Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

Disciplina | 
A Literatura Infantil e os Estados-Nação 
www.cenes.com.br | 1 
 
 
 
 
 
DISCIPLINA 
LITERATURA INFANTO-JUVENIL 
BRASILEIRA 
 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira| 
Sumário 
www.cenes.com.br | 2 
Sumário 
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2 
1 A Literatura Infantil e os Estados-Nação ------------------------------------------------------ 4 
2 Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil ---------------------------------------- 5 
3 A Questão do Cânone e a Literatura Infanto-Juvenil ------------------------------------- 12 
3.1 O Literário: Do Mundo Grego às Comunidades Imaginadas ---------------------------------------- 12 
4 Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao Ludos ----------------------- 15 
5 A Criança Como Personagem na Literatura Infantil -------------------------------------- 19 
6 Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica ------------------------------- 21 
6.1 A Literatura Infanto-Juvenil e Seu Estigma -------------------------------------------------------------- 21 
7 A Literatura Infanto-Juvenil e a Formação do Estado Brasileiro ---------------------- 25 
7.1 A Formação do Estado-Nação Brasileiro ----------------------------------------------------------------- 25 
8 A Literatura Infantil e os Dados Conteudísticos -------------------------------------------- 27 
9 A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 30 
9.1 Lobato, o Sítio e Muitas Histórias Por Contar ----------------------------------------------------------- 30 
10 Leitura Como Prática Social------------------------------------------------------------------- 35 
11 A Dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-Juvenil ---------------------------- 38 
12 Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Histórias e os Versos ------------------------- 39 
13 Imaginário, Fantasias e Maravilhas -------------------------------------------------------- 42 
14 As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil
 49 
14.1 Conhecendo Alguns Autores e Pressupostos ------------------------------------------------------------ 49 
14.2 A Literatura Infanto-juvenil, a Intertextualidade e Outras Estratégias Literárias ------------- 51 
15 Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura Infanto-Juvenil ------ 55 
16 Referências ---------------------------------------------------------------------------------------- 59 
 
Este documento possui recursos de interatividade através da navegação por 
marcadores. 
Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e 
DESCOMPLICADA pelo conteúdo. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira| 
Sumário 
www.cenes.com.br | 3 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infantil e os Estados-Nação 
www.cenes.com.br | 4 
1 A Literatura Infantil e os Estados-Nação 
Para o Estado-nação, a língua nacional e o limite territorial eram vistos como 
elementos indispensáveis, capazes de imporem uma identidade à nação (RENAN, 
1997). Entretanto, de acordo com Nelly Novaes Coelho, em Panorama Histórico da 
Literatura Infantil /Juvenil: 
Quando hoje falamos nos livros consagrados como clássicos infantis, os contos-
de-fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen, ou nas fábulas de 
La Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses nomes não 
correspondem aos verdadeiros autores de tais narrativas. São eles alguns dos 
escritores que, desde o século XVII, interessados na literatura folclórica criada pelo 
povo de seus respectivos países, reuniram as estórias anônimas, que há séculos 
vinham sendo transmitidas, oralmente, de geração para geração, e as transcreveram 
(COELHO, 1991, p.12). 
Estado-nação: quando se pensa em Estado-Nação, estamos longe de tratar de 
uma experiência político-institucional simples. Muitas vezes não paramos para indagar 
sobre o quanto o seu surgimento alterou as relações inter-humanas por todo nosso 
planeta. Em primeiro lugar, deve-se romper com qualquer linha de abordagem que 
insira a experiência histórica do Estado-Nação numa longa duração ligada aos Estados 
dos monarcas absolutos europeus. Contando de hoje, a experiência histórica do 
Estado-Nação ainda não completou dois séculos, tal como o Brasil mal tem 150 anos. 
Em segundo lugar, no rigor do conceito e da cronologia, a formação do Estado 
antecede ao surgimento daquilo que definimos como burocracia. Inicialmente, a 
experiência do Estado-Nação é circunscrita à Europa e às suas projeções coloniais no 
século XIX, sendo antecipada culturalmente pelos debates intelectuais e políticos do 
contexto do Iluminismo, quando houve a gradativa transformação no sentido que se 
dava à noção de Razão na prática administrativa, que passou da condição de mero 
cálculo/ratio para aquela de força constituidora das coisas. Nesse sentido, e somente 
nesse sentido, o Estado da Razão do final do século XVIII, diferentemente da Razão de 
Estado dos séculos XVI e XVII, não seria mais um simples mecanismo resultante da 
soma das partes através de um pacto, como pretendera Thomas Hobbes (1588-1679) 
em 1651 com seu “Leviathan”, mas a “coisa pública” em que os “objetivos públicos” 
deixavam de ter nos corpos estamentais de privilégios os suportes ou intermediários 
da ação político-administrativa estatal. Portanto, o Estado da Razão de finais do século 
XVIII pressupôs um tipo novo de poder/potência pública que aos poucos abandonou 
uma atitude jurisdicionalista (centrada na acomodação das partes de privilégio) e 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 5 
tornou-se apenas disciplina (ou seja, atitude constituidora da natureza de suas partes). 
Tal mudança de paradigma é historicamente indissociável do processo de 
burocratização – formação de um corpo de agentes da administração separados 
patrimonialmente dos meios administrativos – e da uniformização legislativa e fiscal 
do Estado. 
 
2 Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
Além dessas informações, também podemos acrescentar os textos da tradição 
oriental e mesmo da grega, que foram trazidos pelos estados modernos, em forma de 
adaptação, como As Mil e Uma Noites, que chegou ao continente europeu no século 
XVIII; por Galland; da mesma forma que La Fontaine, ainda no século XVII, traduz as 
fábulas de Esopo, com a presença de animais falantes sempre com moralidade, como, 
por exemplo, A galinha dos ovos de ouro, A cigarra e a formiga, A Raposa e a Cegonha, 
entre outras. 
Leia mais sobre os escritores falados acima e sua importância para a Literatura 
Infantil do Ocidente. 
Galland: Antoine Galland, escritor francês nascido no século XVII, introduziu no 
Ocidente inúmeras histórias de tradição oral do Oriente. Galland nasceu em uma 
família de camponeses na província de Somme, em 1646, e morreu em 1715. Ele era 
especialista em História, manuscritos antigos, línguas orientais e moedas. Galland 
esteve no Oriente, a convite do rei francês Luís XIV, com várias personalidades da 
política, das letras e da ciência. Era um colecionador de manuscritos e, em sua 
passagem pela Síria, descobriu os originais de “As Mil e Uma Noites”, feitos entre 
1704 e 1717. O escritor levou-os para a França, traduziu e publicou os contos mais 
importantes dessa obra e, ainda, acrescentou alguns outros, que circulavam oralmente 
– como o de “Ali Babá e os Quarenta Ladrões”. Para não chocar seus contemporâneos, 
Galland retirou do texto as passagens picantes. O sucesso foi imediato. Essa tradução 
de Galland não é a única, mas é a mais famosa. Especialmente nesse livro, a história 
de Ali Babá foi adaptada por Luc Lefort. Homem excepcional, seu diário testemunha a 
paixão pelo saber e pela verdade. Durante toda sua vida, Galland foi um homem 
simples.do folclore, da oralidade, ao mesmo tempo em que 
se efetivava uma ‘apropriação’ criativa dos valores estrangeiros. 
No caso da obra lobatiana, o autor concentrou a sua representação do que 
esperava do Brasil no espaço privilegiado do sítio de Dona Benta (LAJOLO; 
ZILBERMAN, 1985). Ali, por meio das tantas aventuras capitaneadas pela boneca 
Emília, por Narizinho, Pedrinho e muitos personagens que a eles se somam, refletiam-
se os valores do autor, suas críticas ao que considerava o atraso da realidade brasileira, 
suas perspectivas de modernização. 
Em termos de estrutura das narrativas de Lobato, devemos considerar marcas de 
mudança e de conservação. Com relação às primeiras, é reconhecida a importância 
positiva de o autor ter dado espaço para o protagonismo infantil – as crianças do sítio 
são agentes de muitas histórias, são espertas e ativas como todas as crianças, não são 
um exemplo acabado de certo bom comportamento esperado pela “norma” social. 
Entretanto, as peraltices mais acentuadas ficam a cargo da boneca Emilia – e os 
brinquedos tudo podem fazer, já que pertencem ao mundo da fantasia, o que também 
significou uma importante estratégia narrativa a renovar essa literatura. 
Outro aspecto relevante, apontado por Lajolo e Zilberman (1985) refere-se à 
rejeição de Lobato à linguagem gramatical normativa, como se pode ver, no trecho 
abaixo, de “O irmão de Pinóquio”: 
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia ‘diferente’ dos livros. Como quase todos 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 
www.cenes.com.br | 32 
os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios de termos do 
tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia traduzindo aquele português 
de defunto em língua do Brasil de hoje. Onde estava, por exemplo, ‘lume’, lia ‘fogo’; 
onde estava ‘lareira’ lia ‘varanda’. E sempre que dava com um ‘botou-o’ ou ‘comeu-o’, 
lia ‘botou ele’, ‘comeu ele’. – e ficava o dobro mais interessante. 
A crítica do narrador desse texto é clara e ainda faz, com o uso da 
metalinguagem, uma referência positiva sobre suas próprias estratégias de contar 
histórias, ou seja, avalia as demais narrativas infantis brasileiras como sendo pouco 
interessantes por não falarem a linguagem das crianças, e explicita essa avaliação no 
próprio “corpo” de uma história infantil. Entretanto, há aspectos em que se verifica 
certa conservação dos modelos até então vigentes. Vejamos o caso de Dona Benta: a 
proprietária do sítio, se, por um lado, representa a avó afetuosa e encorajadora das 
aventuras dos netos, ao mesmo tempo, é a narradora que detém o conhecimento 
acabado, isto é, de uma mulher idosa, que possui o sentido apropriado das histórias 
que narra. Ainda que garanta a devida adaptação dos chamados clássicos infantis, ou 
da própria linguagem a ser utilizada, ela é a representante da elite branca e culta de 
um Brasil ainda marcado por altas taxas de analfabetismo. 
Já Tia Nastácia, por outro lado, é a serviçal negra, herança do tempo colonial e 
escravocrata, que detém o saber popular, ao mesmo tempo valorizado, ao adentrar 
no espaço do Sítio, e subalternizado pelas frequentes críticas que recebe quando se 
torna também contadora de histórias. Essas e outras problematizações são 
desenvolvidas por Marisa Lajolo, em “A figura do negro em Monteiro Lobato”, do qual 
extraímos os trechos abaixo: 
Tia Nastácia, [...] desfruta da afetividade da matriarcal família branca para a qual 
trabalha e, ao mesmo tempo, apesar de suas breves, mas muito significativas incursões 
pela sala e varanda, encontra no espaço da cozinha emblema de seu confinamento e 
de sua desqualificação social. Ao longo da obra infantil lobatiana, a exceção ao carinho 
brincalhão que a cerca vem sempre pela boca da Emília que em momentos de 
discussão e desentendimento desrespeita a velha cozinheira, como sucede em 
algumas passagens de Histórias de Tia Nastácia [1957, p. 30]: 
“Pois cá comigo - disse Emília- só aturo estas histórias como estudos da 
ignorância e burrice do povo. Prazer não sinto nenhum. Não são engraçadas, não têm 
humorismo. Parecem-me muito grosseiras e até bárbaras - coisa mesmo de negra 
beiçuda, como Tia Nastácia. Não gosto, não gosto, e não gosto!” 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 
www.cenes.com.br | 33 
Entretanto, segundo Lajolo, nesse mesmo texto, os xingamentos de Emília são 
verossímeis e, “portanto, esteticamente necessários numa obra cuja qualidade literária 
tem lastro forte na verossimilhança das situações e na coloquialidade da linguagem” 
(idem). Assim, o acirramento das contradições sociais está presente na obra lobatiana 
principalmente na situação em que tia Nastácia, como contadora de histórias de 
tradição oral, é subalternizada em relação aos seus ouvintes, detentores da cultura 
escrita. Isso porque Lobato, de acordo com Lajolo, [...] ao contrário de seus pares, não 
se limita a reproduzir, em forma de antologia asséptica, as histórias que Tia Nastácia 
conta. Lobato reproduz a história encenando a situação de narração e recepção, 
pondo, pois, em confronto o mundo da cultura negra do qual, no caso, Tia Nastácia é 
legítima porta-voz e o mundo da modernidade branca, à qual dão voz tanto às 
crianças quanto à própria Dona Benta, também ela ouvinte de Tia Nastácia e também 
ela insatisfeita com as histórias que ouve. 
Desse modo, para Lajolo (1998), num Brasil que se queria moderno, à Tia Nastácia 
apenas restava o papel de “informante, de fornecedora de histórias das quais as outras 
personagens lobatianas se apropriavam”, elevando o seu conteúdo à relevância do 
folclore de acordo com estética modernista. 
Podemos compreender, dessa maneira, que a literatura infantojuvenil, aqui 
exemplificada com os textos paradigmáticos de Monteiro Lobato, como toda arte, 
dialoga com o tempo histórico no qual está inserida, apresentando seus avanços e 
contradições, suas possibilidades e limites. Isso porque os autores, enquanto criadores 
de mundos, neles veiculam, de forma mais ou menos consciente, seus valores, sua 
conformação ideológica e sua posição de classe. 
Entretanto, precisamos considerar o problema de “julgarmos” os valores e 
perspectivas de uma época com os de outra – ou seja, numa leitura apressada, seria 
possível, hoje, acentuar um caráter racista na obra lobatiana, mas esse não é um 
caminho adequado de análise. O importante é compreendermos os impasses pessoais 
e sociais então vividos pelo autor, por seu tempo, como explicou Lajolo no texto 
selecionado. Além disso, em um conto não direcionado ao público infanto-juvenil, 
“Negrinha”, Monteiro Lobato aponta duras críticas à hipocrisia e à crueldade de certos 
setores sociais em relação à desumana condição dos negros, como podemos perceber 
no excerto abaixo: 
Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha 
escura, de cabelos ruços e olhos assustados. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 
www.cenes.com.br | 34 
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos vivera-os pelos 
cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre 
escondida, que a patroa não gostava de crianças. 
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos 
padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas 
as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, 
recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma 
virtuosa senhora em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da 
religião e da moral”, dizia o reverendo. 
Ótima, a dona Inácia. 
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punha-lhe os nervos em carneviva. 
Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não 
suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste 
criança, gritava logo nervosa: 
— Quem é a peste que está chorando aí? 
Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da 
criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do 
quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero. 
— Cale a boca, diabo! 
No entanto, aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou 
frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer... 
Assim cresceu Negrinha 
— magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro 
anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés. Não compreendia a 
ideia dos grandes. Batiam-lhe sempre, por ação ou omissão. A mesma coisa, o 
mesmo ato, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos. Aprendeu a 
andar, mas quase não andava. Com pretextos de que às soltas reinaria no quintal, 
estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão 
da porta. 
— Sentadinha aí, e bico, hein? 
Negrinha imobilizava-se no canto, horas e horas. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Leitura Como Prática Social 
www.cenes.com.br | 35 
— Braços cruzados, já, diabo! 
Cruzava os bracinhos a tremer, sempre com o susto nos olhos. E o tempo 
corria. E o relógio batia uma, duas, três, quatro, cinco horas — um cuco tão 
engraçadinho! Era seu divertimento vê-lo abrir a janela e cantar as horas com a 
bocarra vermelha, arrufando as asas. Sorria-se então por dentro, feliz um 
instante. [...] 
 
Ao considerarmos esses diferentes enfoques e perspectivas de um mesmo autor, 
importa compreender que a leitura literária permite, como talvez nenhum outro tipo 
de discurso (ou seja, modo de linguagem que se concretiza em ato de comunicação 
tanto oral quanto escrita: discurso jornalístico, político, literário, entre outros), ampliar 
sentidos e perspectivas críticas em relação à realidade concreta da vida. Desse modo, 
qualquer imposição de um determinado sentido aos textos literários se torna 
descabida, empobrecedora e tão criticável quanto toda forma de censura. 
Aprofundar os sentidos da leitura e, especialmente, da leitura literária, como 
fonte de emancipação humana, é o nosso próximo assunto. 
 
