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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS FACULDADE DE DIREITO JOÃO VICTOR RIBEIRO DA COSTA MARKETPLACE INTERNACIONAL: OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELO CONSUMIDOR BRASILEIRO NA IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ASIÁTICOS SANTOS 2024 UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SANTOS FACULDADE DE DIREITO JOÃO VICTOR RIBEIRO DA COSTA MARKETPLACE INTERNACIONAL: OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELO CONSUMIDOR BRASILEIRO NA IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ASIÁTICOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Universidade Católica de Santos como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Dr. Daniel Freire e Almeida SANTOS 2024 MARKETPLACE INTERNACIONAL: OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELO CONSUMIDOR BRASILEIRO NA IMPORTAÇÃO DE PRODUTOS ASIÁTICOS INTERNATIONAL MARKETPLACE: THE CHALLENGES FACED BY BRAZILIAN CONSUMERS WHEN IMPORTING ASIAN PRODUCTS João Victor Ribeiro da Costa RESUMO O presente trabalho refere-se sobre um estudo acerca dos desafios enfrentados pelo consumidor brasileiro na importação de produtos nos marketplaces asiáticos e o atual cenário internacional no que tange a proteção do consumidor. Tendo como objetivo demonstrar os desafios enfrentados pelos consumidores na importação nos marketplaces asiáticos e a ineficiência das normas nacionais em constranger as empresas globais da Internet. Para tanto, utiliza-se os métodos exploratório, explicativo e descritivo por meio de pesquisa bibliográfica para o embasamento teórico do trabalho. Por fim, o trabalho pretende demonstra a ineficiência das normas consumeristas nacionais acercas das empresas globais, e a necessidade de guidelines internacionais sobre o tema e de um ente internacional focado na proteção do consumidor. Palavras-chave: Internet. Direito Internacional. Marketplace. Importação. Consumidor. Globalização ABSTRACT This paper is a study of the challenges faced by Brazilian consumers when importing products into Asian marketplaces and the current international scenario in terms of consumer protection. Its aim is to demonstrate the challenges faced by consumers when importing into Asian marketplaces and the inefficiency of national regulations in constraining global Internet companies. To this end, the exploratory, explanatory and descriptive methods are used through bibliographical research to provide the theoretical basis for the work. Finally, the work aims to demonstrate the inefficiency of national consumer standards in relation to global companies, and the need for international guidelines on the subject and an international body focused on consumer protection. Keywords: Internet. Marketplace. Consumer. International Law. Import. Globalization 4 Sumário: 1. Introdução – 2. Marketplaces Globais: Panoramas e Repercussões – 2.1. Dominância dos Marketplaces Asiáticos no Mercado Brasileiro – 3. O DIREITO CONSUMERISTA EM FACE DOS MARKETPLACES INTERNACIONAIS – 3.1. Do Código de Defesa do Consumidor – 3.2. Do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e seus Órgãos – 3.3. Dos Juizados Especiais Cíveis – 4. Os Desafios Enfrentados pelos Consumidores nas Compras em Marketplaces Asiáticos – 4.1. O Direito Internacional e a Proteção ao Consumidor – 5. Considerações Finais – 6. Referências Bibliográficas – 7. Lista de Figuras 1. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o avanço da tecnologia e a crescente digitalização da economia têm promovido transformações profundas nas formas de comércio e consumo em todo o mundo. A criação de plataformas digitais de intermediação comercial, conhecidas como marketplaces, revolucionou a maneira como consumidores e vendedores se relacionam, oferecendo uma infraestrutura que conecta diferentes fornecedores a um público global. Essa nova dinâmica de consumo é marcada pela facilidade de acesso a produtos e serviços de diferentes partes do mundo, especialmente por meio de plataformas asiáticas como Shopee, Shein, Aliexpress e, mais recentemente, Temu. Contudo, essa nova realidade trouxe consigo desafios jurídicos consideráveis, principalmente no que se refere à proteção dos consumidores. O Código de Defesa do Consumidor (CDC), criado em 1990, foi um marco fundamental para as relações de consumo no Brasil, estabelecendo direitos e deveres claros para consumidores e fornecedores. No entanto, o contexto digital e transnacional das compras realizadas em marketplaces globais levanta questões sobre a aplicabilidade e a eficácia das normas atuais. Onde se vê a necessidade de normativas internacionais que integrem os Estados Soberanos, além da criação de um ente internacional focado na defesa do consumidor, já que as normas nacionais são ineficientes em constranger as empresas globais da Internet. No primeiro capítulo do trabalho será realizado um estudo acerca dos marketplaces e suas estruturas, onde poderemos entender como eles surgiram e como eles funcionam na atualidade. No mesmo capítulo, será demonstrado o crescimento dos marketplaces asiáticos no mercado brasileiro, onde poderemos verificar a sua dominância e relevância para a economia. 5 Já no segundo capítulo será abordado os mecanismos de defesa do consumidor presentes no Brasil, onde será falado sobre o Código de Defesa do Consumidor de 1990; o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e seus órgãos e sobre os Juizados Especiais Cíveis, abordando sobre as suas estruturas e características. Enquanto, no terceiro capítulo será aprofundado acerca dos problemas e desafios enfrentados pelos consumidores, onde será demonstrado os diversos problemas que os consumidores brasileiros encontram ao comprarem nos marketplaces asiáticos. E por fim, será apresentado um parâmetro do Direito Internacional acerca da proteção do consumidor, onde será visto a necessidade de parâmetros padrão internacional para a proteção do consumidor e a criação de um ente internacional focado para o consumidor. 