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Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente Prefeitura Municipal de Duque de Caxias Secretaria de Meio Ambiente 3 DE Rio de Janeiro Educação Ambiental NIMA Formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no município de Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente DUQUE CAXIAS 8 Apresentação Padre Josafá Carlos de Siqueira S. J. 12 Introdução 12 Informações gerais sobre o município de Duque de Caxias aulas 22 27 de Setembro 22 11 de Outubro 22 18 de Outubro 22 25 de Outubro trabalhos de campo 22 Morro do Céu 11 Cidade dos Meninos 15 Parque Glicério 15 Caixa D’Água 15 Parque Municipal da Taquara 15 Reserva Biológica do Tinguá 15 Barragem Saracuruna mapas 32 Introdução 32 O município de Duque de Caxias na RMRJ 32 O município de Duque de Caxias na Baixada Fluminense do Estado do Rio de Janeiro 32 Distritos do município de Duque de Caxias 32 Geologia do município de Duque de Caxias 32 Geomorfologia do município de Duque de Caxias 32 Hidrografia do município de Duque de Caxias 32 Uso do solo e cobertura vegetal de Duque de Caxias 32 Áreas de Unidades de conservação no município de Duque de Caxias 32 Densidade de ocupação e densidade urbana de Duque de Caxias 32 Rodovias no município de Duque de Caxias 32 [zona especial] encerramento 32 Alunos do projeto de Educação Ambiental 32 Apresentações 32 Exposições de trabalhos 32 Créditos artigos 37 Algumas reflexões para ajudar a entender a produção desigual do espaço urbano em Duque de Caxias Alvaro Ferreira 34 Duque de Caxias, município da região Baixada Fluminense: poder local, gestão do território e política pública no Estado do Rio de Janeiro. Augusto César Pinheiro da Silva Rosana Cristine Machado de Oliveira 32 Direito Ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos Fernando Cavalcanti Walcacer Virgínia Totti Guimarães 40 Educação Ambiental: por que e para quê? Regina Célia de Mattos 52 Os espaços “vazios” do município de Duque de Caxias: a natureza e sua sociedade Rita de Cássia Martins Montezuma Rogério Ribeiro de Oliveira 59 Histórico, finalidades, objetivos e princípios da Educação Ambiental Roosevelt Fideles de Souza 34 Jardim Gramacho e o território do lixo Valéria Pereira Bastos Apresentação Num mundo marcado pela fragmentação dos saberes, é admi- rável conhecer as experiências que estão sendo vividas e viven- ciadas em escala local, onde a união de esforços entre o setor público e o privado, o ensino superior, o ensino médio e o ensino fundamental buscam caminhos de compreensão interdisciplinar para a complexidade dos problemas que envolvem o Município de Duque de Caxias. Não é de estranhar que as asas que mar- cam o lema do brasão da puc-Rio, Allis grave nil, não tenham sido feitas para voar apenas no pequeno limite do território aca- dêmico, mas, sim, para alcançar voos mais longínquos que per- mitem conhecer, estudar e devolver à Baixada Fluminense, suas riquezas e suas contradições. O espírito que move as parcerias entre a puc-Rio, a Petro- bras e a Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, em prol da formação de valores ético-ambientais para o exercício da cida- dania, consiste em construir conhecimentos a partir da reali- dade local e devolvê-los aos agentes multiplicadores da educa- ção ambiental nas escolas. Com essa perspectiva, a equipe do nima, coordenada pelo pesquisador Luis Felipe Guanaes Rego e formada pelos professores dos Departamentos de Geografia, Direito e Serviço Social da puc-Rio, empenhou-se na desafiante missão de conhecer de perto um município onde a grandeza de possuir um território coberto por mais de 50% de área verde, que ocupa o sexto maior pib do Brasil e abriga uma das maio- res refinarias de petróleo do país, está profundamente asso- ciada com a fragilidade de seus problemas sociais. Antes de tematizar os conteúdos que foram explicita- dos durante os cursos, os professores procuraram conhecer de perto, através dos trabalhos de campo e de numerosas pes- quisas, as realidades socioambientais do município como um todo, assim como localidades específicas que fazem parte da história de Duque de Caxias, caso do Morro do Céu, da Cidade dos Meninos, do Parque Glicério, da Caixa D’Água, do Parque Municipal Taquara, da rebio Tinguá e da Barragem Saracu- runa. Inspirados nesta realidade concreta, os professores ela- 9 boraram suas reflexões, retratadas nos diferentes artigos que integram o presente livro. Abrindo os olhos para uma problemática mais globali- zada, que também está relacionada com a realidade local, o professor Álvaro Ferreira nos fala sobre a produção desigual do espaço urbano de Duque de Caxias, mostrando que o conceito de urbano transcende aquilo que denominamos de cidade. O autor termina a sua reflexão com um convite à população local para uma participação mais ativa e constante, condição neces- sária para ser não apenas citadino, mas cidadão. Preocupados em fazer uma reflexão sobre o poder local, a gestão do território e a política pública no Estado do Rio de Janeiro, os professores Augusto César Pinheiro da Silva e Rosana Cristine Machado de Oliveira procuraram mostrar a complexidade das práticas políti- cas no espaço territorializado da Baixada Fluminense e a impor- tância de aumentar a capacidade do ente público municipal, para que este possa vir a se tornar uma referência regional. Com o objetivo de elucidar os meandros legais, válidos para as realidades nacional e local, os professores de Direito Ambiental Fernando Cavalcante Walcacer e Virginia Totti Gui- marães analisaram a evolução da legislação brasileira, o licencia- mento, a participação na gestão e na fiscalização ambiental. Questionada sobre o porquê e o para que da Educação Ambiental, a professora Regina Célia de Mattos procura fazer uma reflexão sobre a relação histórica entre a sociedade e a natureza em Duque de Caxias, mostrando os sinais de avanços e as preocupações sociais. Sem negar a importância da Educa- ção Ambiental, a geógrafa questiona o comportamento do poder público e empresarial que, muitas vezes, cobra mudanças de hábitos e costumes da sociedade, mas acaba sem dar o teste- munho de ações concretas em favor de condições mais dignas de saúde, segurança e bem-estar para a sociedade. Preocupados, também, com a relação entre a natureza e a sociedade, os professores Rogério Ribeiro de Oliveira e Rita de Cássia Martins Montezuma fazem uma análise cuidadosa da história da transformação do cenário ambiental de Duque de Caxias, formado por diversos ecossistemas. Os autores descre- vem as atuais paisagens naturais, as áreas ocupadas e os espa- ços “vazios”, ricos e pobres em diversidade. Para eles, a hete- rogeneidade ambiental do espaço se modifica na relação entre encosta e baixada, o que não tira a importância da preservação das Unidades de Conservação existentes, como também dos espaços que aparentemente se mostram vazios, mas que, na verdade, estão cheios de história, ações e significados geobiofí- sicos e sociais. Focado na compreensão didática da temática, o professor Roosevelt Fidelis de Souza procura abordar o histórico, os princípios e os objetivos da Educação Ambiental, mostrando os impactos ambientais dos ciclos econômicos e tecendo con- siderações finais sobre a importância de uma abordagem mais ampla e integrada dos processos de Educação Ambiental para as gerações presentes e futuras. O último artigo do livro, elabo- rado pela professora Valéria Pereira Bastos, adota um enfoque local complexo, relacionado ao Jardim Gramacho e ao território do lixo. Depois de apresentar dados sócioeconômicos do municí- pio de Duque de Caxias, a autora nos mostra a realidade desse espaço territorial que abriga cerca de 40 mil habitantes, onde 50% das pessoas dependem direta ou indiretamente das ativi- dades econômicas procedentes da catação do lixo. Fica clara a preocupação maior da autora com os problemas relacionados à exclusão, ao desemprego e à marginalização. Fica, aqui,Antes desses acordos localistas, porém, diferentes divisões territoriais são necessárias para que os nichos de poder através da máquina pública possam ser expressos regionalmente, numa verda- deira arquitetura de poder no espaço geográfico. A figura 2 expressa as emancipações ocorridas na região ao longo do século xx, quando os interesses das elites locais passaram a exer- cer, nesse fragmento do território fluminense, uma relação de poder com outros agentes do Estado nacional. Nesse sentido, tais emancipa- ções expressam uma esfera da ação, uma designação da capacidade de agir, direta ou indiretamente, sobre as coisas ou sobre as pessoas, sobre os objetos ou sobre as vontades (guichet, 1996 apud castro, 2005, p.99). Dessa maneira, as reivindicações produzidas pela relação comunidades-elites podem resultar em emancipações e isto dependerá das vantagens políticas, econômicas e sociais desses grupos através da instituição Estado. 1 Segundo Claude raffes- tin (1993), “o território se forma a partir do espaço e é o resultado de uma ação conduzida por um ator (…) em qualquer nível” (p.143). Já para Marcelo Lopes de souza (2001), o conceito pode ser compreendido em sua flexibilidade, elastici- dade formal e de conteúdo, expressos na relação que desenvolve com as noções de espaço e tempo. 2 Para Robert sack (1986), territorialidades são defi- nidas como estratégias de controle sempre vinculadas ao contexto social nas quais se inserem. São estraté- gias de poder e de manu- tenção independentes do tamanho das áreas a serem dominadas ou do caráter meramente quantitativo dos agentes dominadores, ou seja, são estratégias de con- trole territorial. 60 poder local, gestão do território e política pública 61 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira As diversas emancipações territoriais vão gerar no espaço diferen- tes relações de poder, sendo que este último, segundo Castro (2005), assume três formas elementares: a primeira é o poder despótico, a segunda, o poder fundado na autoridade e a terceira, o poder que se apoia na força da política. Essas três dimensões representam as varia- das formas de ação sobre os objetos e as pessoas, além das formas de controle sobre eles. Segundo a autora, a primeira forma traz a dimensão do medo, da coerção pela violência e da ameaça, o que caracteriza bem a história moderna da Baixada Fluminense, região marcada pela vio- lência, tanto explícita quanto implícita3, nas suas relações cotidianas. Essas formas de violência podem ser verificadas em Duque de Caxias que teve, ao longo do século xx, um forte poder de coerção pelo medo de Tenório Cavalcanti, deputado e migrante nordestino conhecido como o Homem da Capa Preta. Este impôs o terror em todo o município, como forma de pressão para que seus interesses e vontades particularistas fossem atendidos. Tenório Cavalcanti foi um dos muitos migrantes que vieram do Nordeste para a Baixada. Lá, enriqueceu e tornou-se uma podero- sa figura social, criando um sistema clientelista e apoiando-se na violência como estratégia de conquista e manutenção do poder tanto econômico quanto político. Tenório aproximou-se de famílias tradi- cionais (inclusive pelo casamento), mas, ao mesmo tempo, manteve suas relações com os migrantes, inclusive intermediando a vinda de muitos outros para a Baixada, quando se formou em Direito. Como advogado, lutou a favor de causas de despejo e de controle pela terra. Neste sistema, projetou-se como líder regional e conseguiu penetrar nas esferas da política nacional, conseguindo expressivas votações para o Legislativo. (ciberlegenda, 2004). A segunda forma de poder está fundada na autoridade que, segundo a mesma autora, é um poder exercido como uma concessão, o que o torna uma forma legitimada pela aceitação e pelo reconhecimento daqueles que a ele se submete. É nesse reconhecimento e concordância dos que se sub- metem que ele se justifica e funda a sua legitimidade. (p.103) Esse tipo de manifestação de poder tende a se tornar mais comum hoje, podendo se manifestar através do carisma por parte daqueles que dese- jam “impor o poder” através de estratégias políticas de ações assisten- cialistas. Estas legitimam a atuação de alguns agentes do espaço e o seu controle sobre os objetos e sobre as pessoas (CASTRO, 2005). E, por fim, ainda segundo Castro, o poder político “que compre- ende em sentido amplo, tanto a possibilidade de coerção, típica do poder 3 Para Marcelo Lopes de souza (2000), baseado em Michel foucault (1979), a violência implícita é aquela inerente ao modelo de desenvolvimento domi- nante e que se expressa nas contradições da civiliza- ção ocidental, ou seja, nas desigualdades e disparida- des de formas, serviços e no acesso das populações aos bens sociais e materiais que, sutilmente, acabam sendo normatizadas; já a violência explícita é aquela que se expressa de forma “nua e crua” no espaço geo- gráfico, onde as normas ou regras morais sociais são desrespeitadas (seques- tros, assaltos, mortandade, agressões físicas e morais, poluições diversas…), o que vem se naturalizando na modernidade. despótico, quanto à autoridade, de fundamento legal” (p. 104). Essa ter- ceira relação de poder representa as múltiplas escalaridades da ação do Estado nacional de Direito territorialmente, a partir de seus fragmentos político-administrativos, ou seja, as escalas federal, estadual e munici- pal, três esferas político-administrativas que utilizam o poder despótico e da autoridade em nome de um coletivo. Assim é caracterizada a Baixada Fluminense, uma região cada vez mais afetada por práticas políticas que provêm de distintas forças e poderes, sendo estes relacionados, muitas vezes, a práticas sociais assistencialistas na forma de despotismo declarado ou subsumido pela legalidade. Tais ações aumentam a dependência, a pobreza, a fome e a degradação ambiental, gerando gestões malsucedidas e complexas. Outras vezes, porém, o poder é vivenciado sob a forma de autoridades reconhecidas (instituintes) e de acordos políticos que legitimam uma gestão articulada através dos municípios e de outras escalas adminis- trativas (estado e federação). Apesar das transformações técnico-científicas ocorridas no espaço regional da Baixada Fluminense nas últimas décadas, ainda são poucos os avanços socioespaciais reconhecidos no que concerne às mudanças políticas mais estruturantes na região. Isso se deve às ações fragmen- tadas e descontinuadas de gestões ainda arraigadas por particularis- mos de parte das representações instituídas, além do que se reconhece que as esferas de poder ainda não conseguiram, com eficiência, abar- car os conhecimentos gerados pelas universidades e centros sociais de excelência. Para a proposição de gestões mais eficientes, em todas as esferas da sociedade, poderiam ser implementados projetos de desenvolvimento voltados para uma qualidade de vida que vai além da mera perspectiva economicista. Mas como deveria ser um desenvolvimento socioespacial mais amplo e efetivo? Este deveria unir as questões sociais, ambien- tais, culturais e políticas para uma verdadeira autonomia socioterrito- rial dos lugares. Segundo Souza (1996), o desenvolvimento socioespa- cial precisa estar: livre de ranço etnocêntrico, precisa acentuar a idéia de cada povo, cada grupo social, deve possuir a autonomia necessária para de- finir o conteúdo desse conceito de acordo com as suas próprias ne- cessidades e de conformidade com suas características culturais. (p.10). Diante disso, projetos de modernização de um determinado espaço devem levar em conta a participação popular, adaptando-se às carac- terísticas locais e não simplesmente na aplicação de projetos “de cima para baixo”. Já Becker (1987) compreende que o desenvolvimento depende de uma ação política que tenha como base: (…) uma gestão eminentemente estratégica com um princípio de fi- 62 poder local, gestão do território e políticapública 63 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira nalidade econômica – expressa em múltiplas finalidades específicas – e um princípio de realidade, das relações de poder, necessária à consecução de suas finalidades; envolve não só a formulação das grandes manobras – o cálculo das forças presentes e a concentração de esforços em pontos selecionados – como dos instrumentos – tá- ticos e técnica – para sua execução. A gestão científico-tecnológica para articular, coerentemente, múltiplas decisões e ações necessá- rias e assim alcançar as finalidades específicas dispondo as coisas de modo conveniente, instrumentalizando o saber de direção políti- ca, de governo, desenvolvendo-se hoje como uma ciência (…) (p.3). Desta maneira a gestão deverá “integrar elementos da administração de empresa e elementos da governabilidade” (foucault, 1979 apud becker, 1987, p.4). Esses elementos só poderão ocorrer a partir de modelos que procurem atender às necessidades das populações, a partir de planejamentos que busquem sustentabilidades no/do espaço. Atra- vés das estratégias e da gestão científico-tecnológica citadas por Becker, assim como de um desenvolvimento que valorize as demandas dos gru- pos sociais de Souza, poderá ocorrer uma sustentabilidade espacial local. Esta consistiria no conjunto de ações produzidas “nos lugares” e que tenham como objetivo o “desenvolvimento pleno de cada cidadão da localidade”, permitindo a qualidade de vida das populações municipais. Para que isso aconteça, a sustentabilidade local deverá privilegiar: (…) as dimensões sociais (razoável homogeneidade social), cultu- rais (equilíbrio entre o respeito à tradição e à inovação), ecológicas (preservação dos recursos renováveis), ambientais (respeito e ên- fase da capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais, territoriais (diminuição da assimetria na aplicação dos investimen- tos públicos entre áreas urbanas e rurais), econômicas (desenvol- vimento econômico intersetorial equilibrado), além de considerar as sustentabilidades políticas nacional e internacional (desenvolvimen- to da capacidade do Estado de implementar o projeto nacional em parceria com todos os empreendedores, um pacote Norte-Sul de co- desenvolvimento, baseado no princípio de igualdade) (Adaptado de sachs, 2002 apud rua et al. 2007, p.9). Assim sendo, a gestão para o desenvolvimento socioespacial local deve estar diretamente ligada ao termo sustentabilidade, pois o poder público municipal pode criar condições econômicas, políticas e sociais para que os munícipes possam se desenvolver plenamente. Desta maneira, o ambiente passa a ser sustentável pelo fato de as pessoas terem con- dições de produzir um ambiente de vida com qualidade. Os setores públicos e privados devem se unir para criar condições como emprego, serviços, lazer e educação, sob a observação cautelosa e pró-ativa do Estado. Assim, a qualidade de vida poderia ser oferecida com menores diferenciações e distinções de classes. Por suas características socioespaciais no conjunto regional do Estado do Rio de Janeiro, a Baixada Fluminense possui condições de aplicar políticas efetivas capazes de promover a sustentabilidade do seu espaço econômico, social, político, ambiental. Todavia, como Duque de Caxias, alguns municípios da região apresentam ainda grandes dificul- dades em oferecer saúde pública de qualidade a seus habitantes, um dos índices de sustentabilidade local. Tal dificuldade pode ser compro- vada pela má distribuição da rede de abastecimento de água pelos dis- tritos, situação que reduz os índices de qualidade de vida no território por ampliar, por exemplo, as doenças provenientes da baixa qualidade do saneamento básico. A água é um vetor de grande importância na transmissão de doen- ças como a amebíase. Quando não tratada, ela se transforma em um agente proliferador de patógenos, o que gera danos à saúde e leva a situ- ações extremas como o óbito. Nesse sentido, o saneamento básico é um dos fatores primordiais na promoção da saúde e do bem estar social, evitando a propagação de doenças causadoras de epidemias. Logo, sanear o espaço físico é uma das ações que promovem um ambiente sustentável. Nesse sentido, as imagens a seguir mostram, em linhas gerais, a péssima qualidade das águas do Rio Sarapuí, que cruza Duque de Caxias, uma das principais fontes de abastecimento de água desse município da Baixada Fluminense. As imagens também mostram como a ocupação humana em suas margens, que poderia ser contida, contro- lada e infraestruturada pelo poder público municipal, acaba por ampliar o grau de saturação da potabilidade das suas águas, além de afetar, drasticamente, o equilíbrio ecológico da área, ambiente dominado pelos mangues que mantém algum sopro de qualidade de vida no fundo da Baía de Guanabara. 64 poder local, gestão do território e política pública 65 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira Apesar da degradação das águas do rio em curso pelo território caxiense, observada nas imagens selecionadas, a presença de grande quantidade de água potável nesse município fluminense é significativa. Nos manan- ciais existentes, notadamente, no 4° Distrito Caxiense (Xerém), as reser- vas de água doce são impressionantes, o que nos leva a concluir que: 1 O sistema de saneamento básico (notadamente o sistema de esgo- tamento sanitário doméstico, comercial e industrial) do município não tem capacidade para preservar a qualidade das águas que cir- culam pelo território até o seu deságüe na Baia de Guanabara e; 2 A abundância de água acumulada em algumas regiões distritais mostra a incapacidade do poder público de melhor distribuí-la pelo sistema oficial de abastecimento, seja por inoperância técnica ou incapacidade de controle político dos recursos existentes. A próxima imagem selecionada mostra apenas um pequeno exemplo do que pode ser encontrado em termos de recursos hídricos no Município de Duque de Caxias, se este território da Baixada Fluminense for mais bem explorado, estudado e entendido por moradores, professores, pes- quisadores e gestores em geral. Reservas de água doce em Xerém, 4º Distrito de Duque de CaxiasBaia de Guanabara, foz do Rio Sarapuí em Caxias com área de reflorestamento. Jardim Gramacho ao fundo. 21 /1 1/ 20 06 – C us to d io C oi m b ra / A gê nc ia O G lo b o – R I – E xc lu si vo 21 /1 1/ 20 06 – C us to d io C oi m b ra / A gê nc ia O G lo b o – R I – E xc lu si vo 66 poder local, gestão do território e política pública 67 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira Frente à poluição da rede hidrográfica que cruza o município caxiense e, ao mesmo tempo, à abundância dos recursos hídricos no mesmo ter- ritório, as conclusões anteriores estão justificadas pelos dados do ibge (2002), apresentados nas figuras 7 e 8 da página seguinte. A figura 8 indica o número de domicílios com abastecimento regular de água na Região Metropolitana do Rio de Janeiro (rmrj). Observa-se que cerca de um terço da população caxiense só tem acesso à água não tratada obtida através de poços ou nascentes. Tal situação é similar em quase todos os municípios da baixada, o que indica que há uma distribuição irregular da rede de saneamento básico por esses municípios fluminen- ses, notadamente através das disparidades distributivas dos distritos municipais (há uma enorme desigualdade socioespacial entre os eles), o que impede a água de chegar às residências “mais longínquas” por “problemas operacionais diversos”. Quando analisamos a figura 8, per- cebemos o mesmo tipo de problema no que se refere à distribuição de esgotamento sanitário. Percebe-se, na Baixada Fluminense, a existência de muitos domicílios com banheiro fora da rede geral de esgotamento sanitário oficial, sendo que, em Duque de Caxias, um quarto deles não tem rede de tratamento disponibilizada. Outros municípiosque sofrem muito com o esgotamento sanitário deficiente são Guapimirim, Mes- quita e Paracambi, onde, de acordo com os dados do ibge (2002), mais de 60% da população lança dejetos in natura nos rios, lagos e na Baía de Guanabara. Diante do quadro infraestrutural mostrado pelas figuras 7 e 8, o abas- tecimento de água tratada, o recolhimento e o tratamento de esgoto constituem-se ações de políticas públicas ineficientes em toda a Baixada Fluminense. A melhoria de tais serviços poderia evitar os efeitos noci- vos à saúde das populações nos mais diferentes territórios. Além dessa necessária melhoria, deveriam ser valorizadas as políticas de educação ambiental básica, uma das medidas socioeducativas mais importantes para a geração de um conhecimento capaz de capacitar pessoas e ins- tituições a evitar a disseminação de doenças através das águas. Para tanto, cabe ao poder público municipal estabelecer parcerias entre as três esferas de poder (federal, estadual e municipal), a fim de definir uma rede de relações e investimentos capazes de oferecer serviços que incrementem a qualidade de vida dos moradores. As políticas territoriais em curso nos Municípios da Baixada Flu- minense (com destaque para Duque de Caxias), deveriam proporcionar um desenvolvimento humano que valorizasse o índice de qualidade de vida municipal (iqm), para que fossem reduzidas as diversas formas de violência às quais a população local está submetida. Nesse sentido, o aumento da “alfabetização espacial” passa a ser um ato crucial de Edu- cação Ambiental, pois alimenta o crescimento de pessoas mais cons- cientes de seus direitos e deveres, desenvolve e qualifica a mão de obra local, cada vez mais apta a se promover no mundo do trabalho formal e legal. Dessa forma, a população regional aumentará sua capacidade de consumo de produtos diversos, de lazer e, principalmente, de servi- ços de saúde, gerando uma cadeia mais efetiva de autoregulação das necessidades locais. Sendo assim, as políticas de planejamento e ges- tão na Baixada Fluminense poderiam fomentar, em médio ou longo prazo, o surgimento de territórios com um desenvolvimento socioespa- cial local sustentável através de técnicas, ações, instrumentos, equipa- mentos e práticas educacionais, políticas e econômicas que permitam a essa imensa população fluminense viver com a qualidade e dignidade que merecem. Algumas reflexões finais sobre o ente federativo e Duque de Caxias. O atual território do Município de Duque de Caxias, emancipado, em 1943, de Nova Iguaçu, sempre teve serviços precários, desde as cri- ses de malária e febre amarela que assolaram as fazendas canavieiras, matando milhares de trabalhadores ameríndios e escravos, nos auspí- cios dos séculos xvii e xviii. Segundo Lacerda (2003), a única presença de uma autarquia do setor público na localidade, até o fim dos anos de 1930, era a de uma agência fiscal arrecadadora federal. A cobrança de impostos sobrepu- nha-se à prestação de serviços públicos essenciais (p.11). Desde a adoção de políticas modernizadoras por Getúlio Vargas, nos anos de 1940, para tornar “industrializado” o recém-criado muni- cípio, em uma guerra entre as elites agraristas regionais e o industria- lismo moderno do Estado Novo, Duque de Caxias convive com as con- tradições características do processo de modernização a que foi alçada. Socialmente, não deixou de ser um misto de sociedade escravocrata e grupos tecnocratas baseados em estruturas modernizadoras típicas dos estados nacionais centralistas e autoritários, o que transformou o muni- cípio num espaço de contrastes socioespaciais marcantes. Ao mesmo tempo em que o território municipal possui uma locali- zação estratégica por estar nos entrecruzamentos de importantes rodo- vias do país, principalmente no eixo Rio de Janeiro – São Paulo, Duque de Caxias tem visto o modelo de atração de investimentos no qual a modernização fordista se pautou nos últimos 70 anos no Brasil entrar em colapso, o que vem reduzindo a sua capacidade de captação de recursos industriais tradicionais. Além disso, o papel da Cidade do Rio de Janeiro na rede urbana do país se modificou expressivamente, nos últimos 30 anos, o que vem levando os gestores municipais a buscarem outras formas de estímulo de potencialidades (voltadas para as susten- tabilidades locais) ainda pouco reconhecidas e valorizadas como estra- tégias de desenvolvimento socioespacial. 68 poder local, gestão do território e política pública 69 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira Tal transformação do modelo de modernização e da estrutura fede- rativa do Brasil será mais bem aproveitada na escala do município se a sua população e, consequentemente, os seus gestores souberem enten- der as lógicas de crescimento e desenvolvimento em gestação na atu- alidade. Nessa nova ordem, o município tem voz ativa na administra- ção e precisa ser entendido como parte expressiva do pacto federativo nacional. Assim sendo, um bom gestor municipal sabe que educação, saúde, conservação ambiental, gestão integrada dos recursos hídricos a partir das microbacias hidrográficas e parcerias político-administra- tivas entre municípios (consórcios municipais) não são setores perifé- ricos ou secundários em uma administração que tenha como premissa a consolidação da qualidade de vida. Nesse sentido, Duque de Caxias se apresenta como um municí- pio que busca mudar, remunerando o seu professorado melhor do que a média estadual e ampliando o seu quantitativo de 35 mil para 85 mil, na rede pública (villar, 2003). Tais atos políticos são importantes e não podem ser isolados como meras ações de governos, precisam fun- cionar como ações definitivas do Estado de direito local. Assim sendo, infraestrutura básica, saúde pública, transporte coletivo, conservação ambiental e distribuição de recursos sociais são alguns caminhos estru- turantes de uma nova ordem de gestão que será reconhecida como per- manente pela população municipal caxiense. Esta, por sua vez, passará a reconhecer no poder local a força política que salvaguarda o municí- pio para ele seja delegado ao papel de uma gerência que atua e se reco- nhece nos lugares. Em termos práticos, se houver um aumento da capacidade do ente público municipal em manter as atividades e serviços próprios da administração com recursos oriundos de sua competência tributária, o município se tornará menos dependente das transferências de recursos financeiros dos demais entes governamentais e boa parte da capacidade de investimento municipal será desatrelada da arrecadação de outros governos, das esferas Federais e Estaduais, transformando sociopoliti- camente o Município de Duque de Caxias em uma referência regional importante frente à lógica de um poder revigorado, inovador e promis- sor de uma nova realidade de desenvolvimento. Bibliografia becker, Bertha K. Elementos para construção de um conceito sobre “gestão do território”. Seminário de setembro de 1987. Laboratório de Gestão do Território. LAGET. castro, Iná Elias de. Geografia e Política: território, escalas de ação e instituições / Iná Elias de Castro. 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Urbanização e Desenvolvimento no Brasil Atual. 