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2022
George Marmelstein 
TESTEMUNHANDO
A INJUSTIÇA
A ciência da prova testemunhal 
e das injustiças inconscientes
225
3
MITIGANDO OS RISCOS
“Os erros são quase sempre de uma natureza 
sagrada. Nunca tente corrigi-los. Pelo contrário: 
racionalize-os, compreenda-os a fundo. Depois 
disso, lhe será possível sublimá-los” • Salvador Dalí
Vimos como a memória humana tem limitações que podem 
prejudicar a qualidade do depoimento testemunhal, até mesmo 
quando a testemunha está bem intencionada. O cérebro, com 
frequência, apaga algumas lembranças, distorce outras e pre-
enche lacunas com inferências nem sempre verdadeiras. 
A partir de agora, serão apresentadas algumas sugestões 
para minimizar os riscos derivados das falhas cognitivas e para 
aprimorar o processo de valoração da prova testemunhal.
Antes, porém, será apresentado um arcabouço normativo 
para demonstrar que já existe uma preocupação do sistema de 
justiça de mitigar os riscos de falsos testemunhos. 
A compreensão desse arcabouço normativo nos leva a 
concluir que o desenvolvimento de um modelo processual que 
reduza as chances de erros judiciais decorrentes da má valora-
ção da prova pode ser considerado como um pilar do sistema 
de justiça. Ou seja, não estamos aqui pensando necessariamen-
te em reforma legislativa, mas em mudança cultural e trans-
formação adaptativa de procedimentos e de entendimentos 
jurisprudenciais para reduzir riscos. 
A forma como, hoje, a prática jurídica trata a prova teste-
munhal pode ser, em muitos aspectos, considerada como vio-
ladora do processo justo por não proporcionar uma proteção 
226
GEORGE MARMELSTEIN
contra erros sistemáticos e previsíveis. Daí a necessidade de 
aprimorar o sistema de justiça, incorporando os avanços de-
correntes das descobertas vindas das ciências cognitivas nas 
práticas judiciais.
3.1 A ADEQUADA VALORAÇÃO DA PROVA COMO DI-
REITO FUNDAMENTAL
“Como poderá dormir tranquilamente o juiz, que 
sabe possuir, num alambique secreto, aquele 
tóxico sutil que se chama injustiça e do qual 
uma ligeira fuga pode bastar não só para tirar a 
vida mas, o que é mais horrível, para dar a uma 
vida inteira indelével sabor amargo, que doçura 
alguma jamais poderá consolar?” • Calamandrei
O direito a um processo justo é, inquestionavelmente, uma 
das bases que legitimam o exercício da jurisdição. Para que um 
processo seja considerado justo, o juiz deve ser independente 
e imparcial, deve basear seu julgamento em princípios e regras 
que sejam juridicamente válidos e deve respeitar as garantias 
processuais, seguindo todas as diretrizes principiológicas que 
emanam do devido processo. 
 Um olhar sistemático sobre os valores decorrentes do 
devido processo nos leva a perceber que o sistema jurídico 
está repleto de instrumentos para mitigar erros judiciais. Mui-
tos desses instrumentos foram desenvolvidos especifi camente 
para diminuir a incidência de distorções na análise probatória, 
até mesmo na valoração da prova testemunhal. 
Por exemplo, a publicidade é um importante mecanismo 
de controle da atividade probatória, na medida em que possi-
bilita uma maior accountability dos atos praticados durante a 
instrução processual, garantido que o exercício da jurisdição 
seja submetido a um escrutínio público mais amplo e que as 
partes possam ter acesso aos documentos já autuados. 
Outro exemplo é o dever de fundamentação e de motiva-
ção da decisão judicial, que abrange não apenas a adequada de-
fi nição das chamadas questões jurídicas, mas também a correta 
avaliação motivada das questões de fato. Para a formação de 
227
3MITIGANDO OS RISCOS
um juízo decisório fundamentado, não basta o convencimento 
psicológico do juiz, mas a explicitação de parâmetros lógicos e 
racionais de valoração probatória. Nesse sentido, pode-se dizer 
que o julgador tem o dever de apresentar razões para justifi car 
o valor atribuído às provas, dando transparência às premissas 
fáticas e jurídicas adotadas para a tomada da decisão. 
A preocupação com a adequada análise dos fatos também 
se manifesta na garantia do contraditório e da ampla defesa. O 
direito das partes de serem informadas do andamento processu-
al, de não serem surpreendidas, de terem acesso aos elementos 
dos autos, de participarem dos atos judiciais, de requererem e 
produzirem provas, de apresentarem razões em favor de suas te-
ses, de refutarem a tese contrária e de receberem respostas aos 
seus argumentos e requerimentos é, antes de mais nada, um di-
reito de infl uenciar a convicção do julgador para que não ocorra 
uma restrição arbitrária de seus direitos. Pode-se dizer que nin-
guém pode ter o seu status jurídico diminuído sem que a sua ver-
são dos fatos seja devidamente analisada pelo órgão julgador. 
As regras de distribuição do ônus da prova e, em especial, 
a presunção de não culpabilidade ou de inocência também 
sinalizam a busca de um processo alicerçado na justa apre-
ciação da prova. É possível inferir a incorporação de um man-
damento dirigido ao juiz de respeito a standards probatórios 
juridicamente aceitáveis, especialmente se a decisão resultar 
em imputação de responsabilidade com aplicação de sanção. 
A busca de um sistema processual minimizador de erros 
factuais também se manifesta com a criação de uma estrutura 
recursal de múltiplas instâncias, garantido pelo direito ao duplo 
grau de jurisdição. Os recursos judiciais, muitas vezes, são dota-
dos de um efeito devolutivo amplo, possibilitando a revisão de 
toda a matéria fática debatida, até mesmo com a reavaliação 
do conjunto probatório apresentado. Há ainda a possibilidade 
de mitigação do princípio da soberania dos veredictos quando 
houver contrariedade manifesta da decisão dos jurados com 
a prova dos autos. Em todo caso, o direito ao recurso também 
permite o controle procedimental da atividade probatória, pre-
vendo-se um sistema de nulidades para garantir que a instrução 
processual não prejudique arbitrariamente uma das partes.
228
GEORGE MARMELSTEIN
De modo ainda mais específi co, a Constituição Federal 
prevê um verdadeiro direito fundamental à reparação de dano 
causado por erro judicial. No artigo 5º, inc. LXXV, está expresso 
que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim 
como o que fi car preso além do tempo fi xado na sentença.
Para além das garantias constitucionais, existem regras 
processuais específi cas que reforçam a preocupação do siste-
ma jurídico com a qualidade epistêmica da prova, inclusive da 
prova testemunhal. 
A esse respeito, o Código de Processo Penal (CPP) estabe-
lece, por exemplo, que as testemunhas devem depor perante 
o juiz e têm o dever de compromisso com a verdade, podendo 
ser criminalmente punidas por falso testemunho, caso afi rmem 
falsamente, se calem ou neguem a verdade (art. 211, do CPP). 
Existem ainda mecanismos para permitir contradita das tes-
temunhas ou arguir circunstâncias ou defeitos que as tornem 
suspeitas de parcialidade, ou indignas de fé (art. 214, do CPP). 
Assim, testemunhas que tenham interesse na causa ou tenham 
relações de afi nidade ou parentesco com as partes somente de-
verão ser ouvidas em casos excepcionais, e ainda assim com um 
juízo de desconfi ança, na medida em que são tratadas apenas 
como informantes, não lhes sendo exigido o dever de compro-
misso com a verdade. 
São previstos ainda limites e condições para a ouvida de 
testemunhas que tenham o dever de sigilo (art. 207, do CPP), 
menores de 14 anos, doentes e defi cientes mentais (art. 208, do 
CPP). A fi m de diminuir os riscos de contaminação, existem re-
gras de incomunicabilidade entre as testemunhas, de modo que 
“umas não saibam nem ouçam os depoimentos umas das ou-
tras” (art. 210, do CPP). Há vedação também de perguntas que 
possam induzir a resposta, reduzindo-se as chances de sugestio-
namento ou manipulação na coleta da prova (art. 212, do CPP). 
É admitida também a acareação, quando houver divergência 
de declarações dos depoentes sobre fatos ou circunstâncias re-
levantes parao julgamento da causa (art. 229 e 230, do CPP).
Há também procedimentos de reconhecimento de pessoas 
que espelham uma preocupação com a redução de erros teste-
munhais (por exemplo, o art. 226, do CPP). Embora essas regras 
229
3MITIGANDO OS RISCOS
estejam muito aquém daquilo que poderia ser considerado como 
o estado da arte no procedimento de identifi cação, é manifesta 
a intenção de proporcionar um reconhecimento mais seguro. 
Por exemplo, o CPP estabelece que “a pessoa, cujo reconheci-
mento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de ou-
tras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se 
quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la” (inc. II). A fi m 
de evitar a conformidade de memória (interferência intersubje-
tiva entre duas testemunhas), o art. 228 determina que “se várias 
forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pes-
soa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando-
-se qualquer comunicação entre elas”. Apesar de ser uma pro-
teção mínima contra falsas identifi cações, o princípio que a ins-
pira visa claramente mitigar erros e vieses no reconhecimento.
Os precedentes judiciais, igualmente, tendem a incorporar 
uma preocupação com a qualidade da prova testemunhal, im-
pondo, por exemplo, um dever de desconfi ança em relação aos 
elementos probatórios colhidos pela autoridade policial du-
rante o inquérito, dada a mitigação do contraditório e da am-
pla defesa nessa fase investigativa. Há ainda um cuidado com a 
força probatória dos testemunhos indiretos ou não presenciais, 
havendo julgados que não admitem a comprovação de culpa 
com base exclusivamente em depoimentos de pessoas que 
apenas conhecem o fato “por ouvir dizer” (STJ, REsp 1.674.198/
MG, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJE 12/12/2017). 
Destaque-se ainda a decisão do Superior Tribunal de Jus-
tiça que impôs a observância do artigo 226 do CPP, acerca do 
reconhecimento de pessoas, para afastar a punição contra um 
acusado que fora condenado com base exclusivamente em re-
conhecimento fotográfi co pelas vítimas, realizado durante o 
inquérito, sem o cumprimento das formalidades legais (STJ, HC 
598886/SC, relator Min. Rogério Schietti Cruz, Dj 5/8/2020).
O precedente acima citado é um verdadeiro divisor de 
águas na jurisprudência sobre reconhecimento de pessoas, 
porque previu dois pré-requisitos para a identifi cação do réu 
e o reconhecimento da autoria delitiva: (a) a observância das 
230
GEORGE MARMELSTEIN
formalidades previstas no artigo 226 do CPP13; (b) a corrobora-
ção da identifi cação com outras provas colhidas na fase judi-
cial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.
Além disso, o julgado deixou explícita a importância da 
psicologia do testemunho para a correta valoração da prova. 
Vale destacar esse ponto:
Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns 
as falhas e os equívocos que podem advir da memória 
humana e da capacidade de armazenamento de infor-
mações. Isso porque a memória pode, ao longo do tem-
po, se fragmentar e, por fi m, se tornar inacessível para 
a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhe-
cimento, portanto, possui considerável grau de subje-
tivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, 
consequentemente, causar erros judiciários de efeitos 
deletérios e muitas vezes irreversíveis (STJ, HC 598.886/
SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TUR-
MA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).
No Supremo Tribunal Federal, também é possível encon-
trar decisões que utilizam o conhecimento das ciências cogni-
tivas para minimizar os riscos de erro judicial. Por exemplo, os 
precedentes que reconhecem a nulidade do julgamento quan-
do o acusado é apresentado aos jurados de algemas ou vestin-
do roupas de presidiários fundamentam-se, em última análise, 
na compreensão de que os jurados podem se tornar enviesa-
dos ao verem um réu com esses adereços. Acredita-se que as 
13. Eis a parte relevante da ementa: “O reconhecimento de pessoas deve, portanto, 
observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, 
cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição 
de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendi-
do, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal 
procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro 
para sua condenação, ainda que confi rmado, em juízo, o ato realizado na fase 
inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistra-
do a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o 
juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o 
devido procedimento probatório” (STJ, HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO 
SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020).
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3MITIGANDO OS RISCOS
algemas ou as roupas de presidiários possam criar na mente 
dos jurados um sugestionamento que aumente a percepção de 
culpabilidade ou de periculosidade do réu. 
Essa ideia foi explicitamente mencionada pelo Supremo 
Tribunal Federal ao acolher a tese da anulação do júri pela 
apresentação do réu de algemas: “o julgamento no Júri é pro-
cedido por pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações 
do quadro verifi cado. A permanência do réu algemado indica, 
à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta pericu-
losidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, fi cando os 
jurados sugestionados” (STF, HC 91952, voto do rel. Min. Marco 
Aurélio, j. 19-12-2008).
Todo esse arcabouço jurídico nos permite concluir que o 
processo judicial intenciona ser um método seguro, controlá-
vel e não arbitrário de determinação de fatos, cercando-se de 
diversos cuidados epistêmicos e constrangimentos processuais 
para minimizar a probabilidade de erros judiciais. 
Pode-se dizer, assim, que o sistema jurídico ambiciona 
não apenas incorporar uma pretensão de justiça, mas também 
uma pretensão de veracidade, no sentido de que almeja que 
as decisões sejam baseadas em premissas fáticas que se apro-
ximem tanto quanto possível da realidade, respeitados limites 
de admissão, produção e valoração das provas, além de outros 
constrangimentos específi cos do método jurídico. 
A pretensão de veracidade signifi ca, em última análise, que 
os julgamentos devem buscar uma correspondência com o con-
junto probatório (veracidade interna) e que o conjunto probató-
rio seja factível com a realidade “lá fora” (veracidade externa). 
Mas esse quadro normativo pode ser enganador se não 
confrontarmos o direito do papel com o direito da realidade. 
O sistema de justiça, aparentemente, está sempre em busca de 
aprimorar seus métodos, mas isso não signifi ca que o modelo 
vigente já alcançou níveis satisfatórios de qualidade. Na verda-
de, é possível constatar em enorme descompasso entre aquilo 
que é praticado e aquilo que é considerado como o estado da 
arte nos debates científi cos. Por isso, é preciso sempre refl etir 
criticamente sobre o sistema de justiça e acompanhar de perto 
232
GEORGE MARMELSTEIN
os avanços científi cos que possam contribuir para aprimorar o 
exercício da jurisdição. 
Nesse sentido, conhecer e aplicar estratégias efi cientes 
de desenviesamento para basear as decisões em provas mais 
sólidas é um pressuposto do processo justo e uma condição ne-
cessária para a redução de tantos erros judiciais que são prati-
cados cotidianamente. 
3.2 DESENVIESANDO A PROVA TESTEMUNHAL
“Sê o dono das tuas inclinações” 
• Marco Aurélio
Partindo do pressuposto de que existe um dever jurídico 
de minimizar riscos que possam levar a erros judiciais, agora 
é hora de extrair algumas lições mais concretas sobre o que 
podemos fazer a respeito das falhas cognitivas relacionadas à 
prova testemunhal.
A abordagem focará cinco pontos: (a) mapeamento dos 
riscos cognitivos que podem afetar a qualidade do testemunho; 
(b) redefi nição do valor probatório da prova testemunhal; (c) 
construção de um programade pedagogia do erro; (d) aprimo-
ramento do sistema de coleta de depoimentos; (e) aprimora-
mento do sistema de reconhecimento de suspeitos.
3.2.1 Mapeando os Riscos 
“As pessoas que estão conscientes 
e envergonhadas de seus vieses e 
preconceitos estão no caminho certo 
para eliminá-los” – Gordon Allport
O ponto de partida de qualquer estratégia de desenviesa-
mento é perceber que as falhas cognitivas existem e que elas 
decorrem de uma forma de pensar efi ciente, porém imperfeita. 
É um equívoco relacionar os erros cognitivos às falhas de cará-
ter, à inexperiência ou à falta de inteligência. Qualquer pessoa, 
por mais honesta e bem preparada, está sujeita a realizar esco-
lhas equivocadas por infl uência de vieses cognitivos.
233
3MITIGANDO OS RISCOS
Reconhecer que os vieses cognitivos ocorrem por uma 
natural característica do pensamento humano não nos legiti-
ma a adotar uma postura fatalista ou conformista para acei-
tá-los passivamente, especialmente no contexto do sistema de 
justiça, onde os impactos das decisões enviesadas podem ser 
desastrosos e são capazes de gerar falsas condenações, falsas 
absolvições e soluções arbitrárias.
Apesar de não serem intencionais, os vieses cognitivos são 
previsíveis e sistemáticos, no sentido de que se repetem consis-
tentemente em dados contextos. Isso signifi ca que é possível 
apontar alguns fatores e circunstâncias que aumentam a pro-
babilidade de sua ocorrência e até prever quando as pessoas 
tenderão a ser afetadas por eles. 
Daí porque é plenamente possível catalogar os vieses cogni-
tivos mais comuns, tentando compreender a sua lógica, a sua es-
trutura explicativa e as condições de sua incidência. Quando en-
tendemos a lógica por trás de cada um dos vieses, torna-se muito 
mais fácil identifi car a origem do problema e agir para mitigá-lo.
Como se viu, as ciências cognitivas têm avançado bastante 
nessa seara, identifi cando e sistematizando diversos vieses capa-
zes de prejudicar o pensamento, até mesmo no contexto jurídico. 
Há vieses que decorrem de uma limitação da mente hu-
mana em sua capacidade de processar todas as informações 
relevantes, gerando falhas de atenção, de percepção e de jul-
gamento. Outros que derivam de uma busca de um conforto 
cognitivo, alimentados por atitudes, emoções e crenças que 
orientam o pensamento em direção à confi rmação de expec-
tativas. Outros de um processo de categorização equivocada e 
de associações implícitas e automáticas, que levam a genera-
lizações apressadas e infundadas. Outros de infl uências sociais 
que estimulam um comportamento de rebanho (conformação 
e obediência) e um desejo de aceitação, e assim por diante. 
A pesquisa na área cresce cada vez mais. O desenho abaixo 
é uma versão em baixa resolução de um Cognitive Bias Codex, 
desenhado por John Manoogian III, contendo 188 vieses cog-
nitivos já catalogados, com a respectiva explicação em inglês. 
Vale conferir:
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Heurística de disponibilidade
Viés atencional
Efeito de verdade ilusória Efeito de mera exposição Efeito contextual Esquecimento dependente
Memória dependente de estado
Ilusão de frequência
Fenómeno Baader-Meinhof
Lacuna de empatia
Viés de omissão
Falácia da frequência base
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Efeito do bizarro
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Efeito da superioridade da imagem
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Contabilidade mental
Falácia do apelo à probabilidade
Viés da normalidade
Lei de Murphy
Viés da soma-zero
Viés de sobrevivência
Efeito de subaditividade
Efeito de denominação
O número mágico 7 ± 2
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Maldição do conhecimento
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Erro dos incentivos extrínsecos
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Retrospectiva idílica
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Viés de resultado
Sorte moral
Declinismo
Viés de impacto
Viés de pessimismo
Falácia do planeamento
Viés da poupança de tempo
Viés pró-inovação
Viés da projeção
Viés de autocontrolo
Viés de auto-consistência
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Efeito de excesso de confiança
Viés de desejabilidade social
Efeito da terceira pessoa
Efeito do falso consenso
Efeito difícil-fá
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Efeito Dunning-Kruger
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Efeito Barnum
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Efeito da desinformação
Efeito de recuperação em série
Efeito do comprimento da lista
Negligência da duração
Efeito da modalidade
Inibição de memória
Efeito de primazia
Efeito do mais recente
Efeito da pista parcial
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Efeito de níveis de processamentoDistraçãoEfeito de testagemEfeito do seguinte na fila
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The Cognitive Bias Codex, de J Mannogian III. A versão em altíssima 
resolução pode ser vista em: tinyurl.com/thebiascodex
235
3MITIGANDO OS RISCOS
Ao longo de todo este livro, vimos diversos vieses cogni-
tivos (variáveis de estimação e de sistema) que podem afetar 
a credibilidade e a confi abilidade da prova testemunhal, ten-
tando apontar as possíveis explicações para a sua ocorrência. 
Apesar de abrangente, as ideias aqui compiladas constituem 
apenas a ponta do iceberg de um conhecimento muito mais 
vasto.
Mas não podemos cometer o erro de achar que todas as 
decisões humanas são necessariamente enviesadas. Vieses são 
inclinações. Logo, em várias situações, eles não serão sufi cien-
tes para alterar o pensamento. Achar que tudo está enviesa-
do pode ser considerado, por si só, um novo viés, que tem sido 
chamado de viés da ubiquidade dos vieses: a tendência de en-
xergar vieses em todo canto. Isso também é um erro cognitivo!
Focando especifi camente na prova testemunhal, é inques-
tionável que, muitas vezes, uma testemunha é capaz de forne-
cer informações relevantes sobre um evento que presenciou. 
Por mais que a cognição humana seja limitada, imperfeita e 
falível, o ser humano consegue, muitas vezes, registrar, recu-
perar e transmitir informações com uma precisão satisfatória, 
com uma margem confi ável de veracidade para embasar uma 
decisão judicial.
Porém, a adequada avaliação desse grau de confi abilida-
de da prova testemunhal depende da compreensão dos fatores 
que podem reduzir essa capacidade cognitiva. 
Sem querer ser exaustivo, segue um breve checklist de fa-
tores que podem interferir na precisão da prova testemunhal:
1 Fatores de distração
1.1 O que a testemunha estava fazendo antes e durante 
o evento?
1.2 Havia armas ou outros fatores de distração capazes 
de reduzir a capacidade de percepção da testemunha?
2 Estado Emocional e Cognitivo da Testemunha
2.1 Qual a idade da testemunha?
2.2 A testemunha estava em sua plena capacidade cog-
nitiva?
236
GEORGE MARMELSTEIN
2.3 Houve privação de sono?
2.4 Houve consumo de álcool ou outras drogas?
2.5 Qual o seu nível de estresse? Era muito elevado ao 
ponto de gerar pânico ou medo e prejudicar a acurá-
cia?
2.6 Qual o estado emocional da testemunha durante o 
evento e durante o depoimento?
3 Condições Visuais
3.1 Qual era a condição da iluminação no local em que 
estava a testemunha no momento do evento?
3.2 Qual o seu ângulo de visão?
3.3 Qual era a distância da testemunha para o evento e 
para cada uma das pessoas que participaram do even-
to?
3.4 Havia alguma obstrução ao campo de visão da tes-
temunha?
3.5 O perpetrador era conhecido ou familiar da teste-
munha? A testemunha já tinha visto o perpetrador an-
tes do evento? Com que frequência e em que contexto?
3.6 A testemunha possui uma boa acuidade visual?
3.7 Qual a sua habilidade de reconhecer rostos não fa-
miliares?
3.8 Os participantes eram do mesmo grupo da testemu-
nha (gênero, idade, raça, classe social, etc.)? 
3.9 A capacidade de reconhecimento pode ter sido afe-
tada pelo desprezo cognitivo?
3.10 Os perpetradores estavam com disfarces? Se sim, 
que tipo de disfarces?
4 Complexidade do evento 
4.1 Qual o grau de complexidade do evento?
4.2 Quantas pessoas participaram ativamente?
4.3 Qual a duração do evento? Por quanto tempo o ros-
to do perpetrador fi cou exposto à testemunha?
4.4 Quantos fatos críticos ocorreram durante o evento?
4.5 Pode ter havido transferência inconsciente de iden-
tidades?
237
3MITIGANDO OS RISCOS
5 Esquecimento e contaminação posterior?
5.1 Qual o tempo de demora entre o evento e a recupe-
ração da memória (delay de recuperação)?
5.2 Quantas vezes a testemunha contou aquela histó-
ria?
5.3 A testemunha conversou com outras pessoas, inclu-
sive com outras testemunhas? 
5.4 A testemunha ouviu sobre o mesmo evento de ou-
tras fontes, como policiais ou imprensa, por exemplo? 
5.5 A testemunha viu o retrato falado feito por outras 
testemunhas? 
5.6 Pode ter havido desinformação pós-evento?
5.7 Pode ter havido erro de monitoramento de fontes?
6 Coleta do depoimento e procedimento de identifi ca-
ção
6.1 A testemunha foi estimulada a descrever verbal-
mente as pessoas envolvidas (avaliar o risco de ofusca-
mento verbal)? 
6.2 Qual foi o método de entrevista e identifi cação ado-
tado pela polícia?
6.3 A coleta do depoimento foi devidamente registra-
da?
6.4 Quais foram as instruções dadas à testemunha?
6.5 Qual foi o método de identifi cação utilizado?
6.5.1 Foi utilizado o catálogo de suspeitos, com a expo-
sição a mugshots? Quantas fotos foram mostradas? As 
fotos foram mostradas individualmente ou em grupo? 
O procedimento foi fi lmado? Havia policiais na sala? 
Qual o grau de confiança da testemunha no exato mo-
mento da identifi cação?
6.5.2 Foi utilizado o show-up? Havia policiais presen-
tes? Foi alertado à testemunha que o suspeito poderia 
não ser o criminoso? Foi alertado que a investigação 
prosseguiria independentemente da identifi cação? O 
suspeito estava com roupas que pudessem induzir ao 
viés de vestimenta? A testemunha fi cou à vontade na 
238
GEORGE MARMELSTEIN
identifi cação? Qual o seu grau de confi ança no exato 
momento da identifi cação?
6.5.3 Foi utilizado o lineup? Qual exatamente o proce-
dimento adotado? O alinhamento foi simultâneo ou 
sequencial? Qual o critério para selecionar os fi llers? 
Todos os fi llers se enquadravam nas características 
descritas pela testemunha? O suspeito-alvo se destaca-
va de algum modo? Foi utilizado o duplo-cego ou o ad-
ministrador do lineup sabia quem era o suspeito alvo? 
Foi dado algum feedback à testemunha durante e após 
a identifi cação? Qual foi o tempo de resposta? Houve 
hesitação ou foi uma resposta imediata?
6.6 Qual foi o método utilizado para coletar o depoi-
mento da testemunha? Foram utilizadas perguntas 
fechadas ou abertas? Foram utilizadas perguntas cap-
ciosas? A testemunha foi induzida a confabular ou a fa-
bricar hipóteses? Foi adotada a entrevista cognitiva ou, 
pelo menos, as suas etapas mais importantes? 
6.7 Houve repetição de procedimentos capazes de pro-
duzir contaminação de memória e erro de monitora-
mento de fontes? 
6.8 Houve discrepância entre as informações iniciais 
(inclusive descrição do perpetrador) e os depoimentos 
produzidos posteriormente?
6.9 Qual foi o método de interrogatório usado para ob-
ter uma eventual confi ssão? Foi fi lmado na íntegra? Há 
fatores de risco, como um tempo de duração excessivo, 
o isolamento e a desassistência do acusado, a vulnera-
bilidade e a manipulação psicológica, a apresentação 
de evidências falsas ou inexistentes?
Enfi m, aqui são apenas algumas questões exemplifi cativas 
que podem interferir na qualidade do depoimento e que de-
vem ser levadas em conta na valoração da prova. 
Em conjunto, todas essas variáveis de estimação e de sis-
tema justifi cam uma redefi nição do valor probatório da pro-
va testemunhal no sentido de caracterizá-la como uma prova 
completamente dependente das circunstâncias. 
239
3MITIGANDO OS RISCOS
3.2.2 Redefi nindo o Valor Probatório da Prova Testemu-
nhal
“Convicções são inimigos da verdade mais 
perigosos do que as mentiras” • Nietzsche
A prova testemunhal é, sem dúvida, uma prova importante 
e continuará sendo decisiva em muitos contextos, pois há even-
tos que só podem ser provados por meio de recordações. 
Porém, é preciso mudar o método tradicional de valora-
ção dessa prova. Na prática atual, a valoração da prova tende 
a refl etir alguns pressupostos de senso comum destituídos de 
lastro científi co. A atividade probatória é realizada de forma 
amadora, ingênua e quase intuitiva, havendo um grande défi cit 
de racionalidade na prática forense. Esse défi cit de racionali-
dade leva não apenas a um empobrecimento epistemológico 
da prestação jurisdicional, mas também abre o fl anco para a 
incidência de erros judiciais com sérias repercussões na vida 
de pessoas.
Muitos desses erros decorrem de uma incompreensão do 
funcionamento da mente humana, em particular da memória, 
cujas bases são pressupostos necessários para o desenvolvi-
mento de um método de valoração da prova testemunhal de 
maior qualidade. 
Por isso, para que a prova testemunhal possa ser utiliza-
da como um meio seguro de determinação dos fatos, o rigor 
na sua coleta e na sua análise precisa se aproximar do rigor 
do método científi co, levando em conta todas as variáveis que 
possam afetar o seu valor probatório.
Para perceber melhor essa ideia, basta pensar nas provas 
científi cas tradicionais, como a impressão digital ou o material 
biológico presente na cena do crime. Para evitar contamina-
ção, a investigação se cerca de cuidados para preservar essas 
evidências, seguindo vários protocolos de coleta e análise. O 
descumprimento dessas regras de segurança pode até inutili-
zar por completo a evidência.
O traço de memória que a testemunha carrega em seu 
cérebro também precisa ser tratado como uma espécie de

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