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POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... 3 POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA novos elementos para projeções demográficas rojeções demográficas vêm ganhando importân- cia crescente para o planejamento público e pri- vado. Afinal, estimativas da demanda por bens e serviços, bem como a taxa de crescimento dos mercados, têm que se referir, em alguma medida, a hipóteses quanto ao tamanho que a população terá no futuro. Este elemen- to é tanto mais importante na medida em que as políticas públicas tendem a se descentralizar (o que faz com que estimativas populacionais acuradas sejam necessárias no âmbito municipal) e na proporção em que os governos se envolvem em processos de privatização, sendo necessá- rio que o próprio preço de uma empresa esteja de acordo com estimativas minuciosas de seu tamanho de mercado. Contraditoriamente, este é um momento em que o sis- tema estatístico nacional encontra-se em crise. O Censo Demográfico de 1991 foi realizado com um atraso de um ano, interrompendo uma série de censos decenais que re- montava a 1940, e mesmo hoje, maio de 1996, os dados deste Censo não se encontram inteiramente acessíveis. Além disso, há mais de 11 anos não são realizados cen- sos econômicos no país. Neste cenário, a Fundação Seade tem conseguido se constituir numa exceção notá- vel. Na área demográfica, por exemplo, a série de estatís- ticas vitais é um exemplo de dados produzidos com pe- riodicidade e confiabilidade, que configuram, certamente, insumos fundamentais para projeções demográficas no Estado de São Paulo. Na área de estudos regionais, o apro- fundamento do conhecimento da dinâmica das várias re- giões permite uma melhor fundamentação das hipóteses para estas projeções quando desagregadas para as diver- sas áreas do estado e municípios. Porém, o exercício das projeções, mesmo quando fun- damentado em bons dados e em boa técnica demográfi- ca, sempre implica aspectos delicados, uma vez que diz respeito à previsão de futuro. De fato, mesmo assumindo que os componentes da dinâmica demográfica (mortali- dade, fecundidade e migrações) apresentam característi- cas muito regulares ao longo do tempo, deve sempre se levar em conta a possibilidade de outros elementos inter- ferirem nas tendências históricas. Este último aspecto é tanto mais plausível num mo- mento em que se assiste uma grande transformação nas economias e sociedades mundiais, no sentido de uma impressionante aceleração no progresso técnico, de uma maior integração dos mercados e da concomitante cons- tituição de mercados de trabalho crescentemente compe- titivos e seletivos. Este processo também tem sido cha- mado de reestruturação produtiva. Entretanto, os estudos populacionais, de modo geral, ainda não se detiveram o suficiente nestes fenômenos. Até recentemente, continuava-se a operar com verdades rela- tivamente consolidadas, baseadas tanto na teoria quanto na experiência do passado. Imaginava-se que a fecundi- dade continuaria a cair e se estabilizaria em algum mo- mento, próximo à taxa de reposição.1 Acreditava-se tam- bém que a mortalidade cairia para todos os grupos etários e regiões. Finalmente, muitos estudiosos partilhavam o pressuposto de que grupos populacionais, principalmen- te jovens do sexo masculino, tenderiam a se deslocar con- tinuamente para as áreas mais industrializadas até que um novo “equilíbrio regional” viesse a se estabelecer. O recente seminário Subsídios para a Construção de Hipóteses de Projeções Demográficas para o Estado de São Paulo, realizado pela Fundação Seade em dezembro de 1995, mostrou que várias destas certezas estão abala- das: a taxa de fecundidade em vários países está abaixo FELÍCIA MADEIRA Socióloga, Diretora Adjunta de Análise Socioeconômica da Fundação Seade HAROLDO DA GAMA TORRES Economista, Consultor da Fundação Seade P SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 4 dos níveis de reposição; a mortalidade, principalmente entre jovens do sexo masculino, vem crescendo nos últi- mos anos na Região Metropolitana de São Paulo. Além disso, esta metrópole expulsou