Prévia do material em texto
Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 E61 Entendendo a dor / coordenação, Newton Barros ; organiza dor, Newton Barros. – Porto Alegre : Artmed, 2014. 135 p. : il. ; 21 cm. – (Temas de Prevenção em Saúde) ISBN 978-85-8271-019-7 1. Medicina. 2. Dor. I. Barros, Newton. CDU 616.8-009.7 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 NOTA A medicina é uma ciência em constante evolução. À medida que novas pesquisas e a expe riência clínica ampliam o nosso conhecimento, são necessárias modificações no tratamento e na farmacoterapia. O organi- zador/coautores desta obra consultaram as fontes consideradas confiá- veis, num esforço para oferecer informações completas e, geralmente, de acordo com os padrões aceitos à época da publicação. Entretanto, tendo em vista a possibilidade de falha humana ou de alterações nas ciên cias médicas, os leitores devem confirmar estas informações com outras fontes. Por exemplo, e em particular, os leitores são aconselhados a conferir a bula de qualquer medicamento que pretendam adminis- trar, para se certificar de que a informação contida neste livro está correta e de que não hou ve alteração na dose recomendada nem nas contraindicações para o seu uso. Essa recomendação é particularmente importante em relação a medicamentos novos ou raramente usados. Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 AFINAL, EXISTE DOR 10 BOA E DOR RUIM? Nenhuma dor pode ser considerada boa, porém, do ponto de vista da sua finalidade, podemos dizer que sim, existe a dor boa e a dor ruim. A dor boa, a dor aguda, tem a finalidade de proteção do organismo e sinaliza algo de errado que precisa ser corrigido. A dor crônica é uma dor ruim, pois não tem qualquer finalidade protetora e a sua presença é negativa para os indivíduos pelos inúmeros problemas de ordem física, emocional e social que acarretam. Mesmo a dor aguda, se muito intensa, continuada ou repetida frequentemente, pode ser prejudicial ao organismo e precisa ser tratada de forma adequada. Exemplo desta é a dor pós-operatória que imobiliza a pessoa na cama favorecendo trombose nas veias das pernas, ou, pela dificuldade em respirar fundo, ventila menos os pulmões, acumulando secreções que podem causar pneumonia. Percebe-se que nos exemplos anteriores, a cirurgia pode ter sido um sucesso, mas as complicações provocadas pela dor podem se tornar graves ou, no mínimo, prolongar o período dentro do hospital para tratamento. 3 DIFERENÇAS ENTRE DOR AGUDA E DOR CRÔNICA Newton Barros ? Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 32 11 DOR AGUDA E DOR CRÔNICA, QUAL É A DIFERENÇA? A primeira diferença entre dor aguda e dor crônica é a duração do problema. Qualquer dor que persiste por mais de três meses é consi- derada dor crônica. Mas não fica por aí, elas são diferentes em quase tudo, desde os mecanismos envolvidos no sistema nervoso, às consequências para o organismo e até no tipo de tratamento indicado (Quadro 3.1). Frequentemente dor crônica foi uma dor aguda não tratada corretamente, ou no tempo certo, ou que aconteceu em pessoa predisposta a desenvolver dor crônica. Conforme já mencionado, independentemente de onde aconteceu a lesão ou doença que causou a dor, um sinal percorre os nervos até o cérebro. Então, na verdade, é o cérebro que percebe a dor e é onde ela fica registrada, causando alterações na “química cerebral”, semelhantemente ao que acontece quando se memoriza alguma informação. E como é no cérebro que as emoções também se manifestam, não é difícil entender as relações entre uma dor persis- tente (crônica) e as alterações do estado emocional que ocorrem nas pessoas que sofrem do problema. Da mesma forma, qualquer situação que provoque uma perturbação emocional tende a piorar a dor, uma vez que ambas estão relacionadas, conforme lembra o conceito da Associação Internacional para o Estudo da Dor que diz ser a dor “uma experiência sensitiva e emocional desagradável”. Outra consequência da dor crônica é que, com o passar do tempo, as pessoas tendem a ficar cada vez mais isoladas, pois, em razão da dor, QUADRO 3.1 • DIFERENÇAS ENTRE DOR AGUDA E DOR CRÔNICA DOR AGUDA DOR CRÔNICA Duração menor do que 3 meses Duração maior do que 3 meses Sinaliza ocorrência de uma lesão Ela é a própria doença Desaparece após tratar a causa Permanece por tempo prolongado Tratamento com analgésicos Tratamento por equipe multiprofissional Causa sofrimento emocional e social ? Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 33 QUADRO 3.2 • EXEMPLOS DE CAUSAS DE DOR AGUDA E CRÔNICA DOR AGUDA DOR CRÔNICA Dor pós-operatória Enxaqueca Dor de dente Dor na coluna Cólica renal Dores articulares por reumatismos Dor de uma fratura Fibromialgia ? perdem o interesse de sair de casa, encontrar amigos ou ir a lugares públicos. A dor persistente também limita o convívio social quando torna o indivíduo incapacitado para o trabalho, o que reduz a convi- vência com amigos e colegas. As limitações ocasionadas pela dor e a queixa persistente podem ser fontes de conflito na família e entre casais, colocando outros componentes no problema. A inatividade física por causa da dor leva à atrofia muscular, tendo em vista que músculos sem atividade também ficam doloridos e podem ter pontos de contratura, o que piora a dor. Soma-se a tudo isso o uso de múltiplos medicamentos e seus efeitos indesejáveis (colaterais) que podem causar uma série de problemas como alteração na função dos rins, na pressão arterial, no estômago, na memória e até ocasionar dependência. Em razão disso, a dor crônica é considerada uma doença, com múltiplas manifestações e incapacidades, necessitando tratamento específico e atendimento por uma equipe multidisciplinar treinada e experiente. No Quadro 3.2 são listados alguns exemplos de causas de dor aguda e crônica. ENTÃO A DOR É 12 UMA DOENÇA? Enquanto a dor aguda sinaliza algo errado e, portanto, a sua função é tão somente como um “sinal vermelho” e protege contra algum pro- blema, a dor crônica não tem uma função determinada ou protetora do organismo. Portanto, ela é entendida como a própria doença, e o tratamento é dirigido para o alívio da dor exclusivamente. Aqui pode surgir a dúvida no leitor, e há quem se pergunte: "Como assim, tratar a dor sem descobrir a causa?" Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 34 Embora possam existir situações em que a cura não seja possível, para o alívio dos sintomas sempre haverá alternativas. Uma pessoa pode viver razoavelmente com o “desgaste” nas articulações das vér- tebras da coluna, desde que a dor consequente do problema possa ser minimizada. O portador de enxaqueca que tenha uma crise forte por semana vive melhor com crises mais fracas e menos frequentes, mesmo que não seja possível a cura da enfermidade. A qualidade de vida de uma pessoa com câncer incurável pode ser melhorada se a dor provocada pela doença for minimizada. Dessa forma, a avaliação do nível de dor, a atenção ao problema e ao seu alívio são de máxima importância, tanto quanto os esforços para curar uma doença. 13 TENHO DOR DOS PÉS À CABEÇA. AFINAL, O QUE EU TENHO? Existem pessoas que, ao chegar diante do médico, relatam que têm dor em todo o corpo e “até na alma”. Na clínica de tratamento da dor é comum ouvir-se outra frase: “essa é a última tentativa de tratamento que eu faço, pois aqui é a única esperança que tenho e, se eu não melhorar, desisto de tudo”. São pessoas que já consultaram muitos médicos, fizeram tratamentos variados, tiveram intolerância a alguns medicamentos, efeitos nega- tivos de outrose complicações de cirurgias ou procedimentos. Estão debilitados, com insônia, dificuldade para caminhar ou para certos movimentos, incapazes para o trabalho e mesmo para atividades do- mésticas. Muitas vezes eles são motivo de preocupação dos familiares ? Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 35 e, em outras, fonte de brigas e litígios na família porque são muito queixosos e necessitados de atenção constante. Contam que a sua dor começou em alguma parte do corpo e, com o passar do tempo, foi se generalizando. Estão, portanto, com várias incapacidades: física (não conseguem trabalhar), emocional (quadros de ansiedade e depressão) e social (permanecem isolados). Depois de tudo isso, ainda trazem consigo todos os exames de sangue e radiológicos feitos, inconclusi- vos, solicitando novos e mais modernos que possibilitem esclarecer de uma vez por todas a causa do seu problema. Diante desse quadro, depois da coleta das informações, o exame clíni- co pode trazer vários subsídios para confirmar o que está acontecendo sem necessidade de um novo exame complementar. É necessário, portanto, iniciar um tratamento que envolva as partes física e emocional dessa pessoa, pois o que está causan- do as incapacidades é a dor e a doença, neste caso, é a dor crônica. POR QUE ALGUMAS 14 PESSOAS DESENVOLVEM DOR CRÔNICA E OUTRAS NÃO? O estado atual do conhecimento permite considerar que múltiplas situações estão implicadas na origem da dor crônica. Cada pessoa reage de forma diferente quando