Buscar

A Preeminência da Mão Direita

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 16 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

98 
nao l1'omperarn com um certo grau de dependencia afetiva e 
pre-thea pode ser paralisante. Ou entao, provocar uma reaC;;ao 
inversa: a passagem ao ato de destruic;:ao do objeto de depen­
de ,d3. Teenieamente diria que a elaborac;:ao dessa depen~ 
dencf3 da mulher como nucleo da honra moral 8sta ligada a 
ausencia de lima in'leiar;;ao bem sucedida. Entrehnto, e evi­
denh3, nada se pode dizer quanta a uma eventual primazia da ause.i~cia de inlciar;;ao bern sucedida sabre a dependeflcia ma­
terna e vice-versa. 0 hornem e pai e menino.(12) A muiher 
e virgem e mae. Atualmente 0 que ocorre e que a "virgem" e 
maequer ser mulher: e a dessacf8.1izagao do sexo. Face as 
impli£.:ac;;oes simb6licas dessa con!igurar;;ao nova, 0 homem e\i­
mina fisicamente 0 que identlfiea como a erupgao do impuro 
no ambito da pureza, e objeto e fonte de sua morte simb6lica. 
condtiindo: como podemos :lotar nao S8 trata mais dn honra 
em f'e;"lnos de contlO!e estrito de uma adequ3C;ElO entre um 
ideal moral e um padrao de comportamento, como fora 0 casa 
no contexto de sociedades rurais tradicionais ou de comuni­
dades urbanas de pequena escala e sabre 0 qual existe toda 
uma !iteratura cientifica e leiga. Nos casos que viemos de fo­
calizar trata-se, por um !ado, e no plane pratieo, de mulheres 
que almejam a uma maior autonomia e a exerce(em piena­
mente seus direitos de individuo. No plano te6rico, por outro 
lado, esta em aberto a questao muito mais habalhosa da re­
elaborac;ao por toda a sociedade de novas referenciais de re­
lacionamen,o (fe-,tre pessoas) S8 8.yolando. S8 passlvel, sabre \ 
uma ordem moral que nao reforee em nos medos ata-vicos,\ 
mas que nos ajude a vend~-los. 
\ 
\ 
\ 
-----~-12. Sabre a dlaIetlca do h0l11enl corno p3i e como mGnino, assirll Gorno as 
r80resentD<;fJes cia lTIu!iwr C0l110 \;-:':',n e como miie vert2i1:b~m Carna!!;]::;_ 
fViaJandro e He.r6is·- de fv;1ATT/~, n. d3, Zc:hdr, 1979, pp. 110-1'11 ~:S.s 
Ensaio 
A PREEMIN~NCIA DA MAO DIREITA:
 
UM ESTUDO SOBRE A POLARIDADE RELIGiOSA *
 
Robert Hertz 
RELlGJAO E SOCfEDADE propoe-se a publicar, a ca.da mime­
ro, um classico da soeiologia da religiao que nao se encontre 
att~ agora disponivel em lingua portuguesa. Neste numera, re­
produzimos urn dos ensaios mais marcantes saidos do grupo 
do L'Annee Socioiogique fundado por Emile ,Durkheim, Marcel 
Mm;s:::, Henri Hubert e Qutros. Seu autor,' Robert Hertz, fo; 
urn .dos mais jovens e mais brilhantes mernbros da esco/a 50­
cio/6gica francesa, deixando-nos entretanto, por sua morte 
prematura, pOlleos trabalhos. Este ensaio sobre a pofaridade 
entre a mao direifa e a mao esquerda eoncretiz8 com farto 
material etnogratico as prineipais teorias do grupo sobre 0 
principic basico da reHyiao: a opOS/98.0 entre a sagrado e 0 
profana. Usanda 0 pr6prio corpo humano como campo de de­
monstragao da tese de que 0 co/etivo ou espiritual sIJperim­
p003-se ao organico e individual, f-Jertz conduz-nos a reffetir 
como a simples oposiqao entre a mao direita e a esquerda, 
tonge de ser natural, esl'a carregada de significados cutturals, 
servindo como representaqao de divisoes e hierarquias socials. 
Os Edftores 
"L8 prcenlinencE de la rnain droite: etude sur fa po!arit6 feligieuse", 
rtc\tuc Phi1oSO[lhiqllp, \/01. :"'XVllI. pp. 55::;·580; Death and the right hand, 
Glen coo, Illinois, The Free Press. 1960 [tcad, de Hodney e Claudia Needham]. 
101 
-joo 
Que senlelhan9a mais perfeita exists entre nossas duas maos! 
E, no entanto, que impressienante desigualdade! 
Para a mao direita VaG as honras, as designag6es Iisonjeiras, 
as prerrogativas: ela age, ordena e toma. A mao esquerda, ao 
contrario, e desprezada e .reduzida ao papel de urna humilde 
auxiliar: sozinha nada pode fazer; cia ajuda, ela ap6ia, ela 
segura. 
A mao direita e 0 simbolo e a modelo de toda aristocracia, a 
mao esqt!crda de todas as pessoas comuns. 
Quais sao as titulos de nobreza da mao direita? De onde vem 
a servidao da esquerda? 
1. Assimetria Organics 
Toda hierarquia social afirma estar baseada na natureza das 
co!~as, atribuindo-se assim eternidade e evitandO mudanc;:as e 
ataques de ino'Jadores. Arist6teles justificava a escravidao 
pela superioridade etnica dos gregos sobre as barbaro~, e hoje 
o homem que S8 aborrece com as reivindicayoes feminis!as ale­
ga que (3 mulherenatura!mente interior. Do mesmo modo, de 
acordo corn a opiniao geral, a predominancia da mao direita 
resulta diretamente do organismo e nada deve a conveny6o au 
as crent;:as em mudanc;a do homem. Mas, apesar das aparen­
cias, 0 testemunho da natureza nao e mais claro nsr.1 mais 
decisivo no caso dos atributos das duas maDS do que a e no 
conflito de ragas"ou sexos. 
"~""':l" 
Nao que Ihes fa/tem tentativas em atribuir uma causa anato­
mica a desteridade. Entre todas as hip6teses levantadas(1) 
apenas uma parece ter resistido ao teste dos fatos: a que liga 
a preeminencia da mao direita ao maior dcsenvolvimento do 
homem do hemisferio cerebral esquerdo, 0 qua!, como sabe· 
mos, enerva os musculos da iado oposto. Assim como 0 cen­
tro da fala articulada S8 encontra nesta parte do cerebro, os 
centros que governarn as movimentos voluntaries tambem Ia. 
estao principa1mente. Como disse Broca, "somas desiros na 
mao porque canhotos no cerebra". A prerrogativa da mao 
direita seria, entao. encontrada na estrutura assimetrica dos 
1. ..lguns dos quais sao apresemados e cliscutidos em Wilson: 1891:149; 
Jacobs 1892:22 e Jackson 1905·41 
centros nervosas, da qual a causa, qualquer que seja, e evi­
dentemente orgfmica.(2) 
Nao ':;e dave duvidar que uma conexao reg.Jlar exista entre a 
preeminencia da mao direita e 0 desenvolvimento da parte es­
querda do cerebra. Mas, destes dais fenomenos, qual e a 
causa e quai e 0 efeito? 0 que existe que nos impet;a de 
inverter a proposiC;8.o de Broca e dizer: somas canhotos de ce­
rebro porque destros de mao?(3) E um fato conhecido que 0 
exercicio de um 6rg80 leva a maior aJimentagao e ao conse­
quente crescirnento daquele 6rg8.0. A maior atividade da mao 
direita, 0 que envolve mais trabalho intensivo para os centros 
nervosos da esquerda, produz 0 ereito necessario de favorecer 
o seu desenvolvimento.(4) Se abstrairmos as efeitos produzi­
dos pelo exercfcio e pelos habitos adquiridos, a superioridade 
fisiol6gica do hemisferio esquerdo reduz-se a tao pouco que 
pade, no maximo, determinar lIma leve preferencia em favor 
do lado direito. 
.A difieuldade que se experimenta ao S8 atribuir urna certa 
causa orgEtnica adequada a assimetria dos membros superio­
res, juntamente com a fata de que os animais mais pr6ximos 
do homem sao ambidestros,(5) ievou alguns autores a rejeitar 
quaJquer base anatomiea para a privilegio da mao direita. Este 
privilegio nao seria, portanto, inerente a estrutura do genus 
homo, mas deveria sua origem exclusivamente as cone.:: ,;:oe8 
exteTiores ao organismo.(6) 
Essa negac;ao radical e, no mjnimo, audaciosa. Sem duvida a
 
causa organica da dester1dade e dllbia e insuficiente, e dificil
 
de distinguir das influencias que atuam sabre 0 indivfduo de
 
fora e 0 modelam, mas niIo e razao para que S8 negue dogma­
ticamente a agao do fator fisico. Sobretudo, em alguns easas
 
em que a influencia externa e a tendencia organica estao em
 
confiito, e passlvel afjrmar que a habilidade desigual das maos
 
esta jigada a uma causa anat6mica. Apesar da pressao po­
derosa e al9w,las vezes cruel que a sociedade exerce sobre
 
