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Pós-Graduação 2024 Direito Público Sabe qual o grande objetivo deste PDF? Entendemos o quanto seu tempo direcionado aos estudos é apertado e que fatores de organização são de suma importância para seu sucesso. Em nossos pilares pedagógicos primamos por oferecer a você conteúdo de forma objetiva, simples e transformadora, com a qualidade CERS que já é referência no mercado do Direito. Que tal uma olhadinha para ver o que nossa equipe pedagógica preparou com tanto carinho? 1 O que apresentaremos neste material 2 Plano de Aula Bibliografia Exercícios de Fixação Só isso? Não!!!! Aproveite para conhecer um pouco sobre o Docente responsável pela disciplina e anexamos aqui uma leitura complementar relevante sobre o tema abordado. 3 Plano de aula Módulo O Poder Executivo na CF/88; Introdução: Formas e Sistemas de Governo; Visão geral do Poder Executivo no Brasil; O Poder Judiciário Brasileiro; Noções Gerais Funções do Judiciário; A Emenda Constitucional n° 45 de 2004; Organização da Justiça Brasileira; Estrutura e órgãos do Poder Judiciário. 4 Módulo 1 Tema da Aula O Poder Executivo e o Poder Judiciário na CF/88 Ementa Objetivos Expor as principais características do Poder Executivo e do Poder Judiciário; Aprofundar o tema, sobretudo sobre a EC 45 e expor as novidades legislativas. Bibliografia Referência Bibliográfica BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. Ed. Malheiros. BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal Anotada. Ed. Saraiva. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. Salvador: Jus Podivm. MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva. MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito Constitucional. Ed. Altas. NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Jus Podivm. RIBEIRO, Diógenes V. Hassan. A Revisão do Princípio da Separação Dos Poderes – Por Uma Teoria da Comunicação. Ed. Lumen Juris. 5 Docente responsável Professora convidada Advogada; Mestranda em Direito da Regulação - FGV Rio; Especialista em Direito Público; Professora. 6 Ana Luiza Moerbeck Mini currículo Exercício de fixação O Poder Executivo e o Poder Judiciário na CF/88 Para que fazer estes Exercícios? A literatura que trata da ciência da aprendizagem elenca o uso de testes como um dos principais métodos de consolidação do conhecimento. Isso porque os testes forçam o aluno a recuperar a informação, o que fortalece as conexões neurais. Pela realização dos Exercícios de Fixação, é possível analisar qual parte do conteúdo não foi inteiramente aprendido, de sorte que o aluno pode revisitar na aula o tópico ou aprofundar nas bibliografias recomendadas. 7 A realização dos Exercícios de Fixação é uma importante estratégia de aprendizado, visto que garante uma visão sistêmica e holística do conteúdo. A partir desse método analítico e ativo de aprendizagem, libera-se o neurotransmissor acetilcolina e, consequentemente, a atenção e o foco são mantidos. A partir de uma visão prática do conteúdo, “hard skills” e “soft skills” são desenvolvidas. Paralelamente, potencializam-se o pensamento crítico e a resolução de problemas, habilidades essenciais para o operador do Direito. 8 Esquecer faz parte do processo de aprendizagem. O cérebro humano recebe milhares de informações todos os dias e milhares de informações são esquecidas. É a parte natural do processo. Desse modo, para que o conhecimento fixe em nosso cérebro, além da utilização de Exercícios que estimulam a recuperação ativa de informações, também se faz necessária a REVISÃO dos assuntos anteriormente abordados. Para maior aprofundamento teórico sobre os conteúdos da Aula, você pode utilizar as referências de leituras previstas no Plano de Aula. Aconselhamos também o acesso a todos os materiais complementares à aula, você ganhará eficiência nos estudos. 9 Um dos grandes diferenciais da Especialização lato Sensu da Faculdade CERS é ser intuitiva, dinâmica, inovadora, descomplicada e atual. Então, você está no lugar certo! Bons estudos! 10 11 1ª Questão O sistema de governo identifica como se opera a relação entre governantes e governados, se é temporária, permanente, se os governantes são eleitos ou se ocupam seus cargos em razão da hereditariedade. a. Certa b. Errada 2ª Questão O mandato do Presidente da República é de 4 (quatro) anos e terá início em 5 de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição. a. Certa b. Errada 3ª Questão O Brasil não se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional. a. Certa b. Errada 12 4ª Questão Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias. a. Certa b. Errada 5ª Questão São inconstitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça. a. Certa b. Errada 13 2ª Questão Gabarito Comentado Certa. Art. 82. O mandato do Presidente da República é de 4 (quatro) anos e terá início em 5 de janeiro do ano seguinte ao de sua eleição. (EC nº 111/2021) 1ª Questão Gabarito Comentado Errada. A forma de governo identifica como se opera a relação entre governantes e governados, se é temporária, permanente, se os governantes são eleitos ou se ocupam seus cargos em razão da hereditariedade. 3ª Questão Gabarito Comentado Errada. A submissão do Brasil à jurisdição do TPI – art. 5°, §4° - “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. 14 4ª Questão Gabarito Comentado Certa. A possibilidade de criação de varas especializadas para a solução das questões agrárias - art. 126 “Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação de varas especializadas, com competência exclusiva para questões agrárias”. 5ª Questão Gabarito Comentado Errada. São constitucionais as normas que, introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o Conselho Nacional de Justiça, como órgão administrativo do Poder Judiciário nacional. [...] Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza exclusivamente administrativa. Atribuições de controle da atividade administrativa, financeira e disciplinar da magistratura. Competência relativa apenas aos órgãos e juízes situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho, cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle jurisdicional.” (ADI 3367, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03- 2006 PP-00004 EMENT VOL-02225-01 PP-00182 REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-00029) Leitura complementar RESPONSABILIDADES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA Os Crimes de Responsabilidade De acordo com o rol exemplificativo do art. 85, de eventuais infrações político- administrativas que podem ser cometidas pelo Presidente da República, levando-o ao impeachment pelo Senado Federal, temos as que atentam contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: I – a existência da União; II – o livre-exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. A Lei no 1.079/50 ainda acrescenta alguns tipos de infrações político-administrativas. O julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, mais conhecido como impeachment, configura sanção de índole político-administrativa, destinada a operar, de modo legítimo, a destituição constitucional do Presidente da República,típicas do mercado financeiro, mas 266 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 também ao surgimento da Governança Corporativa. De ato, no Brasil, Compliance, por muito tempo, oi compreendido, de um lado, como parte da implementação das “boas práticas” da “Corporate Governance”. Neste caso, Compliance era entendido como um “mandamento ético” que deveriamelhorar o relacionamento da empresa com os stakeholders e com o mercado12. A palavra Compliance significa em tradução literal “estar em con- ormidade”. Esta simples tradução, porém, esconde uma das maiores dificuldades da conceituação do termo: trata-se de umconceito relacional (ROTSCH, 2015), cujo significado só acaba por ser descoberto, portan- to, através de uma análise do objeto com o qual se relaciona, dado que, por óbvio, quem está “em conormidade”, está “em conormidade” com “algo”. Compliance estabelece uma relação, portanto, entre um “estado de conormidade” e uma determinada “orientação de comportamento”. Se esta “orientação de comportamento” é uma norma jurídica, está-se diante de Compliance jurídico, cuja designação varia conorme a área do direito, na qual a norma a ser seguida se insere. Essa reflexão, à pri- meira vista simples, procura explicitar alguns dos problemas de sua delimitação conceitual: é necessário definir o significado de (1) “estado de conormidade” e qual é a natureza normativa da (2) “orientação de comportamento”, para que se possa, de orma minimamente plausível, iniciar uma reflexão sobre Compliance. (ad 1) Já há algum tempo, pode-se encontrar, na literatura internacio- nal, diversas e diundidas críticas à pura e simples definição deCompliance como estado de conormidade com as leis. Ora, a crítica é relativamente simples: se Compliance significa apenas estar em conormidade com as leis, o que há de novo? Não temos todos que estar em conormidade com as leis? Por que é necessária toda uma nova área do direito, toda uma nova teoria para tratar do óbvio: que temos de seguir leis? De ato, se Compliance osse apenas isso, esta seria uma área do conhecimento adada ao racasso. No nosso entendimento, “estado de conormidade” adquire, na área de Compliance, um completo e novo sentido: trata-se aqui de um estado “dinâmico” de conormidade, ou seja, o “estado de conormidade” significa aqui mais do que uma orma de estar no mundo, mas implica o JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 267R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 “compromisso” com a criação de um sistema complexo de políticas, de controles internos e de procedimentos, que demonstrem que a empresa ou organização está buscando “garantir”, que semantenha emumestado de Compliance. Portanto, Compliance é a área do conhecimento, que busca definir qual é esse conjunto complexo demedidas que permite, ace a um cenário uturo “x” de risco, garantir “hoje”, com a máxima eficácia, um estado de conormidade de todos os colaboradores de uma determinada organização com uma determinada “orientação de comportamento”. (ad 2) Delimitar a “orientação de comportamento” é a segunda das dificuldades típicasdoCompliance. Essadificuldadeestádiretamente ligada àquela de definição da natureza jurídicas das normas a serem seguidas, afinal, oCompliance reere-se somente a “normas jurídicas”? Se se respon- de afirmativamente a essa pergunta, a primeira objeção que se poderia apresentar seria: “qual é, então, a natureza jurídica de umCódigo de Ética ou de um Código de Conduta? Tratam-se aqui de normas jurídicas?” A princípio não e, mesmo assim, nenhum estudioso ou especialista da área diria queCompliancenão implica seguir essas normasde comportamento. Nesse sentido, um dos problemas do Compliance é que ele lida com enô- menos diversos de autorregulação, desde a autorregulação tradicional à chamada “autorregulação regulada”. Tratam-se de normas de orientação de comportamento, que não têm natureza jurídica, mas que passam a ter “relevância jurídica” ou por orça de contrato (através das conhecidas “cláusulas contratuais de Compliance”) ou por orça de lei (como, por exemplo, a Lei Anticorrupçãoque atribuemexplicitamente consequências jurídicas para aquelas empresas que tiverem Códigos de Ética e Códigos de Conduta, ou seja, deixa claro que a existência dessas normas internas passa a ter impacto na orma como será aplicada apenano caso concreto). Portanto, Compliance consiste em um estado dinâmico de conor- midade a uma orientação normativa de comportamento com relevância jurídica por orça de contrato ou lei, que é caracterizadopelo compromisso com a criação de um sistema complexo de políticas, de controles inter- nos e de procedimentos, que demonstrem que a empresa está buscando “garantir”, que se mantenha em um estado de Compliance. Portanto, a primeira característica atribuída ao termo Compliance é a prevenção. Dierentemente do Direito Penal ou Administrativo sancio- 268 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 nador tradicionais, que trabalham na análise ex post de ilícitos, ou seja, apenas na análise de condutas comissivas ou omissivas que já violaram, de orma direta ou indireta, algum bem jurídico digno de tutela do Es- tado, o Compliance trata o mesmo enômeno a partir de uma análise ex ante, ou seja, de uma análise dos controles internos e das medidas que podemprevenir a persecução penal da empresa ou instituição financeira. Exatamente por isso, o objetivo do Compliance tem sido descrito como a “diminuição ou prevenção de riscos compliance” (COIMBRA, 2010). Se- gundoposição dominante, portanto, as empresas e organizações deveriam criar os chamados Compliance Oficers que teriam a responsabilidade de avaliar os riscos compliance e criar controles internos com o objetivo de evitar ou diminuir os riscos de sua responsabilização penal. Por outro lado, os Compliance Oficers têm sido criados também com o objetivo de investigar “potenciais criminosos” no âmbito de atuação da empresa. No âmbito do debate internacional, muito se tem discutido acerca dos deveres de comunicação de atos potencialmente criminosos às autoridades competentes pelos Compliance Oficers e de sua responsa- bilização penal. Recentemente, na Alemanha, por exemplo, o BGH (Bun- desgerichthof) condenou um Compliance Oficer por entender que este, ao assumir a responsabilidade pela prevenção de crimes no interior da empresa, assume também uma posição de garante e, portanto, deve ser punido criminalmente por ter assumido a responsabilidade de impedir o resultado, por ter obrigação de cuidado, proteção e vigilância e, no caso concreto, não ter criado umprograma de Compliance capaz de cumprido esse dever, dado que, no caso concreto, esse programa não se mostrou eficaz e permitiu que a empresa osse utilizada para a prática de crimes13. Como se pode ver, o desenvolvimento do Compliance parece impli- car um paradoxo14. O objetivo do Compliance é claro: a partir de uma série de controles internos se pretende prevenir a responsabilização penal. A sua concretização, porém, ao invés de diminuir as chances de responsabilização penal, cria as condições para que, dentro da empresa ou instituição financeira, identifique-se uma cadeia de responsabilização penal, pois a orma como os Compliance Oficers têm sido constituídos acaba por coloca-los na posição de garante. Com isso, as chances de res- ponsabilização penal aumentam ou invés de diminuir, ou seja, a criação JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 269R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 de Compliance Oficers, que deveria zelar pela diminuição de riscos com- pliance acaba, paradoxalmente, por aumentá-los, principalmente, porque os Compliance Oficers, por sua vez, segundo doutrinamajoritária, devem ser supervisionados diretamente pelo Conselho de Administração (ou órgão similar degerência da empresa) ato que, obviamente, coloca em risco de persecução penal toda a administração da empresa. Como já introduzimos acima, o termo Compliance tem origem na língua inglesa e é uma derivação do verbo inglês to comply, que significa estar emconormidade, cumprir, executar, satisazer, realizar algo imposto. No âmbito empresarial e, principalmente, das instituições financeiras, o termo tem sido conceituado da seguinte orma: “Compliance é o ato de cumprir, de estar em conormidade e executar regulamentos internos e externos, impostos às atividades da instituição, buscandomitigar o risco atrelado à reputação e ao regulatório/legal” (COIMBRA/MANZI, 2010, p. 2). A partir desse conceito, pode-se apreender umproblemaque precisa ser enrentado por todo aquele que quiser tratar seriamente do tema: a abrangência do enômeno. Entendido dessa orma, o termo Compliance abarcaria quase todo o tipo de regulações, ou seja, os Compliance Oficers teriam, como obrigação, avaliar constantemente os procedimentos da empresa com vistas a garantir que ela estivesse em conormidade com todas as exigências legais, nacionais ou internacionais, que, de orma di- reta ou indireta, tivessem influência ou ossem aplicáveis à sua atividade, sejam elas trabalhistas, previdenciárias, ambientais, penais etc. De ato, nos EUA e nos países da Europa ocidental, especialmente na Alemanha, os Compliance Oficers têm essa unção abrangente. Nesses países, não são apenas instituições financeiras que têm os chamados “deveres de Compliance” (BARBOSA, 2010, p. 489-510), mas todas as empresas, sejam elas sociedades anônimas, empresas de grande porte ou mesmo pequenas e médias empresas15. Nesse sentido, os Compliance Oficers uncionam, portanto, como um guardião da empresa que teria, por principal unção, garantir que a empresa permanecesse dentro dos limites da legalidade. Porém, se esse é o significado do termo Compliance, surge um segundo problema: o ca- ráter “quase-tautológico” do termo, dado que simplesmente afirmar que a empresa tem de se adequar às leis é uma trivialidade. Afinal, não só as 270 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 empresas, mas todos os cidadãos de um país devem respeitar as leis e agir dentro de seus limites. Portanto, se há algumanovidadeno enômeno do Compliance, ela não pode ser buscada nesse seu aspecto. Na verdade, parece que a originalidade do enômeno somente pode ser captada se o procuramos analisar do ponto de vista do direito penal e da criminologia. A primeira pergunta relevante para quem analisa os deveres de Compliance é: qual seria a consequência do descumprimento dos deveres de Compliance? Na prática das varas ederais e na doutrina, encontram-se três correntes. A primeira entende que se deve recorrer aos artigos da Lei 7.492/86 para coibir o descumprimento dos deveres de colaboração, especialmente, aos arts. 16 e 22 e, eventualmente, ao art. 4º. Contra essa posição, argumenta-se que as Leis 7.492/86 e 9.613/98 regulam enômenos dierentes, sendo que só a segunda trata dos deveres de Compliance. Portanto, os deveres de Compliance não se destinariam à tutela do sistema financeiro, mas, somente, à identificação demovimen- tações financeiras que indicariam a possibilidade de se estar diante do crime de lavagem de capitais. Nesse caso, portanto, seria necessária a criação de um tipo específico, que ainda não oi criado, nem mesmo pela nova lei de lavagem16. Uma segunda corrente deendeque a responsabilidadepela inobser- vância das obrigações deCompliance seriameramente administrativa, nos termos dos arts. 12 e 13 da Lei 9.613/98, sendo punível com sanções de advertência oumulta pelo órgão reguladorda respectiva instituiçãoou, em sua ausência, pelo COAF.17 A nova lei de lavagem reforçou esse entendi- mento, pois deixou claroque se aplicamulta às pessoas reeridasno art. 9º. Por fim, sinaliza-se para o risco de, em breve, o descumprimento dos deveres de Compliance serem associados à posição de garante (SA- AVEDRA, 2011). Umprimeiro sinal nesse sentido oi dado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região: “(...) Desse modo, é orçoso reconhecer que as operações marginais de mero ingresso de valores no país por parte dos clientes das instituições financeiras são atípicas, remanescendo apenas a possibilidade de eventual prática de sonegação fiscal, que, como é cediço, pressupõe a constituição definitiva do crédito tributário, o que não é o caso, ou ainda a punição dos gestores da instituição financeira clandestina pelo delito do artigo 16 e pelo crime de lavagem de dinheiro JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 271R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 por violação dos deveres de compliance, quando perpetrado no âmbito da instituição financeira autorizada” (BRASIL, 2010)18. Recentemente, em unção daAção Penal 470 (Mensalão), a utilização da ormaomissiva imprópria para responsabilização dos Compliance Ofi- cers parece estar se consolidando na jurisprudência. Porém, ao contrário do que se seria esperado, ainda não se logrou êxito emdefinir adequada- mente os critériosmateriais dessa ormade responsabilização criminal19. 