70 poder local, gestão do território e política pública 71 augusto césar pinheiro da silva e rosana cristine machado de oliveira Direito Ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos Fernando Cavalcanti Walcacer Virgínia Totti Guimarães 1 O Direito Ambiental Internacional O meio ambiente, cada vez mais, vem sendo objeto de preocupação da sociedade – seja em razão de estudos conclusivos a respeito da inter- ferência nociva do ser humano no equilíbrio ecológico, seja porque as mudanças decorrentes desta interferência estão sendo percebidas cla- ramente no cotidiano de cidadãos do mundo inteiro. O aquecimento global, a perda da biodiversidade, o buraco na camada de ozônio, o aumento da desertificação, a contaminação dos solos e das águas, a poluição do meio ambiente marinho, dentre muitas outras, são notí- cias que aparecem diariamente nos jornais, refletindo a preocupação da sociedade com o tema. O direito ambiental, um ramo novo do direito, profundamente comprometido com a preservação da biodiversidade e a luta contra a poluição, busca responder a tais preocupações. Ele surgiu em mea- dos do século passado e vem se aperfeiçoando ao longo das últimas décadas. Estudos realizados pelo chamado Clube de Roma – um grupo informal de economistas, educadores e industriais de 25 países, criado com o objetivo de contribuir para uma melhor compreensão das prin- cipais questões econômicas, políticas e sociais da época (entre 1960 e 1970) – concluíram que crescimento populacional, produção agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição seriam importantes fatores limitadores do desenvolvimento econômico. Era, portanto, fun- damental aumentar o nível de consciência da população a respeito da escassez dos recursos do planeta e assim adotar um posicionamento crí- tico em relação às políticas então empregadas, tanto por países desen- volvidos como pelos países em processo de desenvolvimento.1 Em 1972 foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Conferência de Estocolmo), com partici- pação de representantes de 114 países e 19 órgãos intergovernamentais, além de cerca de 400 organizações não-governamentais.2 A importân- cia da Conferência advém do fato de ela haver adotado uma abordagem 1 mccormick, John. Rumo ao paraíso. A história do movimento ambientalista. Tradução de Marco Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1999, p.86. 2 Embora todos os países houvessem participado das reuniões preparatórias, os países do leste europeu, exceto a Romênia, se ausen- taram das reuniões. São Paulo: Série Princípios, Editora Ática, 1996. ________. O desafio metropolitano. Um estudo sobre a problemática sócio-espacial nas metrópoles brasileiras. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. ________. Da fragmentação do tecido sociopolítico-espacial da metrópole à desmetropolização relativa: algumas facetas da urbanização brasileira nas décadas de 80 e 90. In sposito, Maria da Encarnação Beltrão (org.). Urbanização e cidades: perspectivas geográficas. Presidente Prudente: gasperr/unesp, 2001. Augusto Cesar Pinheiro da Silva — Geografia Possui graduação, mestrado e doutorado em geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj), concluídos em 1990, 1996 e 2005, respectivamente. Em 1992, fez uma especialização em geografia pela Universität Tubingen (utu), na Alemanha. Atualmente é professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (uerj), professor assistente da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio) e coordenador de dois projetos de pesquisa: Gestão territorial no Estado do Rio de Janeiro (grupo de pesquisa geterj) e Metodologias para a educa- ção geográfica (gpeg). Possui diversos artigos publicados, entre eles um capítulo do livro Currículos e práticas pedagógicas nos cpvcs. augustoc@puc-rio.br Rosana Cristine Machado de Oliveira Tem experiência na área de Geografia, com ênfase em Geografia Humana. É autora da monografia “Gestão e sustentabilidades da saúde pública em Duque de Caxias (rj): os desafios atuais do município fluminense frente aos serviços médico-hospi- talares, de saneamento básico e de educação pós-Constituição Federal de 1988”, defendido no Departamento de Geografia da puc-Rio, em dezembro de 2008. rosananete@yahoo.com.br 72 poder local, gestão do território e política pública 73 política, social e econômica dos problemas ambientais, possibilitando, assim, um maior envolvimento de diferentes setores da sociedade civil organizada e garantindo uma cobertura jornalística que sensibilizou boa parte da opinião pública planetária para as questões ambientais.3 Os resultados concretos dessa Conferência foram a criação de uma agência da onu especificamente dedicada ao meio ambiente (o pnuma – Pro- grama das Nações Unidas para o Meio Ambiente, com sede na capital do Quênia, Nairobi), um chamado à cooperação internacional para redu- zir os efeitos da poluição marinha e o estabelecimento de uma rede de monitoramento global do ambiente. A Declaração de Princípios (Decla- ração de Estocolmo) e o Plano de Ação adotados pela Conferência de Estocolmo, apesar de sua grande divulgação, nunca foram efetivamente levados em consideração pelos países desenvolvidos. Vinte anos depois realizou-se, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – a Cúpula da Terra –, que ficou conhecida como Rio-92, igualmente reconhecida como um marco no desenvolvimento do Direito Ambiental Internacional. Mais de uma centena de chefes de Estado e de Governo estiveram pre- sentes, além de uma infinidade de ongs, reunidas no chamado Fórum Global, que se desenvolveu em paralelo à Conferência oficial. Da Rio-92 resultaram importantes documentos internacionais, como a Agenda 21 e a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, além da Convenção sobre Diversidade Biológica e da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Além da Conferência de Estocolmo e da Rio-92, muitos outros tratados e convenções assinados nas últimas décadas retratam a pre- ocupação internacional com o meio ambiente (é importante destacar que muitos Estados, embora delas sejam signatários, relutam em apli- cá-las). Dentre as principais convenções internacionais que tratam do meio ambiente, destacam-se: ● Convenção Ramsar sobre Áreas Úmidas de Importância Inter- nacional,adotada em 1971, com ênfase na proteção das áreas úmidas; ● Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna Selvagem em perigo de Extinção – cites, que entrou em vigor, no Brasil, em 1975; ● Convenção sobre Direitos do Mar, de 1976, que entrou em vigor em novembro de 1994, tendo como foco a proteção do meio ambiente marinho; ● Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, cele- brada em 22 de março de 1985, e complementada pelo Protocolo de Montreal sobre substâncias que destroem a camada de ozônio, assinado em 17 de setembro de 1987; 3 John McCormick afirma que a “Conferência de Estocolmo foi o acontecimento isolado que mais influiu na evolu- ção do movimento ambien- talista internacional”. Explica que apresentou quatro importantes resul- tados: confirmou a tendên- cia sobre meio ambiente humano que advém da transformação do ambien- talismo em uma questão política mais racional e glo- bal; “forçou um compro- misso entre as diferentes percepções sobre o meio ambiente defendidas pelos países mais e menos desen- volvidos”; marcou o início do novo papel das ONG’s na questão ambiental; e, como produto tangível, originou o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. mccor- mick, John. Obra citada, p. 111. Cabe destacar que a Conferência da Biosfera, realizada em 1968, não teve o mesmo alcance, pois dis- cutiu os aspectos científicos da conservação da biosfera. ● Convenção da Basiléia sobre o movimento transfronteiriço de rejei- tos potencialmente perigosos e seu depósito, de 1989, que entrou em vigor, no Brasil, em 1992; ● Protocolo de Quioto, complementar à Convenção-Quadro sobre Mudanças Climáticas, que estabelece metas para a redução dos gases de efeito estufa pelos países desenvolvidos e entrou em vigor em fevereiro de 2005. 2 Evolução da Legislação Ambiental Brasileira4 Na década de 30 surgiram, no Brasil, as primeiras normas específi- cas relativas a bens ambientais, tais como o Código Florestal (Decreto 23.793/34), o Código de Águas (Decreto 24.643/34; ainda hoje com muitos dispositivos em vigor), e o Decreto-Lei 25/37, que dispõe sobre a proteção do patrimônio cultural brasileiro. Na década de 60, foram editados o novo Código Florestal (Lei 4.771/65, muito alterado desde então) e a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967, também muito alterada, especialmente pela Lei de Ccri- mes e Infrações Administrativas Ambientais – lei 9.605/98). Na década de 70, diversos estados brasileiros instituíram seus sistemas de com- bate à poluição – o Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, editou o Decreto-Lei 134/75, instituindo o Sistema de Licenciamento de Ativi- dades Poluidoras. Não se pensava ainda, contudo, na proteção do meio ambiente de forma sistemática. Isso somente aconteceria com a edição da Lei Fede- ral 6.938, em 1981. Essa lei, conhecida como a Lei da Polícia Nacional de Meio Ambiente, conceituou meio ambiente (“o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”), e estabeleceu outros conceitos jurídicos importantes, como o de poluição, poluidor, degradação ambiental etc. Além disso, a Lei 6.938/81 instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente, integrado por órgãos federais, estaduais e municipais, e criou diversos instrumentos para a proteção do meio ambiente, tais como o zoneamento ambiental, o licenciamento ambiental, o estudo prévio de impacto ambiental etc. Assim, a partir de sua edição, qualquer atividade que possa ser causadora de algum tipo de degradação ambiental precisa obter dos órgãos ambientais, antes de se instalar, uma licença ambiental (na verdade, são três licenças: a licença prévia, a licença de instalação e a licença de operação, cada uma delas concedida numa fase do pro- cesso de licenciamento). Caso a poluição que vier a ser causada pela atividade seja considerada potencialmente significativa, o empreen- dedor fica também obrigado a providenciar a realização de um estudo de impacto ambiental, que deverá ser discutido com a população inte- 4 A legislação ambiental bra- sileira encontra-se dispo- nível na rede mundial de computadores nos seguin- tes sites: • leis e decretos federais: www.planalto.gov.br; • resoluções do conama: www.mma.gov.br/conama; • leis estaduais: www.alerj.rj.gov.br. 74 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 75 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães ressada, em audiências públicas, e avaliado pelos órgãos ambientais competentes. Outra importante novidade da Política Nacional do Meio Ambiente foi estabelecer um regime rigoroso de responsabilização civil do polui- dor (necessidade de indenizar ou reparar os danos por ele causados ao meio ambiente e a terceiros atingidos por suas atividades). Em tais casos, dispensou-se a exigência de ficar provada a culpa do poluidor – bastando a comprovação do dano ambiental e de sua causa. Assim, se uma empresa polui um curso d’água, ela deverá reparar o dano ambien- tal causado, pouco importando quais tenham sido as causas do dano. É um tipo de responsabilidade que se fundamenta no risco da atividade, e não na culpa do agente causador do dano. Em 1985, foi editada outra norma legal muito importante: a Lei 7.345/85, que disciplina a ação civil pública por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, e a outros bens e direitos de valor artís- tico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Essa lei permitiu à socie- dade civil organizada ajuizar ações contra empreendimentos poluidores, sem que seja preciso demonstrar um interesse pessoal no resultado da causa. Assim, por exemplo, uma associação fundada com a finalidade de proteger o meio ambiente, com sede no município do Rio de Janeiro, pode ingressar na Justiça contra a poluição que esteja sendo causada no município de Duque de Caxias, ou de Resende – ainda que nenhum de seus membros resida ou tenha propriedades naqueles municípios. O Ministério Público também teve suas funções relativas à proteção do meio ambiente extraordinariamente reforçadas pela lei 7.347/85, mais tarde ampliada pelo Código de Defesa do Consumidor (lei 8.078/90). A proteção jurídica do meio ambiente no Brasil teve o seu momento maior em 1988, quando foi promulgada a nova Constituição da Repú- blica. Ela contém inúmeras disposições relativas à matéria, com desta- que para o seu artigo 225, que estabelece: Art.225 Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equi- librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à cole- tividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre- sentes e futuras gerações. §1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I preservar e restaurar os processos ecológicos essen- ciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III definir, em todas as unidades da Federação, espa- ços territoriais e seus componentes a serem especial- mente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atribu- tos que justifiquem sua proteção; IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significa- tiva degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que compor- tem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preser- vação do meio ambiente; VII proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função eco- lógica,provoquem a extinção de espécies ou subme- tam os animais a crueldade. §2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. §3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurí- dicas, a sanções penais e administrativas, independen- temente da obrigação de reparar os danos causados. §4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Cos- teira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. §5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. §6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não pode- rão ser instaladas. 76 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 77 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães Cabe destacar ainda outras importantes leis sobre proteção do meio ambiente: ● Lei 4.717/1965: disciplina a ação popular; ● Lei 6.766/1979: dispõe sobre o parcelamento do solo urbano; ● Lei 7.661/1988: instituiu o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro; ● Lei 8.723/1993: dispôs sobre a emissão de poluentes por veícu- los automotores; ● Lei 9.055/1995: disciplina a utilização do asbesto/amianto; ● Lei 9.433/1997: cria a Política Nacional de Recursos Hídricos; ● Lei 9.605/1998: dispõe sobre crimes e infrações administrativas ambientais; ● Lei 9.795/1999: dispõe sobre a Política Nacional de Educação Ambiental; ● Lei 9.985/2000: instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Con- servação (snuc); ● Lei 10.257/2001: Estatuto da Cidade; ● Lei 10.650/2003: dispõe sobre o acesso público aos dados e infor- mações do sisnama; ● Lei 11.105/2005: dispõe sobre biossegurança; ● Lei 11.284/2006: institui o Sistema Florestal Brasileiro e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal; ● Lei 11.428/2006: dispõe sobre a utilização e a proteção da vege- tação nativa do bioma Mata Atlântica; ● Lei 11.445/2007: dispõe sobre o saneamento básico. O Direito Ambiental, ramo do direito público, dotado de autonomia e princípios próprios, constitui um sistema coerente e lógico, “voltado à proteção da diversidade biológica e da sadia qualidade de vida dentro de um meio ambiente ecologicamente equilibrado”.5 Nesse sentido, Édis Milaré o conceitua como “o complexo de princípios e normas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua susten- tabilidade para as presentes e futuras gerações”.6 O Direito Ambiental possui origens relacionadas à necessidade de disciplinar a atuação e a interferência humanas nos ecossistemas, evi- tando as suas drásticas consequências. Seu objetivo é claramente defi- nido: a proteção e conservação do meio ambiente. 3 O Meio Ambiente na Legislação Brasileira O tratamento jurídico do meio ambiente é estabelecido por inúmeras normas, dentre elas leis e decretos federais, estaduais e municipais, bem como resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente – conama, alcançando o meio ambiente natural, cultural, artificial e do trabalho. A seguir, apresentam-se algumas questões importantes tratadas pelo Direito Ambiental brasileiro. 3.1 Proteção jurídica das florestas O Código Florestal (Lei 4.771/65) é uma norma de grande importância para a preservação das florestas. Ele instituiu o conceito de Áreas de Preservação Permanente (app), compostas pelas florestas e demais formas de vegetação natural situadas: a) Ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será: ● de 30 (trinta) metros para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; ● de 50 (cinquenta) metros para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; ● de 100 (cem) metros para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; ● de 200 (duzentos) metros para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; ● de 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; b) Ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais; c) Nas nascentes, ainda que intermitentes, e nos chamados “olhos d’água”, qualquer que seja a sua situação topográfica, num raio mínimo de 50 (cinquenta) metros de largura; d) No topo de morros, montes, montanhas e serras; e) Nas encostas ou partes destas, com declividade superior a 45°, equivalente a 100% na linha de maior declive; f) Nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; g) Nas bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de rup- tura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em pro- 5 figueredo, Guilherme José Purvin de. Curso de Direito Ambiental. Curitiba: Arte & Letra, 2008, p. 37. 6 milaré. Direito do ambiente: doutrina, prá- tica, jurisprudência, glossá- rio. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 93. 78 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 79 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães jeções horizontais; h) Em altitude superior a 1.800 (mil e oitocentos) metros, qualquer que seja a vegetação. Em princípio, as áreas de preservação permanente não podem ser uti- lizadas pelos seus proprietários, mesmo que não estejam cobertas por vegetação nativa. Elas possuem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora. Também protegem o solo e asseguram o bem-estar das populações humanas. O Código Florestal instituiu, ainda, a Reserva legal, correspon- dente a uma parcela da propriedade rural que deve ser averbada no Registro Geral de Imóveis, após aprovação do órgão estadual de meio ambiente, e na qual se admite unicamente a exploração sustentável, de acordo com princípios e critérios técnicos e científicos.7 Em proprieda- des rurais situadas em área de Mata Atlântica, a Reserva legal será de 20% (vinte por cento). Em relação à proteção jurídica das florestas, cabe ainda destacar a Lei 11.428/2006, que estabelece o regime de utilização e proteção da vegetação nativa do bioma Mata Atlântica. 3.2 Unidades de Conservação da Natureza Unidade de Conservação da Natureza é o “espaço territorial e seus recur- sos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com obje- tivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de admi- nistração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção” (art. 2º, I da Lei Federal 9.9985/2000). As Unidades de Conservação são divididas em unidades de pro- teção integral e unidades de uso sustentável. As primeiras não admi- tem o uso direto, ou seja, aquele que envolve coleta e uso dos recursos naturais. Já as unidades de uso sustentável objetivam compatibilizar o uso sustentável dos recursos com a conservação ambiental, admitindo, assim, o uso direto. São categorias de unidade de conservação de proteção integral: i Estação Ecológica; ii Reserva Biológica; iii Parque Nacional, Estadual ou Municipal; iv Monumento Natural; v Refúgio da Vida Silvestre. São categorias de unidade de conservação de uso sustentável; 7 Nos casos de utilidade pública ou de interesse social, a legislação prevê a possibilidade de supres- são de vegetação em área de preservação permanente. i Área de Proteção Ambiental; ii Área de Relevante Interesse Ecológico; iii Floresta Nacional, Estadual e Municipal;iv Reserva Extrativista; v Reserva de Fauna; vi Reserva de Desenvolvimento Sustentável; vii Reserva Particular do Patrimônio Natural. Cada categoria de unidade de conservação possui características e obje- tivos próprios, que envolvem especialmente: ● A necessidade de ser constituída por terras públicas ou a possibi- lidade de ser instituída em terras de domínio privado; ● A possibilidade de serem realizadas pesquisas científicas em seu interior, bem como a necessidade desta atividade ser autorizada; ● A admissão de visitação pública em seu interior; ● As atividades que são admitidas nos seus limites. Assim, de acordo com as características do local, o Poder Público deverá verificar qual destas categorias atenderá aos objetivos de proteção do meio ambiente, considerando-se, ainda, a necessidade de desapropriar as terras envolvidas, assim como a eventual remoção da população resi- dente na área. Apenas a título de exemplo, apresentam-se as principais caracte- rísticas da Reserva Biológica e da área de proteção ambiental: Reserva Biológica: tem como objetivo a preservação integral da biota e demais atributos naturais existentes em seus limites, sem inter- ferência humana direta ou modificações ambientais. Admite apenas medidas de recuperação de seus ecossistemas alterados e as ações de manejo necessárias para recuperar e preservar o equilíbrio natural, a diversidade biológica e os processos ecológicos naturais. É de posse e domínio públicos, sendo que as áreas particulares incluídas nos seus limites devem ser desapropriadas. A visitação pública é proibida, exceto quando tenha objetivo educacional. A pesquisa científica depende de autorização prévia do órgão responsável pela administração da unidade e está sujeita às condições e restrições por este estabelecidas. Área de Proteção Ambiental: é uma área em geral extensa, com certo grau de ocupação humana, dotada de atributos importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populações humanas. Possui como objetivo proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais. Pode ser constituída em terras públicas ou privadas. Admite visitação 80 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 81 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães pública e pesquisas científicas. Importa mencionar que as unidades de conservação de proteção integral devem dispor de um Conselho Consultivo, presidido pelo órgão responsável por sua administração e constituído por representantes de órgãos públicos, de organizações da sociedade civil, por proprietários de terras localizadas em Refúgio de Vida Silvestre ou Monumento Natu- ral, quando for o caso. 3.3 Recursos hídricos A principal legislação brasileira sobre recursos hídricos é a Lei Federal 9.433/97, que institui a Política Nacional de Recursos Hídricos e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. A lei estabelece como fundamentos da Política Nacional de Recur- sos Hídricos os seguintes princípios: ● A água é um bem de domínio público; ● A água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico; ● Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais; ● A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas; ● A bacia hidrográfica é a unidade de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos; ● A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e con- tar com a participação do Poder Público, dos usuários e das comunidades. A partir da edição dessa Lei, como forma de reconhecer a água como um bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor, incentivar a racionalização do seu uso e obter recursos financeiros para a gestão dos recursos hídricos, foi estabelecida a cobrança pelo uso da água. Estão isentos da cobrança: i O uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; ii As derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes; iii As acumulações de volumes de água consideradas insignificantes. 4 O Licenciamento Ambiental de Atividades Poluidoras A legislação ambiental exige que empreendimentos e atividades utili- zadoras de recursos ambientais que sejam consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como os empreendimentos capazes de causar degradação ambiental, sejam submetidos ao prévio licen- ciamento do órgão ambiental competente. A Resolução conama 237/97, principal norma sobre o assunto, elenca as atividades e empreendimentos sujeitos ao prévio licenciamento ambiental (relação constante no anexo 1), sendo que o órgão ambien- tal poderá exigir licenças ambientais para atividades que não constem desta relação. A legislação prevê três licenças ambientais: I Licença Prévia (lp): concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade, com o objetivo de aprovar sua localização e concepção, bem como atestar sua viabilidade ambien- tal. Nessa fase, quando necessário, é apresentado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (eia); II Licença de Instalação (li): autoriza a instalação do empreendi- mento ou atividade; III Licença de Operação (lo): autoriza a operação da atividade ou empreendimento. No licenciamento de atividades e empreendimentos considerados pas- síveis de causar significativo impacto ambiental deverá ser exigido o Estudo Prévio de Impacto Ambiental (eia) e seu respectivo Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (rima), disciplinados pela Resolução nº 001/86 do conama. O rima é um relatório simplificado, em linguagem acessível à população, das informações técnicas constantes do EIA, que deverá per- manecer disponível para consulta e acesso públicos. No caso de realização de eia/rima, sempre que o órgão licenciador julgar necessário, ou quando solicitado por entidade civil, pelo Ministé- rio Público, ou por 50 (cinquenta) ou mais cidadãos, deverão ser reali- zadas audiências públicas, com o intuito de informar e coletar opiniões da população acerca do empreendimento. 5 Participação na Gestão Ambiental Como visto, o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de uso comum do povo, tendo a coletividade, juntamente com o Poder Público, o dever de protegê-lo para as presentes e futuras gerações. Além disso, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence a toda a coletividade. Alguns instrumentos buscam possibilitar a ampla participação da 82 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 83 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães sociedade na gestão do meio ambiente, podendo ser mencionados: ● Audiências públicas, realizadas no procedimento de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades que realizem estudo prévio de impacto ambiental; ● Consultas públicas para a instituição de unidades de conserva- ção, exceto estação ecológica ou reserva biológica. 6 Fiscalização ambiental As normas ambientais estabelecem direitos, deveres, obrigações e pro- cedimentos relacionados à garantia da sadia qualidade de vida da popu- lação e da manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Infelizmente, em muitos casos tais normas não são cumpridas, o que ocorre, por exemplo, (i) quando uma empresa não possui licença ambiental para a realização de atividades potencialmente causadoras de degradação ambiental; (ii) quando não foi solicitada a autorização de supressão de vegetação; (iii) quando a emissão de efluentes, sejam eles líquidos ou gasosos, não está de acordo com os padrões legais. Nesses casos, deve ocorrer a responsabilidade daquele que praticou a conduta. A responsabilidade ambiental ocorre em três esferas: cível, em que se exige a reparação dos danos ambientais causados; penal, na qual se aplica uma sançãocriminal, que pode ser desde multa até mesmo a detenção do responsável; administrativa, em que são aplicadas mul- tas, dentre outras sanções, pelos órgãos ambientais. Ocorre que, muitas vezes, os órgãos competentes para apurar a responsabilidade dos causadores de danos ambientais apenas tomam conhecimento de determinado fato por meio de denúncias da popula- ção – que constitui um parceiro importante no combate às degradações ao meio ambiente. Os principais órgãos responsáveis pela apuração de danos ambien- tais, nas suas respectivas competências, são: i Órgãos públicos ambientais: ibama (federal), inea (estado do Rio de Janeiro), Secretaria de Meio Ambiente (município de Duque de Caxias); ii Ministério Público, Federal ou Estadual. Além disso, importantes aliados na manutenção do meio ambiente eco- logicamente equilibrado são as organizações não governamentais e asso- ciações civis que, inclusive, possuem competência para ajuizar ação civil pública diante da ocorrência de dano ambiental. Bibliografia carson, R. Silent, Spring. Houghton Mifflin Co.: New York, 1962. comissão mundial independente sobre meio ambiente e desenvolvimento. Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988. machado, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12a ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Malheiros, 2004. meadows, D. et alli. Os Limites do Crescimento. Editora Perspectiva, 1973. milaré, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 3ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. ost, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. rodrigues, Marcelo Abelha. Elementos do Direito Ambiental: parte geral. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. silva, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2a ed. rev.. São Paulo: Malheiros, 1998. siqueira, Josafá Carlos de. Ética e Meio Ambiente. 2ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2002. soares, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001. Fernando Cavalcanti Walcacer (Direito) Advogado e professor de Direito Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio). Vice-diretor do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente e coordenador do setor de Direito Ambiental do nima. Coordenador acadêmico do curso de pós-graduação lato sensu em Direito Ambiental da puc-Rio. walcacer@jur.puc-rio.br Virgínia Totti Guimarães (Direito) Advogada, mestranda em Planejamento Urbano e Regional no ippur/ufrj. Especialista em Direito Ambiental pela puc-Rio (2008) e em Advocacia Pública pela uerj (2004). vtotti@uol.com.br 84 direito ambiental: origens, desenvolvimento e objetivos 85 fernando cavalcanti walcacer e virgínia totti guimarães O processo educacional é uma construção permanente e dinâmica. A educação formal, escolar, é complementada pela denominada informal, que podemos, sem pecar pela simplificação, entender como sendo o con- junto de relações sociais sob as quais o indivíduo está submetido, seja na casa, nos círculos de vizinhança, nas brincadeiras, nos encontros, enfim, no cotidiano de sua vida. A partir desse entendimento, pergun- tamo-nos: por que e para que educação ambiental? A contemporaneidade do capitalismo tem evidenciado, e de maneira assustadora, as consequências de um processo concentrador de riquezas e de poder por um lado, e, por outro, a pobreza, o aban- dono social e a expansão da violência que não se restringe aos espaços classicamente denominados de urbanos. As profundas desigualdades, a intensificação e a expansão dos múltiplos processos de transforma- ção da natureza têm propiciado um crescente movimento do reconhe- cimento dos limites desse tipo de reprodução societal, manifestado em inúmeras matizes, mas que tem como pano de fundo a preocupação com os derivados “problemas ambientais”. Torna-se cada vez mais premente a necessidade de entendermos a problemática ambiental no âmbito de um processo de desenvolvimento que assume as suas particularidades a partir de diretrizes norteadoras globalizadas, o que demonstra a impossibilidade de separarmos o uso predatório e aniquilador da natureza e as condições profundamente desiguais em que vivem milhões de pessoas. É a partir desse entendi- mento que, de novo, fazemos a pergunta: por que e para que educação ambiental? A relação do homem com a natureza é tão intrínseca que muitas vezes não percebemos que somos natureza tanto orgânica como social- mente, a segunda natureza, se é que podemos separar essas dimensões. Somos água, potássio, magnésio e uma relação imensa de elementos que são responsáveis pela nossa energia e, portanto, pela nossa capa- cidade de crescer, de desenvolver movimentos, de raciocinar. Em nossa contemporaneidade, os elementos naturais são cada vez mais transfor- mados por processos que se materializam em vigorosos sistemas técni- cos (edificações, equipamentos, fontes energéticas e outros) que impõem padrões de conduta que nos alienam, distanciando-nos dessa orgânica Educação Ambiental: por que e para quê? Regina Célia de Mattos relação, pois vemos a natureza apenas como objeto, fonte de recursos e de lazer. É esse processo de alienação que faz com que a preservação ou a conservação da natureza se torne foco crescente de estratégias de ações tanto de agentes privados como públicos, surgindo como quesito básico para políticas e ordenamentos territoriais, liberação de financia- mentos nacionais e internacionais, tornando-se uma verdadeira moeda de troca. A prática do alienante discurso desenvolvimentista-economicista colocou em xeque a sua sustentabilidade. A noção de sustentabilidade surge em 1992, através da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (unced), e se constitui em crescente e necessária meta nos atuais debates sobre desenvolvimento. Objeto de múltiplas interpretações, manifesta diferentes representações e ideias, um campo de lutas, conforme analisa Acselrad (2001, p.29): Mas, ao contrário dos conceitos analíticos voltados para a explicação do real, a noção de sustentabilidade está submetida à lógica das práticas: articula-se a efeitos sociais desejados, a funções práticas que o discurso pretende tornar realidade objetiva. Tal consideração nos remete a processos de legitimação/deslegitimação de práticas e atores sociais… Abre-se, portanto, uma luta simbólica pelo reconhe- cimento da autoridade para falar em sustentabilidade. E para isso, faz-se necessário constituir uma audiência apropriada, um campo de interlocução eficiente onde se possa encontrar aprovação. Poder- se-á falar, assim, em nome dos (e para os) que querem a sobrevi- vência do planeta, das comunidades sustentáveis, da diversidade cultural etc. Resta que a luta em torno a tal representação exprime a disputa entre diferentes práticas e formas sociais que se preten- dem compatíveis ou portadoras de sustentabilidade. Portanto, visões alternativas produzem uma “crença na sustentabili- dade”, baseadas na busca de eficiência na utilização dos recursos dis- poníveis; de limites ao crescimento tecnoeconômico e do “pensamento único”; de redução da pobreza diante de um modelo altamente con- centrador de riquezas e poder e consequente equidade; de reconheci- mento das diferenças como novas possibilidades; e de outra racionali- dade ética, dentre outras interpretações da relação sociedade-natureza traduzidas em “modelos alternativos de desenvolvimento”. A relação sociedade-natureza coloca a dimensão espacial como fundante nesse debate, na medida em que o espaço é um fato histó- rico, isto é, fruto da história da sociedade na medida em que a história não se reproduz fora do espaço, e nem a sociedade se realiza, se repro- duz, sem o espaço. O espaço geográfico é, por natureza, social, por ser transformado, através das práticas sociais, em segunda natureza, emmaterializações que expressam tanto o uso, o espaço da reprodução, 86 87 regina célia de mattos como a troca, o espaço da produção em suas múltiplas formas. Santos (1996, p. 186) afirma que: A história das chamadas relações entre sociedade e natureza é, em todos os lugares habitados, a da substituição de um meio natural, dado a uma determinada sociedade, por um meio cada vez mais artificializado, isto é, sucessivamente instrumentalizado por essa mesma sociedade. Em cada fração da superfície da terra, o cami- nho que vai de uma situação a outra se dá de maneira particular; e a parte do “natural” e do “artificial” também varia, assim como mudam as modalidades do seu arranjo. Como foram construídas, então, as relações entre a sociedade e natu- reza no município de Duque de Caxias? Como são, hoje, tais relações? Como se organizam os espaços do uso e da troca? Para entendermos as relações entre sociedade e natureza na con- temporaneidade de Duque de Caxias, é preciso que as contextualizemos historicamente. O crescimento populacional através de fluxos migrató- rios e o ordenamento territorial de municípios da Baixada Fluminense ocorreram no período de 1930-1950 devido a quatro fatores, segundo Abreu (2006, p.107): as obras de saneamento realizadas na década de 30 pelo dnos (através do Serviço de Saneamento da Baixada Fluminense); a ele- trificação da Central do Brasil, a partir de 1935; a instituição da tarifa ferroviária única em todo o Grande Rio (que beneficiou so- bretudo os subúrbios afastados e os municípios da Baixada); e a abertura da Avenida Brasil, em 1946, que aumentou sobremaneira a acessibilidade dos municípios periféricos. Essas ações propiciaram um retalhamento espacial através de loteamen- tos que é estimulado, em Duque de Caxias, com a abertura, em 1928, da rodovia Rio-Petrópolis, além do saneamento visar, conforme Abreu (2006), a formação de um cinturão agrícola abastecedor da Capital da República. De acordo com os dados abaixo, constatamos a aceleração do crescimento do município a partir dos anos de 1940–50, quando foi registrada a taxa de 12,06% de crescimento ao ano, resultado dos inten- sos fluxos migratórios. Tabela 1 Taxa média anual de crescimento entre anos selecionados (%) Unidades 1940 – 50 1950 – 60 1960 – 70 1970 – 80 1980 – 90 1990 – 00 2000 – 05 ERJ 2,61 3,68 2,97 2,30 1,15 1,30 1,30 Baixada Fluminense 8,86 8,80 5,95 3,38 1,38 1,72 1,67 Duque de Caxias 12,06 10,17 5,88 2,93 1,36 1,67 1,63 Fonte: CIDE – Baixada em Dados, 2005 O período de 1950–60 também foi de intenso crescimento anual, decli- nando, progressivamente nas décadas seguintes, com a redução dos fluxos migratórios e a diminuição do número de filhos diante da neces- sidade da mulher também ter que trabalhar fora do âmbito doméstico. É um período importante, pois a ideologia desenvolvimentista econo- micista é colocada em prática através do Plano de Metas do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) que estimulou, através de incen- tivos ao capital externo, um processo de industrialização. É interes- sante observarmos, também, a dinâmica populacional do município frente ao Estado do Rio de Janeiro e à Baixada Fluminense: nas pri- meiras décadas, o crescimento é bem superior aos dois recortes espa- ciais, aproximando sua dinâmica às da cidade do Rio e da Baixada nos períodos mais recentes, evidenciando uma estabilidade no crescimento populacional. Em 1961, foi inaugurada a Refinaria de Duque de Caxias, reduc, no distrito de Campos Elísios, às margens da antiga Rio-Petrópolis, hoje br-040, que integra Brasília ao Rio de Janeiro. A instalação da refinaria foi mais um importante fator no crescimento do município, uma vez que demandou grande contingente de mão de obra que, em grande parte, permaneceu no local. Pelos dados do Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro (cide), o município possui um dos mais vigorosos comércios e ativida- des de serviços da Baixada Fluminense. Com quase 850 mil habitantes em 2005, dividiu com a capital as principais participações na indústria de transformação, construção civil, estabelecimentos de instituições financeiras, comércio e outros serviços. No mesmo ano de 2005, Duque de Caxias foi o segundo município de maior Produto Interno Bruto (pib), acima de R$ 1 bilhão a preços básicos. A reduc teve uma participação de quase 60% nesse desempenho (Estudo Socioeconômico, 2007). Como estão, portanto, organizados os diferentes usos do espaço do município de Duque de Caxias? Observando o Mapa 01 constatamos a forte concentração populacional nos distritos de Duque de Caxias, Campos Elíseos e Imbariê. O mapa, de fato, representa tanto o uso do espaço para a reprodução (a casa, a família) como para a produção propriamente dita que se encontram densamente concentrados, oca- sionando uma densidade demográfica de 1.735,65 hab/km², de acordo com o cide. Observemos, agora, o Mapa 02 – Macrozoneamento – Zonas Especiais. Elaborado a partir da Lei Complementar do Plano Diretor Urbanístico de Duque de Caxias, demarca os diferentes usos do espaço e os futu- ros usos, em Zonas Especiais: de Interesse Social (zeis), de Interesse Ambiental (zeia), de Negócios (zen), Turístico e Negócios Rurais. Nele, 88 educação ambiental: por que e para que? 89 regina célia de mattos vemos com mais clareza a demarcação da área ocupada e urbana retra- tadas no Mapa 01. Se pudéssemos sobrepor os dois ficariam claros os limites de expansão urbana: do sul para o centro, os espaços concebi- dos como Zonas de Interesse Ambiental de Cidade de Meninos e São Bento; no sentido nordeste, a Zona de Interesse Ambiental de Petrópo- lis; e, ao norte, a Zona de Interesse Ambiental de Xerém e a Reserva Biológica do Tinguá. É bastante interessante essa correlação, na medida em que o uso do espaço tanto para moradias como para atividades produtivas ocor- reu sem levar em consideração a necessária preservação dos elemen- tos naturais, evidenciando suas consequências na qualidade de vida da população. A sociedade e o ambiente natural sofrem por usos do espaço, como as indústrias, que descarregam no solo ou no ar seus resíduos, acentuando a degradação e aumentando os riscos para a vida. Além do desmatamento, deterioração dos recursos hídricos e ocupação em terre- nos insalubres, esse ordenamento territorial não foi acompanhado por infraestrutura e medidas de saneamento. A Organização Mundial da Saúde (oms) define saneamento como o controle de todos os fatores do meio físico do homem que exercem ou podem exercer efeitos nocivos sobre a saúde, incluídas as medidas que visam a prevenir e controlar doenças, sejam elas transmissíveis ou não. Água, esgotamento sanitário, coleta e destinação de resíduos sólidos urbanos definem, concretamente, as condições de saneamento (Estudo Socioeconômico, 2007, p.26). De fato, são expressivos os problemas enfrentados pela população em relação ao acesso à água potável, ao esgotamento sanitário e à coleta diária do lixo. Dentre essas condições básicas de garantia de qualidade de vida, a coleta de lixo é a que vem recebendo mais atenção pelo poder público, mas, não, a sua destinação. A coleta, além de ser mais barata, desobstrui as vias de circulação, evita a geração de outros problemas nas vias públicas, como a convivência com ratos e baratas, deixando a paisagem mais limpa, mais politicamente negociável. Porém, a desti- nação, quando realizada adequadamente, requer vultosos investimen- tos com retorno de médio e longo prazos, prática que vai de encontro à lógica política do balcão de negócios, cujo tempo de retorno é agora, o imediato. No bairro Jardim Gramacho (parece ironia), localizado no distrito de Duque de Caxias, encontra-se o aterro de Gramacho, o maior aterro da América Latina, que recebe, por dia, mais de sete toneladas de lixo, a maior parte proveniente da cidade do Rio de Janeiro, e que se encon- tra em estado crítico, com mais de 50% de seu uso paralisado diante da possibilidadede desmoronamento. Caso medidas urgentes não sejam tomadas, a saúde de grande parte da população do município estará ameaçada. Parece-nos, portanto, que os problemas enfrentados pela população local derivam, com mais persistência, da ausência de ações dos agentes públicos e privados em garantir a saúde coletiva. É claro que a recorrente ausência desses agentes promoveu resultados desas- trosos nos ambientes naturais, tornando-os vetores de doenças. Os problemas enfrentados pelo desigual desenvolvimento sócioes- pacial convivem, com mais de 50% do território municipal demarcados como unidades de conservação (Plano Diretor do Município) que não garantem, necessariamente, uma boa qualidade de vida à população. Em princípio, a demarcação de tais unidades objetiva garantir quali- dade dos recursos naturais a serem utilizados pela população, assim como preservar ou conservar a biodiversidade e os elementos naturais indispensáveis à reprodução humana. Tais demarcações são necessá- rias? Sim, mas perguntamo-nos: quais os benefícios que a população de Duque de Caxias tem recebido com a demarcação desses territórios? Os ricos mananciais atendem às necessidades da vida urbana que exige salubridade? A natureza generosa que conforta o olhar, “descansa o espírito”, é desfrutada pela população? O município tem um abasteci- mento alimentar, diante de tantas terras, que propicie condições para a população, particularmente aquela de menor renda, para atender às suas necessidades? A educação ambiental é necessária, sim, mas não basta nas salas de aulas, não basta como atividade lúdica, não basta como ações pon- tuais. As indústrias poluem, desmatam, e “nós” que temos de apren- der a ter “educação ambiental”? Que “ambiente” é esse? O natural? E o social? As empresas ganham quando promovem práticas de “educa- ção ambiental”: é delegar ao Outro a responsabilidade com as práticas socioambientais e continuar poluindo. O poder público não cumpre com as suas responsabilidades de prover segurança de saúde à popu- lação e “nós” que temos de ensinar aos nossos filhos que não se joga lixo aqui e acolá, que não devemos agir de tal e tal maneira com a natu- reza, como se fôssemos os responsáveis pelos infindáveis problemas de saúde pública, das precárias condições em que vive grande parte da população das cidades? É óbvio que temos que ensinar, educar, mas por que todos não foram, historicamente, “ensinados”, “educados”? Por que as práticas do poder público e do capital quase sempre desprezaram os problemas derivados do uso da natureza na medida em que a percebiam infinita? As desigualdades do desenvolvimento socioespacial fizeram com os cus- tos da degradação dos ambientes naturais fossem divididos pela popu- lação mais pobre, sem condições de pagar pela segurança à vida, isto é, emprego, moradia digna, água potável, esgotamento sanitário, um entorno sem vetores de doenças. Afinal, os “frutos” do desenvolvimento não devem ser repartidos entre todos? Portanto, mais uma vez nos perguntamos: por que e para que edu- cação ambiental? 90 educação ambiental: por que e para que? 91 regina célia de mattos Bibliografia abreu, Mauricio de A. Evolução urbana do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ipp, 2006. acserald, Henri. Sentidos da sustentabilidade urbana. In: Acserald, Henri (org.). A duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro: dp&a, 2001, p. 27-57. cide. Baixada em Dados, 2005. Disponível na internet: http:/www.cide.rj.gov.br/ cide.index.php. Acesso: em 04/03/2009. estudo Socioeconômico 2007, Duque de Caxias. Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Plano Diretor Urbanístico do Município de Duque de Caxias, 2006. santos, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Editora Hucitec, 1996. Regina Celia De Mattos – Geografia Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (uff), con- cluída em 1975; mestrado em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj), finalizado em 1995; e doutorado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense (uff), concluído em 2005. É professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio) desde 1979. Atualmente, ocupa o cargo de professora assistente do Programa de Mestrado em Geografia da PUC-Rio. Na Universidade, participou dos seguintes projetos de pesquisa: Projeto de formação de lideranças em educação ambiental e Educação ambiental: formação de valores éti- co-ambientais para o exercício da cidadania. Entre vários artigos, livros publicados, organizados ou edições e capítulos de livros, estão os livros: Educação Ambiental: valores éticos na formação de agentes multiplicadores (Rio de Janeiro: Ed. Loyola, 2001); Educação Ambiental: resgate de valores ético-ambientais no município de Rio das Ostras (Rio de Janeiro: Petrobrás: puc-Rio, 2002); e Educação Ambiental: resgate de valores socioambientais de Mangaratiba, RJ (Rio de Janeiro: Petrobras: puc-Rio, 2003). rcm@puc-rio.br Uma simples palavra basta para caracterizar o ambiente do municí- pio de Duque de Caxias: heterogeneidade. Nele tudo é heterogêneo: os ambientes que compõem a base física do município, a forma de ocupa- ção pelos seus habitantes, a vegetação, a rede hidrográfica, o relevo… Ao longo do eixo norte-sul do município, com quase 40 km em linha reta, nada se repete: a área densamente povoada da sede do município e do distrito de Campos Elísios em nada lembra os vazios demográficos dos distritos de Imbariê e Xerém. A Mata Atlântica localizada na encosta Norte da Serra do Mar em nada se parece com os manguezais da Baía de Guanabara. E assim por diante… Por outro lado, existe muito pouca correspondência entre a vege- tação original no município de Duque de Caxias e a atual. Essa também é a principal característica da cobertura vegetal remanescente de toda a região da Baía de Guanabara, principalmente no que se refere ao seu entorno imediato. Há que se destacar, no entanto, que a feição original destes ecossistemas não foi alterada em um único evento da história da sua ocupação, mas foi produto de uma sucessão mais ou menos pau- latina de intervenções humanas sobre a paisagem original, com grande ênfase para os processos desencadeados nas últimas quatro décadas. Um pouco da história da transformação O cenário ambiental primitivo da região de baixada de Duque de Caxias era caracterizado por grandes formações paludosas – brejos, com algum tipo de vegetação emersa. O Rio Meriti formava um amplo estuário, com largura superior a 50 m, em frente ao qual existiam diversas ilhas, entre as quais Saravatá. Em função da sua proximidade com o nível de base, o rio descrevia meandros de maré num percurso de 8 km, até encontrar o Rio Pavuna, seu principal afluente, recebendo também como afluente o Rio Acari. Para o interior, a partir dos manguezais, envolvendo seus afluentes, ocorriam vastas extensões de brejos de água doce e salobra, Natureza e sociedade no município de Duque de Caxias: os significados dos espaços vazios Rita de Cássia Martins Montezuma Rogério Ribeiro de Oliveira 92 educação ambiental: por que e para que? 93 que se confundiam com várzeas fluviais. A área mal drenada era fre- quentemente inundada, favorecendo o desenvolvimento de uma rica fauna e flora. Do Rio Meriti até o Rio São Diogo, o litoral apresentava um trecho onde pequenas colinas chegavam ao litoral, sendo contornadas por um fino cordão arenoso. O Rio Sarapuí, com suas nascentes nas vertentes das serras de Madureira e Bangu, possuía um trecho desenvolvido em meandros de maré superior a 5 km, a partir do que contornava colinas e terraços. Alguns quilômetros a seguir encontrava-se o Rio Iguaçu, desenvolvendo um sistema de meandros com extensão superior a 20 km, sendo revestido por um vasto manguezal. Nas proximidades desse rio, em local que mais tarde seria conhecido como Campos Elísios (onde se situa a reduc), erguia-se, como o próprio nomeo convite para que os leitores possam assimi- lar a riqueza das diferentes abordagens e olhares sobre o terri- tório de Duque de Caxias. E a esperança de que os professores do município, verdadeiros agentes multiplicadores da Educa- ção Ambiental, possam traduzir, em linguagem acessível aos seus alunos, as grandezas, os problemas e as soluções ecologi- camente sustentáveis, socialmente justas e solidárias. Padre Josafá Carlos de Siqueira S. J. Vice-reitor da PUC-Rio10 11 Introdução A preocupação com a preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida tornou-se algo cotidiano e a educação ambiental se apresenta como um campo de estudo preocupado com a formação de pessoas conscientes do planeta em que vivem. Quando trabalhamos a educação ambiental, não falamos apenas de meio ambiente, mas abor- damos as complexas relações de interdependência entre os diversos ele- mentos da natureza, da qual fazemos parte, somos capazes de conhecer e transformar. Nós não nos relacionamos com a natureza apenas como indivíduos, mas, principalmente, por meio do trabalho e de outras prá- ticas sociais. Assim, as relações de todos nós com a natureza possuem dimensões econômicas, políticas e éticas. Desta forma, atualmente, quando trabalhamos temas do meio ambiente, precisamos tratar de questões sociais complexas como, por exemplo, baixos índices de desenvolvimento, pobreza e falta saneamento básico. Ao longo de nossa história humana, temos expressado uma admiração pela natureza que nos rodeia e, nas últimas décadas, uma crescente preocupação em protegê-la. Observamos que, atualmente, uma série de questões relacionadas com as diversas formas de degra- dação do meio ambiente vêm motivando e despertando boa parcela da população, em estado de alerta no que diz respeito à problemática ambiental. Sabemos que a educação é o meio mais eficaz que a sociedade pos- sui para enfrentar as provas do futuro e, de fato, a educação moldará o mundo de amanhã. A educação deve ser parte vital de todos os esfor- ços para imaginar e criar novas relações entre as pessoas e promover um maior respeito pelas necessidades do meio ambiente. Por isso traba- lhamos a educação ambiental em seu aspecto não formal, pois ela não deve ser relacionada apenas com a escolaridade ou o ensino formal, já que também compreende modos de instrução não formais, incluindo o aprendizado tradicional que se adquire no lar, no seu ambiente. Atra- vés da educação transmitimos um maior grau de consciência e sensi- bilidade, explorando novas visões e conceitos e inventando novas téc- nicas e instrumentos. Percebemos que a Educação Ambiental, para se consolidar, pre- cisa de ações práticas e teóricas que comprovem a viabilidade de sua proposta em todos os níveis sociais, como um processo crítico de for- mação que faça com que as futuras gerações tenham capacidade de exercer sua cidadania. Por isso, percebemos que os valores éticos são o agente mais efi- caz para a mudança e a transformação da sociedade. Valores éticos, como a equidade, são adquiridos pela educação, no sentido mais amplo do termo. A educação é também essencial para que as pessoas pos- sam usar seus valores éticos a serviço de opções conscientes e éticas. Quando trabalhamos com professores do ensino médio e fundamen- tal, na transmissão de novos valores ético-ambientais, imaginamos que estamos incrementando a capacidade dessas pessoas de transformar suas idéias sobre a sociedade em realidades funcionais, e que sem um fundamento moral e ético dificilmente um novo modelo de sustentabi- lidade se tornará realidade. O objetivo maior da educação ambiental é a do repensar o estilo de vida do homem, a necessidade de se formar uma ampla consciên- cia crítica das relações na natureza onde nos inserimos, dentro de uma proposta político-social-filosófica de mudança global da sociedade e de sua estrutura. A metodologia de ação deste projeto delineou-se a partir da diretriz que vem sendo traçada desde experiências anteriores em outros municí- pios. Nossa equipe acredita, confiando na sensação de dever cumprido através da troca de informações e experiências, que suas variáveis estão certamente se desdobrando em novas diretrizes, que vão orientar novas ações na multiplicação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no Município de Duque de Caxias. Essa troca veio se esta- belecendo desde o primeiro contato da nossa equipe com a Secretaria de Meio Ambiente do município, através dos trabalhos de campo, onde foram revelados aspectos socioambientais presentes na realidade coti- diana de Duque de Caxias. Desta forma, a proposta do projeto Educação ambiental: Formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no município de Duque de Caxias, promovido pelo Departamento de Geografia e pelo nima / puc-Rio, teve como principais objetivos: ● Fornecer uma ampla fonte de conhecimentos ambientais sobre o município de Duque de Caxias, construída através de um diag- nóstico produzido pela equipe do Departamento de Geografia e do nima / puc-Rio, em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente do município. ● Investir na formação de agentes multiplicadores da educação ambiental, que transmitirão valores ético-ambientais, capacitando e promovendo lideranças educacionais/comunitárias. ● Organizar conteúdos, métodos e roteiros didáticos, pautados pelos resultados do diagnóstico ambiental, disponibilizando os dados através de uma home page específica para o projeto. ● Produzir um livro que transforme o diagnóstico traçado em ferra- menta didática a ser utilizada por toda rede de ensino do municí- pio perpetuando, assim, a troca inicial de informações. 12 13 de acesso a uma quantidade significativa de dados e informações sobre o município de Duque de Caxias. O conteúdo dessas informações tor- nou-se uma ferramenta fundamental na capacitação dos alunos do pro- jeto. Através do laboratório do Sistema de Informações Geográficas da puc-Rio, o labgis, foram desenvolvidos mapas com conteúdo diverso de dados sobre o município, igualmente disponibilizados na rede de informações da internet através da home page do projeto, contribuindo para a democratização de todo material levantado. Assim, buscamos ofe- recer um redimensionamento da simbologia cultural dos mapas, através da sua disseminação em meio digital. Acreditamos que a capacidade de reconhecimento da diversidade de paisagens do próprio município, atra- vés do uso e disseminação desse material pelos professores e demais agentes locais, possa potencializar o sentido de pertencimento e orgulho da população local, contribuindo efetivamente na construção de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania. O investimento em uma maior conscientização ético-ambiental, através da promoção de conhecimentos socioculturais e ambientais, na formação dos agentes multiplicadores, com certeza irá proporcionar novas territorialidades no uso do espaço geográfico do município de Duque de Caxias. Um município com mais de 50% do território com- posto por área verde pode tornar-se uma referência, a partir da escala local, na gestão ambiental com participação efetiva das instituições públicas, privadas e da sociedade civil organizada. O projeto também teve o importante papel de mostrar a Petrobras como uma empresa socialmente responsável e preocupada não apenas com projetos ambientais de caráter técnico e conservacionista, mas também com a formação de valores ético-ambientais e com o desenvol- vimento sustentável da comunidade local, na medida em que ajuda o município a tomar consciência da importância da elaboração da Agenda 21 local, oferecendo subsídios e metodologias para sua implantação. Além desse aspecto, o projeto ainda integra a Petrobras nos programas de educação ambiental nas escolas públicas do interior do Estado do Rio de Janeiro, mantendo uma preocupação com a sensibilização sobre as questões ambientais, voltadas para uma abordagem ética. A gestãoindica, um campo revestido por vegetação arbustiva/herbácea. Essa formação, algo inco- mum para a Baía de Guanabara, era constituída de uma superfície arra- sada da formação Macacu, por terraços marinhos ou por serem áreas de lavoura deixadas em pousio pelos Tupis-Guaranis, que possuíam aldeias na região. As margens da Baía de Guanabara e todo o seu recôncavo já esta- vam ocupadas antes do final do século xvi, poucos anos após a funda- ção da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Nesse aspecto, é de se destacar que a Baía de Guanabara e os rios da Baixada iriam exer- cer um papel fundamental para a colonização da região. Na impossi- bilidade de outra forma de acesso, devido aos pântanos, manguezais e brejos, esses rios tiveram um papel decisivo de penetração e ocupação da região. Pelas águas dos rios Meriti, Sarapuí, Iguaçu, Pilar, Saracu- runa, Inhomirim e outros é que foram subindo os desbravadores. Ao longo de suas margens foram se alinhando engenhos e fazendas, e, por eles, se escoava a produção para o Rio de Janeiro. Portanto, todos esses rios representaram o principal vetor de desmatamento e colonização da Baixada Fluminense (ver mapa na p.XX). Com relação aos vários ecossistemas do município de Duque de Caxias, é preciso destacar que a megadiversidade característica da Mata Atlântica é potencializada na Serra do Mar – fachada litorânea que atra- vessa o estado do Rio de Janeiro no sentido sw-ne – pela variedade de biótopos: suas altitudes variam de zero a 2.200 m, apresentando encos- tas voltadas para diferentes quadrantes. Na bacia drenante da Baía de Guanabara, e, em especial, em Caxias, o principal ecossistema era a Floresta Ombrófila Densa (conhecida pela denominação geral de Mata Atlântica). Dentro dessa categoria maior encontravam-se nas partes bai- xas do município os ecossistemas1 descritos na sequencia (alguns ainda existentes, sob diferentes estágios de degradação antrópica): a) Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas: Abrangia os ambientes situados entre cerca de 5 m acima do nível do mar e a altitude de 50 m, estando assentada sobre rochas do embasa- mento cristalino, rochas alcalinas e sedimentos da Formação Barreiras. Trata-se do ecossistema mais impactado e descaracterizado de todos os demais da Baía de Guanabara. Essa tipologia florestal pode abranger uma grande variedade de fitofisionomias, mas a característica maior é a conspícua presença de brejos e alagados, o que, de certa forma, res- tringe a expressão da vegetação arbórea. Nos brejos, as espécies mais características eram as higrófilas graminóides, como Eleocharis, Typha e Cyperus. Tratavam-se de brejos bastante ricos do ponto de vista da diversidade faunística, hábitat do jacaré-de-papo-amarelo (Cayman lati- rostris) e de muitos mamíferos. Essa forma pioneira de Floresta de Ter- ras Baixas deveria ter ocorrido, de acordo com a restituição ambiental feita por Elmo Amador (1997), em parte considerável do terreno hoje ocupado pela reduc. b) Floresta Ombrófila Densa Submontana Este ecossistema ainda ocorre em grande extensão na bacia drenante da Baía de Guanabara, embora em localização distante da sede do muni- cípio. Ocorre na faixa de altitude entre 50 e 500 m, em áreas disse- cadas da Serra do Mar, das serras litorâneas e dos maciços isolados, sobre rochas do embasamento cristalino e rochas ígneas. A orientação de encostas desta formação exerce grande importância na estrutura e composição da vegetação. Geralmente as vertentes voltadas para o qua- drante sul apresentam menor suscetibilidade a incêndios e, por conse- guinte, biomassa e diversidade de espécies substancialmente maiores. No caso da bacia da Baía de Guanabara, a formação de maior extensão e com maior número de tributários – a Serra do Mar e, especialmente, a Serra dos Órgãos – apresenta todas as suas encostas voltadas para o quadrante sul, o que favorece as características acima relacionadas. c) Vegetação com influência fluviomarinha (manguezais) Na Baía de Guanabara, 40% dos manguezais foram eliminados à medida que a costa sofreu o processo de intensa urbanização (Kjerfve; Lacerda, 1993). Desde o início da fundação e durante a expansão da cidade do Rio de Janeiro, tais atividades se deram, na maioria das vezes, às cus- tas da drenagem e do aterro de brejos, mangues e lagunas, que esten- diam-se por todo primitivo litoral do município do Rio de Janeiro. Na região de Caxias, os manguezais devem ter ocorrido em três tipos fisio- gráficos: os ribeirinhos, desenvolvidos às margens de rios, geralmente até onde se faça sentir a presença de sal no substrato carreado pelas varia- ções de maré; os de franja, presentes nas margens de costas protegidas, caracterizando-se por um intenso processo de inundação provocado pela 1 A nomenclatura utilizada para conceituar os ecos- sistemas do município de Duque de Caxias é a dis- ponível em: IBGE. Manual técnico da vegetação bra- sileira. Série Manuais Técnicos em Geociências n. 1. Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Departamento de Recursos Naturais e Estudos Ambientais. Rio de Janeiro. 1992. 