as pessoas c:mhotas desde sua intancia. estas fe!em por toda
 
vida tJma preferencia instintiva peio usa da mao esquerda.(7} 
2. Ver ~\iJisO)l :;,191:133: Bald\vin i897:Gi 
3. Jacobs 18~?:25. 
4. Bast,en c Si"o\~',;'n ScqUJtd ern VVi!sen 1891"193<1 
5. Rol!et 'IDg~?: 19B; Jackson 1805:27.71 
o. Jacobs i8~12:30.33. 
V\ijl:.:.:on "iPq: '1'1D,1iJ2. 
10~ 
Se somas for9ados aqui a reconhecer a presenc;;a de urna dis­
posiyao congenita para a assimetria, devemos admitir que, in­
versamente, para certo numero de pessoas, 0 uso preponde­
rante. da mao dir~ita resultada estrutura de seus cor~ 15. A 
visao mais provavel pode ser expressa, embora nao muito ri­
gorosamente, em forma matematica: em cem pessoas 8xistem 
duas que sao naturalmente canhotas, resistentes a qualquer 
influencia contraria, enquanto uma propor«ao consideravel­
mente maior sao destras por hereditariedade, oscilando entre 
esses dois extremos a massa de pessoas que, se deixadas par 
si mesmas, seriam c;apazes de usar igualmente as duas maos, 
com (em geral) uma leve preferencia pela direita.(8) Nao 
existe necessidade de negar a existencia de tend8.ncias orga­
nicas para a assimetria, mas, fora os casos excepcionais, a 
vaga disposiyao para a desteridade, que parece estar espalha­
da por toda a especie humana, nao seria suticiente para tazer 
surgir a preponderfincia absoluta da mao direita se isto nao 
fosse refon;:ado e fixado pelas influencias estranhas ao or­
ganismo. 
Mas, masmo que se estabelecesse que a mao direita ultra­
passa a esquerda por urna dadiva da natureza na sensibilida­
de tatiea, na forya e na competencia, ainda restaria 'para ser 
explicado porque um privilegio institufdo pelos homens teve 
que ser somado a esta superioridade natural, porque apenas 
a mao mais talentosa e treiilada e exercitada. Nao recomen~ 
daria a razao que -se tentasse corrigir a fraqueza da menos 
favorecida··por meio da educac;:ao? Pelo contraria, a mao es­
querda e reprirnida e mantida inativa; seu desenvo!vimento e 
metodicamente frustrado. a Dr. Jacobs nos conta que duran­
te suas viagens de inspe«ao medica as fndias holandesas ob­
servou que as crian«as nativas tinham 0 brago direito c.omple­
taments amarrado: era para ensinar-Ihes a nao usa-Ios.(9) Nos 
abolimos as tip6ias materiais - mas isse e tudo. Um dos si­
nais que distinguem uma crianc;a bem educada e que a sua 
mao esquerda tornou-se incapaz de qualquer a9ao inde­
pendente. 
8. Wilson 1851:127-8: Jackson 1905:52.97. 0 ultimo autor calcula as natIJ­
ralmente destros em 17%. mas nao explica como se chega a este numero. 
Van Biervliet (1899:142.373) nao admite "a existencia de pessoas verdadaira­
mente ambidestras". Segundo ele, 98% das pessoas sao destras. Mas es-· 
tas sugest6es s6 se aplicam a adultos e ele restringe demc:siadamente 0 sig· 
nificado da paiavra "ambidestridade". 0 que importa aqui nao (> a fore;:a do:> 
musculos ou as dirnens6es dos ossas e silll 0 usa possivel de um au outro 
membra. 
9. Jacobs 1892:33. 
103 
Pode-se dizer que qualquer es10r<;0 para desenvolver a aptidao 
da esquerda esta deslinado ao fracasso? A experiencia mos­
tra 0 contrario. Nos raros casos em que a mao esquerda e 
adequadamente exercitada e treinada, par necessidade tecni­
ca, e quase tao util quant-J a direita; per exemple, toeando 0 
violino eu 0 piano, au na?irurgia. Se um acidente priva um 
homem de sua mao direita, a esquerda adquire depois de al­
gum tempo a for«a e a habiliaade que nao tinha. 0 exemplo 
de pessoas canhotas e ainda mais conclusivo, ja que neste 
caso a educa«ao luta contra a tendencia institntiva para a 
"unidesteririade" ao inves de segui-Ia e refor<;a-la. Como con­
sequencia, as canhotos sao em geral ambideslros e frequente­
mente notadcs par ?osta habilidade. (10) Esle resultado poderia 
ser aJcan«ado, ainda cam maior rezao, pela maio ria das pes­
soas, que nao tem nenhuma preferencia irrestistfvel per um 
lado ou pelo outro e euja mao esquerda apenas pede para 
ser usada. Os metodos da educac;:ao bimanual, que foram 
apiicados durante alguns anos, especial mente em escoias in­
glesas e alTlericanas, ja apresentaram resultados conclusi­
vos(11): nao he'! nada contra a mao esquerda receber treino 
artistico e tecnieo semelhante ao que ate agora foi monop61io 
da mao direita. 
Portanto, nao e porque seja fraca ou sem poder, que a mao 
esquerda e desprezada: 0 contrario e a verdade. Esta mao e 
! submetida a uma autentica mutilalfa.o, que apesar disso nao e 
rnarcada porque afeta a fungao e nao a forma externa do 6r­
gao, porque e fisio/6gica e nao anatomica. Os sentimentos de 
urn canhoto, numa sociedade atrasada,(12) sao analogos aque­
les de um homem nao circunsisado em sociedades nas quais 
a circunsisao e lei. 0 fato e que nao se ace ita ou se cede 
a desteridade como a uma necessidade natural: ela e urn ideal 
ao qual todos precisam conformar-se e 0 qual a socledade nos 
fon;:a a respeitar por meio de sanc;:6es positivas. A crianc;a 
que usa ativamente sua mao esquerda e repreendida, quando 
nao leva um tapa na mao audaeiosa:· similarmente 0 fato de 
10. Wilson 1891 :139; 148·9, 203. Uma pessoa canhota se beneficia pela ca­
pacidade inata da mao esquerda e pela habilidade adquirida pela direita.
 
H. Ver Jackson 1905:195; Lydon 1900; Buyse 1908:145. Uma "Sociedade de
 
Cultura Ambidestra" existiu na Inglaterra durante alguns anos.
 
12. A maior parte das fatos etnogrMicos nos quais se base!:1 este estudo ' 
vem das Maori, au m8is eXLltamente de ums tribo muito primitiva cham ada 
Tuhae, cUjas concep<;:oes foram registradas com admiravel fidelidade por EI­
Best en,. seLls artigos na Transactions of the New Zeal/and Institute e no 
Journal of the Polynesian Society. 
104 
ser canhoto e uma infrac;ao que traz para 0 infrator urna re­
provac;ao social mais OU menos explicita. 
A assimetria organica n0 homem e ao mesma tempo um fato 
e urn ideal. A anatomia 8xplica 0 fate na medida em que re­
sulta da estrutu~a do organismo, parern, por mais for9a que S8 
suponha ter este determinante, ela e incapaz de explicar a 
origem do ideal ou a razao para sua existencia. 
2. A Polaridade Religiosa 
A preponderancia da mao direita e obrigat6ria, imposta pela 
coeryao e garantida por sangoes: contrariamente, uma verda­
deira proibigao pesa sobre a mao esquerda e a paralisa. A 
diferenga. em valor e fun<;aa entre os dais !ados de nosso cor­
po possui portanto, num grau extremo, as caracteristicas de 
uma instituigao social, e um estudo que tente explica-lo per­
tence a sociologia. Dizendo de modo mais preciso, e uma 
questao de tragar a genese de um imperativo que e metade 
estetico, metade moral. As ideias secularizada.s que ainda 
dominam nossa conduta nasceram em forma misti'Ca, no reino 
de crengas e emo<;6es religiosas. Nos ternos, portanto, que 
explicar a preferencia pela mao direita num estudo compara-· 
tivo de representa<;oes coletivas.(13) 
Uma oposigao .fundamental domina 0 mundo espiritual dos 
homens primitivos, aqueJa entre 0 sagrado e 0 profano.(14) 
Certos objetos ou seres, por forga de sua natureza ou par 
meio de representagao de rituais, sao como que impregnados 
com uma essencia especial que os consagra, os separa e Ihes 
outorga poderes extraordinarios, mas que entao os sujeita a 
uma serie de regras e estritas restrigoes. Coisas e pessoas 
as quais se nega esta qualidade mistica nao tern poder, nem 
dignidade: sao comuns e, afora a interrli<;ao absoluta de entrar 
em contato com 0 que e sagrado, livres. Qualquer contato 
ou confusao de seres e coisas pertencendo as classes opostas 
serio. funesto para ambas. Oai a variedade de proibigoes e 
13. ( ... J 
14. A nossa descric;ao da polaridade religiosa e apcnas um rapiov esbot;:o. 
A maior parte das idei::Js aqui expressas sao farnili3i"8S a05 leitores que -::0· 
nhecem os trabalhos publicados por Durkehim, Hubert e Mauss no Anile So­
ciologique. Algumas das ideias ori\1inais que este estudo venna a obter, se 
rao retorfladas em outro Jugar com 8S provas e eiabcrac;6es que se fi:crcm 
necessarias. 
105 
tabus que, por mante-los separados, protegem ambos os mun·· 
dos a um s6 tempo. 
A importancia da antitese entre profano e sagrado varia de 
acordo com a posir;ao na esfera r61igiosa da mente que clas­
sifica seres e os avalia. Os pode ;es sobrenaturais nao sao 
todos da mesma ordem: alguns trabalham em harmonia com a 
natureza das coisas e inspiram venerac;:ao e confianga pela 
sua regularidade e majestade; outros, ao contrario, violam e 
perturbam a ordem do universo, e 0 respeito que imp6em esta 
baseado principalmente em aversao e medo. Todosestes po­
deres tem em comum 0 carater de serem opostos ao profano, 
para 0 qual todos eles sao igualmente perigosos e proibidos. 
o contato com um cadaver produz no ser profane as mesmos 
efeitos que 0 sacrilegio. Neste sGntido, Robertson Smith esta­
va certo quando disse que a nogao de tabu compreendia si­
multaneamente 0 sagrado e 0 impuro, 0 divino e 0 demoniaco. 
Mas a perspectiva do mundo religioso muda quando nao e 
mais visto do ponto de vista do profano e sim do sagrado. 
A confusao a que Robertson Smith se rateria nao mais existe. 
Urn chefe polinesio, por exemplo, sabe muito bem que a qua­
lidade religiosa que impregna um cadaver e radicalmente con­
traria a que ele proprio pessui. 0 impuro IS separado do sa­
grade e colocado no polo oposto do mundo religiose. Par 
outro lado, deste ponto de vista, 0 profane nao e mais defini­
c'J par tra<;03 puramente negativos: ele surge como 0 eiemento 
antagOnico que, pelo seu proprio contato, degrada, diminui e 
muda a essencia das coisas que sao sagradas. E como se 
fosse um nada, mas um nada ativa e contagioso:, a influencia 
nociva que exerce sobre as coisas dotadas de sant!dade nao 
difere em intensidade da exercida pelos poderes funestos. 
Existe uma transigao imperceptiveI entre a falta de poderes 
sagrados e a posse de poderes sinistros.(15) Assim, na clas­
sifica<;ao que dominou a conscier.cia re!igiosa desde 0 infcio 
e em graus crescentes, existe uma afinidade natural e quase 
que uma equivalencia entre 0 profane e 0 impuro. As duas 
nog6es sao combinadas e, em oposigao ao sagrado, formam 
o p6le negativo do universo espiritual. 
15. Alguns exemplos desta confusao necessana serao d<Jdos mais adiante. 
Veja 0 q~e e dit() .,lais tarde sobre a classe inferior de mulher, terra e 0 !ado 
esquerdo. 
107 106 
o dualismo, que e a essencia do pensamento primitivo, domi­
na a or,:ganiza~ao social primitiva.(16) As duas metades au 
fratrias que constitu'em a tribo sao reciprocamente opostas 
como 0 sagrado e 0 profano. Tudo que existe dentro da "ni­
nl:a prOpria fratria e sagrado e proibido para mim: e por isto 
qu~ nao posso comer meu totem, ou derramar 0 sangue de 
um' membro de minha fratria, 01.1 mesmo tocar seu cadaver, 
ou C&;:;3!-me em meu cia. Ao contrario, a metade oposta e 
profana para mim: as clas que a comp6em fornecem-me espo­
~as, marltimentos e vitimas humanas sacrificiais, enterram os 
meus mortos e preparam minhas cerimonias sagradas.(17) 
Dado 0 carater religioso com 0 qual a comunidade primitiva 
se sente investida, a existencia de uma seyao oposta e, com-, 
plementar da mesma tribo, que pode livremente rea!izar fun­
goes que sao proibidas aos membros do primeiro grupo, e 
uma condiC{ao necessaria da vida social.(18) A evolug3o d~ 
sociedade substitui este dualismo reversivel por uma estrutura. 
hierarqu!ca rfgida: (19) ao inV8S de clas separadas ou eql.llva­
lentes aparecem castas ou classes, das quais uma, no topo, 
e essencialmente sagrada, nobre ou devotada a trabalhos su­
periores, enquanto outra, embaixo, e profana ou suja e ocupa­
da com tarefas vis. a principio pelo qual se atribllf aos ho­
mens posi9aO e LUJ19.~0 permanece 0 mesmo: a polaridade so­
cial e ainda um reflexo e uma conseqLiencia da polaridade, 
reJigiosa. 
o universo inteiroesta dividido em duas esferas contrastantes: 
coisas, seres e poderes atraen'i ou se repelem mutuamente~ 
incluem ou S8 excluem mutuamente, dependendo do fato de 
gravitarem em dire9ao a um ou outro dos polos. 
Os poderes que mantem ou aumentam a vida, que fornecem 
saude, proeminencia sociai, coragem na guerra e habilidade· 
no trabalho, residem todos no principia sagrado. 0 profano 
(na medida em que viola a esfera sagrada) e a impuro, ao, 
16. 'Sabre a dicotcmia social, vel' Mc Gee 1900:845, 863; Durkehim & Mauss
 
1903:7.
 
