadas em processos de aprendizagem colaborativa em que os alunos precisam trabalhar juntos ou liderar um grupo para alcançar um resultado comum. Construção do próprio conhecimento. Desenvolver o senso crítico em um ambiente digital também está se tornando um desafio. Os estudantes, principalmente as gerações mais jovens, tendem a ser reféns da tecnologia. Eles são muito bons no uso de telefones celulares, mas carecem de habilidades para desempenhar um papel importante nesse ambiente. Muitos deles não sabem selecionar ou avaliar criticamente o conteúdo fragmentado disponível nos diversos sites da rede e são vítimas de notícias falsas, as notórias fake News (WILSON et al., 2013). Os alunos devem não apenas saber filtrar e avaliar os conteúdos que consomem, mas também aprender a buscar e comparar diferentes fontes de informação. Tão importante quanto saber a autenticidade do seu conteúdo é saber tratá-lo com ética, respeitar os direitos autorais e combater o plágio. Dada a facilidade de acesso e criação de conteúdos, essa é uma situação queprecisa ser trabalhada em sala de aula, e vale ressaltar que o cenário da cultura digital é mais do que apenas um ambiente de entretenimento. Isso é especialmente verdadeiro para educadores que lutam para converter atividades regulares na Internet em atividades educacionais. Por exemplo, os jogos online são uma fonte de entretenimento, mas também são um meio muito barato de desenvolver habilidades contemporâneas. Jogos online massivos e mundos virtuais muito populares entre os jovens são ótimas ferramentas para desenvolver habilidades como autonomia, liderança, tomada de decisão, colaboração e solução de problemas necessárias no mercado de trabalho. Esses são alguns dos desafios que apontamos e consideramos importantes nas relações entre professores, alunos, sala de aula e cultura digital. Claro, existem muitos outros e você está convidado ou convidada a pensar em situações-problema em sala de aula que envolvem a cultura digital, que é dinâmica e propensa a novidades (LEE e SO, 2014). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CERVERÓ, A. C. Lectura, alfabetización en información y biblioteca escolar. Gijón: Trea, 2007. GEERTZ, C. La interpretación de las culturas. Barcelona: Gedisa, 2000. GREEN, H.; HANNON, C. Their space: education for a digital generation. Londres: Demos, 2007. JENKINS, H. et al. Confronting the challenges of participatory culture: media education for the 21st century. Chicago: The MacArthur Foundation, 2006. LEE, A. Y. l.; SO, C. Y. Media literacy and information literacy: similarities and differences. Comunicar: Media Education Research Journal, v. 21, n. 42, p.137-145, 2014. LEMOS, A. Cibercultura como território recombinante. In: TRIVINHO, E.; CAZELOTO, E. A cibercultura e seu espelho: campo de conhecimento emergente e nova vivência humana na era da imersão interativa. São Paulo: ABCiber, 2009. LEMOS, A. Cibercultura: tecnologia e vida social na cultura contemporânea. 5. ed. Porto Alegre: Sulina, 2010. LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999. WILSON, C. et al. Alfabetização midiática e informacional: currículo para formação de professores. Brasília: Unesco, 2013. WILSON, Carolyn; GRIZZLE, Alton; TUAZON, Ramon; AKYEMPONG, Kwame; CHEUNG, Chi-Kim. Alfabetização midiática e informacional: currículo para formação de professores. Brasília: UNESCO; UFTM, 2013.