94 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 95 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira ação frequente das marés, e os de bacia, situados nas partes mais inte- riores, em áreas caracteristicamente de pequena variação microtopo- gráfica, onde a variação das águas ocorre de forma muito mais lenta da que a observada nos demais tipos fisiográficos. Em grande parte, essas formações devem ter sido aterradas para edificação de plantas indus- triais e ocupação urbana. Paisagem construída, paisagem natural e espaços “vazios” Em termos de unidades de conservação da natureza, o município de Duque de Caxias é muito bem servido e apresenta em seu interior dife- rentes modalidades de conservação, como as apa’s2 de Tinguá, São Bento, Estrela e Petrópolis, os Parques Municipais (Taquara, Caixa D’Água e Glicério) e mais de 20 áreas que o poder municipal decretou como Zonas Especiais de Interesse Ambiental. Somando todas essas unidades de conservação, vemos que elas abrangem cerca de metade do território. Essa condição deixa Caxias muito próximo a países desenvol- vidos como a Áustria, que apresenta porcentagem semelhante de uni- dades de conservação. Vale entender melhor a grande heterogeneidade que existe entre essas unidades de conservação, pelo menos em termos de biodiversi- dade. Dentro da lógica de ocupação do espaço do município, vários con- dicionantes, tanto sociais como ambientais, conduziram a uma con- centração da população bastante intensa na sede municipal. O mapa Densidade de ocupação & densidade urbana (p.XX) evidencia que as zonas de maior concentração urbana estão localizadas a sudoeste do município, abrangendo sua sede e os distritos de Campos Elíseos e Imbariê. No norte do município, no sopé da Serra do Mar, encontram-se as áreas de floresta contínua mais significativas, formadas principal- mente pela Reserva Biológica Tinguá. Estes dois ambientes distintos – a encosta da Serra do Mar e a planície – são fundamentalmente diferentes no que se refere ao patrimônio de biodiversidade. Enquanto que a pri- meira abriga trechos com grande diversidade biológica, principalmente na Reserva Biológica de Tinguá, apa de Petrópolis e no Parque Munici- pal da Taquara, a planície apresenta um quadro diametralmente oposto – de pouca relevância em termos de diversidade. Tratam-se, portanto, de espaços bastante heterogêneos se comparados entre si. Na serra localizam-se as verdadeiras joias em termos de biodiver- sidade, como a rebio Tinguá, apa de Petrópolis e Parque da Taquara. Já na baixada, o cenário ecológico é de relativa pobreza. Assim, grossei- ramente, poderíamos dividir, em termos de diversidade, esses espaços “vazios” em duas modalidades: os “vazios” pobres e os “vazios” ricos. Quais seriam, pois, os valores ambientais de cada uma destas áreas? 2 De acordo com o Sistema Nacionalde Unidades de Conservação da Natureza, a APA (Área de Proteção Ambiental) é uma das modalidades de Unidades de Uso Sustentável. Os “vazios” ricos em diversidade Tais áreas de alta biodiversidade do município de Duque de Caxias estão localizadas ao norte, exclusivamente sob o domínio montanhoso dos maciços costeiros e interiores e das colinas adjacentes (ver mapas: Geomorfologia pXX; Uso do solo & cobertura vegetal pXX; Unidades de Conservação pXX). Segundo dados de 1994 da fundação cide (2000), correspondem a 41,1% de toda a área municipal, sendo que 26,6% são constituídas por Florestas Ombrófilas Densas e 15,1% por Florestas Secundárias. Essa variabilidade de relevo, associada ao gradiente altitudinal, favorece a heterogeneidade geoambiental que, por sua vez, viabiliza a multiplicidade de habitats que gera a grande biodiversidade que vem sendo registrada nessas áreas. Se considerarmos a UC de maior representatividade em área, a Reserva Biológica de Tinguá (rebio Tinguá), serão 24.903 ha de mata contínua, com elevação máxima de 1.600 m de altitude. Encontra-se relativamente bem protegida desde o século xix devido à presença de inúmeros mananciais, os quais são responsáveis pelo abastecimento de parte do município do Rio de Janeiro e de quase 80% da Baixada Flu- minense, o que tem gerado inúmeros conflitos. De acordo com o Projeto Paisagem e Flora da Reserva Biológica do Tinguá: subsídios ao monitoramento da vegetação (ver Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro), nela são registradas três formações de Mata Atlântica: a) Floresta Montana, entre as cotas 500 m e 1.300 m de altitude, abriga várias espécies raras representativas da flora da Mata Atlân- tica, dentre as quais Manilkara salzmannii (massaranduba), Aspi- dosperma ramiflorum (pequiá), Geissospermum laeve (pau-pereira), Teminalia januarensis (mirindiba) e Pradosia kuhlmannii (casca- doce). b) Alto Montana, entre 1.300 m e 1.500 m, apresenta alta diversi- dade de flora saxícola, elevada biomassa e grande diversidade de Briófitas e Pteridófitas, além de elevada taxa de endemismos, des- tacando-se a presença de Podocarpus sellowii, espécie típica das florestas de grandes altitudes do Sul e Sudeste, que foi registrada pela primeira vez nas porções mais altas da Serra do Tinguá. c) Campos de altitude, registrados nas áreas acima das florestas altomontanas, sobretudo nos cumes das serras do Tinguá, dos Caboclos e de São Pedro. Nessa formação destaca-se a riqueza de Orchydaceae, Bromeliaceae, Gramineae e Cyperaceae. Nos cam- pos do Pico do Tinguá, os adensamentos de Glaziophyton mirabile, uma espécie de bambu endêmico de algumas serras do estado do Rio de Janeiro, atualmente são considerados fósseis vivos por alguns estudiosos de evolução em plantas. 96 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 97 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira Dada essa condição relativamente bem conservada da vegetação, é pos- sível encontrar na área uma fauna muito rica, onde já foram registradas 296 espécies de aves e 52 espécies de anuros, dentre os quais o menor anfíbio do mundo já descrito: o sapo pulga. Grandes mamíferos como a onça-parda e outras espécies ameaçadas de extinção, típicas de Mata Atlântica, encontram refúgio na unidade (segundo dados do site www. ibama.gov.br). Ainda no domínio montanhoso, merece destaque o Parque Muni- cipal da Taquara, o qual, por ser uma unidade contígua à apa Petrópo- lis, resulta na preservação da totalidade da área florestal compreendida entre estas unidades. A apa de Petrópolis, criada em 1982, abrange parte dos municí- pios de Petrópolis, Magé, Duque de Caxias e Guapimirim, num total de 59.049 hectares. Funciona como um tampão para a proteção dos recursos naturais. Possui 50% de sua área coberta por Mata Atlântica. Fazendo parte do domínio montanhoso que delimita a Baixada Flu- minense, juntamente com as outras unidades adjacentes, forma um conjunto de vegetação praticamente contínua, protegida sob a forma de diversas unidades de conservação estaduais, municipais e federais. Nela, têm sido registradas várias espécies da fauna, como a onça parda, cachorro do mato, mão pelada, gato do mato, jaguatirica, paca, caxin- guelê, sagüi, macaco prego, tapiti, queixada, caititu, tatu, ouriço e quati. Entre as aves, aparecem inhambu, anu, bico-de-lacre, beija-flor, tico- tico, tziu e trinca-ferro. A relação de répteis inclui teiú, cobra-coral, jara- racuçu, cobra-cipó, cobra de capim e jararaca. Anexado a esse conjunto tem-se o Parque Municipal da Taquara, onde têm sido registradas várias espécies típicas da Mata Atlântica, tais como gavião-pombo, capivara, marrecos, maracajá, muriqui, onça pin- tada preta, tamanduá, pica-pau de cabeça preta, saíra, tangará, guaxo e mico-leão-dourado (observação pessoal de Nelson Barroso, gestor do Parque Municipal da Taquara). Algumas dessas espécies contrariam as expectativas de ocorrência, como no caso de duas famílias de mico- leão-dourado – primeiro registro recente na área. Tais ocorrências sur- preendem alguns pesquisadores por serem raras nos dias atuais, prin- cipalmente em áreas próximas aos adensamentos urbanos. Isso só se explica pela conectividade ainda existente entre diversos fragmentos flo- restais em bom estado de conservação na região e com as quais o Par- que Municipal da Taquara é contíguo. Não obstante a falta de dados precisos do tamanho das populações das espécies observadas, a presença de mais de um desses exemplares, alguns dos quais compõem a lista de espécies da fauna ameaçada de extinção no estado e no bioma, é um indicativo da qualidade geral da área. Sua importância do ponto de vista da preservação da biodiversi- dade torna-se, portanto, clara. Subjacente a essa, há que se destacar a importância dos recur- sos ambientais e das funções ecológicas dessas unidades, tais como os mananciais que abastecem, oficialmente ou não, parte da população do município de Duque de Caxias, bem como a importância social que estes recursos representam: áreas de lazer, simbolismo cultural, reserva de água e amenização climática, entre outros, inclusive caça, pesca e subtração de espécie da flora para fins diversos, apesar dos danos que possam causar. A figura a seguir ilustra a importância social que estas áreas têm para as comunidades do seu entorno. Ao encontro do surf no Rio Taquara. Informativo da CEDAE sobre a captação e tratamento de água do Rio Taquara A represa da Taquara em dia de semana ensolarado (outubro/2008) Informativo do Parque Figura 4: As formas de apropriação dos “vazios” do município de Duque de Caxias representadas nas múltiplas funções eco- lógicas do Parque Municipal da Taquara e suas formas de uso. 98 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 99 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira Os “vazios” pobres em diversidade Estas áreas estão representadas em Duque de Caxias basicamente por três distintas unidades: os manguezais, os brejos de taboa e as colinas da baixada. Em termos de diversidade, os manguezais apenas parcial- mente poderiam ser caracterizados como sistemas pobres. Somente o componente arbóreo dos manguezais é que é menos diverso, pois geral- mente são encontradas nele apenas três espécies arbóreas. Dentre as espécies restritas aos manguezais encontram-se Rhizophora mangle (mangue vermelho), que ocorre preferencialmente à beira dos canais. O bosque é formado por adensamentos de Avicennia schaueriana e Lagun- cularia racemosa (mangue siriuba e mangue branco, respectivamente). No entanto, fica por aí esta indicação de pobreza biológica: os mangues constituem um ecossistema riquíssimo em termos de fauna, de algas e de muitos outros grupos biológicos. Nesse sentido, esse ecossistema é responsável, junto com os recifes de coral, pela manutenção da alta diversidade biológica encontrada nas regiões costeiras tropicais de todo o mundo. Trata-se de um ecossistemacosteiro que ocorre em regiões tropicais e subtropicais do mundo, ocupando as áreas entre marés. É caracterizado por vegetação lenhosa típica, adaptada às condições limitantes de salinidade, substrato inconsolidado e pouco oxigenado e frequente submersão pelas marés. Uma fauna típica compõe ainda esse ecossistema, igualmente adaptada às características peculiares do ambiente. Podemos destacar como principais funções dos manguezais: ● Fonte de detritos (matéria orgânica) para as águas costeiras adja- centes, constituindo a base de cadeias tróficas de espécies de importância econômica e/ou ecológica; ● Área de abrigo, reprodução, desenvolvimento e alimentação de espécies marinhas, estuarinas, límnicas e terrestres; ● Pontos de pouso (alimentação e repouso) para diversas espécies de aves migratórias, ao longo de suas rotas de migração; ● Manutenção da diversidade biológica da região costeira; ● Proteção da linha de costa, evitando erosão da mesma e assorea- mento dos corpos d’água adjacentes; ● Controlador de vazão e prevenção de inundações e proteção con- tra tempestades; ● Absorção e imobilização de produtos químicos (por exemplo, metais pesados), filtro de poluentes e sedimentos, além de tratamento de esgotos em seus diferentes níveis; ● Fonte de recreação e lazer, associado a seu alto valor cênico; ● Fonte de alimento e produtos diversos, associados à subsistên- cia de comunidades tradicionais que vivem em áreas vizinhas aos manguezais. O fato de o manguezal ocupar uma área de transição entre o continente e o mar, entre a água doce e a salgada, entre o sólido e o líquido, confere a esse ecossistema características biológicas muito especiais. Mas uma, em especial, distingue os manguezais de outros ecossistemas costeiros: a sua grande resistência a impactos feitos pelo homem. Esta caracte- rística funcional faz com que os manguezais resistam a pesadas cargas poluidoras, sejam elas orgânicas, como os esgotos domésticos, ou inor- gânicas, como os metais pesados. Em função disso, o manguezal tem sido considerado como uma verdadeira barreira geoquímica a poluen- tes provenientes do continente em direção ao estuário. Um ótimo exem- plo disso são os manguezais de Duque de Caxias, que se localizam na interface de dois ambientes severamente poluídos do Estado do Rio de Janeiro: a Baía de Guanabara e os rios que drenam a Baixada Flumi- nense. Da primeira, os manguezais recebem esgotos domésticos, car- gas tóxicas de indústrias localizadas no seu entorno, lixo flutuante e eventuais derramamentos de óleo; os rios trazem grande carga orgânica decorrente da virtual inexistência de tratamento dos esgotos produzidos pela região de maior densidade demográfica do estado. O gráfico abaixo dá uma idéia da poluição por um metal pesado (chumbo) existente no sedimento dos manguezais da Baía de Guanabara. Contaminação por chumbo no sedimento de manguezais da Baía de Guanabara (mg/kg de peso seco). 0, 04 0, 02 0, 05 0, 07 0, 1 0, 02 0, 02 São Gonçalo D. de Caxias Ilha do Governador Guapimirim Ilha Grande Profundidade 0 a 5 cm 20 a 25 cm Fonte: Oliveira, 1998. Mesmo o manguezal localizado nas proximidades do Aterro Metropo- litano de Jardim Gramacho mantém-se em razoável vigor, apesar da carga orgânica e inorgânica a que está submetido. O volume de cho- rume produzido por este aterro é imenso, assim como imensa é a carga tóxica derivada do processo aeróbico e anaeróbico da decomposição das 3 Dados obtidos em: http:// odia.terra.com.br/rio/htm/ feema_aterro_de_ grama- cho_entrara_em_colapso_a_ qualquer_momento_160874. asp 100 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 101 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira quase 7.700 toneladas de lixo, das quais 6.500 são oriundas do muni- cípio do Rio de Janeiro11. Para entender (ou tentar entender) a grande capacidade de resili- ência do manguezal a esta carga poluidora, o gráfico a seguir traz uma comparação entre o teor de chumbo encontrado em folhas de dois tipos de ecossistemas (Oliveira; Bressan; Silva, 1998). Os números são bas- tante distintos no que se refere à carga de poluição recebida: os dados referentes à Floresta Atlântica dizem respeito a uma região próxima ao Pico do Papagaio, localizado no Maciço da Tijuca, em altitude de 850 m. Ou seja, relativamente distante de qualquer fonte pontual de poluição. As eventuais entradas que essas folhas recebam são extremamente dilu- ídas, recebidas exclusivamente por entradas atmosféricas. Já os dados de manguezal referem-se a uma situação oposta: estão submetidos, duas vezes por dia, por ocasião das marés, à imersão em águas ricas em chumbo. Apesar da grande diferença em relação à entrada da con- taminação por chumbo, a contaminação das folhas é significativamente maior no ecossistema de Mata Atlântica. Contaminação por chumbo em folhas de espécies de Mata Atlântica e de manguezais do Estado do Rio de Janeiro (mg/kg). D. de CaxiasIlha do Governador Guapimirim 0, 3 0, 2 6, 0 27 21 Floresta da Tijuca Floresta do Camorim Fonte: Oliveira, 1998. Outra formação relevante que ocorre na área de baixada do município de Duque de Caxias são as colinas localizadas na baixada. Em termos geomorfológicos são formações antigas e correspondem à porção final da Serra do Mar, paralelas ao seu alinhamento principal. Tratam-se de colinas de baixa altitude situadas de forma não contínua ao longo da baixada do município. Primitivamente, as mesmas eram revestidas pela Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas e pela Floresta Ombrófila Densa Submontana. Como estas colinas erguiam-se como ilhas em meio às áreas brejosas, forneciam ambiente distinto para a fauna e certa- mente eram utilizadas por essas populações na busca por recursos para a sobrevivência. Mais tarde, em período histórico, estas colinas sedia- ram distintos ciclos agrícolas da região, como plantio de subsistência, canaviais e plantio de laranja. São constituídas por solos dessecados e de baixa fertilidade natural. Como muitas dessas colinas localizam-se nas proximidades de brejos, durante muito tempo funcionaram como área de empréstimo para aterros. Esta situação contribuiu ainda mais para a degradação da vegetação existente no local. Com esses condicionamentos históricos, as colinas apresentam, hoje em dia, uma baixa diversidade. A floresta que as reveste – quando existente – é uma formação secundária com reduzido número de espé- cies arbóreas. A fauna é bastante pobre e poucas aves podem ser visu- alizadas. A pobreza tanto da fauna quanto da flora decorre, portanto, de dois fatores: do uso histórico dessas colinas e da situação de insula- mento destes fragmentos, verdadeiras ilhas cercadas por áreas urbanas. Como essas áreas não recebem propágulos (como, por exemplo, semen- tes) de outras espécies, a sua flora é constituída por espécies típicas de estágios sucessionais iniciais. As espécies arbóreas mais frequentes nestas colinas da baixada são: carrapeta (Guarea guidonia), arco-de- pipa (Erythroxylum pulchrum), assa-peixe (Vernonia polyanthes), jacaré (Piptadenia gonoacantha), ipê verde (Cybistax antisyphilitica) e cambará (Gochnatia polymorpha), a mais comum de todas, que forma adensa- mentos monoespecíficos e tem relativa resistência ao fogo. Tratam-se todas de espécies bastante comuns a este tipo de ambientes. Qual seria, pois, o valor ambiental dessas colinas para o município de Duque de Caxias? Diversas podem ser as respostas: algumas dizem respeito ao presente, outras ao futuro. Para o tempo atual, a vegetação preservada (ainda que parcialmente em função de invasões, incêndios etc.) significa uma redistribuição das águas de chuva. Por apresentar o seu solo recoberto por serapilheira, essas colinas têm um papel rele- vante no que diz respeito ao armazenamento da chuva. O município apresenta, em sua porção sul, baixíssima altitude em relação ao nível do mar – inclusive, em muitas áreas, essa chega a ser negativa,ou seja, o local está alguns metros abaixo no nível do mar. Esse fato resulta em grande vulnerabilidade ecológica, principalmente em um cenário de mudanças climáticas globais. A destruição destas poucas formações florestais, sua urbanização e consequente impermeabilização do solo, representam um fator relevante no agravamento das enchentes e dos alagamentos. Com referência ao futuro do município, a preservação destas coli- nas empreendida pelo poder municipal significa uma possibilidade de 102 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 103 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira ganho ambiental significativo para a vida da cidade. A decretação des- sas áreas como unidades de conservação significa um primeiro passo para uma mudança da qualidade ambiental. Assim, um grande leque de possibilidades se abre com esta opção. Projetos podem ser desen- volvidos no sentido de prover o enriquecimento de espécies, via reflo- restamento. A fauna e a flora podem ter uma melhoria que resultará em maior qualidade de vida para a população. Suas funções ecológicas ligadas à redistribuição das águas de chuva podem ser implementadas com o reflorestamento. A população pode passar a dispor de um espaço adequado à contemplação, aos esportes ao ar livre, a atividades educa- tivas etc. A criação de unidades de conservação sobre esses ambientes representa, como o recente Parque Municipal da Caixa D’Água, uma conquista cidadã em torno de espaços que, de outra forma, poderiam ser perdidos para a violência urbana. Nesse sentido, a preservação no presente dessas áreas abre uma perspectiva futura para uma verdadeira utopia de ações. Algo como um tomar posse hoje, por parte da munici- palidade, da qualidade de seu futuro. Finalmente, outra área pobre do ponto de vista da diversidade relativa aos “vazios”, são as áreas planas e em parte brejosas, localiza- das em muitas das áreas planas do município, notadamente a sudo- este do mesmo, nas proximidades da Refinaria Duque de Caxias. Prete- ritamente, essas áreas foram revestidas pela Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas. Do que existia dessa formação, não se dispõe atu- almente nem mesmo de fragmentos, quer no município de Duque de Caxias, quer na Baía de Guanabara. Esta formação foi destruída, em grande parte, em meados do século passado, nas chamadas obras de saneamento. Segundo o presidente Getulio Vargas, “o saneamento da Baixada Fluminense é, no gênero, uma obra monumental”. De fato, em função da abertura de canais que se destinavam à dragagem das ter- ras, foram criadas extensas terras emersas, incluindo aquelas onde hoje se situam a da Refinaria Duque de Caxias. As fotografias a seguir evi- denciam um pouco deste esforço colossal, feito anonimamente por uma legião de trabalhadores. Etapas da construção dos canais de drenagem da Baixada Fluminense. Fonte: O homem e a Guanabara, de Alberto Lamego. 104 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 105 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira O que era uma rica formação florestal virou, em sua maior parte, uma área brejosa. Brejo, alagado ou charco são designações utilizadas para um tipo especial de ecossistema de águas rasas e semiparadas coberto com ervas de diversos tipos e tamanhos. O nome oficial adotado pelo ibge para estes ecossistemas é “comunidades aluviais”. A água é o ele- mento chave nesse tipo de ecossistema. Para que o brejo exista, são necessárias algumas condições físicas. A primeira é a pouca inclinação do terreno, que retarda ou impede o escoamento das águas. A segunda é a existência de solos impermeáveis, impedindo ou dificultando a infil- tração, e a terceira é a proximidade da rocha-mãe logo abaixo de uma fina camada de solos, ou a combinação destes fatores. Desde que essas condições existam, haverá a possibilidade de ocorrência de brejo. Este pode ser permanente, temporário ou ter um núcleo permanente com uma zona no entorno onde o brejo se expande e se retrai de acordo com a época do ano. A erva mais abundante nos brejos é a taboa (Typha dominguensis), que cresce em tufos que podem atingir mais de dois metros de altura. São comuns, ainda, muitas outras espécies, como a samambaia-do-brejo (Achrosticum aureum), o aguapé (Echornia crassi- pes) e a salsa-do-brejo (Jussiaea sp). Os brejos de taboa têm importân- cia para a fauna, principalmente para aves aquáticas como o jaçanã (Jacana jacana) e roedores como a preá (Cavia aperea). A taboa é uma espécie de grande importância para a fabricação de artesanatos, prin- cipalmente esteiras. Muitas dessas áreas brejosas constituem Zonas Especiais de Inte- resse Ambiental. Assim como as demais áreas de baixa diversidade do município, estas apresentam grande valor ambiental, principalmente no que se refere à circulação de águas superficiais e de sub-superfície e também como áreas de circulação atmosférica. Integrando os “vazios”: valores e funcionamento da paisagem de Duque de Caxias A paisagem constitui um objeto de estudo comum a diversas ciências. Ela é entendida como o estudo da estrutura, função e dinâmica de áreas heterogêneas compostas por ecossistemas interativos (Forman, 1995). Atualmente, é bastante estudada pela Geoecologia, definida como uma ciência que lida com as interações entre a sociedade humana e o seu espaço de vida, natural ou construído – ou seja, a paisagem (Metzger, 2001). No entanto, sendo um termo polissêmico, o conceito de paisa- gem apresenta inúmeros significados e representações. Historicamente, paisagem significa cenário. Como tal, sua definição torna-se subjetiva. É dependente dos sentidos, o que para alguns significa distinção não apenas através da visão, como também do olfato, dos conceitos pré- concebidos, valores, cultura, posição social, religião, crenças, gênero, enfim, do arcabouço cognitivo de cada um. Para alguns autores, essa delimitação espacial pode ser feita “até onde a vista alcança” (Santos, 2006). Para outros, a delimitação se dá em função da frequência de ocorrência de determinados elementos, ou padrões fisionômicos que regem uma “área terrestre heterogênea, com- posta por um conjunto de ecossistemas que interagem e se repetem de forma similar através da paisagem” (Forman, 1995). Portanto, para entendermos a dinâmica da paisagem do municí- pio de Duque de Caxias, importa analisá-la como um todo, integrando seus diversos espaços, sejam eles construídos, naturais ou em distintas estratégias e formas de alterações pela milenar ação do homem. Não se pode pensar a zona de planície do município fora do contexto da encosta da Serra do Mar. A água, seja sob a forma de chuva ou de escoamento superficial ou subsuperficial, integra todos esses elementos da paisa- gem. Da mesma forma, a proximidade com a Baía de Guanabara impõe severas restrições à ocupação do território e de seu planejamento para o futuro. O estudo integrado e dinâmico da paisagem do município cons- titui uma forma para o enfrentamento do fenômeno das mudanças cli- máticas globais. Ainda mais se considerando as inúmeras fragilidades a que o município está sujeito, como a alta densidade populacional, a reduzida altitude de sua sede em relação ao nível do mar, a proximi- dade com a Serra do Mar etc. Como visto, as partes planas do município de Duque de Caxias são constituídas por ecossistemas inteiramente descaracterizados de sua condição original. Em sua parte não habitada (ou fracamente habi- tada), a baixada é constituída de pastagens, manguezais e pelas áreas drenadas nas décadas de 1940 e 1950. Associado à ideologia de “sane- amento”, que resultou na radical transformação da paisagem do muni- cípio, encontra-se a criação, por essa época, de uma grande indústria de bhc estatal. Sua falência gerou a tristemente conhecida Cidade dos Meninos, um passivo ambiental antigo e de difícil solução. Assim, dentro do quadro de elevada densidade demográfica que tanto o município como a própria Baixada Fluminenseapresentam, esses espaços vazios têm grande importância para a vida do município e são relevantes os esforços feitos para a sua proteção. Do ponto de vista da circulação aérea, essas áreas representam um importante papel nas condições climáticas das áreas mais habitadas. Funcionam também como dispersores da poluição atmosférica, seja ela oriunda de veículos automotores ou da reduc. Essas áreas planas desabitadas têm tam- bém grande importância no que se refere à circulação de águas subter- râneas do município. Em se tratando de um município com alto grau de industrialização, a contaminação atmosférica é relevante e essas áreas representam um grande papel não apenas na dissipação dos poluen- tes, como também na amenização do clima, pois tratam-se de áreas não impermeabilizadas pela urbanização. Em função de sua baixa altitude, essas áreas constituem um ambiente de tamponamento das águas provenientes das elevações e 106 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 107 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira contribuem para minorar as enchentes. Enfim, esse conjunto heterogê- neo de espaços “vazios” representa um papel altamente relevante para as condições de vida dos seus habitantes. Entretanto, sua viabilidade fica a depender do interesse dos grupos sociais que dele fazem parte. A função dos espaços vazios quanto à regulação e manutenção dos recursos hídricos, qualidade do ar, fornecimento de alimento, con- forto ambiental, lazer e espaço de interação social, ou seja, enquanto recurso ambiental, só será mantida na medida em que os grupos sociais que deles se utilizam assim desejarem, atribuindo-lhes valores sociais. Assim sendo, a utilização desses espaços como área de preservação integra um circuito de interesses e ações que pode ser compreendido através do esquema abaixo. Recurso Ambiental Sociedade Preservação / Conservação funções ecológicas necessidade disponibilidade do recurso espaços vazios Visto dessa maneira, como recursos ambientais, passa a ser um con- ceito vinculado à cultura e, portanto, à sociedade. Sociedade com seus valores associados, suas formas de organização específicas e, por isso, com dinâmicas próprias, sujeita a variações ao longo do tempo. Segundo Sachs (2000), “é recurso aquela parcela do meio que eu considero útil. É recurso, hoje, o que não era recurso ontem. Não é mais recurso, hoje, o que era recurso ontem. Será recurso amanhã o que não é um recurso hoje.” Portanto, diante de cada espaço vazio, cabe a pergunta: Vazio de quê? O que está ausente neste espaço? Quais atributos existem ou inexistem para que o adjetivemos dessa forma? Atribuir um novo uso resulta em atribuir novos significados, que só serão respeitados na medida em que forem também entendidos e apreendidos, afinal, a paisagem e o sujeito são co-integrados em um conjunto unitário que se autoproduz e autorreproduz. Paisagem-marca expressa uma civilização e paisagem-matriz participa dos esquemas de percepção, da concepção e de ação-cultura (Rosendahl; Corrêa, 2004). Nesse sentido, a transformação dos espaços vazios de Duque de Caxias em Unidades de Conservação tem seu valor intrínseco enquanto resgate ou, em certos casos, promoção de suas funções ecológicas. Con- tudo, estes só manterão suas dinâmicas próprias se e somente se os grupos sociais a eles associados compreenderem e respeitarem sua importância. Do contrário, outros usos lhes serão dados, em função das necessidades que tais grupos identificarem. Cabe ressaltar que essa relação não se restringe à ação local, uma vez que, segundo dados do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o município de Duque de Caxias necessitaria implantar 721 ha de corredores ecológicos, o que corresponde a 1,5% da área total do município. Isso reitera a necessidade de ter que adotar a paisagem como o recorte mínimo para a tomada de decisão, entendendo-a como uma paisagem concreta, em que se conjugam o sistema dito natural e o cultural, integrando cada espaço como o Ecossistema Humano Total – seres humanos integrados em seu ambiente total (Naveh, 2000). Desse modo, podemos concluir que os “vazios” de Duque de Caxias são espaços prenhes de história, ações, significados. Sendo assim, é fun- damental que cada um desses espaços seja considerado tanto dentro do seu contexto geobiofísico e da paisagem em que está inserido, como também no contexto social que sobre ele atua. Bibliografia amador, E.S. Baía de Guanabara e ecossistemas periféricos: Homem e Natureza. Reproarte Gráfica e Editora Ltda. 539 p., 1997. bressan, F. A.; oliveira, R. R.; silva, E. V. Contaminação por metais pesados no sedimento e em compartimentos bióticos de manguezais da Baía de Guanabara. In: IV Simpósio de Ecossistemas Brasileiros, 1998, Águas de Lindóia. Anais do IV Simpósio de Ecossistemas Brasileiros. Aguas de Lindóia, 1998. v. 1. p. 30-37. 86 87 cide – Fundação Centro de Informações e Dados do Rio de Janeiro. Índice de qualidade dos municípios – verde (IQM verde). Rio de Janeiro, CIDE, 2000. 80p. forman, R.T.T. Land Mosaics. Cambridge: Cambridge University Press, 1995. instituto de pesquisas jardim botânico do rio de janeiro kjerfve, B. E; lacerda, L. D. Manglares de Brasil. In: Conservación y Aprovechamiento Sostenible de Bosques de Manglar en las Regiones América Latina e Africa. Yokohama: itto/ isme Project pd114/90 pd114/90 (F), v.1 p.231–256. 1993. metzger, J.P. O que é ecologia de paisagens? Biota Neotropica, v. 1, n. 1, p. 1-9, 2001. naveh, N. What is a landscape ecology? A conceptual introduction. Landscape and Urban Planning. v.50. p. 7 – 26. 