17. Acerca oesta ultima observa<;ao, ver principalmente Spencer & Gitlcn
 
1904:298.
 
18, Note que as duas metades da tribo sao no mais das vezes localizadds,
 
ums ocupando a lado'direito. a outra a lado esquerdo (em campo, em ced­
manias et::.l, Cf. Durkheim & Mauss 1903:52: Spencer & Gillen 1904:28, 577.
 
19. 0 esbop do qual exis',e desde um estagio primitivo: as mu!heres e as
 
crian<;as, em rela<;ao aos homens, formam uma classe essencialmente pro­
fana.
 
contrario, sao essencia!mente enfraquecedores e mortiferos:, as
 
influencias funestas que oprimem, diminuem e danificam os
 
individuos vem deste lado. Assim, de um lado temos o polo
 
da forya, do bem e da ' :da, enquanto no outro temas 0 po!e
 
da fraqueza, do mal e da morte. au, se preferimos uma ter­
minologia mais recente, de um !ado os deuses, de outro os
 
demonios. 
Todas as oposi90es apresentadas pela natureza 8xibem este'
 
dualismo fundamental. Claro e escuro, dia e noite, leste e sui
 
em oposiyao a oeste e norte, representam no imaginario e 10­
calizam no espayo as duas classes contrarias de poderes' 80­
brenaturais: de um lado a vida nasce e sob'), do outro elc.
 
desce e S9 extingue. a mesmo ocorre com 0 contraste e'ntre
 
alto e baixo, ceu e terra: no alto, a residencia sagrada dos
 
deuses e as estrelas que nao conhecem a morte, aqui embaixo
 
a regiao profana dos mortais aos quais a te'rra absorve e, mais
 
ainda, as lugares escuros onde se escondem serpentes e a
 
hoste de demonios.(20)
 
o pensamento primitivo atribui um sexo a todos as ser~s no
 
universo e mesmo a objetos inanimados; todos sao dlvididos
 
em duas imensas classes dependendo de serem considerados
 
femininos ou masculinos. Entre os Maori a exoressao (3ma
 
tane, lado masculino, designa as mais diversas coisas: a virili ­
d<ilde do homem, descendencia na linra paterna, 0 leste, for<;:a
 
criativa, magica ofensiva e assim por diante, enquanto a ex­
pressao tama wahine, lado feminino, recobre tUdo que e Gon­
tre.rio a essas foryas.(21) Esta distinc;ao c6smica se baseia
 
na antitese religiosa primordial. Em geral 0 homem e sagra­
do, a mulher e profana; excluida das cerimonias, nelas s6 e 
admitida uma funyao caracteristica de seu status, quando um 
tabu vai ser levantado, ou seja, para provocar uma profanacao 
intencional.(22) Mas se e impotente e passiva na 'ordem re­
ligiosa, a mulher tem sua desforra no reino da magica: ela e I I 
particularmente dotada para trabalhos de bruxaria. "Todo 0 
mal, miseria e morte", diz um proverbio Maori, "vem do ele­
mento feminino". Assim, os dois sexos correspondem ao sa­
grado e ao profane (ou impuro), a vida e a morte. Um ablsmo 
20. Sobre a identifica<;ao do ceu com a eiemento sagrado e da terra COI1l 
o profano ou sinistro. of. (para os Maori) Tregear 1904: 408, 466, 486; Best
 
1905a:150,188; 1906:155. Compare a oposi<;ao que os greg08 F'1zem entre 113­
divindades celestiais e as ctanicas.
 
2.. Vel' especialmente Best 1905b;206 e 1901:73,
 
22, Best 1906:26.
 
fil 
I 
108 .. 
os separa e uma divisao de trabalho rigorosa divide as ativi­
dades entre homens e mulheres de tal modo que nunca poete 
haver mistura ou confusao.(23) 
Se 0 dualismo marca 0 pensamento inteiro dos homens primi­
tivos, nao influencia menos sua atividade religiosa, sua ado­
ra9 . Esta influencia e sentida mais do que em qualquerao
outro lugar na cerim6nia tira, que ocorre com frequencia no 
ritual Maori e serve aos rnais diversos fins. 0 sacerdote faz 
dais pequenos montes num pedago de chao sagrado, dos 
quais um, 0 masculino, e dedicado ao Ceu, enquanto que 0 
Dutro, 0 feminino, e dedicado a Terra. Em cada um ele erige 
um pau: um chamado de "vara da vidan e co!ocado no leste, 
e 0 emblema e 0 foeo da saude, forga e vida; 0 outro, colo­
cada no oeste, e a "vara da morte" e 0 emblema e foco de 
todo 0 mal. 0 detalhe dos ritos varia de acordo com 0 obje­
tivo procurado, mas 0 tema fundamental e 0 mesmo: par um 
lado, repelir para 0 p610 da mortalidade todas as impurezas e 
males que penetraram e que ameagam a comunidade, por 
outro lado, assegurar, reforgar e atrair para a tribo as influen­
cias beneficas que residem no p610 da vida. Ao fim da ceri­
monia, 0 sacerdote derruba avara da Terra, de(xando de pe 
a vara do Ceu: e este 0 buscado triunfo da vida sobre a morte, 
a expulsao e abolic;:ao de todo 0 mal, do bem-estar da comu­
nidade e da ruina de seus inimigos.(24) Desse modo, a ativi­
dade ritual e dirigida por referencia a dois p610s opostos, cada 
qual tendo.·sua fungao essencial no culto, e que corresponde 
as duas atitUdes eontrarias e compiementares da vida religiosa. 
Como pode o-corpo do homem, 0 microcosmo, escapar da lei 
da polaridade que governa tudo? A sociedade e todo 0 uni­
verso tem um lado que e sagrado, nobre e precioso e outro 
que e profano e comum: um lado masculino, forte e ativo, e 
outro feminine, fraco e passivo; ou, em duas palavras, um lado 
direHo e urn lado esquerdo - e apesar disso, s6 0 org:::nismo 
humano deveria sar simetrico? Um momento de reflexao nos 
mostra que isto e uma impossibilidade. Tal excec;ao seria nao 
apenas uma anomalia inexplicavel, mas arruinaria toda a eco­
namia do mundo espiritual. Pois 0 homem esta no centro da 
criagao: cabe a ele manipular e dirigir para 0 bem as for.;as 
formidaveis que trazem a vida e a morte. to: concebivEd que 
23. Ver, sobre os MClfJri, Coienso ',863:348 e ct. Durkheim 1898:40; Craw­
ley '1902.
.24 Eest 1901 :87; iS05:161·2; Trege&r 1904:330.392,515. Cf. Best 1898 a 24!­
109' 
todas estas coisas e estes poderes, que sao separados, con­
trastados e mutuamente exclusivos, sejam abominavelmente 
confundidos na mao do sacerdote ou do artesao? E uma ne­
cessidadc vital que nenhuma das duas maos conhega 0 que 
iaz a outra;(25) 0 preceito evangelico meramente aplica a ·uma 
situagao particular esta lei da incompatibilidade dos opo~tos, 
que e valida para todo 0 mundo da religiao.(26) 
Se a assimetria orgi'mica nao existisse, ela teria que S6r in­
ventada. 
3. As caracterfsticas da direfta e da esquerda 
o modo direrente pelo qual a consciencia coletiva concebe e 
avalia a direita e a esquerda aparece claramente na lingua­
gem. Existe um contraste impressionante entre as palavras 
que designam os dois lados na maioria das Iinguas indo-€u­ I
ropeias. Enquanto existe apenas um termo para "direita" que 
se estende por uma grande area e que mostra grande estabi­
lidade,(27) a ideia de "esquerda" e expressapor inumews ,II 
termos distintos, que sao muito menos difundidos, e que pa­
recem estar destinados a desaparecer constantemente diante (I'
de novas pa!avras.(28) Algumas destas ralavras sao eufemis­
mos 6bvios,(29) outras sao de origem 8xtremamente obscura. 
"~arece" diz Meillet,(30\ "que quando S8 fala do lado eGquer­
do evita-se pronunciar a palavra apropriada e tende-se a subs-· 
25. Sobre a interdii(ao reeiproea. cf. Burckhardt 1830:282. Maft. 6.3. 
26. Me Gee desereveu a natureza dualista do pensamento primitivo em tel'· 
10S e de um ponto de vista muito diferentes dos meus. Ele eonsidera a 
dfstinc;:ao e,T~,e a direita e a esquerda um aereseimo a um sistema primitiv0 
qlJe reeonheee somente a oposii(50 entre a frente e atras. Esta afirma~do 
me parece arbitraria. Ct. Me Gee 1900:843. 
27. Esta e a raiz deks que se encontra sob diferentes formas desde 0 indo· 
iraniano daksine, ate 0 celtieo dess. dess. passando pelo lituano. eS!!Jvo. al· 
banes. qermanico e grego. Cf. Walde 1905·6 s.v. dexter. 
28. A respeito destes termos cf. Sehr2der 1901 s.v. Rechts unrl Links; BruD· 
ma:ln 1888:399. 
29. Gf1. Euwruyos e Aplotep6s, Zend Vairyastare [= melhor). QnG wi· 
nistar (de wini amigo), iil'abe aisar· (= feliz, ct. Wellhausen 1897. 2:199), 
aos quais deveria ser aerescentado. de aeordo com Brugmann, 0 fatilil 
sinister. De acordo com Grimm 1818, 2:681.698 e mais reeentemente Brug­
mann 1838:399 a esquerda era originalmente 0 lado mais favoravel para os 
indo·euwpeus. estes filologos dei\aram·se enganar por artifieios linguisticos 
destinados a esconder a verdadeira nature::) da esquerda. t certamente 
uma questao de antifrase. 
30. Num~ eJrta que gentiimente me enviou e a qu,lI agrade«o. iv1eiilet 13 
havia sligerido esta explieaC;:llo (1906: 18) . 
110 
1itui..la pOl' outras diferentes que sao constantemente renova­
das":- A multiplicidade c a instabilidade des termos para a es­
querda, e 0 seu carateI' evasive e arbitrarie, pode ser explica­
do peles senti mentes de inquietagao e aversao ~,entidos pela 
comtinidadc a respeito do lado esquerdo. (31) Ja que a pro­
pria ceisa nao podia ~·er mudada, 0 seu nome a era, na espe­
ram;a de abolir ou reduzir 0 mal. Mas em vao, pais mesmo 
as palavras com significados felizes, quando aplicadas a es­
querda pOl' antifrases, sao rapidamente contaminadas pelo que 
expressam e adquirem uma qualidade "sinistra" que cedo 
proibe 0 seu uso. Assim, a OpOSig80 que existe entre direita 
<3 esquerda e vista ate mesmo nas diferentes naturezas e des­
tinos de seus nomes. 
o mesmo contraste aparece se consideramos 0 significado das 
pa!avras "direita" e "esquerda", a primeiro e usado para ex­
pressar as ideias de forga ffsica e "desteridade", de "retidao" 
intelectual e de bom juigamento, de honradez e integridade mo­
ral; de boa sorte e beleza, de norma juridica; enquan10 que a 
paiavra "esquerda" evoca a maioria das ideias contrarias a es­
ta~. Para unificar estes varios significados, supoe;se comumen­
te que a palavra "direita" signifique em primeiro lugar nossa 
melher mao;_· depois as "qua!idades de forga e habilidade que 
sao naturais a ela" e, pOl' extensao, diversas virtudes analogas 
da mente e do coragao. (32) Mas esta e uma construgao arbi1ra­
ria. Nao hanada que nos autorize a afirmar que a palavra 
indo-.europeia antig2 para a direita teve primeiro uma cono­
tacao fisica exclLlsiva, e mais recentemente palavras formadas 
tais como nosso droit(33) e 0 adj(34) armeniano, antes de se­
rem ;gplicadas a um dos lados do corpo, expressaram a ideia 
de ·uma forga que vai direto ao seu objeto por caminhos que 
sao normais e certos, em oposigao aos caminhos que sao tor­
tuosos, obiiqOos e abortivos. De fato, os diferentes significa­
dos da paiavra em -nossas Ifnguas, que sao os produtos de_ 
uma civilizac;:ao avangada, sao distintos e justapostos. Se se­
guimos seu rastra pelo metoda comparativoate a fonte da 
·qualderivam estes significados fragmentados, n6s os encon­
31. Do. mesmo modo, e pela mesma razao, "os nomes de doenc;:as e enfer­
mid8des .tais como manquejar, cegueira au surdez diferern de uma Ifngua­
para outra" (Meillet .J 906: 18). 
32. Cf. par exemplo Pic'.et 1863:209. 
33. Do b8ixo'-latim direclum; .ct. Diez 1878,5; 272 s.v. ritla. 
34. Ligado ao Sansc. sadhy6, de acordo corn Liden 1906:75. Meillet, a quem
 
