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LITERATURA INFANTIL TAINÁ THIES Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6651-3 9 7 8 8 5 3 8 7 6 6 5 1 3 Código Logístico 59464 Esta obra intenciona esmiuçar a literatura infantil por diversos ângulos, se não todos os possíveis, ao menos aqueles mais relevantes para entender e trabalhar com esse gênero. O estudo sobre a literatura infantil se esta- belece em uma fronteira entre a Teoria da Literatura e a da Pedagogia, uma vez que obras voltadas para as crianças são instrumento de trabalho para o campo educacional. Porém, mais do que auxiliar em um projeto pedagógi- co, a literatura infantil possui outras tantas funções pecu- liares e importantes para o desenvolvimento das crianças enquanto sujeitos. Assim, a literatura infantil ainda se en- caixa nos estudos da Psicologia do Desenvolvimento, que tenta identificar como se relacionam os elementos literá- rios com a formação do indivíduo. Levando em consideração que a leitura é motivadora de cidadania e que a literatura é capaz de transformar va- lores e visões de mundo, esta obra é um ponto de partida para expandir a visão sobre o trabalho da literatura infantil em sala de aula e em outros espaços, transformando essa prática pedagógica em atividade reflexiva. Literatura Infantil Tainá Thies IESDE BRASIL 2020 © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Envato Elements Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ T369L Thies, Tainá Literatura infantil / Tainá Thies. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE, 2020. 182 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6651-3 1. Literatura infantojuvenil. 2. Literatura infantojuvenil - História. I. Título. 20-64170 CDD: 028.5 CDU: 087.5 Tainá Thies Mestre em Teoria da Literatura pela Universidade de Brasília (UnB), especialista em Linguística pela Universidade Gama Filho (UGF), graduada em Letras Português pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e graduanda em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). Professora do ensino superior, atuou, também, como consultora educacional e coordenadora de projetos em educação. Atua na formação de professores para o ramo editorial, como professora em cursos de pós-graduação e como autora de materiais didáticos para o ensino básico e superior, além de produzir contos e histórias infantis. SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! 1 Processo histórico da literatura infantil 9 1.1 Origens da literatura infantil 10 1.2 Literatura infantil do Brasil 16 1.3 Tendências atuais: do impresso ao digital 30 2 Literatura e leitor infantil 36 2.1 O papel da literatura na formação do leitor 37 2.2 Pequenos leitores 45 2.3 A linguagem na literatura infantil 54 3 Estrutura do livro infantil 64 3.1 O projeto editorial do livro infantil 64 3.2 A história contada pela ilustração 75 3.3 Gêneros textuais na literatura infantil 84 4 Temas da Literatura Infantil 94 4.1 Fantasia x realidade 94 4.2 Aventuras e heróis reais e imaginários 99 4.3 A literatura infantil e o desenvolvimento emocional da criança 104 5 Literatura infantil no currículo 112 5.1 Literatura infantil na legislação educacional brasileira 112 5.2 BNCC e literatura infantil 119 5.3 Literatura infantil no livro didático 132 6 Trabalho pedagógico com literatura infantil 141 6.1 Papel do professor 141 6.2 Contação de história 149 6.3 Formando o leitor crítico 155 7 Literariedade e análise de obras infantis 162 7.1 Literariedade na literatura infantil 162 7.2 Análise de obras para educação infantil 172 7.3 Análise de obras para os anos iniciais do ensino fundamental 176 Esta obra intenciona esmiuçar a literatura infantil por diversos ângulos, se não todos os possíveis, ao menos aqueles mais relevantes para entender e trabalhar com esse gênero. O estudo sobre a literatura infantil se estabelece em uma fronteira entre a Teoria da Literatura e a da Pedagogia, uma vez que obras voltadas para as crianças são instrumento de trabalho para o campo educacional. Porém, mais do que auxiliar em um projeto pedagógico, a literatura infantil possui outras tantas funções peculiares e importantes para o desenvolvimento das crianças enquanto sujeitos. Assim, a literatura infantil ainda se encaixa nos estudos da Psicologia do Desenvolvimento, que tenta identificar como se relacionam os elementos literários com a formação do indivíduo. Para realizarmos esse objetivo, portanto, trabalharemos no capítulo inicial com uma reconstrução das origens da literatura infantil, buscando identificar as ligações de seu surgimento com reflexões sobre o contexto em que surge. Também passaremos pelo histórico do gênero no Brasil, apresentando os principais autores e identificando possibilidades de leitura em diferentes suportes. No segundo capítulo, buscamos nos aprofundar no leitor da literatura infantil, a criança. Tentaremos traçar um curso para encontrar respostas sobre a influência desse gênero sobre a formação do sujeito e do leitor literário. Para isso, é necessário identificar quem é esse leitor e como a linguagem influencia seu processo de formação. Uma vez que identificamos um panorama histórico e algumas especificidades sobre o leitor, devemos partir para o suporte em si, o livro de literatura infantil. Assim, o terceiro capítulo trabalhará a forma do livro, o projeto editorial dos gêneros mais empregados nas obras de literatura infantil. E para apreendermos a forma desse livro em sua totalidade, votaremos nossa análise para a compreensão de como se estabelece a relação entre as imagens e o texto em livros de literatura infantil. Seguindo em frente, discutiremos então o conteúdo dos livros infantis no quarto capítulo. Discorreremos sobre a fantasia e a criação de mundos maravilhosos, bem como a necessidade do equilíbrio entre fantasia e realidade, identificando uma estrutura básica que percorre todas as narrativas de heróis. Além disso, buscaremos compreender como a literatura infantil e seus cenários conseguem influenciar o desenvolvimento emocional do sujeito. APRESENTAÇÃO No quinto capítulo iniciaremos a nossa jornada para o reconhecimento da literatura infantil no espaço escolar e, mais notadamente, nos documentos que norteiam a educação básica brasileira. Logo, discutiremos a relevância de obras literárias na legislação educacional brasileira, como os PCNs, as DCNs e a BNCC. Também veremos como estão inseridas obras literárias infantis nos livros didáticos, instrumentos tão utilizados nas escolas brasileiras. Após vermos o lugar da literatura na educação, vamos analisar o papel do professor na disseminação e motivação da leitura de livros literários infantis na escola. O sexto capítulo, então, lançará luz sobre práticas possíveis de serem desenvolvidas em sala de aula, bem como a necessidade de uma formaçãopara a leitura crítica. No sétimo e último capítulo nos debruçamos sobre práticas em sala de aula de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, trazendo roteiros que visam trabalhar a apreciação literária e a formação do leitor crítico, além de verificarmos possíveis categorias de análise a serem levantadas no estudo da literatura infantil. Levando em consideração que a leitura é motivadora de cidadania e que a literatura é capaz de transformar valores e visões de mundo, acreditamos que esta obra seja um ponto de partida para expandir a visão sobre o trabalho da literatura infantil em sala de aula e em outros espaços, transformando essa prática pedagógica em atividade reflexiva. Processo histórico da literatura infantil 9 1 Processo histórico da literatura infantil Pedrinho, na varanda, lia um jornal. De repente parou e disse à Emília, que andava rondando por ali: — Vá perguntar à vovó o que quer dizer folk-lore. — Vá? Dobre a sua língua. Eu só faço coisas quando me pedem por favor. Pedrinho, que estava com preguiça de levantar-se, cedeu à exigência da ex-boneca. — Emilinha do coração — disse ele —, faça-me o maravilhoso favor de ir perguntar à vovó que coisa significa a palavra folk-lore, sim, teteia? Emília foi e voltou com a resposta. — Dona Benta disse que folk quer dizer gente, povo; e lore quer dizer sabedoria, ciência. Folclore são as coisas que o povo sabe por boca, de um contar para o outro, de pais a filhos – os contos, as histórias, as anedotas, as superstições, as bobagens, a sabedoria popular etc. e tal. Monteiro Lobato, em Histórias de Tia Nastácia Antes de pensarmos a literatura infantil enquanto forma de es- crita para um público específico, vamos nos lembrar das histórias que conhecemos quando crianças. Você se lembra dessas histó- rias? Como teve contato com elas? Alguém leu para você? Teve acesso a esses livros? Na maior parte das vezes, as histórias que marcaram nossa infância nos foram passadas por outra pessoa, normalmente um adulto, seja em casa, seja na escola. E o mais interessante é que se pensarmos, hoje, em histórias para contar para as crianças, verificaremos que elas são as mesmas ao longo de várias gerações e em diversos países. Mas qual a sua origem? Como tantos povos as contam ao longo de tanto tempo? Vamos descobrir a resposta para essas perguntas neste capítulo! 