2000. 108 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 109 rita de cássia martins montezuma e rogério ribeiro de oliveira rosendahl, Z.; corrêa, R. L. (org). Paisagem, Imaginário e Espaço. Rio de Janeiro. EdUERJ. 2 Edição. 2004. sachs, I. Sociedade, cultura e meio ambiente. Mundo & Vida, v.2, n.1. p. 7-13. 2000. santos, M. A natureza do espaço. São Paulo: EDUSP. 2006. Rogerio Ribeiro De Oliveira — Geografia Graduado em Comunicacao Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio), em 1976. Fez mestrado e doutorado em Geografia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj) em 1987 e 1999, respectivamente. Tem pós-dou- torado em História Ambiental, concluído em 2007, pela Universidade de Klagenfurt (Áustria). Atualmente é professor assistente do Departamento de Geografia da puc- Rio e integrante do corpo docente dos programas de pós-graduação em Geografia da puc-Rio, de Ciências Ambientais e Florestais da ufrrj e de Ecologia da ufrj. Entre seus artigos publicados, destaca-se Mata Atlântica, paleoterritórios e histó- ria ambiental (Ambiente & Sociedade). Sua produção bibliográfica inclui artigos em diversos periódicos, livros e capítulos sobre História Ambiental e ecologia da Mata Atlântica. rro@geo.puc-rio.br Rita De Cassia Martins Montezuma — Geografia Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (uerj) em 1985. Mestre em Ecologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (ufrj), curso concluído em 1997, e doutora em Geografia pela mesma instituição (2005). É professora assistente da puc-Rio, com atuação em ensino e pesquisa em cursos de graduação e pós-graduação. Escreveu artigos em dois livros: Aspectos estruturais da paisagem da Mata Atlântica em áreas alteradas por incêndios flores- tais e As comunidades vegetais das restingas de Macaé. montezum@puc-rio.br A palavra que melhor traduz o conceito de natureza que emerge é “vida”. De acordo com o artigo 3 da Lei 6.938 de 1981, o meio ambiente “per- mite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. Em nome da vida, a questão ambiental adquire dimensão global, seduzindo defensores alistados numa pluralidade de espaços sociais e geográficos. As lutas em defesa do meio ambiente são variações em tornodo tema vida/morte. O sentido ambiental da tensão vida/morte desloca a questão da sobrevivência de uma luta contra as forças naturais para uma luta em defesa do meio ambiente. O conceito de meio ambiente, ao definir as condições que permitem a vida, nos força a pensar a natureza como mera possibilidade. Outro aspecto promissor da luta em defesa do meio ambiente é o combate ao utilitarismo pragmático de um projeto de dominação da natureza que desconhece outros valores além da produção e do con- sumo de bens materiais. Isso não se restringe ao terreno das ideias: são “ações” concretas que visam reorientar as atividades econômicas no sentido de atenuar seus impactos ambientais. A questão ambiental abre espaço para um deslocamento valorativo, em que parte da quanti- dade de crescimento econômico é substituída pela qualidade de vida. Sobre as relações homem-natureza A crise nas relações homem-natureza deve ser buscada nos modelos de conjunto de valores, que marcaram as diferentes concepções de natu- reza, sendo algumas hoje profundamente questionadas. Segundo o filósofo Gómez-Heras (1997:20), a partir do Renascimento, dois tipos distintos de interpretação da natureza surgiram: um ligado ao ideal gali- leano-cartesiano de ciência, com forte acento na quantificação e forma- lização matemática da natureza, e outro relacionado com a dimensão qualitativa e valorativa da natureza. A primeira acabou por se expandir ao longo da história, impondo suas regras nas ciências modernas. Na relação com a natureza existe Roosevelt Fideles de Souza Histórico, finalidades, objetivos e princípios da Educação Ambiental 110 natureza e sociedade no município de duque de caxias... 111 uma outra racionalidade, que não pode ser mensurada e quantificada, pois seus fundamentos são a qualidade e os valores. É a racionalidade qualitativo-axiológica, ela mostra que nem todo o saber sobre a natureza tem que ser quantificado e formalizado conforme a matemática. É preciso reconhecer que as experiências estéticas da natureza e a vivência de valores solidários, harmônicos e inspiradores da pró- pria natureza viva fornecem também um quadro axiológico qualitativo de extrema importância para a nova mentalidade ecológica do mundo moderno. Vivemos atualmente mergulhados em duas concepções filo- sóficas da natureza. Uma sustentada pela racionalidade axiológica, que corresponde a esta visão mais qualitativa da natureza, e outra susten- tada pela racionalidade técnico-operacional, alimentada pela cosmovi- são matematizante e quantitativa da natureza. O desafio ético que encontramos consiste em buscar um ponto de equilíbrio entre essas duas concepções, fazendo com que a atividade humana se integre entre ambas, evitando a perda das dimensões sub- jetiva, teleológica e teológica da natureza e não permitindo a polariza- ção excessiva da mentalidade objetiva e instrumental da natureza, pois essa acaba esvaziando a relação do homem com o mundo circundante e com o próprio sentido radical e absoluto da história, Deus. (Siqueira, 2002:13) Certamente, qualidade de vida é um valor bem mais complexo do que o de progresso material. Isso porque ela é multifacetada, incorpo- rando as dimensões estética, espiritual e material: à quantidade gerada pela atividade “produtiva” soma-se a qualidade que o meio ambiente não degradado é capaz de proporcionar à vida. O planeta Terra abriga 30 milhões de espécies de vida vegetal e animal, das quais apenas 2 milhões são conhecidos e estudados. Existem atualmente 5.500 espécies animais e 4 mil espécies vegetais seriamente ameaçadas de extinção, sendo que 450 dessas espécies animais e vegetais são do Brasil. A ecologia (do grego oikos, casa, lugar, estado) natural desenvol- veu os princípios do equilíbrio dos ecossistemas, os quais estão funda- dos na interdependência dos seus diferentes elementos constitutivos. Interferir em um elemento do ecossistema pode implicar a alteração de todo o seu equilíbrio. Mudar o curso de um rio, desmatar uma encosta ou eliminar alguns insetos são atitudes que podem ocasionar mudan- ças no solo, na fauna e no microclima. (Guatari, 1991:68) Sobre a Educação Ambiental A Educação Ambiental contribui na afirmação de valores e ações que influenciarão a transformação social, gerando mudanças na quali- dade de vida e maior consciência na conduta pessoal, comunitária e populacional. A Educação Ambiental deve gerar conhecimentos que sirvam a toda a sociedade, possibilitando reverter este quadro. As transforma- ções na consciência, conduta pessoal, estilos de vida, harmonia entre os seres humanos e destes com outras formas de vida, surgirão a partir da realização de um trabalho que deve ser seriamente realizado em todas as classes sociais, dos variados níveis intelectuais e faixas etárias. Com as crescentes pressões humanas sobre os ambientes natu- rais, a Educação Ambiental tem se tornado cada vez mais importante como meio de buscar apoio e participação dos diversos segmentos da sociedade para a conservação e melhoria da qualidade de vida. A Edu- cação Ambiental propicia o aumento de conhecimentos, mudanças de valores e o aperfeiçoamento de habilidades, que são condições básicas para que o ser humano assuma atitudes e comportamentos que este- jam em harmonia com o meio ambiente. A preocupação oficial com a necessidade de um trabalho educa- tivo que procurasse sensibilizar as pessoas para as questões ambientais surgiu em 1972, na Conferência sobre Meio Ambiente Humano, reali- zada pela onu, em Estocolmo. A conferência gerou a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano e teve como objetivo chamar a atenção dos governos para a adoção de novas políticas ambientais, entre elas um Programa de Educação Ambiental, visando a educar o cidadão para a compreensão e o combate à crise ambiental no mundo. A unesco promoveu, em Belgrado, em 1975, um Encontro Inter- nacional sobre Educação Ambiental. O encontro culminou com a for- mulação de princípios e orientações para um programa internacional de Educação Ambiental (ea), segundo o qual esta deveria ser contínua, interdisciplinar, integrada às diferenças regionais e voltada para os inte- resses nacionais. Em 1977, ocorreu a Primeira Conferência sobre Educação Ambien- tal, em Tbilisi, Geórgia, considerada o mais importante evento para a evolução da Educação Ambiental no mundo. A “Conferência de Tbilisi” como ficou conhecida, contribuiu para precisar a natureza da Educação Ambiental, definindo objetivos, características, recomendações e estra- tégias pertinentes ao plano nacional e internacional. Foi recomendado que a prática da Educação Ambiental deve considerar todos os aspectos que compõem a questão ambiental, ou seja, aspectos políticos, sociais, econômicos, científicos, tecnológicos, éticos, culturais e ecológicos, den- tro de uma visão inter e multidisciplinar. Na Conferência de Tbilisi, a Educação Ambiental foi definida como uma dimensão dada ao conteúdo e à prática da educação, orientada para a resolução de problemas concretos do meio ambiente, através de enfoques interdisciplinares e de uma participação ativa e responsável de cada indivíduo e da coletividade, como podemos ver no conceito rati- ficado na conferência: Formar uma população mundial consciente e preocupada com o am- biente e com os problemas que lhe dizem respeito, uma população que tenha conhecimentos, as competências, o estado de espírito, as 112 histório, finalidades, objetivos e princípios... 113 roosevelt fideles de souza motivações e o sentido de participação e engajamento que lhe per- mitam trabalhar individualmente para resolver problemas atuais e impedir que se repitam. unesco, 1971:10 Durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Jornada Internacional de Educação Ambiental, rea- lizada no Fórum Global durante a Rio 92, reafirma o compromisso crí- tico da Educação Ambiental no Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveise Responsabilidade Global. O tratado diz que a Educação Ambiental não é neutra, mas ide- ológica. É um ato político baseado em valores para a transformação social. O tratado considera a Educação Ambiental para a sustentabili- dade equitativa como “um processo de aprendizagem permanente, base- ado no respeito a todas as formas de vida”. Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a trans- formação humana e social e para a preservação ecológica. As definições são muitas, mas o importante a ressaltar é que a Educação Ambiental se caracteriza por apresentar uma abordagem inte- gradora e holística (a capacidade de ver a transversalidade de detec- tar os inter-retro-relacionamentos de tudo com tudo) das questões ambientais. Somente em 1981, passados 15 anos de Tbilisi, foi concebido o primeiro documento oficial brasileiro sobre a Educação Ambiental, Pro- jeto de Informações sobre Educação Ambiental. Em 1988, a Constituição Federal definiu que a Educação Ambien- tal deve ser oferecida em todos os níveis, mas, na realidade, pouco se fez para incorporá-la ao currículo escolar, numa visão interdisciplinar. Em 1996, foram lançados pelo Ministério da Educação os “Parâ- metros Curriculares”, os quais propõem que a Educação Ambiental seja discutida no currículo. Em abril de 1999, foi sancionada a Lei Federal de Educação Ambiental, nº 9.795, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental no Brasil. Essa lei diz que a Educação Ambiental deve ser um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo edu- cativo, em caráter formal e não formal. O Art.13, que trata da Educação Ambiental Não Formal, ou seja, as ações e práticas educativas voltadas para a sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais, com a participação e parceria de escolas, universidades e empresas. Finalmente, em 17 de dezembro de 1999, foi sancionada no Rio de Janeiro a Lei Estadual de Educação Ambiental, 3.325, que dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Estadual de Educação Ambien- tal, cria o Programa Estadual de Educação Ambiental e complementa a Lei Federal 9.795/99 no âmbito do Estado do Rio de Janeiro. Princípios básicos da Educação Ambiental ● Aplicar um enfoque interdisciplinar, aproveitando o conteúdo espe- cífico de cada disciplina, de modo que adquira uma perspectiva global. ● Considerar o meio ambiente em sua totalidade, ou seja, em todos os seus aspectos naturais e criados pelo homem (tecnológico e social, econômico, político, histórico-cultural, moral e estético). ● Examinar as principais questões ambientais, do ponto de vista local, regional, nacional e internacional, de modo que os edu- candos se identifiquem com as condições ambientais de outras regiões. ● Insistir no valor e na necessidade da cooperação local, nacional e internacional para prevenir e resolver problemas ambientais. ● Ajudar a descobrir os sintomas e as causas reais dos problemas ambientais. Objetivos da Educação Ambiental Consciência — Ajudar os grupos sociais e os indivíduos a adquirirem consciência do meio ambiente global e sensibilizarem-se por essas questões. Conhecimento — Ajudar os grupos sociais e o indivíduo a adquirirem diversidade de experiências e compreensão fundamental do meio ambiente e dos problemas anexos. Comportamento — Ajudar os grupos sociais e os indivíduos a compro- meterem-se com uma série de valores e a sentirem interesse e preocupação pelo meio ambiente, motivando-os de tal modo que possam participar ativamente da melhoria e da proteção do meio ambiente. Habilidades — Ajudar os grupos sociais e os indivíduos a adquirirem as habilidades necessárias para determinar e resolver os proble- mas ambientais. Participação — Proporcionar aos grupos sociais e aos indivíduos a pos- sibilidade de participar ativamente das tarefas que têm por obje- tivo resolver problemas ambientais. Os impactos ambientais dos ciclos econômicos. A expansão colonial é a primeira responsável pela degradação ambien- tal no Brasil. A natureza foi, ao mesmo tempo, meio e fim da exploração 114 histório, finalidades, objetivos e princípios... 115 roosevelt fideles de souza colonial, constituindo-se como limite e potencialidade para a conquista e a invenção do Brasil. O Brasil foi criado como espaço de exploração ecológica e humana. Os ciclos 1 Ciclo Econômico — Exploração do Pau-Brasil (exploração de uma única espécie e não destruía toda a cobertura vegetal para se implantar). 2 Ciclo da Cana-de-Açúcar — Em São Paulo (São Vicente) e em Pernambuco, sob o comando de Duarte Coelho. Destruição da Mata Atlântica, além da queima da floresta para abastecer as caldeiras. 3 Ciclo do Gado — Ampliou a colonização do Brasil, penetrando ini- cialmente pelo Rio São Francisco e depois se espalhando pelo país todo. 4 Ciclo do Ouro — No final do Séc. xvii e no Séc. xviii, a economia colonial brasileira esteve centrada na extração deste metal, nas minas descobertas pelos bandeirantes paulistas nos sertões de Minas Gerais. 5 Ciclo do Café — No final do Séc. xix, o café foi plantado inicial- mente na Amazônia, mas se adaptou melhor no Sudeste. Usou-se a mesma lógica predatória de eliminar florestas para se fazer a lavoura e, assim que a terra dava sinais de esgotamento, mais mata era derrubada. A contribuição que o Ciclo do Café deu ao país foi que, a partir de sua riqueza, se processou o acúmulo de capitais necessário para o próximo ciclo: a industrialização. 6 Ciclo da Industrialização — Aberturas de novas estradas e con- sumo cada vez maior dos recursos da natureza e início dos pro- cessos de poluição. Considerações finais Percebemos que, na maioria de nossos problemas ambientais, suas questões fundamentais estão ligadas a fatores políticos, questões socio- econômicas e a fatores culturais, e essa problemática não tem como ser resolvida apenas através da novas tecnologias. Ao abordar tais pro- blemas sob o aspecto apenas ecológico, que é uma confusão que ainda permeia muitos estudos brasileiros, verifico um profundo desconheci- mento e uma visão simplista da realidade que nos cerca e que precisa- mos, com urgência, modificar. É necessário que, no Brasil, as questões sociais em relação ao meio ambiente tenham prioridade educacional, política e econômica por parte do governo federal. Novas exigências aos formatos das políticas sociais e aos resultados esperados que, em última análise, atendam a uma concepção integrada de Desenvolvimento Social, abarcando o con- junto das necessidades sociais e ambientais nos termos do Desenvolvi- mento Humano Sustentável. A dinâmica desse desenvolvimento deve combinar políticas eco- nômicas orientadas para o crescimento sustentado e políticas sociais e educacionais eficazes com capacidade de geração de emprego e renda, de modo a preservar as bases de integração social. A emergência da formulação de políticas sociais ambientais para as todas as áreas e, em especial, as áreas urbanas, percebendo o aumento do interesse das cidades em relação ao desenvolvimento sustentável, entendendo este como o único caminho para se enfrentar as questões ambientais em nosso país. De forma mais genérica, não é mais possível pensar a Educação Ambiental em dimensões isoladas (só pesquisa ou só ensino, só pro- cesso formal ou só informal). É imprescindível acoplar essas dimensões, entendendo a educação como um todo dinâmico e diverso. De uma forma geral, a pobreza e o analfabetismo aparecem como fatores de degradação ambiental. Mas nada impede que uma cidade seja ecologicamente saudável e, ao mesmo tempo, socialmente injusta. Portanto, o ponto central do debate, hoje, desloca-se para as questões de justiça social, educação ambiental e cidadania. E que este artigo venha a contribuir para promoção de novos deba- tes em que a Educação Ambiental acentue a necessidade de criação de um novo estilode desenvolvimento, que inclua crescimento econômico, equidade social e conservação dos recursos naturais, capaz de propiciar relações mais humanas, fraternas e justas entre os seres humanos. Que inspiradas por uma ética ambiental que ofereça princípios norteadores de posturas e condutas das ações transformadoras e educativas desta relação entre Deus, natureza e sociedade, alcancem níveis cada vez mais crescentes de qualidade de vida para as futuras gerações. Bibliografia comissão mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento. Nosso futuro comum. rj: fgv, 1987. gomez-heras, J.M. Ética del médio ambiente. Ed. Tecnos, Madri, 1997. guatari, Felix. As três ecologias. Campinas: Papirus, 1991. mec, Ministério da Educação e Cultura. Política Nacional de Educação Ambiental. Brasília, df, 1999. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2003. medina, Naná Mininni. A Formação dos Professores em Educação Ambiental. In: Oficina Panorama de Educação Ambiental no Brasil (28 e 29 de março de 116 histório, finalidades, objetivos e princípios... 117 roosevelt fideles de souza 2000) MEC/SEF; Coordenação-Geral de Educação Ambiental. ministério do meio ambiente. Educação Ambiental, curso básico à distância, contido em seis livros: (1) – Questões ambientais, conceitos, história, problemas e alternativas.(2-3) – Educação e Educação Ambiental I e II. (4) – Gestão de recursos hídricos em bacias hidrográficas sob a ótica da educação ambiental. (5) – Documentos e legislação da educação ambiental. (6) – Guia do aluno e caderno de atividades. Ed. Fubras, Brasília, 2001. ________. Agenda 21 Brasileira, Bases para a Discussão. Brasília, df. 2000. pedrini, A. G. Educação Ambiental; Reflexão e prática contemporânea. Ed. Vozes, RJ, 2000. reigota, M. Tendências da Educação Ambiental Brasileira. Ed. Atual, sp, 1998. siqueira, J.C. Ética e Meio Ambiente. Ed. Loyola, São Paulo, sp, 2002. sorrentino, M. Formação do educador ambiental: um estudo de caso. fe/usp, São Paulo, sp, 1995. souza, R. F. Uma experiência em Educação Ambiental: Formação de valores sócio- ambientais. Dissertação de Mestrado, Departamento de Serviço Social da PUC-Rio, 2003. zeppone, R. M. O. Educação Ambiental: teoria e práticas escolares. 1ª edição, Araraquara, JM Editora, 1999. Prof. Msc. Roosevelt Fideles de Souza Bacharel e licenciando em História e em Geografia e Meio Ambiente pela puc- Rio (1990). Mestre em Serviço Social pela puc-Rio (2003). Professor estatutá- rio do estado do Rio de Janeiro (1998), coordenador de Projetos Ambientais do Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente da puc-Rio (nima) e do projeto Jornadas Ecológicas na Vila Olímpica Clara Nunes (coordenado pelo Departamento de Serviço Social da puc-Rio), dá aulas de Caminhadas Ecológicas no setor de Educação Física da puc-Rio. roosevelt@puc-rio.br Jardim Gramacho e o território do lixo Valéria Pereira Bastos No mundo da globalização, o espaço geográfico ganha novos contor- nos, novas características, novas definições. E, também, uma nova importância, porque a eficácia das ações está estreitamente relacio- nada com a sua localização. Os atores mais poderosos se reservam os melhores pedaços do território e deixam o resto para os outros. milton santos, 2007 O bairro Jardim Gramacho: o espaço geográfico Para compreender a história do “território do lixo”, consideramos impor- tante apresentar inicialmente o município de Duque de Caxias, circuns- crição administrativa que abriga o bairro Jardim Gramacho. Inúmeras são as obras que descrevem o contexto geográfico do município, mas selecionamos dois textos que consideramos apontar os elementos fundamentais para nossa análise. Então, nos baseamos na dissertação de mestrado de Luiz Cláudio Moreira e no documento pro- duzido pelo ibase em 2005 denominado Diagnóstico social do bairro de Jardim Gramacho. Neste sentido, encontramos a informação de que o município de Duque de Caxias foi criado através do Decreto Estadual 1.055 de 31 de dezembro de 1943, tendo completado em dezembro de 2008 65 anos de existência. Antes de sua emancipação, a localidade pertencia ao 8º Distrito de Nova Iguaçu (ibase, 2005, p.5). O município de Duque de Caxias encontra-se dividido por quatro distritos e 40 bairros oficiais e eles estão distribuídos da seguinte forma: no primeiro Distrito, que é o de Duque de Caxias, localizam-se os bair- ros Jardim 25 de Agosto, Parque Duque, Periquitos, Vila São Luiz, Gra- macho, Sarapuy, Centenário, Centro, Dr. Laureano, Bar dos Cavalei- ros, Olavo Bilac e Jardim Gramacho. Já no segundo, Campos Elíseos, encontram-se os bairros Jardim Primavera, Saracuruna, Vila São José, Parque Fluminense, Campos Elíseos, Cangulo, Cidade dos Meninos, Figueira, Chácaras Rio-Petrópolis, Chácara Arcampo e Eldorado. No ter- ceiro distrito, que é o de Imbariê, estão os bairros Santa Lúcia, Santa Cruza da Serra, Imbariê, Parada Angélica, Jardim Anhangá, Santa Cruz, Parada Morabi, Taquara, Parque Paulista, Parque Eqüitativa, Alto da 118 histório, finalidades, objetivos e princípios... 119 Serra, Santo Antônio da Serra. Por fim, no quarto distrito, Xerém, loca- lizam-se os bairros de Xerém, Parque Capivari, Mantiqueira, Jardim Olimpo, Lamarão e Amapá. Por meio do estudo elaborado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, que Moreira cita em sua dissertação, Duque de Caxias está localizado na Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro que também abriga os municípios do Rio de Janeiro, de Belford Roxo, Guapimirim, Itaboraí, Japeri, Magé, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados, São Gonçalo, São João de Meriti, Sero- pédica e Tanguá (Moreira, 2007, p. 24). Em relação à extensão geográfica, o município de Duque de Caxias totaliza a área de 468, 3 Km², o que representa 10% de área ocupada da Região Metropolitana. Quanto ao sistema viário e ferroviário de Duque de Caxias, infor- mamos que está integrado à cidade do Rio de Janeiro, dada a proximi- dade. Ainda em termos de sistema viário, no mês de março de 2008, começaram as obras do Arco Rodoviário que intenciona ligar o Porto de Sepetiba, em Itaguaí, até Itaboraí, passando por Seropédica. Para tanto será construído um trecho entre Queimados, Nova Iguaçu e Duque de Caxias. Registra-se no ibge que, em 2007, a contagem populacional do município de Duque de Caxias alcançou o quantitativo de 842.686 munícipes em uma área territorial de 465 Km². O Índice de Desenvolvimento Humano (idh) do município em 2000, segundo o ipea,, é de 0,753, ocupando assim a 52ª posição no Estado do Rio de Janeiro. Isso porque a base para cálculo desse índice prende-se ao valor de quanto mais próximo de um for o idh, maior o nível de desenvolvimento humano apurado. Quanto à taxa média geométrica de crescimento, no espaço de tempo compreendido entre os anos de 1991 e 2000, foi de cerca de 1,7% ao ano, contra cerca de 1,2% na região e de 1,3% no estado. Em relação ao processo de urbanização, registra-se o percentual correspondente a 99,6% da população, enquanto que na Região Metropolitana a referida taxa é de 99,5%. No tocante aos domicílios, o município de Duque de Caxias tem um total de 256.422 habitações, com uma taxa de ocupação de 86%. No entanto, registra-se que 11% delas são de uso ocasional. Em relação à raça e religião dos munícipes, registra-se que, por meio da declaração das pessoas, há um predomínio de afro-descenden- tes, o que representa 57,7% da população, contra 41% daqueles que se declaram brancos. Na religião, há uma incidência de católicos, che- gando ao percentual de 46%, o que é superior à soma das outras reli- giões declaradas. Quanto à estrutura de serviços, o município de Duque de Caxias possui sete agências dos correios e telégrafos, 30 agências bancárias e 23 estabelecimentos da rede hoteleira. No tocante à questão de acesso ao mundo cultural, o Município conta com cinco cinemas, três teatros, um museu e duas bibliotecas. Segundoo Ministério das Cidades, o município de Duque de Caxias apresenta o seguinte panorama, no que se refere aos indicado- res urbanos: ● Quanto ao abastecimento de água, o município tem 69% dos domi- cílios com acesso à rede de distribuição, 27,9% com acesso a água através de poço ou nascente e 2,7% têm outra forma de acesso. O total distribuído alcança 90.000m³ por dia, dos quais 74% passam por tratamento convencional e o restante por simples cloração. ● No tocante à rede coletora de esgoto sanitário, somente 57,1% dos domicílios têm este serviço, pois 20,9% têm fossa séptica, 4.3% utilizam fossa rudimentar, 13,2% estão ligados a uma vala e 3,5% são lançados diretamente em um corpo receptor (rio, lagoa e mar). ● Em relação à coleta regular de lixo, registra-se que 88,9% dos domicílios usufruem do serviço, pois 3,6% têm o lixo jogado em terrenos baldios ou em logradouros públicos e 6.8% colocam fogo. Isso porque a produção de resíduos diários no município chega à soma de 730 toneladas/dia. No que tange às atividades econômicas do município, Duque de Caxias, representa o sexto maior Produto Interno Bruto (pib) do país e o segundo em arrecadação do Imposto Sobre Circulação de Mercadoria (icms). Isso porque concentra suas atividades nas indústrias e no comércio, além de abrigar uma das maiores refinarias de petróleo do Brasil, a Refinaria de Duque de Caxias (reduc), além do pólo gás-químico, inaugurado em abril de 2005, que pretende gerar, em um período de cinco anos, de 30 a 50 mil postos diretos e indiretos de trabalho na Baixada Fluminense. Já em relação ao bairro de Jardim Gramacho, integrante do 1º Distrito de Duque de Caxias, enfocamos que se encontra dividido por localidades que não podem ser conceituadas como sub-bairros, em razão de não serem oficializadas pela prefeitura, mas estão divididas segundo documento Diagnóstico Social do ibase da seguinte forma: cohab (conjunto habitacional – 1ª área loteada de Jardim Gramacho), Morro do Cruzeiro, Triângulo e Morro da Placa, locais que já possuem infraestrutura urbana adequada à necessidade local. Por outro lado, o bairro tem ocupações recentes caracterizadas por bolsões de miséria, sem infraestrutura. Nesse contexto, localizam-se a Chatuba, a Favela do Esqueleto, o Beco do Saci, a Cidade de Deus, a Avenida Rui Barbosa, o Parque Planetário e a comunidade da Paz ou Maruim, como é conhe- cida, onde as casas são construídas em cima do manguezal. Quanto à questão populacional, Jardim Gramacho tem aproxima- 120 jardim gramacho e o território do lixo 121 valéria pereira bastos damente 40.000 habitantes, sendo que cerca de 50% dependem direta ou indiretamente da atividade econômica advinda da catação de lixo (ibase, 2005, p. 10). Em relação à presença de equipamentos sociais voltados para a educação formal no âmbito do Governo do Estado, o bairro tem a Escola Estadual Lara Vilela, de ensino fundamental o ciep 218 – Ministro Her- mes de Lima, de ensino médio e fundamental, além de possuir uma turma de aceleração de jovens, projeto educacional que procura atender àqueles que não completaram o ensino em idade compatível. Também funciona um núcleo do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (peti). Finalizando, há o Colégio Estadual Álvaro Negro Monte, de 5ª a 8ª série e ensino médio. Quanto às escolas municipais, informamos que no bairro regis- tra-se a instalação da Escola Municipal Jardim Gramacho e da Escola Municipal Mauro de Castro, que também tem em seu anexo uma cre- che. No contexto comunitário, contabiliza-se a Creche Comunitária e a Escola Comunitária Jardim Gramacho, que é apoiada pela Igreja Cató- lica e pelo Portal do Crescimento. E as escolas particulares estão pre- sentes com o maior quantitativo, chegando ao número estimado de 15 unidades. As de maior destaque são: Colégio Deco, Colégio abc da Ale- gria, Casinha Feliz e Colégio da Penha. Já no tocante aos equipamentos de saúde no bairro de Jardim Gramacho, existem sete postos do Programa de Saúde da Família, o Posto Municipal de Saúde Edina Siqueira Sales e um posto de saúde apoiado por políticos do local. Mas, no entanto, há registros de que 15% do contingente de crianças residentes estão em risco nutricional, sendo 12% com desnutrição grave (ibase, 2005, p. 22). Quanto à presença e/ou ausência de serviços públicos, bem como a qualidade desses, encontramos registrado no Diagnóstico Social do Bairro de Jardim Gramacho a seguinte questão: Com relação aos Serviços públicos, em Jardim Gramacho desta- cam-se os serviços de saúde. As entrevistas realizadas ressaltam o esforço do Secretário de Saúde Oscar Berro na implementação e ampliação do psf visando atender a toda a população do bairro. A atuação do Posto de Saúde (da prefeitura) também é reconhecida, embora também vivencie momentos de escassez, funciona com a boa vontade e compromisso de seus profissionais. No que diz respeito às escolas, os entrevistados reclamam do estado de conservação de algumas, da qualidade do ensino e do número de vagas oferecidas que está aquém da demanda local. No entanto, é importante ressaltar que não tivemos acesso, neste pré-diagnósti- co, ao número de crianças em idade escolar residentes em Jardim Gramacho. Segundo as entrevistas realizadas, os vereadores eleitos com o apoio dos moradores locais possuem significativa força políti- ca na identificação e implementação de ações de desenvolvimento e melhoria do bairro. ibase, 2005, p. 17 No tocante ao processo organizacional em defesa do bairro e dos mora- dores em Jardim Gramacho, somente foi identificada a existência de uma associação de moradores legitimada, que é a do Parque Planetário, pois tem representantes eleitos e é inscrita na Federação das Associa- ções de Moradores de Caxias (mub). No entanto, segundo o Diagnóstico Social de Jardim Gramacho, a associação não realiza ações em conjunto com a federação e apenas recorre a ela no período da eleição da direto- ria da associação atual, tendo em vista a necessidade de legitimação do processo (ibase, 2005, p. 24). Registramos que, embora não existam