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2022 George Marmelstein TESTEMUNHANDO A INJUSTIÇA A ciência da prova testemunhal e das injustiças inconscientes 225 3 MITIGANDO OS RISCOS “Os erros são quase sempre de uma natureza sagrada. Nunca tente corrigi-los. Pelo contrário: racionalize-os, compreenda-os a fundo. Depois disso, lhe será possível sublimá-los” • Salvador Dalí Vimos como a memória humana tem limitações que podem prejudicar a qualidade do depoimento testemunhal, até mesmo quando a testemunha está bem intencionada. O cérebro, com frequência, apaga algumas lembranças, distorce outras e pre- enche lacunas com inferências nem sempre verdadeiras. A partir de agora, serão apresentadas algumas sugestões para minimizar os riscos derivados das falhas cognitivas e para aprimorar o processo de valoração da prova testemunhal. Antes, porém, será apresentado um arcabouço normativo para demonstrar que já existe uma preocupação do sistema de justiça de mitigar os riscos de falsos testemunhos. A compreensão desse arcabouço normativo nos leva a concluir que o desenvolvimento de um modelo processual que reduza as chances de erros judiciais decorrentes da má valora- ção da prova pode ser considerado como um pilar do sistema de justiça. Ou seja, não estamos aqui pensando necessariamen- te em reforma legislativa, mas em mudança cultural e trans- formação adaptativa de procedimentos e de entendimentos jurisprudenciais para reduzir riscos. A forma como, hoje, a prática jurídica trata a prova teste- munhal pode ser, em muitos aspectos, considerada como vio- ladora do processo justo por não proporcionar uma proteção 226 GEORGE MARMELSTEIN contra erros sistemáticos e previsíveis. Daí a necessidade de aprimorar o sistema de justiça, incorporando os avanços de- correntes das descobertas vindas das ciências cognitivas nas práticas judiciais. 3.1 A ADEQUADA VALORAÇÃO DA PROVA COMO DI- REITO FUNDAMENTAL “Como poderá dormir tranquilamente o juiz, que sabe possuir, num alambique secreto, aquele tóxico sutil que se chama injustiça e do qual uma ligeira fuga pode bastar não só para tirar a vida mas, o que é mais horrível, para dar a uma vida inteira indelével sabor amargo, que doçura alguma jamais poderá consolar?” • Calamandrei O direito a um processo justo é, inquestionavelmente, uma das bases que legitimam o exercício da jurisdição. Para que um processo seja considerado justo, o juiz deve ser independente e imparcial, deve basear seu julgamento em princípios e regras que sejam juridicamente válidos e deve respeitar as garantias processuais, seguindo todas as diretrizes principiológicas que emanam do devido processo. Um olhar sistemático sobre os valores decorrentes do devido processo nos leva a perceber que o sistema jurídico está repleto de instrumentos para mitigar erros judiciais. Mui- tos desses instrumentos foram desenvolvidos especifi camente para diminuir a incidência de distorções na análise probatória, até mesmo na valoração da prova testemunhal. Por exemplo, a publicidade é um importante mecanismo de controle da atividade probatória, na medida em que possi- bilita uma maior accountability dos atos praticados durante a instrução processual, garantido que o exercício da jurisdição seja submetido a um escrutínio público mais amplo e que as partes possam ter acesso aos documentos já autuados. Outro exemplo é o dever de fundamentação e de motiva- ção da decisão judicial, que abrange não apenas a adequada de- fi nição das chamadas questões jurídicas, mas também a correta avaliação motivada das questões de fato. Para a formação de 227 3MITIGANDO OS RISCOS um juízo decisório fundamentado, não basta o convencimento psicológico do juiz, mas a explicitação de parâmetros lógicos e racionais de valoração probatória. Nesse sentido, pode-se dizer que o julgador tem o dever de apresentar razões para justifi car o valor atribuído às provas, dando transparência às premissas fáticas e jurídicas adotadas para a tomada da decisão. A preocupação com a adequada análise dos fatos também se manifesta na garantia do contraditório e da ampla defesa. O direito das partes de serem informadas do andamento processu- al, de não serem surpreendidas, de terem acesso aos elementos dos autos, de participarem dos atos judiciais, de requererem e produzirem provas, de apresentarem