10 Leitura Como Prática Social 
Lendo, fica-se a saber quase tudo, Eu também leio, Algo portanto saberás, Agora 
já não estou tão certa, Terás então de ler doutra maneira, Como, Não serve a mesma 
maneira para todos, cada um inventa a sua, a que lhe for própria, há quem leve a vida 
inteira a ler sem nunca ter conseguido ir mais além da leitura, ficam apegados à 
página, não percebem que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a 
corrente de um rio, se estão ali é para que possamos chegar á outra margem, a outra 
margem é que importa, A não ser, A não ser, quê, A não ser que esses tais rios não 
tenham duas margens, mas muitas, que cada pessoa que lê seja, ela, a sua própria 
margem, e que seja sua, e apenas sua, a margem que terá de chegar. 
Quando pensamos em leitura, partimos de uma concepção do ato de ler como 
atividade individual, capacitada pela alfabetização e progressiva escolarização das 
crianças e jovens. Consequentemente, como afirma Zilberman, em Leitura: História e 
sociedade, “ler não é inato ao ser humano, e essa circunstância - a de consistir em 
habilidade adquirida - denuncia, de imediato, a natureza social daquela atividade” 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Leitura Como Prática Social 
www.cenes.com.br | 36 
Como prática social, o desenvolvimento da habilidade leitora, sobretudo em um 
mundo balizado pelo código da escrita, transforma-se em condição definidora do 
acesso mais ou menos facilitado (quando não do efetivo entrave) às prerrogativas do 
exercício da cidadania. Nesse processo, o papel da escola e do/a professor/a, como 
mediador/a de leitura, é fundamental: 
Somente quando se ensina o aluno a perceber esse objeto que é o texto em toda 
sua beleza e complexidade, isto é, como ele está estruturado, como ele produz 
sentidos, quantos significados podem ser aí sucessivamente revelados, ou seja, 
somente quando são mostrados ao aluno modos de se envolver com esse objeto, 
mobilizando os seus saberes, memórias, sentimentos para assim compreendê-lo, há 
ensino de leitura. O papel da escola nesse processo é o de fornecer um conjunto de 
instrumentos e de estratégias para o aluno realizar esse trabalho de forma 
progressivamente autônoma (KLEIMAN, 2002, p. 28). 
Entretanto, para Maria da Glória Bordini, em Literatura: a formação do leitor 
(1993, p. 13), se todos os livros favorecem a descoberta de sentidos, são os textos 
literários “que o fazem de modo mais abrangente. Enquanto os textos informativos 
atêm-se aos fatos particulares, a literatura dá conta da totalidade do real, pois, 
representando o particular, logra atingir uma significação mais ampla”. Por esse 
mesmo ângulo de abordagem, Eliana Yunes, em “Políticas públicas de leitura – modos 
de fazer” (2003), afirma que o processo de desenvolvimento da leitura deve começar 
pela literatura, [...] pela contação de histórias, pela narrativa, pois ela excita nosso 
imaginário e organiza nossa narratividade. Justamente aí, na formação de nossa 
capacidade de dizer e de nos dizer, está o extraordinário poder da linguagem [ao] nos 
ensinar a pensar com autonomia e criticidade [...] além de construir nossa história 
pessoal, nossa intersubjetividade e identidade (2003, p. 16). 
Quando se realiza o ato da leitura, portanto, sobretudo, no caso da leitura 
literária, efetiva-se uma integração entre texto-leitor que, abrindo-se a muitos 
possíveis sentidos, revela inumeráveis perspectivas de compreensão do indivíduo com 
o mundo e consigo mesmo. Vejamos um exemplo dessa questão: vamos retomar o 
texto do escritor português José Saramago em epígrafe, que faz parte do romance A 
caverna (2000). Em uma primeira leitura, o tipo de registro escrito que o autor realiza 
não nos permite facilmente reconhecer a alternância das vozes que compõe o diálogo. 
Porém, se prestarmos bem atenção, veremos que se trata de duas personagens cujas 
falas se alternam após as vírgulas seguidas de letra maiúscula. Percebemos mais 
facilmente esse registro se fizermos a leitura do trecho em voz alta: experimente. E 
siga esse exemplo: 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Leitura Como Prática Social 
www.cenes.com.br | 37 
_ Lendo, fica-se a saber quase tudo, 
_ Eu também leio, 
_ Algo portanto saberás, 
_ Agora já não estou tão certa, 
_ Terás então de ler doutra maneira, 
_ Como, 
_ Não serve a mesma maneira para todos, cada um inventa a sua, a 
que lhe for própria, há quem leve a vida inteira a ler sem nunca ter 
conseguido ir mais além da leitura, ficam apegados à página, não percebem 
que as palavras são apenas pedras postas a atravessar a corrente de um rio, 
se estão ali é para que possamos chegar à outra margem, a outra margem é 
que importa, 
 
Vemos, assim, que não é difícil realizar a leitura se aceitarmos o desafio da 
abertura para novos códigos, para diferentes registros que, modificando nossa 
percepção imediata, exigem constante amadurecimento de nossa capacidade leitora 
e de interpretação. Esse desafio encontramos, com força e relevância, nos textos 
literários. 
No caso da literatura infanto-juvenil, essa tem a importante função de servir 
como uma espécie de chave inicial para o mundo da leitura que cria outros mundos 
possíveis. Entretanto, não podemos esquecer que o conceito de infância sofreu 
mudanças com o devir histórico. Vamos, então, relembrar duas passagens anteriores, 
da aula II e da III, respectivamente: nos séculos XVII e XVIII, durante o processo de 
afirmação da vida burguesa, “ambos, mãe e filho, são considerados infantis, vistos 
como menores, por isso, semvoz, uma vez que infantil é aquele que não é sujeito de 
sua própria enunciação”. Já a partir da segunda metade do século XIX, “A voz da 
criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade de impor um modelo 
comportamental vai sendo relativizado”. Portanto, conforme muda a concepção de 
infância, em função das circunstâncias histórico-sociais e culturais, altera-se a 
compreensão da importância da literatura direcionada a crianças e jovens. Isso 
também significa reconhecer a literatura infanto-juvenil “mais em termos do leitor do 
que das intenções dos autores ou dos próprios textos” (CECCANTINI, 2004, p. 21). 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 38 
Se concordarmos com essa última afirmação e considerarmos que é na escola 
que se efetiva institucionalmente o processo de formação de leitores, devemos 
ponderar sobre quais são os livros a serem encaminhados à leitura escolar: precisamos 
levar em conta, especialmente, o público a que se destina e, dessa forma, não 
podemos perder de vista a importância do reconhecimento de diferentes interesses 
por faixa etária, contexto histórico-cultural, entre outros elementos significativos no 
delineamento mais aproximado do grupo de leitores. 
De forma consequente, é responsabilidade do(a) professor(a) estabelecer os 
critérios para a adesão de seus alunos às atividades propostas, como avalia Marisa 
Lajolo, em Do mundo da leitura para a leitura do mundo (2004): 
Os projetos precisam abrir-se com a crítica da inevitável participação nos rituais 
de apropriação da literatura infantil pela escola e vice-versa: que os professores lutem 
por uma formação competente, regular e supletiva, que os liberte da tutela de cursos 
efêmeros e do paternalismo autoritário de receitas de leituras apostas a livros; que os 
autores se mobilizem no sentido de fazerem frente à escolarização de seus textos; e 
que os demais envolvidos - nós todos - discutamos nos circuitos, bastidores e 
arrabaldes da literatura infantil o caráter histórico da organicidade institucional dos 
livros infantis, refinando categorias para a compreensão dessa historicidade que 
também nos envolve, cumprindo, assim, de forma mais crítica, o papel que nos cabe, 
e que ninguém cumprirá por nós (2004, p. 74). 
Portanto, a potencialidade reflexiva que a leitura literária proporciona deve ser 
fruto do encantamento harmônico, que ocorre no decorrer de uma leitura. Esse 
envolvimento só será bem-sucedido se o(a) professor(a) fizer sua parte de 
motivador(a), selecionando os textos adequados aos interesses dos pequenos leitores 
em desenvolvimento, estimulando-os para o percurso de uma crescente 
complexidade de leituras. 
 
11 A Dimensão do Imaginário na Literatura Infanto-Juvenil 
Em 1935, Jorge Amado, na Revista Brasileira, publicou o texto “Livros Infantis” 
(apud LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 313), no qual afirma a dificuldade de escrever 
para crianças, pois elas são leitoras muito exigentes: “Para satisfazer [aos] leitores 
adultos é bastante relatar a vida, o quotidiano dos homens e dos ambientes ou ensinar 
alguma coisa. Não é preciso fugir do plano da realidade. Porém, a criança exige mais 
do que isto: exige imaginação”. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Histórias e os Versos 
www.cenes.com.br | 39 
O imaginar, o plano do sonho e da fantasia são fundamentos dessa literatura, 
mas, como veremos, as relações entre o ficcional e o imaginário são, na verdade, as 
bases da arte literária em todas as suas variadas formas de expressão, quer em prosa, 
quer em verso, nas narrativas ou nos poemas para crianças e adultos. Isso porque, a 
partir dos avanços dos estudos literários, psicanalíticos, antropológicos, entre outros, 
consolidou-se a ideia de que os seres humanos necessitam de uma instância de “faz 
de conta”, durante todos os períodos da sua vida: por isso há sempre público para 
novelas de TV, para o cinema, para o teatro e, claro, para a literatura. 
 
12 Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Histórias e os Versos 
Com os avanços da industrialização brasileira, com as novas perspectivas de 
crescimento econômico e modernização, a vida cultural do país também foi sofrendo 
mudanças significativas e a literatura infanto-juvenil acompanha esse processo. Um 
número maior de autores volta-se à escrita para crianças e jovens e são variadas as 
abordagens por meio das quais a vida rural, até então predominante em muitas 
histórias, perde terreno para o cenário urbano, em que são representadas situações 
da emergente classe média brasileira e seus novos hábitos de consumo (LAJOLO; 
ZILBERMAN, 1985). 
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1961, a formação de 
leitores torna-se parte fundamental do currículo escolar. Entretanto, isso não 
significou exatamente um avanço nas perspectivas críticas sobre a literatura dirigida 
aos pequenos, pois as histórias lidas e estudadas nas escolas eram, muitas vezes, 
pretexto para o ensino da gramática ou da linguagem, de modo amplo (BITENCOURT, 
2005; COELHO, 1991). Sem contar as “famigeradas” fichas de leitura, que 
apresentavam, na maioria das vezes, uma perspectiva unilateral dos textos, com 
respostas programadas e baseadas na memorização de certos aspectos básicos das 
histórias (por exemplo: pedir ao aluno que reproduzisse os nomes dos protagonistas; 
indicar, no melhor dos casos, sugerir, uma “mensagem” do autor que deveria ser 
encontrada no enredo etc.). 
De todo modo, a importância dada à leitura nessa época foi relevante para a 
institucionalização da literatura infanto-juvenil: [...] surgiram a Fundação do Livro 
Escolar (1966), a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (1968), o Centro de 
Estudos de Literatura Infantil e Juvenil (1973), as várias Associações de Professores de 
Língua e Literatura, além da Academia de Literatura Infantil e Juvenil, criada em São 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Histórias e os Versos 
www.cenes.com.br | 40 
Paulo, em 1979 (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 123). 
Esse processo foi resultante das mudanças registradas nesse período sobre a 
própria concepção de infância e a imagem da criança não mais como tábula rasa (ou 
seja, o vazio anterior a toda experiência) nem passiva, mas como “sofrida, inquieta, 
crítica, participante”. São exemplos dessa nova concepção a narrativa A prefeitura é 
nossa, de Giselda Nicolelis, e A bolsa amarela, de Lygia Bojunga Nunes (LAJOLO; 
ZILBERMAN, 1986, p. 178), entre muitas outras. 
Giselda Laporta Nicolelis: nasceu em São Paulo, em 27 de outubro de 1938, 
publicou sua primeira história em 1972 e o primeiro livro em 1974. Foi então que 
descobriu seu verdadeiro caminho: a literatura infantil e juvenil, crianças e 
adolescentes. Hoje sua obra abrange mais de cem títulos, entre livros infantis e juvenis, 
ficção, poesia e ensaio, publicados por dezenas de editoras, com centenas de edições, 
e milhões de exemplares vendidos. Exerceu também o jornalismo, em publicação 
dirigida ao público infantil e juvenil, e trabalhou como coordenadora editorial, em 
duas coleções juvenis. 
Sócia-fundadora do Centro de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil, cujo acervo 
se encontra atualmente na Universidade de São Paulo, da União Brasileira de 
Escritores, do Sindicato de Escritores do Estado de São Paulo e da Clearing House for 
Women Authors of America. É mãe do cientista Miguel Nicolelis. 
A bolsa amarela: publicado em 1976, é o terceiro livro da autora Lygia Bojunga 
Nunes. Nele, encontramos o ludismo que sempre esteve presente nos seus livros, mas 
que aqui atinge um perfeito equilíbrio entre a liberdade do imaginário e as restrições 
do real. A Bolsa é a história de uma menina que entra em conflito consigo mesma e 
com a família ao reprimir três grandes vontades (que ela esconde numa bolsa amarela)– a vontade de crescer, a de ser garoto e a de se tornar escritora. A partir dessa 
revelação – por si mesma uma contestação à estrutura familiar tradicional em cujo 
meio “criança não tem vontade” – essa menina sensível e imaginativa nos conta o seu 
dia a dia, juntando o mundo real da família ao mundo criado por sua imaginação fértil 
e povoado de amigos secretos e fantasias. Ao mesmo tempo em que se sucedem 
episódios reais e fantásticos, uma aventura espiritual se processa, e a menina segue 
rumo à sua afirmação como pessoa. Traduzido em vários idiomas, o livro foi encenado 
em teatros do Brasil, Bélgica e Suécia. Ilustrações de Marie Louise Nery. 
Os textos poéticos infantis igualmente ganharam, a partir dessa época, maior 
densidade imaginativa, um trabalho mais elaborado com a linguagem lúdica e criativa. 
Muitos foram os escritores que dedicaram livros de poesia aos pequenos leitores, dos 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Mudam-se os Tempos, Mudam-se as Histórias e os Versos 
www.cenes.com.br | 41 
quais, apenas a título de exemplo, citamos os seguintes: 
“Boa Noite. A zebra quis ir passear mas a infeliz foi para a cama 
- teve que se deitar porque estava de pijama.” 
 
 
O Peru 
“Glu! Glu! Glu! 
Abram alas pro Peru! 
O Peru foi a passeio 
Pensando que era pavão 
Tico-tico riu-se tanto 
Que morreu de congestão. 
O Peru dança de roda 
Numa roda de carvão 
Quando acaba fica tonto 
De quase cair no chão.” 
Também a poetisa Cecília Meireles (Rio de Janeiro, 1901/Rio de Janeiro, 1964) 
publicou títulos infantis, dentre os quais, se destaca o livro Ou isto ou aquilo (1964). 
A dimensão lúdica da poesia, a dimensão do jogo e do brincar encontram-se na 
análise de Odila Maria Ferreira Carvalho Mansur, em seu artigo “O imaginário na 
literatura infantil” a partir de um poema de Cecília Meireles: 
De acordo com Mansur: 
Poesia e jogo – é o que faz Cecília que, com poucas palavras, constrói o próprio 
‘jogar’. Recorre ao movimento das vogais e dá colorido, faz da repetição das 
consoantes possibilidades de iconizar os pulos e os vaivéns das bolas coloridas: l, R, r 
associadas às oclusivas p e b, mais algumas consoantes cujo valor expressivo também 
é significativo, como o m e o z. Faz pelo princípio anagramático relações de pertença, 
bem como projeta o ritmo e constrói as rimas. A rima, um recurso para agradar o 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 42 
ouvido, para mostrar requinte, elaboração, realça os planos de significação e facilita a 
memorização. Brincar com fragmentos sonoros é uma das primeiras tendências do ser 
humano e, como sabemos, muito próprio da criança, desde o momento em que ouve 
e que produz os primeiros sons. Brincar com a possibilidade da palavra, nomeando e 
re-nomeando objetos, experimentando o sabor e desmistificando o poder da língua 
faz parte dos processos de apropriação da linguagem falada, para posterior uso na 
cultura, e sociedade. Nessas primeiras descobertas da língua, a criança usa-a de 
maneira desinteressada, reproduz, associa, diverte-se. É comum a criança ligar-se à 
poesia, também, porque a expressão poética se faz por imagens, pelo raciocínio 
analógico – forma do pensar característica da criança. Atraída pela pluralidade de 
imagens, pela ambiguidade do sentido, pela fantasia, sensibilidade, afetividade, a 
criança abre os canais para a imaginação criadora e para o lúdico. Como toda forma 
de arte, a poesia é apreensão sensível. 
 
13 Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
E tudo era possível 
Na minha juventude antes de ter saído da casa de meus pais disposto 
a viajar eu conhecia já o rebentar do mar das páginas dos livros que já tinha 
lido 
Chegava o mês de maio era tudo florido o rolo das manhãs punha-se 
a circular e era só ouvir o sonhador falar da vida como se ela houvesse 
acontecido 
E tudo se passava numa outra vida e havia para as coisas sempre uma 
saída Quando foi isso? Eu próprio não sei dizer 
Só sei que tinha o poder duma criança 
Entre as coisas e mim havia vizinhanças 
E tudo era possível era só querer 
Ruy Belo, Homem de Palavra[s] 
 
Em “O fictício e o imaginário” (1999), Wolfgang Iser afirma que, de um modo 
geral, todas as pessoas sentem prazer em viver o “fingimento” propiciado pela 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 43 
literatura. Como fenômeno humano, é na literatura que se encontram duas 
disposições antropológicas que, nos textos literários, desvinculam-se de qualquer 
sentido pragmático: o fictício e o imaginário. Segundo o autor: “Quando mentimos, 
temos um certo propósito. O tipo de fingimento que ocorre na literatura não tem 
relação direta com propósitos dessa ordem” (1999, p. 67). Por meio da literatura, a 
invenção, o fictício, “compele o imaginário a assumir forma, ao mesmo tempo em que 
serve como meio para manifestação deste” (ISER, 1999, p. 70). Devemos compreender, 
no caso dessa afirmação de Iser, que o imaginário se identifica com a fantasia, com a 
capacidade humana de imaginar. Quando os textos literários nos apresentam mundos 
que não existem, pessoas inventadas, por mais próximas que se encontrem de 
referências da vida real, estamos no terreno da invenção, do “como se” – e aceitamos 
essa possibilidade. Por isso a literatura é tão importante: ela nos permite ultrapassar 
os limites da realidade imediata, o que significa apontar para as outras formas de 
vivência que não conhecemos. Por isso, também, ela é uma forma de conhecimento – 
por meio da literatura, podemos experimentar situações que nunca viveríamos, que 
desejaríamos viver, que nem pensamos que poderiam ser vividas. Entretanto, essa 
forma de conhecimento não se dá por nenhuma argumentação racional ou moralista: 
aliás, qualquer atitude panfletária fere a obra artística, em qualquer de suas 
manifestações. 
Nem panfletária, nem como forma de inculcação de “ensinamentos”, a literatura, 
destinada a crianças, jovens e adultos, constitui-se em forma artística. Nesse sentido, 
é importante sabermos distinguir entre educar e ensinar, como estabelece Ieda 
Oliveira, em seu artigo “A maioridade da literatura infantil” (apud RAMOS, 2006, p. 
207): 
[...] educar contém o prefixo latino e, variante de ex – ‘para fora’ – 
seguido do verbo ducere – ‘conduzir’. Significa, portanto, ‘conduzir para 
fora, ‘trazer para fora’. Ao passo que ensinar é in (‘dentro’) seguido de 
signare (‘colocar marca’ – signum é sinal, marca. Significa, por conseguinte, 
calcar de fora para dentro a mente do aluno, colocando nela informações. 
A conclusão da autora citada é que toda a arte está voltada para a educação, 
para o conhecimento humano que se processa para muito além da capacidade de 
reter “lições”. 
Nesse sentido, a literatura infanto-juvenil não estaria a reboque de uma literatura 
mais elaborada – pelo contrário, como já frisamos de diferentes modos, o público 
infantil é muito exigente. A sua especificidade há muito vem sendo estudada por várias 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 44 
áreas científicas, como a Psicologia, a Antropologia, entre outras. 
Em 1976, Bruno Bettelheim publicou A psicanálise dos contos de fada, no qual 
defende a importância dos contos de fadas “tradicionais” (os que foram diretamente 
vertidos do folclore popular de diferentes países europeus) para a afirmação da psique 
infantil. Para o autor: 
A cultura dominante deseja fingir, particularmente no que se refere 
às crianças, que o lado escuro do homem não existe, e professa a crença 
num aprimoramento otimista. A própria psicanálise é encarada como tendo 
o propósito de tornar a vida fácil. Mas não é o que seu fundador pretendeu. 
A psicanálise 
 