2. MARKETPLACES GLOBAIS: PANORAMA E REPERCUSSÕES Apesar de estar em voga atualmente, marketplace não é um conceito recente no mundo dos negócios, sendo já datado a mais de 20 anos (BAKOS, 1991) tendo o seu cerne na diminuição de gastos, indicando uma maior competitividade e eficiência das atividades das empresas. Naquela época, onde a internet não conectava o mundo como hoje, sistemas integrados conectavam compradores e vendedores. Com o advento da internet, o termo marketplace é usado nos sites de leilões (BAKOS, 1998), onde linhas aéreas leiloavam assentos não vendidos de grandes aviões, e nos mercados de bens de consumo, os compradores especificavam o produto, requisitos e o valor que estavam dispostos a pagar, e depois faziam ofertas correspondentes aos vendedores. Após essa era, diversos conceitos de venda foram surgindo, e o marketplace, que significa uma infraestrutura criada por uma empresa, conhecido como intermediário, onde uma comunidade de vendedores realiza a condução de toda a infraestrutura (KAERCHER, 2022). Na atualidade, os vendedores podem ter uma loja própria ou não, pagam uma taxa para o marketplace para que os seus produtos sejam vendidos e anunciados. O pagamento é feito para o marketplace que direciona o valor para os vendedores com a comissão já deduzida. Com esse formato, ocorre uma grande redução nos custos para os compradores obterem informações do mercado acerca dos produtos e dos seus preços, além de não terem de se preocupar com marketing e a infraestrutura necessária de um e-commerce. Na mesma via, os compradores possuem uma maior segurança ao comprar nos marketplaces, tendo em vista que eles assumem a responsabilidade por toda a transação e provem uma infraestrutura de 6 avaliações, onde os compradores podem verificar os vendedores e produtos mais ranqueados na plataforma, gerando uma experiênciamais prazerosa para o consumidor. Com isso, o marketplace torna-se uma vitrine mais atrativa no e-commerce para os vendedores e os consumidores, gerando uma maior eficiência na compra e venda de produtos pela facilidade em que ocorre a combinação entre produto, consumidor e vendedor. 2.1. DOMINÂNCIA DOS MARKETPLACES ASIÁTICOS NO MERCADO BRASILEIRO Diante do cenário de globalização mundial e internacionalização das indústrias asiáticas, os marketplaces tornaram-se grandes players do varejo global. Com a sua alta capacidade produtiva em concomitância com o baixo custo das suas mercadorias, os grandes marketplaces da Ásia trouxeram forte concorrência para os marketplaces tradicionais, haja vista a sua capacidade de prover produtos com preço baixo e com uma qualidade considerável em comparação com o preço. No Brasil não seria diferente, com o advento da pandemia da COVID-19, forçando a população a consumir produtos pela via digital, de acordo com o Dashboard do Comércio Eletrônico Nacional, criado e alimentado pelo Governo Federal, as vendas online cresceram 87% em 2020, passando de um faturamento anual de R$ 57.44 milhões para R$ 107.24 bilhões, e chegando a um faturamento total de R$ 187,13 bilhões em 2022. Tendo um acumulado pós pandemia mais de 450 bilhões em valor total bruto. Fonte: Dashboard do Comércio Eletrônico Nacional (2024) Figura 1 - Dashboard do Comércio Eletrônico Nacional 7 Em consonância com esse crescimento, veio junto com a expansão e o estabelecimento dos marketplaces asiáticos em território nacional. Só em 2021 as plataformas internacionais Shein e Shopee faturam juntas, no Brasil, mais de R$ 10 bilhões de reais, de acordo com o relatório feito pelo banco XP Investimentos aos seus clientes. (“Data Expert | Carrinho XP – Como estão Shopee e Shein no Brasil?”, 2023). De acordo com estudo publicado pelo site Conversation, “Shopee, Aliexpress e Shein, já detém 15,4% do e-commerce brasileiro” (“Conversation - E-commerce no Brasil: conheça os principais dados, o market share, o crescimento e as principais estatísticas, com atualização mensal!”, 2024), só a Shopee, detêm o market share de 9,2%, referente a acessos no Brasil, a partir de dispositivos mobile, desktop e aplicativos Android, de acordo com relatório da Conversation, especialista em estratégia de posicionamento empresarial. Além disso, de acordo com relatório do banco BTG Pactual (2024), no ano de 2023, estimou que a Shein atingiu 15 bilhões de volume bruto de mercadorias, enquanto a shopee, no mesmo período, foi estimado mais ou menos 20 bilhões de volume bruto de mercadorias, ficando atrás apenas de Mercado Livre, Magalu e Grupo Casas Bahia, mostrando grande evolução em comparação com o estimado em 2021. Tais dados mostram o quão relevantes os marketplaces asiáticos são no mercado nacional, alcançando mais de 30 milhões de brasileiros, e gerando receitas que somadas ultrapassam 30 bilhões anuais. Sendo marketplaces consolidados e extremamente procurados pelo consumidor brasileiro. Dada a importância dos marketplaces asiáticos, a Magalu e a Aliexpress firmaram, no dia 24 de junho deste ano, acordo de parceria onde uma irá vender o produto da outra em suas plataformas (O Globo, 2024). Tal acordo será extremamente benéfico para ambas as empresas, tendo em vista o aumento na variedade de produtos e na diversificação de categorias, além de aumentar a frequência de compras em ambas as plataformas, onde combinadas possuem mais de 128 milhões de usuários ativos em maio de 2024, de acordo com análise realizada pelo BTG Pactual (2024). 