3.2 COMPLIANCE NA ÁREA DE SAÚDE Normalmente, na literatura especializada, os requisitos básicos do programa de Compliance são considerados os seguintes (COIMBRA, 2010, p. 37 e ss.): 1. Normas, regras e padrões de ética, de conduta e política e procedi- mentos escritos; 2. Designação de um Diretor de Compliance e criação de um Comitê de Compliance; 3. Educação e treinamento para ornecer conhecimento de ormaeetiva; 4. Canalde comunicaçãoanônimadeeventuaisproblemasdeCompliance; 5. Monitoramento proativo de processos específicos e documentados para finsdeCompliance e ajudana reduçãodeproblemas identificados; 6. Comunicação eetiva e ações disciplinares e corretivas. Ainda, para ser considerado eetivo, um programa de Compliance precisa ser implementado obedecendo às seguintes ases: 1. Avaliação de risco (risk assessment); 2. Elaboração de projeto de implementação, que seja adequado ao tama- nho, à cultura e às especificidades da empresa e que seja estruturado com base nos parâmetros desenvolvidos na avaliação de risco; e 3. Implementação do projeto. Na área da saúde, porém, o oco do Compliance está na promoção de interações éticas entre Empresas e os indivíduos ou entidades que estão envolvidos na provisão de serviços de saúde aos pacientes e que compram, alugam, recomendam, usam ou encaminham a compra ou 272 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 aluguel de Tecnologias Médicas das Empresas, ou seja, dos chamados Profissionais da Saúde (ADVAMED, 2009, p. 1-2). Isso porque: [...] o desenvolvimento das Tecnologias Médicas dependemuitas vezes de alto grau de interação directa com os Profissionais de Saúde - ao contrário dos medicamentos, que agem no corpo humano por meios armacológi- cos, imunológicos e metabólicos. Por exemplo, as Tecnologias Médicas implantáveis muitas vezes são aplicadas no corpo humano para repor ou ortalecer uma parte corporal. As Tecnologias Médicas Cirúrgicas muitas vezes servem como extensões dasmãos domédico. Em outras circunstân- cias, as Tecnologias Médicas são reagentes não invasivos, instrumentação e/ou sotware que auxiliam as decisões de diagnóstico, monitorização e tratamento eitas pelos Profissionais de Saúde. Algumas Tecnologias Médicas trabalham em sinergia com outras tecnologias, ou são acopladas com outros produtos que empregam dispositivos damaneira mais segura e eficaz. Muitas Tecnologias Médicas exigem apoio técnico durante e após o seu uso (ADVAMED, 2009, p. 1-2). Em unção disso, o Compliance, na área da saúde, além dos elemen- tos acima, deve contemplar ainda os seguintes mais específicos (ÉTICA SAÚDE, 2014): • Comprometimentoda liderançagerencial sênior eumapolíticaanticor- rupçãoclaramente articulada e que aborde não só as interações como poder público,mas tambémas interações comprofissionais da saúde; • Implementação de políticas e procedimentos por escrito, os quais vi- sam a dar publicidade e transparência às relações estabelecidas entre empresas e profissionais da saúde; • Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos e manualizados, que visem a garantir a interação ética e legítima da empresa comprofissionaisda saúdenocasode celebraçãode contratos de consultoria ou de prestação de serviços; • Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos e manualizados, que disciplinemdespesas e a concessão de patrocínios, especialmente quando estes envolverem profissionais da saúde; • Políticas,procedimentosecontroles internos ormalizados,escritosema- nualizados,quegarantamanãoconcessãodeincentivosaprofissionaisda saúdeeque,portanto,estabeleçaminternamenteaproibiçãodopatrocínio de entretenimento e recreação a esses profissionais e seus amiliares; • Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos e manualizados, que garantam uma interação ética e em conormidade JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 273R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 com a legalidade de empresas com profissionais da saúde, no que diz respeito a almoços de negócios, concessão de brindes e presentes, itens de demonstração e doações para instituições, organizações, institutos ou hospitais; • Designaçãodeumoficial deCompliancee/ouumcomitêdeCompliance, com supervisão, autonomia e recursos necessários; responsáveis por analisar e azer cumprir as provisões prescritas; • Realização de treinamentos e educação eficazes de uncionários e profissionais vinculados à empresa; • Desenvolvimento de linhas eficazes de comunicação (incluindo uma opção para realizar relatos anônimos); • Realizaçãodeavaliaçõesde riscos,monitoramentoeauditoria internas; • Padrões de execução do programa, através de normas disciplinares amplamente divulgadas; • Ação rápida quando problemas orem detectados e a realização de ações corretivas e/ou sanções disciplinares; • Realização de devida diligência (due diligence) em suas relações com terceiros. • Educação e treinamento eetivos; • Linhas de comunicação, incluindo um canal para recebimento de comunicações e denúncias anônimas acerca de violação de regras do programa; • Auditorias e monitoramentos internos; • Medidas disciplinares aplicáveis no caso de violação comprovada de regras de Compliance, que deverão ser amplamente divulgadas; • Procedimentos de punição; Como se pode ver, o Compliance, na área da saúde, envolve um com- prometimento completo da empresa e acabamudando de orma integral os mecanismos de gestão das empresas. Ele acaba por criar normas e regras éticas e de conduta, políticas, procedimentos e controles internos, que são capazes de garantir, que a empresa previna, em todos os seus âmbitos de atuação, a prática de ilícitos, em especial aqueles de corrup- ção. Nesse sentido, seria importante que essas medidas, hoje existentes apenas como mecanismo de autoregulação, ossem ormalizadas por meio de uma legislação consistente, que torne obrigatória a exigência de um programa de Compliance para todas as pessoas jurídicas, que se envolveremdireta ou indiretamente com a área da saúde. Somente assim 274 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 se estará dando um passo concreto no enrentamento sistemático das distorções no mercado de saúde no Brasil. CONSIDERAÇÕES FINAIS De todo o exposto, é possível extrair algumas conclusões, ainda que as mesmas devam ser submetidas ao crivo do contraditório (finalidade mesmodopresente artigo) e careçamdemaiordesenvolvimento e reflexão. Uma primeira consideração pode ser eita no sentido de reconhecer que a assim chamada reserva do possível, nas suas diversas dimensões, pode operar, por um lado, como limite (jurídico e ático) ao direito à pro- teção e promoção da saúde, e, portanto, do controle judicial nessa seara, mas também como mecanismo de ortalecimento do sistema de saúde. Além disso, é possível afirmar que o erramental do Compliance permite, se bem manejado e assumido pelos atores estatais e privados, criar mecanismos de prevenção, resultando, justamente, no melhor desempenho do sistema de saúde, da racionalização dos recursos, da sua otimização e da sua sustentabilidade, resultando, provavelmente, na própria diminuição do recurso ao Poder Judiciário, ou, quando esta ocorrer, na redução do seu impacto. É claro que se cuida tambémde umprocesso de conscientização, de uma “tomada de atitude”, no sentido da criação e da introjeção de uma cultura do Compliance, seja como regulador de cunho ético,mas também com gradual projeção na esera jurídica, processo que, embora alguns passos já dados, ainda está longe de se consolidar, mas cujos benefícios deverão ser significativos. Ao fim e ao cabo, resta desde logo uma certeza: com Compliance o sistema de saúde será mais saudável e o direito à saúde mais eetivo! NOTAS 1 O presente capítulo oi em grande parte extraído da obra: SARLET, IngoWolang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 12ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. 2 C. C. Starck, in: BVerfG und GGII, p. 518. Assim também MURSWIEK, Dietrich. Grundrechte als Teilhaberechte, soziale Grundrechte. In: J. Isensee-P. Kirchho (Org). Handbuch des Staats- rechts der Bundesrepublik Deutschland, V, p. 267, que, contudo, aponta para o ato de que as circunstâncias econômicas podem eventualmente vir a ser objeto necessário de consideração, JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 275R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 especialmente nas hipóteses de restrições aos direitos de deesa, quando da aerição da pro- porcionalidade da restrição. 3 Assim, entre nós, LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Subjetivo e Direitos Sociais: o dilema do judiciário no Estado Social de Direito. In: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo: Malheiros, 1974. P. 131.Nomesmosentido, v.MENDES, Gilmar Ferreira.ADoutrinaConstitucional e o Controle de Constitucionalidade comoGarantia daCidadania –Necessidade deDesenvolvimento de Novas Técnicas de Decisão: Possibilidade da Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pro- nuncia de Nulidade no Direito Brasileiro. In: Caderno de Direito Tributário e Finanças Publicas nº 3. 1993. P. 28, ressaltando que a eetividade dos direitos sociais se encontra na dependência da atual disponibilidade de recursos por parte do destinatário da pretensão. Também KRELL, Andreas. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais. In: SARLET, IngoWolgang (Org.).AConstituição Concretizada – Construindo pontes para o público e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. P. 40 e ss., em importante ensaio sobre o tema, aceita esta dependência dos direitos sociais prestacionais da existência de recursos para sua eetivação, sem, contudo, negar-lhes eficácia e eetividade. 4 Esta, dentre outros, a lição de C. Starck, In: BverfG und GG II, p. 518. 5 A este respeito, v. tambémBRUNNER, Georg.Die Problematik der sozialen Grundrechte. In: Recht und StaarNr. 404-405, J. C. B.Mohr (Paul Siebeck), Tubingen, 1971. P. 16. Entre nós, tal dimensão cresce em relevo se levarmos em conta o problema da repartição de competência no âmbito do Estado Federal e, acima de tudo, na repartição das receitas tributárias e sua aetação e aplicação, temática que aqui não há como desenvolver. Sobre o tema, enatizando o direito à saúde, v. a contribuição de GOUVÊA, MarcosMaselli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos. In: A Efetividade dos Direitos Sociais, 2004. P. 255 e ss.. 6 Entre nós, v. MENDES, Gilmar Ferreira. A Doutrina Constitucional e o Controle de Constitucio- nalidade como Garantia da Cidadania– Necessidade de Desenvolvimento de Novas Técnicas de Decisão: Possibilidade da Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pronuncia de Nulidade no Direito Brasileiro. In: Caderno de Direito Tributário e Finanças Publicas nº 3. 1993. P. 28. Mais recentemente, v. as contribuições de TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na Era dos Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.), Legitimação dos Direitos Humanos, Rio de Janeiro, Renovar, 1999. P. 292 e ss., assim como P. G. Gonet Branco. In: Hermenêutica constitu- cional e direitos fundamentais, p. 145 e ss. Na doutrina lusitana, posiciona-se avoravelmente ao reconhecimento do limite da reserva do possível ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra: Livraria Almedina, 1987. P. 201. 7 Vale anotar, que, embora a substancial convergência, há quemprefira atribuir umcaráter dúplice (oubidimensional) à assimdesignada “reserva dopossível”, comoéo casode SARMENTO,Daniel. Aproteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: SOUZANETO, Claudio Pereira. e SARMENTO, Daniel (Coord.),Direitos Sociais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 569 e ss., embora semdeixar,mas não no contexto específico das “dimensões” da reserva do possível, de reerir a necessária observância dos critérios da proporcionalidade, designadamente, como sempre fizemos questão de enatizar, abrangendo a razoabilidade da pretensão do particular em acedoEstadoeda comunidade.Nomesmosentido, v., ainda, CALIENDO,Paulo. DireitoTributário e Análise Econômica doDireito. Uma visão crítica. São Paulo: Elsevier, 2008. P. 204, reconhecendo uma dimensão ática e jurídica da reserva do possível. De qualquer sorte, o mais importante é que se tenha presente que a problemática posta pela reserva do possível abrange um conjunto dierenciado de aspectos, que não pode ser reduzido à questão da eetiva disponibilidade de recursos materiais. Enatizando também o caráter multidimensional da reserva do possível, v., por último, KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a Efetividade dos Direito sociais no Direito Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. P. 65. 8 Reunindo um conjunto de ensaios sobre as diversas perspectivas da “reserva do possível”, inclusive veiculando posições mais ou menos divergentes entre si, no sentido de um autêntico debate sobre o tema, v., por último, SARLET, IngoWolang. Timm (Orgs.),Direitos Fundamentais, Orçamento e “Reserva do Possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. 9 Neste sentido, pelo menos, a recente afirmação de SCHÄFER, Jairo. Classificação dos Direitos Fundamentais: do Sistema Geracional ao Sistema Unitário – uma proposta de compreensão, Porto 276 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 Alegre: Livraria do Advogado, 2005. P. 67. Nas palavras do autor, a reserva do possível “é um elemento que se integra a todos os direitos undamentais”. Em verdade, o próprio autor – na esteira da doutrina precedente – reconhece na reserva do possível uma condicionante jurídica ou concreta à eetivação dos direitos, de tal sorte que, a despeito da contradição, resulta claro que o autor vislumbra na reserva do possível um limite ático e jurídico que incide, emprincípio, em relação a todos os direitos undamentais. 10 O presente capítulo é, emgrandemedida, uma versão revisada e adaptada para o presente artigo do parecer que Giovani Agostini Saavedra apresentou, como especialista convidado, na CPI da Máfia das Próteses realizada pela Assembleia do Estado do Rio Grande do Sul. 11 Sobre as mudanças da nova lei, ver: SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance na Nova Lei de Lavagem de Dinheiro. In: Revista Síntese – Direito Penal e Processual Penal, Ano XIII, nº. 75, Ago-Set, 2012, P. 22-30 e SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance e Prevenção à Lavagem de Dinheiro: sobre os reflexos da Lei nº. 12.683/2012 no Mercado de Seguros. In: Revista de Estudos Criminais, nº. 54. Jul./Set, 2014, P. 165-180. 12 Ver, aesserespeito:ABBI–AssociaçãoBrasileiradosBancos Internacionais;FEBRABAN–Federação Brasileira de Bancos, Cartilha Função de Compliance, Agosto 2003 com atualização em Julho de 2009 (Disponível: www.ebraban.com.br); COIMBRA; Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi Manual deCompliance.PreservandoaBoaGovernançaea IntegridadedasOrganizações, SãoPaulo: Atlas, 2010. P. 12 e ss.; MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil. Consolidação e perspectivas, São Paulo: Saint Paul, 2008. P. 64 e ss.; ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa. Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. São Paulo: Atlas, 2009. P. 183 e ss.. 13 A decisão reerida é a BGH Entscheidung von 17.07.2009-5 StR 394/08. 14 O conceito de paradoxo é empregado aqui no sentido dado por: HARTMANN,Martin; HONNETH, Axel. Paradoxien des Kapitalismus. Ein Untersuchungsprogram. In: Berliner Debatte Initial 15 (2004) 1, S. 9. 