Wolfgang Iser: nasceu em 22 julho de 1926, na cidade alemã de Marienberg, 
estado da Saxônia, que, após a SegundaGuerra Mundial, passou a integrar a zona 
russa. Seu trabalho começou a atrair a atenção internacional quando se tornou 
membro fundador da Universidade de Constança, na fronteira da Alemanha com a 
Suíça. Constance era uma “reforma universitária”, com a intenção de corrigir vários 
limites institucionais do sistema universitário alemão. Por exemplo, em outras 
universidades alemãs, o estudo da literatura era realizado de acordo com as tradições 
nacionais ou linguísticas. Recusando-se a essa vinculação, Iser e seus colegas criaram 
um Departamento de Literaturwissenschaft (Ciência da Literatura), que estudou a 
instituição da própria literatura. A pesquisa inovadora, levou à formação da “Escola 
de Constance” de teoria e crítica literária. Juntamente com Hans Robert Jauss e 
Striedter Jurij, Iser ajudou a mudar o foco da teoria literária alemã na década de 1960: 
do autor para o leitor. Ao invés de perguntar o que uma obra de literatura significa, 
eles voltaram sua atenção para os sentidos do “trabalho” do leitor. Se Jauss delineou 
um modelo de como estudar a recepção histórica da obra de literatura 
(Rezeptionsaesthetik = Estética da Recepção), Iser focou seus estudos no ato de ler 
uma obra de literatura (Wirkungsaesthetik). Faleceu em Constança, em 24 de janeiro 
de 2007. 
As figuras nos contos de fadas não são ambivalentes - não são boas e más ao 
mesmo tempo, como somos todos na realidade. Mas dado que a polarização domina 
a mente da criança, também domina os contos de fadas. Uma pessoa é ou boa ou má, 
sem meio-termo. Um irmão é tolo, o outro esperto. Uma irmã é virtuosa e 
trabalhadora, as outras são vis e preguiçosas. Uma é linda, as outras são feias. Um dos 
pais é todo bondade, o outro é malvado. As ambiguidades devem esperar até que 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 45 
esteja estabelecida uma personalidade relativamente firme na base das identificações 
positivas. Então a criança tem uma base para compreender que há grandes diferenças 
entre as pessoas e que, por conseguinte, uma pessoa tem que fazer opções sobre 
quem quer ser. Esta decisão básica sobre a qual todo o desenvolvimento ulterior da 
personalidade se construirá, é facilitada pelas polarizações do conto de fada 
(BETTELHEIM, 1980, p. 17). 
Entretanto, não devemos perder de vista a seguinte observação de Bettelheim 
(1980, p. 20): “O conto de fadas não poderia ter seu impacto psicológico sobre a 
criança se não fosse primeiro e antes de tudo uma obra de arte”. Por sua dimensão 
artística, o conto de fadas permite variadas interpretações, de acordo com os 
diferentes momentos e interesses de cada criança. É o caso do seguinte exemplo: 
O motivo central de ‘Branca de Neve’ é a garota pré-adolescente 
superando de todos os modos a madrasta malvada que, por ciúmes, nega-
lhe uma existência independente - simbolicamente representada pela 
madrasta tentando destruir Branca de Neve. O significado profundo da 
história para uma garota de cinco anos, em especial, estava, todavia, bem 
longe desses problemas de pré-adolescência. Sua mãe era fria e distante, 
tanto que ela se sentia perdida. A história reassegurava-lhe que ela não 
necessitava se desesperar: Branca de Neve, traída por sua madrasta, foi salva 
por homens - primeiro os anões e depois o príncipe. Essa criança, também, 
não se desesperou por causa do abandono da mãe, mas acreditou que o 
resgate viria dos homens. Confiante de que ‘Branca de Neve’ mostrava-lhe 
o caminho, ela voltou-se para o pai, que respondeu favoravelmente; o final 
feliz do conto de fadas tornou possível a esta garota encontrar uma solução 
feliz para o impasse existencial em que a falta de interesse de sua mãe a 
projetara. Assim, um conto de fadas pode ter um significado importante 
tanto para uma criança de cinco anos como para uma de treze, embora os 
significados pessoais que deles derivam possam ser bem diferentes 
(BETTELHEIM, 1980, p. 24-25). 
A base de partida para essas considerações de Bruno Bettelheim está, como dito, 
nos estudos de Freud, para quem “os primeiros traços da imaginação criativa 
aparecem na infância e se expressam por meio de jogos e brincadeiras. Brincar é uma 
necessidade fundamental da criança”, conforme Ana Maria Machado (apud RAMOS, 
2006, p. 42). E a brincadeira é encarada como coisa muito séria, pois o contrário da 
brincadeira, na concepção freudiana, não é ser sério, “mas ser real. Porque a criança 
distingue perfeitamente seu mundo de brincadeira, imaginário, faz-de-conta, por 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 46 
oposição a tudo aquilo que constitui a realidade” (MACHADO apud RAMOS, 2006, p. 
43). 
Em linha de continuidade a essas diretrizes psicanalíticas, os psicólogos Mario e 
Diana Corso publicaram, em 2006, Fadas no divã: Psicanálise nas Histórias Infantis, no 
qual alargaram as concepções de Bettelheim, ampliando a análise dos contos infantis 
tradicionais para as atuais histórias publicadas para crianças e jovens, como a saga de 
Harry Potter ou os quadrinhos encenados pela turma da Mônica, de Maurício de 
Souza. Para tanto, os autores compreendem que “contos de fadas não precisam ter 
fadas, mas devem conter algum elemento extraordinário, surpreendente, encantador. 
Maravilhoso provém do latim mirabilis, que significa admirável, espantoso, 
extraordinário, singular” 
Desse modo, mesmo nas narrativas mais atuais, o elemento maravilhoso cumpre 
a função de garantir que se trata de outra dimensão, de outro mundo, com 
possibilidades e lógicas diferentes. “Assim fazendo, os argumentos da razão e da 
coerência já são barrados na porta, e a festa pode começar sem suas incômodas 
presenças, bastando pronunciar as palavras mágicas Era uma vez... como uma senha 
de entrada” 
Bruno Bettelheim: psicólogo austríaco nascido em Viena, de grande destaque 
histórico nos estudos sobre crianças com problemas mentais, sobretudo autistas. 
Discípulo de Freud, doutorou-se pela Universidade de Viena (1938). Logo em seguida 
foi internado pelos nazistas nos campos de concentração de Dachau e Buchenwald, 
ao ser libertado (1939), emigrou para os Estados Unidos. Nomeado pesquisador 
assistente da Progressive Education Association da University of Chicago, ganhou 
fama quando publicou um artigo de muita repercussão, sobre suas observações e 
experiências nos campos de concentração, individual and Mass Behaviour in Extreme 
Situations (1943). Revalidado seu doutorado da Universidade de Viena (1944), 
naturalizou-se cidadão estadunidense e tornou-se professor assistente de psicologia 
da University of Chicago e chefe da e University’s Sonia Shankman Orthogenic School. 
Iniciou, então, seus estudos com crianças vítimas de distúrbios emocionais graves, 
principalmente as autistas. Foi um dos especialistas que mais se debruçou sobre o 
estudo da influência dos contos de fadas. Para ele, a grande diferença entre este tipo 
de contos e os modernos é que os primeiros, ao contrário dos segundos, não remetem 
apenas para o encantamento, tratando também de problemas existenciais, algo que 
permanece inalterável com a passagem do tempo. Publicou importantes livros como 
Love Is Not Enough (1950) e Truants from Life (1954), Children of the Dream (1967) e 
The Uses of Enchantment (1976). Aposentado da escola (1973) morreu em 1990, por 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 47 
suicídio, em Silver Spring, Md., U.S., possivelmente deprimido pela morte da esposa 
(1984) e após sofrer um derrame cerebral (1987). 
Destacamos, abaixo, outros relevantes estudiosos da infância em suas diferentes 
abordagens: 
Jacques-Marie-Émile Lacan: (1901-1980) nasceu na França em Orleans. 
Formou-se em medicina, atuando como neurologista e psiquiatra e se considerava um 
psicanalista freudiano. [...] Se Freudutilizou conhecimentos da física e da biologia nos 
seus trabalhos, Lacan utilizou a Linguística, a lógica matemática e a topologia. Lacan 
mostrou que o inconsciente se estrutura como a linguagem. A verdade sempre teve a 
mesma estrutura de uma ficção, em que aquilo que aparece sob a forma de sonho ou 
devaneio é, por vezes, a verdade oculta sobre cuja repressão está a realidade social. 
Jean Piaget: (1896-1980) foi um renomado psicólogo e filósofo suíço, conhecido 
por seu trabalho pioneiro no campo da inteligência infantil. Piaget passou grande 
parte de sua carreira profissional interagindo com crianças e estudando seu processo 
de raciocínio. Seus estudos tiveram um grande impacto sobre os campos da Psicologia 
e Pedagogia. Em seus estudos sobre crianças, Jean Piaget descobriu que elas não 
raciocinam como os adultos. Esta descoberta levou Piaget a recomendar aos adultos 
que adotassem uma abordagem educacional diferente ao lidar com crianças. Ele 
modificou a teoria pedagógica tradicional que, até então, afirmava que a mente de 
uma criança é vazia, esperando ser preenchida por conhecimento. Na visão de Piaget, 
as crianças são as próprias construtoras ativas do conhecimento, constantemente 
criando e testando suas teorias sobre o mundo. Ele forneceu uma percepção sobre as 
crianças que serve como base de muitas linhas educacionais atuais. De fato, suas 
contribuições para as áreas da Psicologia e da Pedagogia são imensuráveis. 
Lev S. Vygotsky: (1896/1934) foi professor e pesquisador, contemporâneo de 
Piaget, e nasceu e viveu na Rússia. Dedicou-se nos campos da pedagogia e psicologia. 
[...] Partidário da revolução russa, sempre acreditou em uma sociedade mais justa sem 
conflito social e exploração. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento 
do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da 
linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada 
histórico-social. 
Carl Gustav Jung: (1875/1961) nasceu em Kesswil – Suiça, e faleceu em Zurique. 
As ideias de Jung abriram uma nova dimensão para compreender as diversas 
expressões da mente humana na cultura. Assim, “encontra, por toda parte, os 
elementos de suas pesquisas: em mitos antigos e em contos de fada modernos; nas 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Imaginário, Fantasias e Maravilhas 
www.cenes.com.br | 48 
religiões do mundo oriental e ocidental, na alquimia, na astrologia, na telepatia mental 
e na clarividência; nos sonhos e visões de pessoas normais; na antropologia, na 
história, na literatura e nas artes; e na pesquisa clínica e experimental” (HALL; LINDZEY, 
1973, p. 122). 
No campo atual da Sociologia da Infância, segundo o professor Manuel Jacinto 
Sarmento, no seu artigo “Imaginário e culturas da infância” (2003), vem ganhando 
terreno o conceito de “culturas da infância”, compreendido como “a capacidade das 
crianças em construírem de forma sistematizada modos de significação do mundo e 
da ação intencional, que são distintos dos modos adultos [...]”. As culturas da infância 
transportam as marcas dos tempos, exprimem a sociedade nas suas contradições, nos 
seus estratos, na sua complexidade. 
De acordo com o professor Sarmento, essa perspectiva cultural implicou nova 
compreensão da infância também no campo da Antropologia. Nesse sentido, cita 
Clifford Geertz, reconhecido antropólogo dos Estados Unidos: 
Surgiu uma concepção seriamente modificada da mente infantil – não uma 
confusão alvoroçada e florescente, não uma fantasia voraz, girando em desamparo 
num desejo cego [...] mas uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando 
sentido e usando sentido; numa palavra – a palavra de Nelson Goodman – construtora 
de mundo (2001, p. 186). 
Desse modo, o “imaginário infantil é um fator de conhecimento, e não uma 
incapacidade, uma marca de imaturidade ou um erro” (SARMENTO, 2003). Por essa 
perspectiva, a escola ganha contornos potencialmente criadores, concebendo-se sua 
constituição como lugar da cultura em que a comunidade educativa deve firmar o 
direito da criança “à participação cidadã no espaço coletivo” (SARMENTO, 2003). 
Nesse processo, a literatura cumpre papel de destaque, pois, como afirma Nelly 
Novaes Coelho em O conto de fadas – símbolos, mitos, arquétipos: 
Pela imaginação, varinha de condão capaz de revelar o homem a si mesmo, a 
literatura vai-lhe desvendando mundos que enriquecem o seu viver. O objetivo último 
da literatura é a experiência humana, o convívio com ela (2003, p. 118 – grifo da 
autora). 
De certo modo, é esse o sentido do poema abaixo, de Carlos Drummond de 
Andrade: 
A palavra mágica 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 49 
Certa palavra dorme na sombra de um livro raro. 
Como desencantá-la? É a senha da vida a senha do mundo. 
Vou procurá-la. 
Vou procurá-la a vida inteira no mundo todo. 
Se tarda o encontro, se não a encontro, não desanimo, procuro 
sempre. 
Procuro sempre, e minha procura ficará sendo minha palavra. 
 
A magia da palavra está na procura do sentido da existência – uma procura que 
se traduz no próprio segredo da vida quando é busca solitária, mas solidária, quando 
é procura interior e diálogo aberto com o mundo. Caminho que tem início na infância 
e em que, mais felizes certamente seríamos, se a infância fosse sempre o caminho. 
 
14 As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da 
Literatura Infanto-Juvenil 
14.1 Conhecendo Alguns Autores e Pressupostos 
Quando um autor desenvolve seu texto literário, ele seleciona e coloca em ação 
determinadas estratégias, conforme seu propósito estético. Ao contar uma história de 
suspense, por exemplo, ele pode optar por um narrador que participe da trama 
narrativa, de modo a não antecipar nenhum detalhe que colocaria em risco o clima de 
expectativa e mistério que quer no seu texto. De igual modo, conforme suas 
proposições, são selecionados os tipos de personagens, de cenário, de recorrência 
descritiva, se o texto será mais centrado na reflexão ou na ação e assim por diante. 
O mesmo acontece com os gêneros poéticos, pois o poeta igualmente seleciona 
determinadas métricas, ritmos, disposição gráfica e muitas outras estratégias literárias 
para a composição de seu poema, de acordo com sua proposta estética, com os 
resultados que pretende alcançar. 
Reconhecer as estratégias literárias colocadas em ação em um determinado texto 
é reconhecer a literatura como artefato de linguagem e, sobretudo, como fenômeno 
comunicativo. No âmbito da Teoria da Literatura, o problema de como conceber a 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 50 
obra literária, enquanto criação estética, em seu envolvimento com os dilemas da 
linguagem e do mundo que lhe é exterior, mereceu variadas e, não poucas vezes, 
opostas considerações analíticas. Trata-se, na verdade, de um questionamento sempre 
atualizado, na medida em que a literatura, enquanto fenômeno humano, é uma 
produção permanente e, como tal, não prescinde do diálogo das várias correntes de 
análise que, em suas discordâncias ou complementaridades, vão potencializando seus 
incontáveis e surpreendentes sentidos. 
Afirmar a permanência da produção literária significa, igualmente, compreender 
que novas/outras obras surgem a cada dia em meio as que surgiram no passado, seja 
ele mais ou menos remoto, daí o diálogo estabelecer-se como fundamental. Assim, 
devemos reconhecer que a potencialidade de sentidos da literatura se amplia no 
reconhecimento do caráter dialógico de toda obra literária e de sua historicidade. De 
forma consequente, no diálogo que as obras estabelecem dentro de si, entre si, com 
seu tempo presente e passado, resgata-se a comunicação da arte com a vida.Com relação a esse último aspecto, destacamos algumas das mais relevantes 
proposições de dois teóricos, Mikhail Bakhtin e Hans Robert Jauss. Ainda que tenham 
percorrido diferentes direções analíticas, ambos partem da concepção fundamental 
de que a literatura é um ato especial de comunicação. Dessa forma, enquanto ação 
comunicativa, a obra literária se constitui como artefato estético pleno de significações 
que são acessadas ou por sua constituição em linguagem, de acordo com a noção de 
alteridade, no caso da ótica bakhtiniana, ou por seu direcionamento a um leitor, a um 
público concreto, influenciado pelo devir histórico, elemento privilegiado pela Estética 
da Recepção, na formulação de Jauss. 
Ao aprofundar seus estudos, Bakhtin, em Estética da criação verbal (1992, p. 294), 
afirma que “o diálogo, por sua clareza e simplicidade, é a forma clássica da 
comunicação verbal”. Como as fronteiras que definem os enunciados são sempre de 
mesma natureza, fazem-se presentes também nas obras de construção complexa, 
como as artísticas. Além das fronteiras externas, elas possuem ainda fronteiras 
internas: o autor manifesta sua individualidade, sua visão de mundo, nos elementos 
estilísticos escolhidos. Essa marca individualizante caracteriza seus traços específicos 
que, no processo de comunicação verbal, diferencia sua criação das outras obras com 
obra” (JAUSS, 1994, p. 26). 
Entre o horizonte de expectativa preexistente e a aparição de uma nova obra há 
uma distância estética, objetivada nas reações do público e nos juízos da crítica, e que 
determina o caráter artístico de uma obra literária. Assim, para Jauss, quanto maior for 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 51 
a distância estética, maior será o valor artístico do texto literário. Por outras palavras: 
uma obra só se mantém atual se continua a provocar alguma atitude no leitor; daí a 
distância estética: a capacidade de uma criação literária continuar surpreendendo. 
Ao compararmos as ideias desses dois autores, em suas linhas mestras aqui 
esboçadas, devemos depreender, principalmente, que a literatura se instaura como 
um fenômeno artístico dirigido ao outro. Como ato comunicativo, a obra literária não 
possui, assim, um sentido fixo, imanente, mas se reatualiza, transmutando sua 
estruturação de sentido, bem como seu valor estético. Daí sua historicidade, pois, para 
Bakhtin, todo discurso implica uma atitude responsiva, um permanente olhar para trás 
como resposta e uma pergunta que se dirige ao seu tempo presente, ou antecipa o 
futuro. Para Jauss, como o texto sempre é uma resposta à pergunta de seu tempo, na 
reconstituição do horizonte de expectativa, dá-se uma fusão, que indica a 
possibilidade de a obra responder novas questões em épocas distintas. 
Nessas proposições, assinala-se o valor fundamental da literatura como um 
diálogo aberto com o mundo que lhe é exterior. Seguindo-se a ótica de Bakhtin, 
quando a obra literária transporta para seu universo as várias vozes sociais, processo 
inerente à sua própria existência como expressão, como linguagem comunicativa, ela 
estabelece uma ponte de ligação com a vida concreta. Não se trata de mera 
reprodução da realidade, senão que a realidade se projeta em seu interior com toda 
sua vivacidade. O passo seguinte é a possibilidade que se abre para o leitor de alargar 
seu horizonte, indo além de sua subjetividade no diálogo que estabelece com o outro 
do texto e os outros que nele dialogam. A partir das teses proferidas por Jauss, 
depreende-se que o texto literário, enquanto obra artística, ganha valor estético 
sempre que contraria as expectativas do leitor e, portanto, possibilita uma nova 
percepção de seu mundo. 
 