devo esta nota, ccnside,a 0 0timo!ogia irrepreensivel e muito provavel.
 
111 
tramos fundidos original mente em uma noc;:ao que as eng/oba 
e confunde todos. JA nos deparamos com esla n09aO: para 
a direita e a ideia do poder sagrado, regular e benefico, 0 
principio de t( Ja atividade afetiva, a fonte de tudo que e bom, 
favoravel e legitimo; para a esquerda, esta concepc;:ao ambigu8. 
do profane e do impuro, 0 fraco e incapaz que e tambem ma-, 
IMico e temido. A forc;:a fisica (au a fraqueza) aqui e apenas 
IJm. aspecto partiCUlar e derivativo de uma qualidade muito 
mais vaga e fundamental. 
Entre os Maori 0 direito e 0 lado sagrado, a sp.de dos poderes 
bons e criativos; 0 esquerdo e 0 lado profano, nao possuindo 
nenhuma outra virtu de exceto, como veremos, certas poder~s 
perturbadores e suspeitos.(35) 0 mesmo contraste reaparece 
no curso da evoluc;:ao da religiao, em formas mais precisas e 
menos impessoais: 0 direito e 0 lade dos deuses, onde paira 
a figura branca de um bom anjo da guarda; a lado esquerdo 
e dedicado aos demonios, ao mal; um anjo negro maligno 0 
mantem sob seu dominio.(36) Ate mesmo hoje, se a mao di­
reita e ainda a chamada boa e bonita e a esquerda ma e 
feia,(37) podemos perceber nestas expressoes infant;s as ecos 
enfraquecidos de designal;oes e emac;:oes reliyiosas que par 
muitos secuJos estiveram ligadas aos dois lados de nasso 
corpo. 
t: uma nac;ao corrente entr-:- os Maori que 0 direito e a "Iadoda morte" (e da fraqueza).(38) influencias benfazejas e re­
novadoras nos entram pela direita, enquanto que, inversamen­
te, a morte e a miseria penetram 0 amago de nasso ser pela
 
esquerda.(39) Desta forma, a resistencia do lado que e par­
ticularmente exposto e indefeso tem que ser reforc;:ada por
 
amulelos protetivos; 0 anel que nos usamos no terceiro dedo
 
da mao esquerda tem primordial mente a finalidade de manter
 
35. Best 1902:25; 19C4:236. 
36. Meyer 1873:26. Cf. Gerhard 1847:54; Pott 1847:260. Entre os gregos 
e romanos a direita e invocada com frequenciZ em formulas de obsecrac;:ao; 
cf. Horacio Ep. 1,7,94 - quod te per geniurn dextramque deos que penates 
obsecro et abstetor; ver Sittl 1890: 2:;, n. 5. 
37. Cf. Grimm 1818:685. 
38. Best 1898a:123, 133. 
39. D:mnestet(;r 1879,2:129 n. 64, 
112 lenta~es e outras eoises mas longe de n6s.(40) OBi a impor­
tancia atribuida, na adivinhagaa, a distingao entre os lados 
tanto do .corpO quanto do espa<;-O. Sa senti um tremor con­
vuls enquanto darmia e sinal que um espirito S8 apossoU 
iVOde mf,m e, dependendo do sinal vir da direita au da esquerda
 
posso esperar a sortee vida ou ma sorte e morte.(41) /\ mes­
ma rtgfa se aplica 8nl' geral aos pressagios que consistem na
apari~ de animais que ~e imagina serem portadores da sor­
te: algumas vezes estas mensagens sao susceptiveis de duas
 interpreta~6es contradit6rias, dependendo da situa({aO sar en­
carada oU do ponto de vista da pessoa que ve 0 animal ou
 
do anImal que ela encontra;(42) se aparece a esquerda, 0 ani­
rnal apres 0 seu \ado direito, podendo portanto ser con­
enta
siderad favoravel. Mas estas divergencias, cuidadosamente 
as
mantidao pelos augurios para contundir as pesso comuns e 
SClumentar 0 prestigio delas, apenas mostram sob uma luz 
ainda mais clara a atinidade que existe entre a esquefda e 
o morte. 
Uma concordancia nao menos significativa liga os lados do 
.corpo a regioes no espago. A direita representa 0 que e alto, 
o mundo de cima, 0 ceu; enquantc que a esquerda '€sta assO­
ciada ao mundo subterraneo e a terra.(43) Nao e por acaso 
Que nas pinturas' do ultimo Testamento e a mao direita do 
Sennor que aponta a ab6bada sublime para 0 eleito, enquanto 
a sua mao esquerda mostra aos con denados as rnandibulas ao 
abertas do inferno prontas para enguli-ios. A relag que une 
a direita ao \este ou ao suI e a esquerda ao norte ou ao oeste 
40. 0 costume vem de tempos imemorais (egfpcios, gregos, romanos}. Ao 
metal (or\ginalm ferro, depois Duro) atribui-se uma virtude benefica qU() -- enteprotege de feiti~aria: slnais gravados no anel acrescentam-Ihe poder. Os no­
mes dados ao terceiro dedo da mao esquerda comprovam seu can:iter mafli­
co e funC;30: e dedo "sem nome", "doutor" e, em gaelico "0 dedo cncant,,· 
do.'. Vel' os artigos "Anulus" e "Amuletum" em Daremberg .~ SagliO 1873;ll 
Pott 1847:284,295; Hofmann 1370:850. Sobre a palavra scaevol [de scaevus, 
esquarda), significando um encanto protetivo, vel' Valeton 1889·319. 
4.1. Best 1898<:1:130; Tregear 1904:211.42. Ou, 0 que vam a dar no mesmo, 0 deus que envia a mensagem. Esta 
expli	 9 , ja proposta pelos antigos (Plutarco, Questiones Romance, 78; fes­
ca aotus 17 s.v. sinistrce aves) foi definitivamente comprovada por Valenton (1 B89; 
287). As mesmos incertezas sao encontradas entre os Mabes· d. Wellhau­
sen	 1897:202 e Doutte 1909:359.43. Os desvixes, enquanto rodopiam, mantem a mao direita \evantada corn 
" palma para cima, receber.do as ben~50s do cell qc:e a mao sonesquerda, ret!­d~ embaixo na direC;80 da terra, transmite ao munao ca de baixo. Sirofl · 
,J96:138. ct p. 104. 
113 
e ainda ma1s constante e direta a ponto de, em muiias !fnguas, 
as mesmas palavras denotarem os lados do corpo e os pontos 
caroeais_(44) 0 oixo que divide 0 rnur )0 em duas metades, 
UMa radiante e a outra escura, atravessa lambem 0 corpo hu­
mana e 0 divide entre 0 imperio da luz e 0 da escuridao.(45) 
Direito e esquerdo se estendem alem dos Iimites de nosso 
corpo e abarcam 0 universo. 
De acordo corn uma ideia muito disseminada, pelo menos na 
area indo-europeia, a comunidade forma um cfrculo fechado 
no centro do qual esta 0 altar, a Area da Alianga, onde os 
deuses descem e de onde S8 irradia a ajuda divina. A orJem 
e a harmonia reinam dentro desse espago fechado, enquanta 
fora S8 estende uma vasta noite, sern lirnites e sem leis, cheia 
de germes impuros e atravessada par forgas ca6ticas. Na pe­
rif9fia do espago sagrado os devotos fazem um circuito ritual 
em volta do centro divino, com seus ombros direitcs voltados 
para ele.(46) Tem tudo p3ra esperar de IJm lado, tudo para 
temer do outro. A direita e 0 interior, 0 finito, 0 bem-estar 
assegtirado e a paz; a esquerda e 0 exterior, 0 infinito hostil 
e a amea9a. perpetua do mal. 
Os equivalentes acima por si s6s nos permitiriam supor que 0 
Jado direito e 0 elemento masculino sao da mesma natureza, 
assim como 0 !ado esquerdo e 0 elemento feminino, mas nao 
'ficames reduzidos a simples conjecturas neste ponto. Os 
Maori aplicam os termos tama tane e tama wahine aos dois 
lados do corpo, termos cuja quase universai extensao ja men­
cionamos: 0 hamem e composto de duas naturezas, masculina e 
feminina, sendo a primeira atribuida ao lac') direito e a ultima 
ao lado esquerdo.(47) Entre os WUlwanga da Austraiia, dois 
paus sao usados para marcar 0 ritrno durante as cerim6nias: 
um e chamado de homem e e segurado pela mao direita, en~ 
quanta que 0 outro. a mU!her, e segurado com a esquerda, 
44. Ver G!Il 1876:128,297. 0 hebraico jamin, 0 sansc. da/(shin<i, 0 irlade:i
 
dess significam ao mesmo tempo direita e suI.: ved Schrader 1901 s.v. Him­
melS<.)egeden. Para os gregos 0 leste e a direita do mundo e 0 oeste a es­
querda; cr. StobacLJs, fc!ogre, !, 15.6.
 
45. Esta e a razao pela qual 0 sol e 0 olho direito de Horus e a 1l!3 0 es· 
querdo.O mesmo na Polinesia (Gill 1876:153). Nas representa<;6es crist5s ·Ja 
crucifica<;ao 0 sol brilha na regi50 adireita da cruz, onde a nova igreja triuo­
fa, enquanto a lea i!umina 0 lade do ladr::io impenitente e da 5inagoga caida. 
Ver i'vlale 1S98:224,229. 
46. Ver. Simpson i!lSS: e abaixo. 
47. Be3t ~8S3a:i23, 1S82:25; TrCfjfar 1904-506. 
I IJ
 
I 
..
 