migrantes na década pas- sada e o emprego industrial manteve-se, entre 1985 e 1995, em persistente queda, mesmo quando a atividade econô- mica cresceu, como no período 1991-95. Em outras palavras, do ponto de vista da linha de ar- gumentação aqui desenvolvida, existem evidências de que a reestruturação produtiva, aparentemente em curso, poderia estar afetando também a maneira como estas va- riáveis demográficas se comportam. Além disso, outras variáveis demográficas tradicionalmente negligenciadas, como as migrações internacionais, passariam a merecer destaque. De fato, imagina-se que a reestruturação pro- dutiva poderia estar na raiz da emergência, como proces- so demograficamente significativo, da migração de bra- sileiros para outros países. Em linhas muito gerais, o desafio colocado pelo semi- nário implica pensar as tendências demográficas frente à reestruturação produtiva e a seus impactos nas esferas social e urbana. Neste artigo, procurar-se-á refletir sobre este debate, destacando as principais polêmicas desper- tadas ao longo deste seminário e apontando, em particu- lar, aqueles elementos que mais fortemente podem cau- sar a revisão dos modelos de projeções demográficas. Trata-se de um artigo especulativo e impressionista, con- cebido, sobretudo, como estímulo à reflexão e ao debate. REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA E A REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO A categoria reestruturação tem sido utilizada para descrever várias das transformações em curso nas socie- dades capitalistas deste fim de século. A reestruturação produtiva tem sido entendida como fruto das novas for- mas de organização da produção frente à revolução tec- nológica e à abertura dos mercados (Feagin e Smith, 1987). Por outro lado, a categoria reestruturação social tem sido também mencionada para caracterizar os impactos das transformações na estrutura ocupacional, caracteri- zados pela diminuição do emprego industrial, pelo aumen- to da participação da mulher no mercado de trabalho e pelo crescimento do emprego no setor de serviços. Estes fenômenos seriam associados à precarização do mercado de trabalho e ao aumento da pobreza (Castells e Mollenkopf, 1992). Além disso, a expressão reestruturação urbana tam- bém tem sido usada para descrever o impacto destas transformações sobre as cidades, isto é, caracterizando os aspectos propriamente urbanísticos desta reestrutura- ção (Soja, 1994). Vale mencionar que, ao desdobrar seus argumentos, Soja (1994) chegou a identificar seis formas distintas de reestruturação urbana: a urbanística, a social, a política, a econômica, a cultural (ou simbólica) e a étnica. Evidentemente, trata-se de um debate complexo, to- talmente voltado para as transformações em curso nas me- trópoles dos países desenvolvidos. As cidades de referên- cia para esta reflexão têm sido Los Angeles, Nova York, Tóquio, Londres, etc. Assim, além das dificuldades ine- rentes a este debate específico, cabe questionar até que ponto esta discussão teria sentido para uma metrópole como São Paulo. As evidências empíricas acumuladas ao longo das dis- cussões apontam, no entanto, para a adequação da utili- zação da categoria reestruturação produtiva – caracteri- zada pela substituição de insumos, automação, reestruturação administrativa e o surgimento de novos bens – para o contexto do complexo produtivo instalado na Região Metropolitana de São Paulo. Existem também evidências de que a categoria reestruturação social po- deria ser utilizada no entendimento dos complexos des- dobramentos daquela reestruturação produtiva: o aumento do desemprego industrial, o crescimento do setor servi- ços, a maior precarização do mercado de trabalho, o au- mento da marginalidade, etc. De fato, os dados relativos ao mercado de trabalho, por exemplo, são muito eloqüentes. A análise apresentada por Paula Montagner e Sandra Brandão, incluída neste nú- mero da Revista, mostra que emprego industrial da Re- gião Metropolitana de São Pauloapresentou queda signi- ficativa entre 1985 e 1995, com pequenas recuperações episódicas. Mesmo quando a economia teve maior desem- penho (como entre 