14.2 A Literatura Infanto-juvenil, a Intertextualidade e Outras Estratégias 
Literárias 
No E-Dicionário de termos literários, encontramos a seguinte definição de 
intertextualidade: 
Como se pode notar na constituição da própria palavra, 
intertextualidade significa relação entre textos. [...]. No sentido estrito, a 
palavra texto remete a uma ordem significativa verbal. Dentro dessa ordem, 
a literatura vale-se amplamente do recurso intertextual, consciente ou 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 52 
inconscientemente. Em razão disso, a intertextualidade faz-se operador de 
leitura. É importante marcar a primazia de Bakhtin em relação a esses 
estudos, divulgados por Julia Kristeva. É dela o clássico conceito de 
intertextualidade: “[...] todo texto se constrói como mosaico de citações, 
todo texto é absorção e transformação de um outro texto” (KRISTEVA, 1974, 
p. 64). 
 
A partir das concepções teóricas anteriormente apresentadas, vimos que a 
literatura se instaura no diálogo entre as vozes dos seus diferentes mundos ficcionais 
e, em qualquer gênero ou proposição estética, com os seus leitores, constituindo-se, 
desse modo, a relação inseparável que entrelaça autor/texto/leitor. Por essa 
perspectiva, os textos literários também dialogam entre si, estabelecendo-se a 
intertextualidade. 
No caso da literatura infanto-juvenil, ganha destaque a questão do leitor ao qual 
se dirige e que constitui, assim, sua especificidade. Por certo, o jogo intertextual que, 
de diferentes modos, pode aparecer nos textos, precisa ser reconhecido pelos 
destinatários potenciais desses textos. Muitas vezes, esse reconhecimento necessita 
da mediação do leitor adulto e, dessa forma, na realidade institucionalizada da leitura 
literária, serão os professores os principais mediadores capazes de enriquecer a leitura 
intertextual que as narrativas ficcionais infantojuvenis oportunizam. 
Nas narrativas lobatianas, que estudamos, encontram-se variadas referências 
intertextuais: personagens como Dom Quixote, Peter Pan, mitos greco-latinos, como 
Hércules, heróis dos primeiros filmes cinematográficos de cowboy, como Tom Mix, ou 
dos quadrinhos do início do século XX, como Gato Félix, são exemplos de alguns dos 
muitos diálogos que Monteiro Lobato manteve com a tradição literária e com as 
inovações culturais de seu tempo. 
Na literatura infanto-juvenil contemporânea, a intertextualidade se faz presente 
de muitas formas, como é o caso de Fazendo Ana Paz, de Lygia Bojunga Nunes (2004). 
Seguindo-se Rosa Maria Cuba Riche, em “Literatura infanto-juvenil contemporânea: 
texto/contexto, caminhos/descaminhos”, nesse livro de Lygia Bojunga, “o narrador 
retoma a Raquel, personagem de A bolsa amarela, um dos primeiros livros da autora, 
e reflete sobre as angústias do fazer literário” (1999, p. 6). Como podemos ler no 
trecho seguinte: 
Eu estava habituada a ver cada um dos meus personagens hesitar 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 53 
pra vir à tona: quase sempre ele era isso, e depois isso, e depois isso, antes 
de virar aquilo; passava de gente pra bicho, de mulher pra homem, de 
criança pra velho, até ser o que ele ia ficar; que devagarinho que ele abria a 
porta dentro de mim! Daí o meu susto com a Raquel: ela nem tocou a 
campainha: escancarou a porta, se aboletou no meu caderno, e só foi 
embora quando botei o ponto final no livro. Depois dela, tudo que é 
personagem que eu fiz, voltou a aparecer devagar: abria uma fresta da porta, 
dava uma espiada, sumia, voltava, a fresta ia aumentando... E tinha dias que 
eu pensava: será que filho meu mais nenhum vai chegar feito a Raquel 
chegou? 
E aí, um dia aconteceu de novo: ela chegou, e sem a mais leve 
hesitação foi me dizendo: - Eu me chamo Ana Paz; eu tenho oito anos; eu 
acho o meu nome bonito (NUNES, 2004, p. 11-12). 
Percebemos também, nesse fragmento, um recurso literário que já comentamos 
em nossasaulas: a metanarrativa, pois no “corpo” da história ficcional encontra-se 
uma reflexão sobre o próprio fazer literário. Essa estratégia, entre outros efeitos, 
permite, por um lado, certa diluição das fronteiras entre o criador e a criação, o que 
equivale a uma passagem do real (o fazer literário efetivo) ao mundo da fantasia e 
vice-versa. Por outro, entretanto, leva o leitor a refletir sobre o próprio ato criativo, do 
qual ele passa a ser uma espécie de testemunha e até mesmo de aprendiz desse jogo 
de inventar histórias. 
Outro recurso recorrente nos atuais textos infanto-juvenis é a paródia, como 
explica Rosa Maria Cuba Riche no artigo já citado: 
Situações e valores cristalizados pela história são retomados num 
outro texto que inverte o sentido do texto original e com ele dialoga numa 
espécie de contracanto. Trata-se de um jogo intertextual, em que um texto 
se opõe diretamente ao original. [...] Assim, Flávio de Souza, em Que história 
é essa? [1995], retoma o conto de fadas tradicional e narra sob o ponto de 
vista dos personagens secundários. No caso de Hoz Malepon Viuh Echer ou 
O caçador, um dos contos do livro em que até o título é invertido, a história 
de Chapeuzinho Vermelho é narrada sob o ponto de vista do caçador; é ele 
o protagonista e não mais a menina. O humor e a ironia também estão 
presentes na paródia como em Uma história meio ao contrário, de Ana 
Maria Machado, (1977), em Procurando Firme, de Ruth Rocha, (1984) [...] e 
em tantos outros títulos publicados anualmente (1999, p. 5). 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
As Estratégias Literárias e os Diferentes Suportes da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 54 
São inumeráveis os exemplos de obras que, ao recorrerem a essas e outras 
diferentes estratégias literárias (fragmentação temporal da narrativa, narradores mais 
ou menos participativos das aventuras e que possuem as mais variadas idades e 
perspectivas de mundo, etc.), enriquecem o processo artístico e reflexivo colocado em 
ação pelos textos. Porém, algumas dessas estratégias só conseguem o seu efeito se o 
leitor, especialmente no caso da intertextualidade e da paródia, possuir uma bagagem 
de leitura que lhe permita reconhecer o diálogo entre os textos. 
Sobre esse último aspecto, ampliar o leque de leitura das crianças e jovens sobre 
os “clássicos” torna-se, atualmente, cada vez mais desafiador. Por isso, entram em 
cena, muitas vezes, as adaptações, que, segundo a escritora Ana Maria Machado, não 
devem ser desconsideradas. Pelo contrário, em Como e por que ler os clássicos 
universais desde cedo (2002), a autora afirma: “O primeiro contato com um clássico, 
na infância e adolescência, não precisa ser com o original. O ideal mesmo é uma boa 
adaptação bem-feita e atraente” (p.15). 
Assim, dos clássicos às adaptações, com os muitos e variados recursos literários 
de que dispõem, as obras de literatura infanto-juvenil permitem o diálogo amplo de 
seus leitores com o mundo, com outros leitores e consigo mesmos. Diálogos plurais 
que vêm recebendo diversos meios/suportes de apresentação, como veremos a 
seguir. 
Na oitava edição da revista EntreLivros, de dezembro de 2005, Denise Góes 
apresenta uma reportagem intitulada “Cervantes: uma vida de tinta e sangue”, na qual 
encontram-se, em destaque, alguns dados relevantes sobre as adaptações do clássico 
D. Quixote para crianças: 
“A ideia de facilitar o contato dos jovens com a obra de Cervantes 
levou o escritor espanhol Agustín Sánchez Aguilar a fazer uma adaptação. 
Era uma vez Dom Quixote (Global Editora) foi traduzida pela escritora 
Marina Colasanti e traz ilustrações de Nivio López Virgil. Também com o 
objetivo de aproximar os leitores da obra-prima espanhola é que o escritor 
paulistano Leonardo Chianca e o ilustrador chileno Gonzalo Cárcamo 
lançaram Dom Quixote (DCL). O livro traz, em linguagem simples, além da 
adaptação, informações sobre a obra e seu autor. Duas outras obras 
merecem destaque. Uma delas é a adaptação feita pelo poeta Ferreira 
Gullar, Dom Quixote de La Mancha (Revan), lançada em 2002, na qual o 
autor procurou manter o espírito da obra e ao mesmo tempo criar um canal 
de comunicação com o leitor. A outra é uma velha conhecida que, em 2006, 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 55 
completará 70 anos. É a adaptação feita por Monteiro Lobato (1882-1922), 
Dom Quixote para crianças (Brasiliense). Segundo Marisa Lajolo, [...] a obra 
de Lobato segue as regras do gênero adaptação infantil, condensando e 
fazendo uma seleção de algumas aventuras do fidalgo manchego. Lobato 
não só adaptou, mas reescreveu o clássico. Por meio da leitura que Dona 
Benta faz da obra para os personagens do Sítio, Lobato aproxima a 
linguagem dos leitores e traz para o universo de Emília, Narizinho e Pedrinho 
o mundo fantástico de Cervantes. Há, no entanto, quem olhe com reservas 
iniciativas como essas. ‘Pode gerar no leitor a ideia de que já leu a obra e 
fazer com que deixe de aprofundar a leitura, afirma a professora Maria 
Augusta da Costa Vieira. ” 
 