115 114 
Naturalmente, e sempre 0 "homem" que bate, a "mulher" que 
receoe as pancadas; a direita que age, a esquerda que S8 suD­
mete,(48) Aqui encontramos intimamente combinados 0 privi ­
legio do sexo forte e do lado forte. Indubitavelments, Deus 
tomoU' ,uma das costelas esquerdas de Adao para criar Eva, 
pois uma unica e a mesma essencia caracterizam a mulher e 
o lado esqu,..:rdo do corpo. ~ materia das duas partes de um 
ser freeo e _lQ.~efeso, algo ambiguo e inquietante, destinado 
pela natureza a um papel passivo e receptivo e a uma posic;:ao 
subalterna. 
Assim. a oposic;:ao entre a direita e a esquerda tern 0 mesmo 
signiHcado e aplicac;:ao que a serie de contrastes, muito dife­
rentes mas redutiveis a principios comuns, apresentados pelo 
universo. 0 poder sagrado, fonte de vida, verdade, beleza, 
virtude, 0 sol nascence, 0 sexo masculino e - posso acres­
centar - 0 lado direito, todos estes termos sao intercambia­
veis, como 0 sao seus contraries. Eles designam, sob muitos 
aspectos, as mesmas categorias de coisas, uma natureza co­
mum, a mesma orientac;:50 para um dos dois p610s do mundo 
mrstico.(50) Pode-se acreditar que uma leve diferenc;a de 
grau na forc;:a ffsica das duas maos seja suficienteJ'ara expli­
car uma heterogeneidade tao vigorosa e profunda ( 
4. As Fun90es das Duas MaGs 
As diferentes caracterfsticas da direita e da esquerda deter': 
minam a diferenc;:a ern posic;:ao e func;:oes que existem entre 
as duas maos. 
E bern conhecido que muitos povos primitivos, particularmente 
os indios da America do Norte, podem conversar sem dizer 
uma unica palavra, apenas par movimentos da cabec;;a e dos 
brac;:os. --Nesta Iinguagem cada mao age de acordo com sua 
natureza. A mao direita representa 0 eu, a esquerda os 
48. Ey!mann 1909:376.(Agradec;o a M. Mauss esta referencia), 
49, Um mediCO contemporaneo ingenuamente formula a mesma ideia: val' 
Liersch 1893:45,
50, A tabela dos contrarios, que, de acordo com os pitagoricos, se equi!i­
bram e constituem a universo, compreendem a finito e 0 infinito, ° rmpar e 
o par, a direita e a esquerda, 0 macho e a femea. a estavel e 0 mutante, a 
alto e 0 baixo; vel' Aristoteles, Metafisica, 1,5.: e cf. Zeller 1876:321. A 
corresponoencia com a tabela que estabeleci e perfeita: as pitag6ricos apfl­
nas definirllm e deram forma a idei85 populares muito antigas. 
n[w-eu, os outros.(51) Para expressar a ideia de -alto, a mc!io 
direita e levantada acirna da esquerda, que e mantida horizon­
tal e im6vel, enquanto que a ideia de baixo e expressa abal­
xando-se a "mao inferior" abaixo da direita.(52) A mao di­
reita significa bravura, poder, vir"idade; enquanto que, ao con­
trario, a mesma mao, voltada para a esquerda e colocada 
abaixo da mao esquerda, significa, de acordo com 0 contexto, 
as ideias de morte, destrui9ao e enterro.(53) Estes exemplos 
caracterfsticos sao suficientes para mostrar que 0 contraste r
entre dire ita e esquerda, e as posig6es relativas das maos sao
 
de imporUmcia fundamental na linguagem dos sinais.
 I 
As maos sao usadas apenas incidentalmente ni;1 expressao de 
ideias: elas sao primordial mente instrumentos com os quais 0 
homem age sobre os seres e coisas que 0 tircundam. ~ nos 
diversos campos de atividade humana que precisamos obser­
varas maos trabalhando. 
Na devoc;:ao, 0 homem procura acima de tudo comunicar-se 
com os poderes sagrados, de lYi,)do a mallte-Ios e a aumen­
'la-los, e para trazer a ele os beneficios das ac;:6es destes po­
,ideres. Apenas a mao direita esta apta para estas relagoes 
beneHcentes, ja que participa da natureza das coisas e seres 
sobre as quaiS' os ritos devem agir. as deuses estao a nossa 
direita, par isso nos voltamos para a direita a fim de rezar.(54) 
Um lugar sagrado_precisa ser penetrado com 0 pe direito pri ­
meiro.(55) As oferendas sagradas sao apresentadas aos deu­
ses com a mao direita.(56) E a mao direita que recebe fava­
res do ceu e os transmite na benc;:ao.(57) Para produzir bans 
efeitos numa cerim6nia, para abenc;:oar ou consagrar, os hin­
dus e os celtas dao tres voltas em torno de uma pessoa ou 
objeto, da esquerda para a direita, como 0 sol, com a lado 
direito voltado para dentro. Desta maneira elas derramam so­
bre 0 que esteja encerrado dentro do cfrculo sagrado a virtude 
51. Wilson 1891:18-19. 
52. fv1allery 1881 :364,
 
53, Mallery 1881 :414,415,420. Cf. Ouintilianus. Xl, 3.13 em Sittl 1890:358
 
(sabre a expressao gestual da abominat;:30).
 
54. Ver Schrader 1901 s.v. Gruss. Cf. Bokhari 1903:153.
 
55, Bokhari 1903:·J 57, ,'1.0 contrario, lugares assombrados par djinn sao in­
vadidos com 0 pe esquerdo primeiro. (Lane 1836:308)
 
56. Ouando a mao esquerda intervem e apenas para srguir e duplrcar a 
at;:ilo da mao direita (White 1887:197). Com frequencia, ela alnda e m'\l en­
carada. (Sitt! 1890:51 n. 2,88; Simpson 1896:291) 
57. Vel' Genese 48,13. 
J ____ 
k 
~: 
116' 
e benefica que emana do lado direito. 0 movimento e posi­
Gao contrarios, em circunstancias similares, seriam sacrllegos 
e azarentos.(58)
 
Mas a. devog nao consiste inteiramente da adoragao con­
tiante de deus ao amistosoS. 0 homem gostaria de esquecer
esOS DOceres sinistros que enxameiam a sua esquerda, mas nao
 
pocte, pois eies se impoem a sua aten<;:ao pOl' meio dos S8US
 
golpeS mortiferos, pOl' meio de amea<;:as que precisam ser es­
quivadas e pOl' exigenciaS que precisam ser satisfeitas. Parte
 
consideravel do culto religiosO, e nao a parte menos impor­
tanle, e devotada a conteI' ou apaziguar os seres malevolentes
 
e raivosos, a banir ou a destruir mas influencias. Neste, reino
 
a a mao esquerda que prevalece: ela esla diretamente ocupa­
niada com tudo que a demoniaco.(59) Na cerimo Maori que 
descrevemos e a mao esquerda que se ievanta e depoiss der­
ruba a vara da morte.(60) Se os espiritos ganancioso das. 
almas dos mortos tem que S8r aplacados pela oferta de um 
presente, e a mao esquerda que se indica para realizar este 
sinistro contato.(61) Em ritos funerarios e no exorcismo,(62) 0 
circuito cerimonial e feito "na diregao errada", apresentando­
se 0 lado esquerdo.(63) Os pecadores sao expUIS06 da Igreja 
pela porta esquerda. Nao a certo que se deve as vezes \/oltar 
os poderes destrutivos do lado esquerdo contra os esplritos 
malevO!OS que geralmente os usam? 
.._As praticas, magicas proliferam nas fronteiras da Iiturgia re­ente 
gular. A mao esquerda esta a vontade aqui: ela e excel 
em neutralizBf ou anular a ma sorte,(64) mas acima de ·tudo 
em propagar a morte.(65) "Quando voce bebe com urn nativo 
(na costa da Guine) voce precisa tomar cuidado com a mao 
esquerda dele, pois 0 proprio contato de seu polegar esquer­
----
58. Sabre a pradaishina e deasil. vel' Simpson 1896:75,90,183 e especial-
mente a monografia de Caland (1898). Tra<;os deste costume sao encontra­
dos em toda a area indo·europeia.
59. Vel' Platao, Leis. 4,7;721; Cf. Sitt\ 1890:188). 
60. Gudgeon 1905:125. 
61. Kruyt 1906:259,380 n. 1.62. Martene 1736, 2:82; cf. Middotl7 em Simpson 1896:142. 
63. Simpson 1896; Cal and 1898; Jamieson 1808 S.v. widdersinniS. as tel­
ticeiros apresentam 0 lado esquerdo ao diabo para lhe prestaI' homenagem 
64. Best 1904 :76,236; 1905:3: 1901 :98; Goldie 1904:75. 
65. Vel' I<aus'ika sutra 47,4 em Calafld 1900:184. 0 sangue extraido de la­
do esquerdo do carpo provoca a morte (Best 1897:41). Ao contrario, 0 san­
gue do lado direito da vida. regenera (as ferimentos do Cristo ferido sao' 
oempre do lado direito). 
,117 
do com a bebida ialvez seja suficiente para torna-Ia fatal".
 
Oiz-se que todo nativo esconde debaixo de sua unha do po­
legar esquerdo uma substancia toxica que possu; quase que
 
"'a sutileza devastadora do acido prussico".(66) Este veneno,
 
que e evidt';ntemente imaginario, simboliza perfeitamente os
 
poderes mal :Hicos que jazem no lade esquerdo.
 
E claro que nao se trata aqui de for9a ou fraqueza, habilidade 
au falta de jeito, mas de fun<;:oes diferentes e incompativeis 
figadas a naturezas contrarias. Se a mao esquerda e despre­
zada e humilhada no mundo dos deuses e no dos mortos, ela 
tern 0 seu reino onde e a senhora e de onde a mao direita e 
exclufda; mas esta e uma regiao mal afamada. 0 poder da 
mao esquerda e sempre algo oculto e ilegitimo; inspira terror 
e repulsa. Seus movimentos sao suspeitos; nos gostarfamos 
que permanecesse quieta e discreta, escondida nas dobras da 
vestimenta para que sua influencia corrompedora nao se es­
palhasse. Como as pessoas no luto, envolvidas pela morte, 
tem que se cobrir com vaus, negligenciar seus corpos, deixar 
seu cabelo e suas unhas sem serem cortadas e ela e menos 
lavada do que a outra.(67) Assim, a crenga numa profunda 
disparidade entre as duas maos as vezes chega ate a produzir 
uma assimetria ffsica visivel. Mesmo quando nao e traida por 
sua aparencia, a mao esquerda ainda permanece sendo a mao 
ama)digoada. A mao esquerda muito dotada e agil e sinal de 
uma natureza contraria a ordem corrente, de uma disposiQ80 
perversa e diab61ica: toda pessoa canhota a um possivel fei­
ticeiro, do qual se deve desconfiar justamente.(68) Em con­
traste, a preponderancia exclusiva da direita e a repugnancia 
em adquirir 0 que seja da esquerda sao as marcas de uma 
.alma associada inusitadamente com 0 divino e imune ao que 
e profano ou impuro: assim sao os santos cristaos que, em I 
seu bergo, eram tao piedosos que recusavam 0 seio esquerdo "11 
de suas maes.(69) E pOI' ISSO que a selegao social favorece 'I 
os destros e porque a educagao a dirigida no sentido de pa­ 1:11 Ii
ralizar a mao esquerda enquanto se desenvolve a di reita. 
" 
66. Lartigue 1851 :365. 
67. Lartigue 1851; Burckhardt 1830:186: Meyer 1873:26,28. 
68. Esta e a razao pela qual seres, reais ou imaginarios, que se acredHa 
possuirem poderes magieos, sao representados comose fossem canhotos 
este e 0 easo do lI~SO entre os Camchadal e os esquim6s (Erman 1873:35; 
J. Rile em Wilson 1891 :50). 
69. Usener 1896:190-191. Ouando os pitag6ricos cruzavam suas pernas to­
mavam 0 cuidado de jamais coloear a esquerda em cirna da direita. Plutar­
.CO, De vir. pud. S. Cf. Bokhi'lri 19C3:75. 
----
\
 
11~ 
A vida em sociedade envolve um grande numero de prsticas 
que, seffl ser Integralmente parte da retigiao, estao estreita­
mente Hgadas a ela. Se sao as maos direitas que se unem 
no casamento, se a mao direita presta jL.amento, conclu! con­
tratos, lorna posse e presta assistencia, e porque e no lado 
direito do homem que estao os poderes e autoridades que 
dao peso aOs gest05, e a fon;a pela qual ela exerce seu do­
minio sobfe as coisas.(70) Como poderia a mao esquerda 
" concl aios validos se esta privada de prestlgio e de poder
 
uir
espiritu • 58 tem forga apenas para a destrui9ao e a mal? 0 
atcasamento contratado com a mao esquerda e uma uniao clan­
destina e irregular da qual apenas bastardos podem resultar.
 
A esqu e a mao do perjurio, da trai<;ao, da traude.(71) Tal
 
erdacomo acontece com as tormalidades juridicas, tambem as re­
gras de etiqueta se derivam diretamente da adoragao: os ges­
tos com as quais noS adoramos os deuses tambem servem
 
para express os sentimentos de respeito e de estima afetuo­
ar sa que temos uns pelas outros.(72) No cumprimento e na
 
amizade nos oferecemos 0 que temas de melhor, a nossa di­
reita.(73) a rei leva os emblemas de sua reateza no lado
 
direlto, coloca a sua direita os que ele julga serem mais me­
recedores' de receber, sem polui-las, as emanag66s de seu
 
lado direito. ~ porque a direita e a esquerda sao realmenie
 
de valor e dignidade diferentes que significa tanto apresentar
 
uma au outra a nossos convidados, de acordo com sua posl­
<;aD na hierarquia social.(74) 
Todos estes usos, que parecem ser puras convengoes iloje, 
sao explicadas e adquirem significado quando relacionadas as 
cren<;as que Ihes deram origem. 
O\hem mais de perto 0 profano. Muitos povos primitivos, 
quando em estado de impureza - durante a luto, par exem­
plo _ podem nao usar suas maos, particularmente quandoas 
comem. Eles 'pfecisam ser a\imentados por outras pesso 
colocando a comida dentro de suas bocas, ou eles apanham 
70. Sobre 0 romano manuS, ver Daremberg & Sag1io 1873 S.v manuS Sittl 
1890:129,135. Os romano s dedicaram a direita a boa te: em arabe, 0 jUTCl­
mento e chamado iamin, a direit8 (Welhausen 1897:186).
71. Em persa, "dar a esquerda" significa trair (Piclet 1877,3:2'!7). Gt. Piau­
tus. Persa, 11,2,44 - furti/iea l;;eva.72. Vel' Schrader 1901 s.v. GruSs; Gaiand 1898:314·5. 
73. ct. Sittl 1890:27,31,31 0 .74. Sabre a importancia da direita e da esquerda na iCOnogrClfio crista, vcr 
Didron 1343:186 e Ma!e 1898:19. 
~ ~':';;'''~"'-- -- .......,,;.,;
 
119 
a comida com a boca como cachorros, ja que S9 tocassem a 
comida com suas maos polufdas enguliriam sua propria mor­
t6.(75) Neste casa, uma especie de enfermidade mistica afeta 
ambas as maos e por algum tempo as paralisa. ~ uma proi­
biC;ao da mesma ordem que se impoe sobre a mao esquerda, 
mas 8 d...l mesma natureza que a propria mao esquerda na 
qual a paralisia e permanente. E por isto que frequentemente 
apenas a mao direita pode ser usada ativamente durante as 
refeic;oes. Entre as tribos da Nigeria do SUi, e proibido para 
as mulheres usarem suas maos esquerdas quando cozinham, 
evidentemente sob a ameac;a de serem acusadas de tentativa 
de envenenamento e feitigaria.(76) A mao esquerda, como os 
pari as sabre os quais se impoem todas as tarefas impuras, po­
de se ocupar apenas de deveres desagradaveis.(77) Estamos 
longe do santuario aqui, mas 0 dominio dos' conceitos religio­
sos e tao poderoso que se taz sentir na sala de jantar, na co­
zinha e mesmo naqueles lugares assombrados por dem6nios 
que nao ousamos nomear. 
Parace, entretanto, que existe ao menos uma ordem de ativi­
dades que escapa influencias misticas, qual seja, as artes e a 
industria: os diferentes papeis da direita e da esquerda nestas 
sao considerados inteiramente ligados a causas fisicas e uti­
litaria5. Mas esta visao nao reconhece 0 carater de tecnic8S 
na antiguidade: elas estavam impregnadas com religiosidade 
e dominadas pelo misterio. 0 que e mais sagrado para 0 ho~ 
mem primitivQ do que a guerra ou a C&<;:&! Estas implicam na 
posse de poderes especiais e um estado de santi dade que e 
difici! adquirir e ainda mais diffcil preservar. A propria arma 
e uma coisa sagrada, dotada com um poder que pOI' si s6 
fazem efetivos os golpes dirigidos ao inimigo. Infeliz do guer­
reiro que profana sua lan<;:a au espada e dissipa sua virtude! 
t possivel confiar algo tao precioso a mao esquerda? lsto 
seria um sacrilegio monstruoso, tanto quanto 0 seria permitir 
uma mulher entrar no acampamento dos guerreiros, isto e, 
condena-los a derrct2 e a morte. E 0 lado direito do hornem 
que se dedica ao deus da gueri'a, e 0 mana do ombro direito 
que guia a espada ao seu alva, e portanto apenas a mao di­
75. Gf. (para os Maori) Best 19058: 199,221, 
76. leonard 1905:310. T2mpouco pode a mulher toear 0 seu marido com a 
mao esquerda. 
77. Sobre 0 usa exclusivo da mao esquerda para limpar as aberturas do 
corpo "abaixo do umbigo'·. vel' Lartigue 1851; Roth 1899:122; Spieth 1906; 
I: 235; Jacobs 1892:21 (sobre os malaios); Laws of Manu V,132.136; Bokhari 
1903:69,7,; Lane 1836:187. 
--
120 
reita ql!le ira carregar e manei ar a arma.(78) A mao esquer­
da, entretanto, nao fica desempregada; ela providecia as ne­
cessidades da vida profana que mesmo uma intensa consa­
graQao nao pode interromper e as quais a mao dire;ta, estrita­
mente dedicada a guerra precisa ignorar .(79) Na batalha, sem
 
efetivam participar da a~ao, ela pode parar os golpeS do
 ilente8dversario: sua natureza a torna apta para a defes , eia e a 
mao do escudo. -(. 
A origem das ideias sabre a direita e a esquerda tem frequen­s 
temente sido procuradas nos diferentes papeis das duas mao 
durante a 'batalha, uma diferenga que resulta da estrutura do 
organismO ou de uma especie de instinto.(80) Esta hipotese, 
refutada por argumentos decisivos,(81) toma a causa pelo que 
e efetivam 0 efeito. Nao deixa de ser verdade que as 
entefungoes guerreiras das duas maos tem algumas vezes refor­oes 
Qado as caracterlsticas ja airibuidas a elas e as rela'i de 
uma com a outra. consideremos urn povo agricola que pre­
fere trabalho pacificos a pilhagem e a Conquista e que nUilca 
sreco as armas exceto na d8fesa: a "mao do escudo" subi­
rremra na estima popular, enquanto que a "mao da olanga" pardera 
algo do seu presligio- E este claramente 0 cas ent'" os Zuni, 
que personifica.m os lados direito e esquerdo do corpo como 
dois deuS irmaos: 0 primeiro, mais velho, e ref!exivO, sabio 
ese de iulgamento segura; enquanto que 0 ultimo e impetuOso, 
impulsivo, e feito para a agao.(82) Gontudo, por mais inte­
ressante que seja este desenvolvimento secundario, e que mo­
difica consideravelmentE: os tragos caracteristic09 dos doisa 
lados, ele nao deve fazer-nos esquecer a significa<;:ao religios 
prim do contraste entre a direita e a esquerda.
eira 
\ 
\
 
\ 78. Best 1902:25; Tregear 1904:332.
 
80. 1904.79. TregearPor exemplo, Carlyle. citado pOl' Wilson (1891 :15): similarmente Cushingi 
1892:290.Um re\ato disto pode ser encontrado em Jackson 1905:'::1,54. Mastra081.
 
argumento mais forte the escapou- ~ muito provavel que. como demons '
 
ram DenikeI' (1900:316) e Schurtz (1900:352). 0 escudo seja originariO de um
 
bastiio aparado • cuja manipulaC;ao exigi ria uma grande habilid<Jde. Alem do
 
rrnais. muito povos nao conhecem 0 usa do escudo. tais como as M<Jori 
S(Smith 1892:43; Trege<Jr 1904:316), entre os quais a distinc;:ao entre a direitii 
e a esquerda e particuiarl11ente acentuada.82. Cushing 1892-, 1883:13. ct. uma curiosa passagem sobre Hermes. u 
tres vezes grande. em Estobeu, Ee!ogre !, 59; e Brinton 1896:176-7 (sobre oschineses). 
121 
o que e herdado da arte militar se aplica tambem a outras 
tecnieas, mas uma valiosa descri9ao dos Maori nos permite 
ver diretamente 0 que faz a mao direita preponderante na in­
dustria hun.ana. A descri<;:ao diz respeito a iniciagao de uma 
jovem no oficio da tecelagem, um acontecimento serio envCilto 
em misterio e cheio de perigo. A aprendiz senta na presenga 
do mestre, que e artesao e sacerdote, em frente de dois pos­
tes enta!hados enfiados no chao formando uma especie de 
tear rudimentar. No poste direito estao as virtudes sagradas 
que constituem a arte de tecer e que fazem 0 trabalho efetivo, 
o poste esquerdo e profano e vazio de qualquer poder. En­
quanta 0 sacerdote recita suas encantagoes, a aprendiz morde 
o poste. direito de modo a absorver sua essencia e cOl1sagrar­
se a sua vocagao. Naturalmente, apenas a mao direita entra 
em contato com 0 poste sagrado, cUja profana<;:ao seria fatal 
ao iniciado, e e a mesma mao que carrega 0 fio, tambem sa­
grado, da esquerda para a direita. Quanto a mao profana, ela 
pode apenas cooperar humildemente e a disUmcia no trabalho 
solene que e feito.(83) 8em duvida, esta divisao de trabalho 
e relaxada no caso de buscas rnais duras e mais protanas. 
Permanece contudo sendo verdade que, em regra, tecnicas 
consistem de colocar em movimento, por delicada manipula­
<;:ao, forg8s misticas perigosas: apenas a m50 sagrada e efeti­
va pode tomar 0 risco da iniciativa; se a mao funesta intervem 
ativamente ela apenas secara a fonte de sucesso e viciara 0 
, trabalho que esta sendo realizado.(84) 
-i.;;:.;,. 
Assim, de urn extrema a outro do mundo da humanidade, nos 
lugares sagrados onde 0 devoto encontra seu deus, nos locais 
malditos onde os pactos diab6licos sao feitos, no trona assim 
como no banco das testemunhas, na bataiha e na sala de tra­
balho do tecelao, em qua!quer lugar uma lei imutavel governa 
as fungoes das duas maos. Nao mais do que 0 profane tern 
a permissao de l11isturar-se com 0 sagrado, tem a esquerda a 
permissao de violar a direita. Uma atividade preponderante 
da mao ruim poderia apenas ser ilegitimo ou execpcional, pois 
seria 0 tim do homem e de todo 0 resto se 0 profano tivesse 
algum dia permissao para prevalecer sobre 0 sagrado e a 
83. Assim como nao pode ser tocado com a mao esquerda. a paste sagra­
do tambem nao pode ser surpreendido em sua rosic;iJo vertical a noite ou
 
por um estranho (profano). Ver Best i898b:627,G~" e Tregear 1904:225, que
 
o segue.
 