10 Literatura Infantil 1.1 Origens da literatura infantil Vídeo A história da literatura infantil se confunde com a história da lite- ratura, e elas começam com a humanidade e o desenvolvimento da linguagem. Pode até parecer esquisito pensar que sociedades primi- tivas possuíam literatura, mas esse pensamento só se torna inusitado se acreditarmos que literatura é apenas aquela que está escrita, com ilustrações bem feitas e em papel brilhante. Mas se entendermos que literatura não é uma prática ligada somen- te à escrita, fica mais compreensível sua relação com o desenvolvimen- to da humanidade e da cultura. Todos os fenômenos precisavam de explicação com o advento da linguagem humana e das línguas. O trovão, a chuva, o nascimento, a morte etc. Tudo estava ali para ser descoberto e simbolizado pela linguagem. Entretanto, como explicar tudo se ainda não havia um único ser que soubesse como as coisas aconteciam? Como dizer às crianças que não deveriam correr sozinhas, pois se fizessem isso seriam de- voradas por grandes animais? Ou como impor os novos valores so- ciais e culturais, como o casamento? Pois bem, nasce aí o folclore e suas histórias. Em inglês, o termo folklore significa “tradição do povo”. Assim, o di- cionário Michaelis (2015) define a palavra folclore como: fol·clo·re sm 1 Costumes tradicionais, crenças, superstições, cantos, fes- tas, indumentárias, lendas, artes etc., conservados no seio de um povo; cultura popular, populário: “Heitor Villa-Lobos foi o maior compositor erudito do Brasil, apesar da inegável in- fluência do folclore popular brasileiro em suas composições” (TM1). 2 Parte da antropologia cultural que estuda esses elementos. 3 FIG Sequência de acontecimentos reais ou imaginários. [...] 4 FIG Algo meramente criado pela imaginação; fantasia: Essa história não passa de folclore. Temos quase certeza de que você aprendeu na escola que, para se referir à literatura, usa-se a palavra estória, em oposição à história, que designa a disciplina que estuda os acontecimentos no tempo. Certo? Em todo caso, estória é um daqueles termos arcaicos que as pessoas ainda usam, mesmo anos depois de cair em desuso. Essa palavra foi retirada de nossa norma culta em 1943, com uma deliberação da Academia Brasileira de Letras, e, mesmo assim, continuou sendo usada na educação até pelo menos os anos 1990! Saiba mais Tente lembrar com detalhes de uma história que você ouviu ou leu quando criança e, se possível, anote-a. Depois, procure essa história para ver se sua versão bate com a que circula hoje em dia. Desafio Processo histórico da literatura infantil 11 Logo, o folclore é a própria cultura feita pelo povo para explicar o mundo a sua volta e dar cores à vida. Fazem parte do folclore as lendas, as fábulas, os contos, os poemas, as quadrinhas, as canções e outros gêneros textuais que versam sobre os comportamentos e os valores de uma sociedade. Narrativas de heróis da Antiguidade já davam o tom para uma litera- tura que traria aspectos de fantasia, mas são as fábulas e os contos popu- lares que acompanharão a história da literatura infantil desde seu início. Os pioneiros nesses gêneros foram Esopo, Fedro, La Fontaine e Perrault. Esopo foi um escravo que viveu na Grécia Antiga e contava histórias com animais personificados, isto é, animais que se comportavam como humanos. Suas histórias, ou fábulas, traziam uma moralidade popular, como em A cigarra e a formiga e A tartaruga e a lebre, bem conhecidas nossas e que vêm sempre acompanhadas de uma moral sobre vícios ou virtudes do povo. Séculos depois, Fedro, um ex-escravo de Roma, aprimorou as fá- bulas de Esopo, inserindo-as na sociedade romana e disseminando tal gênero por todo o Império. Então, já no século XVII, La Fontaine remodela a obra de Esopo, es- crevendo novas fábulas e inserindo-as no contexto moderno, sempre seguindo o modelo de utilizar animais personificados para criticar com- portamentos. Sua crítica se valia, sobretudo, de misérias e injustiças praticadas especialmente pela corte para expressar seu descontenta- mento com a sociedade de sua época. Ainda no século XVII, Charles Perrault escreveu Contos da Mamãe Gansa (no título original, Histórias ou narrativas do tempo passado com moralidades), abrindo caminho para uma literatura popular específica para crianças. Assim, como o próprio título original sugere, a obra traz contos populares com o objetivo de demonstrar comportamentos que seriam exemplares. Há uma curiosidade aqui que devemos levar em consideração: Charles Perrault não quis assinar a obra, para não per- der seu prestígio, pois uma literatura que se voltasse para crianças era considerada de menor valor diante das outras artes e de outros gêne- ros. Então, quando da sua escrita, Perrault coloca o nome do filho como autor, Pierre Darmancourt, e dedica seu livro à neta do rei da França, Luís XIV, fazendo com que a obra fosse aceita por “circular entre as crianças”. Outro ponto muito importante de sua obra é que com ela se Esopo Perrault La Fontaine 12 Literatura Infantil inicia a utilização dos “contos de fadas” como forma literária infantil, sobre os quais discorreremos adiante nesta seção. O folclore não era feito para crianças, mas para todos, e podemos perceber em contos que perpetuamos até hoje para nossos pequenos qual era o valor dado à criança. Vejamos o exemplo do conto João e Maria: Perto de uma grande floresta, vivia um pobre lenhador com sua mulher e dois filhos. O menininho chamava-se João e a meni- na chamava-se Maria. Nunca havia muito o que comer na casadeles, e, durante um período de fome, o lenhador não conseguiu mais levar pão para casa. À noite ele ficava na cama aflito, re- mexendo-se e revirando-se em seu desespero. Com um suspiro, disse para sua mulher: “O que vai ser de nós? Como podemos cuidar de nossos pobres filhinhos quando não há comida bas- tante nem para nós dois?” “Ouça-me”, sua mulher respondeu. “Amanhã, ao romper da au- rora, vamos levar as crianças até a parte mais profunda da flo- resta. Faremos uma fogueira para elas e daremos uma crosta de pão para cada uma. Depois vamos tratar dos nossos afazeres, deixando-as lá sozinhas. Nunca encontrarão o caminho de volta para casa e ficaremos livres delas.” “Oh, não!” disse o marido. “Não posso fazer isso. Quem teria co- ragem de deixar essas crianças sozinhas na mata quando ani- mais selvagens vão com certeza encontrá-las e estraçalhá-las?” “Seu bobo”, ela respondeu. “Nesse caso vamos os quatro morrer de fome. É melhor você começar a lixar as tábuas para os nossos caixões”. (TATAR, 2004, p. 52-53) Essa versão do conto é o que podemos chamar de mais próxima do original, pois muitas outras versões suavizam a história, contando que João e Maria se perderam na floresta ao colher amoras. Assim, é possível identificar o pensamento da época nesse conto. Os mais im- portantes eram os adultos completos, e não os adultos miniaturas, as crianças. Estas poderiam ser descartadas no caso de não haver mais comida, por exemplo. A sobrevivência falava mais alto, e o abandono dos mais frágeis era visto como algo comum. Compreendemos a literatura infantil também como uma represen- tação dessas transformações sociais. Aos poucos, os mesmos contos que são contados para todos vão sendo modificados para uma lingua- gem que priorize a criança e seus comportamentos infantis. Outro gênero bastante lido (e principalmente ouvido) por todo o povo eram as novelas de cavalaria, muito comuns por toda a Europa. Aliás, há uma delas em particular que todos conhecemos de alguma forma: as histórias sobre o Rei Arthur, Merlin e os Cavaleiros da Távola Redonda. Essas novelas exaltavam a elevação espiritual por meio de valores morais e mesclavam o contexto real de duelos e cruzadas com elemen- tos maravilhosos. Você pode estar imaginando que nunca viu uma dessas novelas e, por isso, elas não são tão significativas para o nosso contexto. Porém, temos um gênero no Brasil que bebe diretamente dessa fonte: o cordel. Trata-se de uma poesia oral que junta elementos reais e maravilhosos em um contexto de devoção e muita bravura, assim como no dos cavaleiros! Saiba mais Sabendo que a literatura espe- cífica para crianças só começa a se esboçar no século XVII com Charles Perrault, será que não existiam crianças antes disso? Sim, essa pergunta é absurda mesmo, mas se as crianças existiam, por que não havia uma literatura para elas? Atividade 1 Processo histórico da literatura infantil 13 Assim, João e Maria passa a ser, hoje, uma história de cooperação, de triunfo por união e de retorno feliz à casa. Dessa forma, a literatura infantil precisou primeiro passar pelo desen- volvimento do próprio conceito de infância para então ser pensada com es- tética, forma e conteúdo específicos. Algumas obras ou compilações são vistas atualmente como iniciadoras desse processo. O que elas têm em comum entre si é exatamente o uso de histórias capazes de moldar com- portamentos das crianças dentro de um sistema de valores da sociedade em que estão inseridas. Coelho (2000, p. 41, grifos do original) nos diz que: dentre os fatores que podem ser apontados como comuns às obras adultas que falaram (ou falam) às crianças, estão os da popularidade e da exemplaridade. Todas as que se haviam trans- formado em clássicos da literatura infantil nasceram no meio popular (ou em meio culto e depois se popularizaram em adap- tações). Portanto, antes de se perpetuarem como literatura in- fantil, foram literatura popular. Em todas elas havia a intenção de passar determinados valores e padrões a serem respeitados pela comunidade ou incorporados pelo indivíduo em seu com- portamento. Mostram as pesquisas que essa literatura inaugural nasceu no domínio do mito, da lenda, do maravilhoso. Conforme Coelho (2000), a literatura popular, que dá origem à lite- ratura infantil, nasce do domínio do “maravilhoso”, ou seja, aquilo que é gerado pela fantasia quando há presença do sobrenatural e de even- tos misteriosos e sem explicação possível. O elemento maravilhoso é capaz de colocar em pauta uma coletividade narrativa, isto é, os fatos narrados não são individuais, mas, sim, comuns a diversos povos que compartilham mitos e lendas e, logo, valores e crenças. É justamente por isso que, quando lemos contos de Perrault ou dos Irmãos Grimm, as histórias tendem a ser parecidas; até se perde