15 Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura 
Infanto-Juvenil 
A cada dia, surgem novas tecnologias que permitem um maior acesso ao mundo 
- informações, entretenimento, cultura, arte, tudo está na rede virtual, ou mais 
exatamente, no world wide web, cuja sigla www é traduzida para o português como 
“rede de alcance mundial”. Como não poderia deixar de ser, a literatura também 
entrou na rede, embora existam reflexões menos otimistas com relação à 
potencialidade virtual do fenômeno literário. É o que afirma Marcos Palácios (2006 
apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 37): 
A maior parte dos sites encontrados pelas buscas, usando-se palavras chaves 
similares, leva a uma constatação inevitável: há um maior número de trabalhos de 
crítica à produção hipertextual e suas potencialidades do que propriamente um 
corpus vivo e em transformação de obras literárias hipertextuais para consumo na 
Internet. A vasta maioria das obras de ficção hipertextual disponibilizada na Internet 
tem data de produção situada no período 1994/2000. De lá para cá não parece haver 
ocorrido muito movimento ou desenvolvimento nesse setor. 
Essa falta de “naturalidade” da literatura para os suportes digitais/virtuais estaria 
no seu aporte oral e verbal (escrito) que sempre a fundamentou. Uma exceção, 
contudo, seria justamente com a literatura infanto-juvenil, que estabelece uma 
convivência “produtiva” entre várias linguagens, sejam verbais ou não verbais. Isso é 
facilmente constatado quando reconhecemos o peso especial que, mesmo no livro 
convencional, as imagens, as ilustrações possuem. Nesse sentido, seguindo-se Tania 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 56 
Rôsing e Miguel Rettenmaier (2008), um exemplo é a obra Flicts (1969), de Ziraldo, na 
qual, segundo Regina Zilberman (2005, apud RÖSING; RETTENMAIER, 2008, p. 38): As 
imagens, não figurativas, não correspondem a um ornamento do texto, contemplando 
informações escritas, pelo contrário, as cores é que falam, competindo à expressão 
oral esclarecer o assunto e explicar o conflito, vivenciado pelo herói, ele mesmo um 
pigmento que não encontra lugar no universo dos tons pictóricos. 
No mesmo artigo de Rôsing e Rettenmaier (2008), também são citadas, como 
exemplos da convergência harmoniosa de várias linguagens no texto literário infanto-
juvenil, as obras de Ângela Lago (como Cena de rua, de 2004) e de Juarez Machado 
(como em Domingo de manhã, de 1986). No caso de Angela Lago, a autora também 
possui um site, no qual, além das várias linguagens, concorrem as potencialidades de 
interação e interatividade nos seus textos. É interessante observar, nesse sentido, a 
diferençaentre intertextualidade e a hipertextualidade: 
[...] enquanto a intertextualidade é uma referência extratextual (que 
se encontra fora do texto lido), no hipertexto, muitas das correlações 
encontram-se dentro da própria mídia, podendo ser acessada por meio dos 
nexos. No site da autora (www.angela-lago.com.br) encontram-se três obras 
concebidas especialmente para a internet: Oh! narrativa lúdica entre um 
esqueleto e um cachorro atrapalhados; O ABCD de Ângela Lago, um 
conjunto de pequenas narrativas interativas e jogos envolvendo as letras do 
abecedário e a alfabetização; e Chapeuzinho! [...] A história é contada sem 
texto verbal escrito, apenas por meio de animações e sons. Na verdade, seria 
melhor falar de histórias, no plural, uma vez que a autora explora a interação 
de seleção (tipo de interação em que o leitor opta por caminhos, próprio do 
hipertexto), fornecendo múltiplos caminhos e desfechos para a história. 
Assim, o leitor pode optar se a Chapeuzinho segue o caminho indicado pela 
mãe ou vai pelo tortuoso, se avó deixa o lobo entrar na casa dela ou não, se 
a menina pede ajuda aos caçadores ou não etc., numa estrutura cheia de 
ramificações (NASCIMENTO, 2007, s/p). 
Se a virtualidade da realidade digital permite uma ampliação nunca vista de 
acesso ao conhecimento e à informação, não devemos esquecer, contudo que esse 
espaço virtual não está isento de assimetrias de acesso e, portanto, está atravessado 
por relações de poder. É o que expressa a reflexão de Maria Zilda da Cunha, no artigo 
“Hibridismo, múltiplas linguagens e literatura infantil e juvenil”: 
Cumpre lembrar, no entanto, [...] que tudo isso não está imergindo 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 57 
como um reino inocente, o ciberespaço vem sendo produzido pelo 
capitalismo contemporâneo e está impregnado das formas e paradigmas 
próprios do capitalismo global. E, deste ponto de vista, se há uma revolução 
no modo de como levamos nossas vidas, essa revolução não modifica a 
natureza do montante exclusivo daqueles que detém riquezas e o poder 
(basta pensar em empresas que concentram o tráfego da internet). Essa 
constatação, porém, não pode cegar para o fato de a capacidade da rede 
permitir espontaneidade nesse processo de comunicação, posto que não é 
totalmente organizado e é diversificado na finalidade e adesão. Isso 
possibilita uma multiplicidade de atividades interativas, antes inexistentes. 
Portanto, como estudiosos das linguagens, antes que o capital termine por 
colonizar o infinito, temos de reconhecer, diante de nós, brechas para a 
formação de comunidades culturalmente criativas e politicamente 
responsáveis. 
Esse encaminhamento de acesso à rede para a formação de “comunidades 
culturalmente criativas e politicamente responsáveis”, concordando-se com a autora 
citada, constitui-se em um dos maiores desafios atuais dos educadores. Além de 
perceber que esse acesso não está isento dos conflitos e efetivas limitações 
interpostas pela realidade social – a divisão entre os que têm computadores 
disponíveis e os que não têm, o que gera a exclusão digital - devemos considerar 
igualmente os limites da propagada interatividade hipertextual, que permitiria ao 
leitor/usuário da internet navegar por mares de informação abertos e infinitos. Na 
verdade, por um lado, de acordo com Capparelli (2002 apud RETTENMAIER; MATOS, 
2005), o leitor “percorrerá apenas as ilhas ou praias que o programa põe à sua 
disposição”. Por outro, se há uma infinidade de links externos que sempre podem ser 
acessados em meio a uma navegação, o problema é então o risco de dispersão: “o 
leitor começa a ler sobre a guerra do Oriente Médio e termina com o perigo da criação 
de cangurus na Austrália” (CAPPARELLI, 2002 apud ) RETTENMAIER; MATOS, 2005). 
Esses desafios aumentam o peso do papel dos professores como mediadores de 
leitura, seja no suporte livro seja nos mais atuais suportes multimídia. Nesse sentido, 
Roger Chartier, um dos grandes estudiosos da leitura como prática social, afirma que, 
apesar da importância dos recursos digitais, o livro tem seu lugar garantido nas atuais 
práticas leitoras e salienta a importância do trabalho do professor na promoção do 
ato de ler: 
O essencial da leitura hoje passa pela tela do computador. Mas muita 
gente diz que o livro acabou, que ninguém mais lê, que o texto está 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Livros, Mídias, Rede: Os Itinerários Abertos da Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 58 
ameaçado. Eu não concordo. O que há nas telas dos computadores? Texto 
- e imagens e jogos. A questão é que a leitura atualmente se dá de forma, 
fragmentada, num mundo em que cada texto é pensado como uma unidade 
separada de informação. Essa forma de leitura se reflete na relação com as 
obras, já que o livro impresso dá ao leitor a coerência e identidade - o que 
não ocorre na tela. É muito difícil manter um contato profundo com um 
romance de Machado de Assis no computador. [...] Na internet, não há nada 
que obrigue o leitor a ler uma obra inteira e a compreender em sua 
totalidade. Mas cabe às escolas, bibliotecas e meios de comunicação 
mostrar que há outras formas de leitura que não estão na tela dos 
computadores. O professor deve ensinar que um romance é uma obra que 
se lê lentamente, de forma reflexiva. E que isso é muito diferente de pular 
de uma informação a outra, como fazemos ao ler notícias ou um site. Por 
tudo isso, não percepção de totalidade, tenho dúvida de que a cultura 
impressa continuará existindo. 
Nesse fundamental processo de formação de leitores, que começa com as 
crianças e jovens, a literatura infanto-juvenil possui um privilegiado e desafiador 
espaço de atuação. Privilegiado porque, institucionalizada em um âmbito próprio, a 
escola pode se servir de um leque infindável de boas obras capazes de despertar a 
magia, a reflexão, o reconhecimento do mundo exterior e interior dos seus pequenos 
leitores. Desafiador, porque a leitura literária precisa ser constantemente realimentada 
nessa época de valores fluidos, ou como denominou o sociólogo polonês Zygmunt 
Bauman (2001), nessa pós-modernidade líquida em que vivemos. Hoje, os 
aparentemente sólidos valores da modernidade parecem não dar conta das novas 
realidades cambiantes de que fizemos parte: “estamos enfrentando um período de 
muita sensação de liberdade e, também, de muita desorientação e muita 
experimentação” (NICOLACI-DA-COSTA, 2005 apud RETTENMAIER; MATOS, 2005, p. 
159). 
Recordando que há muito ainda a se conquistar para: - a afirmação de uma rede 
virtual efetivamente democrática; - a superação da carência de bibliotecas escolares; 
- a garantia de acervos literários qualitativa e quantitativamente suficientes; - a efetiva 
formação de leitores competentes em nosso país, chegamos à conclusão do quanto 
todos os envolvidos com o processo educativo, em todas as suas frentes, são 
responsáveis na consolidação de um horizonte mais promissor para nossa infância e 
juventude. 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Referências 
www.cenes.com.br | 59 
16 Referências 
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. 
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1964. 
BANDEIRA, Manuel. Poesia Completa e Prosa. Volume Único. Rio de Janeiro: Nova 
Aguilar, 1977. 
CADEMARTORI, Ligia. O que é Literatura Infantil. São Paulo: Brasiliense, 1991. 
COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: 
Moderna, 2000. 
LEWIS, Carroll. Alice no país das maravilhas. 2002. 
MEIRELES, Cecília. Obra Poética. Vol. Único. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1987. 
MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de Janeiro: Aguilar, 
1980. 
TWAIN, Mark. As aventuras de Tom Sawyer. Tradução de Luísa Derouet. São Paulo: 
Abril Cultural,1980. 
ZILBERMAN, Regina; MAGALHÃES, Lígia Cademartori. Literatura infantil: autoritarismo 
e emancipação. São Paulo: Ática, 1984. 
ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução de Antônio Pinto de Carvalho. 
São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1964. 
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo. Tradução de 
José Martins Barbosa e Hemerson Alves Baptista. São Paulo: Brasiliense, 1989. 
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história 
da cultura. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. 
Prefácio de Jeanne Marie Gagnebin. São Paulo: Brasiliense,1994. 
COELHO, Nelly Novaes. Panorama Histórico da Literatura/ Juvenil: das origens Indo-
Europeias ao Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ática, 1991. 
MORAES, Vinicius de. Poesia Completa e Prosa. Vol. Único. Rio de Janeiro: Aguilar, 
1980. 
ABREU, Márcia (Org). Leitura, história e história da leitura. São Paulo: FAPESP, 1999. 
BANDEIRA, Pedro. O fantástico mistério de Feiurinha. São Paulo: Moderna, 1986. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Referências 
www.cenes.com.br | 60 
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 
BAKHTIN, M.; BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 
CHARTIER, Roger. Os livros resistirão às tecnologias digitais. Revista Nova Escola, 
edição 204, agosto de 2007. 
CUNHA, Maria Zilda. Hibridismo, múltiplas linguagens e literatura infantil e juvenil. 
FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança. 10 ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 
GÓES, Denise. Cervantes: uma vida de tinta e sangue. In: Entrelivros, edição 8, 
dezembro de 2005. 
JAUSS, Hans Robert. A História da Literatura como provocação à Teoria Literária. São 
Paulo: Ática, 1994. 
KRISTEVA, Julia. Introdução à semanálise. São Paulo: Perspectiva, 1974. 
MACHADO, Ana Maria. Como e porque ler os clássicos universais desde cedo. São 
Paulo: Objetiva, 2002. 
NASCIMENTO, José Augusto de Abreu. A leitura hipermídia: formando os leitores do 
século XXI. Anais... Comunicação no IV Congresso de Letras da UERJ, São Gonçalo, 
2007. 
NUNES, Lygia Bojunga. Fazendo Ana Paz. 6. ed. São Paulo: Agir, 2004. 
PAES, José Paulo. Um número depois do outro. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 
1993. 
RETTENMAIER, Miguel; MATOS, Jossemar de. A nova postura do leitor e os novos 
sentidos do texto poético. In: RÖSING, Tania; RETTENMAIER, Miguel (Orgs.). Questões 
de leitura para jovens. Passo Fundo: UPF, 2005. 
RICHE, Rosa Maria Cuba. Literatura infanto-juvenil contemporânea: texto/contexto, 
caminhos/descaminhos. 
RÖSING, Tânia; RETTENMAIER, Miguel. Leitura e hipertexto: a lição da literatura 
infanto-juvenil. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 36-39, abr./jun. 2008. 
1 
 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Referências 
www.cenes.com.br | 61Ele foi um pouco a imagem da obra que nos fez descobrir. 
La Fontaine: francês de origem burguesa, nascido na região de Champagne, foi 
autor de contos, poemas, máximas, mas com as fábulas ganhou notoriedade mundial. 
Resgatando fábulas do grego Esopo (século VI a. C.) e do romano Fedro (século I d. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 6 
C.), os textos de La Fontaine não apresentam grande originalidade temática, mas 
recebem um tempero de fina ironia. O autor francês não só tornou mais atuais as 
fábulas de Esopo, como também criou suas próprias, dentre elas “A cigarra e a 
formiga” e “A raposa e as uvas”. Contemporâneo de Charles Perrault, frequentava a 
corte do Rei Sol - Luís XIV, de onde extraiu informações para sua crítica social. Integrou 
o chamado “Quarteto da Rue du Vieux Colombier”, composto também por Racine, 
Boileau e Molière. Participou da Academia Francesa com ingresso em 1683, em que 
sucedeu o famoso político Colbert, a quem se opunha ideologicamente. Estreou no 
mundo literário em 1654 com uma comédia. A publicação da primeira coletânea de 
fábulas data de 1668, sucedida de mais onze, lançadas até 1694. No prefácio dessa 
primeira coletânea, deixa bem clara suas intenções na constituição dos textos: “Sirvo-
me de animais para instruir os homens”. Morreu aos 73 anos sendo considerado o pai 
da fábula moderna. As narrativas de La Fontaine estão permeadas de pensamentos 
filosóficos com forte moralidade didática e, apesar de tão antigas, mantêm-se vivas 
até hoje. 
Esopo: foi um célebre fabulista grego, provavelmente nascido no ano de 620 a. 
C. Segundo o historiador Heródoto, Esopo teria nascido na Trácia, região da Ásia 
Menor, tornando-se escravo na Grécia. Outro historiador, Heráclites do Ponto, afirma 
ser o roubo de um objeto sagrado a causa da morte do fabulista. Como era costume 
no caso de sacrilégios, Esopo teria sido atirado do alto de um rochedo. Discute-se a 
sua existência real, assim como acontece com Homero. Assim, há ainda alguns 
detalhes atribuídos à biografia de Esopo, cuja veracidade não se pode comprovar: 
seria aleijado, com dificuldades de fala e seria um protegido do rei Creso. Levanta-se 
a possibilidade de a obra esopiana ser uma compilação de fábulas ditadas pela 
sabedoria popular da antiga Grécia. Seja lá como for, o realmente importante é a 
imortalidade das fábulas a ele atribuídas. As primeiras versões escritas das fábulas de 
Esopo datam do séc. III d. C. Muitas traduções foram feitas para várias línguas, não 
existindo uma versão que se possa afirmar ser mais próxima da primordial. Destaca-
se, entre os estudiosos da obra esopiana, Émile Chambry, profundo conhecedor da 
língua e da cultura gregas. Chambry publicou, em 1925, Aesoi -– Fabulae, em que 
trabalha com 358 fábulas. Características das fábulas esopianas: narrativas, 
geralmente, curtas, bem-humoradas e relacionadas ao cotidiano; encerram em si uma 
linguagem simples, pois se dirigem ao povo; contêm simples conselhos sobre 
lealdade, generosidade e as virtudes do trabalho; a moral é representada por um 
pensamento, nem sempre relacionado diretamente à narrativa; personagens são, 
basicamente, animais que apresentam comportamento humano 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 7 
A célebre fábula A Raposa e as Uvas, atribuída a La Fontaine, é, na verdade, uma 
tradução do grego para o francês. Veja a sua reprodução abaixo: 
A Raposa e as Uvas 
Certa raposa matreira, que andava à toa e faminta, ao passar por uma 
quinta, viu no alto da parreira 
um cacho de uvas maduras, sumarentas e vermelhas. 
Ah, se as pudesse tragar! 
Mas lá naquelas alturas não podia alcançar: 
Então falou despeitada: 
- Estão verdes essas uvas. 
Verdes não servem pra nada! 
Como não cabem quatro mãos em duas luvas, Há quem prefira 
desdenhar a lamentar. 
(La Fontaine) 
Nesses textos, sempre em uma linguagem metafórica, os animais têm um 
comportamento humano, como falar, ter ressentimentos e covardia; trazem em seu 
final uma mensagem moral, de cunho pedagógico; também em forma figurativa, 
conotativa, que, quando passada para a linguagem de denotação, presta-se a uma 
aplicação prática. Em outras palavras, “Como não cabem quatro mãos em duas luvas, 
Há quem prefira desdenhar a lamentar.”, quer dizer que, diante do inevitável, por 
conta, talvez, da incapacidade, é mais fácil desdenhar a assumir a incompetência. 
Essa volta ao passado desempenhou um papel preponderante na busca de 
sedimentação dos valores então em voga; pois, desde o século XVII, com a troca de 
eixo da ordem cosmológica teocêntrica pela antropocêntrica, que a Europa sofreu 
sérios abalos em seu pilar ideológico medieval. Ocorreu a laicização do saber, antes 
restrito à visão dogmática da Igreja, tendo levado Galileu, com o seu heliocentrismo, 
a permanecer em prisão domiciliar por ter ousado questionar a fé corrente de que a 
Terra era o centro do Universo, lugar escolhido por Deus para morada do homem. A 
Reforma Protestante de Lutero incide na Igreja outro duro golpe, quando esse 
questionou as ações papais, como a venda de indulgências. 
A ciência engatinha, porém, através de seu método investigativo, deixa de lado 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 8 
o saber contemplativo e volta-se para a realidade de forma experimental. Fé e razão 
passam a ter esferas distintas, a primeira condicionada à metafísica, à verdade 
revelada, e a segunda busca, através do método rigoroso de explicação dos 
fenômenos, a verdade científica. Segundo o professor Antônio Cândido, em Formação 
da Literatura Brasileira (1976): 
Por Ilustração, entende-se o conjunto das tendências ideológicas próprias do 
século XVIII, de fonte inglesa e francesa na maior parte: exaltação da natureza, 
divulgação apaixonada do saber, crença na melhoria da sociedade por seu intermédio, 
confiança na ação governamental para promover a civilização e bemestar coletivo. 
Sob o aspecto filosófico, fundem-se nela racionalismo e empirismo; nas letras, pendor 
didático e ético, visando empenhá-las na propagação das Luzes (CÂNDIDO, 1976, 
p.43-44). 
Tomando-se Ilustração como sinônimo de Iluminismo, - que na Alemanha 
ganhou o nome de Aufklärung - percebe-se o quanto o movimento racionalista foi 
importante, no sentido da busca pela explicação das demandas, sejam elas no campo 
da representação governamental, científica ou religiosa. 
Tais indagações passaram a ser embasadas no princípio da racionalidade, 
encerradas na expressão de Descartes: Penso, logo existo. O filósofo francês Descartes, 
trazendo do século anterior alguma coisa do método de Galileu, eleva-o ao sentido 
primeiro do filosofar, com a dúvida metódica, isto é, a partir da dúvida, da não certeza, 
investiga-se e chega-se à descoberta e, mais do que tudo, com a possibilidade da 
demonstração. 
Descartes, seguindo rigorosamente o caminho, o método por ele estabelecido, 
começa duvidando de tudo, até reconhecer como indubitável o ser do pensamento. É 
na descoberta da subjetividade que residem as variações do novo tema. O filósofo 
passa a se preocupar com o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) mais do que 
com o objeto conhecido. Outros filósofos, além de Descartes, também se dedicam ao 
problema do método, tais com Bacon, Locke, Hume, Spinoza (ARANHA,1993, p. 154). 
Tal cenário sustenta-se no triunfo da razão sobre a fé, com contribuições de 
filósofos franceses como D’Alembert, Diderot, Voltaire, Montesquieu e Rousseau 
chamados de enciclopedistas. No Discurso Preliminar da Enciclopédia, de 1751, afirma 
o primeiro: 
Descartes teve pelo menos a ousadia de ensinar os espíritos bons a sacudir o 
jugo da Enciclopédia, da opinião, da autoridade, em uma palavra, dos preconceitose 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 9 
da barbárie; e por meio desta revolta,cujos frutos hoje recolhemos, prestou à filosofia 
um serviço talvez mais essencial do que todos os que deve aos seus ilustres sucessores 
[...] Embora acabasse por acreditar que podia explicar tudo, começou, pelo menos, 
duvidando de tudo; e as armas de que nos servimos para combatê-lo, embora contra 
ele,nem por isso lhe pertencem menos [...] (apud MOUSNIER et al., 1961, p.16). 
Logo, D’Alembert mostrou que aqueles que criticaram Descartes, se valiam da 
mesma estrutura mental, ou seja, da dúvida, para chegarem a tal fim. 
Em Do contrato social, Rousseau atribui a obediência à Lei como a verdadeira 
liberdade, em nome da soberania: 
Aquele que recusar obedecer à vontade geral a tanto será constrangido por todo 
um corpo, o que não significa senão que o forçarão a ser livre, pois é essa a condição 
que, entregando cada cidadão à pátria, o garante contra qualquer dependência 
pessoal (1973, p. 42). 
Esses pensadores foram bastante tributários dos avanços ocorridos na Inglaterra, 
ainda no século XVII, amparados no também filósofo Locke, levando à Revolução 
Gloriosa de cunho liberal. Locke foi muito influenciado pelo pensamento de Descartes, 
logo depois, deixa o aparato da lógica, para se voltar para o dado psicológico, no 
entendimento do ser humano. Entretanto, a ascensão da burguesia, no território 
franco, só ocorre com a chamada Revolução Francesa de 1789. 
Finalmente, a sociedade francesa é agitada por uma série de convulsões que se 
repercutem, graças à analogia das circunstâncias, por toda a Europa Ocidental. A 
resultante histórica das várias forças que participaram na Revolução Francesa é o 
primeiro triunfo decisivo da alta burguesia no terreno político, ao cabo de uma 
sucessão de fases, em que o dinamismo revolucionário pertenceu sucessivamente a 
uma fração de alta nobreza, à noblesse de robe, aos camponeses, à burguesia 
provinciana (Girondinos), aos pequenos burgueses (Terror de Robespierre) a outras 
camadas mais populares (Babeuf) (SARAIVA; LOPES, 1971, p.599). 