1993 e 1995), o crescimento do em- prego industrial foi baixo ou mesmo negativo. Enquanto isto, o emprego no setor serviços apresentava crescimen- to continuado e importante. Neste processo, diminuía o número de trabalhadores com carteira assinada, caracte- rizando também a maior precarização deste mercado.2 Além disso, o processo de desconcentração da indús- tria na Região Metropolitana em relação ao interior do estado, que se verificou no período compreendido entre o início dos anos 70 e o começo da década de 90, também poderia ser incluído entre os elementos que dão forma a esta reestruturação. Em outras palavras, a reestruturação industrial, além dos seus aspectos intrafabris e de seus desdobramentos para o mercado de trabalho, teria tam- bém a ver com a reorganização do espaço industrial brasileiro. Colocadas desta forma, as articulações entre reestru- turação e questões demográficas passam a fazer mais sen- tido. De fato, este quadro de deterioração do mercado de trabalho e de reorganização do espaço produtivo impli- POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... 5 cam, evidentemente, transformações importantes nas for- mas de se pensar, por exemplo, a questão migratória. Temas como aumento da mortalidade adulta e a reorga- nização da estrutura familiar podem também estar asso- ciados a esta precarização do mercado de trabalho, que emerge no contexto desta reestruturação. A seguir, serão desenvolvidos alguns dos argumentos que permitem apro- fundar estas conexões. A REESTRUTURAÇÃO E A QUESTÃO MIGRATÓRIA A análise migratória no Brasil tem enfatizado, desde os clássicos estudos de Paul Singer nos anos 60, uma cla- ra conexão entre o crescimento do emprego industrial e a atração de migrantes. Porém, como tratar deste tema, agora que a principal metrópole industrial deixou de gerar em- pregos e parece já não atrair migrantes? Estará a popula- ção se deslocando para outras localidades onde a indús- tria apresenta maior dinamismo, ou a conexão entre emprego industrial e migração já não seria tão significati- va? Estes elementos serão discutidos a seguir, tanto no contexto do debate sobre a reorganização do espaço pro- dutivo, quanto a partir da questão migratória propriamente dita. A Reorganização do Espaço Produtivo Paulista As posições dos diversos autores presentes no Semi- nário citado, e que aqui se apresentam, parecem ser rela- tivamente contraditórias no que diz respeito à interpreta- ção das tendências principais da dinâmica espacial da atividade produtiva nas diversas regiões do Estado de São Paulo. Entretanto, estas interpretações convergem, de certo modo, para o entendimento de uma possível crise no mercado nacional de trabalho, derivada do processo de reestruturação industrial. Wilson Cano, por exemplo, considera que a reestrutu- ração industrial, no contexto particular da economia bra- sileira, teria efeitos ambíguos para a dinâmica econômi- ca da Região Metropolitana de São Paulo. Isto ocorreria porque, por um lado, a reestruturação induziria um efeito de reconcentração espacial da produção, uma vez que a presença de serviços, de conhecimentos técnicos e de tec- nologia atrairiam setores de ponta, tais como a microele- trônica e a informática. Por outro, a abertura comercial também em curso poderia ameaçar vários outros setores industriais atualmente concentrados na metrópole (auto- peças, eletroeletrônicos, bens de capital, etc.). No mesmo sentido, Maria de Fátima Araújo, ao anali- sar o processo de metropolização, reivindicava uma dis- cussão mais complexa sobre os processos de descon- centração ou concentração produtiva na metrópole pau- listana. Entre seus principais argumentos, destacam-se a evidência de continuidade do dinamismo da Região do ABC paulista, ao contrário da capital propriamente dita, e o papel relativamente negligenciado do setor serviços na atração de indústrias e na geração de em- prego e renda. De qualquer modo, estes dois autores ressaltam o fato de que, dada a precariedade da informação estatística dis- ponível, os efeitos da abertura comercial, combinados com a atração de setores industriais de ponta, ainda não per- mitem conclusões