a no- ção de qual história é de quem. Temos que lembrar também que essas histórias contadas por eles não foram, de fato, inventadas por eles. Charles Perrault e Jacob e Wilhelm Grimm compilaram os contos folclóricos comuns na região em que viviam e que eram contados por camponeses nas tavernas e nas vilas. Acontece que, como já vimos aqui, povos compartilham valores e crenças, e também histórias, como no caso de Chapeuzinho Vermelho, uma história encontrada em ambas as compilações, com algumas diferenças. estética: estudo da beleza na criação artística. Glossário Para conhecer um pouco sobre a evolução do conceito de infância, su- gerimos a leitura do livro História social da criança e da família, de Philippe Aries, o qual revisita a presença da criança em obras de arte para tentar estabelecer quando ela passa a ser uma figura importante na história das famílias. ARIES, P. São Paulo: LTC, 1981. Livro Você sabia que muitos dos contos de fadas não foram escritos inicialmente para crianças? Um exemplo são os contos dos Irmãos Grimm, que teriam surgido de uma pesquisa acadêmica para adultos. Para saber mais sobre esse assunto acesse o link a seguir: https://tinyurl.com/ya2ougzs Saiba mais 14 Literatura Infantil Histórias contadas visando o público de cada época foram sendo revistas a cada transformação dos valores sociais. Peguemos o exem- plo de Chapeuzinho Vermelho. Charles Perrault publicou sua adapta- ção do conto em 1697, e o final era aquele em que o Lobo devorava Chapeuzinho e Vovó. Já a versão dos Irmãos Grimm, de 1812, coloca em cena o Caçador para salvar Chapeuzinho, suavizando a violência presente no conto e aproximando-o muito mais do público infantil. Se procurarmos, encontraremos muitas outras versões da mesma histó- ria, produzidas ao longo dos séculos. Segundo Coelho (2010, p. 30), essa violência ou crueldade vai desaparecendo desses contos maravilhosos à medida que os tempos passam ou que a huma- nidade vai refinando seus costumes. Isso é facilmente notado nas alterações que se produzem em certos contos, ao passarem da versão de Perrault para a de Grimm e desta para as versões contemporâneas. Hoje, transformados em literatura infantil, per- deram toda a agressividade original. Assim, todos esses contos populares que vão sendo reunidos ao longo dos séculos acabam por se tornar o que chamamos de início da literatura infantil. Podemos ver que não foi um projeto pensado exclusi- vamente para as crianças. Porém, como parte da cultura, contendo pa- drões e normas de comportamentos, eram ótimas ferramentas para os pequenos (agora já compreendidos como crianças), que precisavam se inserir nos modelos solicitados pela sociedade dos adultos. Bem, até aqui você já identificou que a literatura se inicia como for- ma de transmitir valores e comportamentos de uma sociedade por ge- rações, bem como para preservar sua identidade. Mas como saltamos disso para uma literatura específica para crian- ças, já que o folclore não se destinava somente aos pequenos, mas, sim, a todo o povo? Antes de vermos quando se inicia convencionalmente a literatu- ra infantil, precisamosentender outro ponto: a concepção de criança como sujeito. Isso mesmo, a criança só é vista como um sujeito, com suas especificidades e diferenças, a partir do século XVII, quando au- menta o interesse por representar a criança na pintura em suas formas harmônicas e apropriadas. Se você observar pinturas da Idade Média, verá que não são crianças representadas, e sim adultos menores, des- proporcionais às formas de uma criança (ARIÈS, 1981). Será que existem outras versões de Chapeuzinho Vermelho? Você consegue pensar em alguma? Faça uma pesquisa para levantar possíveis versões ou adaptações. Desafio Processo histórico da literatura infantil 15 Quando ouvimos que não havia crianças na Idade Média ou em outras épocas, devemos entender, na verdade, que não havia a com- preensão das crianças como seres especiais, as quais eram chamadas de “adultos tolos”. Exatamente isso! Adultos que ain- da não tinham a capacidade de um adulto, mas que participavam da vida adulta como se fizessem parte dela. Então, naquela época, as crianças assistiam às execuções em praça pública, estavam presentes du- rante as relações sexuais dos pais (até mesmo por- que não havia divisão de cômodos) e trabalhavam desde muito cedo, sem questionamento por parte da sociedade. Somente após o século XVIII, com reflexões da fi- losofia, da arte e da Igreja Católica, a criança passa, gradativamente, a ser vista como especial e com a ne- cessidade de ser protegida. Porém, essa nova visão de criança não surge apenas do sentimento de pro- tegê-la, mas também em decorrência da Revolução Industrial e de novos valores trazidos à tona. Com a Revolução Industrial no século XVIII, a bur- guesia (donos de indústrias, profissionais liberais, comerciantes e artesãos) se estabelece como uma classe social forte e precisa garantir sua perpetuação ao longo do tempo, ou seja, não bastava conquistar status de classe ascendente, era necessário fazer com que seus des- cendentes protegessem seus valores. Portanto, a burguesia passa a olhar para a família e para a criança como pilares para sustentar uma nova lógica burguesa, conferindo-lhes novos papéis: ao homem era so- licitado o sustento da família; à mulher, o cuidado da casa, bem como a educação dos filhos; e à criança, um novo olhar para seu desenvol- vimento enquanto indivíduo que poderia ser moldado pela educação para uma sociedade recém-formada. Ainda nesse período, tanto a pedagogia quanto a psicologia se de- senvolvem enquanto ciências, e a escola também é solicitada a formar crianças e jovens de acordo com os ideais burgueses. Nesse sentido, eram necessários produtos específicos para serem utilizados em am- biente escolar e familiar com intuito educacional. O livro se torna, en- tão, um produto que se encaixa muito bem nesse novo sistema. Assim, W ik im ed ia C om m on s BONDONE, G. di. Ognissanti Madonna. 1310. Têmpera sobre painel, color., 204 x 304 cm. Galeria Uffizi, Florença, Itália. Figura 1 Ognissanti Madonna, de Giotto di Bondone – repre- sentação da criança. Para entender melhor a evolução do conceito de criança e de infância, assista ao vídeo Karnal: não existiam crianças antes do século XX, do filósofo Leandro Karnal, publicado pelo canal Band Jornalismo. Disponível em: https://tinyurl. com/yagawo5s. Acesso em: 30 mar. 2020. Vídeo 16 Literatura Infantil o livro infantil nasce com contos folclóricos e fábulas, a fim de garantir comportamentos exemplares, e se aprimora como uma mercadoria para assegurar a passagem dos valores da classe que estava no coman- do dos meios de produção. A preocupação excessiva com o uso pedagógico e moral da literatura infantil acabou por lhe conferir um título de arte com menor valor, uma vez que suas características estéticas foram sendo deixadas de lado nesse cenário. Porém, mesmo em meio a esse contexto, algumas obras merecem destaque por serem livros que transcenderam o pe- dagógico e o utilitário, dando ênfase aos elementos estéticos que produzem a literatura como forma de arte. Como exemplo, ainda no século XVIII, temos Robinson Cru- soé (1719), de Daniel Dafoe, e As viagens de Gulliver (1726), de Jonathan Swift. No século XIX, podemos encontrar Os contos dos Irmãos Grimm (1812); Contos (1833), de Hans Christian Andersen; Alice no País das Maravilhas (1863), de Lewis Carroll; As aventuras de Tom Sawyer (1882), de Mark Twain; e Pinóquio (1883), de Carlo Collodi. Todos esses livros se consolidaram como literatura infantil (e juvenil) de qualidade por todo o ocidente, tendo inclusive inúmeras adaptações e versões, tanto em linguagem verbal quanto em outras linguagens, como a do cinema e a dos quadrinhos. Então, não é de se espantar que você conheça a maioria dessas histórias, senão todas! Nossa infân- cia foi povoada por personagens dos contos de fadas europeus, com coleções que traziam adaptações e versões simplificadas para várias idades. Mas não só de literatura estrangeira viveram as crianças brasi- leiras! Nós também fizemos (e continuamos fazendo) muita literatura infantil, e da boa, diga-se de passagem! Vamos ver? 1.2 Literatura infantil do Brasil Vídeo Entre o período do estabelecimento da colônia e o século XIX, não havia produção editorial no Brasil, assim, todos os livros eram im- pressos em Portugal. Logo, as obras literárias que você viu na seção anterior passavam por uma tradução para o português de Portugal, Figura 2 Madone des Guidi de Faenza, de Sandro Botticelli, – representação da criança no Renascimento. BOTTICELLI, S. Madone des Guidi de Faenza. 