84 _ 0 fio usado por um bramane cleve ser tran<;:dUo da esquerda para a r!j­
reita (cr. acima). se tranl;sdo no outro sentido, ele e consagrado aos ance:;­
trais e n20 pode ser uStido pelos vivos (Simpson 1896:93).
 I 
-----
, 
122 
\ morta $Obre a vida. A supremacia da mao direita e ao mes­
\
I ma teiilPO um efeito e uma condir;ao necessaria da ordem queI 
governa e mantem 0 universo.\ 
conc!usao5.\	 A analise das caracteristicas da direita e da esquerda, e ctf:lS 
fungoes a elas atribuidas, con1irmaram a tese que a deduyao 
noS fez. vislumb . A dilerenciar;3.o obrigat6ria entre os ladosrar
do corpo e urn casa particular e uma conseqDencia do dua­
lismo inerente ao pensamento primitivo. Mas as necessida­
des reHgios que tazem a praerninencia de uma das maos 
asinevita nao determinam quai del as sera preferida. Como 0 
vellado sag e invariavelmente 0 direito e 0 profano 0 es­
rado 
qU8(do '? 
De aco com alguns autores a diferenciagao de direito e 
rdoesquerclo e inteiramente explicada pe\as regras da orientag3.o 
religios e d3, adorag3.o ao sol. A POSig8.0 de homem no es­
a 
\ 
pac;;o nao e nem indiferente nem arbitraria. Em suas preces 
e cerimonias, 0 devoto olha naturalmente para a re~\§.o onde 
a sol nasce, a fonte de toda a vida. A maior parte das edifi ­
cios sagrados, em diferentes relig i6es, estao voltados para a 
leste. Dada esta direc;;ao, as partes do corpo sao alas pr6­
prias designadas para os pontos cardeais: 0 oeste 8 atras, C 
sui e a direita,e 0 norte a esquerda. consequentemente, as 
caraeterlsticas das regi6es ceiestes S8 refletem no corpo hu­
mana. A luz plena do sol brilha do nOS50 lado direito, en­
quanta que a sornbra sinistra do norte e projetada a nossa es­
querda. Considera-se que 0 espetaculo da natureza, 0 con­
traste entre a luz do dia e as trevas, 0 calor e 0 trio, tenham \ 
€nsinado ao hornem a distinguir e a opor sua direita e sua 
\	 esquerda.(85) 
\	 Esta expllC3930 se apoi3 ern ideias 10ra de mada sobre con­
cepgoes naturalistas. 0 mundo externo, com sua luz e sua 
\	 oessambra, enriq\.lece e da prec\sao as nog religiosas que surgem das profundezas da consc'lencia coletiva, mas nao as 
cria. Seria tacH formular a masma hip6tese ern termos maisa 
corretos e restringir sua aplicagao ao ponto que nos interess , 
85. Ver !v1eyer 1873:27; Jacobs 1892:33. 
123· 
mas ainda iria contra fatos de natureza decisiva.(86} De fato) 
nao hti nada que nos permita afirmar que as distin~6es apll ­
cadas ao espago sao anteriores as que dizem respeito ao 
corpo humano. Todos eles tern uma so e a mesma origem, a 
oposigao entre 0 ~agrado e 0 profano, sendo portanto con­ 1 
cordi:lntes e de muLto apoio, mas nao sao par isso menos in­
dependentes. Precisamos, portanto, procurar na estrutura do 
organismo a Iinha divis6ria que dirige 0 fluxo benefico dos I tavores sobrenaturais em diregao do jado direito.(87} 
II 
Este ultimo recurso a anatomia nao deveria ser vista como I 
uma contradigao ou concessao. Urna coisa e explicar a natu­
reza e a origem de uma forga, outra e determinar 0 ponto ao 
~qual se aplica. As leves vantagens ffsicas possufdas pela 
mao direita sao apenas a ocasiao de uma diferenciagao qua­
litativa da qual a causa esta al8m do indivfduo, na constitui­
gao da consciencia coietiva. Uma quase que insignificante 
Rssimetria corporal e suficiente para virar em urna dir89ao e 
na outra representag6es contrarias que ja estao completamen­
1B formadas. A partir dar, gra9as a plasticidade do organismo, 
a c03gao 30cial adiclona aos membros opostos e incorpora 
neles aquelas qualidades de forga e de fraqueza, desterfdade 
e inercia, que no adu!to parecem surgir espontaneamente da 
natureza.(88) 
o desenvolvimento exclusive da mao direita e cOl1siderado, as 
vezes, cemo um atributo caracteristico do hornem e urn sinal 
de sua proeminencia moral. Em certo sentido isto e verdade. 
Por seculos, a paralizagao sistematica do brago esquerdo t8m 
como outras mutilag6es, expresso a vontade que anima os· 
hotnellS a fazer 0 sagrado predominar sobre 0 profano, a sa­
86. (1) 0 sistema de orienta<;:50 postulado pela teoria. embora muito geraf 
e prcvavelmente primitivo, esta lange de ser universal; cf. Nissen 1907. 
(2) /1,s regioes celestiais nao estao caructerizadas uniformemente: por exem· 
pia, para as indianos e as romanos 0 norte e a regia fausta. habitada por 
deuses, er:quanto que 0 sui pertence aos mortos.(31 Se as ideias sobre () 
sol tivessem as fun<;:oes a eias atribufdas, a direita e a esquerda seriam m­
vertidas entl-e os pO'IOS do hemisferio sui; mas a direita dos australianos fl 
dos Maori coincide com a nossa. 
87. Esta coal(ao e exercida nao apenas na edLiCal(aO propriamente dlta. Illas 
elll jogos, danps e trabalho que. entre povos primitivos, tem urn carater 
intensamente ca!eti'lo e ritmico [Bucher 1837). 
88. Pode ser ate que a C03y30 r a sele(:;Jo sociai modificaram. a longo pmzo 
u tipo fisico humano, sc se pudesse provar que a propor<;:2o de canhotos G 
m1ior entre [lOVOS rJrimitivos que entre civilizacJos. Mas a evidencia e vaga 
c de pouco peso Cf. Colenso 1868:3113; "Nilson 1891 :3'J e Brinton 1896:175. 
'124 
crWcar os desejos e 0 interesse dos individuos as exigencias
 
sentldas pela consciencia coletiva, e a espiritualizar 0 proprio
 
corpo marcando nele a oposigao de valores e os violentos
 
contrastes do mundo da moralidade. t: porque 0 romem e
 
um ser duplo - homo duplex - que ele possui uma direita
 
e uma esquerda profundamente diferenciadas.
 
I ~.Nao e este 0 lugar para procurara causa e 0 significado desta 
po!aridade que domina a vida religiosa e se impoe ao proprio 
corpO. Esta e uma das mais profundas questoes que a cien­
ciacja relig iao comparativa e da sociolog ia em geral tem que 
resolver, nao devemos ataca-Ia indiretamente. Talvez tenha­
mos sido capazes de tl'azer elementos novoS nesta pesquisa. 
De quatquer modo, nao e sem interesse ver um problema par­
ticular reduzido a outro que e muito mais gera!. 
Como os filosofos tem observado com frequencia(89) a distin­
Gao entre direita e esquerda e um dos artigos essenciais de 
noss equipamento inteiectual. Parece imposslvel, entao, ex­
plicaro 0 significado e geneSe desta distingao sem tomar par­
tido, ao menos implicitamente, de uma ou de outra das doutri ­
nas tradicionais da origem do conhecimento. 
Que disputaslfavia antigamente entre os partidarios da distin­
<;80 inata e os partidarios da experiencial E que elegante 
choque de argumentos diaieticos! A aplicagao de metodo 
experimental e sociologico a problemas humanos poe tim 
neste conflito de afirmartnes dogmaticas e contradit6rias. Os 
que acreditam na capacidade inata de diferenciar ganharam 
sua vit6ria: as representa<;oes intelectuais e morais da direita 
e da esquerda sao verdadeiras categorias, anteriores a toda 
€xperie individual, ja que estao ligados a propria estrutura
nciado pensamento social. Mas os advogados da experiencia tam­
bem estavam certos, pois nao cabe fa!a!" aqui de instintos imu­
taveis au de dados metaffsicos absolutos. Estas categorias 
sao trullcendentes apenas em rel8gao ao \ndivtduo: colocados 
em seu cenario original, a consciencia coletiva, eles aparecem 
como fatos da natureza, sujeitos a mUdang8 e dependentes de 
condigoes complexas. 
Mesmo que, como parece, os diferentes atributos das duas 
maos, a desteridade de uma e a inepcia da outra, sao em gran­
de parte trabalho. da vontade humana, 0 sonho da humanidade 
89. Em particular, Hamelin 1907:76. 
125
 
dotada com duas "maos direitas" e visionario. Mas do fato 
de que a ambidesteridade e possIvel nao S8 pode conc!uir que 
ela e desejavel; as causas sociais que levaram a diferencia9aO 
das duas mao~ podem ser permanentes. Entretanto, a evo­
lugao que agora testemunhamos dificilmente justifica tal visao. 
ft, tendencia a nivelar 0 valor das duas maos nao e um fato 
isolado ou anormal em nossa cultura. As ideias religiosas 
antigas que colocam uma distancia intransponivel entre coisas 
e seres, e que em particular fundou a preponderancia exclusi­
va da mao direita, estao hoje em retirada completa. Nem 2 
estetica nem a moralidade sofreriam com a re./olu<;:ao de se 
supor que nao existam vantagens fisicas e tecnicas de peso 
para a humanidade em permitir Clue a mao esquerda atinja 0.0 
menos seu' desenvolvimento completo. A distin<;:ao entre 0 
bem e 0 mal, que por muito tempo foi so!idaria com a antitese 
entre 0 direito e 0 esquerdo, nao desaparecerao de nossa 
consciencia no momento em que a mao esquerda fizeruma 
contribui<;:ao mais efetiva ao trabalho e for capaz, ocasional­
Mente, de tomar 0 lugar da direita. Se a coagao de um ideal 
mfstico loi capaz por muitos seculos de fazer 0 hornem urn 
ser unilateral, fisiologicamente mutilado, uma comunidade li ­
gerada e perspicaz se empenhara em desenvolver melhor as 
energias adormecidas no seu lado esquerdo e no nosso hemis­
ferio cerebral direito, e em assegurar por urn ~reino apropria­
do, um desenvolvimento mais harmonioso do organismo. 
Trad. de Alba ZaJuar 
ReferfJncias 
BALDWIN, James Mark (1897). Developpement mental dans I'~nfant et dans
 
la race. Paris.
 
