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ESTUDO DA 
INFÂNCIA
Rosemary Trabold Nicácio
Políticas sociais 
para a infância e o 
protagonismo infantil
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:
  Reconhecer os principais marcos históricos nas políticas sociais, no 
Brasil e no mundo, para o entendimento da criança como sujeito de 
direitos.
  Conceituar criança no âmbito das políticas sociais atuais.
  Analisar o protagonismo infantil e as repercussões nas políticas sociais.
Introdução
Ao longo da história, a criança e a infância foram representadas de dife-
rentes formas. Conhecer essas mudanças é importante para compreen-
demos o sentido que os direitos sociais conquistados têm atualmente 
e, a partir disso, nos posicionarmos criticamente para que esses direitos 
sejam previstos nas políticas públicas e executados. Neste capítulo, você 
vai percorrer historicamente os principais marcos nas políticas públicas 
que reconhecem a criança como um sujeito de direito, além de estudar 
como as atuais políticas conceituam a criança. Por fim, você vai ler sobre 
o protagonismo infantil e as repercussões nas políticas sociais.
1 A criança como sujeito de direitos: marcos 
históricos nas políticas sociais 
Nesta seção, vamos discutir sobre os direitos da criança com uma retrospectiva 
histórica das políticas públicas em âmbito mundial, para compreendermos 
melhor a evolução das ideias e as mudanças nas representações sobre a criança 
e a infância, além do signifi cado de cada conquista. Primeiramente, preci-
samos ter em mente que esse percurso não foi linear e é marcado por muitos 
antagonismos. Ariès (2004 apud KUHLMANN JR., 2005, p. 239) explica que:
A ambigüidade, nos diferentes momentos, polariza a criança entre a impureza 
e a inocência, entre as características inatas e as adquiridas, entre a indepen-
dência e a dependência, entre meninos e meninas.
 Mesmo diante dessa dicotomia que se apresentou cíclica, quando olhamos 
todo processo compreendemos que a infância é uma construção social e, por 
isso, acaba por se caracterizar de acordo com os pensamentos de cada época. 
Na antiguidade grega e romana, por exemplo, alguns valores se sobrepunham 
à vida, tornando o aborto, o infanticídio e o abandono práticas legítimas. 
Para salvar a honra de filhas solteiras, para evitar descendentes com alguma 
deformidade ou deficiência era lícito o assassinato de crianças. Além disso, 
famílias pobres podiam abandonar os filhos ou oferecê-los para adoção quando 
não tivessem condições para criá-los, e famílias mais ricas podiam abandonar 
ou assassinar uma criança quando o número de filhos pusesse em risco a 
partilha dos bens (ALVES, 2005).
Esses hábitos alteraram a ordem social na antiguidade, instituindo-se o 
casamento e elevando o status das famílias que tivessem mais de três filhos. 
No entanto, nem essas mudanças, nem a moral cristã, que logo foi instituída, 
conseguiram grandes progressos em relação ao abandono e ao descaso com 
que as crianças eram tratadas na antiguidade.
O Pequeno Polegar é um conto da tradição oral, publicado por Charles Perrault (2005), 
que retrata a situação das crianças de famílias muito pobres. Em razão da fome que 
assolava a Europa na época, o pai abandona seus sete filhos na floresta, por não ter 
como alimentá-los.
Nos primeiros tempos da Idade Média, em virtude das invasões bárbaras 
e da pobreza crescente, houve um aumento no abandono de crianças. Muitas 
dessas crianças eram recebidas pela Igreja e colocadas nas rodas dos enjei-
tados, uma tentativa de inibir o infanticídio. As crianças abandonadas eram 
recebidas nos mosteiros e, a princípio, poderiam permanecer ali até a idade 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil2
adulta, quando buscariam novos caminhos. No entanto, após o Concílio de 
Worms em 1076, a escolha entre permanecer ou sair deixou de existir, e toda 
criança que ali fosse criada deveria seguir a vida eclesiástica. 
Ariès (1986, p. 14), no prefácio de seu livro História Social da Criança e 
da Família, cita J. L. Flandrin, que descreve a criança no período medieval:
[...] se a arte medieval representava a criança como um homem em escala 
reduzida, “isso se prendia, diz ele, não à existência, mas à natureza do senti-
mento da infância”. A criança era portanto diferente do homem, mas apenas 
no tamanho e na força, enquanto as outras características permaneciam iguais.
A criança, na Idade Média, era representada como um adulto em miniatura. 
Entretanto, Ariès (1986) explica que essa imagem não era única; a iconogra-
fia também registrou imagens de crianças com suas famílias como se elas 
servissem à diversão dos adultos. Por isso, teriam coexistido várias facetas.
Alves (2005) descreve que, ao final do período medieval, a iconografia 
trazia também a infância representada por meio da imagem do menino Jesus, 
com forte influência da Igreja trazendo o conceito de pureza. Em sua análise 
sobre a Idade Moderna, destacou que:
Mais à frente, com o transcorrer do século XVII, a infância passou a ser retra-
tada com maior autonomia, sob a forma de representações em que as crianças 
apareciam junto de seus familiares, sendo que em algumas gravuras — ainda 
que estas fossem raras — a infância era retrata desvinculada de sua família 
ou de qualquer imagem sacra, aparecendo, portanto, como único atrativo da 
representação iconográfica (ALVES, 2005, p. 47).