definitivas sobre a dinâmica industrial metropolitana. Em outras palavras, ainda não se sabe se a metrópole voltará ou não a concentrar, em termos relati- vos, a produção industrial nacional. Num certo sentido, pode-se argumentar que este qua- dro analítico relativamente organizado, referente aos im- pactos da reestruturação industrial na metrópole, não pa- rece se encaixar com tanta facilidade à explicação dos processos em curso no interior paulista. Nos textos dos autores que discutiram estas questões na perspectiva desta região, identificam-se elementos que permitiriam re- lativizar este quadro analítico. De fato, o interior teria apre- sentado uma dinâmica do emprego relativamente diferen- ciada segundo regiões, e existem sinais de efetiva continuidade do processo de desconcentração industrial. É verdade, segundo Sinésio Pires Ferreira, que o qua- dro geral é também de redução do emprego industrial e de crescimento dos setores de serviços, comércio e cons- trução civil. No entanto, segundo os dados da Rais por ele utilizados, as taxas de desemprego seriam consisten- temente mais elevadas na Região Metropolitana, no Lito- ral e no Vale do Paraíba, enquanto as regiões de São José do Rio Preto, Central e Barretos teriam apresentado cres- cimento significativo do emprego, inclusive industrial. Este quadro do emprego sugere tanto um contexto de deslocamento da produção industrial quanto de reestru- turação produtiva. De fato, os dados apresentados mos- tram que, atualmente, regiões como Campinas e São José dos Campos registram uma proporção maior de empre- gados da indústria, com carteira assinada, do que a pró- pria Região Metropolitana. Embora os valores relativos sejam pouco eloqüentes diante do peso do emprego in- dustrial (em valores absolutos) da Região Metropolitana, não se pode deixar de negar que estes elementos são indi- cadores de processos importantes de desconcentração in- dustrial, principalmente se comparados com indicadores de uma ou duas décadas atrás. Na realidade, tanto a rees- truturação produtiva quanto a desconcentração industrial podem estar ocorrendo simultaneamente. O mais prová- vel é que cada gênero da indústria tenha um comporta- mento diferenciado. Assim, apenas uma análise desagre- SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 6 gada das tendências espaciais e setoriais da indústria per- mitiriam uma compreensão mais efetiva destes processos. Neste sentido, as observações de Aurílio Caiado, rela- tivas às tendências espaciais da indústria, baseadas nos dados de Valor Adicionado (ICMS), apontam para a continuidade do processo de desconcentração relativa da indústria da capital em direção ao interior. Esta descon- centração ocorreria, agora, num ritmo mais lento, restrin- gindo-se a alguns setores mais importantes (como a agro- indústria, por exemplo) e continuando a se estruturar principalmente num anel de 150km em torno de São Pau- lo, englobando especialmente as regiões de Sorocaba, Campinas e São José dos Campos.3 Há consenso, no entanto, de que os processos em cur- so no interior possuem também alguma conexão com a dinâmica do complexo agroindustrial. Neste sentido, José Graziano da Silva chama a atenção para a relativa estabi- lidade apresentada pela agricultura paulista do ponto de vista da geração de empregos no período recente. Dessa forma, os deslocamentos da mão-de-obra rural, por um lado, já não pressionariam tão intensamente o mercado de trabalho urbano e, por outro, não exerceriam grande atração migratória (como foi o caso dos bóias-frias na década de 70). No entanto, este autor manifesta sua preo- cupação com os destinos do Pró-álcool, cujo impacto para geração de renda e emprego, em algumas regiões (Ribei-rão Preto, principalmente), teria o potencial de desestabi- lizar o mercado de trabalho rural. Apesar da relativa divergência entre este conjunto de autores, no que diz respeito à eventual continuidade, ou não, do processo de desconcentração industrial, todos parecem convergir para a hipótese de constituição, em algumas áreas do interior, de uma economia mais indus- trializada, mais sofisticada e com tendências de cresci- mento