1470. Têmpera sobre painel, color., 73 x 49 cm. Museu do Louvre, Paris, França. W ik im ed ia C om m on s Entre as obras citadas, pesquise a respeito daquelas que chamarem mais a sua atenção. Quem sabe essa pesquisa possa terminar em uma boa leitura! Desafio Processo histórico da literatura infantil 17 e assim vinham ao Brasil, para aqueles que podiam pagar. No caso do povo em geral, prevaleciam ainda os contos populares da tradição oral, vindos em sua maioria da cultura ibérica e com temáticas de ca- valaria ou religiosas. Com a vinda da família real para o Brasil, já no século XIX, diversos setores se modernizaram para se adequar ao status de nova sede da realeza. Assim, setores culturais e educacionais se desenvolveram e foi iniciada a produção editorial brasileira, com a Imprensa Régia, implan- tada em 1808. Em 1810, D. João VI implementou a Biblioteca Nacional, com a importação de inúmeros volumes de Portugal. Tal progresso continuou a avançar a passos largos com a Indepen- dência proclamada por D. Pedro I, com a estabilidade das recentes uni- versidades e criação de novas e com o reconhecimento da educação como necessidade às elites. Assim, o livro infantil também se estabe- lece enquanto necessidade pedagógica e, em especial, como artefato para a alfabetização. As literaturas escolares, ou livros de leitura, que passam a ser produzidas no Brasil no século XIX se firmam – assim como na Europa do século XVIII – como utilitárias e ligadas aos valores da sociedade brasileira da época. Conforme Coelho (2010, p. 223): Analisadas em conjunto, essas obras pioneiras (sejam adapta- ções, traduções ou originais) revelam facilmente a natureza da formação ou educação recebida pelos brasileiros desde meados do século XIX. Uma educação orientada para a consolidação dos valores do Sistema herdado (= mescla de feudalismo, aristocra- cismo, escravagismo, liberalismo e positivismo). Coelho (2010) ainda salienta que os valores contidos nos livros escolares brasileiros desse período podem ser caracterizados por nacionalismo, intelectualismo, tradicionalismo cultural e mora- lismo e religiosidade. Veja a seguir as características de cada um des- ses valores: 18 Literatura Infantil Nacionalismo Intelectualismo Tradicionalismo cultural Moralismo e religiosidade Maior ênfase na língua falada no Brasil, diferen- ciando-se do Português europeu. Ascensãosocial e econô- mica por meio do saber proporcionado pelo estudo e pelo livro. Valorização de autores consagrados e clássicos europeus. Cumprimento dos preceitos cristãos de caráter, honestidade e pureza. Preocupação com os símbolos da Pátria. Cultura clássica e es- trangeira a ser utilizada como molde para cria- ções nacionais. Destaque ao amor pela terra e pela vida no cam- po, incompatível com a vida urbana. Quadro 1 Características dos valores nos livros escolares do século XIX Fonte: Adaptado de Coelho, 2010, p. 224. Podemos citar algumas obras que introduzem a literatura para crianças enquanto artefato pedagógico. Entre elas: graphixmania/ Shutterstock 186 1 186 8 187 7 188 2 189 0 189 3 189 5 O livro do povo, de Antônio Marques Rodrigues, traz de modo acessível a doutrina cristã e os princípios de economia e ordem. Mesmo com uma literatura utilitarista, acaba por ser um precursor da popularização do livro infantil no país. Método Abílio, de Abílio César Borges, Barão de Macaúba. Com base no modelo europeu, escreveu vários livros de leitura e realizou adaptações de outros livros europeus para que as escolas empregassem como método de alfabetização e ensino da matemática, das ciências, das artes e da leitura. Livros de leitura e série didática, de Felisberto de Carvalho. Essa série concorria diretamente com a de Hilário Ribeiro e instaurava no Brasil um novo método de ensino, com divisão por lições e exercícios de recapitulação, ditado, redação e recitação. Coisas brasileiras, de Romão Puiggari. Sua intenção era a de trazer bom humor para os livros didáticos e repensar o uso de autores e valores estrangeiros em detrimento dos nacionais. Para ele, poemas, histórias, cenário e assuntos tratados deveriam enaltecer o Brasil, inserindo-se, assim, no nacionalismo romântico da época. Anthologia nacional, de Fausto Barreto e Carlos de Laet. Um dos livros escolares mais populares no início do século XX, sendo adotado em grandes colégios das capitais. Era uma antologia de textos a serem trabalhados na escola, sempre dando ênfase à produção literária nacional. Série Instrutiva, de Hilário Ribeiro, foi uma coleção muito popular em diversos estados do Brasil até a década de 1930. Era composta de quatro volumes: Cartilha nacional – primeiro livro e silabário; Cenário infantil; Na terra, no mar e no espaço; Pátria e dever – elementos de educação moral e cívica. Essa coleção instaura de vez o uso do método silábico para a alfabetização nas escolas brasileiras. Conforme Coelho (2010, p. 228), “nessa Série Instrutiva, estão bem caracterizados os valores da Sociedade-liberal-burguesa-cristã, que alicerçam toda a produção didática e literária da época”. O livro do nenê, de Joaquim José de Meneses Vieira, autor de vários outros livros didáticos 1 . 20 contos morais (1880), Manual para os jardins de infância (1882) e Amiguinho Nhonhô (1882). 1 método silábico: trabalho de alfa- betização por meio da compreensão de estruturas maiores do que somente as letras, as sílabas. Glossário Processo histórico da literatura infantil 19 Visualizamos nessas obras a influência incontestável de um pensa- mento positivista que estava presente em todos os setores. As palavras do escritor Francisco Vianna, autor de Leituras infantis (1900), esclare- cem bem o sentimento que imperava nos livros de leitura do fim do século XIX e início do século XX. De acordo com Vianna, citado por Pfromm Neto et al. (1977): ao escrevermos tais livros, não podemos e nem devemos subor- diná-los exclusivamente ao gosto e às tendências das crianças. Toda leitura, qualquer que seja, exerce uma certa reação sobre quem a faz, pois, como demonstrou A. Comte, nada há de indi- ferente ao sentimento. Assim sendo, convém aproveitar em tais lições assuntos que concorram para a formação de seus senti- mentos e de seu caráter, em suma, de seu moral. Isto só se pode obter desenvolvendo o altruísmo e comprimindo o egoísmo. (apud COELHO, 2010, p. 235) Logo, podemos entender por esse trecho o quão atreladas ao ensi- no de valores e da aquisição da habilidade de leitura eram tais obras. Além disso, precisamos lembrar que o crescente interesse pelos livros didáticos ainda está ligado ao sentimento burguês que descrevemos anteriormente. Esses valores, já estabelecidos na Europa, chegavam até nós com o amadurecimento de uma sociedade brasileira ainda muito jovem. Assim, a necessidade de se educar para a formação do ca- ráter e da moral, como citado no trecho visto anteriormente, é também uma necessidade de perpetuar valores da classe dominante, afinal, no século XIX e início do século XX, quem frequentava as escolas? Pois é, somente pessoas com condições financeiras enviavam seus filhos para serem educados e para perpetuarem os valores nascidos com a burguesia europeia. Os mais pobres, as meninas e os filhos de escravizados recém-alforriados não estavam nessa equação (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007). Porém, embora o início da literatura infantil se confunda com o dos livros didáticos, não devemos pensar que não havia literatura in- fantil como forma de arte. Temos, sim, algumas obras que, já no sé- culo XIX e início do século XX, podem ser consideradas por seu valor estético. Veja algumas: Para trabalhar contos em sala, nada melhor que utilizar compilações com comentários e fatos históricos. Para isso, leia os livros de Ângela Carter e de Maria Tatar, os quais trazem inúmeros contos (conhecidos ou não) para você se encantar. CARTER, A. 103 contos de fadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. TATAR, M. (ed.). Contos de fadas: edição comentada e ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. Livro 20 Literatura Infantil • Contos infantis (1886), de Júlia Lopes de Almeida e Adelina Lopes Vieira. São 60 histórias em prosa e em verso, as quais se consa- gram como o primeiro livro destinado também à diversão, além da instrução. Júlia Almeida ainda escreveu outros títulos que se ligam ao nacionalismo e à pedagogia, mas sempre trazendo o maravilhoso em suas histórias. • Contos da carochinha (1896), de Figueiredo Pimentel. Essa foi a primeira coletânea de contos infantis, fábulas, lendas, parábolas e outros gêneros traduzida para o português do Brasil, dissemi- nando a cultura dos contos de fadas em território nacional. • Livro das crianças (1897), de Francisca Rolim. A poetisa escreveu contos em historietas em versos, e seu livro foi adotado para as escolas do estado de São Paulo. • Livro da infância (1899), de Francisca Júlia, poetisa parnasiana que escreveu 40 textos em poesia e prosa, com grande influência de escritores alemães. Sua obra também foi adotada pelo estado de São Paulo para suas escolas. • O tico-tico (1905), jornal infantil que permaneceu no mercado por muitos anos. Inaugurou no país uma cultura de histórias em quadrinhos (HQs), trazendo inicialmente cópias de ilustrações de HQ americana Buster Brown, que, para nossa realidade, foi trans- formado no personagem travesso Chiquinho. Após Buster Brown ser cancelada nos EUA, Chiquinho continuou a aparecer no jornal infantil por intermédio de diversos artistas nacionais, que, aos poucos, foram criando outros personagens. O jornal também trazia quebra-cabeças, jogos e enigmas e esteve em circulação por 53 anos. Foi por suas páginas que nós tivemos o primeiro contato com O Gato Félix e Mickey Mouse, ambos de Walt Disney. • As nossas histórias (1907), de Alexina de Magalhães Pinto, é uma cole- tânea folclórica produzida em um esforço de renovação da literatura infantil. • Páginas infantis (1908), de Presciliana Duarte de Almeida, é uma coletânea de historietas que intenta divulgar novas ideias educa- cionais e, também, feministas. • Era uma vez (1908), de Viriato Correia, é uma reunião de contos maravilhosos e folclóricos, com maior preferência pelas fábulas e por tratar temas históricos de maneira divertida. Processo histórico da literatura infantil21 • Através do Brasil (1910), de Olavo Bilac e Manuel Bonfim. Um mar- co na nossa literatura infantil, traz uma única história de aventu- ra (uma novela), e não vários contos e pequenas histórias como seus antecessores. Também insere o gênero de viagem pedagó- gica, utilizado na Europa, fazendo com que seus personagens principais viagem pelo Brasil conhecendo suas diferenças histó- ricas, geográficas, naturais e culturais. • Biblioteca infantil (1915), Arnaldo de Oliveira Barreto. Foram 25 títulos de contos, como O patinho feio, Gato de Botas, O soldadi- nho de chumbo, entre outros, todos ilustrados pelos artistas mais consagrados da época. Tal coletânea se perpetuou por muitos anos e chegou até nós com melhorias gráficas e adaptações. • Saudade (1919), de Tales de Andrade. Nos moldes da novela de Olavo Bilac e Manuel Bonfim, abriu caminho para uma literatu- ra infantil com temática rural, a qual foi bastante explorada nos anos seguintes. A vida rural se insere aqui com o reconhecimen- to de novos ideais de paz e justiça social após uma guerra que abalou os valores de progresso e urbanização. Saudade mescla ficção e realidade e enaltece uma vida simples e desvalorizada pela cidade, bem como a natureza. Tales de Andrade instaurou uma nova categoria a ser perseguida por autores de literatura infantil no século XX, a de ruralismo, uma exal- tação à vida simples e dura do campo, com um quê de bucolismo e amor pela natureza. E aqui estão lançadas as bases para uma literatura infantil genuinamen- te brasileira e com ênfase em seu estado de arte. Será que você consegue pensar em algum escritor que compreende esse cenário em que são ne- cessários livros para a educação escolar e para o ensino de valores como o ruralismo, mas que não deixa de lado o divertimento e o maravilhamento? 