8 Fonte: BTG Pactual (2024) Além disso, apesar da dificuldade de as empresas estrangeiras entrarem no país, a terceira maior plataforma de serviços digitais na China, a Pinduoduo, iniciou as suas no mês de abril deste ano por meio da Temu, aderindo ao programa Remessa Conforme do Governo Federal. A plataforma é destaque na venda de produtos de baixo custo e frete grátis, onde é possível encontrar produtos com preço final de R$ 1,99. De acordo com o BTG Pactual (2024) é estimado que, globalmente, a Temu fature este ano US$ 60 bilhões em vendas. Com isso, é visto que os marketplaces asiáticos possuem boas perspectivas para o mercado brasileiro. Além de conseguirem exprimir as suas estratégias de marketing e vendas, consolidando-se num mercado de mais de 100 milhões de usuários, tirando grande participação do e-commerce local, mesmo com a alta tributação e as dificuldades burocráticas encontradas no país. 3. O DIREITO CONSUMERISTA EM FACE DOS MARKETPLACES INTERNACIONAIS Dentro do mundo fático, as relações jurídicas ocorrem diariamente, de diversos formatos e estruturas, evoluindo ao longo dos séculos e influenciando a sociedade. Com as relações de consumo não seriam diferentes, onde a relação jurídica de consumo passou por transformações ao longo do século e influenciando toda a sociedade mundial. Antes da Revolução Industrial, que ocorreu na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX, as relações de consumo eram completamente distintas em comparação com os dias atuais. Enquanto na pré-revolução industrial, a relação de consumo possuía a característica da Figura 2 - Total de visitas mensais 9 bilateralidade da produção, onde as partes contratantes discutiam as cláusulas e a matéria-prima utilizada na confecção de produtos. Com o advento da Revolução Industrial, acabou por ser substituída pela unilateralidade da produção, na qual uma das partes, no caso o fornecedor, seria o responsável exclusivo por ditar os caminhos da relação de consumo, sem a participação efetiva do consumidor. De acordo com Almeida (2023), tais mudanças na relação de consumo deram-se pela migração da população rural para os centros urbanos, aumentando o interesse pelo consumo de produtos e serviços, gerando uma preocupação dos produtores com o aspecto quantitativo em detrimento do qualitativo. Diante de tal cenário, a relação consumerista ficou desbalanceada, enfraquecendo o consumidor na relação de consumo, onde, este, apenas poderia aderir a um contrato, sem dispor acerca dos seus dispositivos, instituto jurídico conhecido como contrato de adesão, ou adquirir um produto sem que o consumidor tenha conhecimento do material e da sua qualidade. Essa nova doutrina trouxe diversos problemas para o consumidor, que se via enfraquecida e sem mecanismos de proteção. É notável que vícios e defeitos se tornaram corriqueiros nas relações de consumo, necessitando cada vez mais da tutela jurisdicional. Contudo, por muitos anos o Direito não esteve apto a proteger a relação mais fraca, de acordo com Fabrício Bolzan de Almeida "o Código Civil de 1916, que foi elaborado para disciplinar relações individualizadas, e não para tutelar aquelas oriundas da demanda coletiva, como ocorre nas relações consumeristas." (Almeida, 2023, p.61). Apenas com o advento da Constituição Federal de 1988 é que ocorreu uma introdução sistemática do Direito do Consumidor no ordenamento jurídico brasileiro, tendo como princípio a defesa do vulnerável das relações de consumo, consolidado como direito fundamental, conforme o art. 5°, XXXII: “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Com a instituição de direito fundamental do consumidor, por meio da Constituição, o direito do consumidor começou a evoluir consideravelmente, já que, após a promulgação da Constituição, o Código de Defesa do Consumidor e todo um sistema nacional de defesa do consumidor, com órgãos normativos e fiscalizadores, foi criado ensejando em grande evolução e garantia na tutela consumerista. 3.1. DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 10 O Código de Defesa do Consumidor (CDC), instituído pela Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990, representa um marco fundamental nas relações de consumo no Brasil, assegurando direitos e estabelecendo deveres paraconsumidores e fornecedores. Sua criação foi uma resposta às crescentes demandas da sociedade brasileira, que necessitava de um conjunto normativo robusto para regular as relações de consumo em um ambiente econômico em transformação. Conforme Salomão Filho (2012), "o CDC constitui um instrumento de harmonização das relações de consumo, pautado na vulnerabilidade do consumidor frente ao poder econômico do fornecedor, reconhecendo, assim, a necessidade de intervenção estatal para equilibrar as partes". O Código de Defesa do Consumidor possui uma estrutura normativa robusta, tendo como base leis principiológicas, normas de ordem pública e interesse social e microssistema multidisciplinar. No tocante as leis principiológicas, o CDC instituiu princípios que tem o objetivo de conferir direitos aos consumidores e impor deveres aos fornecedores, além de trazer um reequilíbrio na relação consumerista, concretizando uma igualdade material. As normas de ordem pública e interesse social, três atributos são inerentes a tais normas, como a impossibilidade das partes de derrogar os direitos do consumidor, a possibilidade do juiz de ofício reconhecer direitos do consumidor e as decisões recorrentes das relações de consumam não se limitam apenas as partes envolvidas no processo, confirmando e estabelecendo o direito do consumidor como direito fundamental e de interesse de toda a sociedade. E o microssistema multidisciplinar, alberga em seu conteúdo normativo, diversas disciplinas jurídicas, como normas de Direito Constitucional, Civil, Processo Civil, Administrativo, Penal e outros, mostrando uma transformação ocorrida no âmbito do Direito