15 Paraumpanoramasobreadiscussão sobreCompliancenaAlemanha, ver:ROTSCH,Thomas.Crimi- nalCompliance. In:Zeitschrift für InternationaleStrafrechtsdogmatik.Ausgabe10/2010,5. Jahrgang, P. 614e ss.; HAUSCHKA, ChristophE.Corporate Compliance.HandbuchderHaftungsvermeidung im Unternehmen. München: C.H. Beck, 2010; GÖRLING, Herlmut; INDERST, Cornelia; BANNENBERG, Britta. Compliance. Aufbau – Managment – Risikobereiche, München: C.H. Beck, 2010. 16 Essa é a crítica e a sugestão de BARBOSA, DANIEL MARCHIONATTI, Ferramentas Velhas, novos problemas: deficiências da utilização da lei dos crimes contra o sistema financeiro para coibir descumprimento de deveres de compliance. In: T. HIROSE; J. P. BALTAZAR JÚNIOR (Orgs.). Curso Modular de Direito Penal. Florianópolis: Conceito Editorial-EMAGIS, 2010, v. 2, p. 489-510. 17 Essa é a posição, por exemplo, de LIMA, Carlos Fernando. O Sistema Estadual Antilavagem de Dinheiro: as obrigações de Compliance. In: CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro. Pre- venção e Controle Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, P. 84 18 Há também julgados que já começamadiscutir a possibilidadede se exigir deveres deCompliance de contadores e advogados. Ver, por exemplo: “EMENTA: PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. LAVAGEMDEDINHEIRO. RESPONSABILIDADEPENALDOADVOGADOEDOCONTADOR. INEXIS- TÊNCIA DE DEVER DE COLABORAÇÃO. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS FACTUAIS OBJETIVAS. ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Os artigos 9º e 10 da Lei 9.613/98 não incluem o contador e o advogado entre os profissionais que possuem dever de colaboração (compliance) com a re- pressão à lavagemdedinheiro (identificaçãode clientes,manutençãode registros e comunicação de operações financeiras com sérios indícios de lavagem de dinheiro). 2. O próprio Conselho Estadual de Contabilidade não exige do contador a obrigação de fiscalizar a veracidade das in- ormações que lhe são repassadas pelos seus clientes, conorme muito bem observou o ilustre Juiz Estadual Eduardo Gomes Philippsen na sentença proerida na AP nº 2007.71.04.004606-0/ RS. Evidentemente, isso não significa que um profissional da contabilidade jamais poderá ser responsabilizado criminalmente. Por ocasião do julgamento da ACR nº 2004.04.01.025529-6, Rel. Juíza Estadual ELOY BERNST JUSTO, D.E. 28-06-2007, a Oitava Turma da Corte teve a opor- tunidade de manter a condenação por sonegação fiscal de um contador que trabalhava em um departamento de contabilidade exclusivo da aludida escola de inormática, o qual controlava diretamente todas as alsidades fiscais que propiciaramvultoso crime contra a ordem tributária. JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 277R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 3. Ademais, a simples prestaçãode serviços advocatícios pelo acusado (contador e advogado) por ocasião da constituição da empresa utilizada para a ocultação de capital proveniente de tráfico interEstadual de drogas não é, por si só, suficiente para justificar a sua condenação, porque a acusação não logrouêxito em indicar na denúncia e comprovar ao longo da instrução que o réu teria incorrido no tipo penal do artigo 1º, inciso I, § 2º, I e II da Lei 9.613/98, isto é, que sabia dos propósitos obscuros da aludida pessoa jurídica. 4. Portanto, se é verdade que advogados e contadores também podem praticar o branqueamento de capitais quando as circunstâncias actuais objetivas preconizadas pelo artigo 6º, item2, “”, da ConvençãodasNaçõesUnidas contra o Crime Organizado TransEstadual (v.g. pagamento de honorários em espécie, valores racio- nados, em joias) demonstrarem que houve subversão da sua atuação profissional, orientando e auxiliando, direta ou indiretamente, seus clientes no desiderato de ocultar ou dissimular valores provenientes dosdelitos precedentes, tambémécerto que esses profissionais liberais nãopodem ser incriminados pelo simples contato que tiverem com os autores dos crimes antecedentes quando o órgão acusatório deixar de demonstrar, com segurança, como no caso em tela, os as- pectos que denotam a ciência dos fins ilícitos da assessoria prestada. 5. Embargos inringentes providos.” BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. ENUL – Embargos Infringentes e de Nulidade nº 2007.70.00.026565-0. Embargante: Humberto Marcelino Ferreira. Relator Paulo Aonso Brum Vaz, Porto Alegre, RS, D.E. 24 jun. 2011. Porém, os julgados que existem acerca do tema são todos anteriores à nova resolução do Conselho Estadual de Contabilidade, que regula os deveres de Compliance da classe. Portanto, fica a dúvida se as decisões teriam sido dierentes, se os julgadores tivessem à sua disposição essa resolução. 19 SAAVEDRA, Giovani Agostini, Reflexões Iniciais sobre Criminal Compliance, in: Boletim IBCCRIM. São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 218, p. 11-12, jan./2011; SILVEIRA, Renato deMello Jorge; SAAD- -DINIZ, Eduardo. Criminal Compliance: os limites da cooperação normativa quanto à lavagem de dinheiro. In:Revista deDireito Bancário eMercadodeCapitais. Vol. 56. Abril. São Paulo: RT, 2012. COSTA, Helena Regina Loba da; ARAUJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o Julgamento da APn 470. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 22, nº. 106, Jan-Fev/2014. P. 215-230. 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Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 COSTA, Helena Regina Loba da; ARAUJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o julgamento da APn 470. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, n, 106, p. 215-230, jan./ev., 2014. ÉTICA SAÚDE.Guia de implementação.Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2016. GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas: novas perspectivas de implementação dos direitos prestacionais. Rio de Janeiro: Forense, 2003. GOUVÊA,MarcosMaselli. O direito ao ornecimento estatal demedicamentos. In: GARCIA, Emerson (Coord.).A eetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. GÖRLING, Herlmut; INDERST, Cornelia; BANNENBERG, Britta. Compliance. Aufbau – Managment – Risikobereiche. München: C.H. Beck, 2010. GRUNDLAGE,Thomas Rotsch. In: Rotsch, Thomas (Org.). Criminal compliance handbuch. Baden-Baden: Nomos, 2015. HARTMANN,Martin; HONNETH, Axel. Paradoxien des Kapitalismus. Ein Unter- suchungsprogram. 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Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011. 280 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 LOPES, JoséReinaldo de Lima.Direito subjetivo edireitos sociais: o dilemado judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1974. NABAIS, JoséCasalta.Poruma liberdadecomresponsabilidade: estudos sobre direitos e deveres undamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007. MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil: consolidação e perspectivas. São Paulo: Saint Paul, 2008. MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucio- nalidade comogarantia da cidadania: necessidadededesenvolvimento denovas técnicas de decisão: possibilidade da declaração de inconstitucionalidadesem a pronuncia de nulidade no direito brasileiro. Cadernos deDireito Tributário e Finanças Públicas, São Paulo, n. 3, p. 21-43, abr./jun., 1993. 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Realizou estudos de Pós-Doutorado, como Bolsista e Pesquisador do Instituto Max-Planck de Direito Social, Estrangeiro e Internacional (Alemanha), bem como no Georgetown Law Center (Washington DC, 2004), assim como na Universidade de Munique (supervisão de Claus-Wilhelm Canaris) como bolsista do DAAD (2005). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito PUC-RS. Proessor Titular da Faculdade de Direito e dos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito e em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Direitos Fundamentais - CNPq. Desembargador do TJRS. E-mail: iwsarlet@gmail.com Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Pós-Graduação em Direito - Mestrado e Doutorado. Av. Ipiranga, 6681 PUC-RS. Partenon. CEP 90619900 - Porto Alegre, RS - Brasil - Caixa-postal: 1429 Giovani Agostini Saavedra Doutor em Direito e em Filosofia pela Johann Wolgang Goethe – Universität Frankurt am Main (Alemanha). Mestre em direito e graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Proessor de Direito Penal, Compliance e Filosofia do Direito na Faculdade de Direito PUC-RS, proessor e coordenador da Especialização em Compliance da PUCRS, proessor dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Criminais e em Direito da PUCRS (Mestrado e Doutorado). Secretário-Geral do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (ITEC), Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Compliance, Governança Corporativa & Inovação e Coordenador da Comissão Científica da Faculdade de Direito da PUC-RS. E-mail: saavedra@srgadvogados.com Pontifícia Universidade Católica, Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais. Av. Ipiranga, 6681 (Prédio 11, 10o. Andar). Partenon. CEP 90619-900 - Porto Alegre, RS - Brasil JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA Luís Roberto Barroso1 Sumário: I. Introdução. II. A judicialização da vida. III. O ativismo judicial. IV. Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira. 1. Riscos para a legitimidade democrática. 2. Risco de politização da justiça. 3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites. V. Conclusão I. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado um papel ativo na vida institucional brasileira. O ano de 2008 não foi diferente. A centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e crítica, e exige uma reflexão cuidadosa. O fenômeno, registre-se desde logo, não é peculiaridade nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonistas de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade. De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de 1 Professor Titular de Direito Constitucional, Doutor e Livre-Docente – Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre pela Yale Law School. Autor dos livros Curso de Direito Constitucional Contemporâneo e Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, dentre outros. Advogado. 2 os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coréia, a Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído por impeachment2. Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e justiça no mundo contemporâneo. Ainda assim, o caso brasileiro é especial, pela extensão e pelo volume. Circunstâncias diversas, associadas à Constituição, à realidade política e às competências dos Poderes alçaram o Supremo Tribunal Federal, nos últimos tempos, às manchetes dos jornais. Não exatamente em uma seção sobre juízes e tribunais – que a maioriados jornais não tem, embora seja uma boa idéia –, mas nas seções de política, economia, ciências, polícia. Bastante na de polícia. Acrescente-se a tudo isso a transmissão direta dos julgamentos do Plenário da Corte pela TV Justiça. Em vez de audiências reservadas e deliberações a portas fechadas, como nos tribunais de quase todo o mundo, aqui se julga sob o olhar implacável das câmeras de televisão. Há quem não goste e, de fato, é possível apontar inconveniências. Mas o ganho é maior do que a perda. Em um país com o histórico do nosso, a possibilidade de assistir onze pessoas bem preparadas e bem intencionadas decidindo questões nacionais é uma boa imagem. A visibilidade pública contribui para a transparência, para o controle social e, em última análise, para a democracia. II. A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA 2 Ran Hirschl, The judicialization of politics. In: Whittington, Kelemen e Caldeira (eds.), The Oxford Handbook of Law and Politics, 2008, p. 124-5. 3 Judicialização significa que algumas questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo – em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de sistematização da matéria. A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade brasileira. A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi 4 potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, ambiciosa3, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas. A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do mundo4. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF. De fato, somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo Tribunal Federal, no âmbito de ações diretas – que compreendem a ação direta de inconstitucionalidade (ADIn), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – questões como: a) o 3 Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia, Revista de Direito do Estado 12, 2008, no prelo. 4 Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 2005, p. 146. 5 pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, do art. 5º da Lei de Biossegurança, que permitiu e disciplinou as pesquisas com células-tronco embrionárias (ADIn 3.150); (ii) o pedido de declaração da constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 1988 (ADPF 130). No âmbito das ações individuais, a Corte se manifestou sobre temas como quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na região conhecida como Raposa/Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de outros. Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência não é nova e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) Relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das Comissões Parlamentares de Inquérito (como quebras de sigilos e decretação de prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo (Caso Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público. É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos pedidos formulados. O Tribunal não tinha a alternativa de conhecer ou não das ações, de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de cabimento. Não se pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou a pretensão, em face dos precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia 6 judicial. A judicialização, que de fato existe, não decorreu deuma opção ideológica, filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente. Pessoalmente, acho que o modelo tem nos servido bem. III. O ATIVISMO JUDICIAL A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. 7 As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte- americana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973). O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas. O Judiciário, no Brasil recente, tem exibido, em determinadas situações, uma posição claramente ativista. Não é difícil ilustrar a tese. Veja-se, em 8 primeiro lugar, um caso de aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário: o da fidelidade partidária. O STF, em nome do princípio democrático, declarou que a vaga no Congresso pertence ao partido político. Criou, assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se encontram expressamente previstas no texto constitucional. Por igual, a extensão da vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, com a expedição de súmula vinculante, após o julgamento de um único caso, também assumiu uma conotação quase-normativa. O que a Corte fez foi, em nome dos princípios da moralidade e da impessoalidade, extrair uma vedação que não estava explicitada em qualquer regra constitucional ou infraconstitucional expressa. Outro exemplo, agora de declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do Congresso, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição: o caso da verticalização5. O STF declarou a inconstitucionalidade da aplicação das novas regras sobre coligações eleitorais à eleição que se realizaria em menos de uma ano da sua aprovação. Para tanto, precisou exercer a competência – incomum na maior parte das democracias – de declarar a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, dando à regra da anterioridade anual da lei eleitoral (CF, art. 16) o status de cláusula pétrea. É possível incluir nessa mesma categoria a declaração de inconstitucionalidade das normas legais que estabeleciam cláusula de barreira, isto é, limitações ao funcionamento parlamentar de partidos políticos que não preenchessem requisitos mínimos de desempenho eleitoral. Por fim, na categoria de ativismo mediante imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas, o 5 Cláudio Pereira de Souza Neto, Verticalização, cláusula de barreira e pluralismo político: uma crítica consequencialista à decisão do STF na ADIN 3685, Interesse público 37, 2006. 9 exemplo mais notório provavelmente é o da distribuição de medicamentos e determinação de terapias mediante decisão judicial. A matéria ainda não foi apreciada a fundo pelo Supremo Tribunal Federal, exceto em pedidos de suspensão de segurança. Todavia, nas Justiças estadual e federal em todo o país, multiplicam-se decisões que condenam a União, o Estado ou o Município – por vezes, os três solidariamente – a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e municipais. Em alguns casos, os tratamentos exigidos são experimentais ou devem ser realizados no exterior. Adiante se voltará a esse tema. O binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do Poder Público. O movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em função do grau de prestígio dos outros dois Poderes. No Brasil dos últimos anos, apesar de muitos vendavais, o Poder Executivo, titularizado pelo Presidente da República, desfruta de inegável popularidade. Salvo por questões ligadas ao uso excessivo de medidas provisórias e algumas poucas outras, é limitada a superposição entre Executivo e Judiciário. Não assim, porém, no que toca ao Congresso Nacional. Nos últimos anos, uma persistentecrise de representatividade, legitimidade e funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral. O fenômeno tem uma face positiva: o Judiciário está atendendo a demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. O aspecto negativo é que ele exibe as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo – e isso não se passa apenas no Brasil – na atual quadra histórica. A adiada reforma política é uma necessidade dramática do país, para fomentar autenticidade partidária, estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil. Decisões 10 ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados. Mas não há democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem Congresso atuante e investido de credibilidade. Um exemplo de como a agenda do país delocou-se do Legislativo para o Judiciário: as audiências públicas e o julgamento acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias, pelo Supremo Tribunal Federal, tiveram muito mais visibilidade e debate público do que o processo legislativo que resultou na elaboração da lei. IV. OBJEÇÕES À CRESCENTE INTERVENÇÃO JUDICIAL NA VIDA BRASILEIRA Três objeções podem ser opostas à judicialização e, sobretudo, ao ativismo judicial no Brasil. Nenhuma delas infirma a importância de tal atuação, mas todas merecem consideração séria. As críticas se concentram nos riscos para a legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da capacidade institucional do Judiciário. 