econômico e de geração de empregos relativamente divergentes do principal pólo regional, a Região Metro- politana de São Paulo. No entanto, fica claro – até para os mais otimistas quanto ao desempenho da metrópole – a perspectiva de crise no mercado de trabalho que, mes- mo na hipótese de reconcentração da produção, não mais repetiria a trajetória de crescimento acelerado apresenta- da no passado. Uma Nova Dinâmica Migratória? A indústria paulista, como aponta a discussão anterior, não mais convergiria para um único pólo central, mas sim para uma área polarizadora. Além disso, existem indica- ções de que a dinâmica dos fluxos migratórios não neces- sariamente se articula de forma rígida à localização de novas plantas industriais. Assim, novos elementos, como o crescimento desproporcional do emprego no setor de serviços e atuais configurações no sistema de cidades poderiam redefinir, se não a direção, ao menos a intensi- dade dos fluxos migratórios. Deve-se porém admitir que, de certo modo, os dados migratórios da década passada continuam a se apresentar como relativamente articulados às tendências de cresci- mento econômico e do emprego observadas nas várias regiões do estado. Sonia Perillo mostra que o oeste pau- lista teria revertido suas tendências históricas de perda de- mográfica, enquanto as regiões de Campinas e de Ribei- rão Preto continuariam a atrair migrantes. As regiões com perdas migratórias importantes seriam a Metropolitana de São Paulo, Litoral e São José dos Campos, coincidente- mente ou não, as menos dinâmicas do ponto de vista da geração de emprego formal, segundo os dados apresenta- dos por Sinésio Pires Ferreira. Em outras palavras, as tendências migratórias obser- vadas no interior paulista parecem consistentes com mo- delos migratórios que associam geração de emprego a movimentos populacionais. O que se poderia discutir, a partir destes dados, é a suposta primazia do emprego in- dustrial como indutor de atração migratória. No caso da Região Metropolitana, as transformações sugeridas parecem mais pronunciadas. Embora a metró- pole paulistana já não desempenhe o papel de grande pólo de fixação de migrantes, estariam ocorrendo, segundo Neide Patarra, novos processos tais como o de “substitui- ção populacional”, em que tanto o número de imigrantes quanto o de emigrantes seriam expressivos. Ao mesmo tempo, consagrar-se-iam também novas tendências, tais como a migração de retorno, as migra- ções de curta duração e de curta distância. De fato, infor- mações levantadas por José Marcos Pinto da Cunha e Rosana Baeninger mostram que, em praticamente todas as regiões de governo, as cidades do chamado entorno crescem mais rapidamente do que o município-sede, con- figurando a hipótese de que, mesmo nos municípios do interior, migrações pendulares e de curta distância passa- riam também a integrar de maneira importante o cenário demográfico. Esta informação tem, evidentemente, im- portância significativa para o exercício de projeções po- pulacionais no âmbito municipal. Além disso, observar-se-ia a emergência de um novo elemento – as migrações internacionais. Este aspecto de- safia as possibilidades de modelagem das tendências mi- gratórias, como as até hoje produzidas para esta metró- pole, uma vez que não se pode contar com informações relativas aos locais de destino destes migrantes. A análise apresentada por Valmir Aranha parece, em parte, reforçar estes argumentos. Ao discutir os proces- sos migratórios recentes na Região Metropolitana de São Paulo (1990-95), o autor aponta para evidências signifi- POPULAÇÃO E REESTRUTURAÇÃO PRODUTIVA: NOVOS ELEMENTOS PARA... 7 cativas de “substituição de população”, caracterizada pela continuidade da entrada de migrantes de baixa escolari- dade e pela saída (para o interior do estado) de grupos de idade mais elevada e mais escolarizados. Entre os inte- ressantes elementos observados por Valmir Aranha, está a coincidência entre os volumes migratórios e os ciclos de emprego e desemprego, observados por Paula Montagner e Sandra Brandão, bem como a evidência de que esta ocorrência de migração de grupos etários mais elevados (30-35 anos) poderia estar caracterizando pa- drões de migração familiar para o interior. Voltado para estes mesmos temas do ponto de vista do interior do estado, Paulo Jannuzzi aponta a formação, nesta área, de estruturas ocupacionais mais complexas e sofis- ticadas. O perfil do migrante com destino a esta região, apesar das diferenças intra-regionais, seria o de um mi- grante relativamente escolarizado, com idade média mais elevada e, talvez, migrando em família. Ao lado dos mi- grantes de baixa renda que continuariam a chegar ao in- terior, este migrante mais sofisticado teria, inclusive, ren- dimentos médios superiores ao das pessoas naturais daquela região com o mesmo nível de escolaridade. Em síntese, o exercício de projeções na área migrató- ria, talvez a mais problemática, implica importantes de- safios. Já não se pode buscar com tanta segurança hipóte- ses econômicas para dar sustentação às projeções migratórias. Por um lado, as tendências econômicas – como a polêmica entre os especialistas sugere – já não são tão uniformes, seja espacialmente, seja setorialmen- te. Por outro, existiria um descolamento relativo entre crescimento da produção e crescimento do emprego, fa- zendo com que o impacto demográfico de determinados processos de crescimento econômico não necessariamente se fizessem significativos. Finalmente, o crescimento de- mográfico bastante diferenciado por porte de cidades, ocorrido na última década, implica significativas dificul- dades para projeções desagregadas no âmbito municipal. A REESTRUTURAÇÃO E A DINÂMICA DEMOGRÁFICA Num primeiro momento, poder-se-ia se imaginar que os aspectos migratórios são os únicos fortemente afeta- dos pela reestruturação produtiva. Porém, os dados dis- poníveis e as hipóteses levantadas ao longo de nossos deba- tes e desta publicação apontam também para o fato de que tanto a estrutura familiar como as tendências de mortali- dade e mesmo de fecundidade poderiam ser afetadas pela reestruturação produtiva e por seus desdobramentos nas esferas do mercado de trabalho e das economias urbanas. As taxas de mortalidade, por exemplo, apresentaram crescimento para alguns grupos etários importantes, con- trariando a hipótese já clássica de queda universal. De fato, Carlos Eugenio Ferreira mostrou que as áreas onde é mais dramática a questão do desemprego – a Região Metropo- litana de São Paulo e o Litoral – registram uma mortali- dade em crescimento entre os homens jovens, principal- mente por causas violentas. Não por acaso, este também é o grupo etário, segundo os indicadores de emprego, mais afetado pelo processo de reestruturação. Para 1995, os dados da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) indicam que, de um total de 1.105 mil desempregados, 505 mil eram pessoas de 15 a 24 anos. Esta mesma pesquisa mostra que as taxas de desemprego são recorrentemente mais elevadas neste gru- po etário. Neste sentido, vale também chamar a atenção para o aumento significativo da proporção de jovens ado- lescentes matriculados no 2° grau em São Paulo, nos últi- mos 10 anos, indicando talvez a busca por uma melhor qualificação como instrumento para uma entrada mais qualificada no mercado de trabalho. Mais do que isto, os dados disponíveis mostram que os jovens, além de encontrarem maior dificuldade do que os demais no mercado de trabalho, aparentemente não dispõem de alternativas migratórias significativas e ain- da têm que concorrer com os migrantes da mesmafaixa etária que continuam chegando à metrópole. De fato, como observou Valmir Aranha, o processo de “substituição” de população implicaria a continuidade da entrada de jovens, predominantemente de baixa escolaridade, e a saída de outros grupos populacionais com perfil familiar. Neste sentido, o destino migratório dos jovens paulistanos é um dos grande quebra-cabeças que as análises aqui apresen- tadas sugerem. Sabe-se que eles não são o contingente mais importante de migrantes para o interior do estado. Estarão, então, migrando para outras regiões do Brasil e para o exterior? Ou continuam a viver na metrópole, en- frentando o elevado desemprego e um nível de violência crescente? Ao mesmo