Privado, lembrado por FILHO (2022) acerca da doutrina do Prof. Natalino Irti. Com a sua questão multidisciplinar, o Código de Defesa do Consumidor abrange diversos temas, desde disposições gerais até questões específicas sobre práticas comerciais e contratuais. Entre os temas centrais da legislação, destacam-se: a) Direitos Básicos do Consumidor: Os direitos básicos do consumidor, elencados no artigo 6º do CDC, são a espinha dorsal do Código. Entre esses direitos, destacam-se a proteção da vida, saúde e segurança; a educação e informação claras sobre produtos e 11 serviços; a proteção contra publicidade enganosa e abusiva; e a reparação de danos. Esses direitos são fundamentais para garantir que o consumidor não seja prejudicado por práticas abusivas ou fraudulentas. b) Práticas Comerciais: As práticas comerciais também são amplamente reguladas no CDC. O Código trata de questões como a publicidade, que deve ser clara e verdadeira, evitando induzir o consumidor a erro (art. 37), além de regular o direito de arrependimento, estabelecido no artigo 49, que garante ao consumidor o direito de desistir de um contrato no prazo de sete dias, especialmente em compras feitas fora do estabelecimento comercial, como pela internet. c) Proteção Contratual: Outro ponto fundamental do CDC é a proteção contratual. O Código estabelece a nulidade de cláusulas abusivas, conforme o artigo 51, e reforça o dever de transparência nos contratos de consumo No contexto dos marketplaces, o CDC ganhou grande interesse dos estudos dos juristas acerca da sua aplicabilidade, haja vista que a época de sua publicação, não só os marketplaces, mas o comércio digital como um todo, não existia. O direito brasileiro encontrou dificuldades de aplicar as normas de defesa do consumidor, como preceitua Silva (2011) dizendo que da mesma forma que a internet trouxe facilidades, deixou mais ágil a atividade empresarial e a de consumo, também trouxe dificuldades práticas e jurídicas quanto à execução da legislação vigente: Uma parte da doutrina entende que o Código de Proteção e de Defesa do Consumidor – CDC (Lei 8.078/90) é totalmente aplicável a estas relações, enquanto outra parte admite a total aplicabilidade do código, porém com carência de algumas modificações e atualizações, e outros poucos acreditam que seria necessário a existência de uma lei específica para regular as relações de consumo na internet. Ainda, Silva (2011) diz que “apesar do CDC não apesar do CDC não dispor de normas específicas sobre comércio eletrônico, este se aplica integralmente às relações jurídicas de consumo estabelecidas no ambiente digital” Entretanto, as disposições normativas não conseguem acompanhar as evoluções ocorridas dentro de uma sociedade, gerando lacunas normativas dentro do ordenamento jurídico. Para preencher esse espaço normativo criado pelo crescimento dos e-commerces e dos marketplaces, foi publicado em 2013 o Decreto n° 7.962, conhecido como a Lei do e-commerce, 12 vindo para complementar o CDC acerca das questões inerentes ao comércio digital. O artigo 1° traz os principais pontos do decreto, dizendo: Art. 1º Este Decreto regulamenta a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, para dispor sobre a contratação no comércio eletrônico, abrangendo os seguintes aspectos: I - informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; II - atendimento facilitado ao consumidor; e III - respeito ao direito de arrependimento. (BRASIL, 2013) O decreto atualizou o CDC e trouxe grandes avanços para tutela do direito do consumidor, impondo parâmetros às questões específicas no comércio digital, complementando a lacuna existente na legislação. O Código de Defesa do Consumidor é um pilar essencial na construção de relações de consumo equilibradas e justas no Brasil. Ao longo de mais de três décadas, o CDC consolidou- se como uma ferramenta poderosa na defesa dos direitos dos consumidores, ao passo que sua aplicação contínua é fundamental para a manutenção da justiça social e econômica no país. Entretanto, novos desafios surgem com a evolução das práticas comerciais e tecnológicas, o que exige uma constante revisão e adaptação da legislação para que continue cumprindo sua função de proteção aos consumidores. 3.2. DO SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR E SEUS ÓRGÃOS Além do Código de Defesa do Consumidor, em 1997 no governo de Fernando Henrique Cardoso, foi publicado o Decreto 2.181 institucionalizando o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor. Com esse decreto, tornou-se factível a atuação do Estado na defesa do consumidor, saindo do campo normativo ao criar mecanismos que materializassem a ação estatal na proteção do consumidor vulnerável. O decreto estipulou as competências dos órgãos integrantes do SINDEC, tipificou as infrações, as penalidades impostas e outros mecanismos próprios da administração pública essenciais para a fiscalização e garantia do direito do consumidor. Dentro desse ecossistema de defesa, o Procon é um órgão extremamente imprescindível na fiscalização das relações de consumo, sendo distribuído em todas as unidades federativas do Brasil, com cada uma possuindo o seu próprio. O Procon (Programa de Proteção e Defesa do 13 Consumidor) exerce uma função preponderante na defesa dos direitos do consumidor em nosso país, cuja relevância relaciona-se a diversas funções: a) Garantir a execução do Código de Defesa do Consumidor (CDC): O Procon atua diretamente na fiscalização das normas do CDC, garantindo que as empresas respeitem os direitos do consumidor; b) Orientação e educação do consumidor: Este órgão promove campanhas educativas, palestras e eventos visando conscientizar o consumidor em seus direitos e deveres, prevenindo a ocorrência de fraudes, abusos e práticas comerciais desleais. c) Mediação