De acordo com o autor, portanto, a infância não foi reconhecida antes do 
século XVII. A iconografia indica que, aos poucos, a imagem de adulto em 
miniatura foi ficando para trás, e a condição da infância com suas caracterís-
ticas começaram a ser reconhecidas. No entanto, Corsaro (2011) destaca que 
para Ariès ainda pairava a dúvida de que esse momento de consideração pela 
infância, na Idade Moderna, de fato estaria trazendo melhorias às crianças, pois:
[...] a progressiva separação entre as crianças e adultos como parte de mudanças 
culturais mais gerais que resultaram nas separações por classe social e raça na 
sociedade moderna. Ele argumenta que a antiga sociedade “concentrava um 
número máximo de gêneros de vida num mínimo de espaço” e, ao fazer isso, 
aceitou a mistura de grupos sociais extremamente diferentes (1962, p. 415). 
A sociedade moderna, por outro lado, assegurava “a cada gênero de vida um 
espaço reservado, cujas características dominantes deviam ser respeitadas: 
3Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
cada pessoa devia parecer como um modelo convencional, com um tipo ideal...” 
(ARIÈS, 1962, p. 415 apud CORSARO, 2011, p. 78).
Assim, observamos que, pouco a pouco, a diferença entre adultos e crianças 
foi se constituindo, mas deu lugar ao predomínio das diferentes classes sociais.
Quanto ao Brasil, nos séculos XVI e XVII, não podemos compará-lo à 
Europa em relação aos avanços, pois a história da colonização marcou um 
outro ritmo, com forte influência da Igreja e dos jesuítas, que, inicialmente, 
desenvolveram a catequese dos índios e, aos poucos, foram ocupando-se da 
educação em geral. Tal como na Europa, porém não simultaneamente, a vida 
pública e a vida privada foram se definindo. No âmbito privado, prevalecia a 
família e uma organização marcada pelos valores cristãos, o que influenciou a 
forma como se pensava a criança, diferenciando-a por classe social e por gênero.
Considerando a especificidade brasileira, as crianças filhas dos proprietários 
de terras eram educadas por suas preceptoras, e os filhos de escravos parti-
cipavam por estarem a serviço nos casarões, mas a eles não era direcionada 
qualquer atenção, pois eram vistos como propriedade de seus senhores. A 
sociedade patriarcal valorizava, acima de tudo, a preparação dos meninos, 
que no futuro assumiriam altas posições sociais. Às filhas bastava aprender 
o ofício para serem boas esposas ou seguirem a vida religiosa.
A industrialização tardia e o crescimento da vida urbana foram definindo, 
também, a diferença entre a burguesia e a classeoperária que se formava. A 
crescente necessidade de mão de obra na indústria levou a mulher ao trabalho 
fora de casa e, tal qual aconteceu na Europa, foram criados espaços para o 
atendimento das crianças que não poderiam ficar sozinhas. Surgiram creches, 
asilos e jardins de infância com caráter assistencialista e objetivo de cuidar 
das crianças no período em que as mães estivessem trabalhando.
Em relação ao surgimento das creches, há algumas divergências. Para 
Merisse (1997 apud SCHICOTTI et al., 2012, p. 1), elas teriam advindo dos 
asilos e das casas dos expostos (ou enjeitados) e desvalidos, para que as crianças 
não ficassem “expostas às intempéries”. Já Kuhlmann Jr. (2000) defende que 
essas instituições, assim como os jardins de infância, eram em sua origem 
instituições educacionais para que as mães não abandonassem seus filhos, em 
oposição às casas dos expostos. Elas teriam surgido no período republicano 
em várias cidades do Brasil, principalmente capitais. Prevalecia a concepção 
assistencialista, de caráter moral, com principal objetivo de retirar as crianças 
da rua.
As instituições educacionais, segundo Andrade (2010, p. 218), estavam 
diretamente associadas às mudanças na organização familiar.
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil4
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O contexto histórico do surgimento dessas instituições é ainda marcado por 
mudanças no interior da organização familiar, que assume o modelo nuclear, 
e ao desenvolvimento de teorias voltadas para a compreensão da natureza da 
criança marcada pela inocência e pela inclinação às más condutas.
Desse modo, iniciou-se a institucionalização da infância, que visava regular 
os desvios da organização familiar e a construção de uma sociedade civilizada, 
o que ocorreu tanto na Europa quanto no Brasil. Esses movimentos de cunho 
social acabaram por representar um campo fértil às discussões sobre a infância, 
na Europa e na América. Segundo Kuhlmann Jr. (2000, p. 8):
No Brasil, vive-se nesse período o deslocamento da influência europeia para 
os EUA, fenômeno que encontra expressão marcante na criação do Dia da 
Criança, no 3º Congresso Americano da Criança, realizado no Rio de Janeiro 
em 1922, juntamente com o 1º Congresso Brasileiro de Proteção à Infância. 
Associava-se a data da descoberta do Novo Mundo com a infância, que deveria 
ser educada segundo o espírito americano.