tempo, doenças como a Aids acrescentam novas complexidades à modelagem da mortalidade. Em- bora a mortalidade feminina adulta, por exemplo, conti- nuasse a apresentar ao longo do tempo tendência de que- da, o crescimento das mortes por Aids parece ser praticamente exponencial entre as mulheres. Este elemento indica que, a partir de agora, seria preciso investir em modelos de projeção que também entrem no detalhe das causas de morte. No que diz respeito aos problemas relativos às proje- ções para o número de domicílios, Sonia Nahas obser- vou, para Região Metropolitana de São Paulo, que não apenas o tamanho médio das famílias tem diminuído, mas que também é crescente o número de indivíduos que atual- mente residem sozinhos. Como elemento que reforça este SÃO PAULO EM PERSPECTIVA, 10(2) 1996 8 quadro de mudança da estrutura familiar e dos domicí- lios, observa-se o aumento do número de famílias cujos chefes são mulheres. É provável que este último dado reflita, em parte, a elevação dos níveis de mortalidade adulta masculina, discutidos anteriormente. As mulheres também têm conseguido aumentar sua taxa de participação, mesmo num mercado de trabalho em crise. O desemprego e o desalento crescentes entre os jovens, combinados com este aumento da taxa de participação das mulheres, talvez estejam sugerindo uma mudança nos arranjos familiares relativos à participação dos membros da família no mercado de trabalho. Finalmente, poder-se-ia afirmar que, do conjunto de hipóteses demográficas aqui discutidas, apenas aquelas referentes à fecundidade, tais como as apresentadas por Paulo Campanário, tenderiam a confirmar os pressupos- tos clássicos dos modelos de projeção. De fato, a fecun- didade continuaria em queda e tenderia a se homogenei- zar entre os grupos de renda e entre as regiões do estado. No entanto, os textos de Ana Amélia Camarano e Neide Patarra tentam relativizar estes argumentos. Não apenas o próprio nível de reposição teria deixado de se constituir num tabu como fecundidade mínima a ser projetada, como bem sugere Campanário, mas também seria necessário considerar – principalmente em projeções de longo prazo – a eventual possibilidade de crescimen- tos episódicos da fecundidade. Neste sentido, Ana Amélia Camarano e Neide Patarra, em seus artigos, advertem para a tese de que a expressiva queda da fecundidade poderia ter sido acelerada pela crise econômica da década ante- rior, e apontam a possibilidade de ocorrência de padrões de fecundidade mais elevados, ao menos sub-regionalmen- te, num contexto de estabilidade ou de crescimento eco- nômico, de médio e longo prazos. Em síntese, mesmo as hipóteses mais tradicionais aos modelos demográficos – as de queda universal da fecun- didade e da mortalidade – parecem se relativizar à luz dos debates aqui apresentados. Estes argumentos são tanto mais consistentes, quanto mais as projeções se sofisticam, tornando-se desagregadas regionalmente e organizadas para domicílios ou para subgrupos etários ou de renda. NOTAS 1. Número próximo a dois filhos por mulher ou, em outras palavras, o número de filhos necessário para que uma população se estabilize no longo prazo. 2. No entanto, este fenômeno era diferenciado segundo grupos de sexo e idade. 3. Vale advertir que tanto Aurílio Caiado quanto Sinésio Ferreira são bastante enfáticos quanto à precariedade das fontes dos dados utilizadas, que não permi- tiriam conclusões definitivas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZZONI, C.R. “Formação sócio-espacial metropolitana: novas tendências ou novas evidências?” In: GONÇALVES, M.F. (org.). O novo Brasil urbano. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995, p.289-304. CASTELLS, M. The informational city. Oxford, Blackwell, 1989. CASTELLS, M. e MOLLENKOPF, J.H.Ïs New York a dual city?". In: MOLLENKOPF, J.H. e CASTELLS, M. (orgs). Dual city: reesctruturing New York. Nova York, Russel Sage Foundation, p.339-418 COUTINHO, L. “O desenvolvimento urbano no contexto da mudança tecnoló- gica”. In: GONÇALVES, M.F. (org.). O novo Brasil urbano. Porto Alegre, Mercado Aberto, 1995, p.41-62. 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