de conflito: O Procon possibilita ao cidadão a formalização de queixas contra as empresas, buscando solucioná-las através da mediação e de forma rápida e eficiente. Muitas vezes, as mediações realizadas suprem a necessidade de um processo judicial, permitindo soluções mais rápidas; d) Fiscalização e autuação das empresas: Quando uma empresa não cumpre as normas de defesa doconsumidor, cabe ao Procon aplicar multas, interditar estabelecimentos e outras sanções, promovendo o respeito às normas e melhoria da relação de consumo; e) Proteção contra práticas abusivas: O Procon atua em casos de atos como propaganda enganosa, venda casada, cobrança indevida, além de várias outras infrações ao direito do consumidor. Em tais casos, intervém para proteger o cidadão das atitudes prejudiciais e abusivas; f) Defesa coletiva: Além de atender reclamações individuais o Procon pode defender grupos de consumidores que sofreram as mesmas lesões, realizando assim ações coletivas, trazendo justiça efetiva. Diante disso, o Procon exerce um papel fundamental na defesa dos direitos dos consumidores brasileiros, consolidando sua relevância dentro do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, especialmente após a publicação do Decreto 2.181/1997. Esse decreto fortaleceu a capacidade do Estado de atuar de maneira mais concreta na proteção dos consumidores vulneráveis, fornecendo ao Procon mecanismos para fiscalizar, mediar e penalizar infrações no mercado. O órgão garante a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC), assegurando que empresas respeitem os direitos dos consumidores e promovendo uma relação de consumo mais equilibrada e justa. Além de sua função fiscalizadora, o Procon desempenha um papel crucial na mediação de conflitos, oferecendo ao consumidor uma via ágil e menos burocrática para resolver disputas, 14 muitas vezes sem a necessidade de recorrer ao Judiciário. Esse papel mediador é especialmente importante em uma sociedade onde o consumo cresce de maneira exponencial, permitindo soluções rápidas para problemas como atrasos, produtos defeituosos e práticas comerciais desleais. Em muitos casos, a mediação do Procon resolve os conflitos de forma mais eficiente do que processos judiciais, aliviando a sobrecarga do sistema de justiça e beneficiando tanto consumidores quanto fornecedores. A atuação educativa do Procon é outro ponto de destaque, capacitando os consumidores a conhecerem seus direitos e a exercê-los de maneira mais assertiva. Por meio de campanhas educativas e ações de conscientização, o órgão previne fraudes e práticas abusivas, promovendo o equilíbrio nas relações de consumo. O Procon também atua em defesa coletiva, permitindo que grupos de consumidores lesados por uma mesma prática tenham acesso à justiça de forma mais ampla, o que fortalece a proteção de direitos em grande escala. No atual cenário de globalização e crescimento do comércio eletrônico, o Procon é ainda mais imprescindível, adaptando-se às novas formas de consumo e garantindo que o mercado seja mais transparente e justo. Sua presença em todas as unidades federativas assegura que consumidores de todo o país tenham acesso a esse instrumento de proteção. Assim, o Procon não apenas corrige falhas nas relações de consumo, mas contribui de forma decisiva para a construção de um mercado mais responsável, promovendo a justiça e o respeito aos direitos do consumidor em uma sociedade em constante transformação. 3.3. DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS Os Juizados Especiais Cíveis (JECs) desempenham um papel fundamental no sistema judiciário brasileiro, tendo sido criados com o objetivo de promover o acesso facilitado à Justiça e garantir a celeridade no julgamento de demandas de menor complexidade. A primeira iniciativa nesse sentido foi a criação dos Juizados de Pequenas Causas, instituídos pela Lei nº 7.244 de 1984, que estabelecia um procedimento simples para a resolução de litígios de baixo valor, com o propósito de democratizar o acesso à Justiça. No entanto, essa legislação apresentava certas limitações, especialmente quanto ao valor das causas e à abrangência das matérias, o que levou à necessidade de um aprimoramento normativo. Nesse sentido, Ferraz (2010) diz que: Os Juizados Especiais foram concebidos para ‘facilitar o acesso à Justiça’, a partir da constatação de que causas de pequena expressão econômica não estava sendo levadas 15 à apreciação do Poder Judiciário – quer pela descrença generalizada nesse órgão; quer pela desproporção entre o valor reclamado e os custos processuais; quer pela desinformação e/ou alienação da população brasileira [...]. Pretendia-se, assim, criar um sistema apto a solucionar conflitos cotidianos de forma pronta, eficaz e sem muitos gastos. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o acesso à Justiça foi elevado a um direito fundamental, e o artigo 98, inciso I, previu a criação dos Juizados Especiais para tratar de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo: Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. [...] § 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. Tal previsão constitucional foi regulamentada pela Lei nº 9.099 de 1995, que trouxe uma nova roupagem aos antigos Juizados de Pequenas Causas, instituindo os Juizados Especiais Cíveis e Criminais em todo o território nacional. Os Juizados Especiais Cíveis são regidos por princípios fundamentais, como a oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, conforme expressamente previsto no artigo 2º da Lei nº 9.099/95. Isso significa que o trâmite processual nesses juizados é simplificado, permitindo que o cidadão comum, muitas vezes sem a necessidade de representação por advogado, possa reivindicar seus direitos. Esses princípios, que orientam o funcionamento dos