1.2.1 Monteiro Lobato e o nascimento da literatura infantil brasileira Como vimos, o cenário brasileiro aos poucos foi se modificando, pas- sando de uma necessidade por copiar modelos europeus de arte e edu- bucolismo: temas campestres retratados na arte. Glossário 22 Literatura Infantil cação para encontrar um tom que fosse brasileiro, levando em conta nossa geografia, história e natureza. Assim, a literatura infantil, a partir dos anos 1920, leva em conta também algumas das características pro- duzidas por novos valores da primeira fase do movimento modernista, como a liberdade, o humor, o nacionalismo, o relato do cotidiano e uma busca pela língua brasileira, pelos falares do povo. Eis que então surge José Bento Renato Monteiro Lobato, figura que inicia sua carreira no jornal O Estado de São Paulo denunciando as quei- madas no interior do país, pois antes de ser escritor, Monteiro Lobato era fazendeiro. Inicialmente, Lobato ficou conhecido por suas críticas sociais na figura do Jeca, um caboclo a quem o autor via como um para- sita, alguém preguiçoso e sem cuidado com a terra. Da mesma forma, o escritor também criticava os governos, por estarem mais ligados à Primeira Guerra Mundial na Europa do que às necessidades do país. Aos poucos, Lobato alterou sua visão do homem do interior, do cabo- clo. Percebeu que sua condição vem da falta de educação e de condições básicas para a sobrevivência e entendeu, assim, que seu modo de vida não é enaltecido como faziam no Romantismo. No período romântico da literatura brasileira, o homem do interior era tido como afortunado por poder viver em contato com a natureza; depois, passou a representar uma cultura arcaica e simples demais, com seus contos e folclores. À essa época, a literatura brasileira estava mergulhando no Moder- nismo, movimento que prezava muito pelas vanguardas europeias e por novos rumos para a cultura e sociedade brasileiras. Entretanto, Lobato se opunha a esse pensamento modernista, pois pensava que a literatura feita em território nacional deveria promover uma literatura realmente brasileira – olhando para suas raízes, sua língua, seus folclo- res –, e não importar estilos europeus de arte. Ao criticar alguns dos preceitos do movimento modernista, identifican- do certo vazio de significados nessas obras, Lobato foi colocado à margem do movimento e tido como conservador e pré-modernista. O escritor le- vantava, ainda, que uma arte que não era compreendida pelo povo não seria popular, e sim mais um artefato produzido pela e para as elites. Lobato defendia que era do povo que deveria surgir a arte natu- ralista brasileira, afirmando que o povo possuía capacidade para de- senvolver um estilo próprio com base em suas raízes. Dessa forma, Processo histórico da literatura infantil 23 contestava a arte canônica de estilo rebuscado e inacessível à popula- ção, arte essa que vinha do tempo do Império. O escritor também foi proprietário da Revista do Brasil – periódico de cultura que se tornou editora, a qual, anos depois, foi rebatizada como Monteiro Lobato & Cia Editores –, publicando seu primeiro livro, Urupês, em 1918, com a tiragem de mil exemplares esgotada em um mês, um fenômeno para a época, sendo um pioneiro no mercado edi- torial brasileiro. Para Lobato, portanto, a arte deveria ser popular, feita das raízes do povo e para o povo. Assim, conforme o pesquisador Vitor Lacerda (2008, p. 22), citando o pensamento de Lobato: acreditando que o estilo nacional deveria estar em íntima conso- nância com o povo, Lobato afirma que ele não poderia ser criado, mas que deveria nascer naturalmente “por exigência do meio”. Contudo, como essa exigência não estaria colocada no Brasil, ela deveria ser provocada não pelos grandes mestres, mas sim pelo “artista legião”, o artesão anônimo, capaz de moldar a “feição es- tética duma cidade”: o marceneiro, o serralheiro, o entalhador, o fundidor, o estofador e o ceramista. A formação desse artista seria responsabilidade do Liceu de Artes e Ofícios, que deveria incitá-lo a “olhar em torno de si e a tirar da natureza circunjacen- te os assuntos das composições, o motivo dos ornatos, a matéria prima, enfim, da sua arte”. Assim, embora Monteiro Lobato tenha sido um divisor de águas da literatura infantil e elevado os padrões estéticos dessa arte, a necessi- dade de pensar a literatura para crianças enquanto formadora ainda permaneceu, porém com maior liberdade criadora e sem os preceitos moralizantes das obras anteriores. Sua obra foi um marco, pois ultra- passa o didatismo e a questão educacional e pedagógica para incentivar uma ação leitora de liberdade criadora. Seus livros infantis permitiram a criatividade, a curiosidade e a descoberta do mundo. Com esse desejo, o de levar conhecimento e gosto pelo saber, Lobato se colocou a favor de um novo modelo de educação, publican- do seu primeiro livro infantil, A menina do narizinho arrebitado (1920). Com fins escolares, Lobato apresenta, nessa obra, um pensamento que mais tarde se aproxima do movimento da Escola Nova, aproximação dada tanto por sua afinidade com um novo projeto educacional quanto Com uma visão de desenvolvi- mento nacional, especialmente ligado aos meios de extração, como poços de petróleo e latifúndios, Lobato acreditava que as crianças seriam o futuro do Brasil e, assim, precisavam ser formadas com a cultura brasileira, e não estrangeira. Também entendia que a literatu- ra para crianças não deveria ser moralizante e nem rebuscada, porém, para ele, o processo de escrita deveria ser empregado com um fim de transmissão de uma mensagem, e não apenas como forma entretenimento. Importante 24 Literatura Infantil por sua amizade com Anísio Teixeira, que travava uma batalha para a implantação do novo sistema de ensino. Sendo assim, Lobato, em sua obra infanto-juvenil, valoriza o dom da inteligên- cia e o emprego de um tipo de educação que a estimule, que a torne criadora, por meio das descobertas e das invenções, portanto livre de restrições, repetitivismos e preconceitos. Uma didática baseada no vital, no real, no concreto constituiria a via para inovações e revelações. Consistiria,pois, numa pedagogia para o progresso. (NUNES, 1998, p. 250) Para alcançar esse intento, Lobato sentiu a necessidade de fazer uso de fábulas e mitos brasileiros. O autor criou, então, o que se torna- ria uma coletânea de 23 obras originais voltadas para o público infantil. Essas obras contavam com um estilo simples, reunindo elementos da realidade rural e suas peculiaridades com a fantasia, o imaginário fol- clórico e a mitologia grega, abordando ensinamentos de história, ma- temática e geografia. Veja a linha do tempo das principais obras infantis de Monteiro Lobato: Saiba mais Entre 1952 a 1964, o programa O sítio do Pica-pau Amarelo, exibido pela TV Tupi, foi um grande sucesso tele- visivo. A série, adaptada por Tatiana Belinky e dirigida por Júlio Gouveia, teve 360 episódios. A segunda versão da série para a televisão foi realizada pela Rede Globo entre os anos de 1977 e 1986, com roteiros de Benedito Ruy Barbosa, Marcos Rey, Silvan Paezzo e Wilson Rocha, e dirigida, em sua maioria, por Geraldo Casé. Em 2001, a TV Globo realizou uma nova versão de O sítio do Pica-pau Amarelo, com inúmeros roteiristas e diretores e trazendo uma criança para interpretar o papel de Emília. Para saber mais sobre as adaptações desse clássico da nossa literatura infantil, visite o site disponível em: https://tinyurl.com/ybam2p6h. Acesso em 5 abr. 2020. Monteiro Lobato não é imune a críticas, em especial quando avançamos no sistema de valores vigentes. Há alguns anos, começaram discussões a respeito do racismo presente em suas obras. Enquanto escritor, não se retira seu peso da história da literatura infantil, mas com certeza não se pode deixar de lado tal discussão. Leia a matéria es- crita por Adilson Miguel para a Revista Emília e reflita sobre suas impressões acerca da obra de Lobato e sua relação com o racismo. Disponível em: https://revistaemilia.com.br/lobato-e-o-racismo/. Acesso em: 7 maio 2020. Atividade 2 1921 1935 1937 1941 19441927 19331931 1922 1930 1932 1934 1936 1939 1942 1947 O saci Aritmética da Emília; Geografia de Dona Benta; História das invenções Serões de Dona Benta; O poço do Visconde; Histórias de Tia Nastácia A reforma da natureza Os doze trabalhos de Hércules (dois volumes) As Aventuras de Hans Staden Caçadas de Pedrinho e História do mundo para as crianças Reinações de Narizinho (inclui A menina do narizinho arrebitado e outras histórias