razões em favor de suas te- ses, de refutarem a tese contrária e de receberem respostas aos seus argumentos e requerimentos é, antes de mais nada, um di- reito de infl uenciar a convicção do julgador para que não ocorra uma restrição arbitrária de seus direitos. Pode-se dizer que nin- guém pode ter o seu status jurídico diminuído sem que a sua ver- são dos fatos seja devidamente analisada pelo órgão julgador. As regras de distribuição do ônus da prova e, em especial, a presunção de não culpabilidade ou de inocência também sinalizam a busca de um processo alicerçado na justa apre- ciação da prova. É possível inferir a incorporação de um man- damento dirigido ao juiz de respeito a standards probatórios juridicamente aceitáveis, especialmente se a decisão resultar em imputação de responsabilidade com aplicação de sanção. A busca de um sistema processual minimizador de erros factuais também se manifesta com a criação de uma estrutura recursal de múltiplas instâncias, garantido pelo direito ao duplo grau de jurisdição. Os recursos judiciais, muitas vezes, são dota- dos de um efeito devolutivo amplo, possibilitando a revisão de toda a matéria fática debatida, até mesmo com a reavaliação do conjunto probatório apresentado. Há ainda a possibilidade de mitigação do princípio da soberania dos veredictos quando houver contrariedade manifesta da decisão dos jurados com a prova dos autos. Em todo caso, o direito ao recurso também permite o controle procedimental da atividade probatória, pre- vendo-se um sistema de nulidades para garantir que a instrução processual não prejudique arbitrariamente uma das partes. 228 GEORGE MARMELSTEIN De modo ainda mais específi co, a Constituição Federal prevê um verdadeiro direito fundamental à reparação de dano causado por erro judicial. No artigo 5º, inc. LXXV, está expresso que o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que fi car preso além do tempo fi xado na sentença. Para além das garantias constitucionais, existem regras processuais específi cas que reforçam a preocupação do siste- ma jurídico com a qualidade epistêmica da prova, inclusive da prova testemunhal. A esse respeito, o Código de Processo Penal (CPP) estabe- lece, por exemplo, que as testemunhas devem depor perante o juiz e têm o dever de compromisso com a verdade, podendo ser criminalmente punidas por falso testemunho, caso afi rmem falsamente, se calem ou neguem a verdade (art. 211, do CPP). Existem ainda mecanismos para permitir contradita das tes- temunhas ou arguir circunstâncias ou defeitos que as tornem suspeitas de parcialidade, ou indignas de fé (art. 214, do CPP). Assim, testemunhas que tenham interesse na causa ou tenham relações de afi nidade ou parentesco com as partes somente de- verão ser ouvidas em casos excepcionais, e ainda assim com um juízo de desconfi ança, na medida em que são tratadas apenas como informantes, não lhes sendo exigido o dever de compro- misso com a verdade. São previstos ainda limites e condições para a ouvida de testemunhas que tenham o dever de sigilo (art. 207, do CPP), menores de 14 anos, doentes e defi cientes mentais (art. 208, do CPP). A fi m de diminuir os riscos de contaminação, existem re- gras de incomunicabilidade entre as testemunhas, de modo que “umas não saibam nem ouçam os depoimentos umas das ou- tras” (art. 210, do CPP). Há vedação também de perguntas que possam induzir a resposta, reduzindo-se as chances de sugestio- namento ou manipulação na coleta da prova (art. 212, do CPP). É admitida também a acareação, quando houver divergência de declarações dos depoentes sobre fatos ou circunstâncias re- levantes parao julgamento da causa (art. 229 e 230, do CPP). Há também procedimentos de reconhecimento de pessoas que espelham uma preocupação com a redução de erros teste- munhais (por exemplo, o art. 226, do CPP). Embora essas regras 229 3MITIGANDO OS RISCOS estejam muito aquém daquilo que poderia ser considerado como o estado da arte no procedimento de identifi cação, é manifesta a intenção de proporcionar um reconhecimento mais seguro. Por exemplo, o CPP estabelece que “a pessoa, cujo reconheci- mento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de ou- tras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la” (inc. II). A fi m de evitar a conformidade de memória (interferência intersubje- tiva entre duas testemunhas), o art. 228 determina que “se várias forem as pessoas chamadas a efetuar o reconhecimento de pes- soa ou de objeto, cada uma fará a prova em separado, evitando- -se qualquer comunicação entre elas”. Apesar de ser uma pro- teção mínima contra falsas identifi cações, o princípio que a ins- pira visa claramente mitigar erros e vieses no reconhecimento. Os precedentes judiciais, igualmente, tendem a incorporar uma preocupação com a qualidade da prova testemunhal, im- pondo, por exemplo, um dever de desconfi ança em relação aos elementos probatórios colhidos pela autoridade policial du- rante o inquérito, dada a mitigação do contraditório e da am- pla defesa nessa fase investigativa. Há ainda um cuidado com a força probatória dos testemunhos indiretos ou não presenciais, havendo julgados que não admitem a comprovação de culpa com base exclusivamente em depoimentos de pessoas que apenas conhecem o fato “por ouvir dizer” (STJ, REsp 1.674.198/ MG, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, DJE 12/12/2017). Destaque-se ainda a decisão do Superior Tribunal de Jus- tiça que impôs a observância do artigo 226 do CPP, acerca do reconhecimento de pessoas, para afastar a punição contra um acusado que fora condenado com base exclusivamente em re- conhecimento fotográfi co pelas vítimas, realizado durante o inquérito, sem o cumprimento das formalidades legais (STJ, HC 598886/SC, relator Min. Rogério Schietti Cruz, Dj 5/8/2020). O precedente acima citado é um verdadeiro divisor de águas na jurisprudência sobre reconhecimento de pessoas, porque previu dois pré-requisitos para a identifi cação do réu e o reconhecimento da autoria delitiva: (a) a observância das 230 GEORGE MARMELSTEIN formalidades previstas no artigo 226 do CPP13; (b) a corrobora- ção da identifi cação com outras provas colhidas na fase judi- cial, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa. Além disso, o julgado deixou explícita a importância da psicologia do testemunho para a correta valoração da prova. Vale destacar esse ponto: Segundo estudos da Psicologia moderna, são comuns as falhas e os equívocos que podem advir da memória humana e da capacidade de armazenamento de infor- mações. Isso porque a memória pode, ao longo do tem- po, se fragmentar e, por fi m, se tornar inacessível para a reconstrução do fato. O valor probatório do reconhe- cimento, portanto, possui considerável grau de subje- tivismo, a potencializar falhas e distorções do ato e, consequentemente, causar erros judiciários de efeitos deletérios e muitas vezes irreversíveis (STJ, HC 598.886/ SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TUR- MA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). No Supremo Tribunal Federal, também é possível encon- trar decisões que utilizam o conhecimento das ciências cogni- tivas para minimizar os riscos de erro judicial. Por exemplo, os precedentes que reconhecem a nulidade do julgamento quan- do o acusado é apresentado aos jurados de algemas ou vestin- do roupas de presidiários fundamentam-se, em última análise, na compreensão de que os jurados podem se tornar enviesa- dos ao verem um réu com esses adereços. Acredita-se que as 13. Eis a parte relevante da ementa: “O reconhecimento de pessoas deve, portanto, observar o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se vê na condição de suspeito da prática de um crime, não se tratando, como se tem compreendi- do, de "mera recomendação" do legislador. Em verdade, a inobservância de tal procedimento enseja a nulidade da prova e, portanto, não pode servir de lastro para sua condenação, ainda que confi rmado, em juízo, o ato realizado na fase inquisitorial, a menos que outras provas, por si mesmas, conduzam o magistra- do a convencer-se acerca da autoria delitiva. Nada obsta, ressalve-se, que o juiz realize, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório” (STJ, HC 598.886/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 27/10/2020, DJe 18/12/2020). 231 3MITIGANDO OS RISCOS algemas ou as roupas de presidiários possam criar na mente dos jurados um sugestionamento que aumente a percepção de culpabilidade ou de periculosidade do réu. Essa ideia foi explicitamente mencionada pelo Supremo Tribunal Federal ao acolher a tese da anulação do júri pela apresentação do réu de algemas: “o julgamento no Júri é pro- cedido por pessoas leigas, que tiram as mais variadas ilações do quadro verifi cado. A permanência do réu algemado indica, à primeira visão, cuidar-se de criminoso da mais alta pericu- losidade, desequilibrando o julgamento a ocorrer, fi cando os jurados sugestionados” (STF, HC 91952, voto do rel. Min. Marco Aurélio, j. 19-12-2008). Todo esse arcabouço jurídico nos permite concluir que o processo judicial intenciona ser um método seguro, controlá- vel e não arbitrário de determinação de fatos, cercando-se de diversos cuidados epistêmicos e constrangimentos processuais para minimizar a probabilidade de erros judiciais. Pode-se dizer, assim, que o sistema jurídico ambiciona não apenas incorporar uma pretensão de justiça, mas também uma pretensão de veracidade, no sentido de que almeja que as decisões sejam baseadas em premissas fáticas que se apro- ximem tanto quanto possível da realidade, respeitados limites de admissão, produção e valoração das provas, além de outros constrangimentos específi cos do método jurídico. A pretensão de veracidade signifi ca, em última análise, que os julgamentos devem buscar uma correspondência com o con- junto probatório (veracidade interna) e que o conjunto probató- rio seja factível com a realidade “lá fora” (veracidade externa). Mas esse quadro normativo pode ser enganador se não confrontarmos o direito do papel com o direito da realidade. O sistema de justiça, aparentemente, está sempre em busca de aprimorar seus métodos, mas isso não signifi ca que o modelo vigente já alcançou níveis satisfatórios de qualidade. Na verda- de, é possível constatar em enorme descompasso entre aquilo que é praticado e aquilo que é considerado como o estado da arte nos debates científi cos. Por isso, é preciso sempre refl etir criticamente sobre o sistema de justiça e acompanhar de perto 232 GEORGE MARMELSTEIN os avanços científi cos que possam contribuir para aprimorar o exercício da jurisdição. Nesse sentido, conhecer e aplicar estratégias efi cientes de desenviesamento para basear as decisões em provas mais sólidas é um pressuposto do processo justo e uma condição ne- cessária para a redução de tantos erros judiciais que são prati- cados cotidianamente. 3.2 DESENVIESANDO A PROVA TESTEMUNHAL “Sê o dono das tuas inclinações” • Marco Aurélio Partindo do pressuposto de que existe um dever jurídico de minimizar riscos que possam levar a erros judiciais, agora é hora de extrair algumas lições mais concretas sobre o que podemos fazer a respeito das falhas cognitivas relacionadas à prova testemunhal. A abordagem focará cinco pontos: (a) mapeamento dos riscos cognitivos que podem afetar a qualidade do testemunho; (b) redefi nição do valor probatório da prova testemunhal; (c) construção de um programade pedagogia do erro; (d) aprimo- ramento do sistema de coleta de depoimentos; (e) aprimora- mento do sistema de reconhecimento de suspeitos. 3.2.1 Mapeando os Riscos “As pessoas que estão conscientes e envergonhadas de seus vieses e preconceitos estão no caminho certo para eliminá-los” – Gordon Allport O ponto de partida de qualquer estratégia de desenviesa- mento é perceber que as falhas cognitivas existem e que elas decorrem de uma forma de pensar efi ciente, porém imperfeita. É um equívoco relacionar os erros cognitivos às falhas de cará- ter, à inexperiência ou à falta de inteligência. Qualquer pessoa, por mais honesta e bem preparada, está sujeita a realizar esco- lhas equivocadas por infl uência de vieses cognitivos. 233 3MITIGANDO OS RISCOS Reconhecer que os vieses cognitivos ocorrem por uma natural característica do pensamento humano não nos legiti- ma a adotar uma postura fatalista ou conformista para acei- tá-los passivamente, especialmente no contexto do sistema de justiça, onde os impactos das decisões enviesadas podem ser desastrosos e são capazes de gerar falsas condenações, falsas absolvições e soluções arbitrárias. Apesar de não serem intencionais, os vieses cognitivos são previsíveis e sistemáticos, no sentido de que se repetem consis- tentemente em dados contextos. Isso signifi ca que é possível apontar alguns fatores e circunstâncias que aumentam a pro- babilidade de sua ocorrência e até prever quando as pessoas tenderão a ser afetadas por eles. Daí porque é plenamente possível catalogar os vieses cogni- tivos mais comuns, tentando compreender a sua lógica, a sua es- trutura explicativa e as condições de sua incidência. Quando en- tendemos a lógica por trás de cada um dos vieses, torna-se muito mais fácil identifi car a origem do problema e agir para mitigá-lo. Como se viu, as ciências cognitivas têm avançado bastante nessa seara, identifi cando e sistematizando diversos vieses capa- zes de prejudicar o pensamento, até mesmo no contexto jurídico. Há vieses que decorrem de uma limitação da mente hu- mana em sua capacidade de processar todas as informações relevantes, gerando falhas de atenção, de percepção e de jul- gamento. Outros que derivam de uma busca de um conforto cognitivo, alimentados por atitudes, emoções e crenças que orientam o pensamento em direção à confi rmação de expec- tativas. Outros de um processo de categorização equivocada e de associações implícitas e automáticas, que levam a genera- lizações apressadas e infundadas. Outros de infl uências sociais que estimulam um comportamento de rebanho (conformação e obediência) e um desejo de aceitação, e assim por diante. A pesquisa na área cresce cada vez mais. O desenho abaixo é uma versão em baixa resolução de um Cognitive Bias Codex, desenhado por John Manoogian III, contendo 188 vieses cog- nitivos já catalogados, com a respectiva explicação em inglês. Vale conferir: 234 GEORGE MARMELSTEIN C Ó D IC E D E VI ÉS C O G N IT IV O D em as ia da In fo rm aç ão Se m S ig ni fic ad o Su fic ie nt e Pr ec is a D e A gi r R ap id am en te D o Q ue N os D ev em os L em br ar ? Heurística de disponibilidade Viés atencional Efeito de verdade ilusória Efeito de mera exposição Efeito contextual Esquecimento dependente Memória dependente de estado Ilusão de frequência Fenómeno Baader-Meinhof Lacuna de empatia Viés de omissão Falácia da frequência base R ep ar am os e m c oi sa s já re gi st ad as n a m em ór ia o u re pe tid as m ui ta s ve ze s Efeito do bizarro Efeito do humor Efeito Von Restordd Efeito da superioridade da imagem Efeito da auto-relevância Viés da negatividade C oi sa s bi za rra s, e ng ra ça da s, v is ua lm en te ca tiv an te s ou a nt ro po rm óf ic as d es ta ca m -s e m ai s do q ue c oi sa s nã o bi za rra s/ se m g ra ça Efeito de ancoragem Conserva tism o Efeito de co ntra ste Viés de di stin çã o Efei to de fo ca ge m Efei to de em old ura men to Ilu sã o m on etá ria Le i d e W eb er- Fe ch ne r R ep ar am os q ua nd o al gu m a co is a m ud ou Vi és de co nfi rm aç ão Vi és de co ng ru ên cia Ra cio na liz aç ão p ós -c om pr a Vi és d e ap oio à e sc olh a Pe rc ep çã o se let iva Ef eit o da e xp ec ta tiv a do o bs er va do r Vi és d o ex pe rim en ta do r Ef ei to d o ob se rv ad or Vi és d a ex pe ct at iva Ef ei to d a av es tru z Va lid aç ão s ub je ct iva Ef ei to d e in flu ên ci a co nt in ua da R ef le xo d e Se m m el w ei s So m os a tra íd os p or p or m en or es qu e co nf irm am a s no ss as c re nç as a nt er io re s Vi és d o po nt o ce go C in ic is m o in gé nu o R ea lis m o in gé nu o R ep ar am os e m fa lh as n os o ut ro s m ai s fa ci lm en te d o qu e em n ós p ró pr io s C on fa bu la çã o Ilu sã o de a gr up am en to In se ns ib ilid ad e ao ta m an ho d a am os tra N eg lig ên ci a de p ro ba bi lid ad e Fa lá ci a da e vi dê nc ia a ne dó tic a Ilu sã o de v al id ad e Fa lá ci a do m as ca ra do Ilu sã o re ce nt is ta Fa lá ci a do a po st ad or Fa lá ci a da m ão q ue nt e C or re la çã o ilu só ria Pa re id ol ia An tro po m or fis m o Te nd em os a e nc on tra r h is tó ria s e pa dr õe s m es m o qu an do o lh an do pa ra d ad os d is pe rs os Er ro d e at rib ui çã o de g ru po Er ro d e at rib ui çã o úl tim o Es te re ot ip ag em Es se nc ia lis m o Fi xa çã o fu nc io na l Ef ei to c re de nc ia l m or al Hi pó te se d o m un do ju st o Ar gu m en tu m a d log ica m Vi és d e au to rid ad e Vi és d e au to m aç ão Ef eit o ad es ão Ef eit o p lac eb o Pr ee nc he m os c ar ac te rís tic as a pa rti r d e es te rió tip os , g en er al iz aç õe s, e hi st ór ia s Efei to de ho mog en eid ad e d e e xo gr up o Efei to de ra ça cr uz ad a Fav ori tis mo i ntr ag rup al Efei to ha lo Efei to líd er de cl aq ue Efei to de po siti vid ad e Não In ventado Aqui Desva loriza ção re ativa Efeito da estra da bem co nhecid a Im ag in am os c oi sa s e pe ss oa s qu e co nh ec em os o u es tim am os co m o m el ho re s Contabilidade mental Falácia do apelo à probabilidade Viés da normalidade Lei de Murphy Viés da soma-zero Viés de sobrevivência Efeito de subaditividade Efeito de denominação O número mágico 7 ± 2 Si m pl ifi ca m os p ro ba bi lid ad es d e nú m er os pa ra s er m ai s fá ci l p en sa r n el es Ilusão de transparência Maldição do conhecimento Efeito spotlight Erro dos incentivos extrínsecos Ilusão de agência externa Ilusão de insight assimétrico Pe ns am os s ab er o q ue ou tra s pe ss oa s es tã o a pe ns ar Efeito telescopia Retrospectiva idílica Viés de retrospectiva Viés de resultado Sorte moral Declinismo Viés de impacto Viés de pessimismo Falácia do planeamento Viés da poupança de tempo Viés pró-inovação Viés da projeção Viés de autocontrolo Viés de auto-consistência Pr oj et am os o n os so e st ad o de e sp íri to e pr es su po st os p ar a o pa ss ad o e fu tu ro Efeito de excesso de confiança Viés de desejabilidade social Efeito da terceira pessoa Efeito do falso consenso Efeito difícil-fá cil Efeito Lago Wobegone Efeito Dunning-Kruger Viés e gocêntric o Viés o ptim ista Efeito Forer Efeito Barnum Viés da au toc on ve niê nc ia Viés at or- ob se rva do r Ilu sã o d e c on tro lo Sup eri ori da de ilu só ria Erro de at rib uiç ão fu ndam en tal Hipó tes e d e a trib uiç ão de fen siv a Vi és de at rib uiç ão de ca ra cte rís tic as Ju sti fic aç ão do es for ço Co m pe ns aç ão d e ris co Ef eit o Pe ltz m an Pa ra a gi r, de ve m os te r c on fia nç a qu e po de m os te r u m im pa ct o e se nt ir qu e o qu e fa ze m os im po rta Pr ef er ên cia h ipe rb óli ca Ap el o à no vid ad e Ef ei to d e ví tim a id en tif icá ve l Pa ra m an te r-s e fo ca do , f av or ec em os a co is a im ed ia ta , r el ac io ná ve l à no ss a fre nt e Fa lá cia d o cu st o irr ec up er áv el Es ca la da ir ra cio na l Es ca la da d e co m pr om et im en to Ef ei to g er ac io na l Av er sã o à pe rd a Ef ei to IK EA Vi és d e un id ad e Vi és d o ris co z er o Ef ei to d e di sp os iç ão Ef ei to d e ps eu do ce rte za Ef ei to d e di fic ul da de d e pr oc es sa m en to Ef ei to d ot aç ão Ef ei to ti ro -p el a- cu la tra Pa ra te rm in ar c oi sa s, te nd em os a co m pl et ar c oi sa s em q ue in ve st im os te m po e e ne rg ia Ju st ifi ca çã o do s is te m a Ps ic ol og ia re ve rs a R ea tâ nc ia p si co ló gi ca Ef ei to c ha m ar iz Ef ei to c om pa ra çã o so ci al Vi és d o st at us q uo Pa ra e vi ta r e ng an os , te nt am os p re se rv ar a ut on om ia e st at us d e gr up o, e e vi ta r de ci sõ es ir re ve rs ív ei s Vi és d a am bi gu id ad e Vi és d e in fo rm aç ão Vi és d e cr en ça Ef ei to ri m a co m o ra zã o Ef ei to a lp en dr e da s bi cic le ta s Le i d a tri via lid ad e Fa lá cia d a co nj un çã o Na va lh a de O cc am Ef ei to m en os é m el ho r Fa vo re ce m os o pç õe s qu e pa re ce m s im pl es e in fo rm aç ão c om pl et a so br e op çõ es c om pl ex as e a m bí gu as Fa lsa a tri bu içã o de m em ór ia Co nf us ão d a fo nt e Cr ipt om né sia Mem ór ia fal sa Su ge sti on ab ilid ad e Efei to do es pa ça men to Ed ita m os e re fo rç am os al gu m as m em ór ia s ap ós o fa ct o Ass oc iaç ão im plí cit a Este reó tip os im plí cit os Viés es ter iot ípi co Prec on ce ito Viés d e negativi dade Viés d e apagamento de afeto D es ca rta m os d et al he s pa ra g en er al iz ar Regra de fim -do-pico Nivelar e afiar Efeito da desinformação Efeito de recuperação em série Efeito do comprimento da lista Negligência da duração Efeito da modalidade Inibição de memória Efeito de primazia Efeito do mais recente Efeito da pista parcial Efeito da posição em sérieEfeito sufixo R ed uz im os e ve nt os e li st as ao s se us e le m en to s- ch av e Efeito de níveis de processamentoDistraçãoEfeito de testagemEfeito do seguinte na fila Efeito Google Fenómeno ponta da língua G ua rd am os m em ór ia s de m od o di fe re nt e ba se ad os n o m od o co m o fo ra m e xp er ie nç ad as The Cognitive Bias Codex, de J Mannogian III. A versão em altíssima resolução pode ser vista em: tinyurl.com/thebiascodex 235 3MITIGANDO OS RISCOS Ao longo de todo este livro, vimos diversos vieses cogni- tivos (variáveis de estimação e de sistema) que podem afetar a credibilidade e a confi abilidade da prova testemunhal, ten- tando apontar as possíveis explicações para a sua ocorrência. Apesar de abrangente, as ideias aqui compiladas constituem apenas a ponta do iceberg de um conhecimento muito mais vasto. Mas não podemos cometer o erro de achar que todas as decisões humanas são necessariamente enviesadas. Vieses são inclinações. Logo, em várias situações, eles não serão sufi cien- tes para alterar o pensamento. Achar que tudo está enviesa- do pode ser considerado, por si só, um novo viés, que tem sido chamado de viés da ubiquidade dos vieses: a tendência de en- xergar vieses em todo canto. Isso também é um erro cognitivo! Focando especifi camente na prova testemunhal, é inques- tionável que, muitas vezes, uma testemunha é capaz de forne- cer informações relevantes sobre um evento que presenciou. Por mais que a cognição humana seja limitada, imperfeita e falível, o ser humano consegue, muitas vezes, registrar, recu- perar e transmitir informações com uma precisão satisfatória, com uma margem confi ável de veracidade para embasar uma decisão judicial. Porém, a adequada avaliação desse grau de confi abilida- de da prova testemunhal depende da compreensão dos fatores que podem reduzir essa capacidade cognitiva. Sem querer ser exaustivo, segue um breve checklist de fa- tores que podem interferir na precisão da prova testemunhal: 1 Fatores de distração 1.1 O que a testemunha estava fazendo antes e durante o evento? 1.2 Havia armas ou outros fatores de distração capazes de reduzir a capacidade de percepção da testemunha? 2 Estado Emocional e Cognitivo da Testemunha 2.1 Qual a idade da testemunha? 2.2 A testemunha estava em sua plena capacidade cog- nitiva? 236 GEORGE MARMELSTEIN 2.3 Houve privação de sono? 2.4 Houve consumo de álcool ou outras drogas? 2.5 Qual o seu nível de estresse? Era muito elevado ao ponto de gerar pânico ou medo e prejudicar a acurá- cia? 2.6 Qual o estado emocional da testemunha durante o evento e durante o depoimento? 3 Condições Visuais 3.1 Qual era a condição da iluminação no local em que estava a testemunha no momento do evento? 3.2 Qual o seu ângulo de visão? 3.3 Qual era a distância da testemunha para o evento e para cada uma das pessoas que participaram do even- to? 3.4 Havia alguma obstrução ao campo de visão da tes- temunha? 3.5 O perpetrador era conhecido ou familiar da teste- munha? A testemunha já tinha visto o perpetrador an- tes do evento? Com que frequência e em que contexto? 3.6 A testemunha possui uma boa acuidade visual? 3.7 Qual a sua habilidade de reconhecer rostos não fa- miliares? 3.8 Os participantes eram do mesmo grupo da testemu- nha (gênero, idade, raça, classe social, etc.)? 3.9 A capacidade de reconhecimento pode ter sido afe- tada pelo desprezo cognitivo? 3.10 Os perpetradores estavam com disfarces? Se sim, que tipo de disfarces? 4 Complexidade do evento 4.1 Qual o grau de complexidade do evento? 4.2 Quantas pessoas participaram ativamente? 4.3 Qual a duração do evento? Por quanto tempo o ros- to do perpetrador fi cou exposto à testemunha? 4.4 Quantos fatos críticos ocorreram durante o evento? 4.5 Pode ter havido transferência inconsciente de iden- tidades? 237 3MITIGANDO OS RISCOS 5 Esquecimento e contaminação posterior? 5.1 Qual o tempo de demora entre o evento e a recupe- ração da memória (delay de recuperação)? 5.2 Quantas vezes a testemunha contou aquela histó- ria? 5.3 A testemunha conversou com outras pessoas, inclu- sive com outras testemunhas? 5.4 A testemunha ouviu sobre o mesmo evento de ou- tras fontes, como policiais ou imprensa, por exemplo? 5.5 A testemunha viu o retrato falado feito por outras testemunhas? 5.6 Pode ter havido desinformação pós-evento? 5.7 Pode ter havido erro de monitoramento de fontes? 6 Coleta do depoimento e procedimento de identifi ca- ção 6.1 A testemunha foi estimulada a descrever verbal- mente as pessoas envolvidas (avaliar o risco de ofusca- mento verbal)? 6.2 Qual foi o método de entrevista e identifi cação ado- tado pela polícia? 6.3 A coleta do depoimento foi devidamente registra- da? 6.4 Quais foram as instruções dadas à testemunha? 6.5 Qual foi o método de identifi cação utilizado? 6.5.1 Foi utilizado o catálogo de suspeitos, com a expo- sição a mugshots? Quantas fotos foram mostradas? As fotos foram mostradas individualmente ou em grupo? O procedimento foi fi lmado? Havia policiais na sala? Qual o grau de confiança da testemunha no exato mo- mento da identifi cação? 6.5.2 Foi utilizado o show-up? Havia policiais presen- tes? Foi alertado à testemunha que o suspeito poderia não ser o criminoso? Foi alertado que a investigação prosseguiria independentemente da identifi cação? O suspeito estava com roupas que pudessem induzir ao viés de vestimenta? A testemunha fi cou à vontade na 238 GEORGE MARMELSTEIN identifi cação? Qual o seu grau de confi ança no exato momento da identifi cação? 6.5.3 Foi utilizado o lineup? Qual exatamente o proce- dimento adotado? O alinhamento foi simultâneo ou sequencial? Qual o critério para selecionar os fi llers? Todos os fi llers se enquadravam nas características descritas pela testemunha? O suspeito-alvo se destaca- va de algum modo? Foi utilizado o duplo-cego ou o ad- ministrador do lineup sabia quem era o suspeito alvo? Foi dado algum feedback à testemunha durante e após a identifi cação? Qual foi o tempo de resposta? Houve hesitação ou foi uma resposta imediata? 6.6 Qual foi o método utilizado para coletar o depoi- mento da testemunha? Foram utilizadas perguntas fechadas ou abertas? Foram utilizadas perguntas cap- ciosas? A testemunha foi induzida a confabular ou a fa- bricar hipóteses? Foi adotada a entrevista cognitiva ou, pelo menos, as suas etapas mais importantes? 6.7 Houve repetição de procedimentos capazes de pro- duzir contaminação de memória e erro de monitora- mento de fontes? 6.8 Houve discrepância entre as informações iniciais (inclusive descrição do perpetrador) e os depoimentos produzidos posteriormente? 6.9 Qual foi o método de interrogatório usado para ob- ter uma eventual confi ssão? Foi fi lmado na íntegra? Há fatores de risco, como um tempo de duração excessivo, o isolamento e a desassistência do acusado, a vulnera- bilidade e a manipulação psicológica, a apresentação de evidências falsas ou inexistentes? Enfi m, aqui são apenas algumas questões exemplifi cativas que podem interferir na qualidade do depoimento e que de- vem ser levadas em conta na valoração da prova. Em conjunto, todas essas variáveis de estimação e de sis- tema justifi cam uma redefi nição do valor probatório da pro- va testemunhal no sentido de caracterizá-la como uma prova completamente dependente das circunstâncias. 239 3MITIGANDO OS RISCOS 3.2.2 Redefi nindo o Valor Probatório da Prova Testemu- nhal “Convicções são inimigos da verdade mais perigosos do que as mentiras” • Nietzsche A prova testemunhal é, sem dúvida, uma prova importante e continuará sendo decisiva em muitos contextos, pois há even- tos que só podem ser provados por meio de recordações. Porém, é preciso mudar o método tradicional de valora- ção dessa prova. Na prática atual, a valoração da prova tende a refl etir alguns pressupostos de senso comum destituídos de lastro científi co. A atividade probatória é realizada de forma amadora, ingênua e quase intuitiva, havendo um grande défi cit de racionalidade na prática forense. Esse défi cit de racionali- dade leva não apenas a um empobrecimento epistemológico da prestação jurisdicional, mas também abre o fl anco para a incidência de erros judiciais com sérias repercussões na vida de pessoas. Muitos desses erros decorrem de uma incompreensão do funcionamento da mente humana, em particular da memória, cujas bases são pressupostos necessários para o desenvolvi- mento de um método de valoração da prova testemunhal de maior qualidade. Por isso, para que a prova testemunhal possa ser utiliza- da como um meio seguro de determinação dos fatos, o rigor na sua coleta e na sua análise precisa se aproximar do rigor do método científi co, levando em conta todas as variáveis que possam afetar o seu valor probatório. Para perceber melhor essa ideia, basta pensar nas provas científi cas tradicionais, como a impressão digital ou o material biológico presente na cena do crime. Para evitar contamina- ção, a investigação se cerca de cuidados para preservar essas evidências, seguindo vários protocolos de coleta e análise. O descumprimento dessas regras de segurança pode até inutili- zar por completo a evidência. O traço de memória que a testemunha carrega em seu cérebro também precisa ser tratado como uma espécie de