BEST, Elsdon (1897). "Tuhoe Land.' TPNZI 30:33-41. (1898a). 'O,nens and suo
 
perstitious beliefs of the Maoris.' JPS 7:119-36,233-43. (1898b). 'The art of t~ie
 
Whare Pora.' TPNZI 31:625-58. (1901). 'Maori magic.' TPNZ/ 34:69-98. (1902).
 
'Notes on the art of war as conducted by the Maori of New Zealand.' JPS
 
11:"11 ... 1,47-75.127-62,219-46. ("i904). 'Notes on the custom of rahui.' JPS 13:
 
83-3, (1905a). 'Maori eschatology.' TPNZI 38: 148-239, (1905b). "The lore of the
 
Whare-Kohanga (Part 1).' JPS 14:205·15. (1906). "The lore of the WharM{ohan·
 
ga.' JPS 15:1-26. 147-65, 183-92.
 
BIER\fUET, J.-J. van ("1899). 'L'hommc droit et I'homme gauche.' Revue Phi­
losophique 47:113-43, 276·96, 371-39.
 
BOKHARI, EI (tl·ans. Octave Houdas & V;. fv1arcias) (1903-8). Les tr&ditloll~
 
is/amiques. Paris.
 
BRINTON. Daniel G (1eg6). 'Lelthandedness in Nordl American aboriginal
 
art.' AA 9: 175-81.
 
II
 
, II
 
II 
--L
 
126 
127 
BRUGMANN. Karl (1888). 'latelnische Etymologlen: Rheinisches Museum fOr 
PhlloiO<Jre 43:.399-404.BOCHE?. Carl (18971. 'Arbelt und Rhythmus.' Abhendlungan der Konlgllch 
Sachslschen Gesellschaft der Wissenschaften 39. No.5. leipzig.
 
BURCKP.ARDT, John Lewis (1830). Arabic proverbs. London.
 
BUYSE. OMER {190B). Methodes americaines d'educetlon generale at tachnl
 
•que. Paris. 
CA:...AND. W. (1898). 'Een Indogermaansch lustratie-gebru:k.' Versiagen en
 
MededeeJingen der Konink/ljke Akademie van Wetenschappen, Afd. Leterkun­
de. 4e l"Beks. 2:275-325. Amsterdam. (1900). 'Altindisches Zauberrltual.' Ver­
handel!ngen der Konink/ljke Akademie van Wetenschappen, Afd. LetterkunJe,
 
nieuwe reeks 3, No.2. Amsterdam.
 
COLENSO, William (1868). 'On the Maori races 01- New Zealand: TPNZI I
 
.(seporate pagination).
CRAWLEY, Ernest (1902). The mystic rose: a study of primitive marriaglS.
 
London.CUSHiNG. Frank Hamilton (1883). 'Zuni fetishes: ARBE 2:1-45. (1892). 'Ma­
nual roncepts: a study of the influence of hand-usage on culture-growth:'
 
AA 5:2S~317.
 
DAREMBERG, C. v. & SAGLIO E. (1873). Dictionnaire des antlquites grer.:.·
 
ques et romalnes. Paris.
 
DARMESTETER, James {18i9). Zend·Avesta. London.
 
DENIKER. (J.) (1900). Races et peuples de (a terre. Paris.
 
DlDHON, Alphonse Napoleon (1843) Iconographie chrtWenne: histo/re de die.IJ.
 \ PariS..DIEZ. friedrich Christian (1878). Etymologisches Worterbuch der romanis 
\	 chen Sprachen. Bonn.
 DaUnt:, Edmond (1909). La societe musulmane du Maghrib: magie et relj·
 
gion dans I'Afrique du nord. Algel.
 
DURKHEIM, Emile (1898). 'La prohibition de l'inceste et ses origins.' Annaa
 
\ Sociolog1que I (1896-7): 1-70. Paris. 
DURKHEIM. E. & MAUSS, M. (1903). 'De quelques formes primitives de la 
-\ classificat:O : Annae Soc/ologique 6 (1901-2): 1-72. Paris.n
ERMAN. (1873). (Comll1€nt on Meyer 1873.) Verhandlungen der Berliner G/]· 
\ sellschal	 fUr Anthropologie, Ethnologie und Urgeschichte p. 36. Berlim. 
I ft 
EYLMANN, Erhard (1909). Ole Elngeborenen der Kolonie sud.Australie(/s. 
Berno. GERHARD. Eduard (1847). Ueber die Gottheiten der Etrusker. Berlim. 
Gill, William Wyatt (1876). Myths and songs from the south Pacific. Lon­
don.
GOLDIE, W. H. (1904). 'Maori medical lore: TPNZI 37:1-120.
 
GRIMM, Jacob Ludwig Carl (1818). Geschichte der deutschen Sprache. (2
 
.\Iols). Leipzig. ­
GUDGEON, W. E. [19Q5), 'Maori religion: JPS 14:107-30.
 
\-I,A.MELlN, O. (1907). Essai Sllr les elements principaUx de la representatIon. 
?arls, 
HOFMANN, F. (1870). 'Ueber den Verlobungs· und den Trauring: Sitzungsbl':­
rlchte der J(aiserlichen Akademie der Wissenschalten, Phil.·Hist. Klass6 65: 
B25-B3. Wlen.
 
JACKSON, John (190r 1. Ambidexterity: two-handedness and two·bralnedness,
 
an argument for natural development and rational education. London.
 
.JACOBS, Jacob (1892). Onze rechthandigheid. Amsterdam. 
,JAMIESON, John (1808). Etymological dictionary of the Scottish language.
 
Edinburgh.
 
KRUYT, Alb. C. (1906). f-Iet animisme in den Indischen Archlpel. Den Haag,
 
LANE. Edward William (1836). Modern Egyptians. London.
 
LARTIGUE (1851). 'Rapport sur les comptoirs de Grand-8asscim et d'Assinie.' 
Revue Coloniale, 2e. serie, 7:329-73.
 
LEONARD, Arthur Glyn (1906). The lower Niger and its tribes. London-New
 
York.
 
L1D~N, Evald (1906). 'Armenische Studien: Goteborgs Hogskolas Arsskrift 
12. 
L1ERSCH, L. W. (1893). Die Linke Hand: eine physiologische und medlzlnisch­
praktische Abhandl/ung.Bel'l im. 
LOMBOOSO, C. (1903). 'Lefthandedness.' North American Review, 177:441J. 
LYDON, F. F. (1900). Ambidextrous and free-arm blackboard draWing and
 
design. London.
 
McGEE, W. J. (1900). 'Primitive numbers: ARBAE 19:821-51.
 
MALE, Emile (1898). L'art re!igieux du Xllie. siecle en France. Paris. 
MALLERY, Garrick (1881). 'Sign-language among the North-American !ndians.· 
~-
ARBE 1:269·552.
 
MAR'ITNE, Edmond (H36-7). De antiques Ecclesire ritibus. (3 vols). Antwerp.
 
MEILLET, Paul Jules Antoine (1906). Quelques hypotheses sur des Interdic· 
tions de vocabulaire dans les langues indo·europeennes. Chartres. 
MEYER, von (1873). 'Ueber den Ursprung von Rechts und Li'jks.' Verhand· 
lungen der Berliner Gesel/schaft fur Anthropologie, Ethnologie und Urges­
chlchte 5:25·34. 
NISSEN. Heinrich (1906-10). Orientation: Studien zur Geschichte der Re!i­
g/on. (3 vols). Berlim. 
PICTET, Adolphe (1859-63). Les origines indo-europeennes. (2 \lois). Paris. 
POTI, AU9ustus Friedrich (1847). Die quinare und veglsimale Zahlmethode 
bei Volkern aller Welt1heile. Halle. 
ROLLET, Etienne (1889). 'La taille des grands singes: Revue Sclentifique 
44: 196-201. 
ROTH, H. Ling (ed.) (1899). 'Notes on the Jekris, Sobos and Ijas of the Warri
 
District of the Niger Coast Protectorate: JAI 28:104-26.
 
SCHRADER, Otto (1901). Real/exlcon der indogermanischen Alterstumskunde.
 
Strnssburg.
 
SCHURTZ, Heinrich (1900). Urgeschichte der Kultur. :"'eipzig-Wien.
 
SIMPSON, William (1896). The Buddhist praying-whee!. London·New York.
 
SITIi.., C3rl	 (1890). Die Gebarden der Griechen und Romer. Le!pzig. 
\	 .........
 
128 
SMITH. S_ Percy (1892). Futuna: Horne Island ar.d Its people. Western' Paci­
fic. JPS 1 :33-52.
 
SPENCER, B. & GILLEN. F. J. (1904). Northern tribes of centrel Australi3.
 
London,
 
SPIETH. Jakob (1906). Die Ewe·Stamme. Berlim.
 
TREGEAR. Edward (1904). The Maori race. W,mganui, N.l.
 
USENER. Hermann (1896). Gottemamen. Bonn.
 
VALETON, (1889). 'De modis auspicandi Romanorum.' Mnemosyne 17:275-325.
 
VALDE. Alois (1905-6). Lateinlsches Etymologisches Worterbuch. Heidelberg.
 
WELLHAUSEN. Julius (1897). Reste des arabischen Heidenthums. Berlim.
 
WHITE. John (1887-90). Ancient History 01 the Maori: his Mytho!o~ end
 
Traditions. (6 vols). Wellington.
 
WILSON, Daniel (18911. Lefthandedness. London.
 
ZELLER. Eduard (1876). Die Philosophie der Griechen. Leipzig.
 
.:/. 
\, 
\ K(J-utc~ €,,'j~C._i~ 
/1)(:). G.~ / ttl?uEnsaJo 
, ~ 
HR & SJUilil EX~RCITO DE ANJOS 
AS RAZOES DA MISSAO NOVAS TRfBOS Ind 
30*I~~~al 
Rubem Cesar Fernandes
 
Maio de 1980
 
iolt:" 
Este trabalho foi posslbilitado por uma balsa de pesquisa 
da Fundaqao Ford. Agrader;o os comentflriosdos colegas do 
CEDOPI (Centro de Documenta9ao e Pesquisa Indigel7a) da 
UNICAMP, assim como aos membros do Programa de P6s-gra­
duaqao em AntropologiaSocial do Museuivaciona/. Procurei 
aproveitar as suas sugestOes, sobretudo aquelas que foram 
feitas por Carlos Alberto Ricardo e por Anthony Seeger. 
\ Par que os indigenas sao tao atraentes para as protestantes 
norte-americanos? Nossos departarnentos de antropologia 
costurnam dar-se par satisfeitos quando urn colega chega a 
passar seis meses "no campo". A FUNAI padece com a ca­
rencia de quadros para a trabalho de base e mal consegue 
preencher as posir;:6es de chefia nos pastas ja instalados. 
Mas as agencias de missilo protestante nao parecem ter pro­
blemas de pessoal - ha sprnpre recursos disponi'lei~ e uma 
longa lista de candidatos a espera da licenga alicial para fazer 
mais uma entrada na mata. 
THE FO,W FOUNDATION 
!Fundayao FORO}

Continue navegando