Por isso, torna-se importante destacar que o papel da família, como núcleo 
societário, contrário ao modelo estamental da monarquia, estabeleceu esferas de 
ação, de modo hierárquico, para o homem, para a mulher e para os filhos. E Pedro 
Paulo de Oliveira, em A Construção da Masculinidade, confirma a afirmação: 
A assimetria de poder na família era reforçada pela disposição da nova ordem 
em promover uma separação total entre homens e mulheres: pensava-se na época 
que quanto mais feminina a mulher e mais masculino o homem, mais saudáveis a 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 10 
sociedade e o Estado. Nessa separação, a autonomia do gênero masculino contrastava 
com a submissão feminina. A subjugação da mulher ia ao encontro da constituição de 
uma família nuclear para a qual o lar, com os afazeres domésticos e os cuidados com 
as crianças, se tornaria seu espaço legítimo, enquanto aos homens ficaria destinada a 
esfera pública, a esfera do poder. Na sociedade burguesa as funções da mulher foram 
postas com clareza: mãe, educadora, controladora dos empregados (quando eles 
existirem), provedora de afeto e carinho (OLIVEIRA, 2004, p.49). 
Esse modelo comportamental vem a reboque de amplas mudanças na vida 
urbana europeia, de forma mais ampla, já que o campesinato, quase sempre, com o 
início da industrialização, migra para os grandes centros europeus, como Paris e 
Londres, para formar a massa do operariado. Para se ter uma ideia da projeção do 
crescimento populacional nessas capitais europeias, no século XVIII, a população das 
cidades representava 2%; enquanto, em meados do século XIX, 42 % da população 
europeia vivia em zona urbana (RÉMOND, 1976). 
A Alemanha e a Itália optam pela unificação de seus territórios devido à crescente 
industrialização e esse processo: 
Atendeu basicamente aos interesses de uma burguesia desejosa de formar um 
amplo mercado nacional para seus produtos. Assim ocorreu na Itália, onde a 
unificação partiu do Reino do Piemonte-Sardenha (Norte Industrial) para o Sul, 
destacando-se as figuras de Vítor Emanuel II e seu Ministro Cavour. Na Alemanha, a 
unificação econômica, através da União Aduaneira (Zollverein), antecedeu à unificação 
política. Essa foi realizada sob a direção da Prússia em três guerras sucessivas, que 
afastam a Dinamarca, a Áustria e a França de seu caminho (AQUINO, 1993, p. 107). 
Como se vê, a unificação de condados levou a estados europeus fortes, que 
necessitaram de parâmetros comportamentais, contrários aos do passado, 
coincidindo com o Romantismo literário. E a mulher ganha destaque nessa divisão de 
papeis já que deve assumir uma função pedagógica diante do filho, ainda que, 
socialmente, esteja condicionada ao marido e à prole, isto é, sua autonomia está em 
não ter autonomia nenhuma. É o que Rousseau, filósofo do Iluminismo francês, vai 
sublinhar: 
A razão que leva o homem ao conhecimento de seus deveres não é 
muito complexa; a razão que leva a mulher ao conhecimento dos seus é 
ainda mais simples. A obediência que deve aos filhos são consequências tão 
naturais e tão visíveis de sua condição, que ela não pode, sem má-fé, recusar 
sua aprovação ao sentimento interior que a guia, nem desconsiderar o dever 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Ciência e Razão no Contexto da Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 11 
na inclinação que ainda não se alterou (ROUSSEAU, 2004, p.558). 
A construção do Estado-nação estruturou-se em bases etnocêntricas e 
falocêntricas e creditou ao homem, branco, burguês, europeu, a razão, o espaço 
público e a cultura; enquanto à mulher, coube a não-razão, o privado e a natureza. E 
a literatura daí advinda traz as marcas de origem da pretensão de uma unidade 
republicana; uma vez que o princípio hierarquizador da modernidade, calcado em 
pares dicotômicos do público/privado; homem/mulher; adulto/criança; 
centro/periferia, alto/baixo, branco/negro, não levou em conta, na pauta da 
racionalidade ocidental, a alteridade encerrada nos segundos desses mesmos pares. 
Dessa sorte, os enredos das histórias infantis tendem a dissolver os conflitos, quase 
sempre, pela via do fantástico, sem que haja, de fato, intervenção racional na ordem 
dos acontecimentos. 
Por exemplo, o conto Os sete corvos, dos irmãos Jakob e Wilhelm Grimm, encerra 
os objetivos pedagógicos esperados para um texto voltado para o público infantil. 
Nele, a bondade da irmãzinha fez com que os sete irmãos voltassem a ser gente 
novamente, depois do encantamento a que foram submetidos pelo pai, ao se 
tornarem corvos porque se atrasaram para trazer a água do poço para o batismo da 
menininha doente. 
A narrativa encerra os valores do catolicismo, isto é, os enfermos não batizados 
devem receber o sacramento antes da morte, caso contrário, se morrerem pagãos, é 
possível não irem para o céu. A figura do pai se faz presente com sua autoridade; 
bastou esse dizer: “- Tomara que eles todos virem corvos!” (2002, p. 58), e 
automaticamente, as crianças viraram sete animais. Por outro lado, os pais, ao 
revelarem à menina que os irmãos tinham virado corvos, e explicarem que: o que 
aconteceu tinha sido um desígnio do céu, e que o nascimento dela não tinha culpa de 
nada (2002, p.61). Tal atitude encerra a crença no ente sobrenatural que determina o 
que acontece na Terra. Assim, a fala do pai dá início ao encantamento e o encontro 
do anel da menina por um dos irmãos precipita o fim do encantamento: “Mas quando 
o sétimo corvo acabou de esvaziar seu copo, o anel caiu lá de dentro. Ele olhou bem 
e reconheceu que era um anel do pai e da mãe deles...” Então, “[...] a menina, que 
estava escondida atrás da porta, ouviu esse desejo,apareceu de repente e todos os 
corvos viraram gente outra vez” (2002, p.63). 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Questão do Cânone e a Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 12 
3 A Questão do Cânone e a Literatura Infanto-Juvenil 
3.1 O Literário: Do Mundo Grego às Comunidades Imaginadas 
Ainda que a literatura infanto-juvenil tenha surgido na modernidade ocidental, 
vinculada aos interesses dos estados-nação europeus, faz-se necessário retomar o 
conceito de literatura, para a tradição greco-latina, que se confundia com a gramática 
(gramma), pois significava, assim como litteratus, a arte de conhecer a gramática e a 
poesia. Chega ao século XVIII, vinculada à noção de valor, portanto, ao ideológico, na 
medida em que fazia parte da formação educacional do cidadão. Ernest Curtius, em 
Literatura Europeia e Idade Média Latina, justifica a ligação da literatura aos valores 
gregos: 
Porque os gregos encontraram num poeta o reflexo de seu passado, 
de seus deuses. Não possuíam livros nem castas sacerdotais. Sua tradição 
era Homero. Já no séc. VI era um clássico. Desde então é a literatura 
disciplina escolar, e a continuidade da literatura europeia está ligada à 
escola (1957, p.38). 
Nada podia abalar essa integração entre o poético e o político, pois a poesia, 
sendo simulacro, constitui imitação da aparência e não da realidade, só se justificando 
se estivesse a serviço da educação do povo grego. Com admissão da poesia em sua 
ágora, que se adequasse à Lei e à razão humana, através dos hinos aos deuses e em 
louvor aos homens famosos. 
Platão, em diálogo com Glauco, afirma: Quanto a seus protetores, que, sem fazer 
versos, amam a poesia, permitiremos que defendam em prosa e nos mostrem que não 
só é agradável, mas também útil, à república e aos particulares para o governo da 
vida. De bom grado os ouviremos, porque com isso só temos a lucrar, se nos puderem 
provar que aí se junta o útil ao agradável (PLATÃO,1994, p.403). 
Coloca, portanto, o literário a serviço do ideológico, na medida em que, para ter 
existência reconhecida, necessita ser útil à sociedade grega na formação de seus 
concidadãos. A razão deve conter a emoção, contrária a qualquer manifestação do 
desejo, fazendo, entretanto, concessão ao Belo, Bom e Justo, ao colocar o artístico em 
comum acordo com a ética. A literatura do período romântico, por outro lado, 
endossará as ideias correntes burguesas, e coloca-se disponível para compor as 
comunidades imaginadas (ANDERSON, 2008). 
O romantismo reflete a ambiência então operante. O romantismo alemão, - ainda 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Questão do Cânone e a Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 13 
que a princípio a Alemanha não estivesse unificada - procura nas raízes folclóricas, na 
tradição das narrativas orais, uma forma de sedimentar o seu cânone, com o culto ao 
Volksgeist, com forte valorização do dado local. 
Participantes do Círculo intelectual de Heidelberg, Jacob e Wilhelm Grimm, - 
filólogos, grandes folcloristas, estudiosos da mitologia germânica e da história do 
Direito alemão – recolhem diretamente da memória popular as antigas narrativas, 
lendas ou sagas germânicas, conservadas por tradição oral. [...]. 
Buscando encontrar as origens da realidade histórica ‘nacional’, os pesquisadores 
encontraram a fantasia, o fantástico, o mítico... e uma grande Literatura Infantil surge 
para encantar crianças do mundo todo (COELHO, 1991 p.140). 
É, nesse cenário, que Goethe propõe o conceito de Literatura Universal 
(Weltliteratur), em atenção aos valores e crenças da modernidade europeia, 
sustentados na nação e em suas tradições, no progresso e na ciência. 
O conceito de comunidades imaginadas trazido por Benedict Anderson embasa 
toda a argumentação desse estudioso, nascido na China, filho de pais ingleses, para 
explicar como um modelo imposto, coletivamente, é seguido por todos como algo 
tido como natural e espontâneo. 
Dentro desse processo renovador, a criança é descoberta como um ser que 
precisava de cuidados específicos para sua formação humanística, cívica, espiritual, 
ética e intelectual. E os novos conceitos de Vida, Educação e Cultura abrem caminho 
para os novos e ainda tateantes procedimentos na área pedagógica e na literária. 
Pode-se dizer que é nesse momento que a criança entra como um valor a ser levado 
em consideração no processo social e no contexto humano (COELHO, 1991, p.139). 
Escritores como Charles Perrault, na França; os irmãos Grimm, na Alemanha; 
Andersen, na Dinamarca; e Callodi, na Itália; não hesitaram em voltar às raízes 
folclóricas medievais, na linha de ação presa ao ideal da construção dos estados-
nação, com suas comunidades imaginadas. O idealismo romântico, então, acabou por 
criar o mito da infância, esta vista como a idade de ouro do ser humano, e, ao mesmo 
tempo, a adolescência (COELHO, 1991). E a volta ao passado significou a pedra de 
toque necessária para que a burguesia se impusesse; então, nada melhor do que a 
busca em tempos imemoriais de suas narrativas e de suas manifestações populares, 
como acontece com as produções dos primeiros escritores voltados ao público 
infantil: 
Charles Perrault, no século 17, [na França] e os irmãos Grimm, no 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Questão do Cânone e a Literatura Infanto-Juvenil 
www.cenes.com.br | 14 
início do século 19, [na Alemanha] se apropriam dos contos de fadas. Estes 
relatos fundam-se preferencialmente numa ação de procedência mágica, 
resultante da presença de um auxiliar com propriedades extraordinárias que 
se põe a serviço do herói: uma fada, um duende, um animal encantado 
(ZILBERMAN; MAGALHÃES, 1984, p.15). 
É o que ocorre, por exemplo, em O Gato de Botas, de Charles Perrault, que traz 
em seu enredo o pragmatismo esperado para a nova sociedade. Como afirma Nelly 
Novaes Coelho, em Literatura Infantil: teoria, análise, didática (2000): 
Em épocas de consolidação, quando determinado sistema se impõe, 
a intencionalidade pedagógica domina praticamente sem controvérsias, 
pois o importante para a criação no momento é transmitir valores para 
serem incorporados como verdades pelas novas gerações (2000, p.47). 
O conto O Gato de Botas reflete toda a necessidade de impor um modelo de 
homem empreendedor, que soubesse superar qualquer dificuldade. A narrativa gira 
em torno da divisão de uma herança: tendo o pai falecido, deixou para seus três filhos, 
os seguintes bens - um moinho, para o mais velho; um burro, para o do meio; e um 
gato, para o mais novo. O que fazer com um gato? Logo, o gato colocou-se disposto 
a ajudar o seu dono: 
De hoje em diante meu destino 
É ao meu dono servir. 
Hei de cobri-lo de ouro! Basta de me divertir! 
Com este saco de pano 
Vou para o bosque distante. 
Um cérebro que trabalha 
Faz fortuna num instante. 
(Fábulas Encantadas) 
A partir daí, fez de tudo para promover o rapaz e, após mil peripécias, acaba por 
aproximá-lo do rei e de sua filha, com quem se casa e vivem felizes para sempre. O 
que está subjacente a esse conto é a valorização da iniciativa, típica dos valores 
burgueses então em ascensão. Não interessa sua origem, ou classe social, na qual você 
nasceu, basta o talento, “Um cérebro que trabalha” que “Faz fortuna num instante”. É 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao Ludos 
www.cenes.com.br | 15 
o self-made men do sistema liberal, capitalista, pois, a princípio, “todos são iguais 
perante a Lei”. 
4 Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao 
Ludos 
Se voltarmos aos conceitos aristotélicos, podemos dimensionar a literatura 
infanto-juvenil além da ênfase conteudística, isto é, que destaca o conteúdo inserido 
na obra, na linha da tradição platônica. Aristóteles, discípulo de Platão, distancia-se 
do mestre em suas colocações acerca do artístico. Para ele, a literaturaé verdadeira e 
séria, por princípio, uma vez que o poeta se ocupa do que poderia ter acontecido, 
segundo a verossimilhança ou a necessidade, e não com o que aconteceu, como o faz 
o historiador. 
No capítulo IX da sua Arte Poética, que nos chegou de forma incompleta, afirma: 
[...] a poesia [isto é, a literatura] é mais filosófica e de caráter mais elevado que a 
história, porque a poesia permanece no universal e a história estuda apenas o 
particular (ARISTÓTELES, 1964, p.278). 
Aristóteles, então, destaca a autonomia do artístico, na medida em que o vê 
como uma unidade, um todo orgânico, em transcendência com a realidade evocada. 
Por isso, o conceito de cópia, de mímesis, deve ser entendido semelhante a uma 
espécie de recriação não assujeitada aos princípios da racionalidade, uma vez que essa 
é capaz de criar um mundo coerente em sua universalidade, com harmonia e 
perfeição. 
A obra tem o compromisso de transmitir as regras, entretanto, plena de 
verossimilhança, isto é, à luz de Aristóteles (1964), aquilo que tem a aparência da 
verdade, “mundo do faz de conta”, no literário, de que a criança necessita para 
transitar, de forma, ajustada, na sociedade. Nas palavras de Nelly Novaes Coelho; aliás 
já citada na aula anterior: 
Os que são impelidos mais fortemente pelas forças da renovação exigem que a 
literatura seja apenas entretenimento, jogo descompromissado (pois é justamente a 
atividade lúdica que tem por função desarticular estruturas estáticas, já cristalizadas 
com o tempo) (COELHO, 2000, p.47). 
Assim, o lúdico, puro jogo, descola o texto infantil do pragmatismo ético-social, 
levando o leitor mirim à aventura espiritual, à fruição estética. E o didatismo das 
produções voltadas às crianças começa a ser refutado na metade do século XIX, em 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao Ludos 
www.cenes.com.br | 16 
nome do lúdico, “em obras como Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll, [como 
As Aventuras de Pinóquio, de Carlo Collodi, A ilha do tesouro, de Robert L. Stevenson 
e as histórias de Mark Twain: As aventuras de Tom Sawyer e As aventuras de 
Huckleberry Finn” (ZILBERMAN, 1984, p.41). 
Lewis Carroll: nasceu em Daresbury, Cheshire, 1832, e faleceu em Guildford, 
Surrey, 1898. Escritor e matemático britânico. Homem de caráter tímido adota esse 
pseudônimo para as suas obras literárias, o seu verdadeiro nome (Charles Lutwidge 
Dodgson) utiliza-o para as obras científicas. De formação universitária, é professor de 
matemática em Oxford e estudioso da lógica matemática. Escreve diversos relatos de 
falsa aparência infantil, cuja matéria narrativa está, ilusoriamente, próxima do absurdo. 
Amador entusiasta da fotografia elabora vários álbuns de retratos de meninas; e para 
uma delas, Alice Liddell, escreve a sua obra mais famosa, Aventuras de Alice no País 
das Maravilhas (1845), conto de surpreendente originalidade. 
Carlo Collodi: Carlo Lorenzini nasceu em Florença em 24 de novembro de 1826, 
numa família modesta. Completados os estudos no seminário, colaborou em 
numerosos jornais, escreveu romances e peças de teatro. Começou a dedicar-se à 
literatura para a infância em 1875; adotou, entretanto o pseudônimo de Collodi, de 
Pinóquio, foi inicialmente publicada em episódios no Giornale per i Bambini, surgindo 
em livro em 1883. Carlo Collodi morreu em Florença em 26 de outubro de 1890. 
Robert L. Stevenson: (13 de novembro de 1850, Edimburgo – 3 de dezembro de 
1894, Apia, Samoa), foi um novelista, poeta e escritor de roteiros de viagem. Escreveu 
clássicos como A Ilha do Tesouro, O Médico e o Monstro e As Aventuras de David 
Balfour também traduzido como raptado. Nascido em Edimburgo, capital da Escócia, 
Stevenson era filho de um engenheiro e de uma pastora puritana. Tanto o pai como a 
mãe carregavam uma tradição familiar em seus ofícios e isso determinou em muitos 
aspectos a vida do autor. Filho de engenheiro, ele acaba entrando, em 1866, na 
faculdade de engenharia de Edimburgo. Lá, estuda e escreve durante 1871 e 1872 
para o jornal universitário, o Edimburgh University Magazine, revelando seu gosto e 
talento para a literatura. No ano de 1873, após concluir a faculdade, Robert muda-se 
para a cidade de Londres, Inglaterra, pois sentia-se deslocado no ambiente familiar, 
marcado por um clima coercitivo e pela inexorável moral e religiosidade puritanas. Em 
sua curta estadia na cidade, passa a frequentar os salões literários para algum tempo 
depois, partir por uma longa viagem pela Europa continental. O ano de 1876 é 
importante em sua vida particular, pois nesse ano conhece uma mulher norte-
americana, Fanny Ousborne, com a qual se iria casar, em 1880, em São Francisco, 
Estados Unidos. Volta à Inglaterra e traz consigo a esposa e um enteado, chamado 
http://saber.sapo.pt/wiki/Edimburgo
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao Ludos 
www.cenes.com.br | 17 
Lloyd. No ano seguinte, é internado na cidade de Davos, Suíça, para tratar sua 
tuberculose, que há anos o vinha acompanhando. A carreira de engenheiro, jamais 
exercida, é preterida pela de escritor, que, a partir de 1882, é marcada por uma 
acentuada proficuidade. Conhece a notoriedade artística ao escrever, em 1886 The 
Strange case of Dr.Jekyll and Mr.Hyde, um de seus maiores sucessos literários. Com a 
morte do pai, em 1887, Stevenson retorna aos Estados Unidos, onde volta a tratar de 
sua tuberculose. No ano seguinte, aventura-se num veleiro em diversos arquipélagos 
do Pacífico-Sul, junto com a esposa e o enteado. Apaixonado pela paisagem 
paradisíaca se estabelece definitivamente nas Ilhas Samoa, em 1889. Morre, 
prematuramente, em 3 de dezembro de 1894, vítima de um ataque cardíaco. 
Mark Twain: Samuel Langhorn Clemens, mais conhecido como Mark Twain, foi 
um escritor estadunidense que nasceu na Florida, no dia 30 de novembro de 1835, e 
se criou às margens do rio Mississipi. Twain foi um aventureiro incansável, que 
encontrou em sua própria vida a inspiração necessária para sua obra literária. Aos doze 
anos, seu pai morreu, então, Mark largou os estudos e começou a trabalhar como 
aprendiz de topógrafo numa editora, onde começou a escrever seus primeiros artigos 
jornalísticos. Aos dezoito anos, saiu de casa para correr atrás de aventuras e fortuna. 
Trabalhou como tipógrafo, como aprendiz de piloto de uma embarcação movida a 
vapor, até que a Guerra da Secessão (1861) interrompeu sua carreira de piloto. Em 
seguida, partiu para o oeste, em direção às montanhas de Nevada, onde trabalhou em 
campos de mineração. Seu desejo de enriquecer o levou a procurar ouro, sem muitos 
resultados, fato que o obrigou a trabalhar como jornalista. Seu primeiro êxito literário 
aconteceu, em 1865, com um conto de curta duração, chamado A Célebre Rã 
Saltadora do Condado de Calaveras, que apareceu num periódico já assinado como 
Mark Twain. Como jornalista, viajou a São Francisco, onde conheceu o escritor Bret 
Harte, que o incentivou a prosseguir na carreira literária. Foi à Polinésia e à Europa, 
cujas experiências foram relatadas no livro Os inocentes no Estrangeiro (1869). Depois 
de se casar, em 1870, com Olivia Langdon, estabeleceu-se em Connecticut. Seis anos 
depois, publicou a primeira novela que lhe daria fama: As aventuras de Huckleberry 
Finn (1882), obra também ambientada nas margens do rio Mississipi, mas não tão 
autobiográfica como Tom Sawyer, sua obra prima e uma das mais destacadas da 
literatura estadunidense. É preciso destacar também Vida no Mississipi (1883) que, 
além de uma novela, é uma esplêndida evocação do Sul, não isenta de crítica, 
consequência do seu trabalho como piloto. Com um estilo popular e cheio de humor, 
Twain contrapõe estas obras ao mundo idealizado da infância, inocente e ao mesmo 
tempo astuta, com uma concepção desencantada do homem adulto, do homemda 
http://saber.sapo.pt/wiki/Samoa
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e os Ludos - De Aristóteles Ao Ludos 
www.cenes.com.br | 18 
era industrial, da era dourada, enganado pela moralidade e pela civilização. Contudo, 
nas obras que se seguiram, o sentido de humor e a ternura do mundo infantil dão 
lugar a um pessimismo e amargura cada vez mais evidentes, expressados com ironia 
e sarcasmo. Uma série de desgraças pessoais, como o falecimento de sua esposa e de 
uma de suas filhas, bem como falta de dinheiro, escureceram seus últimos anos de 
vida. Depois de publicar mais de 35 livros, Mark Twain faleceu, em Redding, no dia 21 
de abril de 1910. 
Alice no país das maravilhas narra o sonho de Alice, em que ela cresce e diminui 
várias vezes, transitando por mundos nunca vistos: 
Alice estava começando a se cansar de ficar ali sentada no barranco ao lado da 
irmã, sem nada para fazer. [...], porém, quando o Coelho realmente tirou um relógio 
do bolso do colete, olhou as horas e seguiu caminho apressado, Alice ergue-se de um 
pulo, ardendo de curiosidade. Ela saiu correndo atrás dele pelo campo afora, 
alcançando-o bem a tempo de vê-lo pular para dentro de uma grande toca embaixo 
da sebe (2002, p.11). 
• A partir daí, Alice percorre: 
o 2. A lagoa de lágrimas; 
o 3. Uma corrida política e uma história de cabo a rabo; 
o 4. O Coelho envia um pequeno emissário; 
o 5. Conselhos de um Bicho-da-Seda; 
o 6. Porco e pimenta; 
o 7. Um chá muito louco; 
o 8. O campo de croquê da Rainha; 
o 9. A história da Tartaruga de Imitação; 
o 10. A Quadrilha das Lagostas; 
o 11. Quem roubou as tortas? E, finalmente, 
o 12. O depoimento de Alice; quando ela acorda com a cabeça 
no colo da irmã: 
- Este foi, certamente, um sonho curioso, querida - disse a irmã. - Mas já está 
ficando tarde. - Assim, Alice levantou e saiu correndo. [...] 
 