outras associações de mora- dores no bairro de Jardim Gramacho, após a realização do Diagnóstico Social elaborado pelo ibase, foi legitimada, em abril de 2006, a insta- lação de um Fórum Comunitário, composto por 26 instituições locais que têm quatro grupos de trabalho focados em educação, saúde, convi- vência comunitária e trabalho e renda – onde o serviço social do aterro se faz representar. Esse Fórum é apoiado pelo ibase em parcerias com Furnas Centrais Elétricas através do Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida (coep), e escolheu o bairro com a finalidade de promover o desenvolvimento local sustentável. Após vários encontros visando traçar as metas em busca do desenvolvimento, foi inaugurada uma sede própria que está aberta aos moradores para encontros e para diversas reuniões, precisamente no dia 20 de dezembro de 2007. Atual- mente, ocorre, na última segunda-feira de cada mês, uma reunião com as instituições que constituem o Fórum para refletir acerca dos avan- ços e retrocessos das ações comunitárias. O Fórum Comunitário do Jardim Gramacho vem se desenvolvendo e, com o apoio do ibase, apresentou na vi Expo Brasil Desenvolvimento Local, realizada em Salvador, em 2007, as seguintes questões ligadas à perspectiva de trabalho e renda para os catadores que, em sua maio- ria, são moradores do bairro: O Fórum reivindica hoje a consolidação de um sistema de coleta seletiva com núcleos descentralizados no município de Duque de Caxias. Cada distrito terá um grupo de catadores realizando a co- leta, responsável por levar o material reciclável para o Pólo de be- neficiamento e Comercialização de Recicláveis, já em operação. “É um sub-bairro com uma infinidade de bares e pensões. Esses bares vendem fundamentalmente para catadores. O fechamento do aterro afetará muitos moradores, que se deram conta do problema e da oportunidade de lutarem juntos”diz a assistente social do Ibase, Rita Brandão. Expo Brasil Desenvolvimento local, 2007, p. 1 122 jardim gramacho e o território do lixo 123 valéria pereira bastos Através desse pequeno desenho do bairro Jardim Gramacho, podemos enfatizar que ele expressa o que vem sendo apresentando no cenário de milhares de bairros brasileiros, ou seja, é mais um local periférico que revela uma grande desigualdade social atrelada a outros tipos de desigualdade, como a ambiental, por abrigar um dos maiores aterros de lixo da América Latina, o que coloca em debate os riscos ambientais aos quais a população residente e trabalhadora está exposta. Esse processo apresenta também uma contradição, visto que neste mundo de consumo, global, líquido-moderno etc, a produção de lixo é crescente. Caso não exista espaço para sua destinação final e, tam- bém, a mão-de-obra de catação para minimizar os impactos, provavel- mente seremos engolidos por uma avalanche de resíduos orgânicos e inorgânicos (lixo) que produz uma imensa poluição ambiental, quiçá planetária. Nossa afirmativa encontra sustentação quando a comparamos com algumas considerações expressas no Diagnóstico Social do ibase, quando efetuam comentários a respeito do bairro e da população dele residente: Na medida em que a população moradora está não só, exposta aos riscos ambientais por viver nas proximidades de um aterro controla- do, mais conhecido como “lixão” – exposta à contração de doenças, à poeira, sujeira, entre outros – mas também encontra sua fonte de sobrevivência na atividade de catação, se evidencia a crise social de desemprego e de injustiças (social e ambiental). Estas pesso- as são trabalhadoras e em sua maioria, anônimas e destituídas de qualquer direito – muitas não são registradas e não têm nem a certidão de nascimento, vivem em situação de total abandono, em condições precárias de infra-estrutura. Poderia se dizer que são os “não cidadãos (ãs)”. Paradoxalmente esta população vem dando uma grande contribuição para o circuito da reciclagem de materiais (coleta seletiva), para limpeza pública e ainda para a proteção de recursos naturais. ibase, 2005, p. 30 [Grifo nosso] Por fim, sinalizamos que o bairro de Jardim Gramacho é permeado por todo o trajeto da rota do lixo e que, por mais que se tente desvinculá-lo da atividade de catação, torna-se quase impossível, pois praticamente todo o bairro tem sua vida ativa economicamente em função da catação. Nossa reflexão ganha sustentação a partir da seguinte análise: Em 1978, quando a comunidade do distrito de Jardim Gramacho (Duque de Caxias – RJ) testemunhou a inauguração do que viria a ser o maior aterro sanitário da América Latina, houve preocupação e revolta. Quase 30 anos depois, o que preocupa agora é o reba- timento que a desativação do aterro, programada para este ano, terá sobre a vida de uma comunidade que aprendeu a conviver e viver das mais de dez toneladas de lixo despejadas a cada dia em Duque de Caxias. Contando com a desativação, representantes de 26 instituições locais, entre associações de catadores, igrejas, Ongs e grupos comunitários resolveram se unir e fundar o Fórum Comunitário de Jardim Gramacho… Expo Brasil Desenvolvimento local, 2007, p. 1 Jardim Gramacho: o lugar da catação Nossa atenção, neste momento, será dedicada ao lugar que foi, é e será, ainda por algum tempo, produzido pela atividade de catação de lixo que se processa no interior do Aterro Metropolitano de Gramacho e no seu entorno. Portanto, estamos conceituando de “território do lixo” todo o espaço do Aterro Metropolitano de Gramacho e toda a rota que o lixo percorre no bairro até chegar ao destino final, por entendermos que a efervescência gira em torno da atividade mercantil gerada pelo negócio do lixo, uma vez que consideramos o que Milton Santos afirma acerca do território, do dinheiro e de sua fragmentação: O território como um todo é objeto da ação de várias empresas, cada qual, conforme já vimos, preocupadas com suas próprias metas e arrastando, a partir dessas metas, o comportamento do resto das empresas e instituições. Que resta então da nação diante dessa nova realidade? Como a nação se exerce diante da verdadeira frag- mentação do território, função das formas contemporâneas de ação das empresas hegemônicas? Milton Santos, 2007, p.86 Complementando sua reflexão a respeito do território e dessas impli- cações, Milton Santos enfoca que é dentro de um mesmo país que são criadas diferentes formas e ritmos de evolução, governadas pelas metas e pelos destinos específicos de cada empresa hegemônica, que arras- tam com sua presença outros atores, mediante a aceitação ou mesmo a elaboração de discursos “nacionais-regionais” alienígenas ou aliena- dos (Milton Santos, 2007, p. 87). Esse sentido dado por Santos ao mundo mercantil de negócios é o mesmo sentido que damos ao território do lixo, por ser um local que recebe 8 mil toneladas/dia de lixo, cujo trajeto é realizado pelos veículos de grande porte (carretas e caminhões compactadores) que transportam o lixo das vias principais do bairro/município para o Aterro. A primeira passagem se dá pela Usina de Transferência no bairro do Caju, zona portuária do Rio de Janeiro, onde os caminhões compac- tadores que circulam pelas residências despejam o lixo em um recipiente com maior capacidade em volume cúbico. Por intermédio desses equi- pamentos mecânicos, realizam a transferência para carretas com capa- cidade de 27 toneladas de lixo, perfazendo, assim, um percurso de 27 124 jardim gramacho e o território do lixo 125 valéria pereira bastos km até chegar ao aterro, totalizando, a cada dia, 44 viagens oriundas somente do Caju. Além da supracitada Usina de Transferência, existem mais dois trajetos: Jacarepaguá, que dista do aterro 37 km, sendo rea- lizadas 12 viagens com as carretas por dia, e Irajá, com 17 km de dis- tância do aterro e seis viagens diárias. Quanto aos outros trajetos, que envolvem os municípios de Duque de Caxias, Nilópolis, Queimados, Mesquita e Belford Roxo, a rota é bem menor, assim como o volume de resíduos. Nesse caso, os próprios cami- nhões que realizam a coleta domiciliar levam para o vazamento os mate- riais recolhidos nas residências, empresas etc. Na via principal de acesso ao aterro, chegam a transitar dia e noite cerca de 600 veículos de grande porte e, quanto mais se dimi- nuir o fluxo, menor investimento será necessário para a manutenção e o recapeamento do asfalto, que é de responsabilidade da empresa operadora. Esses trajetos e o volume de lixo transportado se revelam como uma grande mina de ouro, pois conforme já mencionamos anterior- mente, o valor do produto potencialmente reciclável cresceu no perí- odo industrial (Velloso 2004), e vem crescendo no mundo contemporâ- neo. Dessa forma, há um forte interesse das empresas em comercializar o material com o catador, que normalmente fica com a menor parte, enquanto aqueles que já detêm o domínio do capital, produzem rique- zas, fragmentações, discurso alienante e, com certeza, também o domí- nio do material. A título de registro, informamos que a Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro – comlurb realizou, em junho de 2006, um estudo que proporcionou apurar, em um período de 30 dias, qual foi a quantidade retirada dos materiais separados pelos catado- res. Foi descoberto que, diariamente, o contingente de catadores separa cerca de 200 toneladas de material potencialmente reciclável, isto é, material que ele já separou da matéria orgânica e dos outros inserví- veis, tais como papel higiênico e absorventes, entre outros sem valor no mercado, vendendo-os para ferros velhos instalados na via de acesso ao aterro. Somado a esse fator, faz-se necessário elucidar que, para o ter- ritório efetivamente ganhar vida, circulam diariamente cerca de 1.200 catadores que desenvolvem atividade de catação dentro do aterro, mais os caminhões dos 42 depósitos que têm autorização para transitarsocialmente responsável tem revelado reflexos que extra- polam os limites das empresas, com desdobramentos que afetam toda a sociedade. No exercício da responsabilidade social, a relação da empresa com a comunidade é otimizada, tanto nos aspectos da imagem e reputa- ção da empresa, como nos benefícios que a empresa traz para a comu- nidade do ponto de vista econômico, educacional, ambiental, cultural, entre outros. A rede formada a partir dos conhecimentos adquiridos durante o projeto – secretarias municipais, coordenação pedagógica escolar, e principalmente entre lideranças, professores e alunos – certamente con- ● Produzir um vídeo que relate o desenvolvimento e as conclusões do projeto e que também sirva como material didático e de divul- gação do trabalho realizado. ● Propiciar atividades de campo em ecossistemas locais, integrados à Agenda 21 local e às perspectivas do desenvolvimento susten- tável nos municípios. ● Promover atividades eco-culturais (poesias, teatros, pinturas, etc) junto aos jovens estudantes, com direito à exposição dos melhores trabalhos, motivando o desenvolvimento de suas aptidões pesso- ais e integrando-os à comunidade local. Neste sentido, o projeto Educação Ambiental: formação de valores éti- co-ambientais para o exercício da cidadania no município de Duque de Caxias configurou-se como excelente forma de colocar em prática inicia- tivas que visam a sustentabilidade. Através da capacitação de lideranças comunitárias, de professores e de alunos da rede pública, transformados em agentes multiplicadores em comunidades locais, objetivou-se uma ampliação do exercício consciente e responsável da cidadania, levando a uma melhoria efetiva na qualidade de vida da população. O projeto, que contou com a participação das secretarias muni- cipais de Educação e Meio Ambiente, capacitou professores da rede pública municipal e contemplará as escolas envolvidas com este livro, que, além do conteúdo didático trabalhado nas aulas de capacitação, apresenta um diagnóstico socioambiental do município, feito através de trabalhos de campo que envolveram toda a equipe, além de representan- tes da Secretaria Municipal de Meio Ambiente. Em ambos os trabalhos, utilizamos o Sistema de Informações Geográficas (sig), potencializando a troca de informações e experiências, bem como o conteúdo didático e teórico das aulas de capacitação elaborada pelos professores do Depar- tamento de Geografia, em associação com o Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (nima) da puc-Rio. Ao longo do desenvolvimento do pro- jeto, também foi produzido um vídeo mostrando todas as etapas do pro- jeto, que servirá como material didático e de divulgação. A produção deste material é importante para a perpetuação do projeto dentro e fora das escolas, servindo como ferramentas na multi- plicação dos valores ético-ambientais para o exercício da cidadania. É importante enfatizar os resultados dos projetos também para a sociedade como um todo, na medida em que podem ser abordados em congressos científicos nacionais e internacionais. Inúmeras instituições educativas de ensino médio e superior podem receber como doação as publicações de tais resultados. Acessando os links da home page do projeto, que complementa o material do livro, abre-se a possibilidade 14 15 tribuirá na formulação e execução de novos projetos elaborados pelos participantes. O material presente nesse livro traz a autonomia neces- sária para a continuidade das atividades, tanto nas escolas como nas famílias e na comunidade, abrindo perspectivas futuras na busca de alternativas locais sustentáveis. O acesso ilimitado às informações sobre o município, através da página na internet, transcende as perspectivas presentes de continuidade de troca de informações. O processo de inser- ção do Brasil na dinâmica da economia global, como potência regional e como economia emergente, cria reflexos em toda dinâmica sócioes- pacial do seu território. Não só o município de Duque de Caxias, mas toda a região da Baixada Fluminense, passam por transformações sig- nificativas no uso do seu espaço geográfico, em razão desta e de outras dinâmicas internas e externas, que promovem constantemente altera- ções na sua paisagem. Acreditamos que o exercício pleno da cidada- nia, pautado nos valores de uma ética ambiental, seja a diretriz para as ações que incorporem a sustentabilidade na dinâmica socioambiental do município de Duque de Caxias. E que o conteúdo desse livro, assim como seus desdobramentos, seja um ponto de referência na constru- ção dessa realidade. 16 Brasil; Estado do Rio de Janeiro; Região Metropolitana; Baixada Fluminense; Município de Duque de Caxias 1º – Duque de Caxias Jardim 25 de Agosto Parque Duque Periquitos Vila São Luiz Gramacho Sarapuy Centenário Centro Dr. Laureano Olavo Bilac Bar dos Cavaleiros Jardim Gramacho 2º – Campos Elísios Jardim Primavera Saracuruna Vila São José Parque Fluminense Campos Elíseos Cangulo Cidade dos Meninos Figueira Chácaras Rio-Petrópolis Chácara Arcampo Eldorado São Bento 3º – Imbariê Santa Lúcia Santa Cruz da Serra Imbariê Parada Angélica Jardim Anhangá Santa Cruz Parada Morabi Taquara Parque Paulista Parque Equitativa Alto da Serra Santo Antônio da Serra 4º – Xerém Xerém Parque Capivari Mantiqueira Jardim Olimpo Lamarão Amapá Informações gerais sobre o município de Duque de Caxias www.duquedecaxias.rj.gov.br 4 distritos 40 bairros 468,3 km² 10% da região metropolitana 842.686 habitantes 1.711 hab/km² 543.646 eleitores 67,49 expectativa de vida 0,753 idh 99,6% taxa de urbanização 1,67% taxa de crescimento 8% taxa de analfabetismo Distritos Abriga REDUC — Petrobras Instituto São Bento — PUC-Rio Baixada Fluminense Região Metropolitana Magé Guapimirim Nova Iguaçu Belford Roxo S. João de Meriti Mesquita Nilópolis Rio de Janeiro Itaguaí Paracambi Seropédica Japeri Queimados Niterói São Gonçalo Itaboraí Tanguá Petrópolis Duque de Caxias 44°0'W 43°0'W 23°0'S Miguel Pereira Xerém Imbariê Campos Elíseos Duque de Caxias Oceano Atlântico 22°30'S 22°40'S 22°30'S 1,53 3 Km0 20100 40 Km 18 19 20 Cidade dos Meninos p.32 Parque Municipal da Taquara p.28 rebio Tinguá p.34 Morro do Céu p.24 Caixa D’Água p.26 Barragem Saracuruna p.36 Parque Glicério p.22 Xerém Imbariê Campos Elíseos Duque de Caxias Nos dias 9 e 16 de agosto de 2008, a equipe do Projeto Educação Ambien- tal: formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidada- nia reuniu-se no campus da puc-Rio, na Gávea, para dar início aos trabalhos de campo, que contaram com a presença de representantes da Secretaria municipal de Meio Ambiente da prefeitura de Duque de Caxias e contemplaram os quatro distritos que compõem o município: Duque de Caxias, o primeiro, Campos Elísios, o segundo, Imbariê, o ter- ceiro, e Xerém, o quarto. O primeiro encontro realizou-se no Pólo Avan- çado da puc-Rio, o Instituto São Bento, no segundo distrito de Campos Elíseos, onde ocorreu uma breve reunião para a apresentação dos inte- grantes do projeto, assim como uma palestra sobre as principais deman- das ambientais do município, feita por Wilson Leal, pedagogo da Secre- taria e chefe do setor de Educação Ambiental. Foram visitados todos os quatro distritos que compõem o município nos dois trabalhos de campo. No mês de novembro, foi realizado um terceiro trabalho de campo com os professores da rede municipal de ensino, os alunos do projeto. Esse trabalho contou com a presença de professores do Departamento de Geografia da puc-Rio e de representantes da Secretaria municipal de Meio Ambiente. Foram visitados os parques naturais municipais da Caixa D’Água e da Taquara. trabalhos de campo 22 23 Duque de Caxias Parque Glicério Após o encontro com os representantes da Secretaria de Meio Ambiente no centro do município de Duque de Caxias, seguimos para uma pas- sarela próxima à Linha Vermelha, para visualizarmos a área da Zona Especial de Interesseno local com a finalidade de proceder à compra e à retirada do material separado pelo catador. Mas o que vai demarcar o espaço como território, é a forma per- versa existente quanto ao estabelecimento da relação de trabalho entre os catadores e os donos de depósito. Pesquisa realizada por Lúcia Pinto (2004), no território de Jardim Gramacho, deixou evidente que, dos tra- balhadores fixos ligados a eles, a grande maioria entrevistada confirmou não ter carteira assinada. Lucia Pinto justifica essa desresponsabilização dos empresários com os catadores enfocando que o poder de barganha dos depósitos, independentemente do seu porte, é expresso pelo estabelecimento do preço do produto coletado, pela oferta de trabalho e pela possibilidade de empregar pessoas sem documentação, egressos ou fugidos do sis- tema penitenciário, e pela forma de pagamento imediata (Pinto, 2004, p. 12). O cenário descrito por Pinto nos permite, mais uma vez, ratificar que o território de Jardim Gramacho carrega todo o estigma do rejeito e/ ou refugo humano, tendo em vista que até mesmo os depósitos não têm uma organização quanto aos equipamentos e em relação ao espaço físico também, visto que misturam materiais recicláveis com rejeito do lixo. Assim, os depósitos classificados como precários têm toda a ati- vidade realizada a céu aberto, em péssimas condições de higiene e tra- balho e, segundo diagnóstico realizado por Lucia Pinto (2004), “funcio- nam em alguns casos próximos ao mangue e em associação com locais de distribuição de drogas”, e ainda poluem o ambiente com a queima de fios de cobre e pneus. Outro ponto de grande efervescência no cenário do território de Jardim Gramacho é a perversa forma de catação efetuada pelos cata- dores de lixo que, por meio do garimpo de saco em saco, separam o material para ser comercializado. Embora seja responsável pela sobre- vivência desses trabalhadores, a forma visualmente é estigmatizante e depreciativa. Analisamos a questão acima à luz da fala de Dirce Koga a res- peito da classe excluída, que, segundo a autora, deverá ter a resistência dobrada em função da necessidade cotidiana da luta pela sobrevivência física aliada à sobrevivência moral, “pelo fato de serem naturalmente suspeitas no meio de uma sociedade altamente segregadora” (Koga, 2001, p. 45). Inúmeras são as questões a serem levantadas pelo território de Jardim Gramacho. Listamos algumas por considerarmos fundamentais para entendermos a real situação dos catadores de lixo que são, a todo o momento, furtados da sua condição de cidadão trabalhador, primeiro pelo fato de a categoria não ser reconhecida oficialmente, e depois por diversas perversidades advindas do mundo global e líquido apontados por Bauman: A “população excedente” é mais uma variedade de refugo huma- no. Ao contrário dos homini sacri, das “vidas indignas de serem vividas”!, das vítimas dos projetos de construção da ordem, seus membros não são “alvos legítimos” excluídos da proteção da lei por ordem do soberano. São, em vez disso “baixas colaterais”, não intencionais e não planejadas, do progresso econômico. No curso do progresso econômico (a principal linha de montagem/desmon- 126 jardim gramacho e o território do lixo 127 valéria pereira bastos tagem da modernização), as formas existentes de “ganhar a vida” são sucessivamente desmanteladas e partidas em componentes destinados a serem remontados (“reciclados”) em novas formas. Nesse processo, alguns componentes são danificados a tal ponto que não podem ser consertados, enquanto, dos que sobrevivem à fase de desmonte, somente uma quantidade reduzida é necessá- ria para compor os novos mecanismos de trabalho, em geral mais dinâmicos e menos robustos. Bauman, 2004, p. 53 Pensando a partir dessa reflexão, podemos considerar o catador de lixo como população excedente do processo, pois já sinalizamos anterior- mente que ele é o menos beneficiado. Assim percebemos que, no jogo de poderes, os que sobrevivem acabam por se tornar algozes do seu pró- prio companheiro, pois o nível de mobilidade apresentado por eles é de se transformar em comprador, ou seja, passar a deter poder do capital. Com isso, desconhecem sua origem, ou, quando isso não acontece de imediato, passam a fazer desvio da rota do material que deveria ir para o aterro, deixando chegar somente aquilo que não tem valor comercial. No entanto, dentro da lógica capitalista, a venda realizada pelos catadores no aterro ocorre de forma a desvalorizar o produto que os depósitos estabelecidos no entorno compram e transportam em seus caminhões, furtando daqueles que dão a partida no processo a possibi- lidade de negociar diretamente com as indústrias e se inserirem como apontam Cortizo e Oliveira (2004). como integrantes da “articulação do binômio capital-trabalho, na apropriação coletiva dos meios de produção e dos resultados da produção, na prática da autogestão, na apreensão de todo o proces- so produtivo pelos todos os trabalhadores, na valorização de cada pessoa, na construção do coletivo, no compromisso com os outros trabalhadores, com as questões sociais e com a sustentabilidade ambiental” Cortizo e Oliveira, 2004, p. 87 Em face desse cenário de desigualdade posto no cotidiano da atividade de catação, na qual estão presentes os processos exclusão/inclusão, precarização do trabalho, ausência do exercício de cidadania, desem- prego estrutural, desqualificação social e informalidade, entre outras questões, acreditamos ser de fundamental importância dialogar com alguns autores para entender melhor essa trama. Por outro lado, faz-se necessário compreender também como se dá o processo de desvio existente no trajeto até o aterro metropolitano, uma vez que a rota do lixo é demarcada por um território construído a partir de desigualdades de acesso e de vantagens, pois por cada gota de cho- rume (líquido oriundo do efeito químico produzido pelo lixo orgânico), ou cada saco de coleta domiciliar deixado no caminho, é possível usufruir de um benefício, transformando, assim, em moeda corrente todo e qual- quer resquício advindo dessa atividade. Furta-se, mais uma vez, da mão do catador o material mais valorizado, pois muito embora o montante do que é recebido (8 mil toneladas/dia) seja significativo, o que é consi- derado nobre fica pelo caminho, na mão daqueles que detêm o domínio e/ou poder de negociação, que, como já vimos, não é o catador. Para melhor entender este processo, procuramos buscar susten- tação teórica em Koga (2001), que realizou um estudo a respeito de ter- ritório que nos permitiu compreender melhor as tramas existentes nes- ses espaços, que não se constituem apenas como área geográfica e/ou de concentração de um povo, mas podem ser consideradas como (…) um dos elementos potenciais para uma nova perspectiva redis- tributiva possível para orientar as políticas públicas. A redistribuição viabilizada pelo acesso às condições de vida instaladas no território onde se vive soma-se aos demais processos redistributivos sala- riais, fiscais ou tributários, fundiários e das garantias sociais, como a própria reforma fundiária, a reforma fiscal. Parto do pressuposto de que as políticas públicas ao se restringirem ao estabelecimento prévio de públicos-alvos ou demandas genéricas apresentam fortes limitações, no que se refere a conseguirem abarcar as desigualda- des concretas existentes nos diversos territórios que compõem uma cidade, e assim permitir maior efetividade, democratização e con- quista de cidadania. Koga, 2003, p.33 Na busca de aprofundarmos o entendimento a respeito do que estamos problematizando, e, ainda, objetivando apreender como alguns dos ato- res envolvidos percebem a rota do lixo dentro do território de Jardim Gramacho, entre os meses de maio e junho realizamos cinco entrevis- tas com alguns catadores e com dois donos de depósitos, com a finali- dade de melhor compreendermos essa trama de relações existentes e o olhar tanto de uns quanto de outrosa respeito da cadeia produtiva de reciclagem e o papel deles nesse processo perverso. Estruturamos as entrevistas com o objetivo de saber o que os cata- dores tinham em mente a respeito do seu papel na cadeia industrial de reciclagem, além de identificar como eles se sentiam na atividade de catação e como percebiam a sua função em relação ao meio ambiente. Por fim, procuramos saber o que conheciam a respeito do trajeto dos caminhões e suas histórias dentro do território, o que denominamos de “a rota do lixo de Jardim Gramacho”. Em relação aos donos de depósitos, utilizamos as mesmas pergun- tas feitas para os catadores, tendo somente modificado a questão rela- tiva ao trabalho que eles realizavam no aterro junto aos catadores. No que diz respeito às respostas, os cinco catadores reconheceram que são importantes na cadeia industrial de reciclagem, mas são sabe- 128 jardim gramacho e o território do lixo 129 valéria pereira bastos dores que o trabalho que desenvolvem é desvalorizado, principalmente pelos donos de depósitos, mas intencionam trabalhar para romper este domínio. Como exemplo, apresentamos duas falas das catadoras: Acho que o catador é um agente ambiental, mas não é valorizado, não é mesmo, mas por causa das indústrias, porque se agente tiver a possibilidade de estar nas grandes negociações, eliminaria o atra- vessador, mas isto é muito difícil. Entrevista realizada na coopergramacho em 03/06/2005, cooperada Audinéa da Silva Acho que o catador é importante, mas seu papel não é tão reconhe- cido porque se conseguíssemos vender para indústria seria melhor, mas aí o que se tinha que fazer é juntar o material em um núcleo e com isto agregar mais valor e com isto melhorar o trabalho. Entrevista realizada com a catadora Maria Sandra da Silva em 03/06/2005 Quanto à importância do seu papel como agentes ambientais, todos se identificaram com a classificação formal junto ao Ministério do Traba- lho, mas não souberam detalhar como poderiam tornar isso de conhe- cimento público e ter esse papel reconhecido de fato pela sociedade. Podemos ilustrar essa posição com a fala de um dos entrevistados: Eu me considero sim, agente ambiental, porque estou reciclando e evitando menos resíduos lá em cima no vazamento. Entrevista com a catadora Tânia em 26/05/2005 Eu me considero catador de material reciclável e um agente am- biental, assim porque agente contribui com o meio ambiente, porque aquele material que seria despejado no lixão ou Aterro Sanitário que prejudica o Meio Ambiente agente ta fazendo outro projeto que é de reciclagem e com isto você aumenta a vida útil dos Aterros e evita que novas matérias-prima seja retirada da natureza para fazer o mesmo produto. Entrevista com o catador Sebastião em 06/06/2005 Em relação à rota no território do lixo, de acordo com cada um dos entrevistados que ofereceu riqueza de detalhes em suas respostas, ficou evidente a ocorrência de diversas formas de desvios existentes e as arti- culações estabelecidas, ora pelos motoristas das carretas e/ou cami- nhões, ora pelos garis, entre outros poderes mencionados, que realizam a comercialização do material potencialmente reciclável que deveria ser conduzido diretamente para o aterro, mas é negociado antes de chegar no seu destino final. Deixaram claro também que é bastante confusa essa rota e, por vezes, perigosa a interferência para evitar o desvio do material, conforme ilustra a seguinte fala: Bom penso que diversas coisas acontece de lá até aqui, cara, é uma rota muito confusa, pois dependendo do material recolhido já sai negociado de lá mesmo, porque hoje em dia o motorista já conhece o valor do reciclado do lixo, então se ele sabe que aquele material que esta carregando tem algum valor automaticamente ele já desti- na para algum lugar, aqueles que não tem bom conhecimento, mas alguém conhece que o material tem valor ele já extravia para o meio do caminho para outro lugar, uma série de processos que se ocorre, outros por uma questão de não conhecimento ou questão ética não destina, mas grande parte fica no meio do caminho. Entrevista do catador Sebastião em 06/06/05 A catadora Maria Sandra enfoca que: Aí ele sofre perda nos caminhos é muito desviamento de carro, cada um quer ganhar seu tostãozinho, embora não ache correto prefiro não falar muito sobre o assunto. Entrevista catadora Maria Sandra em 03/06/2005 Já os donos de depósitos, quando entrevistados, reconheceram a impor- tância dos catadores na cadeia industrial de reciclagem, mas procura- ram justificar a importância e a necessidade da existência da categoria de sucateiros, em razão do material oriundo do aterro ser impuro, e com isso existir uma rejeição total das indústrias quanto à compra direta. Sua atividade consiste em beneficiar este produto através da limpeza e misturá-lo com outros materiais, oriundos de compra procedente da atividade de catação nas ruas. Assim vendem para outros atravessado- res que ainda melhoram mais o material, até chegar à indústria. Outro ponto abordado por eles é a existência dos encargos e tributos que por vezes os impede de negociar diretamente, “que dirá o catador”. Bom, o catador é a primeira fase da reciclagem do papel, primeira fase é o catador naturalmente que tira o que é aproveitável do lixo, tá, a segunda fase é o dono do depósito evidentemente, né, que nós fazemos? Damos uma mexida no material de forma que separe o que ele catou e não presta que vai voltar para o lixão e beneficiamos o que presta, enfardamos e mandamos para o atravessador, isto porque o papel do lixão é diferente do papel da rampa por uma série de motivos é diferente, porque o material da rua tem um valor e do lixão tem outro e este material não pode ser mandado diretamen- te para a indústria porque ela não aceita em razão das impurezas oriundas do lixão, mas para o atravessador que também compra papel da rua torna-se vantagem, pois ele mistura 50% de cada e além de pagar mais baixo pelo nosso material diminui seu custo e ele então manda para indústria e o material é aceito. Entrevista realizada no Aterro Metropolitano de Gramacho em 09/06/2005 Sr. Sebastião Luiz – Depósitos 07 e 35 Quanto à rota do lixo, assim como os catadores, todos sabem das tran- 130 jardim gramacho e o território do lixo 131 valéria pereira bastos sações comerciais executadas antes de chegar ao vazamento oficial – Aterro Metropolitano de Gramacho –, mas aceitam e chegam a afirmar que, embora não tenham certeza por não terem sido ameaçados ainda, mexer com essa engrenagem pode criar desconforto e perigo de vida. Um deles relata: Já ouvi falar que são pessoas com um tipo de influência, digamos em termos de coagir as outras pessoas a fazer isto, os próprios car- reteiros da comlurb e s/a paulista, talvez não seja para benefí- cio próprio, mas uma forma de coação senão fizer isto pode aconte- cer alguma coisa não só com o emprego, mas dependendo da forma de quem estiver coagindo a sua própria integridade física. Entrevista realizada no Aterro Metropolitano de Gramacho em 03/06/2005 Sr. Gilmar – Depósito 26 Diante dos depoimentos, torna-se evidente que a questão levantada a respeito da comercialização e do consequente desvio do lixo antes de o mesmo chegar ao aterro existe. Isso confirma que o catador é lesado de diversas maneiras, desde a forma como se dá concretamente o tra- jeto do lixo até o seu despejo no destino final, e ainda na formação da cadeia industrial de reciclagem – o material que é mais valorizado no processo de comercialização não chega ao seu destino final inteiro, o que em muito reduz o ganho daqueles que estão à espera do material bruto para separação e venda. Nesse cenário, podemos afirmar que o território de Jardim Gra- macho é permeado por questões. Os diversos atores deparam-se diaria- mente com desafios em razão do negócio lucrativo do lixo, que envolve cada vez mais um elenco de situações que giram em torno do lucro a ser obtido, não importando de queforma ele possa ter sido adquirido. Por outro lado, apesar de reconhecerem a existência do desvio e, portanto, o furto do seu potencial produto, os catadores de lixo não se organizam para o desmonte da rota, preferindo assumir uma atitude de acomodação e, consequentemente, resignação diante da realidade. Pode-se, diante disso, levantar uma questão: qual seria o poder efetivo que teriam os catadores para alterar esse estado de coisas? Além disso, os depoimentos permitiram abrir um leque de infor- mações sobre fatos que obstaculizam e impedem o catador de partici- par da cadeia produtiva como agente de parte do negócio e, com isso, usufruir dos lucros. Possibilitou, ainda, olhar para além da forma per- versa utilizada no capitalismo para lidar com essa mercadoria especí- fica e permitiu vislumbrar a necessidade de aprofundar a discussão e a reflexão sobre a questão da formação e da organização da categoria de catadores. Aproximamos o olhar, neste momento em que o catador passa por esse processo injusto de não participação na cadeia produtiva, do estudo desenvolvido por Paugam (2003), a respeito do processo por ele denominado de desqualificação social. Esse fator tem relação direta com o processo de precarização do trabalho e, também, de ausência de qualificação, que por vezes leva o trabalhador ao desemprego e, conse- quentemente, ao processo de exclusão social, aqui reconhecida como a nova exclusão, que tem características à luz do mundo globalizado, onde o avanço tecnológico e a automação dos serviços se fazem presente e empurram cada vez mais os indivíduos para a informalidade. O autor, ao apontar o estado de desqualificação social, identifica ainda diferentes tipos de indivíduos. No caso dos catadores, acreditamos que estejam inseridos na qualificação de marginalizados organizados, visto que participam de um contexto cultural tolerável em um espaço controlado pela experiência das trocas das atividades cotidianas e, às vezes, graças aos recursos do imaginário (Paugam, 2003, p. 177). Inserimos o catador de lixo nesse contexto, onde foi possível iden- tificá-lo como aquele que, por se sentir excluído do acesso a melhores condições de trabalho, até mesmo de usufruir de bens e serviços como qualquer cidadão, desenvolveu uma cultura voltada para a submissão, naturalizando esta condição de modo a considerar que a exploração de sua mão-de-obra em todos os sentidos é muito normal. Conforme àlguns depoimentos colhidos nas entrevistas que realizamos, para eles é muito difícil chegar próximo às grandes indústrias. Com isso, a negociação fica sempre não mão dos sucateiros, ou seja, daqueles que dominam o “mundo dos recicláveis” através do poder do dinheiro. Bibliografia bauman, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2004. cortizo. Maria Del Carmen; OLIVEIRA, Adriana Lucinda. A economia solidária como espaço de politização. in: Serviço Social e Sociedade, São Paulo, Cortez, v.25, n.80, nov. 2004. expo brasil. Desenvolvimento local. Disponível em: Acesso em: 29 maio 2007. ibase. Diagnóstico social: bairro Jardim Gramacho. Rio de Janeiro: IBASE, ago 2005. Mimeo. koga. Cidades territorializadas entre enclaves e potências. 2001. Tese de Doutorado. (Programa de Pós-Graduação em Serviço Social). Pontifícia Universidade Católica. São Paulo, 2001. pinto, Lucia Luiz. Diagnóstico sobre a situação atual do aterro metropolitano de Jardim Gramacho. Duque de Caxias: S/A Paulista, nov. 2004. Mimeo. santos, Milton; silveira, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2006. ________. Por uma globalização: do pensamento único à consciência universal. 14.ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. velloso, Marta Pimenta. A Atividade e Resíduos Resultantes da Atividade 132 jardim gramacho e o território do lixo 133 valéria pereira bastos Humana: da produção do lixo a nomeação do resto. Tese de Doutorado. (Programa de Pós-Graduação em Saude do Trabalhador). Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública. Rio de Janeiro, 2004. Valéria Pereira Bastos É doutora em Seviço Social. Suas áreas de pesquisa são meio ambiente, estu- dos culturais e desenvolvimento sustentável. Atualmente é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio). Sua experiência é com ênfase em trabalho social voltado para o meio ambiente com catadores de materiais reci- cláveis, atuando principalmente nos seguintes temas: identidade, trabalho, exclu- são social, políticas sociais e contemporaneidade. vbastos@puc-rio.br 134 jardim gramacho e o território do lixo 135 No dia 6 de dezembro de 2008, o nima realizou a cerimônia de encer- ramento do projeto Educação Ambiental: formação de valores ético-am- bientais para o exercício da cidadania no município de Duque de Caxias. O encontro aconteceu no Pólo Avançado da puc-Rio, o Instituto São Bento, em Duque de Caxias, e contou com a participação de represen- tantes de todas as esferas do projeto. O objetivo do evento foi proporcio- nar um espaço de troca, onde todos os participantes pudessem conhe- cer os trabalhos realizados ao longo do semestre. Durante a abertura da cerimônia, os representantes da puc-Rio, da Diocese de Duque de Caxias, da Prefeitura de Duque de Caxias, da Petrobras e do nima destacaram a importância da realização de um pro- jeto como esse que, além de respaldar professores da rede municipal no desenvolvimento da educação ambiental a partir de uma abordagem local, ainda promove uma integração entre universidade, escola e socie- dade. Como foi ressaltado por um participante, a mudança de postura que o atual quadro ambiental e social exige passa inexoravelmente pela educação ambiental, essa maneira holística de transmitir conhecimento ao mesmo tempo em que se afirmam valores. Após a entrega de certificados aos professores municipais de Duque de Caxias, ocorreram as apresentações dos projetos desen- volvidos por eles em suas respectivas escolas. Através dessas exposi- ções ficou claro que a educação ambiental já era abordada na maioria das instituições, através de temas como reciclagem, aproveitamento integral dos alimentos, uso consciente da água e reaproveitamento de materiais. O que nos mostrou, mais uma vez, a importância dessa ini- ciativa que busca a integração e a complementação dos trabalhos rea- lizados nas escolas com o conteúdo acadêmico e científico trazido pela universidade. O número de trabalhos apresentados na tentativa de ilustrar de forma didática os resultados obtidos, assim como o nítido empenho dos professores em realizá-los, mostraram o tamanho da necessidade de se trabalhar com esse tema e a vontade que crianças e adultos têm de sentirem que estão fazendo a sua parte na conservação do planeta. Projetos como Os agentes pedagógicos ambientais, desenvolvido pela Escola Municipal Guadalajara, serviram como exemplo de que é possí- vel envolver alunos, pais e professores em atividades lúdicas que utili- zam a sensibilidade para transmitir conhecimento. O término da primeira etapa do projeto Educação Ambiental: for- mação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania garantiu grande satisfação a seus executores, uma vez que mostrou o interesse crescente da sociedade pela educação ambiental, assim como o valor da união de instituições públicas e privadas na articulação de resultados efetivos em prol do desenvolvimento social e ambiental. Por fim, é necessário salientar que o presente projeto se configura como uma importante mediação na divulgação e concretização da Lei n.9795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Edu- cação Ambiental, tanto nos aspectos formais como informais. encerramento Pátio interno do Instituto São Bento136 137 Eu diria que nesse dia nós temos dois sentimentos. Primeiro, uma alegria e a esperança… A alegria de poder tra- duzir aquilo que nós temos no brasão da nossa universidade, um brasão que tem duasasas… o quanto é importante saber que essas asas conseguiram voar lá da Zona Sul até Caxias. Padre Josafá Carlos de Siqueira Vice-Reitor da puc-Rio Outro dia li uma frase que eu achei inte- ressante… “Nós não herdamos o pla- neta dos nossos pais, nós o tomamos emprestado dos nossos filhos”. Arcebispo Dom José Francisco Rezende Dias Arquidiocese de Duque de Caxias e São Jõao de Meriti Vocês poderão nos ajudar a extender esse sonho, para que a realidade da Baixada, do recôncavo da Guanabara, cada vez mais possa ter sua própria formação. Doutor Celso Pinto Caris Professor do Departamento de Teologia da puc-Rio e do Instituto São Bento Efetivamente, a gente só vai conse- guir transformar o quadro caótico e crí- tico que o planeta vive através de uma mudança de postura. Isso passa ine- xoravelmente por uma coisa chamada Educação Ambiental. Ronaldo Chaves Torres Representante da Petrobras O grande sentido de estarmos aqui é fazer uma grande parceria entre todos. Não viemos aqui pensando em ensinar nada a ninguém, viemos com a intenção de trocar coisas. Professor Luiz Felipe Guanaes Rego Diretor do NIMA 138 139 Adriana Ambrozio Venâncio da Silva (Biologia) Pré-Iguaçu Adriana de Araújo Maia (Biologia) e. m. General Mourão Filho Adriana Olivia Briata da Conceição (Ciências) Escola Estadual Álvaro Negromonte Ana Lúcia Teixeira (Geografia) e. e. Hervalina Diniz Freire Andrea Nunes da Silva (Orientação Educacional) e. m. Carmem Corrêa dos Reis Brás Angélica F. de Santana Guedes (Pedagogia) e. e. Álvaro Negromonte Aureo Ferreira Muri (Ciências) ciep 338 (Municipalizado Célia Rabelo) Bruna C. S. Lima (Ciências Biológicas) Unigranrio Carlos José Alves (Ciências) e. m. Roberto Weguelin de Abreu Cátia Cristina Rodrigues da Silva Claudia Regina Siqueira do Carmo (Ciências) Escola Vilela Fernandes Claudia Souto Vieira da Silva (Ciências Físicas e Biológicas) ciep 113 – c. f. Nogueira Mineiro Cidvaldo Victor Cavalcanti (Educação Artística) e. m. Anton Dworsak Cristiane Santos da Silva (Ciências e Biologia) Colégio Estadual Fernando Figueiredo Cristina Maria da Silva (Geografia) e. m. Presidente Costa e Silva Denise de Oliveira Silva Deusilene Soares Ferreira (Ensino Básico) e. m. Professora Amélia Câmara dos Santos Dilza Lima Santos (Geografia) ciep 340 – Profª Lais Martins Doti Gay Pinto (Ciências) e. m. Expedicionário Aquino de Araújo Elisabete Santos Peixoto da Silva (Geografia) e. e. Frei Henrique de Coimbra Fabiana Pereira Policarpo (Disciplina Integrada) e. m. Professora Amélia Câmara dos Santos Giuseppina Adelia Briata Leiros (Pedagogia) e. e. Álvaro Negromonte Helenita Maria Beserra da Silva (História) e. e. Guadalajara Ivana Maria Dias (Ciências/Biologia) e. e. Álvaro Negromonte José Antonio Casais Casais (Ciências) e. m. Carmem Correa Katya de Oliveira Vieira (Ciências) e. m. Evlina Pinto de Barros Lenise de Oliveira Paiva (Sociologia) Centro de Referência de Assistência Social Leodegário Baptista Cordeiro (Ciências) e. m. Expedicionário Aquino de Araújo Lídia de Sá Reis (Educação Ambiental) Coordenadoria Regional Metropolitana V Lizangela Reis Santana (Educação Infantil) Casa da Criança Esperança do Futuro Luciana Ambrozio Venâncio da Silva (Geografia e História) Colégio Flama Centro Educacional Nogueira Mineiro Professores da rede municipal de Duque de Caxias que participaram do projeto continua na página seguinte141 Apresentações Visões de Meio Ambiente dos alunos do 6º ano José Antonio Casais Casais Escola, meio ambiente e profissão Ivana Maria Dias Giuseppina Adriana Briata Leiros Vera Lúcia Pífano da Cruz Conhecendo as riquezas do Bairro São Bento Simone Côrtes Rodine Claudia Regina Siqueira do Carmo Vera Lucia Pifano da Cruz Educação ambiental a partir de tendas educaticas Maria Bernardete Amarante Fonseca Projeto sobre mina de água Luciana Ambrozio Venâncio da Silva Projeto plantando vidas Leodegário Baptista Cordeiro Entrevistas sobre a qualidade da água Lídia de Sá Reis Direito à vida Maria Mônica Sarandy Políticas públicas em educação ambiental Leane Rodrigues Martins Acampamento e apresentação de raps elaborados pelos alunos do 7º ano Elisabete Santos Peixoto da Silva Lixo: restos nos interessam Silvania Rodrigues Maciel Projeto água: qual futuro que queremos? Nelson Barroso da Conceição Esperança do Futuro Margarida Maria da Silva Ribeiro Lizangela Reis Santana Reciclagem Suely dos Santos Cozendey Trabalho confeccionado por alguns alunos com a técnica de mosaico Suely dos Santos Cozendey Mina de água Claudia Souto Vieira da Silva Luciana Ambrozio Venâncio da Silva Rosane Rangel da Costa Apresentação de cartazes com desenho dos alunos sobre a importância da preservação da natureza. Cidvaldo Victor Cavalcanti Andrea Nunes da Silva Marcelen Chagas do Amaral (Pedagogia) Colégio Flama Margarida M. da Silva Ribeiro (Educação Básica) Casa da Criança Esperança do Futuro Maria Bernadete Fonseca Amarante Maria Mônica Sarandy (História) e. e. Alemy Tavares da Silva Marineth Muiz Lyra Cordeiro de Almeida Marisa Sanche (Ciências) Escola Equipe Infantil – sme Maristela dos Santos de Oliveira Marta de Souza Golçalves (Língua Portuguesa) ciep 199 – Charles Chaplin ciep 218 – M. Hermes Lima Nelson Barroso da Conceição (Biologia) Secretaria de Meio Ambiente Paulo Pedro da Silva (História) e. m. Professor João Faustino Regina Célia da Silva Ricardo Bustamante da Silva (Geografia) Escola Aquino de Araújo Rômulo Lima Ayres (Geografia e História) ciep 404 Rosânea Luxidi Duarte da Costa (Ciências) e. m. Dr. Ely Combat Sideli Vieira Maia (História e Geografia) Coordenadoria Regional Metro V Sidney Nascimento Nunes (Biologia) Agência Nacional do Petróleo Silvania Rodrigues Maciel (Biologia) ciep 434 – Maria Jose Machado Silvia Regina Bastos Souza (Geografia) crrmv Simone Côrtes Rodine (Geografia) e. m. Vitela Fernandes Suely dos Santos Cozendey (Química) e. e. Frei Henrique de Coimbra Taciane Peixoto da Silva Vera Lucia Pifano da Cruz (Ciências e Biologia) e. m. Expedicionário Aquino de Araújo e. m. Nisla Vilela Fernandes continuação da página anterior 142 143 Exposição de trabalhos 144 145 Créditos Da esquerda para a direita: Roosevelt, Rogério, Júlia, Sabrina, Rosana (abaixo), Marcelo, Ana Clara (abaixo), Ilana, Luiz Felipe, Camila (sentada), Rita, José Miguel, Regina, Cláudia. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro Prof. Pe. Jesus Hortal Sánchez, S.J. — reitor Prof. Pe. Josafá Carlos de Siqueira, S.J. — vice-reitor CCS – Centro de Ciências Sociais Prof. Luiz Roberto Azevedo Cunha — decano Prof. Nizar Messari — coordenador setorial de pós-graduação e pesquisa Profª. Daniela Trejos Vargas — coordenadora setorial de graduação NIMA – Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente Luiz Felipe Guanaes Rego — diretor Fernando Cavalcanti Walcacer — vice-diretor Camila Tati Pereira da Silva Barata Ilana Parga Nina de Oliveira Daise dos Santos Mendonça Guilherme Moreira Marcelo Luiz Guedes Fonseca Ana Clara Matos Carneiro Barbosa Pinto Rosana Cristine Machado de Oliveira Julia Pereira Professores Alvaro Henrique de Souza Ferreira Augusto César Pinheiro da Silva Josafá Carlos de Siqueira Regina Célia de Mattos Rita de Cássia Martins Montezuma Rogério Ribeiro de Oliveira Virgínia Totti Guimarães Valéria Pereira Bastos Coordenação editorial Luiz Felipe Guanaes Rego Elizabeth Grandmasson Felipe Kaizer Textos Introdução (p.??) Roosevelt Fideles de Souza Marcelo Luiz Guedes Fonseca Trabalhos de campo (p.?? – p.??) Camila Tati Pereira da Silva Barata Marcelo Luiz Guedes Fonseca Mapas (p.?? – p.??) Guilherme Moreira Marcelo Luiz Guedes Fonseca Encerramento (p.?? – p.??) Ilana Parga Nina de Oliveira Revisão Luciana Werner Projeto gráfico & Diagramação Felipe Kaizer Escritório Modelo de Arquitetura e Design: Níkolas Pereira (assistente) Bruno Senise (assistente) Rodrigo Martins (assistente) Produção GráficaPortas Design: Karla de Souza Roberta Portas Imagens Todas as imagens foram produzidas pelo NIMA, exceto: Agência O Globo (p.??) Produçâo do vídeo Julio Uchoa Adriana Guanaes Sabrina Gortz Carauta de Souza Web Paulo Dreyer Marques Adriana Lessa Garcia Petrobras Ricardo Santos Azevedo Ronaldo Chaves Torres Prefeitura de Duque de Caxias 2008 Washington Reis de Oliveira — prefeito José Miguel da Silva — secretário de meio ambiente 2009 José Camilo Zito dos Santos Filho — prefeito Samuel Maia dos Santos — secretário de meio ambiente 2009 146 147Ambiental (zeia) n°9, denominada Parque Glicé- rio. De acordo com os representantes da Secretaria de Meio Ambiente, a área do Parque será cedida pela União, pois pertence ao Ministério da Marinha. A intenção da prefeitura é implementar ali um parque com atribuição de parque urbano para lazer e prática de esportes, de caráter municipal regional. A área está completamente descaracterizada, com alto grau de degradação e poluição dos canais que a cortam. Devido à fiscalização da Marinha, parte da área onde será o parque não sofreu processo de invasão e de favelização como aconteceu com outras áreas do entorno, que além da ocupação irregular recebem ilegalmente o des- pejo de lixo e de entulho de obras. A favela Dois Irmãos, fronteiriça com o parque, faz parte do complexo da favela Beira-Mar. Segundo os inte- grantes da secretaria, algumas ocupações irregulares serão removidas para a construção do parque municipal. Em seguida, paramos na Rodovia Washington Luis, em frente à construção de um shopping center que será o maior do município. A mesma empresa responsável pela construção do shopping tem a inten- ção de erguer um condomínio de luxo em frente ao empreendimento, no trecho ao lado do parque gráfico do jornal O Globo. Trata-se de uma área de manguezal, ou seja, área de proteção permanente, de acordo com a legislação. 24 25 Campos Elíseos Morro do Céu No segundo distrito, o grupo dirigiu-se para a parte mais elevada do bairro de São Bento, chamada Morro do Céu, onde visualizou a exten- são da Área de Proteção Ambiental (apa) São Bento. No alto do Morro do Céu foi possível observar não só os limites da apa São Bento, como a parte que apresenta ocupação irregular, deflagrando problemas de ordem fundiária. Também foram observadas áreas de extração irregular de sai- bro. Essa extração provocou a diminuição de alguns morros, alterou o regime de ventos e o microclima da região. A área mostrada é uma planí- cie alagada, uma característica natural de toda região do município que se encontra no entorno da Baía de Guanabara. O afloramento do lençol freático vindo dos maciços circundantes e a própria cota altimétrica que, em alguns lugares, está abaixo do nível do mar, faz com que o alagamento de áreas de planície seja um processo natural. Vista do Morro do Céu, no Bairro São Bento 26 27 Vista da Caixa D’Água Campos Elíseos Caixa D’Água O outro ponto visitado no segundo distrito foi a zeia 06 da Caixa D’Água, que recebeu esse nome pelo fato de haver uma caixa d’água abandonada no topo de um de seus morros. Segundo informações da própria Secretaria de Meio Ambiente, já estaria em andamento o pro- cesso de homologação para transformar a zeia numa Área de Proteção Ambiental. A Secretaria tem planos de aproveitar a própria estrutura da caixa d’água para construir um mirante com salas para palestras e debates. A obra abandonada é cercada por vegetação bastante desca- racterizada, apresentando alto nível de degradação, com alguns resquí- cios de reflorestamento feito anteriormente pela própria Secretaria. Foi possível observar que a área em torno da futura apa, na base dos mor- ros, é ocupada por casas da classe média do município. A equipe rece- beu explicações sobre o motivo da região não ser aconselhável para a ocupação urbana: no verão, a área é frequentemente alagada devido à dinâmica de afloramento de lençol freático vindo dos maciços circundan- tes. Na ocasião dessa visita a equipe tomou conhecimento da intenção da secretaria de acelerar o processo de homologação da apa da Caixa D’Água, para revitalizar a área e iniciar logo os projetos que visem recu- perar o ecossistema local. Três meses mais tarde, realizamos com os alunos do projeto uma segunda visita, no dia 29 de novembro, ao recém emancipado Parque Natural Municipal da Caixa D’Água. A apa havia sido homologada na semana anterior à visitação. O representante da Secretaria de Meio Ambiente expôs os principais desafios para a área, destacando a neces- sidade de reflorestamento com espécies nativas e de fiscalização. Nessa visita com a equipe e os professores, observamos que é fundamental a presença do poder público na gestão dessas áreas. A prefeitura havia demolido no local uma construção irregular do que seria uma rádio pirata. Vimos que, em apenas três meses de intervalo entre a primeira visita e essa, a ausência da intervenção de órgãos gestores da prefei- tura facilitou a construção irregular. Mas, de acordo com os represen- tantes da Secretaria de Meio Ambiente, com a homologação do Parque Natural Municipal da Caixa D’Água haverá fiscalização constante para evitar irregularidades futuras no local. 28 29 Imbariê Parque Municipal da Taquara No terceiro distrito, Imbariê, seguimos para a zeia n°1, a Unidade de Conservação de Proteção Integral Parque Natural Municipal da Taquara. A área total do Parque é de aproximadamente 20,8 hectares. Localizado no corredor ecológico que fica no meio da Serra dos Órgãos, da apa Petrópolis e da Reserva do Tinguá, o Parque Municipal da Taquara apre- senta uma variação de vegetação que abrange áreas de pasto, vegetação secundária e Floresta Ombrófila, sendo que esta ocupa a maior parte do parque, que chega a receber quatro mil pessoas nos dias de tempo bom, segundo os integrantes da Secretaria de Meio Ambiente. São moradores do município, da Baixada Fluminense e de cidades vizinhas, que visi- tam o local para admirar suas quedas d’água, sua rica fauna e a flora de espécies da Mata Atlântica. Dentro da área do parque, na sua parte baixa próxima à entrada, há cantinas que servem refeições nos finais de semana, além de um espaço com churrasqueiras. Algumas famílias moram dentro do parque, onde criam animais domésticos e fizeram um lago artificial. O parque possui um rio principal, o Rio Taquara, que corta parte do terreno. 30 31 O Parque da Taquara será ampliado com a incorporação de uma área anexa que foi cedida pela fábrica de tecidos Nova América. A área pos- sui um reservatório de água desativado, que servia à fábrica, e que em dias de verão chega a receber uma média de cinco mil pessoas. Ele será reativado pela cedae para captação, tratamento, e distribuição. Esse fato gera uma preocupação ao poder público, pois, se o reserva- tório for reativado, seu uso será vetado à população local, o que pode causar conflito com os moradores que já incorporaram a represa como área de lazer. Realizamos uma segunda visita ao parque, no dia 29 de novembro, com a presença dos alunos do projeto. Visitamos os pontos mais importan- tes do parque e ouvimos explicações do representante da Secretaria sobre os principais problemas enfrentados pela administração. Um dos exemplos foi a fiação elétrica que passa dentro do parque, que eventu- almente provoca a morte de uma espécie de mico. A fiação serve para levar energia elétrica para algumas casas em torno da área do parque. Discutimos, então, o fato de os órgãos públicos ambientais terem que pressionar a empresa responsável para que torne subterrânea a fiação, dando continuidade ao abastecimento de energia sem causar impacto aos animais do parque. 32 33 Xerém Cidade dos Meninos A Cidade dos Meninos (Zona Especial de Interesse Ambiental, zeia 14) é assim chamada pois ali existia, desde a década de 1940, um complexo de internatos voltado para menores carentes. Em 1947, a área passou a albergar o Instituto de Malariologia, que produzia para exportação pes- ticidas organoclorados, utilizados no controle de endemias transmitidas por vetores de malária, febre amarela e doença de Chagas. Com a desa- tivação da fábrica na década de 1960, aproximadamente 400 toneladas de pesticidas foram abandonadas, o que acabou causando a contami- nação dos arredores. Os resíduos desse foco principal de contaminação foram disseminados por via aérea, águas pluviais e, principalmente, por meio do carregamento mecânico para utilização em aterros e aplicação como agrotóxicos, segundo relatos de moradores.Esses são os focos secundários de contaminação e estão distribuídos aleatoriamente pela região, sendo também objeto de estudos já realizados. O problema da contaminação ambiental e o seu potencial risco à saúde humana ganhou evidência a partir de 1989, quando a imprensa noticiou a venda dos pesticidas em feiras livres de Duque de Caxias. Devido à contaminação, a área não pode ser utilizada para produ- ção de nenhum alimento, seja ele de origem animal ou vegetal. Apesar disso, é possível observar pequenas hortas de subsistência e animais de criação como gado, galinhas, porcos e cavalos. Existe interesse da prefeitura de utilizar parte da área para a construção de uma usina de reciclagem de lixo, uma vez que o Aterro Sanitário de Gramacho encon- tra-se em processo de encerramento de suas atividades. Vale ressaltar que a Cidade dos Meninos continua sendo um dos maiores passivos ambientais do município. Em seguida, no entorno da Cidade dos Meninos, paramos no ponto de abastecimento de água para os carros-pipa que estão a serviço do município. Os integrantes da Secretaria Municipal ressaltaram a qua- lidade da água e a necessidade de regulamentar a captação, tendo em vista o abastecimento ilegal de caminhões-pipa. 34 35 Xerém rebio Tinguá A zeia n°15 – Unidade de Conservação de Proteção Integral – Reserva Biológica de Tinguá está situada na Serra do Mar, no Estado do Rio de Janeiro, nos fundos da Baixada Fluminense. Abrange os municípios de Nova Iguaçú, Caxias, Petrópolis, Miguel Pereira e Vassouras. É consi- derada Patrimônio da Biosfera pela Unesco desde 1992. Junto com a equipe da Secretaria de Meio Ambiente, utilizamos um dos acessos para a rebio, localizado no 4°distrito. Após passarmos por um caminho já dentro da reserva, chegamos a uma área às mar- gens do Rio Registro, um dos rios que cortam aquela parte da reserva. A área é aberta e pudemos observar a presença de churrasquerias impro- visadas, constatando que a área é utilizada para churrascos e outras atividades pelos moradores do entorno e demais visitantes. Segundo informações da Secretaria, nos meses de verão a reserva chega a rece- ber cerca de três a quatro mil pessoas nos fins de semana. Infelizmente, percebemos que, tanto no caminho de acesso como na área à margem do Rio Registro, havia uma quantidade considerável de lixo deixada pelos visitantes. Sobre o rio há uma tubulação de água e uma ponte de ferro, que está em péssimo estado de conservação e não oferece segu- rança. A ponte dá continuidade ao caminho anterior, cortando a Mata Represa de Calombé no Rio Registro Atlântica nativa – que, infelizmente, também apresenta um pouco de lixo (garrafas Pet, pacotes de biscoito, copos plásticos etc.) – e levando até a Represa do Calombé, no Rio Registro, atualmente fora de ope- ração. A represa servia para abastecimento da reduc, mas, devido a problemas na qualidade da água, foi desativada. Os representantes da Secretaria de Meio Ambiente ressaltaram o interesse de reativar o sis- tema de captação de água, junto à reduc, para abastecimento de dife- rentes áreas do município. O local de represamento forma um lago e possui uma beleza cênica que impressionou a todos da equipe. Segundo informações dos represen- tantes da Secretaria de Meio Ambiente o lago da represa é muito requi- sitado para banho pelos visitantes, principalmente no verão. Concor- damos que essa questão da entrada de pessoas na reserva, para banho e outras atividades, deve ser levada em consideração na formulação do seu Plano de Manejo, já que, de acordo com o Sistema Nacional de Uni- dades de Conservação, o snuc (lei 9.985/2000), a rebio Tinguá está inserida na categoria de Unidades de Conservação de Proteção Integral. Nessa categoria, é proibida a visitação pública, exceto aquela com obje- tivo educacional, de acordo com regulamento específico. 36 37 Xerém Barragem Saracuruna A Barragem Saracuruna também fica dentro da zeia nº 15, a Reserva Biológica (rebio) de Tinguá. A represa de Saracuruna foi construída entre 1960 e 1962, com o objetivo de substituir a já existente barragem de Registro no fornecimento de água bruta para a reduc. A represa de Saracuruna conta com uma área de 43 km² e está dividida em duas partes. A parte superior da bacia é compartilhada com a cedae, que tem prioridade para as captações do sistema Acari. A porção inferior da bacia fica à jusante do ponto de captação da cedae. Devido à sua localização dentro da Reserva Biológica de Tinguá, tem seus mananciais preservados da ocupação e exploração irregular, o que garante às suas águas uma boa qualidade. A barragem foi feita pela reduc e está desativada há alguns anos. O caminho não é de fácil acesso, pois passa por algumas áreas alagadas. Em seu entorno, a represa conta com espécies nativas e exu- berante vegetação de Mata Atlântica, assim como com áreas de cla- reira com vegetação rasteira. Todos concordaram que a represa foi o lugar mais impressionante visitado pela equipe no município de Duque de Caxias. Apesar de possuir um enorme potencial de uso como área de lazer, de contemplação, de conservação e de educação ambiental, a represa é considerada pela equipe da Secretaria de Meio Ambiente como o maior passivo ambiental do município atualmente. Logo após, seguimos para a entrada da represa Mantiqueira, admi- nistrada pela cedae, e que, junto com a represa Boa Esperança, abas- tece o Sistema Acari, no município vizinho de Belford Roxo. 27 de setembro A relação do homem com a natureza é tão intrínseca que muitas das vezes não perce- bemos que somos natureza tanto orgânica como socialmente, a segunda natureza, se é que podemos separar essas dimensões. Regina Célia de Mattos 11 de outubro Eu pretendo fazer um trabalho dialógico, ou seja, trocar experiências e tentar caracterizar a Geografia como ciência que trabalha com as demandas dos diferentes territórios do espaço geográfico. Augusto César Pinheiro da Silva A visão da realidade local tem que estar acima de todas as coisas para que você possa pautar o técnico. Se você chegar só com a visão acadêmica, você se quebra. É preciso associar as duas visões. Wilson A. Leal Boiça Eu entendo a cidade como um ecossis- tema. E eu não consigo pensá-la isolada de nenhum outro ambiente, qualquer que seja a distância entre eles. Rita de Cássia Martins Montezuma A educação ambiental deve gerar conhe- cimentos que sirvam à toda sociedade. Gerando mudanças na qualidade de vida e maior consciência na conduta pessoal, comunitária e populacional. Roosevelt Fideles de Souza A situação atual é curiosa porque não exis- tem mais problemas de técnica na questão ambiental, mas sim dificuldades comporta- mentais – vivemos uma crise ética. Luiz Felipe Guanaes Rego AULAS 38 39 Os espaços “vazios” são cheios de valores e significados para a vida do município. Rogério Ribeiro de Oliveira 25 de outubro18 de outubro Do ponto de vista da sustentabilidade, o encerramento do Aterro de Gramacho é bom para todo mundo. É bom para o bairro, é bom para os catadores, é bom para o traba- lho de organização que a gente faz. Valeria Bastos O que é a cidade? Vocês já pararam para pensar que nós usamos as palavras ‘cidade’ e ‘urbano’ como sinônimos? Será que elas não diferem em nada? Alvaro Ferreira O objetivo maior do Direito Ambiental é pro- teger e preservar o meio ambiente. Virgínia Totti Guimarães 40 41 MAPAS O espaço geográfico é o espaço construído ou transformado pelo homem, sendo composto por elementos naturais e elementos antrópicos que interagem entre si. Esse espaço é uno e indivisível, formado por objetos e sistemas convergentes e/ou divergentes, concretos ou não. Para enten- dê-lo, apesar de seus elementos serem indissociáveis, existem métodos que permitem que o dividamos em temas. Esses temas que compõem o espaço geográfico podem ser representados graficamente através dos mapas. A interação entre os mapas que representam os elementos (temas) quecompõem um determinado espaço permite a melhor compreen- são do mesmo, suas especificidades, similaridades e interações com o entorno e o mundo. Vivemos, hoje, a era da imagem, da tv, da internet, da telefonia celular e das informações instantâneas. Há uma supervalorização da linguagem gráfica, da qual a cartografia e os mapas fazem parte, sendo, portanto, de suma importância o seu uso como facilitador para o enten- dimento dos mais diversos espaços e suas relações. O mapa é uma representação do espaço geográfico em um plano que se vale de códigos (imagens e símbolos) para indicar as feições pre- sentes. Para usá-lo (lê-lo) é necessário a compreensão de alguns con- ceitos que são trabalhados na escola. Esse conjunto de conceitos é chamado de “elementos do mapa” e seu aprendizado é denominado “alfa- betização cartográfica”. Isso mesmo, na escola não aprendemos somente a ler e a escrever, mas devemos também aprender a ler mapas! Os elementos básicos que compõe um mapa são: o título, a sim- bologia (representação gráfica), o sistema de coordenadas e de projeção, a legenda, a orientação, a fonte e a data da informação representada, a escala e o autor. Elementos dos mapas Título — Define a área geográfica e o tema representado. Escala — Demonstra a relação entre o tamanho do espaço contido no mapa e as distâncias reais correspondentes no terreno. Simbologia (representação gráfica) — Permite a codificação da realida- de através de cores e símbolos gráficos expressos nos mapas. Sistema de coordenadas e de projeção — Através das coordenadas é possível localizar a área representada no mapa no Planeta Terra. Existem vários sistemas de coordenadas que permitem a loca- lização precisa de um ponto qualquer na superfície terrestre. Dentre eles o mais usual é o denominado Coordenadas Geográfi- cas (latitude e longitude). A elaboração de uma mapa consiste em um método segundo o qual se faz corresponder a cada ponto na superfície da Terra, em coordenadas geográficas, um ponto no mapa, em coordenadas planas. Para se obter essa correspondência utilizam-se os siste- mas de projeções cartográficas. Legenda — Identifica as convenções utilizadas para representar os elementos contidos no mapa, permitindo a leitura das geome- trias contidas no mapa. Orientação — Através da rosa-dos-ventos é feita a orientação dos mapas, indicando o Norte. Nela, a orientação Norte-Sul é consi- derada sobre qualquer paralelo e a orientação Leste-Oeste, sobre qualquer meridiano. Fonte — Indica quem gerou a informação representada ou, em alguns casos, quem fez o mapa. Data da informação representada — Indica quando o mapa foi feito ou quando a informação representada foi adquirida. Autor — Indica quem foi responsável pela elaboração do mapa. 2,50 5 km 22°30'S 4342 Novas tecnologias, mapas interativos: Google Earth A criação e a apropriação de tecnologias pelo homem, por mais comple- xas que sejam, está ligada à ideia de criar um meio facilitador do coti- diano das sociedades e de suas atividades. Os grandes avanços tecno- lógicos que a humanidade vem experimentando desde o século xx têm proporcionado, também, a evolução acelerada de tecnologias específicas ligadas à manipulação de dados espaciais ou dados geográficos, como os sistemas de informação geográfica, o sensoriamento remoto e o pro- cessamento digital de imagens. No âmbito destas geotecnologias, podemos destacar especialmente a evolução dos sensores remotos, que saltaram de uma resolução espa- cial de 80 metros na década de 1970 do século passado para 0,5 metros disponíveis comercialmente hoje. Isso significa que, através de uma ima- gem de satélite, identificávamos somente feições superiores a 80 metros e que hoje é possível identificar alvos de apenas ½ metro. Realizando um exercício meramente especulativo, levando em consideração as ima- gens disponíveis comercialmente e suas altíssimas resoluções, podemos imaginar o que já existe à disposição para fins militares, de inteligência e de espionagem em países que desenvolvem esses sensores, que fatal- mente, no futuro, estarão disponíveis a todos. No entanto, o acesso a esse tipo de informação geográfica estava restrito a empresas, universidades, instituições públicas e militares, já que para sua manipulação era necessário o uso de softwares caros e/ou um alto nível de conhecimento especializado. Visando preencher essa lacuna e democratizar de fato a informação geográfica, foi desenvolvido um programa chamado Google Earth, que utiliza a internet, maior fonte e repositório de informações existente na atualidade, como meio. O Google Earth permite à navegação, através de imagens de saté- lite de todo o globo terestre, localizar automaticamente lugares, girar imagens, mudar o ângulo de visão (visão tridimensional), criar marca- dores espaciais e medir distâncias, entre outras funções. Sua base de dados já possui planos de informação, como vias, sedes municipais, sedes distritais entre outros. Ainda permite que o usuário crie suas fei- ções e as organize também em planos de informação. Os planos de infor- mação criados são organizados em arquivos ‘.kml’ ou ‘.kmz’, ambos for- matos do Google Earth, podendo ser disponibilizados a qualquer outro usuário. O projeto Formação de Valores Ético-Ambientais para o Exercí- cio da Cidadania no Município de Duque de Caxias disponibiliza, atra- vés do seu website, alguns planos de informação, já customizados, de temas sobre o município. Descrição dos mapas Para a construção de uma política de gestão ambiental – entendida como o controle dos organismos públicos e/ou privados e da sociedade civil sobre o uso dos recursos socioambientais, utilizando para tanto uma lógica determinada, que inclui instrumentos reguladores e de incentivo – é necessário, antes, um claro entendimento dos processos de criação e de reprodução da ordem territorial em questão e das condicionantes socio- ambientais da região estudada. Nesse contexto, o desenvolvimento sustentável é um conceito-chave porque abre o questionamento sobre a utilização/reprodução racional dos recursos socioambientais respeitando, assim, não só as especificidades naturais de um determinado território, mas também as variáveis sociais, econômicas e culturais. Esse fato torna imprescindível um conhecimento especializado de uma determinada ciência e uma visão holística espacia- lizada das diversas forças atuantes nesse espaço, naturais e/ou antrópi- cas, sendo necessário entender essa “costura” para futuramente, então, propor alternativas sustentáveis. Com o passar dos anos, os avanços tecnológicos vão encurtando os espaços e derrubando fronteiras. Essa situação tende a agravar-se, fazendo urgir, emergencialmente, a construção de um modelo de gestão ambiental para Duque de Caxias. Para a construção desse modelo se faz necessário, previamente, o conhecimento da realidade local, possível atra- vés da caracterização das condicionantes socioambientais, cumprindo, assim, os objetivos pretendidos pelo projeto. A representação espacial das informações é fundamental para a análise integrada, por proporcionar um quadro ambiental de referência para a área de estudo, facilitando a determinação de áreas críticas do ponto de vista de degradação socioambiental. Outra vantagem propor- cionada é a possibilidade de ser observada a evolução temporal de deter- minados processos, principalmente aqueles relacionados à ocupação ao uso do solo, bem como à perda de cobertura vegetal, levando à indicação daqueles que se configuram como mais críticos. A integração entre a informação e a educação é vital para o sucesso de uma ação na área ambiental, pois é na sala de aula que estão sendo cunhados novos cidadãos que, assim, serão capazes, em um futuro pró- ximo, de exercer de forma crítica a sua cidadania. Cidadãos conhecedores da realidade do seu município (pensar global, agindo local) são capazes de transformá-la para melhor, contribuindo, de fato, para uma melhoria na qualidadede vida em geral. 4544 Geomorfologia Geologia 22°40'S 22°30'S 22°40'S 22°30'S F o nt es : C ID E 2 00 2 ; IB G E 2 00 0 ; P D B G 2 00 0 P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 F o nt es : P la no D ir et o r d e R ec ur so s H íd ri co s d a R eg iã o H id ro g rá fic a d a B aí a d e G ua na b ar a – P D R H -B G ( 20 05 ) 2,55 5 Km0 2,55 5 Km0 43°20'W 43°20'W Depressão Fluvio-Lacustre Planície Alúvio-Colúvio (Argilosos, Arenosos ou Indiferenciados) Escarpas Serranas Talus / Colúvio Colinas Maciços Costeiros Interiores Maciços Intrusivos Alcalinos Planície Fluvio-Marinha Tabuleiros Falha e/ou Fratura Falha e/ou Fratura Encoberta Falha e/ou Fratura Inferida Falha Verticalizada Zona de Brecha Preenchida de Mat. Silici Sedimentos Fluviais / Aluviais Sedimentos Paludiais Formação Caceribu Formação Macacu Intrusivas Ácidas Homogênea e Deformadas Alcalinas de Canaã Unidade Serra dos Órgãos Complexo Rio Negro 46 47 Uso do Solo e Cobertura Vegetal Hidrografia 22°40'S 22°30'S Cursos d’Água Lagos, Lagoas e Barragens 22°40'S 22°30'S F o nt es : F U N D R E M ( 19 75 /1 97 6) P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 F o nt e: C ID E 2 00 2 P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 2,55 5 Km0 2,55 5 Km0 43°20'W 43°20'W Campo / Pastagem Afloramento Rochoso Encosta Degradada Vegetação Secundária Floresta Ombrófila Mangue Mangue Degradado Várzea Área Agrícola Solo Exposto Rios, Lagos, Lagoas etc Área Inundável Área Urbana de Baixa Densidade Área Urbana de Média Densidade Grandes Construções Rio Boa Esperança R io J oã o P in to C an al d o M ato G rosso Barragem Saracuruna (Petrobrás) R io P at i Rio Tinguá Rio T in gu á Canal B andeira Rio C ap iv ar i R io R am os C anal C apivari R io S anto Antonio Rio Calom b é Rio Saracuruna Rio Roncador Rio Taquara C an al d o Im ba riê Canal d a C on st ân ci a R io P ilar Rio Iguaçu Canal Iguaçu Canal Sarapuí Rio Estrela Rio São João de Meriti 48 49 Zonas Especiais Área Urbana 2,55 5 Km0 Rodovia Federal Rodovia Estadual Distritos Área Urbana 22°40'S 22°30'S 2,55 5 Km0 Interesse Turístico Interesse Rural Interesse Ambiental ZIA do Rio Capivari ZIA da Taquara ZIA do Rio Saracuruna ZIA do Rio Roncador 25 24 23 22 21 20 27 19 26 18 17 16 10 11 9 8 7 4 6 51 2 3 12 14 13 15 ZIA do Cangulo ZIA da Caixa D’Água ZIA do Rio Pilar ZIA do Rio Sarapuí ZIA do Parque Glicério ZIA de Xerém APA de Petrópolis APA de São Bento APP do Mangue ZIA Cidade dos Meninos REBIO Tinguá II I III IV VII VII V VI Interesse de Negócios I Estrela II Figueira III Campos Elísios IV Jardim Gramacho V Xerém VI Meriti VII Centro Atacadista Estrada Real Mantiquira – Tinguá Estrada Real Automóvel Clube Estrada Real São Bento – Pilar F o nt es : C ID E 2 00 2 ; IB G E 2 00 0 ; P D B G 2 00 2 P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 F o nt e: S ec re ta ri a M un ic ip al d e U rb an is m o d a P re fe it ur a d e D uq ue d e C ax ia s P ro d uz id o p o r F un d aç ão D o m C in tr a 20 06 43°20'W 43°20'W Interesse Social 1 Vila Nova (Lixão) 2 Vila Ideal 3 Dique da Prainha (parte) 4 São Sebastião (parte) 5 Parque Brasil Novo 6 Vila Operária (parte) 7 Copacabana 8 Fronteira 9 Vila São Sebastião (parte) 10 Teixeira Mendes (parte) 11 São Borja (parte) 12 Cadeúba (parte) 13 Pistóia 14 Anajás 15 Cidade de Deus 16 Vila Fraternidade (parte) 17 Marquesa de Santos 18 Morro da Costela 19 Aliado (parte) 20 Cachopa 21 Vai Quem Quer (parte) 22 Rua Ceará 23 Vila Aracy 24 Vila Cabral (parte) 25 Santa Lucia (parte) 26 Jardim da Paz (parte) 27 Vasquinho 50 51 RodoviasUnidades de Conservação Rodovias Federais Estaduais Municipais BR-040 BR-040 BR-040 RJ-115 RJ-085 RJ-085 BR-116 RJ-107 RJ-071 RJ-116 RJ-105 RJ-101 RJ-071 Reserva Biológica do Tinguá APA São Bento Parque da Caixa D’Água APA Estrela APA Petrópolis Parque da Taquara APA Tinguá 22°40'S 22°30'S F o nt es : C ID E 2 00 2 ; IB G E 2 00 0 ; P D B G 2 00 2 ; P M D C 2 00 6 P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 F o nt es : C ID E 2 00 2 ; IB G E 2 00 0 P ro d uz id o p o r La b G is P U C -R io 20 09 2,55 5 Km0 2,55 5 Km0 Proteção Integral Uso sustentável 43°20'W 43°20'W52 53 R eg iã o M et ro po li ta na d o R io d e Ja ne ir o, s eg un do nú m er o de d om ic íl io s e es go ta m en to s an it ár io R eg iã o M et ro po li ta na d o R io d e Ja ne ir o, s eg un do nú m er o de d om ic íl io s e ab as te ci m en to d e ág ua 7 .1 89 7 .1 90 – 1 0. 00 0 1 0. 00 1 – 30 .0 00 3 0. 00 1 – 10 0. 00 0 1 00 .0 01 – 2 50 .0 00 2 50 .0 01 – 1 .0 00 .0 00 1 .0 00 .0 01 – 1 .8 01 .8 63 7 .1 89 7 .1 90 – 1 0. 00 0 1 0. 00 1 – 30 .0 00 3 0. 00 1 – 10 0. 00 0 1 00 .0 01 – 2 50 .0 00 2 50 .0 01 – 1 .0 00 .0 00 1 .0 00 .0 01 – 1 .8 01 .8 63 R ed e G er al F o ss a o u S um id o ur o O ut ra F o rm as S em in st al aç ão S an it ár ia R ed e G er al F o ss a o u S um id o ur o O ut ra F o rm as S em in st al aç ão S an it ár ia Fontes: IBGE 2000 Produzido por LabGis PUC-Rio 2009 Fontes: IBGE 2000 Produzido por LabGis PUC-Rio 2009 54 55 Partiremos de uma questão: o que é a cidade? Esta pergunta é muito importante pois, em geral, todos sabem o que é, contudo, ao tentar res- ponder, nos vemos enrascados. Para uma grande parte de autores, a cidade se caracteriza pela concentração de uma certa quantidade de população, uma certa densidade física, a presença de atividades não diretamente ligadas à produção do campo e um modo de vida distinto do que prevalece em áreas que se qualificam como rurais. Essa resposta obriga-nos a formular outra pergunta: isso é sufi- ciente para definir uma cidade? As cidades de hoje são mais complexas, superando o marco de suas dimensões demográficas, morfológicas ou econômicas – a elas múltiplas dimensões são incorporadas. A diferenciação entre o urbano e o rural se torna cada vez mais borrada. Mas aqui, já trouxemos outro elemento para o debate: o urbano. Normalmente, cidade e urbano são entendidos como sinôni- mos, o que é um equívoco. O urbano transcende a cidade e ganha o pla- neta, já que, atualmente, alcança todos os lugares, pois incorpora valo- res, desejos de consumo, formas de trabalho e o tempo da metrópole. Assim, mesmo áreas ditas rurais apresentam elementos e indícios que nos remetem ao urbano. São modos de vestir e de falar, formas de con- sumo, incorporação de tecnologias, formas de trabalho e de atividades típicas das cidades que adentram o rural. Por isso Rua (2006) acredita tratarem-se de urbanidades no rural. A cidade está ligada à morfologia e à organização espacial, ao passo que o urbano realiza-se como práxis na cidade, através das ati- vidades políticas, econômicas e culturais, reunindo assim todos os ele- mentos da vida social (lefebvre, 2008). As cidades são a materialização de momentos históricos que incor- poram todas as contradições, todas as tensões da sociedade. Por isso, é possível pensarmos nas diversas formas de cidade através do tempo (e todas eram igualmente chamadas de cidades) como uma contradição Alvaro Ferreira Algumas reflexões para ajudar a entender a produção desigual do espaço urbano em Duque de Caxias expressa pelas relações sociais. O município de Duque de Caxias apresenta, também, enormes contradições:áreas ricas e áreas sem condições mínimas de sobrevi- vência, bairros bem servidos pelo sistema de transporte e outros em que o serviço é precaríssimo, distritos atendidos por escolas e hospitais públicos e distritos carentes desses serviços, áreas com alta densidade populacional e áreas com baixa densidade populacional, entre outras incoerências. Este breve artigo não almeja dar conta especificamente de todas essas contradições, mas objetiva trazer elementos para uma reflexão acerca da produção desigual do espaço urbano de Duque de Caxias e contribuir apontando para a necessidade da mobilização social em busca de melhores condições de vida e do direito à cidade. A ênfase no processo geral de urbanização dificulta a percepção das diferenciações internas entre os lugares e, muitas vezes, o asfalta- mento e a criação de ‘praças’ parece ser suficiente aos olhos dos órgãos de governo. Por outro lado, há simultaneamente uma impressão de caracterís- ticas da metrópole carioca em determinados bairros caxienses, como por exemplo a construção de condomínios fechados. O que acaba fazendo com que não somente as práticas sociais, mas inclusive as identida- des dos lugares fiquem sujeitas à valores e necessidades que se refe- rem à capital do Estado. É necessário ter em conta as necessidades dos moradores. Há um grande deficit habitacional em Duque de Caxias e os pro- gramas de habitação popular têm se mostrado insuficientes. Recente- mente, em meados de 2008, a Secretaria Municipal de Urbanismo divul- gou que a Prefeitura começara a entregar as escrituras definitivas dos imóveis do Conjunto Residencial Santa Alice, Nossa Senhora das Gra- ças e Salgado Filho, em Xerém. Em princípio, seriam beneficiadas 700 famílias que ocupam casas e apartamentos funcionais da antiga Fábrica Nacional de Motores (fnm), construídas na década de 1950. Embora a Secretária divulgue essa notícia como política para redução do deficit habitacional, essas famílias já moravam no local. Houve também, seguindo os moldes de outros municípios, a aber- tura de inscrições para o financiamento da casa própria, em parceria com a Caixa Econômica Federal, para funcionários municipais com renda superior a R$ 1.350. Os imóveis, localizados no condomínio Via- Parque, em Santa Cruz da Serra (Terceiro Distrito), referem-se a 99 casas de 48 m². Medida que atende a uma população específica e em condições específicas. Em janeiro de 2008, a Secretaria Municipal de Urbanismo promo- veu e divulgou, no site da Prefeitura a assinatura de escritura da casa própria de 1.067 casas populares, referentes a um projeto denominado Pedacinho do Céu. Esse projeto beneficiaria moradores de áreas consi- deradas de risco, como Jardim Gramacho, Sarapuí – Favela do Dique – artigos 54 55 alvaro ferreira e Parque Beira-Mar. Os conjuntos habitacionais seriam construídos em Jardim Gramacho, Parque Paulista, Parque Beira-Mar, Jardim Anhangá e Parque Marilândia. Eram imóveis com 42 m² e estariam todos pron- tos em 14 meses. Portanto, em março de 2009 deveriam estar prontos. Como andam as obras? É preciso que se cobre mais que o discurso apenas. O Produto Interno Bruto (pib) do município de Duque de Caxias está entre os maiores das cidades brasileiras, alcançando até pouco tempo atrás (2003) o nono lugar do ranking nacional. Apenas para que tenhamos uma idéia do que isso significa, as dez primeiras cidades do ranking representam 25% do pib nacional. Ainda assim, são inúmeros os problemas que assolam o município e, para complicar ainda mais, há grande discrepância no que se refere ao percentual de investimen- tos aplicados em cada distrito. Portanto, cada vez mais se acirram as condições desiguais no município. Tem sido cada vez maior o número de lançamentos de condomínios de luxo no Bairro 25 de Agosto, como podemos observar no anúncio veiculado em panfletos e na Internet: Quer ser chic? Venha morar no Residencial Elegance! Seis aparta- mentos por andar com lazer completo. Nove andares, apartamentos tipo coberturas. Até dois estacionamentos por unidade. Opção de co- zinha americana. 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É neces- sário que se cobre o acesso da população aos distintos equipamen- tos urbanos, ao lazer, à reunião e à informação pelos diferentes atores sociais, pois a reprodução desigual das relações sociais se acirra atra- vés da dominação, por poucos, do espaço urbano. A população que vive no município com um pib em torno de R$ 20 bilhões, precisa ter direito à cidade. E o direito à cidade é mais do que um habitat, é o direito a habitar. O habitat liga-se à morfologia urbana, mas o habitar é uma atividade. Referimo-nos à apropriação (lefebvre, 1978). Habitar é apropriar-se de algo, o que é bastante diferente de tê-lo como propriedade. Significa fazer do espaço sua obra, modelá-lo, apropriar-se dele. Mas é também o lugar dos conflitos, porque o espaço é um produto social, mas é tam- bém produtor, já que as formas construídas interferem no cotidiano da sociedade. A produção do espaço traz consigo uma intencionalidade, por isso é o lugar dos conflitos. É preciso questionar a forma como ele é produzido e buscar fazê-lo de outra maneira, com outros objetivos que não priorizem a especulação e a dominação do espaço. Em outras pala- vras: para mudar a vida é preciso mudar o espaço, é preciso questio- nar a propriedade privada do solo, é preciso valorizar o espaço público, lutar por ele e contra o movimento dos condomínios fechados, das ruas fechadas. Porque, como afirma Lefebvre (2008) “excluir do urbano gru- pos, classes, indivíduos implica também excluí-los da civilização, até mesmo da sociedade”. Importa romper com a força que a tecnocracia tem ao empreen- der seus projetos e propostas, pois o conhecimento técnico desprendido da abertura para ouvir os citadinos de nada vale. O Estado tem sem- pre prescindido da participação dos interessados. É necessário fazer-se ouvir, mostrar aos políticos e aos tecnocratas aquilo que verdadeira- mente interessa à população. Mas cuidado! O direito à cidade não se refere a uma espécie de direito contratual, que se realiza apenas pelo Estado. Participação não significa reunir algumas dezenas ou centenas de pessoas e apresen- tar-lhes um projeto de intervenções urbanas ou apresentar-lhes o que será realizado. Isso definitivamente não é participação; é praticamente apenas uma forma de publicidade em duplo sentido: o primeiro pre- tende apresentar as propostas do governo e o segundo, fazer crer que o governo implementa a participação popular. A verdadeira participação deve partir da população e deve ser ativa e constante; não deve esmorecer após a conquista dos primeiros resul- tados, ao contrário, essa conquista deve significar que é possível trans- formar. Esse é o momento de reavaliar os resultados e lutar por novas conquistas. Feito assim, estaremos deixando de ser apenas citadinos para sermos verdadeiros cidadãos. 56 ...a produção desigual do espaço urbano... 57 alvaro ferreira Bibliografia lefebvre, Henri. Espaço e política. Belo Horizonte: ufmg, 2008. lefebvre, Henri. De lo rural a lo urbano. Barcelona: Península, 1978. rua, João. Urbanidades no Rural: o devir de novas territorialidades. In: Campo-Território. Revista de Geografia Agrária v. 1, n. 1, 2006 http://www.duquedecaxias.rj.gov.br Alvaro Ferreira Possui graduação em geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1996), mestrado em Planejamento Urbano e Regional pelo ippur da Universidade Federal do Rio de Janeiro (1999) e doutorado em Geografia (Geografia Humana) pela Universidade de São Paulo (2003). Atualmente realiza pós-doutoramento com o Prof. Horacio Capel na Universitat de Barcelona. É professor do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (puc-Rio) e professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (uerj). Participa como líder no grupo de pesquisa denominado Núcleo de Estudos e Pesquisa em Espaço e Metropolização (nepem) e no Núcleo Interdisciplinar de Estudos do Espaço da Baixada Fluminense (niesbf); e como pesquisador do Núcleo de Estudos de Geografia Fluminense (negef). Tem partici- pado de congressos no Brasil e no exterior, além de produzir artigos em períodicos nacionais e internacionais principalmente ligados aos seguintes temas: (re)produ- ção do espaço urbano; tecnologias de comunicação e informação e as novas espa- cialidades nas cidades; representações no espaço urbano; relações de trabalho e o espaço urbano; espaço e movimentos sociais. alvaro_ferreira@puc-rio.br Apresentação O projeto Educação Ambiental: Formação de valores ético-ambientais para o exercício da cidadania no município de Duque da Caxias, desen- volvido pelo Núcleo Interdisciplinar de Meio Ambiente (nima) da puc- Rio e financiado pela empresa Petróleo do Brasil s.a. (Petrobras), vem apoiar as pesquisas socioespaciais sobre o Rio de Janeiro, em suas múltiplas dimensões, desenvolvidas pelos grupos acadêmicos do Depar- tamento de Geografia da instituição há vários anos. Dos grupos exis- tentes, o geterj (Gestão Territorial no Estado do Rio de Janeiro) imple- menta, desde 2002, duas linhas de investigação: a primeira, denominada Espaço Carioca e suas Desigualdades e a segunda, Território Fluminense e suas Sustentabilidades através das quais monografias, dissertações de mestrado e eventos científicos, de enfoque geográfico e ciências afins, ligados ao tema Rio de Janeiro vêm sendo produzidos. Entre as temáticas de destaque no grupo, a geografia política e a gestão do território no Rio de Janeiro são foco de interesse acadêmico crescente, devido às transformações jurídico-administrativas pelas quais o estado brasileiro vem passando nos últimos 30 anos, notadamente após a abertura política de 1979 (dez anos depois dos atos institucio- nais que abalaram gravemente a democracia brasileira) e da definição da atual carta magna, em vigência no país desde 1988. Com a constituição federalista em vigor, os poderes locais no Brasil passaram a ter maior força de gestão sobre os seus territórios institucionalmente definidos. Unidades subnacionais (estados) e municípios passaram a atuar, mais efetivamente, nas realidades logísticas, ambientais, sociais e econômi- Duque de Caxias, município da região Baixada Fluminense: poder local, gestão do território e política pública no Estado do Rio de Janeiro. Augusto César Pinheiro da Silva Rosana Cristine Machado de Oliveira 58 ...a produção desigual do espaço urbano... 59 cas dos espaços geográficos sob a sua tutela político-representativa. Governos de estado e prefeituras, juntamente com atores sociais não-governamentais, desde então vão travando estratégias de gestão frente a demandas espaciais específicas, o que impõe às sociedades locais a necessidade de um maior conhecimento e de uma participação sobre os governos estaduais e municipais, para que estes ajam mais ativamente na redução das desigualdades socioespaciais e ambientais tão comuns nas áreas pobres do planeta. Nesse sentido, as escolas de ensino básico dos municípios devem ser, assim como outros estabelecimentos educacionais do país, lócus de produção de conhecimento socioespacial e ambiental e, portanto, de educação político-participativa de crianças, jovens e adultos em prol da sustentabilidade. Discussões sobre outras possibilidades de gestão dos recursos diversos, além das competências dos poderes instituídos, devem ser somadas ao debate político-pedagógico, sendo que este cabe às escolas, não só através das aulas regulares e de conteúdos especí- ficos, mas também pela participação crescente de professores, corpos pedagógicos e administrativos, e de discentes em geral, no fazer polí- tico dos territórios. O texto a seguir procura abrir perspectivas de educação política para os professores da rede municipal de Duque de Caxias, afim de que eles sintam-se mais do que meros coadjuvantes nos processos decisó- rios locais. Cabe aos profissionais de ensino ser elementos ativos na transformação socioespacial devido à responsabilidade, em parte, pela formação das racionalidades presentes e futuras das populações muni- cipais, ou seja, o elo vital na estruturação de mentalidades participa- tivas, questionadoras, reflexivas e valorizadoras das potencialidades e recursos humanos e ambientais locais. Como exemplo de temáticas que podem ser instrumentos de edu- cação política e ambiental para os professores e alunos de Duque de Caxias, no âmbito da formação básica, podemos destacar a qualidade da gestão da saúde pública dos caxienses, entendendo e divulgando o nível da difusão da rede de saneamento básico e de oferta dos serviços infra- estruturais. Esse termômetro de atualidade da ação pública municipal na região da Baixada Fluminense poderá gerar um ambiente educativo mais propositivo em termos políticos, interdisciplinar na conjunção de áreas educativas de interesse comum e pró-ativo nas ações coletivas de proteção da vida, sob todos os aspectos, espalhando-se por outros municípios de uma região que tem na pobreza estrutural, o componente cotidiano das suas relações socioespaciais. A região Baixada Fluminense: um espaço territorializado por práticas políticas complexas. A região Baixada Fluminense é formada por vários territórios1, onde agentes diversos criam um conjunto de normas e regras a serem segui- das por atores que são submetidos aos seus poderes. Diante disso, os territórios na região são configurados por diferentes territorialidades2 em que ações são produzidas e impostas, devendo ser cumpridas por aque- les sobre os quais o poder instituído se faz valer no território político- administrativo, ou seja, os municípios. Aqueles que se colocam contra essas regras passam a exercer uma força contrária aos que comandam o poder do Estado de direito, ficando claro nos desmembramentos terri- toriais na região em estudo (emancipações distritais), quando diferentes interesses econômicos, políticos e sociais contribuem para a formação de novos territórios político-administrativos, caracterizando choques de interesses nas diferentes escalas de poder. Diferentes atuações socioespaciais a região Baixada Fluminense, produzidas por variadas ações, perspectivas e tonalidades de poder resultaram em diversas fragmentações territoriais, revelando as repre- sentações político-administrativas locais através dos municípios. Os agentes dos poderes locais produziram um prolongamento de suas ações, a fim de serem criadas redes de relações intermunicipais como forma de reconhecimento da atuação de seus poderes regionalmente e de garantia, portanto, da permanência de práticas localistas que ‘se solidarizam’ com projetos de maior amplitude política e de força terri- torial, como as ações dos governos estadual e federal. Administrativamente, essa região é formada, oficialmente, por 14 municípios fluminenses, segundo a Divisão Política do cide-rj (2005), a saber: Mangaratiba, Itaguaí, Seropédica, Paracambi, Japeri, Queima- dos, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Mesquita, São João de Meriti, Nilópolis, Duque de Caxias, Magé e Guapimirim, como mostra o mapa da Baixada Fluminense (p.19).