1. Riscos para a legitimidade democrática Os membros do Poder Judiciário – juízes, desembargadores e ministros – não são agentes públicos eleitos. Embora não tenham o batismo da vontade popular, magistrados e tribunais desempenham, inegavelmente, um poder político, inclusive o de invalidar atos dos outros dois Poderes. A possibilidade de um órgão não eletivo como o Supremo Tribunal Federal sobrepor-se a uma decisão do Presidente da República – sufragado por mais de 40 milhões de votos – ou do Congresso – cujos 513 membros foram escolhidos pela vontade popular – é identificada na teoria constitucional como dificuldade contramajoritária6. Onde estaria, então, sua legitimidade para invalidar decisões daqueles que exercem mandato popular, que foram escolhidos pelo povo? Há duas justificativas: uma de natureza normativa e outra filosófica. 6 Alexander Bickel, The least dangerous branch, 1986, p. 16 e s. 11 O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a Constituição brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não desempenham uma atividade puramente mecânica7. Na medida em que lhes cabe atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas situações, co-participantes do processo de criação do Direito. A justificação filosófica para a jurisdição constitucional e para a atuação do Judiciário na vida institucional é um pouco mais sofisticada, mas ainda assim fácil de compreender. O Estado constitucional democrático, como o nome sugere, é produto de duas idéias que se acoplaram, mas não se confundem. Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O Estado de direito como expressão da razão. Já democracia signfica soberania popular, governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia e constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes. Por essa razão, a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a 7 Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 2002, p. 64; Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, 2005, p. 6-7. 12 democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e pelos direitos fundamentais, funcionando como um forum de princípios8 – não de política – e de razão pública9 – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias políticas ou concepções religiosas. Portanto, a jurisdição constitucional bem exercida é antes uma garantia para a democracia do que um risco. Impõe-se, todavia, uma observação final. A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A Constituição não pode ser ubíqua10. Observados os valores e fins constitucionais, cabe à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, com base na Constituição. 2. Risco de politização da Justiça 8 Ronald Dworkin, The forum of principle. In: A matter of principle, 1985. 9 John Rawls, O liberalismo político, 2000, p. 261. 10 Daniel Sarmento, Ubiqüidade constituconal: os dois lados da moeda, Revista de Direito do Estado 2:83, 2006. Embora ela se irradie por todo o sistema, e deva sempre estar presente em alguma medida, ela não deve ser invocada para asfixiar a atuação do legislador. 13 Direito é política, proclamava ceticamente a teoria crítica do Direito, denunciando a superestrutura jurídica como uma instância de poder e dominação. Apesar do refluxo das concepções marxistas na quadra atual, é fora de dúvida que já não subsiste no mundo contemporâneo a crença na idéia liberal- positivista de objetividade plena do ordenamento e de neutralidade absoluta do intérprete. Direito não é política. Somente uma visão distorcida do mundo e das instituições faria uma equiparação dessa natureza, submetendo a noção do que é correto e justo à vontade de quemdetém o poder. Em uma cultura pós-positivista, o Direito se aproxima da Ética, tornando-se instrumento da legitimidade, da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana. Poucas críticas são mais desqualificantes para uma decisão judicial do que a acusação de que é política e não jurídica11. Não é possível ignorar, porém, que a linha divisória entre Direito e Política, que existe inegavelmente, nem sempre é nítida e certamente não é fixa12. A ambigüidade refletida no parágrafo anterior impõe a qualificação do que se entende por política. Direito é política no sentido de que (i) sua criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; (ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia e, conseqüentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que formula. A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a segurança e o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento vigente. 11 Paul Kahn, Comparative constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002-3, p. 2688-9. 12 V. Eduardo Mendonça, A inserção da jurisdição constitucional na democracia: algum lugar entre o direito e a política, mimeografado, 2007. 14 Evidentemente, Direito não é política no sentido de admitir escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas. O facciocismo é o grande inimigo do constitucionalismo13. O banqueiro que doou para o partido do governo não pode ter um regime jurídico diferente do que não doou. A liberdade de expressão de quem pensa de acordo com a maioria não pode ser protegida de modo mais intenso do que a de quem esteja com a minoria. O ministro do tribunal superior, nomeado pelo Presidente Y, não pode ter a atitude a priori de nada decidir contra o interesse de quem o investiu no cargo. Uma outra observação é pertinente aqui. Em rigor, uma decisão judicial jamais será política no sentido de livre escolha, de discricionariedade plena. Mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz deverá buscar a que seja mais correta, mais justa, à luz dos elementos do caso concreto. O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma específica legitimação14. Quando se debateu a criação do primeiro tribunal constitucional na Europa, Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram um célebre e acirrado debate teórico acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição. Contrário à existência da jurisdição constitucional, Schmitt afirmou que a pretensão de judicialização da política iria se perverter em politização da justiça15. No geral, sua profecia não se realizou e a fórmula fundada no controle judicial de constitucionalidade se espalhou pelo mundo com grande sucesso. Naturalmente, as advertências feitas no capítulo anterior hão de ser levadas em conta com seriedade, para que não se crie um modelo juriscêntrico e elitista, conduzido por juízes filósofos. Nessa linha, cabe reavivar que o juiz: (i) só deve agir em nome da Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para 13 Paul Kahn, Comparative constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002- 2003, p. 2705. 14 Scott M. Noveck, Is judicial review compatible with democracy?, Cardozo Public Law, Policy & Ethics 6:401, 2008, p. 420. 15 Carl Schmitt, La defensa de la Constitución, 1998, p. 57. 15 com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do possível. Aqui, porém, há uma sutileza: juízes não podem ser populistas e, em certos casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia16. 3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites A maior parte dos Estados democráticos do mundo se organizam em um modelo de separação de Poderes. As funções estatais de legislar (criar o direito positivo), administrar (concretizar o Direito e prestar serviços públicos) e julgar (aplicar o Direito nas hipóteses de conflito) são atribuídas a órgãos distintos, especializados e independentes. Nada obstante, Legislativo, Executivo e Judiciário exercem um controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o surgimento de instâncias hegemônicas17, capazes de oferecer riscos para a democracia e para os direitos fundamentais. Note-se que os três Poderes interpretam a Constituição, e sua atuação deve respeitar os valores e promover os fins nela previstos. No arranjo institucional em vigor, em caso de divergência na interpretação das normas constitucionais ou legais, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não significa, porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Nem muito menos legitima a arrogância judicial. 16 Gustavo Binenbojm, A nova jurisdição constitucional brasileira, 2004, p. 246. 17 A expressão é do Ministro Celso de Mello. V. STF, Diário da Justiça da União, 12 maio 2000, MS 23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello. 16 A doutrina constitucional contemporânea tem explorado duas idéias que merecem registro: a de capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos18. Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o árbitro mais qualificado, por falta de informação ou conhecimento específico. Formalmente, os membros do Poder Judiciário sempre conservarão a sua competência para o pronunciamento definitivo. Mas em situações como as descritas, normalmente deverão eles prestigiar as manifestações do Legislativo ou do Executivo, cedendo o passo para juízos discricionários dotados de razoabilidade. Em questões como demarcação de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido estudos técnicos e científicos adequados, a questão da capacidade institucional deve ser sopesada de maneira criteriosa. Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejados pode recomendar, em certos casos, uma posição de cautela e deferência por parte do Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça19. Ele nem sempre dispõe das informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público. Tampouco é passível de responsabilização política por escolhas desastradas. Exemplo emblemático nessa matéria tem sido o setor de saúde. Ao lado de intervenções necessárias e meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantesalém de inabilitá-lo, temporariamente, pelo período de oito anos, para o exercício de qualquer cargo, emprego ou função pública, seja de natureza eletiva ou de nomeação. São essas as fases que devem ser realizadas para essa finalidade: a) denúncia formalizada para apresentação dos fatos, permitida a qualquer cidadão brasileiro (no gozo de seus direitos políticos), oferecida na Câmara dos Deputados; b) recebimento formal da denúncia pela Câmara; c) exame pela Câmara, cujo critério é meramente político: aprecia a gravidade dos fatos alegados e o valor das provas oferecidas e declara a acusação procedente ou improcedente; d) parecer da Câmara dos Deputados; e) discussão e votação, art. 51, I, CF; f) deslocamento da peça para o Senado Federal, que se transforma em um tribunal político de julgamento, sob a administração do presidente do STF, momento em que o Presidente da República é suspenso de suas funções, só retornando a elas se for absolvido, ou corrido o prazo de 180 dias e o julgamento não tiver sido concluído. Suspensão das Funções De acordo com o art. 86, § 1o e § 2o, o Presidente ficará suspenso de suas funções: nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo Supremo Tribunal Federal; nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. Se decorrido o prazo de cento e oitenta dias e o julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo. Análise da ADPF 378, julgada pelo STF A ADPF 378, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (art. 103, VIII da CRFB/88), em 03 de dezembro de 2015, pleiteava o reconhecimento da ilegitimidade constitucional de dispositivos e interpretações da Lei nº 1.079/50. Dentre os pedidos formulados – inclusive cautelarmente –, destacam-se os principais: a) Necessidade de defesa prévia da Presidente da República, pois mesmo sem previsão expressa na Lei nº 1.079/50, antes do Presidente da Câmara ter recebido a denúncia, deveria ter concedido a oportunidade da Presidente da República apresentá-la. Para tanto, o Partido sustentou uma reinterpretação da Lei 1.079/50 de acordo com a Constituição Federal de 1988; b) Anulação da escolha da comissão especial, tendo em vista que a eleição da mesma se deu mediante voto secreto e pelo fato de ter sido apresentada chapa avulsa; c) Ilegitimidade dos dispositivos dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que tratam do impeachment. Dessa forma, o art. 38 da Lei 1.079/50 não teria sido recepcionado pela CRFB/88, considerando que ela exige, em seu art. 85, parágrafo único, que as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade sejam previstas em lei (não valendo, portanto, Regimento Interno); d) A possibilidade de rejeição – liminarmente – da abertura do processo pelo Senado, mesmo após a autorização da Câmara, sem ser necessário afastar a Presidente e sem dar prosseguimento ao processo; e) Reconhecimento da suspeição do Presidente Eduardo Cunha para receber a denúncia e conduzir o processo na Câmara; f) Interpretação conforme a Constituição dos dispositivos da Lei nº 1.079/50, para que se adequem à Constituição Federal de 1988. Em 08/12/15 o requerente apresentou pedidos de medida cautelar incidentais: (i) visando anular a decisão de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos Deputados contra a Presidente da República e que, assim, outra decisão fosse proferida por ele com a devida observância do direito de defesa prévia da Presidente da República; (ii) e que, no momento de formação da Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a eleição de seus membros observasse a regra de indicação pelos partidos, por meio das lideranças partidárias, através de voto aberto; (iii) e que a composição da Comissão Especial se desse segundo a representação proporcional dos partidos, e não dos blocos partidários. Em 10/12/15 o Relator, Min. Edson Fachin: com o objetivo de (i) evitar a prática de atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, determinou, até que houvesse debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, a suspensão da formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015 todos os atos até o momento praticados. Em 16/12/15 houve deferimento parcial dos pedidos cautelares pelo Relator, e indeferimento dos pedidos deduzidos nas medidas cautelares incidentais, e o Tribunal decidiu, por unanimidade, prorrogar a eficácia da medida cautelar monocraticamente concedida até a conclusão do julgamento, que se deu entre o próprio dia 16 e 17 de dezembro, tendo a Corte julgado a APDF. Principais destaques: a) Não há que se falar em direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara; b) A eleição da comissão especial do impeachment deve se dar por indicação dos líderes e voto aberto do Plenário; c) É possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que tratam sobre o procedimento do impeachment; d) No que diz respeito ao papel da Câmara no processo de impeachment, a sua atuação deve ser entendida como parte de um momento pré-processual, isto é, anterior à instauração do processo pelo Senado; Segundo o Min. Barroso: "a Câmara apenas autoriza a instauração do processo: não o instaura por si própria, muito menos determina que o Senado o faça". Dessa forma, os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80 e 81, da Lei nº 1.079/50 não foram recepcionados por serem incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da CRFB/88. (Os votos nesse sentido foram dos seguintes Ministros: Roberto Barroso, Teori Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio e Celso de Mello.) Dessa forma, ao Senado compete decidir se deve receber ou não a denúncia cujo prosseguimento foi autorizado pela Câmara. Se a rejeitar, haverá o arquivamento do pedido; Se a receber, será iniciado o processo de impeachment propriamente dito (fase processual), com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela absolvição ou condenação do Presidente. e) Não é possível, em sede de ADPF, analisar a suposta parcialidade do Presidente da Câmara, Sr. Eduardo Cunha, nem determinar o seu afastamento do comando do processo. RESUMO SOBRE OS PRINCIPAIS ATOS DA CÂMARA, A PARTIR DO DECIDIDO NA ADPF 378 1. Cabe à Presidência da Câmara admitir ou não o prosseguimento da denúncia; 2. Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara; 3. Do despacho da Presidência que indeferir o recebimento da denúncia, caberá recurso ao Plenário (art. 218, § 3º, do RICD); 4. Se admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão especial formada por Deputados Federais para analisar o pedido e elaboração de parecer; 5. A eleição dos membros da comissão deve ser aberta e não poderá haver candidatura alternativa (avulsa); 6. O Presidente denunciado terá seu direito à defesa no rito da Câmara dos Deputados. Após o recebimento da denúncia, o mesmo será notificado para se manifestar, querendo, no prazo de dez sessões; 7. Não haverá grande dilação probatória na Câmara dos Deputados, em razão do rito abreviado; 8. O Plenário da Câmara decidirá se autoriza a abertura do processo de impeachment por 2/3 dos votos; 9. O processo será remetido ao Senado. RESUMO SOBRE OS PRINCIPAIS ATOS DO SENADO FEDERAL, A PARTIR DO DECIDIDO NA ADPF 378 1. Deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores para analisar o pedido de impeachment e elaborar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº 1.079/50, aplicados por analogia);ou emocionais em matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e 18 V. Cass Sunstein e Adrian Vermeulle, Intepretation and institutions, Public Law and Legal Theory Working Paper No. 28, 2002. 