A grama alta farfalhou aos seus pés quando o Coelho Branco passou correndo. 
Ela podia ouvir o tilintar das xícaras de chá enquanto a Lebre de Março e seus amigos 
compartilhavam sua interminável refeição e, a distância, os soluços da infeliz Tartaruga 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Criança Como Personagem na Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 19 
de Imitação. Assim ficou sentada, de olhos fechados e meio acreditando, ela mesma, 
no País das Maravilhas, embora soubesse que bastaria abri-los de novo, e a grama 
estaria farfalhando ao vento (2002, p. 90-91). 
Essa narrativa distancia-se da pretensão tradicional do didatismo, sem fechar-se 
em uma intenção calcada na lógica da causa e do efeito. Traz, através da ambiguidade, 
o sentido não fechado da imprevisibilidade. Como, por exemplo, na sentença lógica, 
em que Alice conversa com o Gatinho de Cheshire, isto é, gato fictício de sorriso largo, 
originário da Cheshire, região da Inglaterra: “Bem, já vi muitos gatos sem sorriso”, 
pensou Alice, “mas nunca um sorriso sem gato” (2002, p.51). Isto é, pode haver gatos 
que não sorriem, mas aquele gato, com certeza, sorri. 
 
5 A Criança Como Personagem na Literatura Infantil 
Ligia Cademaroti Magalhães, em O Que é a Literatura Infantil, esclarece que o 
uso de personagens infantis na literatura, voltado a essa faixa etária, ocorre somente 
na segunda metade do século XIX, abrindo espaço para o lúdico, com o 
aproveitamento do universo da criança: 
A ligação entre o outro do narrador – o leitor – e o outro do leitor – o narrador – 
consiste num grande desafio de cuja superação também depende o estatuto literário 
do texto infantil. O entrecruzamento dessas duas vozes, juntamente a outras a que o 
texto pode dar espaço, não traria o caos, a dificuldade de compreensão, mas uma 
abertura para que muitas vozes se organizem – sufocando o discurso pedagógico 
persuasivo – e permitindo unidade na diversidade (CADEMARTORI, 1991, p. 24). 
A voz da criança, enquanto leitor, é levada em conta e a necessidade de impor 
um modelo comportamental vai sendo relativizado, em contraponto com a visão do 
adulto. Nesse raciocínio, vemos também os poemas de Cecília Meireles e Manuel 
Bandeira, escritores do modernismo brasileiro, na linha sucessória dos escritores 
acima referidos, uma vez que não se subjugam a nenhum preceito, além do que diz o 
próprio texto, por não estarem presos a um referente imediato. 
Colar de Carolina 
Com seu colar de coral 
Carolina 
Corre por entre as colunas da colina. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Criança Como Personagem na Literatura Infantil 
www.cenes.com.br | 20 
O calor de Carolina colore o colo de cal, 
torna corada a menina. 
E o sol, vendo aquela cor do colar de Carolina, põe coroas de coral 
nas colunas da colina. 
(Cecília Meireles) 
 
O poema reproduzido, voltado para o público infantil, da poetisa brasileira Cecília 
Meireles, enquadra-se em uma concepção artística de que o texto vale por si só, não 
necessitando do contexto que lhe dá origem. Do mesmo, consta a possibilidade 
inventiva da criança diante do mundo e do trato com o código linguístico, muito 
próxima das brincadeiras infantis das parlendas e das travalínguas. 
O poema está estruturado em quatro estrofes, com números variados de versos. 
A primeira estrofe compõe-se de quatro versos; a segunda e a terceira estrofes, de 
três versos e a quarta e última estrofe, de um verso. No nível fônico, a sonoridade é 
obtida, em rima interna, aliterada, pela repetição indefinida do fonema consonantal 
/k/: “Com seu colar de coral” (1º verso da 1ª estrofe); “Carolina” (1º verso da 1ª estrofe); 
“Corre por entre as colunas” (1º verso da 1ª estrofe); “da colina. ” (1º verso da 1ª 
estrofe). “O calor de Carolina” (1º verso da 2ª estrofe); “colore o colo de cal, ” (2º verso 
da 2ª estrofe); “torna corada a menina. ” (3º verso da 2ª estrofe). “E o sol, vendo aquela 
cor” (1º verso da 3ª estrofe); “do colar de Carolina, ” (2º verso da 3ª estrofe); “põe 
coroas de coral” (3º verso da 3ª estrofe). “Nas colunas da colina. ” (Único verso da 4º 
estrofe). O poema “Debussy”, de Manuel Bandeira encanta-nos pelo trato afetivo dado 
ao tema de seu texto, isto é, a ternura despertada em um adulto diante dos 
movimentos inocentes de uma criança, que se contenta com qualquer coisa para se 
distrair. Vejamos: 
DEBUSSY 
Para cá, para lá... 
Para cá, para lá... 
Um novelozinho de linha... 
Para cá, para lá... 
Para cá, para lá... 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica 
www.cenes.com.br | 21 
Oscila no ar pela mão de uma criança 
(Vem e vai...) 
Que delicadamente e quase a adormecer o balança 
- Psiu...- 
Para cá, para lá... 
Para cá e... 
- O novelozinho caiu. 
 (Manuel Bandeira) 
 
Esse poema, de uma única estrofe, também se utiliza de recursos poéticos 
fônicos, que remetem à simplicidade e à espontaneidade dos movimentos infantis, 
com um novelo de linha nas mãos, “Oscila no ar pela mão de uma criança” (6º verso); 
“(Vem e vai...)” (7º verso); em que o verso “Para cá, para lá...” se repete por cinco vezes, 
e mais uma parte “Para cá e...”, ao constatar o eu poético que a criança dormiu, pois, 
logo em seguida “ – O novelozinho caiu.” (12º verso). O poeta, ao se valer do nome 
do músico Debussy, como título do poema, ao mesmo tempo em que presta uma 
homenagem ao grande inovador da música clássica, a ele se contrapõe, por enfatizar 
a simplicidade dos movimentos infantis com um novelo de linha nas mãos. Obtém, 
assim, uma espécie de antítese entre o simples (= criança) e o complexo (= arranjos 
musicais), deixando que somente a ternura se mantenha para o leitor. Dessa sorte, o 
poema não tem a função de ensinar nada sobre os acordes inusitados obtidos pelo 
artista francês, mas somente despertar o prazer estético no leitor. 
 
6 Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica 
6.1 A Literatura Infanto-Juvenil e Seu Estigma 
A literatura infanto-juvenil,já afirmamos em outra ocasião, surgiu - ainda que 
importantíssima para a imposição e a manutenção do status quo dos estados-nação 
-, sob o estigma do menos importante: o popular (por sua origem); a criança (a quem 
de destina); a mulher, (mãe, primeira preceptora, responsável pelo lar) e o suporte de 
veiculação (jornal, edições baratas, etc.). Em relação a esse último aspecto, sobretudo 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica 
www.cenes.com.br | 22 
quanto à reprodução em larga escala dos textos literários, deve-se considerar a 
perspectiva crítica de Walter Benjamin que, no capítulo, A obra de arte na era de sua 
reprodutibilidade técnica, afirma: 
Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da 
obra por uma existência serial. E, na medida em que essa técnica permite à reprodução 
vir ao encontro do espectador, em todas as situações, ela atualiza o objeto 
reproduzido. [...]. Seu agente mais poderoso é o cinema. Sua função social não é 
concebível, mesmo em seus traços mais positivos, e precisamente neles, sem seu lado 
destrutivo e catártico: a liquidação do valor tradicional do patrimônio da cultura 
(BENJAMIN, 1994, p. 169). 
Em contraposição à tradição estética da alta literatura, reivindicaram as correntes 
teóricas atuais da literatura, por seu turno, a ampliação investigativa, ao denunciarem 
a pretensão do literário de estar imune ao alarido das ruas, destacando, exatamente 
o cunho ideológico do cânone e a possibilidade da relativização das hierarquias 
conceituais, que pré-determinaram a alta cultura, a cultura de massa e a cultura 
popular, ainda que o aparato teórico dos estudos literários tenha sido aplicado aos 
estudos de recepção midiática, no início das investigações, atribuindo ao receptor da 
mensagem a função ativa de mediador do sentido. Tal perspectiva acaba por 
desentronizar as chamadas belas-letras, vistas abstraídas de uma contextualização 
maior, pois, se a representação do chamado real constitui uma produção discursiva, 
então, toda enunciação remete a um enunciado comprometido com determinada 
formação ideológica, como quer o pensamento pós-estruturalista. 
E a quebra do cânone advém exatamente da reprodutibilidade técnica. Walter 
Benjamin, nos anos quarenta do século passado, quando os seguidores da Escola de 
Frankfurt atribuíam à técnica algo danoso para a arte; ele, sem ser apocalíptico, vê o 
cinema e a fotografia como um modo de democratizar a herança cultural da 
humanidade, que ficou, por muitos séculos, restrita a uma ritualística para poucos. 
A literatura infanto-juvenil muito tem se aproveitado dos outros suportes que 
não livro para a sua divulgação, ao mesmo tempo, para a sua popularização, com a 
possibilidade de acesso a um contingente maior da população infanto-juvenil. Isso 
porque: “O modo pelo qual se organiza a percepção humana, o meio em que ela se 
dá, não é apenas condicionado naturalmente, mas também historicamente” 
(BENJAMIN, 1994, p. 169). 
Não há como negar o poder de exposição que a arte ganhou. 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica 
www.cenes.com.br | 23 
Logo, a desierarquização ocorre no próprio fazer artístico, porque esse não pode 
ser visto desarticulado da cultura, no sentido pleno da palavra, enquanto solução de 
existência encontrada por seres humanos em condições específicas. Assim, a fatura 
estética ganha em amplitude e desvencilha-se, principalmente, a chamada erudita, da 
pecha do elitismo. E a questão da iconicidade já se encontra na própria ilustração dos 
livros infantis, ampliando, assim, o conceito de leitura e de texto, da mesma forma que 
as histórias-emquadrinho ganham, na linha da exposição, no Brasil, com O TicoTico, 
em 1905; fazendo-nos concordar com Nelly Novaes Coelho de Panorama Histórico da 
Literatura Infantil/Juvenil: Das Origens Indo-Europeias ao Brasil Contemporâneo: 
Essa valorização da imagem, no processo da aprendizagem infantil, coincide com 
o aparecimento dos comics ou histórias-em-quadrinho, iniciando uma nova era no 
campo editorial. Nos Estados Unidos, o grande cartunista (Richard Felton) Outcault 
cria o Yellow Kid (1895) e, mais tarde, o Buster Brown (1902). É este garoto crítico e 
contestador que, na versão brasileira, se transforma no ingênuo/ travesso Chiquinho 
– personagem principal de O Tico-Tico, o primeiro jornal infantil em quadrinhos 
editado no Brasil (1991, p. 217-218). 
No entanto, é, a partir da década de 1960, no governo de João Goulart, na esteira 
da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (Lei nº 4.024, de 20/12/1961), que se 
propõe a democratização do ensino, que ganham destaque as histórias-em-
quadrinhos e o teatro infantil, quase sempre, importados: essa matéria estrangeira 
conta ainda com um mercado já “trabalhado” para consumi-la, pois seus heróis ou 
super-heróis são divulgados maciçamente através da televisão ou do cinema... 
(COELHO, 1991, p. 258). 
Em termos de produção, eminentemente, nacional, contamos com Ziraldo e seu 
Pererê e, depois Zeróis, em sua crítica aos superheróis norte-americanos. Entretanto, 
façanha maior fica para Maurício de Sousa Produções Ltda., responsável pela Turma 
da Mônica, além de outros personagens. 
Pererê: A Turma do Pererê foi lançada na revista O Cruzeiro, em 1959, e se tornou 
o marco do quadrinho nacional. Criada pelo cartunista Ziraldo, a coleção conta as 
travessuras de um grupo de amigos na Mata do Fundão. Pererê, um menino negro 
inspirado na figura folclórica do Saci, e seus amigos; o índio Tininim, o macaco Alan, 
a onça Galileu, o jabuti Moacir, a Boneca-de-Piche, a mãe Docelina vivenciam 
situações que estão no cotidiano das crianças, mas difíceis de tratar tanto na escola 
quanto em casa. Entre os assuntos, abordados com naturalidade por Ziraldo, estão 
saúde, ética, pluralidade cultural, preservação da natureza e drogas. Para o autor, a 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
Literatura Infanto-Juvenil e a Reprodutibilidade Técnica 
www.cenes.com.br | 24 
coleção procura ser uma nova abordagem na relação da escola com o aluno, uma 
extensão do aprendizado, uma inserção criança em um universo de curiosidade e 
emoção. Nas histórias de Ziraldo, aprendemos também com as brigas de seus 
personagens. Acompanhe a discussão entre Saci-Pererê e seu desafeto, o arrogante e 
chato duende irlandês. Os amigos fazem mil conjecturas sobre o motivo do mau-
humor de nosso herói, por quem sentem imenso carinho. Daí tanta preocupação ética. 
Percebe-se a velada crítica do autor quanto ao desprezo dos estrangeiros, 
principalmente europeus, pelo Brasil em relação ao meio ambiente, considerando 
tudo o que já provocaram em seu próprio continente. A Turma do Pererê foi adaptada 
para TV, com estilo opereta e teve a direção de Guto Graça Mello, com direção geral 
de Augusto César Vannucci e produção de Gabriela Vannucci, veiculado pela Rede 
Globo em 12 de outubro de 1983. 
Turma da Mônica: quem nunca se divertiu com a brabeza da Mônica, as 
trapalhadas do Cebolinha ou o jeito caipira do Chico Bento? Os personagens fazem 
parte da imaginação das crianças e de tantos adultos, que acompanham a evolução 
da Turma da Mônica. O criador desta turma divertida e de muito mais é o desenhista 
Mauricio de Sousa. Além das revistas, ele está na telona com o CineGibi, um filme 
onde Franjinha, o garoto inventor, resolve ler gibis com os quadrinhos em movimento. 
Wanessa Carmargo, Luciano Huck, a dupla Pedro e Thiago e a modelo Fernanda Lima 
fazem participações especialíssimas. Para a alegria da garotada, o filme já está em 
DVD e traz, ainda, uma versão na língua de sinais, para ser entendida pelos deficientes. 
Recentemente, a Turma ganhou um reforço: Xaveco, filho de pais separados, que 
estreou nas bancas em setembro. As novidades não param. O desenhista apresentou 
ao entãoministro da Cultura Gilberto Gil o projeto Turma da Mônica na TV, uma série 
de 60 programas educativos e culturais para crianças de três a 12 anos. Mauricio de 
Sousa, pai de dez filhos e bisavô de Daniel, tem um carinho especial por todos os seus 
personagens. Agora, anuncia a chegada de mais dois: Bloguinho, menino que fala 
“internetês”, a linguagem da Internet, e Dorinha, uma menina cega. “Ela vai mostrar às 
crianças como ouvir as coisas do mundo e ensinar a se tratarem de igual para igual, 
independentemente de serem portadoras de alguma deficiência física”, diz Mauricio. 
Filho de poetas, Mauricio começou a carreira ainda jovem, desenhando cartazes e 
pôsteres. Além de ajudar no orçamento doméstico, ele sonhava em se tornar um 
desenhista profissional. O primeiro sucesso foram as tiras em quadrinhos com o 
cãozinho Bidu e seu dono. Depois vieram Cebolinha, até no Japão”. 
Retomando-se as considerações do filósofo Walter Benjamin, o poder de 
exposição, de que ele já falava (1994), quando analisou a obra do poeta francês 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infanto-Juvenil e a Formação do Estado Brasileiro 
www.cenes.com.br | 25 
Baudelaire, ainda no século XIX, refletiu a tendência da reprodutibilidade técnica 
trazida pela industrialização do Ocidente. 
É o que nos diz Nelly Novaes Coelho em Literatura Infantil: teoria, análise, 
didática: 
Notemos que não há meio de comunicação de massa eficaz que não 
tenha, como fundamento, um texto, isto é, uma rede de ideias que só as 
palavras podem expressar. Sem palavra que a nomeie, não há imagem que 
se comunique com eficácia; pois, sem corresponder a uma representação 
mental/verbal na mente do espectador, a imagem não significa nada 
(COELHO, 2000, p.11). 
O uso dos meios de comunicação de massa, como veiculadores de literatura 
infantil, se intensifica, sobremodo, com o final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, 
principalmente, através da adaptação de clássicos pelos estúdios do Walt Disney. No 
Brasil, durante os anos 50, do século passado, quando o costume-da-leitura, como 
fonte de lazer, já começava a desaparecer, devido à crescente voga das histórias-em-
quadrinhos e da televisão, a criação lobatiana conhece uma nova face. Em 1952, Júlio 
Gouveia e Tatiana Belinky iniciam, na TV Tupi-São Paulo, a série de teleteatro O Sítio 
do Pica-Pau Amarelo, que durante anos (até 1964) encantou crianças e adultos 
(COELHO, 1991, p.228). 
O Sítio do Picapau Amarelo já ganhou várias adaptações até hoje, através de 
várias mídias (TV, DVD), em que o poder imagético pode, muitas vezes, suscitar a 
vontade de acesso à leitura dos livros de Monteiro Lobato. 
A reprodutibilidade técnica, inegavelmente, foi capaz de fazer chegar a cultura a 
contingentes inimagináveis. A literatura infanto-juvenil, antes restrita a poucas 
crianças, hoje está acessível em vários suportes, que vão do papel às várias mídias; 
seja através da compra, seja através do aluguel em locadoras, seja ainda através do 
empréstimo em acervo de bibliotecas. 
 