Essa fase foi denominada pan-americanista nas discussões sobre os direitos 
da criança, justamente quando o Brasil passo a sediar o 3º Congresso Ameri-
cano da Criança, presidido por um pediatra, assim como os demais congressos. 
Eram os médicos que buscavam discutir e estudar a criança, considerando sua 
proteção e assistência. De acordo com Souza e Cordeiro (2015), entre o final do 
século XIX e o início do século XX, a participação em congressos e eventos 
científicos marcava, estrategicamente, a valorização aos avanços científicos 
e tecnológicos, o que representava a modernidade na época.
No caso dos Congressos da Criança, era a oportunidade que encontravam 
os envolvidos com a temática da infância em suas diversas faces (pediatras, 
professores, juristas, políticos, filantropos) para colocar luzes sobre a impor-
tância estratégica da infância em um projeto com pretensão de progresso e 
modernidade (SOUZA; CORDEIRO, 2015, p. 3).
Na Europa, especificamente em Genebra, foi elaborada a declaração de 
Genebra dos direitos da criança. Esse documento internacional foi reconhecido 
pela Liga das Nações em 1924 e, após ser constituída como Organização 
das Nações Unidas (ONU), foi nomeada como Declaração Internacional dos 
Direitos da Criança (também conhecida como Convenção Internacional pelos 
Direitos das Crianças), sendo expandida e ratificada pela Assembleia Geral da 
ONU em 20 de novembro de 1959, data que também marca o Dia Mundial da 
Criança. O Brasil assinou como signatário em 26 de janeiro de 1990.
5Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
Se à primeira vista parece-nos que, no início do século XX, começam a olhar 
e valorizar a criança, é preciso entender melhor o que, de fato, significaram 
esses estudos. Como destacaram Souza e Cordeiro (2015), muitas medidas 
propostas nos congressos visavam à proteção e à assistência das crianças e 
suas famílias. Porém, havia preocupação com as crianças pobres e desvalidas 
porque elas ameaçavam o progresso e a modernização das nações. Por isso, 
buscavam-se medidas para ampliar a vigilância, a punição e o controle dessas 
crianças. 
A criança pobre, mal nutrida, perambulando solta pelas ruas da cidade escapava 
ao projeto de ordem e progresso tão desejado. O ordenamento e saneamento 
da cidade, bem como a prosperidade da nação e do continente dependiam 
em muito do controle da população pobre e as crianças eram parcela decisiva 
deste grupo potencialmente compreendido como perigoso (SOUZA; COR-
DEIRO, 2015, p. 4).
A preocupação com a criança era mascarada por um discurso moralista 
e saneador típico dos movimentos positivistas racionais que visavam à cons-
trução de uma sociedade moderna. Ao analisarem os trabalhos apresentados 
no congresso, Souza e Cordeiro (2015, p. 4) contam que a “[…] infância e a 
pobreza, [eram] tomadas como equivalentes”, e ao Estado caberia “[…] assu-
mir a assistência aos pobres e às crianças, sob o risco de que se não o fizesse 
faltassem braços para o trabalho e sustento da própria engrenagem estatal”. 
Nessa perspectiva, a escola passou a caracterizar-se como instituição 
disciplinadora e socializadora, com a função de transmitir a cultura e guar-
dar as crianças, como destacou Salles (2005). A primeira Lei de Diretrizes 
e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº. 4.024, de 20 de dezembro de 
1961, não modificou essa situação. Em seu texto, a palavra “criança” aparece 
apenas cinco vezes, e “infância”, duas vezes, referindo-se, principalmente, à 
obrigação dos pais em levá-las à escola (BRASIL, 1961). O Estado, portanto, 
não reconhecia a criança como sujeito de direitos, mas como um ser que 
precisava ser cuidado, disciplinado e preparado para o projeto de sociedade 
que se desenvolvia nesse período.
Os direitos sociais à creche e à escola, para as crianças, foi conquistado, 
no Brasil, pelos movimentos sociais e não outorgado pelo Estado. Nos anos 
1970, o Estado regulador e militar proporcionou situações insustentáveis à 
população, que iniciou vários movimentos:
[...] são os clubes de mães, as pastorais populares das igrejas, os movimentos 
populares por creches, por saúde, contra a carestia etc., que se multiplicam 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil6
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pelo país; assim como o novo sindicalismo que emerge no cotidiano dos grupos 
de oposição sindical, a partir da Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo 
e do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo (CHAHINE, 2006, p. 45).
Esses movimentos trouxeram às instituições os serviços públicos como 
direito social. Em 1970 na cidade de São Paulo, por exemplo, o movimento 
de luta por creches fez com que crianças e mães conquistassem o direito de 
um espaço especializado. Em termos mundiais, um exemplo é a Declaração 
Mundial de Educação para Todos, realizada em 1990 em Jomtien, na Tailândia, 
de que o Brasil também foi signatário. Essa declaração marca uma das impor-
tantes mudanças realizadas nos anos 1990 em relação aos direitos das crianças.
No Brasil, esses direitos só serão reconhecidos pelo Estado a partir da 
Constituição Federal de 1988, definindo o espaço da educação infantil, que, 
na LDB atual, Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é melhor detalhado, 
como veremos adiante. Além disso, foi nesse período de redemocratização 
no Brasil que os direitos sociais começaram a surgir nas políticas públicas. 
Dois anos após a promulgação da Constituição Federal, foi publicada a Lei nº. 
8.069, de 13 de julho de 1990, o Estatutoda Criança e do Adolescente (ECA), 
outra conquista importante, que promoveu e ainda está promovendo grandes 
mudanças sobre a forma como a sociedade vê e acolhe as crianças no País. 
Com o ECA, foi criado o Conselho Tutelar, um colegiado que se constitui 
como um “[…] órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado 
pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adoles-
cente” (BRASIL, 1990, documento on-line). Nesse momento, os direitos da 
criança passaram a ser garantidos pelo Conselho Tutelar. O ECA, portanto, 
garante os direitos por lei, e os Conselhos Tutelares garantem na prática 
acompanhando e monitorando os processos nos municípios (BRASIL, 1990). 
A concepção de colegiado é uma marca do momento democrático vivido 
pelo País, que incorporou a gestão participativa em vez da representativa. Para 
que todas as políticas sociais possam ser garantidas, é fundamental a atuação 
permanente desse conselho em todos os municípios. O ECA também incorporou 
as diretrizes da Convenção Internacional dos Direitos da Criança e criou o 
Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), 
pela Lei nº. 8.242, de 12 de outubro de 1991. Esse foi outro importante marco 
legal instituído no País, pois a criação de conselhos na área das políticas para 
crianças e adolescentes fortaleceu e estruturou os conselhos tutelares em 
cada comunidade.
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A legislação, ao longo do tempo, vai sofrendo ajustes e atualizando-se. A Constituição 
Federal, que é a lei maior do País, desde 1988, já foi modificada várias vezes com as 
emendas constitucionais. Essas emendas são leis que, após estudo pelos congressistas, 
só podem ser aprovadas pelas duas casas do Congresso Nacional: o Senado e a Câmara 
dos Deputados. As leis, portanto, só podem ser alteradas por outras leis. A legislação 
que foi apresentada nesse capítulo já contempla todas as alterações. Para conhecer 
uma legislação na sua forma original e todas as alterações sofridas, procure sempre 
pelo site do Planalto, pois lá estão sempre atualizadas.
2 A criança nas políticas sociais atuais 
Como pudemos observar, foi a partir da Constituição Federal brasileira de 
1988 que os direitos às crianças começaram a ser reconhecidos. A chamada 
constituição cidadã defi ne os direitos sociais: “Art. 6º. São direitos sociais a 
educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, 
a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a 
assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988, 
documento on-line). 
Os direitos à educação e a proteção à infância são direitos fundamentais, 
de natureza social e com prioridade absoluta. Para garantia da concretização 
desses direitos, há aspectos apresentados em outros artigos da Constituição e 
uma série de outros documentos que aprofundam e definem mais claramente 
esses direitos, como o ECA (Lei nº. 8.069/1990); a LDB (Lei nº. 9394/1996); 
o Plano Nacional da Educação (PNE), instituído pela Lei nº. 10.172, de 9 de 
janeiro de 2001 e pela Lei nº. 13.005, de 25 de junho de 2014; as Diretrizes 
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), instituídas pela 
Resolução nº. 5, de 17 de Dezembro de 2009; entre outros.
Da Constituição Federal de 1988, destacamos ainda o art. 208, que esta-
belece a educação infantil na educação brasileira como a primeira etapa da 
educação básica e o dever do Estado e da família em garantir as condições a 
todas as crianças para o acesso à educação básica com toda estrutura necessária 
(BRASIL, 1988). Isso significa que a criança não terá nas creches apenas um 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil8
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espaço para serem cuidadas, mas para receberem educação integral. Esse 
compromisso foi fundamental no reconhecimento da criança como um sujeito 
de direitos, mas, para compreender como estão articulados esses direitos, 
precisamos analisar os desdobramentos das políticas públicas.
Direitos sociais estavam na pauta das discussões quando o Brasil iniciou 
seu processo de redemocratização. Isso é percebido claramente na Constituição 
e em seus desdobramentos, como o ECA (Lei nº. 8.069/1990), que define o 
conceito legal de criança no “Art. 2º. Considera-se criança, para os efeitos 
desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos […]” (BRASIL, 1990, 
documento on-line). Em seguida, enfatiza que todas possuem plenos direitos 
sem qualquer distinção:
Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais 
inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta 
Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades 
e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, 
espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, 
documento on-line).
Observe que nos artigos citados, a criança é definida como pessoa humana, 
e essa definição organiza todas as políticas de proteção e ações para o desen-
volvimento pleno da criança que, por essa lei, são assegurados como direitos 
fundamentais, incluindo-se as condições de liberdade e dignidade. No art. 6º, 
ressalta-se que quaisquer direitos sociais devem ajustar-se à condição peculiar 
da criança, mostrando que a criança é reconhecida em todo o universo infantil 
e transformações pelas quais passa ao longo do percurso de 0 a 12 anos, quanto 
aos aspectos físicos, sociais, emocionais, psicológicos, espirituais, mentais, 
enfim, como “pessoas em desenvolvimento”, conforme registra a lei.
Os direitos fundamentais são definidos do art. 7º ao 14, remetendo ao 
período pré-natal, quando as mães precisam de cuidados para gerarem filhos 
saudáveis. A saúde da criança está garantida de todas as formas, no atendimento 
gratuito pelo Sistema Único de Saúde, nos cuidados com as crianças deficientes 
com tratamento, habilitação e reabilitação, na oferta de medicamentos e pró-
teses gratuitas quando necessário, no atendimento em todas as modalidades 
médicas e odontológicas e, principalmente, no atendimento às crianças em 
situação de vulnerabilidade e violência, por assistentes sociais e especialistas 
para intervenção e acompanhamento domiciliar.
9Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
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Em relação à liberdade e à dignidade, observe que é nos art. 15 a 18 que 
se caracterizam esses direitos da criança com maior clareza:
Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: 
I — ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressal-
vadas as restrições legais; 
II — opinião e expressão; 
III — crença e culto religioso; 
IV — brincar, praticar esportes e divertir-se; 
V — participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação; 
VI — participar da vida política, na forma da lei; 
VII — buscar refúgio, auxílio e orientação (BRASIL, 1990, documento 
on-line).
Aqui temos mais clareza de como as crianças são reconhecidas, pois a elas 
é livre o acesso aos diferentes espaços, o direito de opinião e expressão, ao 
brincar e divertir-se, participar da vida social, entre outros. Esses aspectos 
representam um grande avanço no reconhecimento da criança, fruto de lutas 
em movimentos sociais.
No entanto, a criação de uma lei definindo direitos e cuidados aponta uma 
sociedade que não tem esses valores incorporados nas suas práticas cotidianas, 
o que mostra que os avanços da lei ainda não estão plenamente ajustados na 
vida social. Por isso, temos que ressaltar o art. 18: “É dever de todos velar 
pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer 
tratamento desumano, violento, aterrorizante,vexatório ou constrangedor” 
(BRASIL, 1990, documento on-line). A lei também define cada situação que 
pode ser vulnerável às crianças e o papel de cada um no cuidado e no combate 
a esse tipo de violência. No art. 136, que trata das atribuições do Conselho 
Tutelar, estão definidos os cuidados para que os direitos conquistados sejam 
plenamente garantidos e problemas como a violência e o tratamento desumano 
sejam definitivamente combatidos (BRASIL, 1990). Precisamos comemorar os 
avanços, mas estar atentos a essas situações que ainda registram elevadas esta-
tísticas de abandono, violência e tratamento desumano no Brasil e no mundo. 
Por isso, a sociedade civil deve contribuir para que o Conselho Tutelar atue, 
o que ocorre com denuncia quando for identificado o descumprimento da lei.
Em 1996, como mencionado anteriormente, foi publicada a atual LDB (Lei 
nº. 9.394/1996), que define e organiza a educação nacional de maneira genérica 
para que as políticas estaduais e municipais possam ajustar a proposta nacional 
de educação às características e condições locais. No entanto, é importante 
lembrar que, conforme definido na Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), a 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil10
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educação infantil foi criada como parte obrigatória e início da educação básica, 
articulando o cuidar ao educar com a responsabilidade da família e do Estado 
e, prioritariamente, na organização dos sistemas municipais de educação.
Na LDB, a criança tem respeitados seus direitos fundamentais em relação 
à gratuidade da escola a uma vaga próxima de sua residência e um ensino 
que lhe ofereça a oportunidade de desenvolvimento integral: “Art. 29. A 
educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o 
desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos 
físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e 
da comunidade” (BRASIL, 1996, documento on-line). Ver a criança como 
um sujeito integral é outro avanço importante, porque a escola não deverá 
oferecer-lhe apenas os cuidados básicos, mas uma educação que desenvolva, 
para além do seu aspecto cognitivo e intelectual, as suas capacidades físicas 
e psicológicas. Isso inclui um olhar para a cultura e para os aspectos socio-
emocionais presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com a 
Resolução CNE/CP nº. 2, de 22 de dezembro de 2017.
A educação infantil, pela importância reconhecida, possui um capítulo 
específico na LDB e, dentre os principais aspectos, é preciso ressaltar os art. 
30 e 31:
Art. 30. A educação infantil será oferecida em: 
I — creches, ou entidades equivalentes, para crianças de até três anos de idade;
II — pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes 
regras comuns : 
I — avaliação mediante acompanhamento e registro do desenvolvimento 
das crianças, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso ao ensino 
fundamental; 
II — carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por 
um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional; 
III — atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) horas diárias para o 
turno parcial e de 7 (sete) horas para a jornada integral; 
IV — controle de frequência pela instituição de educação pré-escolar, exigida 
a frequência mínima de 60% (sessenta por cento) do total de horas; 
V — expedição de documentação que permita atestar os processos de desen-
volvimento e aprendizagem da criança (BRASIL, 1996, documento on-line). 
A creche e a pré-escola atendem a públicos diferentes, o que nos aponta 
para o respeito à diversidade própria das etapas de desenvolvimento infantil. 
Dentre as regras de sua organização, observamos a avaliação, que tem como 
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foco a promoção da criança mediante acompanhamento e registro de todo seu 
desenvolvimento, entre outros aspectos.
Novamente precisamos ser críticos em relação aos avanços e desafios que 
ainda existem: ter uma norma legal que defina as condições para a educação 
infantil não significa que na prática haverá sua concretização. Para que a 
educação seja plena, no que define a lei, é preciso que os governos garantam 
as condições estruturais e que as pessoas envolvidas direta e indiretamente 
com as crianças tenham consciência e conhecimento para sua concretização.
Para compreendermos melhor essa questão, vamos conhecer o PNE, pre-
visto no art. 214 da Constituição de 1988 (BRASIL, 1988), estabelecendo um 
Plano Nacional de Educação com metas para serem desenvolvidas ao longo 
de 10 anos. O 1º PNE foi de 2001 a 2010, o 2º e atual PNE, de 2014 a 2024. 
Para a educação infantil, temos no PNE (2014-2024) a meta 1:
Universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças 
de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil 
em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das 
crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE (BRASIL, 
2014, documento on-line).
Observe que a meta já nos aponta para o fato de que somente ter a lei não 
garante o que está previsto, pois o PNE, em 2014, definiu que a universalização 
da educação infantil na pré-escola deveria ocorrer até 2016 com atendimento 
de, pelo menos 50% das crianças em creches até 2024, evidenciando que há 
muito a ser feito. O Relatório do 1º ciclo de monitoramento das metas do PNE 
Biênio 2014-2016 aponta que a pré-escola atingiu, em 2014, 89,6% de acesso 
das crianças de 4 a 5 anos, e o percentual de acesso das crianças de 3 anos 
às creches foi de 33% em 2014 (INEP, 2016). Esses indicadores, segundo o 
próprio relatório, mostram que o desafio é grande e pode não ser atingido, 
principalmente porque ainda permanece a desigualdade de condições entre 
as crianças, considerando os fatores econômicos, raça/cor, estados da união 
e região administrativa.
As DCNEI (Resolução nº. 5/2009) foram instituídas para que as propostas 
pedagógicas e curriculares para a educação infantil fossem organizadas. Um 
aspecto fundamental é que a DCNEI traz explicitamente a definição de criança:
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidia-
nas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, 
fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil12
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009, 
documento on-line).
Com essa definição, podemos afirmar que os currículos e propostas pe-
dagógicas possuem um direcionamento, pois há um sujeito definido nas es-
pecificidades da infância, como aquele que no seu caminhar vai construindo 
os sentidos sobre a vida e, por isso, é também um produtor de cultura e 
protagonista de sua própria história.
Veja a seguir alguns apontamentos muito importantes do ECA (BRASIL, 2019).
  Lei da Primeira Infância (Lei nº. 13.257, de 8 de março de 2016): implica o dever 
do Estado de estabelecer políticas, planos, programas e serviços para a primeira 
infância que atendam às especificidades dessa faixa etária, visando garantir seu 
desenvolvimento integral.
  Lei Menino Bernardo (Lei nº. 13.010, de 26 de junho de 2014): estabelece o direito 
da criança e do adolescente de serem educados sem o uso de castigos físicos. 
  Lei que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo Sinase (Lei 
nº. 12.594, de 18 de janeiro de 2012): regulamenta a execução das medidas socio-
educativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional. 
  Lei que instituiu a Escuta Especializada (Lei nº. 13.431, de 4 de abril de 2017): es-
tabelece o sistema de garantia de direitosda criança e do adolescente vítima ou 
testemunha de violência e altera a Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto 
da Criança e do Adolescente).
3 Protagonismo infantil nas políticas sociais
Um dos aspectos fundamentais dos movimentos sociais sobre as situações e 
contextos de luta é que a força coletiva promove mudanças, fazendo emergir 
as políticas públicas. Contudo, outro movimento, tão fundamental quanto 
o primeiro, é a força que as políticas públicas exercem sobre os sujeitos e 
contextos. A luta pelos direitos sociais trouxe conquistas e, em contrapartida, 
há a responsabilidade de todos na sua efetiva realização.
Desde a Convenção sobre os Direitos da criança, em 20 de novembro de 
1989, a criança está reconhecida como sujeito, como podemos observar no art. 
7º: “A criança deve ser registrada imediatamente após seu nascimento e, desde 
13Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
o momento do nascimento, terá direito a um nome, a uma nacionalidade e, na 
medida do possível, a conhecer seus pais e ser cuidada por eles” (UNICEF, 
2020, documento on-line). Esse artigo reconhece a criança como pessoa, sujeito 
desprendido do adulto, como um sujeito de direitos civis. Além disso, ao serem 
reconhecidas como sujeito de direitos, as crianças adquirirem os direitos de 
opinar e expressar-se, de participação na vida familiar, na comunidade e até 
mesmo na vida política, conforme o art. 16 do ECA (BRASIL, 1990). Desses 
direitos surgem dois conceitos fundamentais: o de protagonismo infantil e o 
de participação. Vamos começar estudando cada um deles e alguns aspectos 
divergentes em sua interpretação.
Guizzo, Balduzzi e Lazzari (2019, p. 274) descrevem que “A palavra ‘prota-
gonismo’ tem origem no latim: protos quer dizer principal e agonistes significa 
lutador. Ser protagonista é ter papel de destaque num acontecimento, área ou 
situação”. Assim, ao pensarmos o protagonismo infantil estamos pensando 
em colocar as crianças como atores da própria ação. Advém daí uma questão 
relevante e que surge como uma contradição da norma jurídica:
Considerar as crianças sujeitos de direito é afirmar a cidadania da infância. 
Entretanto, “uma concepção clássica de cidadania recusa o estatuto político 
às crianças” (Sarmento, 2007, p. 39), por isso reserva-se à infância a condição 
de cidadãos em formação (NASCIMENTO, 2019, documento on-line).
Essa visão jurídica de cidadania apoia-se nos art. 3º e 4º do Código Civil, 
Lei nº. 10.406 de 10 de janeiro de 2002 (BRASIL, 2002), em que toda pessoa 
menor de 16 anos é absolutamente incapaz para exercer direitos políticos. 
Segundo Nascimento (2019, documento on-line), nessa perspectiva as crianças 
permanecem invisíveis, “[…] as crianças não são levadas em conta, exceto em 
lugares destinados a ela, como escola e família, por exemplo, ou em políticas 
de saúde e educação”. Desse modo, evidencia-se uma concepção de infância 
que não a reconhece como sujeito na perspectiva sociológica. Em termos 
sociológicos a infância é definida “[…] como uma categoria permanente, isto 
é, como um segmento estrutural que é o resultado dos parâmetros sociais” 
(NASCIMENTO, 2019, documento on-line). Diante disso, reforça Nascimento 
(2019, documento on-line):
Essa concepção sociológica considera as crianças sujeitos sociais, capazes de 
produzir mudanças nos sistemas nos quais estão inseridas, ou seja, a infância 
é formada por sujeitos que “pertencem a diferentes classes sociais, ao sexo 
masculino ou feminino, a um espaço geográfico onde residem, à cultura de 
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil14
origem e a uma etnia” (Nascimento, 2011, p.41). São sujeitos que estabelecem 
relações, negociações, confrontos, com pares e com adultos, de maneira a 
habilitar e legitimar suas ações no cotidiano.
Somente a partir dessa concepção é possível reconhecer seu protagonismo 
e, consequentemente, sua cidadania.
Gaitán (1998, p. 86, tradução nossa), ao discutir sobre protagonismo infantil, 
apresenta diferentes visões, mas destaca aquela que está apoiada na filosofia 
que embasa a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, 
definindo da seguinte forma:
O protagonismo infantil é o processo social mediante o qual se pretende que 
meninas, meninos e adolescentes desempenhem o papel principal em seu 
próprio desenvolvimento e o de sua comunidade, para alcançar a realização 
plena de seus direitos, atendendo a seus maiores interesses. É praticar a visão 
da infância como sujeitos sociais de direitos e, portanto, deve haver uma rede-
finição de papéis nos diferentes componentes da sociedade: crianças e jovens, 
autoridades, família, setores organizados, sociedade civil, entidades, etc.
É preciso abrir espaços para que as crianças expressem suas ideias, a fim 
de que sejam consideradas. Além disso, é imprescindível que sejam rede-
finidos os papéis sociais, pois, como já dissemos, não basta que os direitos 
sejam expressos na letra da lei, é preciso que sejam exercidos, incorporados 
ao cotidiano da sociedade.
O outro conceito que vamos analisar é o de participação. Pires e Branco 
(2007, p. 312), após analisarem o termo em diversos autores, observaram que 
a maioria considera que a participação é análoga ao termo protagonismo e, 
para eles, isso se justifica por duas lógicas:
Apesar da polêmica em relação ao emprego dos termos participação e prota-
gonismo, parece haver duas vantagens óbvias quanto a utilização preferencial 
da palavra participação. A primeira se refere à facilidade do emprego do 
vocábulo por crianças, uma vez que, em uma primeira análise, a palavra 
participação é um termo de uso corrente na língua portuguesa. A segunda 
vantagem se refere a maior facilidade para explicar o que é participação (com 
o significado de protagonizar) para as crianças, no contexto de programas ou 
campanhas que visem promover o seu envolvimento nos processos decisórios 
para transformações sociais.
Ainda que os dois conceitos sejam considerados análogos, temos que nos 
deter em um aspecto. Se considerarmos que ter protagonismo significa ter 
15Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
papel de destaque em uma situação, não significa que caberá às crianças a 
participação efetiva. Ou melhor, podemos discutir sobre crianças e, assim, 
as colocaremos em destaque, mas não estaremos concedendo a elas o espaço 
para a participação. Vamos, então, diferenciar os conceitos e evidenciar como 
protagonismo e participação podem ser complementares, indissociáveis, apesar 
de diferentes.
O Brasil é um país democrático, o que pressupõe a participação de todos 
sem que uns tenham prioridade sobre outros. Por isso, não podemos conceber 
que os adultos decidam pelas crianças sem ouvi-las, considerar seu modo de 
ver e pensar sobre o mundo e suas necessidades para viver seus direitos na 
sociedade em que estão inseridas. Pires e Branco (2007) destacam que para 
que as crianças tenham efetiva participação é preciso desenvolver a autonomia.
Pascual (1999, p. 6), em seus estudos piagetianos, define que a autonomia 
infantil é um ato racional e que “[…] ser autônomo moralmente significa 
poder analisar criticamente a obrigatoriedade das normas”, indicando que a 
autonomia das crianças não significa liberdade sem limites, mas uma relação 
consciente sobre as normas. Além disso, o autor lembra que Piaget deixava 
claro que a autonomia não é inata, portanto precisa ser aprendida em meio 
social. Ele acrescenta:
“Ser autônomo moralmente significa aceitar a responsabilidade subjetiva.” Na 
medida em que ocorre a descentração, isto é, o sujeito sai do seu próprio ponto 
de vista para se colocar no ponto de vista do outro, ocorre uma transformação 
no respeito, que agora se torna mútuo. Ser governado por si mesmo, todavia, 
não significa a preponderância do ponto de vista pessoal, o que levaria a au-
tonomia a um juízo moral egocêntrico; ser autônomo moralmente perante a lei 
ou as normas escolares quer dizer poder entendê-lascomo sendo o resultado 
de acordos entre os diversos pontos de vista dos membros que compõem um 
grupo e não mais como algo imutável, que transcende a vontade e o raciocínio 
do mesmo (PASCUAL,1999, p. 7).
As características descritas por Pascual sobre a autonomia ajustam-se aos 
processos democráticos de uma sociedade de direitos, pois compreende que a 
criança precisa exercitar sua cidadania aprendendo e desenvolvendo autonomia 
frente às suas vivências.
Pires e Branco (2007, p. 317) destacam que o desenvolvimento da autonomia 
ocorre justamente no processo de participação, por meio do qual ocorrem as 
interações entre os envolvidos, sejam eles crianças, sejam adultos:
Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil16
A verdadeira autonomia é regulada por um compromisso recíproco entre 
os sujeitos (Rogoff, 1995). […] muito mais produtivo imaginar um sistema 
complexo de interações que se configura em torno da iniciativa e das res-
ponsabilidades compartilhadas durante a condução do processo decisório de 
realização das ações de um determinado projeto. Crianças e adultos assumirão 
responsabilidades diferentes (nem por isso necessariamente menos impor-
tantes) ao longo de todos os momentos, desde o surgimento de uma ideia, 
sua discussão e realização. No entanto, é necessário alertar que os critérios 
utilizados atualmente para separar o mundo entre crianças e adultos não 
facilitam este tipo de configuração e compartilhamento de responsabilidade 
e compromissos.
O protagonismo, portanto, só poderá ser conquistado se estiver vinculado 
à participação das crianças nos processos decisórios. Isso significa que é 
preciso dar voz a elas para que possam dialogar sobre quaisquer questões. 
No processo dialógico, além disso, desenvolverão sua concepção de mundo e 
ajudarão os adultos a repensarem as suas próprias ideologias. 
Esse processo de protagonismo infantil e participação repercutiu nas po-
líticas voltadas para a educação e, entre tantas já citadas, vamos destacar a 
BNCC. Por meio dela, são construídos os currículos escolares da educação 
infantil de todas as escolas brasileiras. A sua proposta apoia-se em campos 
de experiências que dão voz e vez à participação das crianças no exercício do 
conhecimento para conquistar sua autonomia, incluindo a visão do outro e 
de si mesmas. A criança precisa ser pensada como ela é, não como cada um a 
idealiza. Por isso, os currículos, ao serem postos em ação, devem oportunizar a 
cada uma dizer o que sabe, desenvolver suas competências e construir cultura, 
como já tão discutido nas legislações citadas.
Por fim, ao constatarmos que a criança é uma construção social, preci-
samos fazer com que os direitos sociais conquistados não sejam meramente 
letra morta, mas que repercutam cada vez mais em ações reais dentro da vida 
familiar, das escolas e dos espaços sociais dos quais a criança participa.
17Políticas sociais para a infância e o protagonismo infantil
Em São Paulo, em um bairro central chamado Glicério, onde a violência imperava, a 
socióloga Nayanna Brettas, fundadora do ImaginaC, promoveu uma transformação 
do espaço público a partir da imagem que as crianças tinham. Desse modo, integrou 
crianças e adultos na transformação do bairro. 
Nayanna e a comunidade atuaram no projeto CriaCidade, cuja metodologia criança 
fala guiou a construção de um caminho lúdico que resultou na conexão com as 
crianças, com o que pensavam sobre o entorno. Para a socióloga, foi preciso que 
o adulto estivesse aberto a escutar para que o projeto fosse realizado. Ela buscou a 
promoção do protagonismo infantil e, para isso, envolveu arquitetos, educadores, 
psicólogos e outros para ouvirem as crianças e trabalharem com elas. 
Iniciaram com a construção de um mapa afetivo da comunidade e, para isso, todos 
participaram, dialogaram, identificaram símbolos amorosos locais e lugares para 
produzirem lazer. Na busca por um mundo encantado, ou apenas uma nova paisagem 
mais divertida e harmoniosa, utilizaram brinquedos, pintura, desenho e muitos outros 
recursos, dando vida ao seu entorno e fazendo o cinza da violência desaparecer.
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