da década de 1920) Fábulas Peter Pan Viagem ao céu Emília no País da Gramática Dom Quixote das crianças; Memórias da Emília O Pica-pau Amarelo; O minotauro A chave do tamanho Histórias diversas https://revistaemilia.com.br/lobato-e-o-racismo/ Processo histórico da literatura infantil 25 por sua amizade com Anísio Teixeira, que travava uma batalha para a implantação do novo sistema de ensino. Sendo assim, Lobato, em sua obra infanto-juvenil, valoriza o dom da inteligên- cia e o emprego de um tipo de educação que a estimule, que a torne criadora, por meio das descobertas e das invenções, portanto livre de restrições, repetitivismos e preconceitos. Uma didática baseada no vital, no real, no concreto constituiria a via para inovações e revelações. Consistiria, pois, numa pedagogia para o progresso. (NUNES, 1998, p. 250) Para alcançar esse intento, Lobato sentiu a necessidade de fazer uso de fábulas e mitos brasileiros. O autor criou, então, o que se torna- ria uma coletânea de 23 obras originais voltadas para o público infantil. Essas obras contavam com um estilo simples, reunindo elementos da realidade rural e suas peculiaridades com a fantasia, o imaginário fol- clórico e a mitologia grega, abordando ensinamentos de história, ma- temática e geografia. Veja a linha do tempo das principais obras infantis de Monteiro Lobato: Saiba mais Entre 1952 a 1964, o programa O sítio do Pica-pau Amarelo, exibido pela TV Tupi, foi um grande sucesso tele- visivo. A série, adaptada por Tatiana Belinky e dirigida por Júlio Gouveia, teve 360 episódios. A segunda versão da série para a televisão foi realizada pela Rede Globo entre os anos de 1977 e 1986, com roteiros de Benedito Ruy Barbosa, Marcos Rey, Silvan Paezzo e Wilson Rocha, e dirigida, em sua maioria, por Geraldo Casé. Em 2001, a TV Globo realizou uma nova versão de O sítio do Pica-pau Amarelo, com inúmeros roteiristas e diretores e trazendo uma criança para interpretar o papel de Emília. Para saber mais sobre as adaptações desse clássico da nossa literatura infantil, visite o site disponível em: https://tinyurl.com/ybam2p6h. Acesso em 5 abr. 2020. Monteiro Lobato não é imune a críticas, em especial quando avançamos no sistema de valores vigentes. Há alguns anos, começaram discussões a respeito do racismo presente em suas obras. Enquanto escritor, não se retira seu peso da história da literatura infantil, mas com certeza não se pode deixar de lado tal discussão. Leia a matéria es- crita por Adilson Miguel para a Revista Emília e reflita sobre suas impressões acerca da obra de Lobato e sua relação com o racismo. Disponível em: https://revistaemilia.com.br/lobato-e-o-racismo/. Acesso em: 7 maio 2020. Atividade 2 1921 1935 1937 1941 19441927 19331931 1922 1930 1932 1934 1936 1939 1942 1947 O saci Aritmética da Emília; Geografia de Dona Benta; História das invenções Serões de Dona Benta; O poço do Visconde; Histórias de Tia Nastácia A reforma da natureza Os doze trabalhos de Hércules (dois volumes) As Aventuras de Hans Staden Caçadas de Pedrinho e História do mundo para as crianças Reinações de Narizinho (inclui A menina do narizinho arrebitado e outras histórias da década de 1920) Fábulas Peter Pan Viagem ao céu Emília no País da Gramática Dom Quixote das crianças; Memórias da Emília O Pica-pau Amarelo; O minotauro A chave do tamanho Histórias diversas https://revistaemilia.com.br/lobato-e-o-racismo/ 26 Literatura Infantil 1.2.2 Literatura infantil pós-Lobatiana até os anos 2000 Após Lobato, os governos e outras esferas sociais passaram a ter maior preocupação com o panorama educacional, impulsionando a pro- dução de literatura infantil. Durante as décadas de 1920, 1930 e 1940, somente Lobato se levantou como autor de histórias literárias, e não me- ramente educativas, com todos os outros autores do período acabando por exagerar no tom pedagógico de suas obras infantis. Dessa forma: o panorama dos anos de 1930-1940 mostra que, além dos livros de Lobato e das obras clássicas traduzidas ou adaptadas, apenas alguns escritores, entre os que escreveram na época, atingiram a desejável literariedade. No geral, predomina o imediatismo das informações úteis e da formação cívica. (COELHO, 2010, p. 265) Segundo Coelho (2010), nas décadas de 1920 e 1930, com o crescen- te interesse pela educação, instaurou-se uma briga entre a literatura de fantasia e a literatura realista. Para a escola em geral, a literatura de fan- tasia era fútil; a única que deveria ser pensada era a realista, aquela que mostrava a realidade do país e preparava alunos para situações da vida cotidiana. Assim, a habilidade de sonhar e de criar estava sendo deixada de lado pela escola e, consequentemente, pela literatura infantil. Enfim, nos anos 40, surge um tipo de literatura para crianças e jovens que procura eliminar, de sua gramática narrativa, as “ir- realidades”, o extraordinário e o maravilhoso que sempre carac- terizaram a Literatura Infantil. Fadas, bruxas, duendes, talismãs, gênios, gigantes, castelos, princesas ou príncipes encantados, etc. foram sistematicamente combatidos como “mentiras”. De- fendia-se o princípio de que os contos de fada ou maravilho- sos em geral falsificavam a realidade e seriam perigosos para a criança, pois poderiam provocar em seu espírito uma série de alienações como: perda de sentido do concreto, evasão do real, distanciamento da realidade, imaginação doentia, etc. (COELHO, 2010, p. 272) Enquanto diversão despretensiosa de moralidadese desarticula- da do cenário didático, seguiam em alta os livros de Lobato e a revis- ta O Tico-Tico. Além deles, outras revistinhas, que não duraram tanto tempo, também foram surgindo, sempre trazendo histórias divertidas que eram grande sucesso entre as crianças e os jovens. Com essas re- vistas, iniciamos uma nova fase na literatura infantil brasileira, a dos A era de nascimento dos super-heróis coincidiu com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 e o período de recessão econômica que perdurou até 1933. Nesse período, muitos trabalhadores perderam seus empregos e os índices de criminalidade se elevaram sensivelmente. Assim, nasceram super-heróis como o Batman para proteger cidadãos e combater o crime. Saiba mais Processo histórico da literatura infantil 27 quadrinhos, especialmente com traduções de HQs americanas de su- per-heróis, como Batman, Superman, entre outros títulos, e a entrada do gênero policial, em especial com Sherlock Holmes. Se com Lobato tivemos personagens centrais femininas como Narizinho e Emília, o que você acha que passou a acontecer a partir da década de 1930? Você acertou se disse que os protagonistas das grandes histórias subsequentes eram todos homens (ou meninos). Inicia-se uma divisão de literatura para meninos e para meninas. Para meninos, logicamen- te, a diversão, o humor, as invenções e a investigação. Para meninas, relacionamento e valores morais ligados ao seu papel no lar. Além de princesas, é claro! Vale fazermos uma leitura breve das obras para meninas na me- tade do século XX, afinal super-heróis e contos policiais não precisam de apresentação, pois estão aí até hoje entretendo pessoas de todas as idades e conquistando milhões em dinheiro no cinema! Mas essa é uma outra história. A literatura dessa época ficou conhecida como literatura rósea, se- gundo Coelho (2010). De fato, foi um gênero criado já no Romantismo e que formou muitas das mulheres até quase a década de 1960 com uma visão de mundo paternalista e dedicada à inserção da mulher na vida familiar e doméstica. Eram normalmente coleções, das quais fa- ziam parte: Coleção Menina e Moça (José Olympio); Biblioteca das Moças (Editora Nacional); e Coleção Rosa (Livraria Acadêmica). Aí você pode se perguntar: e para as crianças? Bem, para meninas, assim que conquistassem a alfabetização, dado que, até aqui, a litera- tura infantil era pensada sempre no sentido educacional, então, antes da alfabetização, as histórias contadas eram os velhos contos de fadas e fábulas já tão perpetuados no imaginário coletivo, além de histórias com linguagem infantilizada, enfatizando as travessuras (e o preço pago por elas) e o encorajamento do respeito às ordens dos adultos (COELHO, 2010). Nos anos seguintes (década de 1950), a maior diferença em relação a décadas anteriores é que a fantasia começou (muito timidamente, veja bem!) a retornar aos livros infantis. Mas as obras ainda seguiam os mesmos preceitos de suas antecessoras. Então, o fator mais louvável Para você, por que ainda hoje encontramos a separação de livros para meninos e para meninas? Qual o reflexo dessa divisão no desenvolvimento das crianças? Atividade 3 Os sites a seguir trazem listas de livros que trabalham a relação de gênero na literatura in- fantil. É muito importante considerarmos obras que reflitam a respeito dos papéis impostos sobre meninos e meninas na sociedade e sobre seu re- flexo no desenvolvimento emocional de cada um e na construção de suas identidades enquanto seres sociais. Disponíveis em: https://tinyurl.com/ya3urhjj https://tinyurl.com/yb6dgean (Acesso em: 5 abr. 2020) Site 28 Literatura Infantil nesse campo foi a maior disseminação dos quadrinhos (em especial de- vido à maior abrangência dos aparelhos de televisão e do cinema), com a introdução de Pato Donald nos jornais e nas revistinhas brasileiras. Mas claramente essa disseminação das HQs não passaria desperce- bida por uma sociedade tão ligada aos valores tradicionais de ensino quanto a sociedade brasileira. Uma comissão, da Secretaria de Educa- ção de São Paulo, atribuiu aos quadrinhos a “preguiça de ler” crescente entre os alunos, vetando sua entrada nas bibliotecas. É claro que, como ocorre em toda boa proibição, o mercado editorial se beneficiou mui- tíssimo dos quadrinhos, ampliando