7 A Literatura Infanto-Juvenil e a Formação do Estado 
Brasileiro 
7.1 A Formação do Estado-Nação Brasileiro 
A família real chega ao Brasil, em 1808, trazendo, em sua bagagem, gosto e 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infanto-Juvenil e a Formação do Estado Brasileiro 
www.cenes.com.br | 26 
refinamento pertencentes aos modos cortesãos europeus. Em 1815, o Brasil é elevado 
a Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves e a nossa Independência política de 
Portugal ocorre em 1822, influenciada pelo ideário burguês da revolução de 1789, 
com a posterior Proclamação da República em 1889. Foi a maneira encontrada de 
transitar, no âmbito do poder instituído, em um quadro maior de ocidentalização, 
tanto na Colonização e no Império, quanto na República. Sérgio Buarque de Holanda 
auxilia-nos na explicação desse quadro: 
A presteza com que na antiga colônia chegara a confundir-se a pregação das 
‘ideias novas’, e o fervor com que em muitos círculos elas foram abraçadas às vésperas 
da Independência, mostra de modo inequívoco a possibilidade que tinham de atender 
a um desejo insofrido de mudar, à generalizada certeza de que o povo, afinal, se 
achava amadurecido para a mudança. Mas também é claro que a ordem social 
expressa por elas estava longe de encontrar aqui o seu equivalente exato, mormente 
fora dos meios citadinos (1977, p. 77-78). 
Sérgio Buarque estava convicto de que dependíamos, integralmente, das ideias 
teóricas de fora e que as relações socioeconômicas também nos eram impostas, 
restando às nações colonizadas, como a nossa, a convivência com noções bipolares 
hierarquizadas, em que pares dicotômicos se excluem - fazendo com que o segundo 
elemento, que nos caracteriza, esteja sempre em desvantagem em relação ao 
primeiro, como metrópole e colônia, progresso e atraso, desenvolvimento e 
subdesenvolvimento, modernização e tradicionalismo, hegemonia e dependência, 
fortemente marcados por um etnocentrismo, em que não é levada em consideração, 
no sentido mais amplo que se lhe possa atribuir a categoria de alteridade. E essas 
ideias foram assimiladas por uma elite que as alinhou ao aparelhamento do novo 
Estado Nacional. Esses dois Brasis, apontados por ensaístas dessa época: um 
retrógrado, real, ligado ao autoritarismo da época colonial; e o outro legal, com 
aparato burguês de cidadania, não são devidos ao arremedo imitativo de nações 
mestiças; pouco dadas à criação constitutiva do novo, mas à condição mesma histórica 
de país periférico, ocupando o Sul da América, uma vez que as ideias importadas 
serviam para legitimar qualquer tipo de arbítrio por parte dos interesses de 
determinada classe. 
Assim, a Literatura, como manifestação cultural, vai, ao longo de seu 
desenvolvimento, reforçar o pensamento hegemônico. Joaquim Nabuco chega a 
afirmar que: O sentimento em nós é brasileiro; a imaginação é europeia. As paisagens 
todas do Novo Mundo, a floresta Amazônica ou os pampas argentinos não valem para 
mim um trecho da Via Appia, uma volta da estrada de Salerno e Amálfi, um pedaço 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infantil e os Dados Conteudísticos 
www.cenes.com.br | 27 
do cais do Sena à sombra do velho Louvre (apud RIBEIRO, 1984, p.51). 
Nesse contexto, não era sem sustentação o índio europeizado de um Alencar, 
vivenciando a chamada teoria da conciliação, que esquece todos os excessos do nosso 
processo colonizador, ou o interiorano sertanejo de um Bernardo Guimarães, 
enaltecido pelo lado exótico, estranho ao europeu. E a literatura infantil, no Brasil, 
repetiu, a princípio, em grande medida, o modelo imposto pelo colonizador europeu. 
Essa ganhou, em nossas terras, uma espécie de “adaptação de segunda mão”, 
considerando-se os escritores europeus como Perrault, os irmãos Grimm e Andersen 
como os responsáveis pela “adaptação de primeira mão”, uma vez que empreenderam 
a volta ao passado medieval, no início da modernidade. Nas palavras de Regina 
Zilberman, em A Literatura Infantil na Escola: 
Herdeiras, talvez espúrias, da tradição popular europeia e sombras do legítimo 
Märchen coligido pelos Grimm, esses relatos acabam por perder – ou, ao menos, ver 
enfraquecerem – as peculiaridades que os ligavam ao meio social no qual surgiram. 
Se os compiladores mencionados já haviam tratado de amenizar o conteúdo original 
dos textos – aquele que traduzia a revolta dos segmentos sociais mais oprimidos, 
como os dos camponeses e artesãos urbanos, que elaboraram as narrativas primitivas 
– o processo se completou nas transposições que sucessivamente foram feitas. 
Adaptações de adaptações, as histórias começaram a falar de um mundo sem 
qualquer vínculo com a possível experiência do leitor; atenuadas até em seus conflitos 
simbólicos, converteram-se em resumos que pouco mostravam, seja a respeito da 
sociedade em que posteriormente se implantaram,por nada terem assimilado do 
novo solo (ZILBERMAN, 2003, p.156). 
 
8 A Literatura Infantil e os Dados Conteudísticos 
Desenvolve-se, no Brasil, o senso de inteligência, aliada à implementação das 
instituições nacionais, com seu sistema educacional, do qual não está distante a 
literatura voltada para o público infantil, com reforço para os dados conteudísticos. 
Entre esses se encontram: nacionalismo, intelectualismo, tradicionalismo cultural do 
ocidente, moralismo e religiosidade (COELHO, 1991) 
Do século XIX ao início do XX, antes de Monteiro Lobato, foram publicadas as 
seguintes obras voltadas à leitura do público infantil: O Livro do Povo (1861), de 
Antônio Marques Rodrigues; O Método de Abílio (1868), de Abílio César Borges; O 
Amiguinho Nhonhô (1882), de Meneses Vieira; Série Instrutiva (1882), de Hilário 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infantil e os Dados Conteudísticos 
www.cenes.com.br | 28 
Ribeiro; Contos Infantis (1886), de Júlia Lopes de Almeida; Livros de Leitura e Série 
Didática (1890), de Felisberto de Carvalho; Coisas Brasileiras, (1893) de Romão 
Puiggari; Série Puiggari/Barreto (1895), de Romão Puiggari e Arnaldo de Oliveira 
Barreto; Cartilha das Mães (1895), de Arnaldo de Oliveira Barreto; Livros de Leitura 
(1895), de João Kopke; Antologia Nacional (1895), de Fausto Barreto e Carlos de Laet; 
Contos da Carochinha (1896), de Figueiredo Pimentel; Livro das Crianças (1897), de 
Zalina Rolim; O Livro da Infância (1899), de Francisca Júlia; Leituras Infantis (1900), de 
Francisco Vianna; 
As Nossas Histórias (1907), de Alexina de Magalhães Pinto; Páginas Infantis 
(1908), de Presciliana Duarte de Almeida; Era Uma vez (1908), de Viriato Correia; 
Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel Bonfim; Biblioteca Infantil (1915), de 
Arnaldo de Oliveira Barreto; Saudade (1919) de Teles de Andrade. 
Vejamos o poema “A Pátria”, do poeta do Parnasianismo brasileiro Olavo Bilac. 
 
A Pátria 
Ama, com fé e orgulho, a terra em que nasceste! 
Criança! não verás nenhum país como este! 
 
Olha que céu! que mar! que rios! que floresta! A Natureza, aqui, 
perpetuamente em festa, 
 
É um seio de mãe a transbordar carinhos. 
Vê que vida há no chão! vê que vida há nos ninhos, 
Que se balançam no ar, entre os ramos inquietos! 
Vê que luz, que calor, que multidão de insetos! 
Vê que grande extensão de matas, onde impera Fecunda e luminosa, 
a eterna primavera! 
 
Boa terra! jamais negou a quem trabalha 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Literatura Infantil e os Dados Conteudísticos 
www.cenes.com.br | 29 
O pão que mata a fome, o teto que agasalha... 
 
Quem com o seu suor a fecunda e umedece, 
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece! 
 
Criança! não verás país nenhum como este: 
Imita na grandeza a terra em que nasceste! 
(Olavo Bilac) 
Esse poema estrutura-se em oito estrofes de dois versos, ou dísticos, com os 
seguintes pares de rimas. Em termos de conteúdo, volta-se para a criança, procurando 
inculcá-lhe valores patrióticos; para isso, trata de uma terra, cuja natureza é, como a 
mãe, acolhedora e próspera para aqueles que se esforçam. “Boa terra! jamais negou a 
quem trabalha” (1º verso do 6º dístico); “O pão que mata a fome, o teto que 
agasalha...” (2º verso do 6º dístico). “Quem com o seu suor a fecunda e umedece,” (1º 
verso do 7º dístico); “Vê pago o seu esforço, e é feliz, e enriquece!” (2º verso do 7º 
dístico). Evidentemente, que ocorre o reforço das bases ideológicas da burguesia, 
calcada no trabalho e no enriquecimento advindo deste. 
Edgard Cavalheiro afirma, acerca desse período, que: A literatura infantil 
praticamente não existia entre nós. Antes de Monteiro Lobato havia tão-somente o 
conto com fundo folclórico. Nossos escritores extraíam dos vetustos fabulários o tema 
e a moralidade das engenhosas narrativas que deslumbraram e enterneceram as 
crianças das antigas gerações, desprezando, frequentemente, as lendas e tradições 
aparecidas aqui, para apanharem nas tradições europeias o assunto de suas historietas 
(CAVALHEIRO, 1972, p.144). 
Em Lobato, a moral é dissolvida e é dada ênfase à inteligência, à esperteza, no 
bom sentido; porque se centra na valorização da verdade individual e não acredita em 
processos revolucionários para o ser humano atingir o bem-estar. O esforço individual 
e a denúncia às mazelas nacionais, sem o ranço do patriotismo cego, constituem a 
linha mestre das narrativas lobatinas; tais evidências lhe causaram problemas com o 
poder constituído, tendo à frente Getúlio Vargas. Entretanto, hoje seus textos são 
vistos, muitas vezes, com um vinco de classe e étnico muito acentuado. 
 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 
www.cenes.com.br | 30 
9 A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da 
Literatura Infanto-Juvenil 
9.1 Lobato, o Sítio e Muitas Histórias Por Contar 
José Bento Monteiro Lobato, o Juca, como era carinhosamente chamado pela 
família e amigos, nasceu na cidade de Taubaté-SP, em 18 de abril de 1882. Formou-
se em Direito, mas exerceu muitas outras atividades: foi fazendeiro, empresário, editor 
e notabilizou-se como escritor, sendo reconhecido como um dos maiores autores da 
literatura voltada ao público infanto-juvenil, com títulos que foram lançados na 
década de 1920, como A menina do narizinho arrebitado. O sucesso dessa primeira 
história permitiu estabilizar o grupo que passou a compor o espaço privilegiado das 
aventuras vividas por adultos e crianças, bonecos e animais falantes: o Sítio do Pica-
pau Amarelo. Desse modo, o autor pode definir “a unidade final das Reinações de 
Narizinho, obra que, lançada em 1931, nunca perde a primogenitura, permanecendo 
como livro inaugural da coleção das obras completas de Monteiro Lobato para a 
infância” (LAJOLO; ZILBERMAN, 1985, p. 55). 
Ao livro inaugural referido, seguem-se: 
• Viagem ao céu e O Saci, 1932 
• Caçadas de Pedrinho e Hans Staden, 1933 
• História do mundo para as crianças, 1933 
• Memórias da Emília e Peter Pan, 1936 
• Emília no país da gramática e Aritmética da Emília, 1934 
• Geografia de Dona Benta, 1935 
• Serões de Dona Benta e História das invenções, 1937 
• D. Quixote das crianças, 1936 
• O poço do Visconde, 1937 
• Histórias de tia Nastácia, 1937 
• O Pica-pau Amarelo e A reforma da natureza, 1939 
• O Minotauro, 1937 
• A chave do tamanho, 1942 
• Fábulas, 1922 
• Os doze trabalhos de Hércules (1º e 2º tomos) , 1942 
 
O autor escreveu, também, livros de contos e de reportagens/ensaios sobre 
Literatura Infanto-Juvenil Brasileira | 
A Leitura na Escola e na Sociedade: Papel e Importância da Literatura Infanto-
Juvenil 
www.cenes.com.br | 31 
questões importantes da realidade brasileira de seu tempo, como os problemas 
ligados à agricultura, ao desenvolvimento tecnológico, à exploração do petróleo, entre 
muitos outros temas. Dos contos, “Urupês”, publicado em 1918, tornou-se famoso por 
apresentar a controvertida figura do Jeca Tatu, matuto do interior paulista que, nesse 
texto, era criticado, como exemplo do atraso da mentalidade e da cultura do homem 
do campo brasileiro. Mais tarde, teria revisado essa ideia de que o urupê (parasita 
também conhecido como “orelha-de-pau”) da vida interiorana do país era o 
trabalhador, pois o problema estava na falta de políticas adequadas para o 
desenvolvimento da população rural, como distribuição justa de terras, educação, 
saúde, incentivos agrícolas. 
Sobre a obra infanto-juvenil de Lobato, devemos considerar o contexto histórico-
cultural em que se desenvolveu, ou seja, vivia-se o processo de modernização da 
sociedade brasileira. Nesse período, novas perspectivas culturais para o 
desenvolvimento do país eram colocadas em causa: valorização da dimensão popular 
da cultura brasileira, revalorização

Mais conteúdos dessa disciplina