sente algum tipo de dor, e, de acor- do com pesquisadores, o tipo e a forma dessa reação é baseada em experiências da infância. Um estudo mostrou que crianças de 3 a 7 anos experimentam de dois a três episódios de dor por dia, devido a quedas e pequenos traumatismos, e quanto maior o número deles, mais sensíveis à dor elas vão se tornando. Outro estudo observou crianças que se machucavam brincando em um playground e as condutas das respec- tivas mães que as acompanhavam. Algumas mães tinham atitudes de superproteção, pois pegavam a criança no colo, lavavam o local da batida e a levavam para casa para passar antisséptico, interrompendo a brincadeira; outras minimizavam o problema (limpavam o local do ferimento com a mão, dizendo: “não foi nada, continue brincando”); ? Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 36 ? ou encorajavam a criança (“seja forte e volte a brincar”). Esse estudo concluiu que a conduta da mãe contribui para que a criança aprenda a reagir diante de situações que ocasionem dor, isto é, umas serão mais preocupadas com o problema e outras não darão muita impor- tância. Uma criança que esteja observando a cena de longe recebe a mesma mensagem que irá influenciar nas suas reações futuras à dor. A criança aprende, portanto, pela observação dos pais ou quem esteja próximo, e isso acontece também com outros problemas de saúde, como estar frequentemente realizando exames ou consultando mé- dicos por medo de alguma doença. Uma criança criada em uma casa onde alguém vive se queixando de dor pode também desenvolver o mesmo problema pela simples observação continuada da conduta daquela pessoa. A possível influência genética para a ocorrência de casos de dor crônica na mesma família tem sido sugerida por estudos científicos nos últimos anos. Fora isso, em aproximadamente 1/3 dos portadores de dor crônica, o início foi uma dor aguda que, persistindo, transformou-se em dor crônica, provavelmente por tratamento insu- ficiente e uso de analgésicos em doses não efetivas. Um exemplo é a dor pós-operatória que, em certos tipos de cirurgias, pode tornar-se crônica em até 50% dos casos. Os conflitos familiares ou no trabalho, assim como outros estressores, tais como maus tratos e situações de abuso sexual podem funcionar como precipitantes de dor crônica. 15 EXISTE CURA PARA UMA DOR CRÔNICA? Quando se fala que uma doença é crônica, significa que ela tem evolução prolongada e que provavelmente não seja possível curá-la. Por outro lado, não é possível afirmar que de- terminada situação é incurável até que sejam esgotadas todas as possibilidades de trata- mento ou que surja algum avanço no conheci- mento que sugira algo diferente do praticado na atualidade. No que se refere às pessoas com dor crônica, especialmente aquelas com Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 EN TE N D EN D O A D O R D IF ER EN ÇA S EN TR E D O R A G U D A E D O R C R Ô N IC A 37 longo tempo de dor (anos ou décadas), sabe-se que a possibilidade de algum tratamento que faça nunca mais sentir aquela dor é muito improvável. Nesses casos, as pessoas devem ser orientadas desde o início do tratamento a deixar de lado a cura como objetivo principal e buscar uma melhor qualidade de vida, com menos dor, melhorando o sono, o estado emocional e tornando-se o mais ativa possível. Aqueles que aceitam essa condição têm mais chances de obter um melhor resultado do tratamento. Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 16 CRIANÇA SENTE DOR IGUAL AO ADULTO? Até algumas décadas atrás, era senso comum entre médicos e demais profissionais da saúde que a criança, por ter um sistema nervoso imaturo, sentia menos dor do que o adulto. Os avanços das pesquisas mostraram não só que as crianças sentem dor igual a qualquer adulto, como também, no caso dos recém-nascidos, são mais sensíveis a estímulos que provocam dor do que os adultos. Uma das diferenças é que na criança, por razões óbvias, a dor sentida não se soma às experiências anteriores de ter tido o mesmo problema. Os estudos têm demonstrado que ao nascer, a criança já tem o sistema nervoso bem formado e apto a perceber o estímulo doloroso, mesmo as prematuras. Ainda hoje, persistem falsos mitos que dificultam o tratamento da dor na criança, apesar dos esforços que vêm sendo feitos há décadas para divulgar os novos ensinamentos e atualização sobre a avaliação e tratamento da dor: 4 DOR NA CRIANÇA Newton Barros ? Identificação interna do documento 3839H8ZAA9-RCFCSN62 9788582710197CA003 9788582710197CA004 9788582710197INI