19 Ana Paula de Barcellos, Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de Direito do Estado 3:17, 2006, p. 34. 17 comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos20. Em suma: o Judiciário quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação espontânea, antes eleva do que diminui. V. CONCLUSÃO A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte. O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias. Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os membros do Poder Judiciário não serem eleitos, se atenuam na medida em que juízes e tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis. Não atuam eles por vontade política própria, mas como representantes indiretos da vontade popular. É certo que diante de cláusulas constitucionais abertas, vagas ou fluidas – como 20 Luís Roberto Barroso, Da falta de efetividade à constitucionalização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Temas de direito constitucional, tomo IV, 2009, no prelo. 18 dignidade da pessoa humana, eficiência ou impacto ambiental –, o poder criativo do intérprete judicial se expande a um nível quase normativo. Porém, havendo manifestação do legislador, existindo lei válida votada pelo Congresso concretizando uma norma constitucional ou dispondo sobre matéria de sua competência, deve o juiz acatá-la e aplicá-la. Ou seja: dentre diferentes possibilidades razoáveis de interpretar a Constituição, as escolhas do legislador devem prevalecer, por ser ele quem detém o batismo do voto popular. Os riscos da politização da justiça, sobretudo da justiça constitucional, não podem ser totalmente eliminados. A Constituição é, precisamente, o documento que transforma o poder constituinte em poder constituído, isto é, Política em Direito. Essa interface entre dois mundos dá à interpretação constitucional uma inexorável dimensão política. Nada obstante isso, ela constitui uma tarefa jurídica. Sujeita-se, assim, aos cânones de racionalidade, objetividade e motivação das decisões judiciais, devendo reverência à dogmática jurídica, aos princípios de interpretação e aos precedentes21. Uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às conseqüências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir dentro das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico. No tocante à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos, o Judiciário deverá verificar se, em relação à matéria tratada, um outro Poder, órgão ou entidade não teria melhor qualificação para decidir. Por exemplo: o traçado de uma estrada, a ocorrência ou não de concentração econômica ou as medidas de segurança para transporte de gás são questões que envolvem conhecimento específico e discricionariedade técnica. Em matérias como essas, em regra, a posição do Judiciário deverá ser a de deferência para com as valorações feitas pela instância especializada, desde que possuam razoabilidade e tenham observado o procedimento adequado. 21 Um avanço civilizatório que ainda precisamos alcançar é o do respeito amplo aos precedentes, como fator de segurança jurídica, isonomia e eficiência. Sobre o tema, v. Patrícia Perrone Campos Mello, Precedente: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo brasileiro, 2007. 19 Naturalmente, se houver um direito fundamental sendo vulnerado ou clara afronta a alguma outra norma constitucional, o quadro se modifica. Deferência não significa abdicação de competência. Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia. Nas demais situações, o Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para com o exercício razoável de discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade22, segurança jurídica, isonomia e eficiência do sistema. Por fim, suas decisões deverão respeitar sempre as fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionaliade, motivação, correção e justiça. Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes. 22 Ronald Dworkin, O império do direito, 1999, p. 271 e s. 20 ANEXO ALGUNS FATOS E DEZ DECISÕES RELEVANTES EM 2008 I. ALGUNS FATOS RELEVANTES 1. Mudança na presidência Em maio desse ano, chegou ao seu termo o mandato da Ministra Ellen Gracie na presidência do Supremo Tribunal Federal. Nomeada pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, foi a primeira a mulher a integrar a Corte e a presidi-la. Além da forte carga simbólica abrigada nesses dois fatos, o período foi marcado por avanços na modernização e informatização do Tribunal, e pela regulamentação de dois relevantes institutos introduzidos pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004: a súmula vinculante e a repercussão geral. Seguindo o sistema de rodízio por antigüidade adotado pela Corte, tomou posse o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que foi igualmente nomeado para a Corte pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. O novo Presidente é Professor da Universidade de Brasília (UnB) e, antes de se tornar Ministro, foi Procurador da República e Advogado-Geral da União. 2. Súmulas vinculantes Ao longo de 2008, foram editadas dez súmulas vinculantes, que se somaram às três pré-existentes. Os temas foram os mais variados: uso de salário mínimo como indexador (Súmula 4); defesa técnica por advogado em processodisciplinar (Súmula 5); remuneração de praças no serviço militar (Súmula 6); não auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º da Constituição enquanto vigorou (juros reais de 12%) (Súmula 7); prescrição e decadência do crédito tributário (Súmula 8); recepção do art. 127 da Lei de Execução Penal (Súmula 9); reserva de plenário para afastar incidência de lei ou ato normativo (Súmula 10); restrições ao uso de algemas (Súmula 11); taxa de matrícula em universidade pública (Súmula 12) e vedação do nepotismo nos três Poderes (Súmula 13). Algumas súmulas provocaram intenso debate público e 21 polêmica, não apenas por seu conteúdo, mas pela alegação de que o número reduzido de precedentes em relação a algumas delas daria ao STF, com sua edição, um papel quase normativo. 3. Repercussão geral A operacionalização do instituto da repercussão geral promete um impacto significativo na qualidade e na quantidade das questões a serem julgadas. As estatísticas de 2008 já deverão exibir essa nova realidade, beneficiada por procedimentos como o plenário virtual, a devolução de recursos múltiplos e o sobrestamento de processos na origem. O controle da própria agenda e a redução contínua da carga de trabalho permitirão que o Tribunal progressivamente concentre sua atuação no papel de corte constitucional, julgando não mais do que algumas centenas de casos por ano. O passo seguinte deverá ser a eliminação de uma série de competências originárias e recursais que não se justificam e não têm par em nenhum país do mundo. No modelo que se está desenhando, o Supremo Tribunal Federal poderá se dedicar com mais vagar e visibilidade aos grandes temas que cabem a um tribunal constitucional: proteção e promoção dos direitos fundamentais, preservação das regras do jogo democrático, separação de Poderes, federação e outros seletivamente escolhidos pela maioria da Corte, de acordo com as circunstâncias de cada época. 4. Audiências públicas sobre interrupção da gestação no caso de anencefalia Sob a condução do Ministro Marco Aurélio, relator do processo, foi realizada uma série de quatro audiências públicas, no âmbito da ADPF 54. Na ação se pede ao Supremo Tribunal Federal que interprete conforme a Constituição os artigos do Código Penal que tratam do aborto para declarar que eles não incidem na hipótese de interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Foram ouvidas entidades religiosas, médicas, científicas, professores, parlamentares e Ministros de Estado. 22 Também estiveram presentes mulheres que passaram pela experiência de ter uma gestação nessas condições. Apesar do antagonismo das posições, o debate foi rico e cordial. A maioria das entidades religiosas que participaram das audiências se manifestaram contrariamente à possibilidade de interrupção da gestação no caso de anencefalia, inclusive a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a Associação Médico-Espírita do Brasil. A totalidade das entidades científicas, acadêmicas e de classe defenderam o direito de a mulher interromper a gestação, se assim desejar, aí incluídos o Conselho Federal de Medicina, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Conselho Federal dos Direitos da Mulher, a Escola de Gente e o Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Anis. No mesmo sentido se pronunciaram os Ministros da Saúde, José Gomes Temporão, e da Mulher, Nilcéa Freire. O julgamento é esperado para o primeiro semestre de 2009. 5. A polêmica dos habeas corpus Outro fato marcante do ano de 2008 foi a concessão de habeas corpus, pelo Presidente do STF, em casos de prisão temporária de personalidades conhecidas, cujos processos tiveram grande visibilidade. Vislumbrando abuso de poder nas medidas, o Ministro Gilmar Mendes – cujas decisões foram ratificadas pelo Plenário – deflagrou um debate que polarizou diversos setores da sociedade. Quando pessoas esclarecidas e bem intencionadas divergem com a profundidade verificada nesse episódio, é sinal que há dificuldades sérias na interlocução, pela ausência de premissas comuns. Do episódio é possível extrair uma conclusão: o sistema punitivo no Brasil – esse que começa no inquérito policial, passa pelo Ministério Público, pelo Judiciário, pela execução penal e deságua no sistema penitenciário – está desarrumado. É preciso repensá-lo do ponto de vista filosófico e normativo, rearrumá-lo nos seus valores, propósitos e conceitos. Todos os ramos do Direito vivem, em épocas diferentes, situações de crise. Esse parece ser o caso do direito penal e do direito processual penal no Brasil. 23 II. DEZ CASOS JULGADOS EM 2008 1. Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias (ADIn 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto) Por maioria, a Corte julgou improcedente ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2205). O referido artigo, em seus diferentes dispositivos, autorizava e disciplinava as pesquisas científicas com embriões humanos resultantes dos procedimentos de fertilização in vitro, desde que inviáveis ou congelados há mais de três anos. Prevaleceu o voto do relator, Ministro Carlos Ayres Britto, no sentido de que não havia, na hipótese, violação ao direito à vida, nem tampouco ao princípio da dignidade da pessoa humana. A posição do relator, julgando a ação totalmente improcedente, prevaleceu por seis votos a cinco. Dos cinco votos vencidos, dois deles tinham, como traço central, a proibição de destruição do embrião (Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski). Os outros três, sem se oporem à pesquisa que comprometesse o embrião, entendiam dever ficar explicitada na decisão a existência obrigatória de um órgão central de controle dessas pesquisas (Ministros Cezar Peluso, Eros Grau e Gilmar Mendes). 2. Vedação do nepotismo nos três Poderes (ADC 12, Rel. Min. Carlos Britto; e RE 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) Em ação declaratória de constitucionalidade ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, o Plenário do STF declarou a constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2005, do Conselho Nacional de Justiça, que proibia a nomeação de parentes de membros do Poder Judiciário, até o terceiro grau, para cargos em comissão e funções gratificadas. Entendeu-se que, independentemente de lei específica, a proibição deveria ser extraída dos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade. Na seqüência, ao julgar recurso extraordinário oriundo do Rio Grande do Norte, no qual se discutia a validade da nomeação de 24 parentes de vereador e de vice-prefeito para cargos públicos, o Tribunal estendeu a vedação do nepotismo aos Poderes Executivo e Legislativo, aprovando a Súmula de nº 13, com o seguinte teor: "A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal." 3. Prisão por dívida. Virada na jurisprudência (HC’s 87.585/TO, Rel. Min. Marco Aurélio e 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio; RE’s 349.703, Rel. p/ ac. Min. Gilmar Mendes e 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso). No conjunto de casos identificados acima, o STF reviu sua antiga jurisprudência na matéria, relativamente à possibilidade de prisão do depositário infiel. Diante da circunstância de o Brasil ser signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica, que restringe aprisão por dívida ao descumprimento inescusável da prestação alimentícia, passou a considerar derrogadas as leis que previam a prisão do depositário infiel, inclusive nas hipóteses de alienação fiduciária e de depósito judicial. O Tribunal se dividiu em relação à posição hierárquica dos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos firmados pelo Brasil. Prevaleceu nos julgamentos a tese do Ministro Gilmar Mendes, que sustentou o status supra-legal, mas infraconstitucional de tais atos. Ficaram vencidos, no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, Eros Grau e Ellen Gracie. O Ministro Marco Aurélio entendeu não ser indispensável uma definição sobre este ponto para fins daqueles julgamentos e absteve-se de se pronunciar sobre ele. 4. Demarcação de terras indígenas na área conhecida como Raposa/Serra do Sol (Pet. 3388/RR, Rel. Min. Carlos Britto) 25 O julgamento ainda não foi concluído, mas oito votos já foram proferidos. Por sua importância, merece referência. Na ação proposta por Senador da República pleiteou-se a declaração de nulidade da Portaria 534/2005, do Ministro da Justiça, e do Decreto homologatório do Presidente da República, que demarcaram as terras indígenas na área referida. Foram alegados inúmeros fundamentos, que incluíam vícios no procedimento, riscos para a segurança nacional, violação do princípio federativo, falta de proporcionalidade e conseqüências econômicas graves para o Estado de Roraima. O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, julgou improcedente o pedido e chancelou a demarcação contínua contida no ato impugnado, rejeitando a demarcação em ilhas, como requerido. Em seu voto, o Ministro Menezes Direito propôs procedência parcial, impondo “condições” que, na verdade, resultavam da interpretação de disposições constitucionais aplicáveis. Trata-se de território nacional e de terras pertencentes à União, que pode enviar as Forças Armadas e a Polícia Federal para desempenho de suas funções institucionais, bem como conserva a competência para licenciar atividades de exploração de potenciais hidráulicos e extração mineral, dentre outras. Esta posição, à qual aderiu o relator, contava com oito votos quando se deu o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio. 5. Inelegibilidade e vida pregressa de candidatos a cargos eletivos (ADPF 144/DF, Rel. Min. Celso de Mello) A ação foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e tinha por fundamento a interpretação do art. 14, § 9º da Constituição Federal, que prevê que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade, levando em conta a vida pregressa dos candidatos. A Justiça Eleitoral de diversos Estados havia negado registro a candidatos condenados em processos criminais e administrativos, independentemente do trânsito em julgado dessas decisões. Essa posição não foi endossada pelo Tribunal Superior Eleitoral e, contra essa linha de entendimento, opôs- se a AMB. O STF julgou improcedente o pedido, sob dois fundamentos principais: a) havendo reserva de lei complementar, violaria a divisão funcional de Poderes decisão judicial que, na falta da lei, instituísse outras hipóteses de inelegibilidade; b) o 26 acolhimento do pedido vulneraria os princípios constitucionais da presunção de inocência e do devido processo legal. Votaram vencidos os Ministros Carlos Britto e Joaquim Barbosa. 6. Restrições ao uso de algemas (HC 91.952/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). O Tribunal, por unanimidade, anulou decisão condenatória proferida pelo Tribunal do Júri, em razão de o acusado ter sido mantido desnecessariamente algemado durante toda a sessão. Entendeu-se que, no caso, não havia uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado a tal humilhação, vulneradora da dignidade da pessoa humana e do princípio da não- culpabilidade, inclusive por induzir nos jurados a percepção de que se estaria diante de acusado de alta periculosidade. Em desdobramento desse julgamento, foi editada a Súmula 11, com o seguinte teor: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado". Alguns setores criticaram a edição da súmula, sob o fundamento de que ela se basearia em um único precedente, quando a constituição exige reiteradas decisões (CF, art. 103-A). 