JECs, visam a garantir uma solução rápida para os conflitos, sem sacrificar a qualidade das decisões. Nessa linha, a Lei dos Juizados Especiais “aproximou o direito material do direito processual suprindo o demasiado formalismo existente, o que possibilitou um maior acesso a prestação jurisdicional” (NARDI, 2006) A lei também estabelece que, em causas de até 20 salários-mínimos, não é obrigatória a presença de um advogado, o que torna o processo ainda mais acessível. Com o passar dos anos, os JECs passaram por diversas adaptações para se adequar às novas demandas da sociedade. A criação dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, por meio 16 da Lei nº 12.153 de 2009, foi uma resposta às necessidades de ampliação da competência dos juizados para incluir ações que envolvem entes públicos. Essa expansão permitiu que os cidadãos pudessem ajuizar ações contra o Estado em um procedimento mais simples e célere, tratando de questões como cobrança de dívidas e pedidos de indenização por danos causados pela administração pública. Apesar de não terem sido criados com o intuito de proteger o direito do consumidor, os JECs são meios essenciais de busca da tutela jurisdicional pelo consumidor, haja vista serem utilizados em ações com valor da causa de até 40 salários-mínimos (art. 3°, I, Lei 9.099/95), sendo comumente utilizado pelos consumidores, tendo em vista que as ações consumeristas, em grande parte, não ultrapassam esse valor. Facilitando, assim, que o consumidor tenha uma alternativa caso o PROCON falhe na proteção e na defesa do consumidor. Conseguindo para si, a tutela jurisdicional do Estado garantindo a proteção de seus direitos, frente ao fornecedor. 4. OS DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS CONSUMIDORES NAS COMPRAS EM MARKETPLACES ASIÁTICOS Diante de uma relação consumerista, a vulnerabilidade é algo intrínseco na sociedade atual. Com o passar dos anos, o consumidor fica cada vez mais limitado nas relações de consumo,estando completamente limitado pelas disposições impostas pelos fornecedores, onde muitas vezes a única escolha que ele possui é se realiza a compra ou não. A vulnerabilidade do consumidor, um dos princípios basilares do Código, impõe a criação de mecanismos para assegurar a justiça nas relações de consumo, dado o desequilíbrio intrínseco entre os consumidores e as grandes corporações. De acordo com Nunes (2007, p.577) a vulnerabilidade está ligada a escolha que consumidor possui: “o consumidor só pode optar por aquilo que existe e foi oferecido no mercado. E essa oferta foi decidida unilateralmente pelo fornecedor”. Ou seja, quem realmente tem a escolha dentro de uma relação consumerista é o fornecedor do produto ou serviço, deixando o consumidor em grande vulnerabilidade. Além disso, Benjamin, Marques e Bessa (2016, p.108) citam que: “Vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo. Vulnerabilidade é uma característica, um estado do sujeito mais fraco, um sinal de necessidade de proteção.” Nos casos dos marketplaces asiáticos, onde o consumo é concretizado de forma eletrônica, por meio da internet, a questão da vulnerabilidade acaba por ser potencializada, 17 necessitando ainda mais da tutela do Estado e dos órgãos internacionais. Nesse intuito, Marques (2016) cita que: “[..] o consumidor não deve ser prejudicado, seja sob plano de segurança, da qualidade, da garantia ou do acesso à justiça somente porque adquire produto ou utiliza serviço proveniente de um outro país ou fornecido por empresa com sede no exterior”. Em face deste cenário de vulnerabilidade, diversos problemas são enfrentados pelos consumidores diariamente nas relações de consumo com os marketplace, em especial os oriundos da Ásia. Nos marketplaces asiáticos mais notáveis, como Aliexpress, Shopee, Shein e Temu, os problemas mais comuns estão relacionados com a devolução e estorno do dinheiro, sobre a qualidade dos produtos e entregas não realizadas, conforme o site Reclame Aqui (2024), especialista em soluções consumerista. De forma mais a profundada, na plataforma Reclame Aqui (2024) o marketplace Temu, tem em torno de 46,85% dos problemas relacionados com propaganda enganosa; na plataforma Aliexpress, 26,39% das reclamações são sobre produtos que não foram recebidos; na Shopee, 20,62% das reclamações são relacionadas ao estorno do valor pago; e na Shein, 32,14% dos problemas são por conta de produtos não recebidos. Além disso, é possível visualizarmos no site uma nota de confiabilidade que os marketplaces recebem com base nas reclamações recebidas, na quantidade de respostas dadas aos consumidores, nas soluções realizadas aos problemas e na satisfação dos clientes com a solução dos conflitos. Os marketplaces asiáticos não possuem uma boa reputação com os consumidores, possuindo notas abaixo do recomendável e baixo indicie de satisfação do consumidor. A plataforma Temu é a que possui a nota mais baixa dentre os maiores marketplaces asiáticos, possuindo em torno de 4.1 e com uma reputação de “não recomendada” na plataforma Reclame Aqui (2024), em contrapartida a Shopee é a plataforma com a melhor reputação, com uma nota de 8.3 e uma reputação “ótimo”. Além das fontes extra estatais, nos órgãos de defesa do consumidor é possível encontrarmos um padrão nos problemas enfrentados pelos consumidores. De acordo com o Procon-SP (2024), a Shopee é o marketplace asiáticos com mais reclamações registradas no órgão, ficando em 7° lugar no ranking geral de 2023. Dentre os problemas apresentados pelos consumidores contra a empresa, temos: 18 “(...) Como principal problema a dificuldade na restituição dos valores quando há o cancelamento da compra, vicio nos produtos ou a não entrega do pedido. Mais uma vez, a não observância do Princípio da prevenção no que tange ao Direito de Informação e a responsabilidade pelo vício e pelo fato do produto, principalmente para os produtos de procedência estrangeira, fez aumentar a quantidade de demandas em relação ao cadastro do ano anterior.” (PROCON-SP, 2023) Diante disso, é notável que diversos problemas são enfrentados pelos consumidores diariamente e de diferentes tipos nos marketplaces. Demonstrando a necessidade da tutela contínua dos direitos do consumidor, haja vista o quão vulnerável o consumidor é dentro de uma relação consumerista, e o quão enfraquecido e impotente ele é a frente dos problemas oriundos do comércio. 4.1. O DIREITO INTERNACIONAL E A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR A proteção aos direitos do consumidor é uma preocupação internacional. Diversos países no mundo reconhecem a vulnerabilidade do consumidor e trabalham para amenizar a desvantagem dentro da relação e proteger os direitos do consumidor. Entretanto, estamos diante de um cenário de defasagem legislativa para questões referente a proteção do consumidor. Importante tecer a diferenciação entre comércio internacional e consumo internacional, apesar de parecidas, possuem distinções significativas e discrepância legislativa entre ambas. O comércio internacional é antigo e datado desde a época das grandes navegações portuguesas que traziam especiaria da Índia para a grande Europa, com o passar dos anos foi se evoluindo chegando a um patamar de grande profissionalismo e importância mundial, movimentando a economia de todo o mundo. As relações do comércio internacional ocorrem geralmente entre pessoas jurídicas ou profissionais, sendo pautadas no profissionalismo de ambas as partes, além de estarem pautadas na continuidade, tais valores esses que constituem as regras do comércio internacional. No que tange ao consumo internacional, não ocorre essa pauta no profissionalismo de ambos os lados, o que vemos é um desequilíbrio intrínseco informativo e de especialização, tendo em vista o status de leigo e vulnerável do consumidor, diferente do comércio internacional onde ambas as partes são profissionais. Além disso, não ocorre uma continuidade como comércio internacional, tendo em vista que o consumidor realiza compras conforme a sua necessidade e conveniência, nesta linha MARQUES (2001) cita que, “os contratos de consumo internacionais, ao contrário, são geralmente de troca, não possuem longa duração, nem se 19 beneficiam do sistema financeiro internacional ou transferem tecnologia no sentido estrito da palavra”. Além do mais, é mister salientar a diferença de valor entre um contrato de consumo internacional e um de comércio internacional. Quando se trata de um contrato de comércio internacional, estamos falando de contratos complexos com diversos ônus e bônus para as partes, possuindo altos valores para ambos os lados. Contudo, os contratos de consumo internacional têm pequeno valor tanto em seu montante, como para a economia de um país ou de um fornecedor. Tal condição dificulta o acesso à justiça pelo consumidor, tendo em vista os valores para despendidos para uma ação futura, como também o transtorno sofrido para reclamar um valor de veras pequeno. Diante dessa diferença, as relações consumeristas foram negligenciadas pela falta de normas internacionais que integrem as nações e tragam segurança jurídica, haja vista não terem tanto impacto na economia mundial. Contudo, a globalização clareou essa defasagem normativa, muito também com o avanço dos marketplaces asiáticos, os quais estão cada vez mais dominando e-commerce mundial, e como mostrado no capítulo anterior, é mister que as normas estejam atualizadas para que resolva as deficiências das relações de consumo. Nesse cenário internacional, é mister que seja determinado conceitos e normativas internacionais padrão para o consumo internacional, estabelecendo um caminho e uma linha de raciocínio única, para que seja possível termos uma previsibilidadejurídica nas relações de consumo. Dentre as possibilidades possíveis para uma harmonização normativa internacional em defesa do consumidor o primeiro ponto de partida é a criação de guidelines gerais de proteção do consumidor, dando um norte para os Estados Soberanos poderem determinarem as suas políticas internas sobre o consumo. Com isso, facilita a cooperação internacional, independentemente das diferenças culturais e linguísticas, já que os valores consumeristas seriam os mesmos dos guidelines propostos. Nesse sentido, a padronização das normas de conexão acaba por dar base as questões internacionais do consumidor. É necessário que determinamos qual jurisdição deve agir caso estamos diante de uma relação consumerista. No cenário mundial, é difícil determinarmos qual jurisdição é aplicável para os contratos consumeristas, já que com o e-commerce fica complicado determinar onde se deu o local do contrato, já que estamos diante de um mundo sem fronteiras. Segundo SANTANA E VIAL (2016) “a territorialidade da norma e a certeza jurídica ficam prejudicadas com as características da Internet, que é propriamente a de interligar 20 pessoas de diversas culturas e mundos”. Com isso, já existe estudos e discussões que procuram determinar o domicílio do consumidor como requisito de competência para a jurisdição aplicável, nesse sentido FEDERIGHI (2017) diz que “não se deve desprezar, entretanto, que tanto nos fóruns privados como nas discussões promovidas pelas organizações internacionais, a tendência é uniformizar uma tutela em que se utilize do critério do domicílio do consumidor.” Além disso, é mister termos uma cooperação jurídica internacional mais elástica para a efetivação dos direitos do consumidor, quando o poder jurisdicional do Estado Soberano encontrar o seu limite. Apesar de ser prevista no Código de Processo Civil de 2015, a cooperação jurídica internacional