edições, títulos e tiragens. Na década de 1960, temos a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB de 1961), a qual promove o trabalho com li- teratura para a aquisição da gramática, impulsionando a produção de obras voltadas aos públicos infantil e juvenil nas décadas de 1960, 1970, 1980 e 1990. Nesse impulso, nasceram HQs brasileiras e obras de grandes autores em prosa, verso e teatro. Essas décadas marcaram o florescimento de uma literatura engaja- da socialmente, em especial pelo período da ditadura militar instaurada com o golpe de 1964. O reflexo desse movimento será percebido inclusi- ve nos anos finais do governo ditatorial e no início da nova democracia. A seguir, temos uma lista tímida de autores mais importantes nes- ses 40 anos, mas que continuam em alta até hoje. Nos quadrinhos: Ziraldo (O menino maluquinho) e Maurício de Sousa (Turma da Mônica). Na prosa: • Clarice Lispector – O mistério do coelho pensante (1967) e A mulher que matou os peixes (1968). • Lygia Bojunga – A bolsa amarela (1976). • Ana Maria Machado – suas obras mais famosos são Bisa Bia, Bisa Bel (uma novela de 1981) e Menina bonita do laço de fita (2000). • Ruth Rocha – escreveu histórias inéditas, como Marcelo, mar- melo, martelo (1976), e adaptações como, Romeu e Julieta e A arca de Noé. • Rachel de Queiroz – O menino-mágico (1969) e Cafute e Pena-de-prata (1986). • Pedro Bandeira – obras como A marca de uma lágrima (1985) e É proibido miar (1983). • Tatiana Belinky – Limeriques (1987). Processo histórico da literatura infantil 29 No teatro: • Pedro Bandeira – O fantástico mistério da Feiurinha (1985). • Ana Maria Machado – O rapto das cebolinhas (1954); Pluft, o fantasminha (1955); A menina e o vento (1963); entre muitas outras obras. Na poesia: • Marina Colasanti – A centopeia. • Mário Quintana – Poeminha do contra. • Sérgio Capparelli – Canção para ninar dromedário. • Cecília Meireles – Ou isto ou aquilo (1964); A canção dos tamanquinhos. • José Paulo Paes – Convite. • Vinícius de Moraes – As borboletas. Não podemos deixar de lado um capítulo importantíssimo da lite- ratura infantil brasileira em versos. O capítulo da Música Popular Bra- sileira (MPB). Internacionalmente, bandas e estilos musicais diversos surgiam, comandados pela banda The Beatles e por estilos como o Blues e o Rock. Já no Brasil, o cenário era outro. Com o golpe militar de 1964 e uma ditadura que acirraria as frontei- ras da censura, a música viu o desenvolvimento da Bossa Nova, criada anos antes, e de todo um movimento de denúncia e crítica daquele mo- mento histórico brasileiro por meio do lirismo da MPB, a qual ganhou os palcos televisionados dos festivais de música brasileira, podendo le- var uma cultura ímpar para todos os cantos do país. Compositores e cantores como Chico Buarque (“Os saltimbancos”), Vinícius de Moraes (“A casa”), Toquinho (“Aquarela”) e Caetano Veloso (“Leãozinho”) fizeram algumas das canções brasileiras mais conheci- das até hoje, com diversas interpretações e adaptações para teatro e cinema. Nesse novo cenário da literatura infantil brasileira, deixamos para trás (quase) todas as características das obras anteriores à década de 1960. Ao menos com grandes autores. Se espiarmos bem, encontra- mos ainda muitas obras que servem ao didatismo mais que ao pra- zer da leitura. Mas, no geral, talvez seja seguro dizer que, com esses e tantos outros escritores, a literatura infantil deixou o patamar de “arte menor”, conforme as palavras de Coelho (2010, p. 283): 30 Literatura Infantil A par de inúmeros “continuadores” que seguem nas trilhas bati- das,surgiram dezenas de escritores e escritoras de “arte maior”, sintonizados com a nova palavra de ordem: experimentalismo com a linguagem, com a estruturação narrativa e com o visualis- mo do texto; substituição da literatura confiante/segura por uma literatura inquieta/questionadora, que põe em causa as relações convencionais existentes entre a criança e o mundo em que ela vive, questionando também os valores sobre os quais nossa so- ciedade está assentada. (2010, p. 283) A literatura infantil brasileira transitou entre o didatismo e a estética para se estabelecer como uma necessidade existencial, de experiência da realidade por meio do simbólico. Isto é, nossa história, embora cruel e opressora, promoveu o aprimoramento de uma arte que coloca em pauta a crítica da realidade, a fantasia e também a própria construção do sujeito no mundo. Nas décadas de 1980 e 1990, inúmeros títulos caíram nas graças dos pequenos leitores e das escolas. Tanto obras brasileiras quanto estrangeiras foram muito aclamadas, como a série Harry Potter, de J.K. Rowling. A década de 1990 viu um mercado literário se adaptar e se expandir para dar conta de um público novo (em idade, afinal crianças sempre foram movidas a histórias), reconhecendo o valor artístico e de mercado de obras para crianças. O maior desafio (o qual ainda persiste) seria o trabalho com a litera- tura nas escolas, pois os cursos de formação de professores não acom- panharam tal evolução, embora atualmente vejamos um movimento docente muito mais consciente da necessidade do bom trabalho com literatura e arte. Assim, com tantas obras que trazem à tona uma reflexão sobre a realidade do leitor, adentramos o novo século. Mas não sem desafios para a literatura infantil. Reinventar-se é preciso, então vamos desco- brir essas reinvenções do século XXI. 1.3 Tendências atuais: do impresso ao digital Vídeo Com o século XXI, vimos florescer o uso da tecnologia em todos os setores, e a literatura não ficou de fora. Em primeiro lugar, vemos o uso abundante de novos projetos gráficos, com ilustrações de diferentes traços, fontes diversas, novos materiais e novas formas de se pensar o design e o uso do livro infantil. Processo histórico da literatura infantil 31 Várias editoras aumentaram seus faturamentos com a publicação de livros infantis, especialmente em decorrência de programas gover- namentais para a aquisição de tais obras, destinadas à escola pública, e de novas legislações iniciadas já na década de 1990. Com uma nova legislação educacional, outras formas de pensar literatura e educação surgiram. Uma delas são os chamados temas transversais, temáticas li- gadas a outras áreas do conhecimento e que devem ser tratadas em livros literários, como ecologia, saúde e cidadania. Temas transversais também iniciam o movimento de uma literatura que coloca em cena a diversidade e as minorias. Porém, com um belo caminhar, temos hoje livros que não tratam mais essas temáticas en- quanto transversais a outras disciplinas, e sim colocam questões de gênero, raça, etnia, classe, direitos humanos e marginalização como centrais em suas narrativas. Vemos, então, o estabelecimento de uma visão que privilegia a fun- ção social e artística da literatura, em comparação com o grande peso didático e instrucional dado a ela em décadas anteriores. A linguagem acessível às crianças trouxe ainda a valorização das culturas brasileiras e a transformação de significados da língua e da sociedade, ampliando tanto o vocabulário quanto o arcabouço de conhecimentos e capacida- de crítica. Os livros infantis atualmente deveriam ter como objetivo tanto a imaginação, a criatividade e a fantasia quanto uma postura questio- nadora dos contextos sociais. Afinal, se ler é um ato político, isto é, a construção de significados capazes de nos inserir nos diferentes con- textos sociais e transformá-los, a literatura para crianças deve seguir esse curso, sempre explorando uma vertente de reflexão crítica, inde- pendentemente da linha que aderir. E por falar em linhas, como ficam as características básicas dessa literatura crítica e criativa para crianças? Será que para propiciar essas discussões é obrigatório termos obras que só trabalhem com o plano real? O que você pensa a respeito disso? Com certeza, não! Podemos usar muitos mundos, reais e imaginá- rios, para refletir sobre as diferenças, a sociedade e as situações que a vida nos apresenta. Veja a seguir as tendências que marcam a literatura infantil e juvenil na atualidade: Relate como você percebe as diferenças entre a literatura atual e a literatura do início do século XX no Brasil. Atividade 4 Se fôssemos fazer uma lista extensa com todas as obras relevantes para atualidade, não sairíamos mais deste capítulo! Brincadeiras à parte, as listas dos seguintes sites podem lhe dar uma boa ideia de obras voltadas às crianças na atualidade. Pesquise aquelas que lhe interessarem mais e faça, se possível, a leitura de algumas, para ter mais familiaridade com esse universo. Disponíveis em: https://tinyurl.com/y7fqxhbh https://tinyurl.com/y9wggzx2 https://tinyurl.com/y7p4jnc3 https://tinyurl.com/ y8a8l347https://tinyurl.com/ yclotqdx (Acesso em: 4 abr. 2020) Site 32 Literatura Infantil Linha realista Linha fantástica Linha híbrida Testemunha o cotidiano em que se insere o leitor e permite o contato com outras realidades distintas. Mundo fantástico, maravilho- so, criado pelo mundo das ideias. Realismo mágico, muito utilizado na América Latina por inúmeros escrito- res, entre eles Monteiro Lobato. Informa hábitos e costumes de diferentes culturas. Personagens animais; ficção científica; espaço atemporal do “era uma vez”; metafísica; distopias. Entrada de um contexto irreal, mági- co, no contexto real do cotidiano. Explora situações-problema como a poluição e a desigualdade. Trazem uma atração pelo desconhecido, por situações que, embora irreais, pode- riam acontecer. As narrativas indígenas e africanas podem ser híbridas quando misturam a história de seus povos com elemen- tos maravilhosos. Coloca em pauta dores e sofrimentos normais da vida, preparando psicologicamente os leitores. Aventuras que não têm lugar na realidade concreta. Livros que demandam interação da criança pequena, fazendo a vez de livro-objeto, como no caso dos livros de borracha para banho ou de livros em outros suportes e formatos. Quadro 2 Tendências da literatura infantojuvenil Fonte: Adaptado de Coelho 2010, p. 289-291. Como podemos ver, as linhas realista e fantástica são nossas conhe- cidas e caminham juntas desde a invenção da literatura. Vamos nos de- ter um pouco na linha híbrida e, mais especificamente, nas obras que promovem interações diferentes entre suporte e leitor. O livro em formato pop-up não tem nada de novo. A técnica foi in- ventada já no século XIV, porém, na atualidade, ganhou força, em es- pecial recontando grandes histórias. Outro formato difundido para crianças são os livros com interações, como dedoches, cartões, peda- ços móveis, peças com velcro, e assim por diante, sempre explorando os sentidos de maneira interativa e lúdica. Mas a maior revolução veio de fato com a tecnologia. A primeira revolução se deu com a hipertextualidade, nova possibilidade de lei- tura que o digital nos proporciona. Com a era do hipertexto, podemos apresentar às crianças leituras que não acabam em si. Com os livros digitais (e-books), a era da interação com a narrativa se amplificou, en- globando diversos formatos em uma narrativa que pode ser construída com a ajuda do leitor. Apesar de o nome pop-up re- meter a algo novo, esse formato de livro é bem antigo. Para saber mais sobre o livro em formato pop-up, acesse o link: https://tinyurl.com/y9b65q6y Saiba mais dedoches: fantoches de dedo. hipertextualidade: possibilidades de colaboração na construção do texto, com vídeos, imagens, entre outros recursos, além de maior contribuição do leitorpara a construção dos significados da narrativa. Glossário Processo histórico da literatura infantil 33 As editoras de materiais didáticos são as que mais investem atual- mente no formato de livro digital. Ao iniciar a leitura, uma criança (ou seu mediador) poderá decidir se continua de modo linear, conforme seguem as páginas, ou se clica em vídeos, áudios e jogos atrelados à narrativa e ocultos sob links. Entre as atrações, a realidade aumentada tem sido uma febre, tanto para a literatura quanto para conteúdos didáticos. Para essa tecnolo- gia, as editoras utilizam o livro impresso com imagens que podem “ga- nhar vida” em 3D ou acionar um jogo com o uso do celular ou tablet. Aliás, atualmente jogos também são formas literárias, pois muitos baseiam seus mundos e personagens em uma narrativa bem formula- da. Logo, analisando a natureza dessa literatura, neste limiar do século XXI, conclui-se que hoje não há um ideal absoluto de Literatura Infantil/Juvenil (nem de nenhuma outra espécie literária). Será “ideal” aquela que corresponder a uma certa necessidade do tipo de leitor a que ela se destina, em consonância com a época em que ele está vivendo... Vista em conjunto, a atual produção de Literatura destinada a crianças e jovens, entre nós, apresen- ta uma crescente diversidade de opções temáticas e estilísticas, sintonizadas com a multiplicidade de visões de mundo que se superpõem no emaranhado da “aldeia global” em que vivemos. (COELHO, 2010, 289) A próxima etapa com certeza será explorar o uso de óculos de rea- lidade virtual para interagir com o mundo criado pelas obras infantis, inserindo o leitor como um participante que construirá a história den- tro do cenário. Agora é aguardar pelos próximos capítulos! E você, já pensou em como será a literatura infantil do futuro? Para aprofundar seus conhecimentos sobre a literatura infantil em tempos de avanço das mídias digitais, leia o artigo A literatura infantil digital: o design das histórias interativas, de Douglas Luiz Menegazzi e Cristina Sylla, publicado pela Revista de Educação, Ciência e Cultura, que trata exatamente sobre o design de histórias que são interativas, trazendo categorias de análise para a crítica dessas obras digitais. Acesso em: 6 abr. 2020. https://tinyurl.com/yblcqs8j Artigo Acesse o vídeo Qual é a diferença entre Realidade Virtual e Realidade Au- mentada, publicado pelo canal GCFAprendeLivre, para saber mais sobre as diferenças entre rea- lidade virtual e realidade aumentada. Disponível em: https://tinyurl.com/ yd9yd4sp. Acesso em: 5 abr. 2020. Vídeo Veja como fazer dedoches no vídeo Superfácil: Aprenda a fazer dedoches, publicado pelo canal da revista Crescer. Disponível em: https://tinyurl.com/ y7glcyme. Acesso em: 5 abr. 2020. Vídeo O aplicativo “O rapto da vaca sagrada”, do Centro de Educação e Cultura, é gratuito e foi desenvolvido para ser um livro interativo com atividades educa- tivas. Baixe-o sem custo algum pelo Google Play e navegue pela história. Livro Eletrônico https://tinyurl.com/yblcqs8j https://tinyurl.com/yd9yd4sp https://tinyurl.com/yd9yd4sp 34 Literatura Infantil CONSIDERAÇÕES FINAIS Esperamos que você tenha apreciado esse breve panorama históri- co da literatura infantil. Foi apenas um resumo, pois não haveria como descrever todas as obras em todos os momentos literários através dos séculos. Com certeza, faltariam páginas para isso! Porém, a intenção era a de fazer com que você identificasse como a literatura infantil foi se moldando ao longo da história e como ela chegou até o patamar em que está hoje. Reveja os pontos que mais chamaram sua atenção ao longo deste ca- pítulo e pesquise outras fontes que o auxiliem a se aprofundar no históri- co da literatura para crianças. REFERÊNCIAS ARIÈS, P. História social da criança e da família. São Paulo: LTC, 1981. COELHO, N. N. Literatura infantil: teoria, análise, didática. São Paulo: Moderna, 2000. COELHO, N. N. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil: das origens indo-europeias ao Brasil contemporâneo. Barueri: Manole, 2010. LACERDA, V. A. Um mergulho na Hélade: mitologia e civilização grega na literatura infantil de Monteiro Lobato. Belo Horizonte, 2008. Dissertação (Mestrado em Estudos Literários) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais. LAJOLO, M.; ZILBERMAN, R. Literatura Infantil brasileira: história e histórias. São Paulo: Ática, 2007. LOBATO, M. Histórias de Tia Nastácia. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009. MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. 2015. Disponível em: https:// michaelis.uol.com.br/. Acesso em: 16 abr. 2020. NUNES, C. Novos estudos sobre Monteiro Lobato. Brasília: UNB, 1998. TATAR, M. (ed.). Contos de fadas: edição comentada e ilustrada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. GABARITO 1. Embora existissem crianças, não havia um entendimento delas enquanto sujeitos com características próprias e com necessidades de cuidados específicos. As crianças eram vistas como adultos em miniatura, pessoas ainda sem toda a capacidade intelectual de um adulto formado. Assim, não houve literatura ou práticas pensadas para esse público antes de ocorrer uma reflexão sobre a própria infância e suas necessidades. 2. A atividade pede uma resposta pessoal, mas deve trazer elementos que demonstrem a compreensão da obra de Monteiro Lobato enquanto um marco na literatura infantil brasileira ao mesmo tempo em que, mesmo assim, ela pode conter diversos elemen- Processo histórico da literatura infantil 35 tos racistas como forma de representação tanto da realidade vigente quanto do posi- cionamento do autor. Outro ponto relevante trazido pela matéria e que é possível de ser incorporado na resposta é que, mesmo que houvesse um cenário racista, muitos outros escritores e artistas já questionavam as representações do negro na arte, e talvez Lobato não tenha refletido sobre isso e continuado com práticas enraizadas em sua construção enquanto um homem branco e da elite agrária. 3. Embora seja uma resposta de cunho pessoal, deve discorrer sobre os valores tradicio- nais ainda vigentes na nossa sociedade, mas que encontram um cenário que cada vez mais compreende a necessidade de desenvolvimento de novas relações de gênero para todas as crianças. Além disso, deve demonstrar compreensão da necessidade de se questionar os papéis impostos a meninos e meninas, pois eles engessam o ser humano e não permitem sua plena expressão. Assim, é necessário que a literatura proponha essas discussões para auxiliar as crianças a verem que não existem apenas as possibilidades de papéis aceitas até aqui, mas que podem construir outras relações emocionais e sociais. 4. A literatura do início do século XX era voltada quase que exclusivamente para o dida- tismo da alfabetização e dos valores morais das classes dominantes que produziam e consumiam tais obras. No Brasil, além dessas características, o ruralismo, o intelec- tualismo, o tradicionalismo cultural e a religiosidade também estavam presentes. Já no século XXI, estão em cena obras que privilegiam a estética literária, a diversidade de estilos e temas, as múltiplas visões de mundo, a criatividade, a imaginação e o questionamento da realidade. 36 Literatura Infantil 2 Literatura e leitor infantil As pessoas grandes aconselharam-me deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas, e dedicar-me de preferência à geografia, à história, ao cálculo, à gramática. Foi assim que abandonei, aos seis anos, uma esplêndida carreira de pintor. Eu fora desencorajado pelo insucesso do meu desenho número 1 e do meu desenho número 2. As pessoas grandes não compreendem nada sozinhas, e é cansativo, para as crianças, estar toda hora explicando. Saint-Exupery, em O pequeno príncipe As pessoas grandes muitas vezes tolhem os desejos e as ex- pressões das crianças, tentando fechá-las dentro de caixinhas da- quilo que entendem como útil, objetivo. Ainda bem que existe a literatura
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