7. Passe livre para deficientes no transporte coletivo (ADIn 2.649/DF, Rel. Min. Carmen Lúcia) O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.899/94, que concede passe livre no sistema de transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência, comprovadamente carentes. A autora da ação sustentou que a Lei afrontava os princípios da isonomia e da livre iniciativa, bem como o direito de propriedade. Em seu voto, a relatora, Ministra Cármen Lúcia, fez referência à Convenção sobre os 27 Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada pelo Brasil, em 2007, e à preponderância do princípio da solidariedade, inscrito no art. 3º da Constituição. Também foi afastado o argumento de que haveria violação ao art. 170 da Constituição, uma vez que a livre iniciativa deve ser regulada nos termos da lei, considerando os demais princípios constitucionais da ordem econômica que também merecem amparo, como a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais. Assentou ainda a Relatora que eventual desequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato poderia ser sanado por ocasião da negociação de tarifa com o poder concedente. 8. Suspensão da Lei de Imprensa do regime militar (ADPF 130/DF, Rel. Min. Carlos Britto) O Tribunal suspendeu, em medida cautelar, um conjunto de disposições da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9.02.1967), editada ao tempo do regime militar. De acordo com o relator, Ministro Carlos Ayres Britto, tais previsões não eram compatíveis com o padrão de democracia e de liberdade de imprensa concebido pelo constituinte de 1987-88, que se apóia em dois pilares: a) informação em plenitude e de máxima qualidade; e b) transparência ou visibilidade do poder, seja ele político, econômico ou religioso. A cautelar foi referendada pelo Plenário, vencidos, em parte, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau e Celso de Mello, que suspendiam toda a lei, autorizando a aplicação da legislação ordinária, civil e penal; e o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia da ADPF. 9. Sigilo judicial e Comissões Parlamentares de Inquérito (MS 27.483/DF, Rel. Min. Cezar Peluso). O Tribunal, por maioria, referendou decisão liminar concedida pelo relator, Ministro Cezar Peluso, em favor de operadoras de telefonia. O ato impugnado consistia em requisição, feita pela CPI instituída para investigar escutas telefônicas clandestinas, no sentido de que lhe fossem remetidos os dados referentes a 28 todas as decisões judiciais e mandados de interceptação telefônica cumpridos no ano de 2007. Por se tratar de informações protegidas por sigilo judicial, as operadoras ficaram no seguinte dilema: se não atendessem à requisição, sujeitavam-se à imputação de crime de desobediência; se fornecessem os dados, estariam violando segredo de justiça, sem autorização judicial, fato igualmente típificado como crime. A maioria entendeu que CPI não tem o poder de quebrar sigilo imposto a processo sujeito a segredo de justiça, havendo, na matéria, reserva de jurisdição. A decisão explicitou que, se a Comissão demonstrasse interesse, as operadoras deveriam encaminhar um conjunto amplo de informações explicitadas no julgado,mas preservando o sigilo das partes. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que reconhecia o poder da CPI para requisição das informações pretendidas. 10. Isenção da Cofins sobre sociedades profissionais e revogação por lei ordinária (RE’s 377457/PR e 381964/MG, Min. Gilmar Mendes) O Tribunal declarou legítima a revogação, por lei ordinária (art. 56 da Lei 9.430/96), da isenção do recolhimento da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre as sociedades civis de prestação de serviços, que havia sido instituída por lei complementar (art. 6º, II, da LC 70/91). Reiterando orientação fixada no julgamento da ADC 1/DF, sustentou a maioria: a) a inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, que apenas se distinguiriam em razão da matéria reservada à primeira pela própria Constituição; b) a inexigibilidade de lei complementar para disciplina dos elementos próprios à hipótese de incidência das contribuições previstas no texto constitucional. Vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio que davam provimento aos recursos, para que fosse mantida a isenção estabelecida no art. 6º, II, da LC 70/91. Em seguida, na apreciação do pedido de modulação de efeitos temporais, verificou-se um empate, com cinco votos a favor e cinco contrários. O Tribunal proclamou o resultado como desfavorável à modulação, por entender que esta somente poderia ser concedida por voto de dois terços dos membors da Corte, aplicando, por analogia, o disposto no art. 27 da Lei 9.868/99. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 29 submeteu ao Presidente do STF um arrazoado sustentando que, na hipótese, por não ter havido declaração de inconstitucionalidade, a modulação poderia ser feita por maioria absoluta, devendo-se, portanto, colher o voto faltante. O acórdão ainda não foi publicado e, conseqüentemente, ainda não houve oportunidade para novo pronunciamento sobre o ponto. Seção Padrão Slide 1: Pós-Graduação 2024 Slide 2 Slide 3 Slide 4 Slide 5: Plano de aula Slide 6 Slide 7: Bibliografia Slide 8 Slide 9: Docente responsável Slide 10 Slide 11: Exercício de fixação Slide 12 Slide 13 Slide 14 Slide 15 Slide 16 Slide 17 Slide 18 Slide 19 Slide 20: Leitura complementar2. O parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve receber ou não a denúncia que foi autorizada pela Câmara. Se rejeitar a denúncia, haverá o arquivamento do processo; se recebê-la, iniciará a fase de processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela absolvição ou condenação do Presidente; 3. A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo voto da maioria simples, presente a maioria absoluta de seus membros (art. 47 da Lei nº 1.079/50, por analogia); 4. Se aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da República deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da CF/88). Se, após 180 dias do afastamento do Presidente, o julgamento ainda não tiver sido concluído, cessará o seu afastamento e ele reassumirá, sem prejuízo do regular prosseguimento do processo; 5. A defesa tem direito de se manifestar após a acusação; 6. O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória; 7. Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser condenado ou absolvido. Para que haja condenação, é necessário o voto de 2/3 dos Senadores; 8. Se houver condenação, serão aplicadas duas sanções: perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos. E, ainda, poderá ser oferecida denúncia criminal pelo Ministério Público; 9. Havendo condenação, o Vice-Presidente assumirá, completando o mandato (não será necessária a convocação de novas eleições). PODER EXECUTIVO - ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PROFª. FLAVIA BAHIA Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...) competência desta Suprema Corte para julgamento do presente habeas corpus. Isso porque a competência da expulsão é exclusiva do presidente da República (Lei 6.815/1980, art. 66), com delegação desses poderes ao ministro de Estado da Justiça, a partir do Decreto 3.447/2000 (art. 1º). O fato de o presidente da República delegar ao ministro de Estado da Justiça, mediante ato administrativo por ele próprio assinado, o exercício da competência legal de expulsão de estrangeiro não implica disposição da própria competência. [HC 101.528, voto do rel. min. Dias Toffoli, j. 9-12-2010, P, DJE de 22-3-2011.]Vide HC 101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010 Não implica disposição de competência legal a delegação pelo Presidente da República do ato de expulsão de estrangeiro. O STF sempre reputou válido o decreto de expulsão de estrangeiro subscrito pelo Ministro de Estado da Justiça por delegação do Presidente da República. [HC 101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010.] Vide HC 101.528, rel. min. Dias Toffoli, j. 9-12-2010, P, DJE de 22-3-2011 Vide HC 72.851, rel. min. Celso de Mello, j. 25-10-1995, P, DJE de 28-11-2008 É compatível com a Carta Magna a norma infraconstitucional que atribui a órgão integrante do Poder Executivo da União a faculdade de estabelecer as alíquotas do Imposto de Exportação. Competência que não é privativa do Presidente da República. Inocorrência de ofensa aos arts. 84, caput, IV, e parágrafo único, e 153, § 1º, da CF ou ao princípio de reserva legal. (...) Faculdade discricionária atribuída à Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, que se circunscreve ao disposto no Decreto-Lei 1.578/1977 e às demais normas regulamentares. [RE 570.680, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 28-10-2009, P, DJE de 4-12-2009, com repercussão geral.] A existência de filha brasileira só constitui causa impeditiva da expulsão de estrangeiro, quando sempre a teve sob sua guarda e dependência econômica, mas desde que a tenha reconhecido antes do fato que haja motivado a expedição do decreto expulsório. [HC 82.893, rel. min. Cezar Peluso, j. 17-12-2004, P, DJ de 8-4-2005.] =HC 110.849, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-4-2012, 2ª T, DJE de 30-5-2012 A expulsão de estrangeiros – que constitui manifestação da soberania do Estado brasileiro – qualifica-se como típica medida de caráter político-administrativo, da competência exclusiva do Presidente da República, a quem incumbe avaliar, discricionariamente, a conveniência, a necessidade, a utilidade e a oportunidade de sua efetivação. (...) O julgamento da nocividade da permanência do súdito estrangeiro em território nacional inclui-se na esfera de exclusiva atribuição do chefe do Poder Executivo da União. (...) O poder de ordenar a expulsão de estrangeiros sofre, no entanto, limitações de ordem jurídica consubstanciadas nas condições de inexpulsabilidade previstas no Estatuto do Estrangeiro (art. 75, II, a e b). O controle jurisdicional do ato de expulsão não incide, sob pena de ofensa ao princípio da separação de poderes, sobre o juízo de valor emitido pelo chefe do Poder Executivo da União. A tutela judicial circunscreve-se, nesse contexto, apenas aos aspectos de legitimidade jurídica concernentes ao ato expulsório. [HC 72.851, rel. min. Celso de Mello, j. 25-10-1995, P, DJE de 28-11-2008.] = HC 85.203, rel. min. Eros Grau, j. 6-8-2009, P, DJE de 16-12-2010 Vide HC 101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010 I-nomear e exonerar os Ministros de Estado; II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal; É inconstitucional qualquer tentativa do Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual, porquanto ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao chefe daquele Poder. Os dispositivos do ADCT da Constituição gaúcha, ora questionados, exorbitam da autorização constitucional de auto-organização, interferindo indevidamente na necessária independência e na harmonia entre os Poderes, criando, globalmente, na forma nominada pelo autor, verdadeiro plano de governo, tolhendo o campo de discricionariedade e as prerrogativas próprias do chefe do Poder Executivo, em ofensa aos arts. 2º e 84, II, da Carta Magna. [ADI 179, rel. min. Dias Toffoli, j. 19-2-2014, P, DJE de 28-3-2014.] A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está prevista na Lei 10.742/2003 como órgão técnico necessário à regulação do setor farmacêutico, justificando-se, especialmente, pelas complexidades do mercado de medicamentos. A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-jurídico do exercício do poder regulamentar pela administração pública, que deve atuar em consonância com a lei, atendendo à necessidade de regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos. [RMS 28.487, rel. min. Dias Toffoli, j. 26-2-2013, 1ª T, DJE de 15-3-2013.] O dispositivo impugnado, ao atribuir à instituição financeira depositária dos recursos do Estado a iniciativa de repassar, automaticamente, às contas dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas as dotações orçamentárias a eles destinadas, caracteriza ofensa ao art. 84, II, da CF/1988 (de observância obrigatória pelas unidades federadas), que confere, privativamente, ao chefe do Poder Executivo, a direção superior da administração estadual. [ADI 1.901, rel. min. Ilmar Galvão, j. 3-2-2003, P, DJ de 9-5-2003.] =ADI 1.914, rel. min. Cezar Peluso, j. 15-4-2009, P, DJE de 7-8-2009 Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (AGERGS). Insuficiência de relevo jurídico da oposição que se faz à sua autonomia perante o chefe do Poder Executivo (CF, art. 84, II), dado que não se inclui na competência da Autarquia função política decisória ou planejadora sobre até onde e a que serviços estender a delegação do Estado, mas o encargo de prevenir e arbitrar segundo a leios conflitos de interesses entre concessionários e usuários ou entre aqueles e o poder concedente. Serviço de saneamento. Competência da Agência para regulá-los, em decorrência de convênio com os Municípios. [ADI 2.095 MC, rel. min. Octavio Gallotti, j. 22-3-2000, P, DJ de 19-9-2003.] =AI 763.559 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 2-2-2010, 2ª T, DJE de 26-2-2010 III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; A Portaria MEC 474/1987 não configura usurpação de competência legislativa do chefe do Poder Executivo. [AI 754.613 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 20-10-2009, 2ª T, DJE de 13-11-2009.] IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução; É cediço na doutrina que "a finalidade da competência regulamentar é a de produzir normas requeridas para a execução de leis quando estas demandem uma atuação administrativa a ser desenvolvida dentro de um espaço de liberdade exigente de regulação ulterior, a bem de uma aplicação uniforme da lei, isto é, respeitosa do princípio da igualdade de todos os administrados" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 336). [ADI 4.218 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 19-2-2013.) (...) o STF assentou que é vedado ao chefe do Poder Executivo expedir decreto a fim de suspender a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior. [RE 582.487 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 25-9-2012, 2ª T, DJE de 25-9-2012.] A Lei 12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de afirmação de novos valores nominais para o período indicado (arts. 1º e 2º). Cabe ao presidente da República, exclusivamente, aplicar os índices definidos legalmente para reajuste e aumento e divulgá-los por meio de decreto, pelo que não há inovação da ordem jurídica nem nova fixação de valor. [ADI 4.568, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-11-2011, P, DJE de 30-3-2012.] A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. Mantida a decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu violado, na espécie, o princípio da reserva legal. [RE 577.025, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 11-12-2008, P, DJE de 6-3-2009, com repercussão geral.] Trata-se de ação direta na qual se pretende seja declarada inconstitucional lei amazonense que dispõe sobre a realização gratuita do exame de DNA. (...) Quanto ao art. 3º da lei, a "autorização" para o exercício do poder regulamentar nele afirmada é despicienda, pois se trata, aí, de simples regulamento de execução. Em texto de doutrina anotei o seguinte: "(o)s regulamentos de execução decorrem de atribuição explícita do exercício de função normativa ao Executivo (Constituição, art. 84, IV). O Executivo está autorizado a expedi-los em relação a todas as leis (independentemente de inserção, nelas, de disposição que autorize emanação deles). Seu conteúdo será o desenvolvimento da lei, com a dedução dos comandos nela virtualmente abrigados. A eles se aplica, sem ressalvas, o entendimento que prevalece em nossa doutrina a respeito dos regulamentos em geral. Note-se, contudo, que as limitações que daí decorrem alcançam exclusivamente os regulamentos de execução, não os 'delegados' e os autônomos. Observe-se, ainda, que, algumas vezes, rebarbativamente (art. 84, IV), determinadas leis conferem ao Executivo autorização para a expedição de regulamento tendo em vista sua fiel execução; essa autorização apenas não será rebarbativa se, mais do que autorização, impuser ao Executivo o dever de regulamentar". No caso, no entanto, o preceito legal marca prazo para que o Executivo exerça função regulamentar de sua atribuição, o que ocorre amiúde, mas não deixa de afrontar o princípio da interdependência e harmonia entre os poderes. A determinação de prazo para que o chefe do Executivo exerça função que lhe incumbe originariamente, sem que expressiva de dever de regulamentar, tenho-a por inconstitucional. Nesse sentido, veja-se a ADI 2.393, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 28-3-2003, e a ADI 546, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-4-2000. [ADI 3.394, voto do rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.] Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede jurisdicional concentrada. [ADI 996 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 11-3-1994, P, DJ de 6-5-1994.] =ADI 4.176 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 20-6-2012, P, DJE de 1º-8-2012 V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação da EC 32/2001) Redação Anterior: VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei; a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela EC 32/2001) É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, competências, atribuições e remunerações. (...) Art. 5° da Lei 1.124/2000, do Estado do Tocantins. Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do chefe do Executivo. Aumento de despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa daquele. Ofensa aos arts. 61, § 1°, II, a, e 84, VI, a, da CF. (...) São inconstitucionais a lei que autorize o chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos remunerados, bem como os decretos que lhe deem execução. [ADI 3.232, rel. min. Cezar Peluso, j. 14-8-2008, P, DJE de 3-10-2008.] =ADI 4.125, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2010, P, DJE de 15-2-2011 A Lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo daquele Estado. À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do chefe do Poder Executivo estadual as leis que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à organização e funcionamento da administração estadual, quando não importar aumento de despesa, ser regulamentada por meio de decreto do chefe do Poder Executivo (...). Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada. [ADI 2.857, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 30-8-2007, P, DJ de 30-11-2007.] É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação. [ADI 3.254, rel. min.Ellen Gracie, j. 16-11-2005, P, DJ de 2-12-2005.] Decreto 4.010, de 12-11-2001. Pagamento de servidores públicos da administração federal. Liberação de recursos. Exigência de prévia autorização do presidente da República. Os arts. 76 e 84, I, II e VI, a, todos da CF, atribuem ao presidente da República a posição de chefe supremo da administração pública federal, ao qual estão subordinados os ministros de Estado. Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao inciso VI do art. 84 pela EC 32/2001, que permite expressamente ao presidente da República dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não se aplicam ao decreto atacado. [ADI 2.564, rel. min. Ellen Gracie, j. 8-10-2003, P, DJ de 6-2-2004.] b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela EC 32/2001) VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; A soberania nacional no plano transnacional funda-se no princípio da independência nacional, efetivada pelo presidente da República, consoante suas atribuições previstas no art. 84, VII e VIII, da Lei Maior. A soberania, dicotomizada em interna e externa, tem na primeira a exteriorização da vontade popular (art. 14 da CRFB) através dos representantes do povo no parlamento e no governo; na segunda, a sua expressão no plano internacional, por meio do presidente da República. No campo da soberania, relativamente à extradição, é assente que o ato de entrega do extraditando é exclusivo, da competência indeclinável do presidente da República, conforme consagrado na Constituição, nas leis, nos tratados e na própria decisão do Egrégio STF na Ext 1.085. O descumprimento do Tratado, em tese, gera uma lide entre Estados soberanos, cuja resolução não compete ao STF, que não exerce soberania internacional, máxime para impor a vontade da República italiana ao chefe de Estado brasileiro, cogitando-se de mediação da Corte Internacional de Haia, nos termos do art. 92 da Carta das Nações Unidas de 1945. O sistema "belga" ou "da contenciosidade limitada", adotado pelo Brasil, investe o STF na categoria de órgão juridicamente existente apenas no âmbito do direito interno, devendo, portanto, adstringir-se a examinar a legalidade da extradição; é dizer, seus aspectos formais, nos termos do art. 83 da Lei 6.815/1980 (...). O presidente da República, no sistema vigente, resta vinculado à decisão do STF apenas quando reconhecida alguma irregularidade no processo extradicional, de modo a impedir a remessa do extraditando ao arrepio do ordenamento jurídico, nunca, contudo, para determinar semelhante remessa, porquanto, o Poder Judiciário deve ser o último guardião dos direitos fundamentais de um indivíduo, seja ele nacional ou estrangeiro, mas não dos interesses políticos de Estados alienígenas, os quais devem entabular entendimentos com o chefe de Estado, vedada a pretensão de impor sua vontade através dos Tribunais internos. (...) A reclamação por descumprimento de decisão ou por usurpação de poder, no caso de extradição, deve considerar que a Constituição de 1988 estabelece que a soberania deve ser exercida, em âmbito interno, pelos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, no plano internacional, pelo chefe de Estado, por isso que é insindicável o poder exercido pelo presidente da República e, consequentemente, incabível a reclamação, porquanto juridicamente impossível submeter o ato presidencial à apreciação do Pretório Excelso. A impossibilidade de vincular o presidente da República à decisão do STF se evidencia pelo fato de que inexiste um conceito rígido e absoluto de crime político. (...) Compete ao presidente da República, dentro da liberdade interpretativa que decorre de suas atribuições de chefe de Estado, para caracterizar a natureza dos delitos, apreciar o contexto político atual e as possíveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente, na forma do permitido pelo texto do Tratado firmado (art. III, 1, f); por isso que, ao decidir sobre a extradição de um estrangeiro, o presidente não age como chefe do Poder Executivo federal (art. 76 da CRFB), mas como representante da República Federativa do Brasil. O juízo referente ao pedido extradicional é conferido ao "Presidente da República, com apoio em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, de conveniência e/ou de utilidade (...) na condição de chefe de Estado" (Ext 855, min. rel. Celso de Mello, DJ de 1º-7-2006). O chefe de Estado é a figura constitucionalmente capacitada para interpretar a cláusula do Tratado de Extradição, por lhe caber, de acordo com o art. 84, VII, da Carta Magna, "manter relações com Estados estrangeiros". O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões políticas na esfera internacional, competindo esse mister ao presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior; aplicável, in casu, a noção de capacidades institucionais, cunhada por CassSunstein e Adrian Vermeule [InterpretationandInstitutions. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper, Nº 156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28]. [Rcl 11.243, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, j. 8-6-2011, P, DJE de 5-10-2011.] É válida a lei que reserva ao Poder Executivo – a quem incumbe, por atribuição constitucional, a competência para tomar decisões que tenham reflexos no plano das relações internacionais do Estado – o poder privativo de conceder asilo ou refúgio. (...). (...) (Ext 493). [Ext 1.008, rel. p/ o ac. min. Sepúlveda Pertence, j. 21-3-2007, P, DJ de 17-8-2007.] VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional; O exame da vigente CF permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – enquanto chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: (a) a promulgação do tratado internacional; (b) a publicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. [ADI 1.480 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-9-1997, P, DJ de 18-5-2001.] Tratado de extradição. Acolhimento pela Constituição dos atos a ela anteriores, desde que compatíveis. Desnecessidade de novo referendo pelo Congresso Nacional (CF, art. 84, VIII). [HC 67.635, rel. min. Paulo Brossard, j. 30-8-1989, P, DJ de 29-9-1989.] IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio; X - decretar e executar a intervenção federal; XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar necessárias; XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei; Sendo a medida desegurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no tempo exigido para o indulto. [RE 628.658, rel. min. Marco Aurélio, j. 5-11-2015, P, DJE de 1º-4-2016, com repercussão geral.] A concessão do benefício do indulto é uma faculdade atribuída ao Presidente da República. Assim, é possível a imposição de condições para tê-lo como aperfeiçoado, desde que em conformidade com a CF. [AI 701.673 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 5-5-2009, 1ª T, DJE de 5-6-2009.] O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é espécie, nos crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. O decreto presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla discricionariedade. [HC 90.364, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 31-10-2007, P, DJ de 30-11-2007.] = HC 81.810, rel. min. Cezar Peluso, j. 16-4-2009, P, DJE de 7-8-2009 A anistia, que depende de lei, é para os crimes políticos. Essa é a regra. Consubstancia ela ato político, com natureza política. Excepcionalmente, estende-se a crimes comuns, certo que, para estes, há o indulto e a graça, institutos distintos da anistia (CF, art. 84, XII). [ADI 1.231, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-12-2005, P, DJ de 28-4-2006.] Não pode, em tese, a lei ordinária restringir o poder constitucional do presidente da República de "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em lei" (CF, art. 84, XII), opondo-lhe vedações materiais não decorrentes da Constituição. Não obstante, é constitucional o art. 2º, I, da Lei 8.072/1990, porque, nele, a menção ao indulto é meramente expletiva da proibição de graça aos condenados por crimes hediondos ditada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição. Na Constituição, a graça individual e o indulto coletivo – que ambos, tanto podem ser totais ou parciais, substantivando, nessa última hipótese, a comutação de pena – são modalidades do poder de graça do presidente da República (art. 84, XII) – que, no entanto, sofre a restrição do art. 5º, XLIII, para excluir a possibilidade de sua concessão, quando se trata de condenação por crime hediondo. Proibida a comutação de pena, na hipótese do crime hediondo, pela Constituição, é irrelevante que a vedação tenha sido omitida no Decreto 3.226/1999. [HC 81.565, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 19-2-2002, 1ª T, DJ de 22-3-2002.] O indulto, em nosso regime, constitui faculdade atribuída ao presidente da República (art. 84, XII, da CF), que aprecia não apenas a conveniência e oportunidade de sua concessão, mas ainda os seus requisitos. A fixação do ressarcimento do dano como condição para o indulto não destoa da lógica de nosso sistema legal, que estimula a composição dos prejuízos causados pelo delito, mesmo antes do seu julgamento definitivo (v.g., arts. 16 e 312, § 2º, do CP), sem conferir-lhe, no entanto, caráter de obrigatoriedade, mas apenas de pressuposto para o gozo de determinado benefício. O sequestro de bens não tem o condão de tornar insolvente o réu para efeito de eximi-lo da satisfação do dano, erigida como condição para o indulto. Se o beneficiário não cumpre todos os requisitos do indulto, seu indeferimento não constitui constrangimento ilegal. [RHC 71.400, rel. min. Ilmar Galvão, j. 7-6-1994, 1ª T, DJ de 30-9-1994.] XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; (Redação da EC 23/1999) Forças Armadas. Desligamento de soldado-cabo. Mandado de segurança (...). Surge a impropriedade da impetração quando apontada como autoridade coatora, ante o fato de ser o chefe supremo das Forças Armadas, o presidente da República. [MS 25.549 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 2-4-2009, P, DJE de 8-5-2009.] Redação Anterior: XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei; XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da União; No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do presidente da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração seja nulidade ocorrida em fase anterior ao procedimento. [Súmula 627.] Estando o presidente da República de posse de lista tríplice destinada ao preenchimento de vaga de magistrado de TRT, podendo nomear, a qualquer momento, aquele que vai ocupar o cargo vago, configura-se a competência desta Corte para o julgamento do mandado de segurança que impugna o processo de escolha dos integrantes da lista, nos termos da jurisprudência do STF, consolidada na Súmula 627 desta Corte. [MS 27.244 QO, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 13-5-2009, P, DJE de 19-3-2010.] XVII- nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII; XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas; XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição; XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; Prestação trimestral de contas à Assembleia Legislativa. Desconformidade com o parâmetro federal (CF, art. 84, XXIV), que prevê prestação anual de contas do presidente da República ao Congresso Nacional. [ADI 2.472 MC, rel. min. Maurício Corrêa, j. 13-3-2002, P, DJ de 3-5-2002.] XXV- prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; Esta Corte firmou orientação no sentido da legitimidade de delegação a ministro de Estado da competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do art. 84, XXV, e parágrafo único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores públicos federais. (...) Legitimidade da delegação a secretários estaduais da competência do governador do Estado de Goiás para (...) aplicar penalidade de demissão aos servidores do Executivo, tendo em vista o princípio da simetria. [RE 633.009 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 13-9-2011, 2ª T, DJE de 27-9-2011.] = RE 608.848 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-12-2013, 2ª T, DJE de 11-2-2014 A Constituição do Estado de Mato Grosso, ao condicionar a destituição do procurador-geral do Estado à autorização da Assembleia Legislativa, ofende o disposto no art. 84, XXV; e art. 131, § 1º, da CF/1988. Compete ao chefe do Executivo dispor sobre as matérias exclusivas de sua iniciativa, não podendo tal prerrogativa ser estendida ao procurador-geral do Estado. [ADI 291, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 7-4-2010, P, DJE de 10-9-2010.] Presidente da República: competência para prover cargos públicos (CF, art. 84, XXV, primeira parte), que abrange a de desprovê-los, a qual, portanto é susceptível de delegaçãoa ministro de Estado (CF, art. 84, parágrafo único): validade da Portaria do ministro de Estado que, no uso de competência delegada, aplicou a pena de demissão ao impetrante. [MS 25.518, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 14-6-2006, P, DJ de 10-8-2006.] É inconstitucional o dispositivo da Constituição de Santa Catarina que estabelece o sistema eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de ensino. É que os cargos públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de cargo em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do chefe do Poder Executivo, se os cargos estão na órbita deste (CF, art. 37, II, art. 84, XXV). [ADI 123, rel. min. Carlos Velloso, j. 3-2-1997, P, DJ de 12-9-1997.] = ADI 2.997, rel. min. Cezar Peluso, j. 12-8-2009, P, DJE de 12-3-2010 XXVI- editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; Adoção de medida provisória por Estado-membro. Possibilidade. Arts. 62 e 84, XXVI, da CF. EC 32, de 11-9-2001, que alterou substancialmente a redação do art. 62. (...) No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, o Plenário desta Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas pelo modelo adotado pela CF, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo federal. Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19-6-1992 e ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-5-1993. [ADI 2.391, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-8-2006, P, DJ de 16-3-2007.] XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição. Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas delegações. Esta Corte firmou orientação no sentido da legitimidade de delegação a ministro de Estado da competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do art. 84, XXV, e parágrafo único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores públicos federais. (...) Legitimidade da delegação a secretários estaduais da competência do governador do Estado de Goiás para (...) aplicar penalidade de demissão aos servidores do Executivo, tendo em vista o princípio da simetria. [RE 633.009 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 13-9-2011, 2ª T, DJE de 27-9-2011.] = RE 608.848 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-12-2013, 2ª T, DJE de 11-2-2014 Nos termos do parágrafo único do art. 84 da Magna Carta, o presidente da República pode delegar aos ministros de Estado a competência para julgar processos administrativos e aplicar pena de demissão aos servidores públicos federais. Para esse fim é que foi editado o Decreto 3.035/1999. [RMS 25.367, rel. min. Ayres Britto, j. 4-10-2005, 1ª T, DJ de 21-10-2005.] = RMS 24.619, rel. min. Gilmar Mendes, j. 11-10-2011, 2ª T, DJE de 22-11-2011 Fi lo so Fi a e Te o ri a Ge ra l d o s d ir ei To s Fu n da m en Ta is JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE JUDICIALIZATION, BUDGETARY AND FINANCIAL LIMITS OF RESOURCES AND COMPLIANCE IN HEALTH SECTOR Ingo Wolgang Sarlet Giovani Agostini Saavedra Resumo A saúde tem, há muito, enrentando vários desafios. Em especial, algumas distorções provocadas por excessos da assim chamada “judicialização” da saúde têm gerado muito debate. Se não é possível desconsiderar a rele- vância da atuação do Poder Judiciário, reflexo das patologias verificadas no próprio sistema público e privado de saúde, também é verdade que a intervenção judicial desmedida se revela preocupante. No presente artigo, pretende-se avaliar esse enômeno a partir de dois aspectos: o da reser- va do possível, como possível limitador do controle jurisdicional, e o do Compliance, como medida preventiva de distorções geradas por eventuais excessos dessa judicialização. Palavras-chave: Judicialização. Saúde. Reserva do possível. Compliance. Abstract Health have aced various challenges. A special problem caused by excesses on the process so called “judicialization” o health raises lots o debate. I it’s not possible to diminish the importance o Judiciary unction, reflection o the pathologies ound in health system itsel, both public and private, it’s also truth that the excesses in judiciary intervention in Brazilian Health Care System are very preoccupying. In this article, we intend to analyse this phenomenon in two aspects: the budgetary and financial limits o resources, as a material limit o the jurisdictional control, and Compliance, as a preventive measure o distortions generated by any excesses o the judicialization. Keywords: Judicialization. Health. Budgetary and financial limits o re- sources. Compliance. 