é muito burocrática e morosa para as questões consumeristas. Nessa linha, GAIO JÚNIOR (2015) preceitua que: “Em que pese uma variedade de tratados na seara na cooperação jurídica internacional, a matéria não é de simples trato, dado que envolve uma dinâmica em determinados momentos e circunstâncias muito mais política do que jurídica.”, demonstrando a complexidade da cooperação jurídica e o quanto ela pode ser ineficaz e morosa, dado da dependência política e diplomática que ela possui. Adicionalmente, segundo projeção do Tribunal de Justiça do Paraná, uma citação por carta rogatória pode demorar de 9 a 15 meses, tempo muito longo se pensado para questões consumeristas. Em vista disso, os gastos com um litígio nos moldes atuais seriam extremamente custosos, podendo facilmente superar o valor da causa, já que as questões consumeristas são simples e de baixo valor. Por isso, a criação de um ente internacional que funcione como um intermediador entre fornecedor e consumidor supriria essa necessidade. Seguindo os moldes dos Juizados Especiais do Brasil, que são pautados na informalidade e na simplicidade, supriria os limites da jurisdição dos Entes Soberanos, trazendo uma solução rápida e acessível para os consumidores resolverem os seus conflitos. Esse ente poderia editar normativas internacionais consumeristas, conforme a sua atuação diária, visando suprir as lacunas normativas que ocorrem com a evolução da sociedade. A criação de um ente ou órgão julgador internacional acerca de relações oriundas da Internet não é uma novidade, na obra de Almeida (2012) ele defende a criação de um Tribunal Internacional da Internet tendo como objetivo principal “julgar os litígios internacionais relacionados à Internet e ao Comércio Eletrônico Internacional”. Possuindo critérios de admissibilidade e segundo Almeida (2012) “a jurisdição do Tribunal Internacional para a 21 Internet seria complementar e partilhada aos procedimentos arbitrais e extrajudiciais devidamente escolhidos pelas partes”. Apesar de ser um tribunal focado na Internet como um todo, tal ente supriria a ineficiência dos Estados soberanos, garantido a tutela jurisdicional dos consumidores já que as partes poderiam dirigir-se diretamente a esse tribunal, garantindo segurança jurídica internacional. Nesse sentido, Almeida (2012), argumenta que: “trata-se de procurar dar abrigo àquelas pessoas, empresas, e até países, que tiveram seus Direitos Violados internacionalmente, e que não encontram o devido respaldo de órgãos judicantes nacionais.”. Com isso, fica mais evidente a necessidade de fortalecimento das normas internacionais e de padronização legislativa internacional, visando aumentar a segurança jurídica para os consumidores. Além de criar soluções que auxiliem os consumidores a buscarem os seus direitos, principalmente nas relações com marketplaces asiáticos, podendo suprir a limitação do poder jurisdicional de um ente soberano. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente estudo buscou analisar o impacto dos marketplaces globais, com ênfase nas plataformas asiáticas, nas relações de consumo no Brasil, à luz do Código de Defesa do Consumidor. O tema foi explorado com o objetivo de entender como plataformas como Shopee, Shein, Aliexpress e Temu têm se consolidado no mercado brasileiro e como as leis vigentes se aplicam a essas novas dinâmicas de consumo digital. Os resultados mostraram que, embora essas plataformas ofereçam benefícios, como preços competitivos e uma ampla gama de produtos, elas também expõem vulnerabilidades significativas, especialmente relacionadas à devolução de produtos, estornos de pagamentos e problemas de entrega. Tais desafios ressaltam as limitações da legislação nacional, que não está plenamente adaptada ao comércio eletrônico internacional. A hipótese inicial de que o atual ordenamento jurídico brasileiro, especialmente o Código de Defesa do Consumidor, apresenta lacunas ao lidar com o comércio digital transnacional foi confirmada. A pesquisa demonstrou que, apesar dos avanços legislativos, como o Decreto nº 7.962 de 2013, ainda há a necessidade de uma revisão mais profunda das normas para garantir uma proteção mais eficaz ao consumidor. Diante disso, recomenda-se a harmonização de normas internacionais, por meio da criação de diretrizes globais que possam servir de base para a regulamentação do e-commerce 22 em diferentes jurisdições. Além disso, a cooperação internacional deve ser fortalecida para facilitar a resolução de conflitos que envolvam consumidores e fornecedores estrangeiros. As limitações deste estudo envolvem a constante evolução das plataformas digitais e a falta de uniformidade nas respostas das jurisdições em casos internacionais. 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Daniel Freire - Um Tribunal Internacional para a Internet. Coimbra, abr. 2012 Disponível em: http://hdl.handle.net/10316/19899. Acesso em: 19 de outubro de 2024. ALMEIDA, F. B. D. Direito do Consumidor Esquematizado®. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2023. BAKOS, B. J. Y. A strategic analysis of electronic marketplaces. MIS Quarterly, Minnesota, p.295-311, sep. 1991. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/249641. Acesso em: 31 de julho de 2024 BAKOS, Y. The Emerging role of electronic marketplaces on the internet. Communications of the ACM, [s. l.], v. 41, n. 8, p. 35-42, aug. 1998. Disponível em: https://dl.acm.org/doi/10.1145/280324.280330. Acesso em: 31 de julho de 2024. BENJAMIN, A. H. V.; MARQUES, C. L.; BESSA, L. R. Manual de direito do consumidor. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016 BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1988. BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. 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