258 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 1 INTRODUÇÃO De há muito se sabe que a área da saúde no Brasil tem enrentado uma série de desafios. Especialmente, após a deflagração de investigações e reportagens, que tornaram explícita a existência da chamada “Máfia das Próteses”, várias iniciativas têm sido tomadas no poder executivo, no poder legislativo, bem como emórgãos de fiscalização comooCADE, para buscar conter e corrigir algumas distorções criadas pela assim chamada judicialização da saúde. Embora com isso não se esteja a desconsiderar a relevância da atuação do Poder Judiciário, provocado pelas unções essenciais à Justiça e pela cidadania, visto se tratar em grande medida de um reflexo das patologias verificadas no próprio sistema público e privado de saúde, também é verdade que em determinadas situações a intervenção judicial se revela preocupante sob diversos aspectos. Nessa perspectiva, até mesmo pela inviabilidade de uma análise transversal e abrangente da problemática, destaca-se o impacto financei- ro e orçamentário, traduzido pela conhecida noção de uma “reserva do possível”, que tem sido recorrentemente esgrimida como limite ático (e jurídico) ao controle jurisdicional, também – e, considerando o número de processos – especialmente na área da saúde. Nopresente artigo, pretende-se avaliar o enômenoda assimchamada judicialização (doravante apenas judicialização) da saúde a partir de dois aspectos: o da reserva do possível, como possível limitador do controle jurisdicional, e o do Compliance, comomedida preventiva de distorções, que podem surgem a partir de eventuais excessos dessa judicialização. Para tanto, inicia-se pelo enômeno da reserva do possível e suas di- mensões para, na sequência, adentrar na seara do Complience, comomeio de minimizar o impacto da intervenção judicial, mas, em especial, como modo de potencializar os recursos e racionalizar os gastos na seara da saúde, contribuindo para a própria sustentabilidade do sistemade saúde. JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 259R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 2 A ASSIM CHAMADA RESERVA DO POSSÍVEL, SUAS DIMENSÕES E SEU IMPACTO1 Justamente pelo ato de os direitos sociais prestacionais terem por objeto – em regra – prestações do Estado diretamente vinculadas à destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens materiais, aponta-se, com propriedade, para sua dimensão economica- mente relevante, ainda que se saiba, que todos os direitos undamentais possuemumadimensãopositiva e, portanto, alguma relevância econômica (WIPFELDER, 1986). Tal constatação pode ser tida como essencialmente correta e não costuma ser questionada. Já os direitos de deesa – pre- cipuamente dirigidos a uma conduta omissiva – podem, em princípio, serconsiderados destituídos desta dimensão econômica, na medida em que o objeto de sua proteção como direitos subjetivos (vida, intimidade, liberdades etc.) pode ser assegurado juridicamente, independentemente das circunstâncias econômicas.2 É preciso que se deixe consignado, entretanto, que a reerida “ir- relevância econômica” dos direitos de deesa (negativos) deve ser com- preendida de modo adequado, pois de há muito se sabe que todos os direitos undamentais – na esteira da obra de Holmes e Sunstein e de acordo com a posição entre nós sustentada por autores como Gustavo Amaral (AMARAL, 2001) e Flávio Galdino (GALDINO, 2002) são, de certo modo, sempre direitos positivos, no sentido de que também os direitos de liberdade e os direitos de deesa em geral exigem – para a sua realiza- ção – um conjunto demedidas positivas por parte do poder público, que abrangem a alocação significativa de recursosmateriais e humanos para a sua proteção e implementação. Assim, não há como negar que todos os direitos undamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que esta circunstância não poderia ser limitada aos direitos sociais de cunho prestacional (SGARBOSSA, 2010). Aliás, é preciso enatizar, como o az Nabais (2007), que não apenas todos os direitos undamentais importam em custos, como tais custos podem ser compreendidos em sentido am- plo, abrangendo custos ligados à própria existência e sobrevivência do Estado (vinculados, por exemplo, ao dever de deesa da pátria), quanto custos ligados ao uncionamento democrático dever de votar, como em 260 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 sentido estrito, quando se reerem – conorme, aliás, a perspectiva aqui privilegiada, os assim chamados custos financeiros públicos de todos os direitos. Trilhando linha argumentativa similar, convergindo, portanto, com a posição aqui hámuito enatizada, no sentido de que existemdierenças entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, dierenças estas ligadas ao custo dos direitos, situa-se tambémo entendimento de Aonso da Silva (2008), para quem a realização dos direitos sociais “custa mais dinheiro”, distinguindo entre “gastos institucionais”, que seriam gastos comuns a todos os direitos (os gastos com amanutenção das instituições políticas e judiciais, por exemplo, que estão a serviço de todos os direitos) e os gastos diretamente reeridos à realização dos direitos sociais, razão pela qual o autor entende que gastos gerais devem ser excluídos para eeito de comparação entre os direitos civis e políticos e direitos sociais, econômicos e culturais, designadamente, na sua esera prestacional, convém acrescentar. Vinculada a tal característica dos direitos undamentais sociais a prestações está a problemática da eetiva disponibilidade do seu objeto, isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência dos meios para cumprir com sua obrigação.3 Já há tempo se averbou que o Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos undamentais sociais (BRUNNER, 1971), de tal sorte que a limitação dos recursos constitui, segundo alguns, em limite ático à eetivação desses direitos4. Distinta da disponibilidade eetiva dos recursos, ou seja, da possibi- lidadematerial de disposição, situa-se a problemática ligada à possibili- dade jurídica de disposição, já que o Estado (assim como o destinatário em geral) também deve ter a capacidade jurídica, em outras palavras, o poder de dispor, sem o qual de nada lhe adiantam os recursos existen- tes.5 Encontramo-nos, portanto, diante de duas acetas diversas, porém intimamente entrelaçadas, que caracterizam os direitos undamentais sociais prestacionais. É justamente em virtude destes aspectos que se JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 261R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 passou a sustentar a colocação dos direitos sociais a prestações sob o que se denominou de uma “reserva do possível”,6 que, compreendida em sentido amplo, abrange tanto a possibilidade, quanto o poder de disposição por parte do destinatário da norma. Para alémdisso, colhe-se o ensejo de reerir decisão da Corte Consti- tucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve correspon- der ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder de disposição, não se pode alar em uma obrigação de prestar algo que não se mantenha nos limites do razoável (STARCK, p. 303). A partir do exposto, há como sustentar que a assimdesignada reserva do possível apresenta pelomenos uma dimensão tríplice, que abrange a) a eetiva disponibilidade ática dos recursos para a eetivação dos direi- tos undamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursosmateriais e humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas, entre outras, e que, alémdisso, reclama equacionamento, notadamente no caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional ederativo; c) já na perspectiva (também) do eventual titular de umdireito a prestações sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra, também da sua razoabilidade (SARLET, 2015). Todos os aspectos reeridos guardam vínculo estreito entre si e com outros7 princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equa- cionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na perspectiva do princípio da máxima eficácia e eetividade dos direitos undamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas inclusive como erramental para a garantia também dos direitos sociais de cunho prestacional.8 Por outro lado, justamente com base nas ponderações tecidas, não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja elemento integrante dos direitos fundamentais,9 como se osse parte do seu núcleo essencial ou mesmo como se estive enquadrada no âmbito 262 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 do que se convencionou denominar de limites imanentes dos direitos undamentais. A reserva do possível constitui, em verdade (conside- rada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e ático dos direitos undamentais, mas também poderá atuar, em determinadas circunstâncias, como garantia dos direitos undamentais, por exemplo, na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação – observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro direito undamental. Cumpre anotar, aspecto que será igualmente retomado, que a noção de escassez (ou seja, a maior ou menor limitação dos recursos), em que pese essencialmente vinculada à dimensão ática da reserva do possível, como bemaverbaOlsen (2008), é umanoção artificial, resultado de cons- trução humana, visto que não há como satisazer simultaneamente em níveis ótimos todas as necessidades e desejos (visto que há necessidades criadas, inclusivemediante estímulo externo, como bemdemonstram os estudos sobre a publicidade), razão pela qual, de acordo com a lição da autora, a reserva do possível há de ser compreendida como sendo uma espécie de condição da realidade, a exigir ummínimo de coerência entre a realidade e a ordenação normativa objeto da regulação jurídica. Neste contexto, háquem sustente que, por estar em causa uma verdadeira opção quanto à aetaçãomaterial dos recursos, tambémdeve ser tomada uma decisão sobre a aplicação destes, que, por sua vez, de- pende da conjuntura socioeconômica global, partindo-se, neste sentido, da premissa de que a Constituição não oerece, ela mesma, os critérios para esta decisão, deixando-a ao encargo dos órgãos políticos (de modo especial ao legislador) competentes para a definição das linhas gerais das políticas na esera socioeconômica (ANDRADE, 1987). É justamente por esta razão que a realização dos direitos sociais prestacionais – de acordo com a oportuna lição de Canotilho (1982) – costuma ser encarada como autêntico problemade competência constitucional: “ao legislador compete, dentro das reservas orçamentais, dos planos económicos e financeiros, das condições sociais e económicas do país, garantir as prestações inte- gradoras dos direitos sociais, económicos e culturais”. JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 263R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 Por derradeiro, conquanto se possa partir da premissa de que em parte corretas as ponderações tecidas, reconhecendo-se as limitações representadas especialmente pela assim designada reserva do possível na esera dos direitos undamentais sociais de cunho prestacional, há que questionar até que ponto estes aspectos têm o condão de eetivamente impedir a plena eficácia e realização destes direitos, o que será aqui analisado na perspectiva do Compliance como erramenta na esera da prevenção e da otimização de recursos, demodo a evitar (ouminimizar) o recurso ao Poder Judiciário e, quando or o caso, o impacto de sua atuação. 3 COMPLIANCE COMO PREVENÇÃO DE DISTORÇÕES E EXCESSOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE10 Não é exagero afirmar, que, emque pese Compliance exista no Brasil desde a década de noventa, somente nos últimos dois anos ele passou a chamar a atenção da vida acadêmica e do mundo empresarial de orma mais consistente. As razões desse interesse são conhecidas: de um lado, a Lei 12.683 de 09 de julho de 2012, que modificou a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613 de 03 de março de 1998), ampliou considera- velmente os setores obrigados a ter programas de Compliance, assim considerados como o conjunto de políticas, procedimentos e controles internos com vistas à prevenção à lavagem de dinheiro; (SAAVEDRA, 2012)11 além disso, a APn 470 (o caso do Mensalão) acabou também chamando a atenção de todos para o debate sobre a responsabilidade penal dos Compliance Oficers (COSTA, 2014), bem como para o debate sobre a teoria do domínio do ato (LEITE, 2014). A Lei 12.846 de 01 de agosto de 2013 (também chamada de “Lei Anticorrupção”, “Lei da Em- presa Limpa”, “Lei da Probidade Administrativa” ou “Lei da Probidade Empresarial”) completou esse ciclo. Ela veio, emgrandemedida, implantar, no Brasil, medidas que já eram conhecidas e aplicadas em países como os Estados Unidos da América. Inovação maior, na área de Compliance, oi a possibilidade de a existência de programas de Compliance ter um impacto positivo na aplicação das penalidades da lei, bem como a cria- ção de hipótese de responsabilização objetiva da empresa no caso de atos de corrupção praticados em seu interesse ou benefício. Também 264 IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 essa lei acabou tendo sua importância ressaltada por um caso prático: a chamada “Operação Lava-Jato”. Essa operação desencadeou uma onda de investigações nacionais e internacionais correlatas, em alguns casos undamentadas em leis anticorrupção, o que contribuiu sobremaneira para o início de criação de uma consciência acerca da importância e do papel da nova lei. Nesse contexto, vale ainda ressaltar, a excelente e oportuna iniciativa do Deputado Thiago Simon, que regulamenta, no Estado do Rio Grande do Sul, a Lei 12.846 de 01 de agosto de 2013, a Lei Anticorrupção. Essa lei tem vários méritos, mas o mais importante é tornar obrigatórios os avanços implementados pela Lei Anticorrupção, em âmbito ederal, também no Rio Grande do Sul. Mais recentemente, uma reportagem do Fantástico acabou desen- cadeando também a abertura de uma série de CPIs, dentre as quais destaca-se aquela realizada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e, com especial relevância, aquela promovida pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul e que têm chamado à atenção para um esquema de corrupção, no setor público e privado, no âmbito da saúde. Sem di- minuir a importância dos enômenos anteriormente descritos, não há a menor dúvida, que essas CPIs e essas distorções no mercado de saúde assumemum lugar de destaque, porque as raudes ali descritas atingem diretamente os bens mais importantes do ser humano: sua integridade física, sua saúde e, em última instância, sua vida. Esse enômeno, porém, não é exclusivo do Brasil: na Europa e nos Estados Unidos houve escândalos de igual escala e o caminho encontra- do para o enrentamento desses problemas também se concentrou no Compliance. Essas medidas hoje estão concentradas no Código de Ética da Advamed (ADVAMED, 2009). No Brasil, um documento similar oi di- vulgado em2015, trata-se doÉtica Saúde – Acordo Setorial de Dispositivos Médicos. Este acordo consiste emumacordo setorial deCompliancepara a área da Saúde e pretende concentrar e adaptar, para o Brasil, asmelhores práticas e todas as medidas mais modernas de combate à corrupção no mercado de dispositivos médicos. Essas e outras iniciativas mostram que o caminho adotado inter- nacionalmente não se limita à repressão apenas, mas visa à prevenção. JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE 265R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017 Especialmente porque, no mercado de saúde, o mais importante não é reprimir um ato que já causou um dano, mas garantir que o sistema como um todo uncione adequadamente. Pois bem, para que se realize esse desiderato é necessário institucionalizar medidas, que mudem sis- temicamente o mercado como um todo e que não se limitem a punições pontuais de ações localizadas. Omelhormeio para se atingir esse objetivo é, sem dúvida nenhuma, a criação de uma regulamentação de Complian- ce para a área da saúde no Brasil. O presente artigo pretende, portanto, abordar os principais avanços na área de Compliance buscando justificar as sugestões de projeto de lei, que sistematizammedidas de Compliance, que tem a vocação para corrigir as alhas do mercado de saúde. 3.1 COMPLIANCE: DELIMITANDO O FENÔMENO Em grande medida, não seria errado afirmar que o surgimento do Compliance Criminal no Brasil é ruto de um processo complexo de expansão do Direito Penal. No Brasil, à primeira vista, parece não haver a menor dúvida dessa relação: o termo surgiu na década de noventa, década que, inegavelmente, marcou o início do processo de expansão do direito penal brasileiro (CAMPOS, 2010). Na verdade, o conceito de Compliance surgiu, no Brasil, na década de 90, mas, apenas nos últimos anos, ele tambémpassou a ser objeto de estudos jurídicos. Formalmente, o conceito passou a ter relevância jurídico-penal, principalmente, com a entrada em vigor da Lei 9.613 de 03.03.1998 e da Resolução nº 2.554 de 24.09.1998 do ConselhoMonetárioNacional. Desde então, as instituições financeiras e, logo após, também as empresas do mercado de seguros em geral, passaram a ter o dever de, respectivamente, comunicar ope- rações suspeitas, que pudessem implicar a prática do delito de lavagem de dinheiro (os chamados Deveres de Compliance) e de criar sistemas de controles internos, que previnam a prática de lavagem de dinheiro, que promovamo combate ao terrorismo, dentre outras condutas que possam colocar em risco a integridade do sistema financeiro. Porém, o desenvolvimento do Compliance no Brasil não está apenas vinculado ao desenvolvimento de políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo,