Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

Pós-Graduação 2024
Direito Público
Sabe qual o grande objetivo 
deste PDF?
Entendemos o quanto seu tempo direcionado
aos estudos é apertado e que fatores de
organização são de suma importância para seu
sucesso.
Em nossos pilares pedagógicos primamos por
oferecer a você conteúdo de forma objetiva,
simples e transformadora, com a qualidade
CERS que já é referência no mercado do Direito.
Que tal uma olhadinha para ver o que nossa
equipe pedagógica preparou com tanto
carinho?
1
O que apresentaremos 
neste material
2
Plano de Aula
Bibliografia
Exercícios 
de Fixação
Só isso?
Não!!!!
Aproveite para conhecer um pouco sobre o 
Docente responsável pela disciplina e 
anexamos aqui uma leitura complementar 
relevante sobre o tema abordado.
3
Plano de aula
Módulo
O Poder Executivo na CF/88; Introdução: Formas e
Sistemas de Governo; Visão geral do Poder Executivo
no Brasil; O Poder Judiciário Brasileiro; Noções Gerais
Funções do Judiciário; A Emenda Constitucional n° 45
de 2004; Organização da Justiça Brasileira; Estrutura
e órgãos do Poder Judiciário.
4
Módulo 1
Tema da Aula
O Poder Executivo e o Poder Judiciário na CF/88
Ementa
Objetivos
Expor as principais características do Poder
Executivo e do Poder Judiciário;
Aprofundar o tema, sobretudo sobre a EC 45 e
expor as novidades legislativas.
Bibliografia
Referência Bibliográfica
BARROSO, Luis Roberto. Curso de direito
constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional.
Ed. Malheiros.
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal
Anotada. Ed. Saraiva.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito
Constitucional Positivo. Salvador: Jus Podivm.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional. Ed. Saraiva.
MORAES, Guilherme Peña de. Curso de Direito
Constitucional. Ed. Altas.
NOVELINO, Marcelo. Curso de Direito Constitucional.
Salvador: Jus Podivm.
RIBEIRO, Diógenes V. Hassan. A Revisão do Princípio
da Separação Dos Poderes – Por Uma Teoria da
Comunicação. Ed. Lumen Juris.
5
Docente
responsável
Professora convidada
Advogada; Mestranda em Direito da Regulação
- FGV Rio; Especialista em Direito Público;
Professora.
6
Ana Luiza Moerbeck
Mini currículo
Exercício de 
fixação
O Poder Executivo e o Poder Judiciário 
na CF/88
Para que fazer estes 
Exercícios?
A literatura que trata da ciência da
aprendizagem elenca o uso de testes como um
dos principais métodos de consolidação do
conhecimento. Isso porque os testes forçam o
aluno a recuperar a informação, o que fortalece
as conexões neurais.
Pela realização dos Exercícios de Fixação, é
possível analisar qual parte do conteúdo não
foi inteiramente aprendido, de sorte que o
aluno pode revisitar na aula o tópico ou
aprofundar nas bibliografias recomendadas.
7
A realização dos Exercícios de Fixação é uma
importante estratégia de aprendizado, visto
que garante uma visão sistêmica e holística do
conteúdo. A partir desse método analítico e
ativo de aprendizagem, libera-se o
neurotransmissor acetilcolina e,
consequentemente, a atenção e o foco são
mantidos.
A partir de uma visão prática do conteúdo,
“hard skills” e “soft skills” são desenvolvidas.
Paralelamente, potencializam-se o
pensamento crítico e a resolução de
problemas, habilidades essenciais para o
operador do Direito.
8
Esquecer faz parte do processo de
aprendizagem. O cérebro humano recebe
milhares de informações todos os dias e
milhares de informações são esquecidas. É a
parte natural do processo. Desse modo, para
que o conhecimento fixe em nosso cérebro,
além da utilização de Exercícios que estimulam
a recuperação ativa de informações, também
se faz necessária a REVISÃO dos assuntos
anteriormente abordados.
Para maior aprofundamento teórico sobre os
conteúdos da Aula, você pode utilizar as
referências de leituras previstas no Plano de
Aula. Aconselhamos também o acesso a todos
os materiais complementares à aula, você
ganhará eficiência nos estudos.
9
Um dos grandes diferenciais da Especialização
lato Sensu da Faculdade CERS é ser intuitiva,
dinâmica, inovadora, descomplicada e atual.
Então, você está no lugar certo!
Bons estudos!
10
11
1ª Questão
O sistema de governo identifica como se opera a
relação entre governantes e governados, se é
temporária, permanente, se os governantes são
eleitos ou se ocupam seus cargos em razão da
hereditariedade.
a. Certa
b. Errada
2ª Questão
O mandato do Presidente da República é de 4
(quatro) anos e terá início em 5 de janeiro do ano
seguinte ao de sua eleição.
a. Certa
b. Errada
3ª Questão
O Brasil não se submete à jurisdição de Tribunal
Penal Internacional.
a. Certa
b. Errada
12
4ª Questão
Para dirimir conflitos fundiários, o Tribunal de
Justiça proporá a criação de varas especializadas,
com competência exclusiva para questões
agrárias.
a. Certa
b. Errada
5ª Questão
São inconstitucionais as normas que, introduzidas
pela Emenda Constitucional nº 45, de 8 de
dezembro de 2004, instituem e disciplinam o
Conselho Nacional de Justiça.
a. Certa
b. Errada
13
2ª Questão
Gabarito Comentado
Certa. Art. 82. O mandato do Presidente da
República é de 4 (quatro) anos e terá início em 5 de
janeiro do ano seguinte ao de sua eleição. (EC nº
111/2021)
1ª Questão
Gabarito Comentado
Errada. A forma de governo identifica como se
opera a relação entre governantes e governados,
se é temporária, permanente, se os governantes
são eleitos ou se ocupam seus cargos em razão da
hereditariedade.
3ª Questão
Gabarito Comentado
Errada. A submissão do Brasil à jurisdição do TPI –
art. 5°, §4° - “O Brasil se submete à jurisdição de
Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha
manifestado adesão”.
14
4ª Questão
Gabarito Comentado
Certa. A possibilidade de criação de varas
especializadas para a solução das questões
agrárias - art. 126 “Para dirimir conflitos
fundiários, o Tribunal de Justiça proporá a criação
de varas especializadas, com competência
exclusiva para questões agrárias”.
5ª Questão
Gabarito Comentado
Errada. São constitucionais as normas que,
introduzidas pela Emenda Constitucional nº 45, de
8 de dezembro de 2004, instituem e disciplinam o
Conselho Nacional de Justiça, como órgão
administrativo do Poder Judiciário nacional. [...]
Conselho Nacional de Justiça. Órgão de natureza
exclusivamente administrativa. Atribuições de
controle da atividade administrativa, financeira e
disciplinar da magistratura.
Competência relativa apenas aos órgãos e juízes
situados, hierarquicamente, abaixo do Supremo
Tribunal Federal. Preeminência deste, como órgão
máximo do Poder Judiciário, sobre o Conselho,
cujos atos e decisões estão sujeitos a seu controle
jurisdicional.” (ADI 3367, Relator(a): CEZAR PELUSO,
Tribunal Pleno, julgado em 13/04/2005, DJ 17-03-
2006 PP-00004 EMENT VOL-02225-01 PP-00182
REPUBLICAÇÃO: DJ 22-09-2006 PP-00029)
Leitura
complementar
RESPONSABILIDADES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA 
 
Os Crimes de Responsabilidade 
De acordo com o rol exemplificativo do art. 85, de eventuais infrações político-
administrativas que podem ser cometidas pelo Presidente da República, levando-o ao 
impeachment pelo Senado Federal, temos as que atentam contra a Constituição 
Federal e, especialmente, contra: 
I – a existência da União; II – o livre-exercício do Poder Legislativo, do Poder 
Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da 
Federação; III – o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; IV – a 
segurança interna do País; V – a probidade na administração; VI – a lei orçamentária; 
VII – o cumprimento das leis e das decisões judiciais. A Lei no 1.079/50 ainda 
acrescenta alguns tipos de infrações político-administrativas. 
O julgamento do Presidente da República por crime de responsabilidade, mais 
conhecido como impeachment, configura sanção de índole político-administrativa, 
destinada a operar, de modo legítimo, a destituição constitucional do Presidente da 
República,típicas do mercado financeiro, mas
266
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
também ao surgimento da Governança Corporativa. De ato, no Brasil,
Compliance, por muito tempo, oi compreendido, de um lado, como
parte da implementação das “boas práticas” da “Corporate Governance”.
Neste caso, Compliance era entendido como um “mandamento ético”
que deveriamelhorar o relacionamento da empresa com os stakeholders
e com o mercado12.
A palavra Compliance significa em tradução literal “estar em con-
ormidade”. Esta simples tradução, porém, esconde uma das maiores
dificuldades da conceituação do termo: trata-se de umconceito relacional
(ROTSCH, 2015), cujo significado só acaba por ser descoberto, portan-
to, através de uma análise do objeto com o qual se relaciona, dado que,
por óbvio, quem está “em conormidade”, está “em conormidade” com
“algo”. Compliance estabelece uma relação, portanto, entre um “estado
de conormidade” e uma determinada “orientação de comportamento”.
Se esta “orientação de comportamento” é uma norma jurídica, está-se
diante de Compliance jurídico, cuja designação varia conorme a área
do direito, na qual a norma a ser seguida se insere. Essa reflexão, à pri-
meira vista simples, procura explicitar alguns dos problemas de sua
delimitação conceitual: é necessário definir o significado de (1) “estado
de conormidade” e qual é a natureza normativa da (2) “orientação de
comportamento”, para que se possa, de orma minimamente plausível,
iniciar uma reflexão sobre Compliance.
(ad 1) Já há algum tempo, pode-se encontrar, na literatura internacio-
nal, diversas e diundidas críticas à pura e simples definição deCompliance
como estado de conormidade com as leis. Ora, a crítica é relativamente
simples: se Compliance significa apenas estar em conormidade com
as leis, o que há de novo? Não temos todos que estar em conormidade
com as leis? Por que é necessária toda uma nova área do direito, toda
uma nova teoria para tratar do óbvio: que temos de seguir leis? De ato,
se Compliance osse apenas isso, esta seria uma área do conhecimento
adada ao racasso.
No nosso entendimento, “estado de conormidade” adquire, na
área de Compliance, um completo e novo sentido: trata-se aqui de um
estado “dinâmico” de conormidade, ou seja, o “estado de conormidade”
significa aqui mais do que uma orma de estar no mundo, mas implica o
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
267R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
“compromisso” com a criação de um sistema complexo de políticas, de
controles internos e de procedimentos, que demonstrem que a empresa
ou organização está buscando “garantir”, que semantenha emumestado
de Compliance. Portanto, Compliance é a área do conhecimento, que busca
definir qual é esse conjunto complexo demedidas que permite, ace a um
cenário uturo “x” de risco, garantir “hoje”, com a máxima eficácia, um
estado de conormidade de todos os colaboradores de uma determinada
organização com uma determinada “orientação de comportamento”.
(ad 2) Delimitar a “orientação de comportamento” é a segunda das
dificuldades típicasdoCompliance. Essadificuldadeestádiretamente ligada
àquela de definição da natureza jurídicas das normas a serem seguidas,
afinal, oCompliance reere-se somente a “normas jurídicas”? Se se respon-
de afirmativamente a essa pergunta, a primeira objeção que se poderia
apresentar seria: “qual é, então, a natureza jurídica de umCódigo de Ética
ou de um Código de Conduta? Tratam-se aqui de normas jurídicas?” A
princípio não e, mesmo assim, nenhum estudioso ou especialista da área
diria queCompliancenão implica seguir essas normasde comportamento.
Nesse sentido, um dos problemas do Compliance é que ele lida com enô-
menos diversos de autorregulação, desde a autorregulação tradicional à
chamada “autorregulação regulada”. Tratam-se de normas de orientação
de comportamento, que não têm natureza jurídica, mas que passam a ter
“relevância jurídica” ou por orça de contrato (através das conhecidas
“cláusulas contratuais de Compliance”) ou por orça de lei (como, por
exemplo, a Lei Anticorrupçãoque atribuemexplicitamente consequências
jurídicas para aquelas empresas que tiverem Códigos de Ética e Códigos
de Conduta, ou seja, deixa claro que a existência dessas normas internas
passa a ter impacto na orma como será aplicada apenano caso concreto).
Portanto, Compliance consiste em um estado dinâmico de conor-
midade a uma orientação normativa de comportamento com relevância
jurídica por orça de contrato ou lei, que é caracterizadopelo compromisso
com a criação de um sistema complexo de políticas, de controles inter-
nos e de procedimentos, que demonstrem que a empresa está buscando
“garantir”, que se mantenha em um estado de Compliance.
Portanto, a primeira característica atribuída ao termo Compliance é
a prevenção. Dierentemente do Direito Penal ou Administrativo sancio-
268
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
nador tradicionais, que trabalham na análise ex post de ilícitos, ou seja,
apenas na análise de condutas comissivas ou omissivas que já violaram,
de orma direta ou indireta, algum bem jurídico digno de tutela do Es-
tado, o Compliance trata o mesmo enômeno a partir de uma análise ex
ante, ou seja, de uma análise dos controles internos e das medidas que
podemprevenir a persecução penal da empresa ou instituição financeira.
Exatamente por isso, o objetivo do Compliance tem sido descrito como a
“diminuição ou prevenção de riscos compliance” (COIMBRA, 2010). Se-
gundoposição dominante, portanto, as empresas e organizações deveriam
criar os chamados Compliance Oficers que teriam a responsabilidade de
avaliar os riscos compliance e criar controles internos com o objetivo de
evitar ou diminuir os riscos de sua responsabilização penal.
Por outro lado, os Compliance Oficers têm sido criados também com
o objetivo de investigar “potenciais criminosos” no âmbito de atuação
da empresa. No âmbito do debate internacional, muito se tem discutido
acerca dos deveres de comunicação de atos potencialmente criminosos
às autoridades competentes pelos Compliance Oficers e de sua responsa-
bilização penal. Recentemente, na Alemanha, por exemplo, o BGH (Bun-
desgerichthof) condenou um Compliance Oficer por entender que este,
ao assumir a responsabilidade pela prevenção de crimes no interior da
empresa, assume também uma posição de garante e, portanto, deve ser
punido criminalmente por ter assumido a responsabilidade de impedir o
resultado, por ter obrigação de cuidado, proteção e vigilância e, no caso
concreto, não ter criado umprograma de Compliance capaz de cumprido
esse dever, dado que, no caso concreto, esse programa não se mostrou
eficaz e permitiu que a empresa osse utilizada para a prática de crimes13.
Como se pode ver, o desenvolvimento do Compliance parece impli-
car um paradoxo14. O objetivo do Compliance é claro: a partir de uma
série de controles internos se pretende prevenir a responsabilização
penal. A sua concretização, porém, ao invés de diminuir as chances de
responsabilização penal, cria as condições para que, dentro da empresa
ou instituição financeira, identifique-se uma cadeia de responsabilização
penal, pois a orma como os Compliance Oficers têm sido constituídos
acaba por coloca-los na posição de garante. Com isso, as chances de res-
ponsabilização penal aumentam ou invés de diminuir, ou seja, a criação
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
269R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
de Compliance Oficers, que deveria zelar pela diminuição de riscos com-
pliance acaba, paradoxalmente, por aumentá-los, principalmente, porque
os Compliance Oficers, por sua vez, segundo doutrinamajoritária, devem
ser supervisionados diretamente pelo Conselho de Administração (ou
órgão similar degerência da empresa) ato que, obviamente, coloca em
risco de persecução penal toda a administração da empresa.
Como já introduzimos acima, o termo Compliance tem origem na
língua inglesa e é uma derivação do verbo inglês to comply, que significa
estar emconormidade, cumprir, executar, satisazer, realizar algo imposto.
No âmbito empresarial e, principalmente, das instituições financeiras, o
termo tem sido conceituado da seguinte orma: “Compliance é o ato de
cumprir, de estar em conormidade e executar regulamentos internos e
externos, impostos às atividades da instituição, buscandomitigar o risco
atrelado à reputação e ao regulatório/legal” (COIMBRA/MANZI, 2010, p. 2).
A partir desse conceito, pode-se apreender umproblemaque precisa
ser enrentado por todo aquele que quiser tratar seriamente do tema: a
abrangência do enômeno. Entendido dessa orma, o termo Compliance
abarcaria quase todo o tipo de regulações, ou seja, os Compliance Oficers
teriam, como obrigação, avaliar constantemente os procedimentos da
empresa com vistas a garantir que ela estivesse em conormidade com
todas as exigências legais, nacionais ou internacionais, que, de orma di-
reta ou indireta, tivessem influência ou ossem aplicáveis à sua atividade,
sejam elas trabalhistas, previdenciárias, ambientais, penais etc. De ato,
nos EUA e nos países da Europa ocidental, especialmente na Alemanha,
os Compliance Oficers têm essa unção abrangente. Nesses países, não
são apenas instituições financeiras que têm os chamados “deveres de
Compliance” (BARBOSA, 2010, p. 489-510), mas todas as empresas,
sejam elas sociedades anônimas, empresas de grande porte ou mesmo
pequenas e médias empresas15.
Nesse sentido, os Compliance Oficers uncionam, portanto, como
um guardião da empresa que teria, por principal unção, garantir que a
empresa permanecesse dentro dos limites da legalidade. Porém, se esse
é o significado do termo Compliance, surge um segundo problema: o ca-
ráter “quase-tautológico” do termo, dado que simplesmente afirmar que
a empresa tem de se adequar às leis é uma trivialidade. Afinal, não só as
270
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
empresas, mas todos os cidadãos de um país devem respeitar as leis e
agir dentro de seus limites. Portanto, se há algumanovidadeno enômeno
do Compliance, ela não pode ser buscada nesse seu aspecto. Na verdade,
parece que a originalidade do enômeno somente pode ser captada se o
procuramos analisar do ponto de vista do direito penal e da criminologia.
A primeira pergunta relevante para quem analisa os deveres de
Compliance é: qual seria a consequência do descumprimento dos deveres
de Compliance? Na prática das varas ederais e na doutrina, encontram-se
três correntes. A primeira entende que se deve recorrer aos artigos da
Lei 7.492/86 para coibir o descumprimento dos deveres de colaboração,
especialmente, aos arts. 16 e 22 e, eventualmente, ao art. 4º. Contra
essa posição, argumenta-se que as Leis 7.492/86 e 9.613/98 regulam
enômenos dierentes, sendo que só a segunda trata dos deveres de
Compliance. Portanto, os deveres de Compliance não se destinariam à
tutela do sistema financeiro, mas, somente, à identificação demovimen-
tações financeiras que indicariam a possibilidade de se estar diante do
crime de lavagem de capitais. Nesse caso, portanto, seria necessária a
criação de um tipo específico, que ainda não oi criado, nem mesmo
pela nova lei de lavagem16.
Uma segunda corrente deendeque a responsabilidadepela inobser-
vância das obrigações deCompliance seriameramente administrativa, nos
termos dos arts. 12 e 13 da Lei 9.613/98, sendo punível com sanções de
advertência oumulta pelo órgão reguladorda respectiva instituiçãoou, em
sua ausência, pelo COAF.17 A nova lei de lavagem reforçou esse entendi-
mento, pois deixou claroque se aplicamulta às pessoas reeridasno art. 9º.
Por fim, sinaliza-se para o risco de, em breve, o descumprimento
dos deveres de Compliance serem associados à posição de garante (SA-
AVEDRA, 2011). Umprimeiro sinal nesse sentido oi dado pelo Tribunal
Regional Federal da 4ª Região: “(...) Desse modo, é orçoso reconhecer
que as operações marginais de mero ingresso de valores no país por
parte dos clientes das instituições financeiras são atípicas, remanescendo
apenas a possibilidade de eventual prática de sonegação fiscal, que, como
é cediço, pressupõe a constituição definitiva do crédito tributário, o que
não é o caso, ou ainda a punição dos gestores da instituição financeira
clandestina pelo delito do artigo 16 e pelo crime de lavagem de dinheiro
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
271R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
por violação dos deveres de compliance, quando perpetrado no âmbito
da instituição financeira autorizada” (BRASIL, 2010)18.
Recentemente, em unção daAção Penal 470 (Mensalão), a utilização
da ormaomissiva imprópria para responsabilização dos Compliance Ofi-
cers parece estar se consolidando na jurisprudência. Porém, ao contrário
do que se seria esperado, ainda não se logrou êxito emdefinir adequada-
mente os critériosmateriais dessa ormade responsabilização criminal19.
3.2 COMPLIANCE NA ÁREA DE SAÚDE
Normalmente, na literatura especializada, os requisitos básicos
do programa de Compliance são considerados os seguintes (COIMBRA,
2010, p. 37 e ss.):
1. Normas, regras e padrões de ética, de conduta e política e procedi-
mentos escritos;
2. Designação de um Diretor de Compliance e criação de um Comitê de
Compliance;
3. Educação e treinamento para ornecer conhecimento de ormaeetiva;
4. Canalde comunicaçãoanônimadeeventuaisproblemasdeCompliance;
5. Monitoramento proativo de processos específicos e documentados
para finsdeCompliance e ajudana reduçãodeproblemas identificados;
6. Comunicação eetiva e ações disciplinares e corretivas.
Ainda, para ser considerado eetivo, um programa de Compliance
precisa ser implementado obedecendo às seguintes ases:
1. Avaliação de risco (risk assessment);
2. Elaboração de projeto de implementação, que seja adequado ao tama-
nho, à cultura e às especificidades da empresa e que seja estruturado
com base nos parâmetros desenvolvidos na avaliação de risco; e
3. Implementação do projeto.
Na área da saúde, porém, o oco do Compliance está na promoção
de interações éticas entre Empresas e os indivíduos ou entidades que
estão envolvidos na provisão de serviços de saúde aos pacientes e que
compram, alugam, recomendam, usam ou encaminham a compra ou
272
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
aluguel de Tecnologias Médicas das Empresas, ou seja, dos chamados
Profissionais da Saúde (ADVAMED, 2009, p. 1-2). Isso porque:
[...] o desenvolvimento das Tecnologias Médicas dependemuitas vezes de
alto grau de interação directa com os Profissionais de Saúde - ao contrário
dos medicamentos, que agem no corpo humano por meios armacológi-
cos, imunológicos e metabólicos. Por exemplo, as Tecnologias Médicas
implantáveis muitas vezes são aplicadas no corpo humano para repor ou
ortalecer uma parte corporal. As Tecnologias Médicas Cirúrgicas muitas
vezes servem como extensões dasmãos domédico. Em outras circunstân-
cias, as Tecnologias Médicas são reagentes não invasivos, instrumentação
e/ou sotware que auxiliam as decisões de diagnóstico, monitorização
e tratamento eitas pelos Profissionais de Saúde. Algumas Tecnologias
Médicas trabalham em sinergia com outras tecnologias, ou são acopladas
com outros produtos que empregam dispositivos damaneira mais segura
e eficaz. Muitas Tecnologias Médicas exigem apoio técnico durante e após
o seu uso (ADVAMED, 2009, p. 1-2).
Em unção disso, o Compliance, na área da saúde, além dos elemen-
tos acima, deve contemplar ainda os seguintes mais específicos (ÉTICA
SAÚDE, 2014):
• Comprometimentoda liderançagerencial sênior eumapolíticaanticor-
rupçãoclaramente articulada e que aborde não só as interações como
poder público,mas tambémas interações comprofissionais da saúde;
• Implementação de políticas e procedimentos por escrito, os quais vi-
sam a dar publicidade e transparência às relações estabelecidas entre
empresas e profissionais da saúde;
• Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos
e manualizados, que visem a garantir a interação ética e legítima da
empresa comprofissionaisda saúdenocasode celebraçãode contratos
de consultoria ou de prestação de serviços;
• Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos e
manualizados, que disciplinemdespesas e a concessão de patrocínios,
especialmente quando estes envolverem profissionais da saúde;
• Políticas,procedimentosecontroles internos ormalizados,escritosema-
nualizados,quegarantamanãoconcessãodeincentivosaprofissionaisda
saúdeeque,portanto,estabeleçaminternamenteaproibiçãodopatrocínio
de entretenimento e recreação a esses profissionais e seus amiliares;
• Políticas, procedimentos e controles internos ormalizados, escritos e
manualizados, que garantam uma interação ética e em conormidade
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
273R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
com a legalidade de empresas com profissionais da saúde, no que diz
respeito a almoços de negócios, concessão de brindes e presentes,
itens de demonstração e doações para instituições, organizações,
institutos ou hospitais;
• Designaçãodeumoficial deCompliancee/ouumcomitêdeCompliance,
com supervisão, autonomia e recursos necessários; responsáveis por
analisar e azer cumprir as provisões prescritas;
• Realização de treinamentos e educação eficazes de uncionários e
profissionais vinculados à empresa;
• Desenvolvimento de linhas eficazes de comunicação (incluindo uma
opção para realizar relatos anônimos);
• Realizaçãodeavaliaçõesde riscos,monitoramentoeauditoria internas;
• Padrões de execução do programa, através de normas disciplinares
amplamente divulgadas;
• Ação rápida quando problemas orem detectados e a realização de
ações corretivas e/ou sanções disciplinares;
• Realização de devida diligência (due diligence) em suas relações com
terceiros.
• Educação e treinamento eetivos;
• Linhas de comunicação, incluindo um canal para recebimento de
comunicações e denúncias anônimas acerca de violação de regras do
programa;
• Auditorias e monitoramentos internos;
• Medidas disciplinares aplicáveis no caso de violação comprovada de
regras de Compliance, que deverão ser amplamente divulgadas;
• Procedimentos de punição;
Como se pode ver, o Compliance, na área da saúde, envolve um com-
prometimento completo da empresa e acabamudando de orma integral
os mecanismos de gestão das empresas. Ele acaba por criar normas e
regras éticas e de conduta, políticas, procedimentos e controles internos,
que são capazes de garantir, que a empresa previna, em todos os seus
âmbitos de atuação, a prática de ilícitos, em especial aqueles de corrup-
ção. Nesse sentido, seria importante que essas medidas, hoje existentes
apenas como mecanismo de autoregulação, ossem ormalizadas por
meio de uma legislação consistente, que torne obrigatória a exigência
de um programa de Compliance para todas as pessoas jurídicas, que se
envolveremdireta ou indiretamente com a área da saúde. Somente assim
274
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
se estará dando um passo concreto no enrentamento sistemático das
distorções no mercado de saúde no Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De todo o exposto, é possível extrair algumas conclusões, ainda que
as mesmas devam ser submetidas ao crivo do contraditório (finalidade
mesmodopresente artigo) e careçamdemaiordesenvolvimento e reflexão.
Uma primeira consideração pode ser eita no sentido de reconhecer
que a assim chamada reserva do possível, nas suas diversas dimensões,
pode operar, por um lado, como limite (jurídico e ático) ao direito à pro-
teção e promoção da saúde, e, portanto, do controle judicial nessa seara,
mas também como mecanismo de ortalecimento do sistema de saúde.
Além disso, é possível afirmar que o erramental do Compliance
permite, se bem manejado e assumido pelos atores estatais e privados,
criar mecanismos de prevenção, resultando, justamente, no melhor
desempenho do sistema de saúde, da racionalização dos recursos, da
sua otimização e da sua sustentabilidade, resultando, provavelmente,
na própria diminuição do recurso ao Poder Judiciário, ou, quando esta
ocorrer, na redução do seu impacto.
É claro que se cuida tambémde umprocesso de conscientização, de
uma “tomada de atitude”, no sentido da criação e da introjeção de uma
cultura do Compliance, seja como regulador de cunho ético,mas também
com gradual projeção na esera jurídica, processo que, embora alguns
passos já dados, ainda está longe de se consolidar, mas cujos benefícios
deverão ser significativos.
Ao fim e ao cabo, resta desde logo uma certeza: com Compliance
o sistema de saúde será mais saudável e o direito à saúde mais eetivo!
NOTAS
1 O presente capítulo oi em grande parte extraído da obra: SARLET, IngoWolang. A Eficácia dos
Direitos Fundamentais, 12ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
2 C. C. Starck, in: BVerfG und GGII, p. 518. Assim também MURSWIEK, Dietrich. Grundrechte
als Teilhaberechte, soziale Grundrechte. In: J. Isensee-P. Kirchho (Org). Handbuch des Staats-
rechts der Bundesrepublik Deutschland, V, p. 267, que, contudo, aponta para o ato de que as
circunstâncias econômicas podem eventualmente vir a ser objeto necessário de consideração,
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
275R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
especialmente nas hipóteses de restrições aos direitos de deesa, quando da aerição da pro-
porcionalidade da restrição.
3 Assim, entre nós, LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Subjetivo e Direitos Sociais: o dilema do
judiciário no Estado Social de Direito. In: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. São Paulo:
Malheiros, 1974. P. 131.Nomesmosentido, v.MENDES, Gilmar Ferreira.ADoutrinaConstitucional
e o Controle de Constitucionalidade comoGarantia daCidadania –Necessidade deDesenvolvimento
de Novas Técnicas de Decisão: Possibilidade da Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pro-
nuncia de Nulidade no Direito Brasileiro. In: Caderno de Direito Tributário e Finanças Publicas
nº 3. 1993. P. 28, ressaltando que a eetividade dos direitos sociais se encontra na dependência
da atual disponibilidade de recursos por parte do destinatário da pretensão. Também KRELL,
Andreas. Controle judicial dos serviços públicos básicos na base dos direitos fundamentais sociais.
In: SARLET, IngoWolgang (Org.).AConstituição Concretizada – Construindo pontes para o público
e o privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000. P. 40 e ss., em importante ensaio sobre o
tema, aceita esta dependência dos direitos sociais prestacionais da existência de recursos para
sua eetivação, sem, contudo, negar-lhes eficácia e eetividade.
4 Esta, dentre outros, a lição de C. Starck, In: BverfG und GG II, p. 518.
5 A este respeito, v. tambémBRUNNER, Georg.Die Problematik der sozialen Grundrechte. In: Recht
und StaarNr. 404-405, J. C. B.Mohr (Paul Siebeck), Tubingen, 1971. P. 16. Entre nós, tal dimensão
cresce em relevo se levarmos em conta o problema da repartição de competência no âmbito do
Estado Federal e, acima de tudo, na repartição das receitas tributárias e sua aetação e aplicação,
temática que aqui não há como desenvolver. Sobre o tema, enatizando o direito à saúde, v. a
contribuição de GOUVÊA, MarcosMaselli. O direito ao fornecimento estatal de medicamentos. In:
A Efetividade dos Direitos Sociais, 2004. P. 255 e ss..
6 Entre nós, v. MENDES, Gilmar Ferreira. A Doutrina Constitucional e o Controle de Constitucio-
nalidade como Garantia da Cidadania– Necessidade de Desenvolvimento de Novas Técnicas de
Decisão: Possibilidade da Declaração de Inconstitucionalidade sem a Pronuncia de Nulidade no
Direito Brasileiro. In: Caderno de Direito Tributário e Finanças Publicas nº 3. 1993. P. 28. Mais
recentemente, v. as contribuições de TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na
Era dos Direitos. In: TORRES, Ricardo Lobo (Org.), Legitimação dos Direitos Humanos, Rio de
Janeiro, Renovar, 1999. P. 292 e ss., assim como P. G. Gonet Branco. In: Hermenêutica constitu-
cional e direitos fundamentais, p. 145 e ss. Na doutrina lusitana, posiciona-se avoravelmente ao
reconhecimento do limite da reserva do possível ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos
Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra: Livraria Almedina, 1987. P. 201.
7 Vale anotar, que, embora a substancial convergência, há quemprefira atribuir umcaráter dúplice
(oubidimensional) à assimdesignada “reserva dopossível”, comoéo casode SARMENTO,Daniel.
Aproteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: SOUZANETO, Claudio
Pereira. e SARMENTO, Daniel (Coord.),Direitos Sociais, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. P. 569
e ss., embora semdeixar,mas não no contexto específico das “dimensões” da reserva do possível,
de reerir a necessária observância dos critérios da proporcionalidade, designadamente, como
sempre fizemos questão de enatizar, abrangendo a razoabilidade da pretensão do particular em
acedoEstadoeda comunidade.Nomesmosentido, v., ainda, CALIENDO,Paulo. DireitoTributário
e Análise Econômica doDireito. Uma visão crítica. São Paulo: Elsevier, 2008. P. 204, reconhecendo
uma dimensão ática e jurídica da reserva do possível. De qualquer sorte, o mais importante é
que se tenha presente que a problemática posta pela reserva do possível abrange um conjunto
dierenciado de aspectos, que não pode ser reduzido à questão da eetiva disponibilidade de
recursos materiais. Enatizando também o caráter multidimensional da reserva do possível, v.,
por último, KELBERT, Fabiana Okchstein. Reserva do Possível e a Efetividade dos Direito sociais
no Direito Brasileiro, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. P. 65.
8 Reunindo um conjunto de ensaios sobre as diversas perspectivas da “reserva do possível”,
inclusive veiculando posições mais ou menos divergentes entre si, no sentido de um autêntico
debate sobre o tema, v., por último, SARLET, IngoWolang. Timm (Orgs.),Direitos Fundamentais,
Orçamento e “Reserva do Possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
9 Neste sentido, pelo menos, a recente afirmação de SCHÄFER, Jairo. Classificação dos Direitos
Fundamentais: do Sistema Geracional ao Sistema Unitário – uma proposta de compreensão, Porto
276
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
Alegre: Livraria do Advogado, 2005. P. 67. Nas palavras do autor, a reserva do possível “é um
elemento que se integra a todos os direitos undamentais”. Em verdade, o próprio autor – na
esteira da doutrina precedente – reconhece na reserva do possível uma condicionante jurídica
ou concreta à eetivação dos direitos, de tal sorte que, a despeito da contradição, resulta claro
que o autor vislumbra na reserva do possível um limite ático e jurídico que incide, emprincípio,
em relação a todos os direitos undamentais.
10 O presente capítulo é, emgrandemedida, uma versão revisada e adaptada para o presente artigo
do parecer que Giovani Agostini Saavedra apresentou, como especialista convidado, na CPI da
Máfia das Próteses realizada pela Assembleia do Estado do Rio Grande do Sul.
11 Sobre as mudanças da nova lei, ver: SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance na Nova Lei de
Lavagem de Dinheiro. In: Revista Síntese – Direito Penal e Processual Penal, Ano XIII, nº. 75,
Ago-Set, 2012, P. 22-30 e SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance e Prevenção à Lavagem de
Dinheiro: sobre os reflexos da Lei nº. 12.683/2012 no Mercado de Seguros. In: Revista de Estudos
Criminais, nº. 54. Jul./Set, 2014, P. 165-180.
12 Ver, aesserespeito:ABBI–AssociaçãoBrasileiradosBancos Internacionais;FEBRABAN–Federação
Brasileira de Bancos, Cartilha Função de Compliance, Agosto 2003 com atualização em Julho de
2009 (Disponível: www.ebraban.com.br); COIMBRA; Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi
Manual deCompliance.PreservandoaBoaGovernançaea IntegridadedasOrganizações, SãoPaulo:
Atlas, 2010. P. 12 e ss.; MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil. Consolidação e perspectivas,
São Paulo: Saint Paul, 2008. P. 64 e ss.; ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança
Corporativa. Fundamentos, Desenvolvimento e Tendências. São Paulo: Atlas, 2009. P. 183 e ss..
13 A decisão reerida é a BGH Entscheidung von 17.07.2009-5 StR 394/08.
14 O conceito de paradoxo é empregado aqui no sentido dado por: HARTMANN,Martin; HONNETH,
Axel. Paradoxien des Kapitalismus. Ein Untersuchungsprogram. In: Berliner Debatte Initial 15
(2004) 1, S. 9.
15 Paraumpanoramasobreadiscussão sobreCompliancenaAlemanha, ver:ROTSCH,Thomas.Crimi-
nalCompliance. In:Zeitschrift für InternationaleStrafrechtsdogmatik.Ausgabe10/2010,5. Jahrgang,
P. 614e ss.; HAUSCHKA, ChristophE.Corporate Compliance.HandbuchderHaftungsvermeidung im
Unternehmen. München: C.H. Beck, 2010; GÖRLING, Herlmut; INDERST, Cornelia; BANNENBERG,
Britta. Compliance. Aufbau – Managment – Risikobereiche, München: C.H. Beck, 2010.
16 Essa é a crítica e a sugestão de BARBOSA, DANIEL MARCHIONATTI, Ferramentas Velhas, novos
problemas: deficiências da utilização da lei dos crimes contra o sistema financeiro para coibir
descumprimento de deveres de compliance. In: T. HIROSE; J. P. BALTAZAR JÚNIOR (Orgs.). Curso
Modular de Direito Penal. Florianópolis: Conceito Editorial-EMAGIS, 2010, v. 2, p. 489-510.
17 Essa é a posição, por exemplo, de LIMA, Carlos Fernando. O Sistema Estadual Antilavagem de
Dinheiro: as obrigações de Compliance. In: CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de Dinheiro. Pre-
venção e Controle Penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011, P. 84
18 Há também julgados que já começamadiscutir a possibilidadede se exigir deveres deCompliance
de contadores e advogados. Ver, por exemplo: “EMENTA: PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES.
LAVAGEMDEDINHEIRO. RESPONSABILIDADEPENALDOADVOGADOEDOCONTADOR. INEXIS-
TÊNCIA DE DEVER DE COLABORAÇÃO. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS FACTUAIS OBJETIVAS.
ABSOLVIÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Os artigos 9º e 10 da Lei 9.613/98 não incluem o contador
e o advogado entre os profissionais que possuem dever de colaboração (compliance) com a re-
pressão à lavagemdedinheiro (identificaçãode clientes,manutençãode registros e comunicação
de operações financeiras com sérios indícios de lavagem de dinheiro). 2. O próprio Conselho
Estadual de Contabilidade não exige do contador a obrigação de fiscalizar a veracidade das in-
ormações que lhe são repassadas pelos seus clientes, conorme muito bem observou o ilustre
Juiz Estadual Eduardo Gomes Philippsen na sentença proerida na AP nº 2007.71.04.004606-0/
RS. Evidentemente, isso não significa que um profissional da contabilidade jamais poderá ser
responsabilizado criminalmente. Por ocasião do julgamento da ACR nº 2004.04.01.025529-6,
Rel. Juíza Estadual ELOY BERNST JUSTO, D.E. 28-06-2007, a Oitava Turma da Corte teve a opor-
tunidade de manter a condenação por sonegação fiscal de um contador que trabalhava em um
departamento de contabilidade exclusivo da aludida escola de inormática, o qual controlava
diretamente todas as alsidades fiscais que propiciaramvultoso crime contra a ordem tributária.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
277R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
3. Ademais, a simples prestaçãode serviços advocatícios pelo acusado (contador e advogado) por
ocasião da constituição da empresa utilizada para a ocultação de capital proveniente de tráfico
interEstadual de drogas não é, por si só, suficiente para justificar a sua condenação, porque a
acusação não logrouêxito em indicar na denúncia e comprovar ao longo da instrução que o réu
teria incorrido no tipo penal do artigo 1º, inciso I, § 2º, I e II da Lei 9.613/98, isto é, que sabia
dos propósitos obscuros da aludida pessoa jurídica. 4. Portanto, se é verdade que advogados
e contadores também podem praticar o branqueamento de capitais quando as circunstâncias
actuais objetivas preconizadas pelo artigo 6º, item2, “”, da ConvençãodasNaçõesUnidas contra
o Crime Organizado TransEstadual (v.g. pagamento de honorários em espécie, valores racio-
nados, em joias) demonstrarem que houve subversão da sua atuação profissional, orientando e
auxiliando, direta ou indiretamente, seus clientes no desiderato de ocultar ou dissimular valores
provenientes dosdelitos precedentes, tambémécerto que esses profissionais liberais nãopodem
ser incriminados pelo simples contato que tiverem com os autores dos crimes antecedentes
quando o órgão acusatório deixar de demonstrar, com segurança, como no caso em tela, os as-
pectos que denotam a ciência dos fins ilícitos da assessoria prestada. 5. Embargos inringentes
providos.” BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. ENUL – Embargos Infringentes e de
Nulidade nº 2007.70.00.026565-0. Embargante: Humberto Marcelino Ferreira. Relator Paulo
Aonso Brum Vaz, Porto Alegre, RS, D.E. 24 jun. 2011. Porém, os julgados que existem acerca do
tema são todos anteriores à nova resolução do Conselho Estadual de Contabilidade, que regula
os deveres de Compliance da classe. Portanto, fica a dúvida se as decisões teriam sido dierentes,
se os julgadores tivessem à sua disposição essa resolução.
19 SAAVEDRA, Giovani Agostini, Reflexões Iniciais sobre Criminal Compliance, in: Boletim IBCCRIM.
São Paulo: IBCCRIM, ano 18, n. 218, p. 11-12, jan./2011; SILVEIRA, Renato deMello Jorge; SAAD-
-DINIZ, Eduardo. Criminal Compliance: os limites da cooperação normativa quanto à lavagem de
dinheiro. In:Revista deDireito Bancário eMercadodeCapitais. Vol. 56. Abril. São Paulo: RT, 2012.
COSTA, Helena Regina Loba da; ARAUJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o Julgamento da
APn 470. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais, Ano 22, nº. 106, Jan-Fev/2014. P. 215-230.
REFERÊNCIAS
ABBI – Associação Brasileira dos Bancos Internacionais; FEBRABAN – Federa-
ção Brasileira de Bancos. Cartilha Função de Compliance. Agosto 2003 com
atualização em Julho de 2009. Disponível em: .
ADVAMED.CódigodeÉtica daAdvamed. 2009. p. 1-2. Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2016.
AMARAL, Gustavo.Direito, escassez e escolha. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os direitos undamentais na constituição
portuguesa de 1976. Coimbra: Livraria Almedina, 1987.
ANDRADE, Adriana; ROSSETTI, José Paschoal. Governança Corporativa: un-
damentos, desenvolvimento e tendências. São Paulo: Atlas, 2009.
BGH Entscheidung von 17.07.2009-5 StR 394/08.
278
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Aspecto de Teoria Geral de Direitos Funda-
mentais. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
PauloGustavoGonet.Hermenêutica constitucional edireitos undamentais.
Brasília: Brasília Jurídica, 2000.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ªRegião. Apelação Criminal nº 5008326-
03.2010.404.7100. Apelante: Ministério Público Federal. Apelado: Carlos
Fernando de Conto. Relator Paulo Aonso Brum Vaz, Porto Alegre, RS, 22 nov.
2010. Processo Eletrônico. Disponível em: . Acessado em: 27
out. 2016.
BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. ENUL – Embargos Inringentes
e de Nulidade nº 2007.70.00.026565-0. Embargante: HumbertoMarcelino Fer-
reira. Relator Paulo Aonso Brum Vaz, Porto Alegre, RS, D.E. 24 jun. 2011.
BARBOSA, Daniel Marchionatti. Ferramentas Velhas, Novos Problemas: defi-
ciências da utilização da lei dos crimes contra o sistema financeiro para coibir
descumprimento de deveres de compliance. In: HIROSE, T.; BALTAZAR JÚNIOR,
J. P. (Org.). Cursomodular de direito penal. Florianópolis: Conceito Editorial-
EMAGIS, 2010. v. 2.
BRUNNER, Georg. Die Problematik der sozialen Grundrechte. In: Recht und
Staar Nr. 404-405, J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), Tubingen, 1971.
GALDINO, Flávio. O custo dos direitos. In: Torres, R. L. (Org). Legitimação dos
direitos humanos. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
CALIENDO, Paulo. Direito tributário e análise econômica do direito: uma
visão crítica. São Paulo: Elsevier, 2008.
CAMPOS,MarcelodaSilveiraCampos.CrimeeCongressoNacional: umaanálise
da política criminal aprovada de 1989 a 2006. São Paulo: IBCCRIM, 2010.
CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constituição dirigente e vinculação do
legislador. Coimbra: Coimbra Editora, 1982.
COIMBRA; Marcelo de Aguiar; MANZI, Vanessa Alessi.Manual de compliance:
preservando a boa governança e a integridade das organizações. São Paulo:
Atlas, 2010.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
279R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
COSTA, Helena Regina Loba da; ARAUJO, Marina Pinhão Coelho. Compliance e o
julgamento da APn 470. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
n, 106, p. 215-230, jan./ev., 2014.
ÉTICA SAÚDE.Guia de implementação.Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2016.
GOUVÊA, Marcos Maselli. O controle judicial das omissões administrativas:
novas perspectivas de implementação dos direitos prestacionais. Rio de Janeiro:
Forense, 2003.
GOUVÊA,MarcosMaselli. O direito ao ornecimento estatal demedicamentos. In:
GARCIA, Emerson (Coord.).A eetividade dos direitos sociais. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2004.
GÖRLING, Herlmut; INDERST, Cornelia; BANNENBERG, Britta. Compliance.
Aufbau – Managment – Risikobereiche. München: C.H. Beck, 2010.
GRUNDLAGE,Thomas Rotsch. In: Rotsch, Thomas (Org.). Criminal compliance
handbuch. Baden-Baden: Nomos, 2015.
HARTMANN,Martin; HONNETH, Axel. Paradoxien des Kapitalismus. Ein Unter-
suchungsprogram. In: Berliner Debatte Initial 15 (2004) 1, S. 9.
HAUSCHKA, Christoph E. Corporate Compliance. Handbuch der Hatungsver-
meidung im Unternehmen. München: C.H. Beck, 2010;
KELBERT, FabianaOkchstein. ReservadoPossível e aEetividadedosDireito
Sociais no Direito Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011.
KRELL, Andreas. Controle Judicial dos Serviços Públicos Básicos na Base dos Di-
reitos Fundamentais Sociais. In: SARLET, Ingo Wolgang (Org.). A Constituição
concretizada: construindo pontes para o público e o privado. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2000.
LEITE, Alaor. Domínio do ato, domínio da organização e responsabilidade penal
por atos de terceiros sobre os conceitos de autor e partícipe na APn 470 do STF.
RevistaBrasileiradeCiênciasCriminais, SãoPaulo,n.106,p.47-90, jan./ev.,2014.
LIMA, Carlos Fernando. O sistema estadual antilavagem de dinheiro: as ob-
rigações de compliance. In: CARLI, Carla Veríssimo de. Lavagem de dinheiro:
prevenção e controle penal. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2011.
280
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
LOPES, JoséReinaldo de Lima.Direito subjetivo edireitos sociais: o dilemado
judiciário no Estado Social de Direito. In: FARIA, José Eduardo (Org.). Direitos
humanos, direitos sociais e justiça. São Paulo: Malheiros, 1974.
NABAIS, JoséCasalta.Poruma liberdadecomresponsabilidade: estudos sobre
direitos e deveres undamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 2007.
MANZI, Vanessa Alessi. Compliance no Brasil: consolidação e perspectivas.
São Paulo: Saint Paul, 2008.
MENDES, Gilmar Ferreira. A doutrina constitucional e o controle de constitucio-
nalidade comogarantia da cidadania: necessidadededesenvolvimento denovas
técnicas de decisão: possibilidade da declaração de inconstitucionalidadesem
a pronuncia de nulidade no direito brasileiro. Cadernos deDireito Tributário
e Finanças Públicas, São Paulo, n. 3, p. 21-43, abr./jun., 1993.
MURSWIEK, Dietrich Grundrechte als Teilhaberechte, soziale Grundrechte. In:
J. Isensee-P. Kirchho (Org).Handbuchdes Staatsrechts derBundesrepublik
Deutschland, V.
OLSEN, Ana Carolina Lopes.Direitos undamentais sociais: eetividade rente
a reserva do possível. Curitiba: Juruá, 2008.
ROTSCH, Thomas. Criminal Compliance. In: Zeitschrit ür Internationale
Strarechtsdogmatik. Ausgabe 10/2010, 5. Jahrgang.
ROTSCH, Thomas. Recht – Wirtschat – Strae. Festschrit ür Erik Samson
zum 70. Geburstag. München: C.H. Beck, 2010.
SARLET, Ingo Wolang. A eficácia dos direitos undamentais. 12. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
SARLET, Ingo Wolang. TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos undamentais,
orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.
SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros
ético-jurídicos. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira; SARMENTO, Daniel (Coord.).
Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance e prevenção à lavagem de dinheiro:
sobre os reflexos da Lei nº. 12.683/2012 no mercado de seguros. Revista de
Estudos Criminais, n. 54. Jul./set., 2014.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
281R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Compliance na nova lei de lavagem de dinheiro.
Revista Síntese – Direito Penal e Processual Penal, Ano XIII, n 75, ago./set,
2012.
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Reflexões iniciais sobre criminal compliance.
Boletim IBCCRIM, São Paulo, ano 18, n. 218, jan., 2011.
SCHÄFER, Jairo.ClassificaçãodosDireitos Fundamentais: do sistemageracio-
nal ao sistema unitário: uma proposta de compreensão. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2005.
SGARBOSSA, Luiz Fernando. Crítica à teoria dos custos dos direitos: reserva
do possível. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 2010. vol. I.
SILVA, VirgílioAonsoda.O judiciário e aspolíticas públicas: entre transormação
social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Claudio
Pereira; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos Sociais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge; SAAD-DINIZ, Eduardo. Criminal compliance:
os limites da cooperação normativa quanto à lavagem de dinheiro. Revista de
Direito Bancário e Mercado de Capitais, São Paulo, v. 56, abril, 2012.
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. In:
TORRES, Ricardo Lobo (Org.). Legitimação dos direitos humanos. Rio de
Janeiro: Renovar, 1999.
WIPFELDER, Hans-Jurgen. Die verassungsrechtliche Kodifizierung sozialer
Grundrechte. In: ZRP 1986.
Recebido em: 27-10-2016
Aprovado em: 01-6-2017
282
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
Ingo Wolgang Sarlet
Doutor em Direito pela Ludwig-Maximillians-Universität München (1997).
Realizou estudos de Pós-Doutorado, como Bolsista e Pesquisador do Instituto
Max-Planck de Direito Social, Estrangeiro e Internacional (Alemanha), bem
como no Georgetown Law Center (Washington DC, 2004), assim como na
Universidade de Munique (supervisão de Claus-Wilhelm Canaris) como
bolsista do DAAD (2005). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em
Direito PUC-RS. Proessor Titular da Faculdade de Direito e dos Programas
de Mestrado e Doutorado em Direito e em Ciências Criminais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Coordenador do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Direitos Fundamentais - CNPq. Desembargador do
TJRS. E-mail: iwsarlet@gmail.com
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Pós-Graduação em
Direito - Mestrado e Doutorado.
Av. Ipiranga, 6681 PUC-RS. Partenon. CEP 90619900 - Porto Alegre, RS - Brasil
- Caixa-postal: 1429
Giovani Agostini Saavedra
Doutor em Direito e em Filosofia pela Johann Wolgang Goethe – Universität
Frankurt am Main (Alemanha). Mestre em direito e graduado em Ciências
Jurídicas e Sociais pela PUCRS. Proessor de Direito Penal, Compliance e
Filosofia do Direito na Faculdade de Direito PUC-RS, proessor e coordenador
da Especialização em Compliance da PUCRS, proessor dos Programas de
Pós-Graduação em Ciências Criminais e em Direito da PUCRS (Mestrado
e Doutorado). Secretário-Geral do Instituto Transdisciplinar de Estudos
Criminais (ITEC), Coordenador do Núcleo de Pesquisa em Compliance,
Governança Corporativa & Inovação e Coordenador da Comissão Científica da
Faculdade de Direito da PUC-RS. E-mail: saavedra@srgadvogados.com
Pontifícia Universidade Católica, Programa de Pós-Graduação em Ciências
Criminais.
Av. Ipiranga, 6681 (Prédio 11, 10o. Andar). Partenon. CEP 90619-900 - Porto
Alegre, RS - Brasil
JUDICIALIZAÇÃO, ATIVISMO JUDICIAL E LEGITIMIDADE 
DEMOCRÁTICA 
 
 Luís Roberto Barroso1 
 
 Sumário: I. Introdução. II. A judicialização da vida. III. O ativismo judicial. IV. 
Objeções à crescente intervenção judicial na vida brasileira. 1. Riscos para a 
legitimidade democrática. 2. Risco de politização da justiça. 3. A capacidade 
institucional do Judiciário e seus limites. V. Conclusão 
 
 
I. INTRODUÇÃO 
 
 Nos últimos anos, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado 
um papel ativo na vida institucional brasileira. O ano de 2008 não foi diferente. A 
centralidade da Corte – e, de certa forma, do Judiciário como um todo – na tomada de 
decisões sobre algumas das grandes questões nacionais tem gerado aplauso e crítica, e 
exige uma reflexão cuidadosa. O fenômeno, registre-se desde logo, não é peculiaridade 
nossa. Em diferentes partes do mundo, em épocas diversas, cortes constitucionais ou 
supremas cortes destacaram-se em determinadas quadras históricas como protagonistas 
de decisões envolvendo questões de largo alcance político, implementação de políticas 
públicas ou escolhas morais em temas controvertidos na sociedade. 
 
 De fato, desde o final da Segunda Guerra Mundial verificou-se, na 
maior parte dos países ocidentais, um avanço da justiça constitucional sobre o espaço 
da política majoritária, que é aquela feita no âmbito do Legislativo e do Executivo, 
tendo por combustível o voto popular. Os exemplos são numerosos e inequívocos. No 
Canadá, a Suprema Corte foi chamada a se manifestar sobre a constitucionalidade de 
 
1 Professor Titular de Direito Constitucional, Doutor e Livre-Docente – Universidade do Estado do Rio 
de Janeiro (UERJ). Mestre pela Yale Law School. Autor dos livros Curso de Direito Constitucional 
Contemporâneo e Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro, dentre outros. Advogado. 
 2 
os Estados Unidos fazerem testes com mísseis em solo canadense. Nos Estados 
Unidos, o último capítulo da eleição presidencial de 2000 foi escrito pela Suprema 
Corte, no julgamento de Bush v. Gore. Em Israel, a Suprema Corte decidiu sobre a 
compatibilidade, com a Constituição e com atos internacionais, da construção de um 
muro na fronteira com o território palestino. A Corte Constitucional da Turquia tem 
desempenhado um papel vital na preservação de um Estado laico, protegendo-o do 
avanço do fundamentalismo islâmico. Na Hungria e na Argentina, planos econômicos 
de largo alcance tiveram sua validade decidida pelas mais altas Cortes. Na Coréia, a 
Corte Constitucional restituiu o mandato de um presidente que havia sido destituído 
por impeachment2. 
 
 Todos estes casos ilustram a fluidez da fronteira entre política e 
justiça no mundo contemporâneo. Ainda assim, o caso brasileiro é especial, pela 
extensão e pelo volume. Circunstâncias diversas, associadas à Constituição, à 
realidade política e às competências dos Poderes alçaram o Supremo Tribunal Federal, 
nos últimos tempos, às manchetes dos jornais. Não exatamente em uma seção sobre 
juízes e tribunais – que a maioriados jornais não tem, embora seja uma boa idéia –, 
mas nas seções de política, economia, ciências, polícia. Bastante na de polícia. 
Acrescente-se a tudo isso a transmissão direta dos julgamentos do Plenário da Corte 
pela TV Justiça. Em vez de audiências reservadas e deliberações a portas fechadas, 
como nos tribunais de quase todo o mundo, aqui se julga sob o olhar implacável das 
câmeras de televisão. Há quem não goste e, de fato, é possível apontar 
inconveniências. Mas o ganho é maior do que a perda. Em um país com o histórico do 
nosso, a possibilidade de assistir onze pessoas bem preparadas e bem intencionadas 
decidindo questões nacionais é uma boa imagem. A visibilidade pública contribui para 
a transparência, para o controle social e, em última análise, para a democracia. 
 
II. A JUDICIALIZAÇÃO DA VIDA 
 
 
2 Ran Hirschl, The judicialization of politics. In: Whittington, Kelemen e Caldeira (eds.), The Oxford 
Handbook of Law and Politics, 2008, p. 124-5. 
 3 
 Judicialização significa que algumas questões de larga 
repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e 
não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo 
– em cujo âmbito se encontram o Presidente da República, seus ministérios e a 
administração pública em geral. Como intuitivo, a judicialização envolve uma 
transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na 
linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno 
tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão 
diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. A seguir, uma tentativa de 
sistematização da matéria. 
 
 A primeira grande causa da judicialização foi a redemocratização 
do país, que teve como ponto culminante a promulgação da Constituição de 1988. Nas 
últimas décadas, com a recuperação das garantias da magistratura, o Judiciário deixou 
de ser um departamento técnico-especializado e se transformou em um verdadeiro 
poder político, capaz de fazer valer a Constituição e as leis, inclusive em confronto 
com os outros Poderes. No Supremo Tribunal Federal, uma geração de novos 
Ministros já não deve seu título de investidura ao regime militar. Por outro lado, o 
ambiente democrático reavivou a cidadania, dando maior nível de informação e de 
consciência de direitos a amplos segmentos da população, que passaram a buscar a 
proteção de seus interesses perante juízes e tribunais. Nesse mesmo contexto, deu-se a 
expansão institucional do Ministério Público, com aumento da relevância de sua 
atuação fora da área estritamente penal, bem como a presença crescente da Defensoria 
Pública em diferentes partes do Brasil. Em suma: a redemocratização fortaleceu e 
expandiu o Poder Judiciário, bem como aumentou a demanda por justiça na sociedade 
brasileira. 
 
 A segunda causa foi a constitucionalização abrangente, que 
trouxe para a Constituição inúmeras matérias que antes eram deixadas para o processo 
político majoritário e para a legislação ordinária. Essa foi, igualmente, uma tendência 
mundial, iniciada com as Constituições de Portugal (1976) e Espanha (1978), que foi 
 4 
potencializada entre nós com a Constituição de 1988. A Carta brasileira é analítica, 
ambiciosa3, desconfiada do legislador. Como intuitivo, constitucionalizar uma matéria 
significa transformar Política em Direito. Na medida em que uma questão – seja um 
direito individual, uma prestação estatal ou um fim público – é disciplinada em uma 
norma constitucional, ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, 
que pode ser formulada sob a forma de ação judicial. Por exemplo: se a Constituição 
assegura o direito de acesso ao ensino fundamental ou ao meio-ambiente equilibrado, é 
possível judicializar a exigência desses dois direitos, levando ao Judiciário o debate 
sobre ações concretas ou políticas públicas praticadas nessas duas áreas. 
 
 A terceira e última causa da judicialização, a ser examinada aqui, 
é o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, um dos mais abrangentes do 
mundo4. Referido como híbrido ou eclético, ele combina aspectos de dois sistemas 
diversos: o americano e o europeu. Assim, desde o início da República, adota-se entre 
nós a fórmula americana de controle incidental e difuso, pelo qual qualquer juiz ou 
tribunal pode deixar de aplicar uma lei, em um caso concreto que lhe tenha sido 
submetido, caso a considere inconstitucional. Por outro lado, trouxemos do modelo 
europeu o controle por ação direta, que permite que determinadas matérias sejam 
levadas em tese e imediatamente ao Supremo Tribunal Federal. A tudo isso se soma o 
direito de propositura amplo, previsto no art. 103, pelo qual inúmeros órgãos, bem 
como entidades públicas e privadas – as sociedades de classe de âmbito nacional e as 
confederações sindicais – podem ajuizar ações diretas. Nesse cenário, quase qualquer 
questão política ou moralmente relevante pode ser alçada ao STF. 
 
 De fato, somente no ano de 2008, foram decididas pelo Supremo 
Tribunal Federal, no âmbito de ações diretas – que compreendem a ação direta de 
inconstitucionalidade (ADIn), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC) e a 
argüição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) – questões como: a) o 
 
3 Oscar Vilhena Vieira, Supremocracia, Revista de Direito do Estado 12, 2008, no prelo. 
4 Gilmar Ferreira Mendes, Jurisdição constitucional, 2005, p. 146. 
 5 
pedido de declaração de inconstitucionalidade, pelo Procurador-Geral da República, 
do art. 5º da Lei de Biossegurança, que permitiu e disciplinou as pesquisas com 
células-tronco embrionárias (ADIn 3.150); (ii) o pedido de declaração da 
constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2006, do Conselho Nacional de Justiça, que 
vedou o nepotismo no âmbito do Poder Judiciário (ADC 12); (iii) o pedido de 
suspensão dos dispositivos da Lei de Imprensa incompatíveis com a Constituição de 
1988 (ADPF 130). No âmbito das ações individuais, a Corte se manifestou sobre 
temas como quebra de sigilo judicial por CPI, demarcação de terras indígenas na 
região conhecida como Raposa/Serra do Sol e uso de algemas, dentre milhares de 
outros. 
 
 Ao se lançar o olhar para trás, pode-se constatar que a tendência 
não é nova e é crescente. Nos últimos anos, o STF pronunciou-se ou iniciou a 
discussão em temas como: (i) Políticas governamentais, envolvendo a 
constitucionalidade de aspectos centrais da Reforma da Previdência (contribuição de 
inativos) e da Reforma do Judiciário (criação do Conselho Nacional de Justiça); (ii) 
Relações entre Poderes, com a determinação dos limites legítimos de atuação das 
Comissões Parlamentares de Inquérito (como quebras de sigilos e decretação de 
prisão) e do papel do Ministério Público na investigação criminal; (iii) Direitos 
fundamentais, incluindo limites à liberdade de expressão no caso de racismo (Caso 
Elwanger) e a possibilidade de progressão de regime para os condenados pela prática 
de crimes hediondos. Deve-se mencionar, ainda, a importante virada da jurisprudência 
no tocante ao mandado de injunção, em caso no qual se determinou a aplicação do 
regime jurídico das greves no setor privado àquelas que ocorram no serviço público.
 
 É importante assinalar que em todas as decisões referidas acima, o 
Supremo Tribunal Federal foi provocado a se manifestar e o fez nos limites dos 
pedidos formulados. O Tribunal não tinha a alternativa de conhecer ou não das ações, 
de se pronunciar ou não sobre o seu mérito, uma vez preenchidos os requisitos de 
cabimento. Não se pode imputar aos Ministros do STF a ambição ou a pretensão, em 
face dos precedentes referidos, de criar um modelo juriscêntrico, de hegemonia 
 6 
judicial. A judicialização, que de fato existe, não decorreu deuma opção ideológica, 
filosófica ou metodológica da Corte. Limitou-se ela a cumprir, de modo estrito, o seu 
papel constitucional, em conformidade com o desenho institucional vigente. 
Pessoalmente, acho que o modelo tem nos servido bem.
 
III. O ATIVISMO JUDICIAL 
 
 A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, 
da mesma família, freqüentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. 
Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no 
contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional 
que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos 
referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. 
Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou 
objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma 
atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, 
expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de 
retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a 
sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira 
efetiva. 
 
 A idéia de ativismo judicial está associada a uma participação 
mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, 
com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura 
ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação 
direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e 
independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de 
inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em 
critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a 
imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de 
políticas públicas. 
 7 
 
 As origens do ativismo judicial remontam à jurisprudência norte-
americana. Registre-se que o ativismo foi, em um primeiro momento, de natureza 
conservadora. Foi na atuação proativa da Suprema Corte que os setores mais 
reacionários encontraram amparo para a segregação racial (Dred Scott v. Sanford, 
1857) e para a invalidação das leis sociais em geral (Era Lochner, 1905-1937), 
culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da 
orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal (West Coast v. 
Parrish, 1937). A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando 
a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da 
Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos 
fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board of Education, 1954), 
acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona, 1966) e mulheres (Richardson v. 
Frontiero, 1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Griswold v. 
Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973).
 
 O oposto do ativismo é a auto-contenção judicial, conduta pela 
qual o Judiciário procura reduzir sua interferência nas ações dos outros Poderes. Por 
essa linha, juízes e tribunais (i) evitam aplicar diretamente a Constituição a situações 
que não estejam no seu âmbito de incidência expressa, aguardando o pronunciamento 
do legislador ordinário; (ii) utilizam critérios rígidos e conservadores para a declaração 
de inconstitucionalidade de leis e atos normativos; e (iii) abstêm-se de interferir na 
definição das políticas públicas. Até o advento da Constituição de 1988, essa era a 
inequívoca linha de atuação do Judiciário no Brasil. A principal diferença 
metodológica entre as duas posições está em que, em princípio, o ativismo judicial 
procura extrair o máximo das potencialidades do texto constitucional, sem contudo 
invadir o campo da criação livre do Direito. A auto-contenção, por sua vez, restringe o 
espaço de incidência da Constituição em favor das instâncias tipicamente políticas. 
 
 O Judiciário, no Brasil recente, tem exibido, em determinadas 
situações, uma posição claramente ativista. Não é difícil ilustrar a tese. Veja-se, em 
 8 
primeiro lugar, um caso de aplicação direta da Constituição a situações não 
expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do 
legislador ordinário: o da fidelidade partidária. O STF, em nome do princípio 
democrático, declarou que a vaga no Congresso pertence ao partido político. Criou, 
assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se 
encontram expressamente previstas no texto constitucional. Por igual, a extensão da 
vedação do nepotismo aos Poderes Legislativo e Executivo, com a expedição de 
súmula vinculante, após o julgamento de um único caso, também assumiu uma 
conotação quase-normativa. O que a Corte fez foi, em nome dos princípios da 
moralidade e da impessoalidade, extrair uma vedação que não estava explicitada em 
qualquer regra constitucional ou infraconstitucional expressa. 
 
 Outro exemplo, agora de declaração de inconstitucionalidade de 
atos normativos emanados do Congresso, com base em critérios menos rígidos que os 
de patente e ostensiva violação da Constituição: o caso da verticalização5. O STF 
declarou a inconstitucionalidade da aplicação das novas regras sobre coligações 
eleitorais à eleição que se realizaria em menos de uma ano da sua aprovação. Para 
tanto, precisou exercer a competência – incomum na maior parte das democracias – de 
declarar a inconstitucionalidade de uma emenda constitucional, dando à regra da 
anterioridade anual da lei eleitoral (CF, art. 16) o status de cláusula pétrea. É possível 
incluir nessa mesma categoria a declaração de inconstitucionalidade das normas legais 
que estabeleciam cláusula de barreira, isto é, limitações ao funcionamento parlamentar 
de partidos políticos que não preenchessem requisitos mínimos de desempenho 
eleitoral. 
 
 Por fim, na categoria de ativismo mediante imposição de condutas 
ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas, o 
 
5 Cláudio Pereira de Souza Neto, Verticalização, cláusula de barreira e pluralismo político: uma 
crítica consequencialista à decisão do STF na ADIN 3685, Interesse público 37, 2006. 
 
 9 
exemplo mais notório provavelmente é o da distribuição de medicamentos e 
determinação de terapias mediante decisão judicial. A matéria ainda não foi apreciada 
a fundo pelo Supremo Tribunal Federal, exceto em pedidos de suspensão de 
segurança. Todavia, nas Justiças estadual e federal em todo o país, multiplicam-se 
decisões que condenam a União, o Estado ou o Município – por vezes, os três 
solidariamente – a custear medicamentos e terapias que não constam das listas e 
protocolos do Ministério da Saúde ou das Secretarias Estaduais e municipais. Em 
alguns casos, os tratamentos exigidos são experimentais ou devem ser realizados no 
exterior. Adiante se voltará a esse tema.
 
 O binômio ativismo-autocontenção judicial está presente na maior 
parte dos países que adotam o modelo de supremas cortes ou tribunais constitucionais 
com competência para exercer o controle de constitucionalidade de leis e atos do 
Poder Público. O movimento entre as duas posições costuma ser pendular e varia em 
função do grau de prestígio dos outros dois Poderes. No Brasil dos últimos anos, 
apesar de muitos vendavais, o Poder Executivo, titularizado pelo Presidente da 
República, desfruta de inegável popularidade. Salvo por questões ligadas ao uso 
excessivo de medidas provisórias e algumas poucas outras, é limitada a superposição 
entre Executivo e Judiciário. Não assim, porém, no que toca ao Congresso Nacional. 
Nos últimos anos, uma persistentecrise de representatividade, legitimidade e 
funcionalidade no âmbito do Legislativo tem alimentado a expansão do Judiciário 
nessa direção, em nome da Constituição, com a prolação de decisões que suprem 
omissões e, por vezes, inovam na ordem jurídica, com caráter normativo geral.
 
 O fenômeno tem uma face positiva: o Judiciário está atendendo a 
demandas da sociedade que não puderam ser satisfeitas pelo parlamento, em temas 
como greve no serviço público, eliminação do nepotismo ou regras eleitorais. O 
aspecto negativo é que ele exibe as dificuldades enfrentadas pelo Poder Legislativo – e 
isso não se passa apenas no Brasil – na atual quadra histórica. A adiada reforma 
política é uma necessidade dramática do país, para fomentar autenticidade partidária, 
estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil. Decisões 
 10 
ativistas devem ser eventuais, em momentos históricos determinados. Mas não há 
democracia sólida sem atividade política intensa e saudável, nem tampouco sem 
Congresso atuante e investido de credibilidade. Um exemplo de como a agenda do país 
delocou-se do Legislativo para o Judiciário: as audiências públicas e o julgamento 
acerca das pesquisas com células-tronco embrionárias, pelo Supremo Tribunal Federal, 
tiveram muito mais visibilidade e debate público do que o processo legislativo que 
resultou na elaboração da lei.
 
IV. OBJEÇÕES À CRESCENTE INTERVENÇÃO JUDICIAL NA VIDA BRASILEIRA 
 
 Três objeções podem ser opostas à judicialização e, sobretudo, ao 
ativismo judicial no Brasil. Nenhuma delas infirma a importância de tal atuação, mas 
todas merecem consideração séria. As críticas se concentram nos riscos para a 
legitimidade democrática, na politização indevida da justiça e nos limites da 
capacidade institucional do Judiciário. 
 
1. Riscos para a legitimidade democrática 
 
 Os membros do Poder Judiciário – juízes, desembargadores e 
ministros – não são agentes públicos eleitos. Embora não tenham o batismo da vontade 
popular, magistrados e tribunais desempenham, inegavelmente, um poder político, 
inclusive o de invalidar atos dos outros dois Poderes. A possibilidade de um órgão não 
eletivo como o Supremo Tribunal Federal sobrepor-se a uma decisão do Presidente da 
República – sufragado por mais de 40 milhões de votos – ou do Congresso – cujos 513 
membros foram escolhidos pela vontade popular – é identificada na teoria 
constitucional como dificuldade contramajoritária6. Onde estaria, então, sua 
legitimidade para invalidar decisões daqueles que exercem mandato popular, que 
foram escolhidos pelo povo? Há duas justificativas: uma de natureza normativa e outra 
filosófica. 
 
6 Alexander Bickel, The least dangerous branch, 1986, p. 16 e s.
 11 
 
 O fundamento normativo decorre, singelamente, do fato de que a 
Constituição brasileira atribui expressamente esse poder ao Judiciário e, 
especialmente, ao Supremo Tribunal Federal. A maior parte dos Estados democráticos 
reserva uma parcela de poder político para ser exercida por agentes públicos que não 
são recrutados pela via eleitoral, e cuja atuação é de natureza predominantemente 
técnica e imparcial. De acordo com o conhecimento tradicional, magistrados não têm 
vontade política própria. Ao aplicarem a Constituição e as leis, estão concretizando 
decisões que foram tomadas pelo constituinte ou pelo legislador, isto é, pelos 
representantes do povo. Essa afirmação, que reverencia a lógica da separação de 
Poderes, deve ser aceita com temperamentos, tendo em vista que juízes e tribunais não 
desempenham uma atividade puramente mecânica7. Na medida em que lhes cabe 
atribuir sentido a expressões vagas, fluidas e indeterminadas, como dignidade da 
pessoa humana, direito de privacidade ou boa-fé objetiva, tornam-se, em muitas 
situações, co-participantes do processo de criação do Direito.
 
 A justificação filosófica para a jurisdição constitucional e para a 
atuação do Judiciário na vida institucional é um pouco mais sofisticada, mas ainda 
assim fácil de compreender. O Estado constitucional democrático, como o nome 
sugere, é produto de duas idéias que se acoplaram, mas não se confundem. 
Constitucionalismo significa poder limitado e respeito aos direitos fundamentais. O 
Estado de direito como expressão da razão. Já democracia signfica soberania popular, 
governo do povo. O poder fundado na vontade da maioria. Entre democracia e 
constitucionalismo, entre vontade e razão, entre direitos fundamentais e governo da 
maioria, podem surgir situações de tensão e de conflitos aparentes. 
 
 Por essa razão, a Constituição deve desempenhar dois grandes 
papéis. Um deles é o de estabelecer as regras do jogo democrático, assegurando a 
participação política ampla, o governo da maioria e a alternância no poder. Mas a 
 
7 Eros Roberto Grau, Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 2002, p. 64; 
Friedrich Müller, Métodos de trabalho do direito constitucional, 2005, p. 6-7. 
 12 
democracia não se resume ao princípio majoritário. Se houver oito católicos e dois 
muçulmanos em uma sala, não poderá o primeiro grupo deliberar jogar o segundo pela 
janela, pelo simples fato de estar em maior número. Aí está o segundo grande papel de 
uma Constituição: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo que contra a 
vontade circunstancial de quem tem mais votos. E o intérprete final da Constituição é 
o Supremo Tribunal Federal. Seu papel é velar pelas regras do jogo democrático e 
pelos direitos fundamentais, funcionando como um forum de princípios8 – não de 
política – e de razão pública9 – não de doutrinas abrangentes, sejam ideologias 
políticas ou concepções religiosas. 
 
 Portanto, a jurisdição constitucional bem exercida é antes uma 
garantia para a democracia do que um risco. Impõe-se, todavia, uma observação final. 
A importância da Constituição – e do Judiciário como seu intérprete maior – não pode 
suprimir, por evidente, a política, o governo da maioria, nem o papel do Legislativo. A 
Constituição não pode ser ubíqua10. Observados os valores e fins constitucionais, cabe 
à lei, votada pelo parlamento e sancionada pelo Presidente, fazer as escolhas entre as 
diferentes visões alternativas que caracterizam as sociedades pluralistas. Por essa 
razão, o STF deve ser deferente para com as deliberações do Congresso. Com exceção 
do que seja essencial para preservar a democracia e os direitos fundamentais, em 
relação a tudo mais os protagonistas da vida política devem ser os que têm votos. 
Juízes e tribunais não podem presumir demais de si próprios – como ninguém deve, 
aliás, nessa vida – impondo suas escolhas, suas preferências, sua vontade. Só atuam, 
legitimamente, quando sejam capazes de fundamentar racionalmente suas decisões, 
com base na Constituição. 
 
2. Risco de politização da Justiça 
 
 
8 Ronald Dworkin, The forum of principle. In: A matter of principle, 1985. 
9 John Rawls, O liberalismo político, 2000, p. 261. 
10 Daniel Sarmento, Ubiqüidade constituconal: os dois lados da moeda, Revista de Direito do Estado 
2:83, 2006. Embora ela se irradie por todo o sistema, e deva sempre estar presente em alguma 
medida, ela não deve ser invocada para asfixiar a atuação do legislador.
 13 
 Direito é política, proclamava ceticamente a teoria crítica do 
Direito, denunciando a superestrutura jurídica como uma instância de poder e 
dominação. Apesar do refluxo das concepções marxistas na quadra atual, é fora de 
dúvida que já não subsiste no mundo contemporâneo a crença na idéia liberal-
positivista de objetividade plena do ordenamento e de neutralidade absoluta do 
intérprete. Direito não é política. Somente uma visão distorcida do mundo e das 
instituições faria uma equiparação dessa natureza, submetendo a noção do que é 
correto e justo à vontade de quemdetém o poder. Em uma cultura pós-positivista, o 
Direito se aproxima da Ética, tornando-se instrumento da legitimidade, da justiça e da 
realização da dignidade da pessoa humana. Poucas críticas são mais desqualificantes 
para uma decisão judicial do que a acusação de que é política e não jurídica11. Não é 
possível ignorar, porém, que a linha divisória entre Direito e Política, que existe 
inegavelmente, nem sempre é nítida e certamente não é fixa12. 
 
 A ambigüidade refletida no parágrafo anterior impõe a 
qualificação do que se entende por política. Direito é política no sentido de que (i) sua 
criação é produto da vontade da maioria, que se manifesta na Constituição e nas leis; 
(ii) sua aplicação não é dissociada da realidade política, dos efeitos que produz no 
meio social e dos sentimentos e expectativas dos cidadãos; (iii) juízes não são seres 
sem memória e sem desejos, libertos do próprio inconsciente e de qualquer ideologia 
e, conseqüentemente, sua subjetividade há de interferir com os juízos de valor que 
formula. A Constituição faz a interface entre o universo político e o jurídico, em um 
esforço para submeter o poder às categorias que mobilizam o Direito, como a justiça, a 
segurança e o bem-estar social. Sua interpretação, portanto, sempre terá uma dimensão 
política, ainda que balizada pelas possibilidades e limites oferecidos pelo ordenamento 
vigente. 
 
 
11 Paul Kahn, Comparative constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002-3, p. 
2688-9.
12 V. Eduardo Mendonça, A inserção da jurisdição constitucional na democracia: algum lugar entre o 
direito e a política, mimeografado, 2007.
 14 
 Evidentemente, Direito não é política no sentido de admitir 
escolhas livres, tendenciosas ou partidarizadas. O facciocismo é o grande inimigo do 
constitucionalismo13. O banqueiro que doou para o partido do governo não pode ter 
um regime jurídico diferente do que não doou. A liberdade de expressão de quem 
pensa de acordo com a maioria não pode ser protegida de modo mais intenso do que a 
de quem esteja com a minoria. O ministro do tribunal superior, nomeado pelo 
Presidente Y, não pode ter a atitude a priori de nada decidir contra o interesse de quem 
o investiu no cargo. Uma outra observação é pertinente aqui. Em rigor, uma decisão 
judicial jamais será política no sentido de livre escolha, de discricionariedade plena. 
Mesmo nas situações que, em tese, comportam mais de uma solução plausível, o juiz 
deverá buscar a que seja mais correta, mais justa, à luz dos elementos do caso 
concreto. O dever de motivação, mediante o emprego de argumentação racional e 
persuasiva, é um traço distintivo relevante da função jurisdicional e dá a ela uma 
específica legitimação14. 
 
 Quando se debateu a criação do primeiro tribunal constitucional 
na Europa, Hans Kelsen e Carl Schmitt travaram um célebre e acirrado debate teórico 
acerca de quem deveria ser o guardião da Constituição. Contrário à existência da 
jurisdição constitucional, Schmitt afirmou que a pretensão de judicialização da política 
iria se perverter em politização da justiça15. No geral, sua profecia não se realizou e a 
fórmula fundada no controle judicial de constitucionalidade se espalhou pelo mundo 
com grande sucesso. Naturalmente, as advertências feitas no capítulo anterior hão de 
ser levadas em conta com seriedade, para que não se crie um modelo juriscêntrico e 
elitista, conduzido por juízes filósofos.
 
 Nessa linha, cabe reavivar que o juiz: (i) só deve agir em nome da 
Constituição e das leis, e não por vontade política própria; (ii) deve ser deferente para 
 
13 Paul Kahn, Comparative constitutionalism in a new key, Michigan Law Review 101:2677, 2002-
2003, p. 2705. 
14 Scott M. Noveck, Is judicial review compatible with democracy?, Cardozo Public Law, Policy & 
Ethics 6:401, 2008, p. 420. 
15 Carl Schmitt, La defensa de la Constitución, 1998, p. 57. 
 15 
com as decisões razoáveis tomadas pelo legislador, respeitando a presunção de 
validade das leis; (iii) não deve perder de vista que, embora não eleito, o poder que 
exerce é representativo (i.e, emana do povo e em seu nome deve ser exercido), razão 
pela qual sua atuação deve estar em sintonia com o sentimento social, na medida do 
possível. Aqui, porém, há uma sutileza: juízes não podem ser populistas e, em certos 
casos, terão de atuar de modo contramajoritário. A conservação e a promoção dos 
direitos fundamentais, mesmo contra a vontade das maiorias políticas, é uma condição 
de funcionamento do constitucionalismo democrático. Logo, a intervenção do 
Judiciário, nesses casos, sanando uma omissão legislativa ou invalidando uma lei 
inconstitucional, dá-se a favor e não contra a democracia16.
 
3. A capacidade institucional do Judiciário e seus limites 
 
 A maior parte dos Estados democráticos do mundo se organizam 
em um modelo de separação de Poderes. As funções estatais de legislar (criar o direito 
positivo), administrar (concretizar o Direito e prestar serviços públicos) e julgar 
(aplicar o Direito nas hipóteses de conflito) são atribuídas a órgãos distintos, 
especializados e independentes. Nada obstante, Legislativo, Executivo e Judiciário 
exercem um controle recíproco sobre as atividades de cada um, de modo a impedir o 
surgimento de instâncias hegemônicas17, capazes de oferecer riscos para a democracia 
e para os direitos fundamentais. Note-se que os três Poderes interpretam a 
Constituição, e sua atuação deve respeitar os valores e promover os fins nela previstos. 
No arranjo institucional em vigor, em caso de divergência na interpretação das normas 
constitucionais ou legais, a palavra final é do Judiciário. Essa primazia não significa, 
porém, que toda e qualquer matéria deva ser decidida em um tribunal. Nem muito 
menos legitima a arrogância judicial. 
 
 
16 Gustavo Binenbojm, A nova jurisdição constitucional brasileira, 2004, p. 246. 
17 A expressão é do Ministro Celso de Mello. V. STF, Diário da Justiça da União, 12 maio 2000, MS 
23.452/RJ, Rel. Min. Celso de Mello. 
 16 
 A doutrina constitucional contemporânea tem explorado duas 
idéias que merecem registro: a de capacidades institucionais e a de efeitos sistêmicos18. 
Capacidade institucional envolve a determinação de qual Poder está mais habilitado a 
produzir a melhor decisão em determinada matéria. Temas envolvendo aspectos 
técnicos ou científicos de grande complexidade podem não ter no juiz de direito o 
árbitro mais qualificado, por falta de informação ou conhecimento específico. 
Formalmente, os membros do Poder Judiciário sempre conservarão a sua competência 
para o pronunciamento definitivo. Mas em situações como as descritas, normalmente 
deverão eles prestigiar as manifestações do Legislativo ou do Executivo, cedendo o 
passo para juízos discricionários dotados de razoabilidade. Em questões como 
demarcação de terras indígenas ou transposição de rios, em que tenha havido estudos 
técnicos e científicos adequados, a questão da capacidade institucional deve ser 
sopesada de maneira criteriosa. 
 
 Também o risco de efeitos sistêmicos imprevisíveis e indesejados 
pode recomendar, em certos casos, uma posição de cautela e deferência por parte do 
Judiciário. O juiz, por vocação e treinamento, normalmente estará preparado para 
realizar a justiça do caso concreto, a microjustiça19. Ele nem sempre dispõe das 
informações, do tempo e mesmo do conhecimento para avaliar o impacto de 
determinadas decisões, proferidas em processos individuais, sobre a realidade de um 
segmento econômico ou sobre a prestação de um serviço público. Tampouco é 
passível de responsabilização política por escolhas desastradas. Exemplo emblemático 
nessa matéria tem sido o setor de saúde. Ao lado de intervenções necessárias e 
meritórias, tem havido uma profusão de decisões extravagantesalém de inabilitá-lo, temporariamente, pelo período de oito anos, para o 
exercício de qualquer cargo, emprego ou função pública, seja de natureza eletiva ou 
de nomeação. São essas as fases que devem ser realizadas para essa finalidade: 
a) denúncia formalizada para apresentação dos fatos, permitida a qualquer cidadão 
brasileiro (no gozo de seus direitos políticos), oferecida na Câmara dos 
Deputados; 
b) recebimento formal da denúncia pela Câmara; 
c) exame pela Câmara, cujo critério é meramente político: aprecia a gravidade dos 
fatos alegados e o valor das provas oferecidas e declara a acusação procedente ou 
improcedente; 
d) parecer da Câmara dos Deputados; 
e) discussão e votação, art. 51, I, CF; 
f) deslocamento da peça para o Senado Federal, que se transforma em um tribunal 
político de julgamento, sob a administração do presidente do STF, momento em que 
o Presidente da República é suspenso de suas funções, só retornando a elas se for 
absolvido, ou corrido o prazo de 180 dias e o julgamento não tiver sido concluído. 
 
Suspensão das Funções 
De acordo com o art. 86, § 1o e § 2o, o Presidente ficará suspenso de suas 
funções: nas infrações penais comuns, se recebida a denúncia ou queixa-crime pelo 
Supremo Tribunal Federal; nos crimes de responsabilidade, após a instauração do 
processo pelo Senado Federal. Se decorrido o prazo de cento e oitenta dias e o 
julgamento não estiver concluído, cessará o afastamento do Presidente, sem prejuízo 
do regular prosseguimento do processo. 
 
Análise da ADPF 378, julgada pelo STF 
A ADPF 378, ajuizada pelo Partido Comunista do Brasil (art. 103, VIII da 
CRFB/88), em 03 de dezembro de 2015, pleiteava o reconhecimento da ilegitimidade 
constitucional de dispositivos e interpretações da Lei nº 1.079/50. 
Dentre os pedidos formulados – inclusive cautelarmente –, destacam-se os 
principais: 
a) Necessidade de defesa prévia da Presidente da República, pois mesmo sem previsão 
expressa na Lei nº 1.079/50, antes do Presidente da Câmara ter recebido a denúncia, 
deveria ter concedido a oportunidade da Presidente da República apresentá-la. Para 
tanto, o Partido sustentou uma reinterpretação da Lei 1.079/50 de acordo com a 
Constituição Federal de 1988; 
b) Anulação da escolha da comissão especial, tendo em vista que a eleição da mesma se 
deu mediante voto secreto e pelo fato de ter sido apresentada chapa avulsa; 
c) Ilegitimidade dos dispositivos dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado que 
tratam do impeachment. Dessa forma, o art. 38 da Lei 1.079/50 não teria sido 
recepcionado pela CRFB/88, considerando que ela exige, em seu art. 85, parágrafo 
único, que as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade sejam 
previstas em lei (não valendo, portanto, Regimento Interno); 
d) A possibilidade de rejeição – liminarmente – da abertura do processo pelo Senado, 
mesmo após a autorização da Câmara, sem ser necessário afastar a Presidente e sem dar 
prosseguimento ao processo; 
e) Reconhecimento da suspeição do Presidente Eduardo Cunha para receber a denúncia 
e conduzir o processo na Câmara; 
f) Interpretação conforme a Constituição dos dispositivos da Lei nº 1.079/50, para que 
se adequem à Constituição Federal de 1988. 
 
 
Em 08/12/15 o requerente apresentou pedidos de medida cautelar incidentais: (i) 
visando anular a decisão de recebimento da denúncia pelo Presidente da Câmara dos 
Deputados contra a Presidente da República e que, assim, outra decisão fosse proferida 
por ele com a devida observância do direito de defesa prévia da Presidente da 
República; (ii) e que, no momento de formação da Comissão Especial da Câmara dos 
Deputados, a eleição de seus membros observasse a regra de indicação pelos partidos, 
por meio das lideranças partidárias, através de voto aberto; (iii) e que a composição da 
Comissão Especial se desse segundo a representação proporcional dos partidos, e não 
dos blocos partidários. 
Em 10/12/15 o Relator, Min. Edson Fachin: com o objetivo de (i) evitar a prática de 
atos que eventualmente poderão ser invalidados pelo Supremo Tribunal Federal, (ii) 
obstar aumento de instabilidade jurídica com profusão de medidas judiciais posteriores 
e pontuais, e (iii) apresentar respostas céleres aos questionamentos suscitados, 
determinou, até que houvesse debate e deliberação pelo Tribunal Pleno, a suspensão da 
formação e a não instalação da Comissão Especial, bem como a suspensão dos 
eventuais prazos, inclusive aqueles, em tese, em curso, preservando-se, ao menos até a 
decisão do Supremo Tribunal Federal prevista para 16/12/2015 todos os atos até o 
momento praticados. 
Em 16/12/15 houve deferimento parcial dos pedidos cautelares pelo Relator, e 
indeferimento dos pedidos deduzidos nas medidas cautelares incidentais, e o Tribunal 
decidiu, por unanimidade, prorrogar a eficácia da medida cautelar monocraticamente 
concedida até a conclusão do julgamento, que se deu entre o próprio dia 16 e 17 de 
dezembro, tendo a Corte julgado a APDF. Principais destaques: 
a) Não há que se falar em direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo 
Presidente da Câmara; 
b) A eleição da comissão especial do impeachment deve se dar por indicação dos líderes 
e voto aberto do Plenário; 
c) É possível a aplicação subsidiária dos Regimentos Internos da Câmara e do Senado 
que tratam sobre o procedimento do impeachment; 
d) No que diz respeito ao papel da Câmara no processo de impeachment, a sua atuação 
deve ser entendida como parte de um momento pré-processual, isto é, anterior à 
instauração do processo pelo Senado; 
Segundo o Min. Barroso: "a Câmara apenas autoriza a instauração do processo: não 
o instaura por si própria, muito menos determina que o Senado o faça". 
Dessa forma, os arts. 23, §§ 1º e 5º; 80 e 81, da Lei nº 1.079/50 não foram 
recepcionados por serem incompatíveis com os arts. 51, I; 52, I; e 86, § 1º, II, da 
CRFB/88. 
(Os votos nesse sentido foram dos seguintes Ministros: Roberto Barroso, Teori 
Zavascki, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio 
e Celso de Mello.) 
Dessa forma, ao Senado compete decidir se deve receber ou não a denúncia cujo 
prosseguimento foi autorizado pela Câmara. Se a rejeitar, haverá o arquivamento do 
pedido; Se a receber, será iniciado o processo de impeachment propriamente dito (fase 
processual), com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela absolvição ou 
condenação do Presidente. 
 
e) Não é possível, em sede de ADPF, analisar a suposta parcialidade do Presidente da 
Câmara, Sr. Eduardo Cunha, nem determinar o seu afastamento do comando do 
processo. 
 
RESUMO SOBRE OS PRINCIPAIS ATOS DA CÂMARA, A PARTIR DO 
DECIDIDO NA ADPF 378 
 
1. Cabe à Presidência da Câmara admitir ou não o prosseguimento da denúncia; 
2. Não há direito à defesa prévia antes do recebimento da denúncia pelo 
Presidente da Câmara; 
3. Do despacho da Presidência que indeferir o recebimento da denúncia, caberá 
recurso ao Plenário (art. 218, § 3º, do RICD); 
4. Se admitido o prosseguimento da denúncia, deverá ser constituída comissão 
especial formada por Deputados Federais para analisar o pedido e elaboração 
de parecer; 
5. A eleição dos membros da comissão deve ser aberta e não poderá haver 
candidatura alternativa (avulsa); 
6. O Presidente denunciado terá seu direito à defesa no rito da Câmara dos 
Deputados. Após o recebimento da denúncia, o mesmo será notificado para 
se manifestar, querendo, no prazo de dez sessões; 
7. Não haverá grande dilação probatória na Câmara dos Deputados, em razão 
do rito abreviado; 
8. O Plenário da Câmara decidirá se autoriza a abertura do processo de 
impeachment por 2/3 dos votos; 
9. O processo será remetido ao Senado. 
 
RESUMO SOBRE OS PRINCIPAIS ATOS DO SENADO FEDERAL, A PARTIR 
DO DECIDIDO NA ADPF 378 
 
1. Deverá ser instaurada uma comissão especial de Senadores para analisar o 
pedido de impeachment e elaborar um parecer (arts. 44 a 46 da Lei nº 
1.079/50, aplicados por analogia);ou emocionais em 
matéria de medicamentos e terapias, que põem em risco a própria continuidade das 
políticas públicas de saúde, desorganizando a atividade administrativa e 
 
18 V. Cass Sunstein e Adrian Vermeulle, Intepretation and institutions, Public Law and Legal Theory 
Working Paper No. 28, 2002.
19 Ana Paula de Barcellos, Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos 
fundamentais: o controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático, Revista de Direito 
do Estado 3:17, 2006, p. 34. 
 17 
comprometendo a alocação dos escassos recursos públicos20. Em suma: o Judiciário 
quase sempre pode, mas nem sempre deve interferir. Ter uma avaliação criteriosa da 
própria capacidade institucional e optar por não exercer o poder, em auto-limitação 
espontânea, antes eleva do que diminui. 
 
V. CONCLUSÃO 
 
 A judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem 
jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A 
judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de 
constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de 
largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale 
dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte.
 
 O ativismo judicial, por sua vez, expressa uma postura do 
intérprete, um modo proativo e expansivo de interpretar a Constituição, 
potencializando o sentido e alcance de suas normas, para ir além do legislador 
ordinário. Trata-se de um mecanismo para contornar, bypassar o processo político 
majoritário quando ele tenha se mostrado inerte, emperrado ou incapaz de produzir 
consenso. Os riscos da judicialização e, sobretudo, do ativismo envolvem a 
legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional 
do Judiciário para decidir determinadas matérias. 
 
 Os riscos para a legitimidade democrática, em razão de os 
membros do Poder Judiciário não serem eleitos, se atenuam na medida em que juízes e 
tribunais se atenham à aplicação da Constituição e das leis. Não atuam eles por 
vontade política própria, mas como representantes indiretos da vontade popular. É 
certo que diante de cláusulas constitucionais abertas, vagas ou fluidas – como 
 
20 Luís Roberto Barroso, Da falta de efetividade à constitucionalização excessiva: direito à saúde, 
fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial. In: Temas de direito 
constitucional, tomo IV, 2009, no prelo. 
 18 
dignidade da pessoa humana, eficiência ou impacto ambiental –, o poder criativo do 
intérprete judicial se expande a um nível quase normativo. Porém, havendo 
manifestação do legislador, existindo lei válida votada pelo Congresso concretizando 
uma norma constitucional ou dispondo sobre matéria de sua competência, deve o juiz 
acatá-la e aplicá-la. Ou seja: dentre diferentes possibilidades razoáveis de interpretar a 
Constituição, as escolhas do legislador devem prevalecer, por ser ele quem detém o 
batismo do voto popular.
 
 Os riscos da politização da justiça, sobretudo da justiça 
constitucional, não podem ser totalmente eliminados. A Constituição é, precisamente, 
o documento que transforma o poder constituinte em poder constituído, isto é, Política 
em Direito. Essa interface entre dois mundos dá à interpretação constitucional uma 
inexorável dimensão política. Nada obstante isso, ela constitui uma tarefa jurídica. 
Sujeita-se, assim, aos cânones de racionalidade, objetividade e motivação das decisões 
judiciais, devendo reverência à dogmática jurídica, aos princípios de interpretação e 
aos precedentes21. Uma corte constitucional não deve ser cega ou indiferente às 
conseqüências políticas de suas decisões, inclusive para impedir resultados injustos ou 
danosos ao bem comum ou aos direitos fundamentais. Mas somente pode agir dentro 
das possibilidades e dos limites abertos pelo ordenamento jurídico. 
 
 No tocante à capacidade institucional e aos efeitos sistêmicos, o 
Judiciário deverá verificar se, em relação à matéria tratada, um outro Poder, órgão ou 
entidade não teria melhor qualificação para decidir. Por exemplo: o traçado de uma 
estrada, a ocorrência ou não de concentração econômica ou as medidas de segurança 
para transporte de gás são questões que envolvem conhecimento específico e 
discricionariedade técnica. Em matérias como essas, em regra, a posição do Judiciário 
deverá ser a de deferência para com as valorações feitas pela instância especializada, 
desde que possuam razoabilidade e tenham observado o procedimento adequado. 
 
21 Um avanço civilizatório que ainda precisamos alcançar é o do respeito amplo aos precedentes, 
como fator de segurança jurídica, isonomia e eficiência. Sobre o tema, v. Patrícia Perrone Campos 
Mello, Precedente: o desenvolvimento judicial do direito no constitucionalismo brasileiro, 2007. 
 19 
Naturalmente, se houver um direito fundamental sendo vulnerado ou clara afronta a 
alguma outra norma constitucional, o quadro se modifica. Deferência não significa 
abdicação de competência. 
 
 Em suma: o Judiciário é o guardião da Constituição e deve fazê-la 
valer, em nome dos direitos fundamentais e dos valores e procedimentos democráticos, 
inclusive em face dos outros Poderes. Eventual atuação contramajoritária, nessas 
hipóteses, se dará a favor, e não contra a democracia. Nas demais situações, o 
Judiciário e, notadamente, o Supremo Tribunal Federal deverão acatar escolhas 
legítimas feitas pelo legislador, ser deferentes para com o exercício razoável de 
discricionariedade técnica pelo administrador, bem como disseminar uma cultura de 
respeito aos precedentes, o que contribui para a integridade22, segurança jurídica, 
isonomia e eficiência do sistema. Por fim, suas decisões deverão respeitar sempre as 
fronteiras procedimentais e substantivas do Direito: racionaliade, motivação, correção 
e justiça. 
 
 Uma nota final: o ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da 
solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser 
eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão 
do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia 
brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder 
Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.
 
22 Ronald Dworkin, O império do direito, 1999, p. 271 e s. 
 20 
ANEXO 
ALGUNS FATOS E DEZ DECISÕES RELEVANTES EM 2008 
 
I. ALGUNS FATOS RELEVANTES 
 
1. Mudança na presidência 
 
 Em maio desse ano, chegou ao seu termo o mandato da Ministra 
Ellen Gracie na presidência do Supremo Tribunal Federal. Nomeada pelo Presidente 
Fernando Henrique Cardoso, foi a primeira a mulher a integrar a Corte e a presidi-la. 
Além da forte carga simbólica abrigada nesses dois fatos, o período foi marcado por 
avanços na modernização e informatização do Tribunal, e pela regulamentação de dois 
relevantes institutos introduzidos pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004: a súmula 
vinculante e a repercussão geral. Seguindo o sistema de rodízio por antigüidade 
adotado pela Corte, tomou posse o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, que foi 
igualmente nomeado para a Corte pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. O 
novo Presidente é Professor da Universidade de Brasília (UnB) e, antes de se tornar 
Ministro, foi Procurador da República e Advogado-Geral da União.
 
2. Súmulas vinculantes 
 
 Ao longo de 2008, foram editadas dez súmulas vinculantes, que se 
somaram às três pré-existentes. Os temas foram os mais variados: uso de salário 
mínimo como indexador (Súmula 4); defesa técnica por advogado em processodisciplinar (Súmula 5); remuneração de praças no serviço militar (Súmula 6); não 
auto-aplicabilidade do art. 192, § 3º da Constituição enquanto vigorou (juros reais de 
12%) (Súmula 7); prescrição e decadência do crédito tributário (Súmula 8); recepção 
do art. 127 da Lei de Execução Penal (Súmula 9); reserva de plenário para afastar 
incidência de lei ou ato normativo (Súmula 10); restrições ao uso de algemas (Súmula 
11); taxa de matrícula em universidade pública (Súmula 12) e vedação do nepotismo 
nos três Poderes (Súmula 13). Algumas súmulas provocaram intenso debate público e 
 21 
polêmica, não apenas por seu conteúdo, mas pela alegação de que o número reduzido 
de precedentes em relação a algumas delas daria ao STF, com sua edição, um papel 
quase normativo. 
 
3. Repercussão geral 
 
 A operacionalização do instituto da repercussão geral promete um 
impacto significativo na qualidade e na quantidade das questões a serem julgadas. As 
estatísticas de 2008 já deverão exibir essa nova realidade, beneficiada por 
procedimentos como o plenário virtual, a devolução de recursos múltiplos e o 
sobrestamento de processos na origem. O controle da própria agenda e a redução 
contínua da carga de trabalho permitirão que o Tribunal progressivamente concentre 
sua atuação no papel de corte constitucional, julgando não mais do que algumas 
centenas de casos por ano. O passo seguinte deverá ser a eliminação de uma série de 
competências originárias e recursais que não se justificam e não têm par em nenhum 
país do mundo. No modelo que se está desenhando, o Supremo Tribunal Federal 
poderá se dedicar com mais vagar e visibilidade aos grandes temas que cabem a um 
tribunal constitucional: proteção e promoção dos direitos fundamentais, preservação 
das regras do jogo democrático, separação de Poderes, federação e outros 
seletivamente escolhidos pela maioria da Corte, de acordo com as circunstâncias de 
cada época. 
 
4. Audiências públicas sobre interrupção da gestação no caso de 
anencefalia 
 
 Sob a condução do Ministro Marco Aurélio, relator do processo, 
foi realizada uma série de quatro audiências públicas, no âmbito da ADPF 54. Na ação 
se pede ao Supremo Tribunal Federal que interprete conforme a Constituição os 
artigos do Código Penal que tratam do aborto para declarar que eles não incidem na 
hipótese de interrupção da gestação de fetos anencefálicos. Foram ouvidas entidades 
religiosas, médicas, científicas, professores, parlamentares e Ministros de Estado. 
 22 
Também estiveram presentes mulheres que passaram pela experiência de ter uma 
gestação nessas condições. Apesar do antagonismo das posições, o debate foi rico e 
cordial. A maioria das entidades religiosas que participaram das audiências se 
manifestaram contrariamente à possibilidade de interrupção da gestação no caso de 
anencefalia, inclusive a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a 
Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a Associação Médico-Espírita do 
Brasil. A totalidade das entidades científicas, acadêmicas e de classe defenderam o 
direito de a mulher interromper a gestação, se assim desejar, aí incluídos o Conselho 
Federal de Medicina, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, o Conselho 
Federal dos Direitos da Mulher, a Escola de Gente e o Instituto de Bioética, Direitos 
Humanos e Gênero – Anis. No mesmo sentido se pronunciaram os Ministros da Saúde, 
José Gomes Temporão, e da Mulher, Nilcéa Freire. O julgamento é esperado para o 
primeiro semestre de 2009. 
 
5. A polêmica dos habeas corpus 
 
 Outro fato marcante do ano de 2008 foi a concessão de habeas 
corpus, pelo Presidente do STF, em casos de prisão temporária de personalidades 
conhecidas, cujos processos tiveram grande visibilidade. Vislumbrando abuso de 
poder nas medidas, o Ministro Gilmar Mendes – cujas decisões foram ratificadas pelo 
Plenário – deflagrou um debate que polarizou diversos setores da sociedade. Quando 
pessoas esclarecidas e bem intencionadas divergem com a profundidade verificada 
nesse episódio, é sinal que há dificuldades sérias na interlocução, pela ausência de 
premissas comuns. Do episódio é possível extrair uma conclusão: o sistema punitivo 
no Brasil – esse que começa no inquérito policial, passa pelo Ministério Público, pelo 
Judiciário, pela execução penal e deságua no sistema penitenciário – está desarrumado. 
É preciso repensá-lo do ponto de vista filosófico e normativo, rearrumá-lo nos seus 
valores, propósitos e conceitos. Todos os ramos do Direito vivem, em épocas 
diferentes, situações de crise. Esse parece ser o caso do direito penal e do direito 
processual penal no Brasil. 
 
 23 
II. DEZ CASOS JULGADOS EM 2008 
 
1. Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias 
(ADIn 3.510/DF, Rel. Min. Carlos Britto)
 
 Por maioria, a Corte julgou improcedente ação direta de 
inconstitucionalidade ajuizada pelo Procurador-Geral da República contra o art. 5º da 
Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2205). O referido artigo, em seus diferentes 
dispositivos, autorizava e disciplinava as pesquisas científicas com embriões humanos 
resultantes dos procedimentos de fertilização in vitro, desde que inviáveis ou 
congelados há mais de três anos. Prevaleceu o voto do relator, Ministro Carlos Ayres 
Britto, no sentido de que não havia, na hipótese, violação ao direito à vida, nem 
tampouco ao princípio da dignidade da pessoa humana. A posição do relator, julgando 
a ação totalmente improcedente, prevaleceu por seis votos a cinco. Dos cinco votos 
vencidos, dois deles tinham, como traço central, a proibição de destruição do embrião 
(Ministros Menezes Direito e Ricardo Lewandowski). Os outros três, sem se oporem à 
pesquisa que comprometesse o embrião, entendiam dever ficar explicitada na decisão a 
existência obrigatória de um órgão central de controle dessas pesquisas (Ministros 
Cezar Peluso, Eros Grau e Gilmar Mendes). 
 
2. Vedação do nepotismo nos três Poderes (ADC 12, Rel. Min. Carlos 
Britto; e RE 579.951/RN, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) 
 
 Em ação declaratória de constitucionalidade ajuizada pela 
Associação dos Magistrados Brasileiros, o Plenário do STF declarou a 
constitucionalidade da Resolução nº 7, de 2005, do Conselho Nacional de Justiça, que 
proibia a nomeação de parentes de membros do Poder Judiciário, até o terceiro grau, 
para cargos em comissão e funções gratificadas. Entendeu-se que, independentemente 
de lei específica, a proibição deveria ser extraída dos princípios constitucionais da 
moralidade e da impessoalidade. Na seqüência, ao julgar recurso extraordinário 
oriundo do Rio Grande do Norte, no qual se discutia a validade da nomeação de 
 24 
parentes de vereador e de vice-prefeito para cargos públicos, o Tribunal estendeu a 
vedação do nepotismo aos Poderes Executivo e Legislativo, aprovando a Súmula de nº 
13, com o seguinte teor: "A nomeação de cônjuge, companheiro, ou parente, em linha 
reta, colateral ou por afinidade, até o 3º grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de 
servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou 
assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de 
função gratificada na Administração Pública direta e indireta, em qualquer dos Poderes 
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste 
mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal."
 
3. Prisão por dívida. Virada na jurisprudência (HC’s 87.585/TO, Rel. Min. 
Marco Aurélio e 92.566, Rel. Min. Marco Aurélio; RE’s 349.703, Rel. p/ 
ac. Min. Gilmar Mendes e 466.343, Rel. Min. Cezar Peluso). 
 
 No conjunto de casos identificados acima, o STF reviu sua antiga 
jurisprudência na matéria, relativamente à possibilidade de prisão do depositário infiel. 
Diante da circunstância de o Brasil ser signatário do Pacto de San Jose da Costa Rica, 
que restringe aprisão por dívida ao descumprimento inescusável da prestação 
alimentícia, passou a considerar derrogadas as leis que previam a prisão do depositário 
infiel, inclusive nas hipóteses de alienação fiduciária e de depósito judicial. O Tribunal 
se dividiu em relação à posição hierárquica dos tratados e convenções internacionais 
sobre direitos humanos firmados pelo Brasil. Prevaleceu nos julgamentos a tese do 
Ministro Gilmar Mendes, que sustentou o status supra-legal, mas infraconstitucional 
de tais atos. Ficaram vencidos, no ponto, os Ministros Celso de Mello, Cezar Peluso, 
Eros Grau e Ellen Gracie. O Ministro Marco Aurélio entendeu não ser indispensável 
uma definição sobre este ponto para fins daqueles julgamentos e absteve-se de se 
pronunciar sobre ele.
 
4. Demarcação de terras indígenas na área conhecida como Raposa/Serra 
do Sol (Pet. 3388/RR, Rel. Min. Carlos Britto)
 
 25 
 O julgamento ainda não foi concluído, mas oito votos já foram 
proferidos. Por sua importância, merece referência. Na ação proposta por Senador da 
República pleiteou-se a declaração de nulidade da Portaria 534/2005, do Ministro da 
Justiça, e do Decreto homologatório do Presidente da República, que demarcaram as 
terras indígenas na área referida. Foram alegados inúmeros fundamentos, que incluíam 
vícios no procedimento, riscos para a segurança nacional, violação do princípio 
federativo, falta de proporcionalidade e conseqüências econômicas graves para o 
Estado de Roraima. O Relator, Ministro Carlos Ayres Britto, julgou improcedente o 
pedido e chancelou a demarcação contínua contida no ato impugnado, rejeitando a 
demarcação em ilhas, como requerido. Em seu voto, o Ministro Menezes Direito 
propôs procedência parcial, impondo “condições” que, na verdade, resultavam da 
interpretação de disposições constitucionais aplicáveis. Trata-se de território nacional e 
de terras pertencentes à União, que pode enviar as Forças Armadas e a Polícia Federal 
para desempenho de suas funções institucionais, bem como conserva a competência 
para licenciar atividades de exploração de potenciais hidráulicos e extração mineral, 
dentre outras. Esta posição, à qual aderiu o relator, contava com oito votos quando se 
deu o pedido de vista do Ministro Marco Aurélio.
 
5. Inelegibilidade e vida pregressa de candidatos a cargos eletivos (ADPF 
144/DF, Rel. Min. Celso de Mello) 
 
 A ação foi ajuizada pela Associação dos Magistrados Brasileiros 
(AMB) e tinha por fundamento a interpretação do art. 14, § 9º da Constituição Federal, 
que prevê que lei complementar estabelecerá casos de inelegibilidade, levando em 
conta a vida pregressa dos candidatos. A Justiça Eleitoral de diversos Estados havia 
negado registro a candidatos condenados em processos criminais e administrativos, 
independentemente do trânsito em julgado dessas decisões. Essa posição não foi 
endossada pelo Tribunal Superior Eleitoral e, contra essa linha de entendimento, opôs-
se a AMB. O STF julgou improcedente o pedido, sob dois fundamentos principais: a) 
havendo reserva de lei complementar, violaria a divisão funcional de Poderes decisão 
judicial que, na falta da lei, instituísse outras hipóteses de inelegibilidade; b) o 
 26 
acolhimento do pedido vulneraria os princípios constitucionais da presunção de 
inocência e do devido processo legal. Votaram vencidos os Ministros Carlos Britto e 
Joaquim Barbosa. 
 
6. Restrições ao uso de algemas (HC 91.952/SP, Rel. Min. Marco Aurélio). 
 
 O Tribunal, por unanimidade, anulou decisão condenatória 
proferida pelo Tribunal do Júri, em razão de o acusado ter sido mantido 
desnecessariamente algemado durante toda a sessão. Entendeu-se que, no caso, não 
havia uma justificativa socialmente aceitável para submeter o acusado a tal 
humilhação, vulneradora da dignidade da pessoa humana e do princípio da não-
culpabilidade, inclusive por induzir nos jurados a percepção de que se estaria diante de 
acusado de alta periculosidade. Em desdobramento desse julgamento, foi editada a 
Súmula 11, com o seguinte teor: "Só é lícito o uso de algemas em caso de resistência e 
de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte 
do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de 
responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da 
prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do 
Estado". Alguns setores criticaram a edição da súmula, sob o fundamento de que ela se 
basearia em um único precedente, quando a constituição exige reiteradas decisões 
(CF, art. 103-A).
 
7. Passe livre para deficientes no transporte coletivo (ADIn 2.649/DF, Rel. 
Min. Carmen Lúcia) 
 
 O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido de 
declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 8.899/94, que concede passe livre no 
sistema de transporte coletivo interestadual às pessoas portadoras de deficiência, 
comprovadamente carentes. A autora da ação sustentou que a Lei afrontava os 
princípios da isonomia e da livre iniciativa, bem como o direito de propriedade. Em 
seu voto, a relatora, Ministra Cármen Lúcia, fez referência à Convenção sobre os 
 27 
Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada pelo Brasil, em 2007, e à 
preponderância do princípio da solidariedade, inscrito no art. 3º da Constituição. 
Também foi afastado o argumento de que haveria violação ao art. 170 da Constituição, 
uma vez que a livre iniciativa deve ser regulada nos termos da lei, considerando os 
demais princípios constitucionais da ordem econômica que também merecem amparo, 
como a dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais. Assentou 
ainda a Relatora que eventual desequilíbrio da equação econômico-financeira do 
contrato poderia ser sanado por ocasião da negociação de tarifa com o poder 
concedente. 
 
8. Suspensão da Lei de Imprensa do regime militar (ADPF 130/DF, Rel. 
Min. Carlos Britto) 
 
 O Tribunal suspendeu, em medida cautelar, um conjunto de 
disposições da Lei de Imprensa (Lei nº 5.250, de 9.02.1967), editada ao tempo do 
regime militar. De acordo com o relator, Ministro Carlos Ayres Britto, tais previsões 
não eram compatíveis com o padrão de democracia e de liberdade de imprensa 
concebido pelo constituinte de 1987-88, que se apóia em dois pilares: a) informação 
em plenitude e de máxima qualidade; e b) transparência ou visibilidade do poder, seja 
ele político, econômico ou religioso. A cautelar foi referendada pelo Plenário, 
vencidos, em parte, os Ministros Menezes Direito, Eros Grau e Celso de Mello, que 
suspendiam toda a lei, autorizando a aplicação da legislação ordinária, civil e penal; e 
o Ministro Marco Aurélio, que não conhecia da ADPF. 
 
9. Sigilo judicial e Comissões Parlamentares de Inquérito (MS 27.483/DF, 
Rel. Min. Cezar Peluso). 
 
 O Tribunal, por maioria, referendou decisão liminar concedida 
pelo relator, Ministro Cezar Peluso, em favor de operadoras de telefonia. O ato 
impugnado consistia em requisição, feita pela CPI instituída para investigar escutas 
telefônicas clandestinas, no sentido de que lhe fossem remetidos os dados referentes a 
 28 
todas as decisões judiciais e mandados de interceptação telefônica cumpridos no ano 
de 2007. Por se tratar de informações protegidas por sigilo judicial, as operadoras 
ficaram no seguinte dilema: se não atendessem à requisição, sujeitavam-se à 
imputação de crime de desobediência; se fornecessem os dados, estariam violando 
segredo de justiça, sem autorização judicial, fato igualmente típificado como crime. A 
maioria entendeu que CPI não tem o poder de quebrar sigilo imposto a processo 
sujeito a segredo de justiça, havendo, na matéria, reserva de jurisdição. A decisão 
explicitou que, se a Comissão demonstrasse interesse, as operadoras deveriam 
encaminhar um conjunto amplo de informações explicitadas no julgado,mas 
preservando o sigilo das partes. Vencido o Ministro Marco Aurélio, que reconhecia o 
poder da CPI para requisição das informações pretendidas. 
 
10. Isenção da Cofins sobre sociedades profissionais e revogação por lei 
ordinária (RE’s 377457/PR e 381964/MG, Min. Gilmar Mendes) 
 
 O Tribunal declarou legítima a revogação, por lei ordinária (art. 
56 da Lei 9.430/96), da isenção do recolhimento da Contribuição para o 
Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre as sociedades civis de prestação de 
serviços, que havia sido instituída por lei complementar (art. 6º, II, da LC 70/91). 
Reiterando orientação fixada no julgamento da ADC 1/DF, sustentou a maioria: a) a 
inexistência de hierarquia constitucional entre lei complementar e lei ordinária, que 
apenas se distinguiriam em razão da matéria reservada à primeira pela própria 
Constituição; b) a inexigibilidade de lei complementar para disciplina dos elementos 
próprios à hipótese de incidência das contribuições previstas no texto constitucional. 
Vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio que davam provimento aos 
recursos, para que fosse mantida a isenção estabelecida no art. 6º, II, da LC 70/91. Em 
seguida, na apreciação do pedido de modulação de efeitos temporais, verificou-se um 
empate, com cinco votos a favor e cinco contrários. O Tribunal proclamou o resultado 
como desfavorável à modulação, por entender que esta somente poderia ser concedida 
por voto de dois terços dos membors da Corte, aplicando, por analogia, o disposto no 
art. 27 da Lei 9.868/99. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 
 29 
submeteu ao Presidente do STF um arrazoado sustentando que, na hipótese, por não 
ter havido declaração de inconstitucionalidade, a modulação poderia ser feita por 
maioria absoluta, devendo-se, portanto, colher o voto faltante. O acórdão ainda não foi 
publicado e, conseqüentemente, ainda não houve oportunidade para novo 
pronunciamento sobre o ponto. 
	Seção Padrão
	Slide 1: Pós-Graduação 2024
	Slide 2
	Slide 3
	Slide 4
	Slide 5: Plano de aula
	Slide 6
	Slide 7: Bibliografia
	Slide 8
	Slide 9: Docente responsável
	Slide 10
	Slide 11: Exercício de fixação
	Slide 12
	Slide 13
	Slide 14
	Slide 15
	Slide 16
	Slide 17
	Slide 18
	Slide 19
	Slide 20: Leitura complementar2. O parecer será votado pelo Plenário do Senado, que irá decidir se deve 
receber ou não a denúncia que foi autorizada pela Câmara. Se rejeitar a 
denúncia, haverá o arquivamento do processo; se recebê-la, iniciará a fase de 
processamento, com a produção de provas e, ao final, o Senado votará pela 
absolvição ou condenação do Presidente; 
3. A decisão do Senado que decide se instaura ou não o processo se dá pelo 
voto da maioria simples, presente a maioria absoluta de seus membros (art. 
47 da Lei nº 1.079/50, por analogia); 
4. Se aceitar a denúncia, inicia-se a instrução probatória e o Presidente da 
República deverá ser afastado do cargo temporariamente (art. 86, § 1º, II, da 
CF/88). Se, após 180 dias do afastamento do Presidente, o julgamento ainda 
não tiver sido concluído, cessará o seu afastamento e ele reassumirá, sem 
prejuízo do regular prosseguimento do processo; 
5. A defesa tem direito de se manifestar após a acusação; 
6. O interrogatório deve ser o ato final da instrução probatória; 
7. Ao final do processo, os Senadores deverão votar se o Presidente deve ser 
condenado ou absolvido. Para que haja condenação, é necessário o voto de 
2/3 dos Senadores; 
8. Se houver condenação, serão aplicadas duas sanções: perda do cargo e 
inabilitação para o exercício de funções públicas por 8 anos. E, ainda, poderá 
ser oferecida denúncia criminal pelo Ministério Público; 
9. Havendo condenação, o Vice-Presidente assumirá, completando o mandato 
(não será necessária a convocação de novas eleições). 
 
 
PODER EXECUTIVO - ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA. 
PROFª. FLAVIA BAHIA 
 
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: 
 
(...) competência desta Suprema Corte para julgamento do presente habeas corpus. Isso 
porque a competência da expulsão é exclusiva do presidente da República (Lei 6.815/1980, art. 
66), com delegação desses poderes ao ministro de Estado da Justiça, a partir do Decreto 
3.447/2000 (art. 1º). 
 
O fato de o presidente da República delegar ao ministro de Estado da Justiça, mediante ato 
administrativo por ele próprio assinado, o exercício da competência legal de expulsão de 
estrangeiro não implica disposição da própria competência. 
 
[HC 101.528, voto do rel. min. Dias Toffoli, j. 9-12-2010, P, DJE de 22-3-2011.]Vide HC 
101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010 
 
Não implica disposição de competência legal a delegação pelo Presidente da República do ato 
de expulsão de estrangeiro. O STF sempre reputou válido o decreto de expulsão de 
estrangeiro subscrito pelo Ministro de Estado da Justiça por delegação do Presidente da 
República. 
 
[HC 101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010.] 
Vide HC 101.528, rel. min. Dias Toffoli, j. 9-12-2010, P, DJE de 22-3-2011 
Vide HC 72.851, rel. min. Celso de Mello, j. 25-10-1995, P, DJE de 28-11-2008 
 
É compatível com a Carta Magna a norma infraconstitucional que atribui a órgão integrante do 
Poder Executivo da União a faculdade de estabelecer as alíquotas do Imposto de Exportação. 
Competência que não é privativa do Presidente da República. 
 
Inocorrência de ofensa aos arts. 84, caput, IV, e parágrafo único, e 153, § 1º, da CF ou ao 
princípio de reserva legal. (...) Faculdade discricionária atribuída à Câmara de Comércio 
Exterior – CAMEX, que se circunscreve ao disposto no Decreto-Lei 1.578/1977 e às demais 
normas regulamentares. 
 
[RE 570.680, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 28-10-2009, P, DJE de 4-12-2009, com 
repercussão geral.] 
 
A existência de filha brasileira só constitui causa impeditiva da expulsão de estrangeiro, quando 
sempre a teve sob sua guarda e dependência econômica, mas desde que a tenha reconhecido 
antes do fato que haja motivado a expedição do decreto expulsório. 
 
[HC 82.893, rel. min. Cezar Peluso, j. 17-12-2004, P, DJ de 8-4-2005.] 
=HC 110.849, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 10-4-2012, 2ª T, DJE de 30-5-2012 
 
A expulsão de estrangeiros – que constitui manifestação da soberania do Estado brasileiro – 
qualifica-se como típica medida de caráter político-administrativo, da competência exclusiva do 
Presidente da República, a quem incumbe avaliar, discricionariamente, a conveniência, a 
necessidade, a utilidade e a oportunidade de sua efetivação. 
 
(...) O julgamento da nocividade da permanência do súdito estrangeiro em território nacional 
inclui-se na esfera de exclusiva atribuição do chefe do Poder Executivo da União. 
 
(...) O poder de ordenar a expulsão de estrangeiros sofre, no entanto, limitações de ordem 
jurídica consubstanciadas nas condições de inexpulsabilidade previstas no Estatuto do 
Estrangeiro (art. 75, II, a e b). 
 
O controle jurisdicional do ato de expulsão não incide, sob pena de ofensa ao princípio da 
separação de poderes, sobre o juízo de valor emitido pelo chefe do Poder Executivo da União. 
A tutela judicial circunscreve-se, nesse contexto, apenas aos aspectos de legitimidade jurídica 
concernentes ao ato expulsório. 
 
[HC 72.851, rel. min. Celso de Mello, j. 25-10-1995, P, DJE de 28-11-2008.] 
= HC 85.203, rel. min. Eros Grau, j. 6-8-2009, P, DJE de 16-12-2010 
Vide HC 101.269, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-8-2010, 1ª T, DJE de 20-8-2010 
 
I-nomear e exonerar os Ministros de Estado; 
 
II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração 
federal; 
 
É inconstitucional qualquer tentativa do Poder Legislativo de definir previamente conteúdos ou 
estabelecer prazos para que o Poder Executivo, em relação às matérias afetas a sua iniciativa, 
apresente proposições legislativas, mesmo em sede da Constituição estadual, porquanto 
ofende, na seara administrativa, a garantia de gestão superior dada ao chefe daquele Poder. 
 
Os dispositivos do ADCT da Constituição gaúcha, ora questionados, exorbitam da autorização 
constitucional de auto-organização, interferindo indevidamente na necessária independência e 
na harmonia entre os Poderes, criando, globalmente, na forma nominada pelo autor, verdadeiro 
plano de governo, tolhendo o campo de discricionariedade e as prerrogativas próprias do chefe 
do Poder Executivo, em ofensa aos arts. 2º e 84, II, da Carta Magna. 
 
[ADI 179, rel. min. Dias Toffoli, j. 19-2-2014, P, DJE de 28-3-2014.] 
 
A Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) está prevista na Lei 
10.742/2003 como órgão técnico necessário à regulação do setor farmacêutico, justificando-se, 
especialmente, pelas complexidades do mercado de medicamentos. 
 
A amplitude da delegação normativa consiste no fundamento fático-jurídico do exercício do 
poder regulamentar pela administração pública, que deve atuar em consonância com a lei, 
atendendo à necessidade de regulação do setor farmacêutico e em respeito à dinâmica e às 
peculiaridades técnicas do mercado de medicamentos. 
 
[RMS 28.487, rel. min. Dias Toffoli, j. 26-2-2013, 1ª T, DJE de 15-3-2013.] 
 
O dispositivo impugnado, ao atribuir à instituição financeira depositária dos recursos do Estado 
a iniciativa de repassar, automaticamente, às contas dos órgãos dos Poderes Legislativo e 
Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas as dotações orçamentárias a eles 
destinadas, caracteriza ofensa ao art. 84, II, da CF/1988 (de observância obrigatória pelas 
unidades federadas), que confere, privativamente, ao chefe do Poder Executivo, a direção 
superior da administração estadual. 
 
[ADI 1.901, rel. min. Ilmar Galvão, j. 3-2-2003, P, DJ de 9-5-2003.] 
=ADI 1.914, rel. min. Cezar Peluso, j. 15-4-2009, P, DJE de 7-8-2009 
 
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos do Estado do Rio Grande do Sul 
(AGERGS). Insuficiência de relevo jurídico da oposição que se faz à sua autonomia perante o 
chefe do Poder Executivo (CF, art. 84, II), dado que não se inclui na competência da Autarquia 
função política decisória ou planejadora sobre até onde e a que serviços estender a delegação 
do Estado, mas o encargo de prevenir e arbitrar segundo a leios conflitos de interesses entre 
concessionários e usuários ou entre aqueles e o poder concedente. 
 
Serviço de saneamento. Competência da Agência para regulá-los, em decorrência de convênio 
com os Municípios. 
 
[ADI 2.095 MC, rel. min. Octavio Gallotti, j. 22-3-2000, P, DJ de 19-9-2003.] 
=AI 763.559 AgR, rel. min. Eros Grau, j. 2-2-2010, 2ª T, DJE de 26-2-2010 
 
III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição; 
 
A Portaria MEC 474/1987 não configura usurpação de competência legislativa do chefe do 
Poder Executivo. 
[AI 754.613 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 20-10-2009, 2ª T, DJE de 13-11-2009.] 
 
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos 
para sua fiel execução; 
 
É cediço na doutrina que "a finalidade da competência regulamentar é a de produzir normas 
requeridas para a execução de leis quando estas demandem uma atuação administrativa a ser 
desenvolvida dentro de um espaço de liberdade exigente de regulação ulterior, a bem de uma 
aplicação uniforme da lei, isto é, respeitosa do princípio da igualdade de todos os 
administrados" (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 21ª ed. 
São Paulo: Malheiros, 2006. p. 336). 
 
[ADI 4.218 AgR, rel. min. Luiz Fux, j. 13-12-2012, P, DJE de 19-2-2013.) 
 
(...) o STF assentou que é vedado ao chefe do Poder Executivo expedir decreto a fim de 
suspender a eficácia de ato normativo hierarquicamente superior. 
 
[RE 582.487 AgR, voto da rel. min. Cármen Lúcia, j. 25-9-2012, 2ª T, DJE de 25-9-2012.] 
 
A Lei 12.382/2011 definiu o valor do salário mínimo e sua política de afirmação de novos 
valores nominais para o período indicado (arts. 1º e 2º). Cabe ao presidente da República, 
exclusivamente, aplicar os índices definidos legalmente para reajuste e aumento e divulgá-los 
por meio de decreto, pelo que não há inovação da ordem jurídica nem nova fixação de valor. 
 
[ADI 4.568, rel. min. Cármen Lúcia, j. 3-11-2011, P, DJE de 30-3-2012.] 
 
A Constituição da República não oferece guarida à possibilidade de o Governador do Distrito 
Federal criar cargos e reestruturar órgãos públicos por meio de simples decreto. Mantida a 
decisão do Tribunal a quo, que, fundado em dispositivos da Lei Orgânica do DF, entendeu 
violado, na espécie, o princípio da reserva legal. 
 
[RE 577.025, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 11-12-2008, P, DJE de 6-3-2009, com 
repercussão geral.] 
 
Trata-se de ação direta na qual se pretende seja declarada inconstitucional lei amazonense 
que dispõe sobre a realização gratuita do exame de DNA. 
 
(...) Quanto ao art. 3º da lei, a "autorização" para o exercício do poder regulamentar nele 
afirmada é despicienda, pois se trata, aí, de simples regulamento de execução. Em texto de 
doutrina anotei o seguinte: "(o)s regulamentos de execução decorrem de atribuição explícita do 
exercício de função normativa ao Executivo (Constituição, art. 84, IV). 
 
O Executivo está autorizado a expedi-los em relação a todas as leis (independentemente de 
inserção, nelas, de disposição que autorize emanação deles). Seu conteúdo será o 
desenvolvimento da lei, com a dedução dos comandos nela virtualmente abrigados. 
 
A eles se aplica, sem ressalvas, o entendimento que prevalece em nossa doutrina a respeito 
dos regulamentos em geral. Note-se, contudo, que as limitações que daí decorrem alcançam 
exclusivamente os regulamentos de execução, não os 'delegados' e os autônomos. 
 
Observe-se, ainda, que, algumas vezes, rebarbativamente (art. 84, IV), determinadas leis 
conferem ao Executivo autorização para a expedição de regulamento tendo em vista sua fiel 
execução; essa autorização apenas não será rebarbativa se, mais do que autorização, impuser 
ao Executivo o dever de regulamentar". 
 
No caso, no entanto, o preceito legal marca prazo para que o Executivo exerça função 
regulamentar de sua atribuição, o que ocorre amiúde, mas não deixa de afrontar o princípio da 
interdependência e harmonia entre os poderes. A determinação de prazo para que o chefe do 
Executivo exerça função que lhe incumbe originariamente, sem que expressiva de dever de 
regulamentar, tenho-a por inconstitucional. 
 
Nesse sentido, veja-se a ADI 2.393, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ de 28-3-2003, e a ADI 546, 
Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-4-2000. 
[ADI 3.394, voto do rel. min. Eros Grau, j. 2-4-2007, P, DJE de 15-8-2008.] 
 
Se a interpretação administrativa da lei, que vier a consubstanciar-se em decreto executivo, 
divergir do sentido e do conteúdo da norma legal que o ato secundário pretendeu 
regulamentar, quer porque tenha este se projetado ultra legem, quer porque tenha 
permanecido citra legem, quer, ainda, porque tenha investido contra legem, a questão 
caracterizará, sempre, típica crise de legalidade, e não de inconstitucionalidade, a inviabilizar, 
em consequência, a utilização do mecanismo processual da fiscalização normativa abstrata. 
 
O eventual extravasamento, pelo ato regulamentar, dos limites a que materialmente deve estar 
adstrito poderá configurar insubordinação executiva aos comandos da lei. 
 
Mesmo que, a partir desse vício jurídico, se possa vislumbrar, num desdobramento ulterior, 
uma potencial violação da Carta Magna, ainda assim estar-se-á em face de uma situação de 
inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua, cuja apreciação não se revela possível em sede 
jurisdicional concentrada. 
 
[ADI 996 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 11-3-1994, P, DJ de 6-5-1994.] 
=ADI 4.176 AgR, rel. min. Cármen Lúcia, j. 20-6-2012, P, DJE de 1º-8-2012 
 
V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente; 
 
VI - dispor, mediante decreto, sobre: (Redação da EC 32/2001) 
 
Redação Anterior: 
VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei; 
 
a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de 
despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela EC 32/2001) 
 
É admissível controle concentrado de constitucionalidade de decreto que, dando execução a lei 
inconstitucional, crie cargos públicos remunerados e estabeleça as respectivas denominações, 
competências, atribuições e remunerações. (...) Art. 5° da Lei 1.124/2000, do Estado do 
Tocantins. 
 
Administração pública. Criação de cargos e funções. Fixação de atribuições e remuneração 
dos servidores. Efeitos jurídicos delegados a decretos do chefe do Executivo. Aumento de 
despesas. Inadmissibilidade. Necessidade de lei em sentido formal, de iniciativa privativa 
daquele. 
 
Ofensa aos arts. 61, § 1°, II, a, e 84, VI, a, da CF. (...) São inconstitucionais a lei que autorize o 
chefe do Poder Executivo a dispor, mediante decreto, sobre criação de cargos públicos 
remunerados, bem como os decretos que lhe deem execução. 
 
[ADI 3.232, rel. min. Cezar Peluso, j. 14-8-2008, P, DJE de 3-10-2008.] 
=ADI 4.125, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2010, P, DJE de 15-2-2011 
 
A Lei 6.835/2001, de iniciativa da Mesa da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo, 
cria nova atribuição à Secretaria de Fazenda Estadual, órgão integrante do Poder Executivo 
daquele Estado. 
 
À luz do princípio da simetria, são de iniciativa do chefe do Poder Executivo estadual as leis 
que versem sobre a organização administrativa do Estado, podendo a questão referente à 
organização e funcionamento da administração estadual, quando não importar aumento de 
despesa, ser regulamentada por meio de decreto do chefe do Poder Executivo (...). 
Inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa da lei ora atacada. 
 
[ADI 2.857, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 30-8-2007, P, DJ de 30-11-2007.] 
 
É indispensável a iniciativa do chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, 
após a EC 32/2001, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma 
remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada 
unidade da Federação. 
[ADI 3.254, rel. min.Ellen Gracie, j. 16-11-2005, P, DJ de 2-12-2005.] 
 
Decreto 4.010, de 12-11-2001. Pagamento de servidores públicos da administração federal. 
Liberação de recursos. Exigência de prévia autorização do presidente da República. 
 
Os arts. 76 e 84, I, II e VI, a, todos da CF, atribuem ao presidente da República a posição de 
chefe supremo da administração pública federal, ao qual estão subordinados os ministros de 
Estado. Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao 
inciso VI do art. 84 pela EC 32/2001, que permite expressamente ao presidente da República 
dispor, por decreto, sobre a organização e o funcionamento da administração federal, quando 
isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não se 
aplicam ao decreto atacado. 
 
[ADI 2.564, rel. min. Ellen Gracie, j. 8-10-2003, P, DJ de 6-2-2004.] 
 
 
b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos; (Incluída pela EC 32/2001) 
 
VII - manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos; 
 
A soberania nacional no plano transnacional funda-se no princípio da independência nacional, 
efetivada pelo presidente da República, consoante suas atribuições previstas no art. 84, VII e 
VIII, da Lei Maior. A soberania, dicotomizada em interna e externa, tem na primeira a 
exteriorização da vontade popular (art. 14 da CRFB) através dos representantes do povo no 
parlamento e no governo; na segunda, a sua expressão no plano internacional, por meio do 
presidente da República. 
 
No campo da soberania, relativamente à extradição, é assente que o ato de entrega do 
extraditando é exclusivo, da competência indeclinável do presidente da República, conforme 
consagrado na Constituição, nas leis, nos tratados e na própria decisão do Egrégio STF na Ext 
1.085. 
 
O descumprimento do Tratado, em tese, gera uma lide entre Estados soberanos, cuja 
resolução não compete ao STF, que não exerce soberania internacional, máxime para impor a 
vontade da República italiana ao chefe de Estado brasileiro, cogitando-se de mediação da 
Corte Internacional de Haia, nos termos do art. 92 da Carta das Nações Unidas de 1945. 
 
O sistema "belga" ou "da contenciosidade limitada", adotado pelo Brasil, investe o STF na 
categoria de órgão juridicamente existente apenas no âmbito do direito interno, devendo, 
portanto, adstringir-se a examinar a legalidade da extradição; é dizer, seus aspectos formais, 
nos termos do art. 83 da Lei 6.815/1980 (...). 
 
O presidente da República, no sistema vigente, resta vinculado à decisão do STF apenas 
quando reconhecida alguma irregularidade no processo extradicional, de modo a impedir a 
remessa do extraditando ao arrepio do ordenamento jurídico, nunca, contudo, para determinar 
semelhante remessa, porquanto, o Poder Judiciário deve ser o último guardião dos direitos 
fundamentais de um indivíduo, seja ele nacional ou estrangeiro, mas não dos interesses 
políticos de Estados alienígenas, os quais devem entabular entendimentos com o chefe de 
Estado, vedada a pretensão de impor sua vontade através dos Tribunais internos. 
 
(...) A reclamação por descumprimento de decisão ou por usurpação de poder, no caso de 
extradição, deve considerar que a Constituição de 1988 estabelece que a soberania deve ser 
exercida, em âmbito interno, pelos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e, no plano 
internacional, pelo chefe de Estado, por isso que é insindicável o poder exercido pelo 
presidente da República e, consequentemente, incabível a reclamação, porquanto 
juridicamente impossível submeter o ato presidencial à apreciação do Pretório Excelso. 
 
A impossibilidade de vincular o presidente da República à decisão do STF se evidencia pelo 
fato de que inexiste um conceito rígido e absoluto de crime político. 
 
(...) Compete ao presidente da República, dentro da liberdade interpretativa que decorre de 
suas atribuições de chefe de Estado, para caracterizar a natureza dos delitos, apreciar o 
contexto político atual e as possíveis perseguições contra o extraditando relativas ao presente, 
na forma do permitido pelo texto do Tratado firmado (art. III, 1, f); por isso que, ao decidir sobre 
a extradição de um estrangeiro, o presidente não age como chefe do Poder Executivo federal 
(art. 76 da CRFB), mas como representante da República Federativa do Brasil. 
 
O juízo referente ao pedido extradicional é conferido ao "Presidente da República, com apoio 
em juízo discricionário, de caráter eminentemente político, fundado em razões de oportunidade, 
de conveniência e/ou de utilidade (...) na condição de chefe de Estado" (Ext 855, min. rel. Celso 
de Mello, DJ de 1º-7-2006). 
 
O chefe de Estado é a figura constitucionalmente capacitada para interpretar a cláusula do 
Tratado de Extradição, por lhe caber, de acordo com o art. 84, VII, da Carta Magna, "manter 
relações com Estados estrangeiros". 
 
O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões políticas na esfera 
internacional, competindo esse mister ao presidente da República, eleito democraticamente e 
com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior; aplicável, in casu, a noção 
de capacidades institucionais, cunhada por CassSunstein e Adrian 
Vermeule [InterpretationandInstitutions. U Chicago Law & Economics, Olin Working Paper, Nº 
156, 2002; U Chicago Public Law Research Paper nº 28]. 
 
[Rcl 11.243, rel. p/ o ac. min. Luiz Fux, j. 8-6-2011, P, DJE de 5-10-2011.] 
 
É válida a lei que reserva ao Poder Executivo – a quem incumbe, por atribuição constitucional, 
a competência para tomar decisões que tenham reflexos no plano das relações internacionais 
do Estado – o poder privativo de conceder asilo ou refúgio. (...). (...) (Ext 493). 
 
[Ext 1.008, rel. p/ o ac. min. Sepúlveda Pertence, j. 21-3-2007, P, DJ de 17-8-2007.] 
 
VIII - celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso 
Nacional; 
 
O exame da vigente CF permite constatar que a execução dos tratados internacionais e a sua 
incorporação à ordem jurídica interna decorrem, no sistema adotado pelo Brasil, de um ato 
subjetivamente complexo, resultante da conjugação de duas vontades homogêneas: 
 
a do Congresso Nacional, que resolve, definitivamente, mediante decreto legislativo, sobre 
tratados, acordos ou atos internacionais (CF, art. 49, I) e a do Presidente da República, que, 
além de poder celebrar esses atos de direito internacional (CF, art. 84, VIII), também dispõe – 
enquanto chefe de Estado que é – da competência para promulgá-los mediante decreto. 
 
O iter procedimental de incorporação dos tratados internacionais – superadas as fases prévias 
da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação 
pelo chefe de Estado – conclui-se com a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, 
de cuja edição derivam três efeitos básicos que lhe são inerentes: 
 
(a) a promulgação do tratado internacional; 
 
(b) a publicação oficial de seu texto; e 
 
(c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então, a vincular e a 
obrigar no plano do direito positivo interno. Precedentes. 
 
[ADI 1.480 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 4-9-1997, P, DJ de 18-5-2001.] 
 
Tratado de extradição. Acolhimento pela Constituição dos atos a ela anteriores, desde que 
compatíveis. Desnecessidade de novo referendo pelo Congresso Nacional (CF, art. 84, VIII). 
 
[HC 67.635, rel. min. Paulo Brossard, j. 30-8-1989, P, DJ de 29-9-1989.] 
 
IX - decretar o estado de defesa e o estado de sítio; 
 
X - decretar e executar a intervenção federal; 
 
XI - remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da 
sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providências que julgar 
necessárias; 
 
XII - conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos 
em lei; 
 
Sendo a medida desegurança sanção penal, o período de cumprimento repercute no tempo 
exigido para o indulto. 
 
[RE 628.658, rel. min. Marco Aurélio, j. 5-11-2015, P, DJE de 1º-4-2016, com repercussão 
geral.] 
 
A concessão do benefício do indulto é uma faculdade atribuída ao Presidente da República. 
Assim, é possível a imposição de condições para tê-lo como aperfeiçoado, desde que em 
conformidade com a CF. 
 
[AI 701.673 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 5-5-2009, 1ª T, DJE de 5-6-2009.] 
 
O art. 5º, XLIII, da Constituição, que proíbe a graça, gênero do qual o indulto é espécie, nos 
crimes hediondos definidos em lei, não conflita com o art. 84, XII, da Lei Maior. O decreto 
presidencial que concede o indulto configura ato de governo, caracterizado pela ampla 
discricionariedade. 
 
[HC 90.364, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 31-10-2007, P, DJ de 30-11-2007.] 
= HC 81.810, rel. min. Cezar Peluso, j. 16-4-2009, P, DJE de 7-8-2009 
 
A anistia, que depende de lei, é para os crimes políticos. Essa é a regra. Consubstancia ela ato 
político, com natureza política. Excepcionalmente, estende-se a crimes comuns, certo que, 
para estes, há o indulto e a graça, institutos distintos da anistia (CF, art. 84, XII). 
 
[ADI 1.231, rel. min. Carlos Velloso, j. 15-12-2005, P, DJ de 28-4-2006.] 
 
Não pode, em tese, a lei ordinária restringir o poder constitucional do presidente da República 
de "conceder indulto e comutar penas, com audiência, se necessário, dos órgãos instituídos em 
lei" (CF, art. 84, XII), opondo-lhe vedações materiais não decorrentes da Constituição. 
 
Não obstante, é constitucional o art. 2º, I, da Lei 8.072/1990, porque, nele, a menção ao indulto 
é meramente expletiva da proibição de graça aos condenados por crimes hediondos ditada 
pelo art. 5º, XLIII, da Constituição. 
 
Na Constituição, a graça individual e o indulto coletivo – que ambos, tanto podem ser totais ou 
parciais, substantivando, nessa última hipótese, a comutação de pena – são modalidades do 
poder de graça do presidente da República (art. 84, XII) – que, no entanto, sofre a restrição do 
art. 5º, XLIII, para excluir a possibilidade de sua concessão, quando se trata de condenação 
por crime hediondo. 
 
Proibida a comutação de pena, na hipótese do crime hediondo, pela Constituição, é irrelevante 
que a vedação tenha sido omitida no Decreto 3.226/1999. 
 
[HC 81.565, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 19-2-2002, 1ª T, DJ de 22-3-2002.] 
 
O indulto, em nosso regime, constitui faculdade atribuída ao presidente da República (art. 84, 
XII, da CF), que aprecia não apenas a conveniência e oportunidade de sua concessão, mas 
ainda os seus requisitos. 
 
A fixação do ressarcimento do dano como condição para o indulto não destoa da lógica de 
nosso sistema legal, que estimula a composição dos prejuízos causados pelo delito, mesmo 
antes do seu julgamento definitivo (v.g., arts. 16 e 312, § 2º, do CP), sem conferir-lhe, no 
entanto, caráter de obrigatoriedade, mas apenas de pressuposto para o gozo de determinado 
benefício. 
 
O sequestro de bens não tem o condão de tornar insolvente o réu para efeito de eximi-lo da 
satisfação do dano, erigida como condição para o indulto. Se o beneficiário não cumpre todos 
os requisitos do indulto, seu indeferimento não constitui constrangimento ilegal. 
 
[RHC 71.400, rel. min. Ilmar Galvão, j. 7-6-1994, 1ª T, DJ de 30-9-1994.] 
 
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, nomear os Comandantes da Marinha, 
do Exército e da Aeronáutica, promover seus oficiais-generais e nomeá-los para os cargos que 
lhes são privativos; (Redação da EC 23/1999) 
 
Forças Armadas. Desligamento de soldado-cabo. Mandado de segurança (...). Surge a 
impropriedade da impetração quando apontada como autoridade coatora, ante o fato de ser o 
chefe supremo das Forças Armadas, o presidente da República. 
[MS 25.549 AgR, rel. min. Marco Aurélio, j. 2-4-2009, P, DJE de 8-5-2009.] 
 
Redação Anterior: 
XIII - exercer o comando supremo das Forças Armadas, promover seus oficiais-generais e 
nomeá-los para os cargos que lhes são privativos; 
 
XIV - nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal 
e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, 
o presidente e os diretores do Banco Central e outros servidores, quando determinado em lei; 
 
XV - nomear, observado o disposto no art. 73, os Ministros do Tribunal de Contas da União; 
 
XVI - nomear os magistrados, nos casos previstos nesta Constituição, e o Advogado-Geral da 
União; 
 
No mandado de segurança contra a nomeação de magistrado da competência do presidente 
da República, este é considerado autoridade coatora, ainda que o fundamento da impetração 
seja nulidade ocorrida em fase anterior ao procedimento. 
[Súmula 627.] 
 
Estando o presidente da República de posse de lista tríplice destinada ao preenchimento de 
vaga de magistrado de TRT, podendo nomear, a qualquer momento, aquele que vai ocupar o 
cargo vago, configura-se a competência desta Corte para o julgamento do mandado de 
segurança que impugna o processo de escolha dos integrantes da lista, nos termos da 
jurisprudência do STF, consolidada na Súmula 627 desta Corte. 
 
[MS 27.244 QO, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 13-5-2009, P, DJE de 19-3-2010.] 
 
XVII- nomear membros do Conselho da República, nos termos do art. 89, VII; 
 
XVIII - convocar e presidir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional; 
 
XIX - declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo Congresso Nacional ou 
referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das sessões legislativas, e, nas mesmas 
condições, decretar, total ou parcialmente, a mobilização nacional; 
 
XX - celebrar a paz, autorizado ou com o referendo do Congresso Nacional; 
 
XXI - conferir condecorações e distinções honoríficas; 
 
XXII - permitir, nos casos previstos em lei complementar, que forças estrangeiras transitem 
pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente; 
 
XXIII - enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretrizes 
orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição; 
 
XXIV - prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura 
da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior; 
 
Prestação trimestral de contas à Assembleia Legislativa. Desconformidade com o parâmetro 
federal (CF, art. 84, XXIV), que prevê prestação anual de contas do presidente da República ao 
Congresso Nacional. 
 
[ADI 2.472 MC, rel. min. Maurício Corrêa, j. 13-3-2002, P, DJ de 3-5-2002.] 
 
XXV- prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; 
 
Esta Corte firmou orientação no sentido da legitimidade de delegação a ministro de Estado da 
competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do art. 84, XXV, e parágrafo 
único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores públicos federais. (...) Legitimidade da 
delegação a secretários estaduais da competência do governador do Estado de Goiás para (...) 
aplicar penalidade de demissão aos servidores do Executivo, tendo em vista o princípio da 
simetria. 
 
[RE 633.009 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 13-9-2011, 2ª T, DJE de 27-9-2011.] 
= RE 608.848 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-12-2013, 2ª T, DJE de 11-2-2014 
 
A Constituição do Estado de Mato Grosso, ao condicionar a destituição do procurador-geral do 
Estado à autorização da Assembleia Legislativa, ofende o disposto no art. 84, XXV; e art. 131, 
§ 1º, da CF/1988. Compete ao chefe do Executivo dispor sobre as matérias exclusivas de sua 
iniciativa, não podendo tal prerrogativa ser estendida ao procurador-geral do Estado. 
 
[ADI 291, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 7-4-2010, P, DJE de 10-9-2010.] 
 
Presidente da República: competência para prover cargos públicos (CF, art. 84, XXV, primeira 
parte), que abrange a de desprovê-los, a qual, portanto é susceptível de delegaçãoa ministro 
de Estado (CF, art. 84, parágrafo único): validade da Portaria do ministro de Estado que, no 
uso de competência delegada, aplicou a pena de demissão ao impetrante. 
 
[MS 25.518, rel. min. Sepúlveda Pertence, j. 14-6-2006, P, DJ de 10-8-2006.] 
 
É inconstitucional o dispositivo da Constituição de Santa Catarina que estabelece o sistema 
eletivo, mediante voto direto e secreto, para escolha dos dirigentes dos estabelecimentos de 
ensino. 
 
É que os cargos públicos ou são providos mediante concurso público, ou, tratando-se de cargo 
em comissão, mediante livre nomeação e exoneração do chefe do Poder Executivo, se os 
cargos estão na órbita deste (CF, art. 37, II, art. 84, XXV). 
 
[ADI 123, rel. min. Carlos Velloso, j. 3-2-1997, P, DJ de 12-9-1997.] 
= ADI 2.997, rel. min. Cezar Peluso, j. 12-8-2009, P, DJE de 12-3-2010 
 
XXVI- editar medidas provisórias com força de lei, nos termos do art. 62; 
 
Adoção de medida provisória por Estado-membro. Possibilidade. Arts. 62 e 84, XXVI, da CF. 
EC 32, de 11-9-2001, que alterou substancialmente a redação do art. 62. 
 
(...) No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ de 19-12-2003, o Plenário desta 
Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida 
provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na 
Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas 
pelo modelo adotado pela CF, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do 
processo legislativo federal. 
 
Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 19-6-1992 e ADI 812-MC, 
rel. Min. Moreira Alves, DJ de 14-5-1993. 
 
[ADI 2.391, rel. min. Ellen Gracie, j. 16-8-2006, P, DJ de 16-3-2007.] 
 
XXVII - exercer outras atribuições previstas nesta Constituição. 
 
Parágrafo único. O Presidente da República poderá delegar as atribuições mencionadas nos 
incisos VI, XII e XXV, primeira parte, aos Ministros de Estado, ao Procurador-Geral da 
República ou ao Advogado-Geral da União, que observarão os limites traçados nas respectivas 
delegações. 
 
Esta Corte firmou orientação no sentido da legitimidade de delegação a ministro de Estado da 
competência do chefe do Executivo Federal para, nos termos do art. 84, XXV, e parágrafo 
único, da CF, aplicar pena de demissão a servidores públicos federais. 
 
(...) Legitimidade da delegação a secretários estaduais da competência do governador do 
Estado de Goiás para (...) aplicar penalidade de demissão aos servidores do Executivo, tendo 
em vista o princípio da simetria. 
 
[RE 633.009 AgR, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 13-9-2011, 2ª T, DJE de 27-9-2011.] 
= RE 608.848 AgR, rel. min. Teori Zavascki, j. 17-12-2013, 2ª T, DJE de 11-2-2014 
 
Nos termos do parágrafo único do art. 84 da Magna Carta, o presidente da República pode 
delegar aos ministros de Estado a competência para julgar processos administrativos e aplicar 
pena de demissão aos servidores públicos federais. Para esse fim é que foi editado o Decreto 
3.035/1999. 
 
[RMS 25.367, rel. min. Ayres Britto, j. 4-10-2005, 1ª T, DJ de 21-10-2005.] 
= RMS 24.619, rel. min. Gilmar Mendes, j. 11-10-2011, 2ª T, DJE de 22-11-2011 
 
Fi
lo
so
Fi
a
e
Te
o
ri
a
Ge
ra
l
d
o
s
d
ir
ei
To
s
Fu
n
da
m
en
Ta
is
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E
COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
JUDICIALIZATION, BUDGETARY AND FINANCIAL LIMITS OF
RESOURCES AND COMPLIANCE IN HEALTH SECTOR
Ingo Wolgang Sarlet
Giovani Agostini Saavedra
Resumo
A saúde tem, há muito, enrentando vários desafios. Em especial, algumas
distorções provocadas por excessos da assim chamada “judicialização” da
saúde têm gerado muito debate. Se não é possível desconsiderar a rele-
vância da atuação do Poder Judiciário, reflexo das patologias verificadas
no próprio sistema público e privado de saúde, também é verdade que a
intervenção judicial desmedida se revela preocupante. No presente artigo,
pretende-se avaliar esse enômeno a partir de dois aspectos: o da reser-
va do possível, como possível limitador do controle jurisdicional, e o do
Compliance, como medida preventiva de distorções geradas por eventuais
excessos dessa judicialização.
Palavras-chave: Judicialização. Saúde. Reserva do possível. Compliance.
Abstract
Health have aced various challenges. A special problem caused by excesses
on the process so called “judicialization” o health raises lots o debate. I
it’s not possible to diminish the importance o Judiciary unction, reflection
o the pathologies ound in health system itsel, both public and private,
it’s also truth that the excesses in judiciary intervention in Brazilian Health
Care System are very preoccupying. In this article, we intend to analyse
this phenomenon in two aspects: the budgetary and financial limits o
resources, as a material limit o the jurisdictional control, and Compliance,
as a preventive measure o distortions generated by any excesses o the
judicialization.
Keywords: Judicialization. Health. Budgetary and financial limits o re-
sources. Compliance.
258
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
1 INTRODUÇÃO
De há muito se sabe que a área da saúde no Brasil tem enrentado
uma série de desafios. Especialmente, após a deflagração de investigações
e reportagens, que tornaram explícita a existência da chamada “Máfia
das Próteses”, várias iniciativas têm sido tomadas no poder executivo, no
poder legislativo, bem como emórgãos de fiscalização comooCADE, para
buscar conter e corrigir algumas distorções criadas pela assim chamada
judicialização da saúde. Embora com isso não se esteja a desconsiderar
a relevância da atuação do Poder Judiciário, provocado pelas unções
essenciais à Justiça e pela cidadania, visto se tratar em grande medida
de um reflexo das patologias verificadas no próprio sistema público e
privado de saúde, também é verdade que em determinadas situações a
intervenção judicial se revela preocupante sob diversos aspectos.
Nessa perspectiva, até mesmo pela inviabilidade de uma análise
transversal e abrangente da problemática, destaca-se o impacto financei-
ro e orçamentário, traduzido pela conhecida noção de uma “reserva do
possível”, que tem sido recorrentemente esgrimida como limite ático (e
jurídico) ao controle jurisdicional, também – e, considerando o número
de processos – especialmente na área da saúde.
Nopresente artigo, pretende-se avaliar o enômenoda assimchamada
judicialização (doravante apenas judicialização) da saúde a partir de dois
aspectos: o da reserva do possível, como possível limitador do controle
jurisdicional, e o do Compliance, comomedida preventiva de distorções,
que podem surgem a partir de eventuais excessos dessa judicialização.
Para tanto, inicia-se pelo enômeno da reserva do possível e suas di-
mensões para, na sequência, adentrar na seara do Complience, comomeio
de minimizar o impacto da intervenção judicial, mas, em especial, como
modo de potencializar os recursos e racionalizar os gastos na seara da
saúde, contribuindo para a própria sustentabilidade do sistemade saúde.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
259R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
2 A ASSIM CHAMADA RESERVA DO POSSÍVEL, SUAS
DIMENSÕES E SEU IMPACTO1
Justamente pelo ato de os direitos sociais prestacionais terem
por objeto – em regra – prestações do Estado diretamente vinculadas à
destinação, distribuição (e redistribuição), bem como à criação de bens
materiais, aponta-se, com propriedade, para sua dimensão economica-
mente relevante, ainda que se saiba, que todos os direitos undamentais
possuemumadimensãopositiva e, portanto, alguma relevância econômica
(WIPFELDER, 1986). Tal constatação pode ser tida como essencialmente
correta e não costuma ser questionada. Já os direitos de deesa – pre-
cipuamente dirigidos a uma conduta omissiva – podem, em princípio,
serconsiderados destituídos desta dimensão econômica, na medida em
que o objeto de sua proteção como direitos subjetivos (vida, intimidade,
liberdades etc.) pode ser assegurado juridicamente, independentemente
das circunstâncias econômicas.2
É preciso que se deixe consignado, entretanto, que a reerida “ir-
relevância econômica” dos direitos de deesa (negativos) deve ser com-
preendida de modo adequado, pois de há muito se sabe que todos os
direitos undamentais – na esteira da obra de Holmes e Sunstein e de
acordo com a posição entre nós sustentada por autores como Gustavo
Amaral (AMARAL, 2001) e Flávio Galdino (GALDINO, 2002) são, de certo
modo, sempre direitos positivos, no sentido de que também os direitos
de liberdade e os direitos de deesa em geral exigem – para a sua realiza-
ção – um conjunto demedidas positivas por parte do poder público, que
abrangem a alocação significativa de recursosmateriais e humanos para
a sua proteção e implementação. Assim, não há como negar que todos
os direitos undamentais podem implicar “um custo”, de tal sorte que
esta circunstância não poderia ser limitada aos direitos sociais de cunho
prestacional (SGARBOSSA, 2010). Aliás, é preciso enatizar, como o az
Nabais (2007), que não apenas todos os direitos undamentais importam
em custos, como tais custos podem ser compreendidos em sentido am-
plo, abrangendo custos ligados à própria existência e sobrevivência do
Estado (vinculados, por exemplo, ao dever de deesa da pátria), quanto
custos ligados ao uncionamento democrático dever de votar, como em
260
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
sentido estrito, quando se reerem – conorme, aliás, a perspectiva aqui
privilegiada, os assim chamados custos financeiros públicos de todos os
direitos.
Trilhando linha argumentativa similar, convergindo, portanto, com
a posição aqui hámuito enatizada, no sentido de que existemdierenças
entre os direitos civis e políticos e os direitos sociais, dierenças estas
ligadas ao custo dos direitos, situa-se tambémo entendimento de Aonso
da Silva (2008), para quem a realização dos direitos sociais “custa mais
dinheiro”, distinguindo entre “gastos institucionais”, que seriam gastos
comuns a todos os direitos (os gastos com amanutenção das instituições
políticas e judiciais, por exemplo, que estão a serviço de todos os direitos)
e os gastos diretamente reeridos à realização dos direitos sociais, razão
pela qual o autor entende que gastos gerais devem ser excluídos para
eeito de comparação entre os direitos civis e políticos e direitos sociais,
econômicos e culturais, designadamente, na sua esera prestacional,
convém acrescentar.
Vinculada a tal característica dos direitos undamentais sociais a
prestações está a problemática da eetiva disponibilidade do seu objeto,
isto é, se o destinatário da norma se encontra em condições de dispor
da prestação reclamada (isto é, de prestar o que a norma lhe impõe seja
prestado), encontrando-se, portanto, na dependência da real existência
dos meios para cumprir com sua obrigação.3 Já há tempo se averbou
que o Estado dispõe apenas de limitada capacidade de dispor sobre o
objeto das prestações reconhecidas pelas normas definidoras de direitos
undamentais sociais (BRUNNER, 1971), de tal sorte que a limitação dos
recursos constitui, segundo alguns, em limite ático à eetivação desses
direitos4.
Distinta da disponibilidade eetiva dos recursos, ou seja, da possibi-
lidadematerial de disposição, situa-se a problemática ligada à possibili-
dade jurídica de disposição, já que o Estado (assim como o destinatário
em geral) também deve ter a capacidade jurídica, em outras palavras, o
poder de dispor, sem o qual de nada lhe adiantam os recursos existen-
tes.5 Encontramo-nos, portanto, diante de duas acetas diversas, porém
intimamente entrelaçadas, que caracterizam os direitos undamentais
sociais prestacionais. É justamente em virtude destes aspectos que se
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
261R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
passou a sustentar a colocação dos direitos sociais a prestações sob o
que se denominou de uma “reserva do possível”,6 que, compreendida
em sentido amplo, abrange tanto a possibilidade, quanto o poder de
disposição por parte do destinatário da norma.
Para alémdisso, colhe-se o ensejo de reerir decisão da Corte Consti-
tucional Federal da Alemanha, que, desde o paradigmático caso numerus
clausus, versando sobre o direito de acesso ao ensino superior, firmou
jurisprudência no sentido de que a prestação reclamada deve correspon-
der ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, de tal
sorte que, mesmo em dispondo o Estado dos recursos e tendo o poder
de disposição, não se pode alar em uma obrigação de prestar algo que
não se mantenha nos limites do razoável (STARCK, p. 303).
A partir do exposto, há como sustentar que a assimdesignada reserva
do possível apresenta pelomenos uma dimensão tríplice, que abrange a)
a eetiva disponibilidade ática dos recursos para a eetivação dos direi-
tos undamentais; b) a disponibilidade jurídica dos recursosmateriais e
humanos, que guarda íntima conexão com a distribuição das receitas e
competências tributárias, orçamentárias, legislativas e administrativas,
entre outras, e que, alémdisso, reclama equacionamento, notadamente no
caso do Brasil, no contexto do nosso sistema constitucional ederativo; c)
já na perspectiva (também) do eventual titular de umdireito a prestações
sociais, a reserva do possível envolve o problema da proporcionalidade
da prestação, em especial no tocante à sua exigibilidade e, nesta quadra,
também da sua razoabilidade (SARLET, 2015).
Todos os aspectos reeridos guardam vínculo estreito entre si e
com outros7 princípios constitucionais, exigindo, além disso, um equa-
cionamento sistemático e constitucionalmente adequado, para que, na
perspectiva do princípio da máxima eficácia e eetividade dos direitos
undamentais, possam servir não como barreira intransponível, mas
inclusive como erramental para a garantia também dos direitos sociais
de cunho prestacional.8
Por outro lado, justamente com base nas ponderações tecidas,
não nos parece correta a afirmação de que a reserva do possível seja
elemento integrante dos direitos fundamentais,9 como se osse parte do
seu núcleo essencial ou mesmo como se estive enquadrada no âmbito
262
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
do que se convencionou denominar de limites imanentes dos direitos
undamentais. A reserva do possível constitui, em verdade (conside-
rada toda a sua complexidade), espécie de limite jurídico e ático dos
direitos undamentais, mas também poderá atuar, em determinadas
circunstâncias, como garantia dos direitos undamentais, por exemplo,
na hipótese de conflitos de direitos, quando se cuidar da invocação –
observados sempre os critérios da proporcionalidade e da garantia do
mínimo existencial em relação a todos os direitos – da indisponibilidade
de recursos com o intuito de salvaguardar o núcleo essencial de outro
direito undamental.
Cumpre anotar, aspecto que será igualmente retomado, que a noção
de escassez (ou seja, a maior ou menor limitação dos recursos), em que
pese essencialmente vinculada à dimensão ática da reserva do possível,
como bemaverbaOlsen (2008), é umanoção artificial, resultado de cons-
trução humana, visto que não há como satisazer simultaneamente em
níveis ótimos todas as necessidades e desejos (visto que há necessidades
criadas, inclusivemediante estímulo externo, como bemdemonstram os
estudos sobre a publicidade), razão pela qual, de acordo com a lição da
autora, a reserva do possível há de ser compreendida como sendo uma
espécie de condição da realidade, a exigir ummínimo de coerência entre
a realidade e a ordenação normativa objeto da regulação jurídica.
Neste contexto, háquem sustente que, por estar em causa uma
verdadeira opção quanto à aetaçãomaterial dos recursos, tambémdeve
ser tomada uma decisão sobre a aplicação destes, que, por sua vez, de-
pende da conjuntura socioeconômica global, partindo-se, neste sentido,
da premissa de que a Constituição não oerece, ela mesma, os critérios
para esta decisão, deixando-a ao encargo dos órgãos políticos (de modo
especial ao legislador) competentes para a definição das linhas gerais das
políticas na esera socioeconômica (ANDRADE, 1987). É justamente por
esta razão que a realização dos direitos sociais prestacionais – de acordo
com a oportuna lição de Canotilho (1982) – costuma ser encarada como
autêntico problemade competência constitucional: “ao legislador compete,
dentro das reservas orçamentais, dos planos económicos e financeiros,
das condições sociais e económicas do país, garantir as prestações inte-
gradoras dos direitos sociais, económicos e culturais”.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
263R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
Por derradeiro, conquanto se possa partir da premissa de que em
parte corretas as ponderações tecidas, reconhecendo-se as limitações
representadas especialmente pela assim designada reserva do possível
na esera dos direitos undamentais sociais de cunho prestacional, há que
questionar até que ponto estes aspectos têm o condão de eetivamente
impedir a plena eficácia e realização destes direitos, o que será aqui
analisado na perspectiva do Compliance como erramenta na esera da
prevenção e da otimização de recursos, demodo a evitar (ouminimizar) o
recurso ao Poder Judiciário e, quando or o caso, o impacto de sua atuação.
3 COMPLIANCE COMO PREVENÇÃO DE DISTORÇÕES E
EXCESSOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE10
Não é exagero afirmar, que, emque pese Compliance exista no Brasil
desde a década de noventa, somente nos últimos dois anos ele passou a
chamar a atenção da vida acadêmica e do mundo empresarial de orma
mais consistente. As razões desse interesse são conhecidas: de um lado,
a Lei 12.683 de 09 de julho de 2012, que modificou a Lei de Lavagem
de Dinheiro (Lei 9.613 de 03 de março de 1998), ampliou considera-
velmente os setores obrigados a ter programas de Compliance, assim
considerados como o conjunto de políticas, procedimentos e controles
internos com vistas à prevenção à lavagem de dinheiro; (SAAVEDRA,
2012)11 além disso, a APn 470 (o caso do Mensalão) acabou também
chamando a atenção de todos para o debate sobre a responsabilidade
penal dos Compliance Oficers (COSTA, 2014), bem como para o debate
sobre a teoria do domínio do ato (LEITE, 2014). A Lei 12.846 de 01 de
agosto de 2013 (também chamada de “Lei Anticorrupção”, “Lei da Em-
presa Limpa”, “Lei da Probidade Administrativa” ou “Lei da Probidade
Empresarial”) completou esse ciclo. Ela veio, emgrandemedida, implantar,
no Brasil, medidas que já eram conhecidas e aplicadas em países como
os Estados Unidos da América. Inovação maior, na área de Compliance,
oi a possibilidade de a existência de programas de Compliance ter um
impacto positivo na aplicação das penalidades da lei, bem como a cria-
ção de hipótese de responsabilização objetiva da empresa no caso de
atos de corrupção praticados em seu interesse ou benefício. Também
264
IngoWolgang Sarlet • Giovani Agostini Saavedra
R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
essa lei acabou tendo sua importância ressaltada por um caso prático:
a chamada “Operação Lava-Jato”. Essa operação desencadeou uma onda
de investigações nacionais e internacionais correlatas, em alguns casos
undamentadas em leis anticorrupção, o que contribuiu sobremaneira
para o início de criação de uma consciência acerca da importância e do
papel da nova lei.
Nesse contexto, vale ainda ressaltar, a excelente e oportuna iniciativa
do Deputado Thiago Simon, que regulamenta, no Estado do Rio Grande
do Sul, a Lei 12.846 de 01 de agosto de 2013, a Lei Anticorrupção. Essa
lei tem vários méritos, mas o mais importante é tornar obrigatórios os
avanços implementados pela Lei Anticorrupção, em âmbito ederal,
também no Rio Grande do Sul.
Mais recentemente, uma reportagem do Fantástico acabou desen-
cadeando também a abertura de uma série de CPIs, dentre as quais
destaca-se aquela realizada pela Câmara dos Deputados, pelo Senado e,
com especial relevância, aquela promovida pela Assembleia Legislativa
do Rio Grande do Sul e que têm chamado à atenção para um esquema
de corrupção, no setor público e privado, no âmbito da saúde. Sem di-
minuir a importância dos enômenos anteriormente descritos, não há a
menor dúvida, que essas CPIs e essas distorções no mercado de saúde
assumemum lugar de destaque, porque as raudes ali descritas atingem
diretamente os bens mais importantes do ser humano: sua integridade
física, sua saúde e, em última instância, sua vida.
Esse enômeno, porém, não é exclusivo do Brasil: na Europa e nos
Estados Unidos houve escândalos de igual escala e o caminho encontra-
do para o enrentamento desses problemas também se concentrou no
Compliance. Essas medidas hoje estão concentradas no Código de Ética
da Advamed (ADVAMED, 2009). No Brasil, um documento similar oi di-
vulgado em2015, trata-se doÉtica Saúde – Acordo Setorial de Dispositivos
Médicos. Este acordo consiste emumacordo setorial deCompliancepara a
área da Saúde e pretende concentrar e adaptar, para o Brasil, asmelhores
práticas e todas as medidas mais modernas de combate à corrupção no
mercado de dispositivos médicos.
Essas e outras iniciativas mostram que o caminho adotado inter-
nacionalmente não se limita à repressão apenas, mas visa à prevenção.
JUDICIALIZAÇÃO, RESERVA DO POSSÍVEL E COMPLIANCE NA ÁREA DA SAÚDE
265R. Dir. Gar. Fund., Vitória, v. 18, n. 1, p. 257-282, jan./abr. 2017
Especialmente porque, no mercado de saúde, o mais importante não é
reprimir um ato que já causou um dano, mas garantir que o sistema
como um todo uncione adequadamente. Pois bem, para que se realize
esse desiderato é necessário institucionalizar medidas, que mudem sis-
temicamente o mercado como um todo e que não se limitem a punições
pontuais de ações localizadas. Omelhormeio para se atingir esse objetivo
é, sem dúvida nenhuma, a criação de uma regulamentação de Complian-
ce para a área da saúde no Brasil. O presente artigo pretende, portanto,
abordar os principais avanços na área de Compliance buscando justificar
as sugestões de projeto de lei, que sistematizammedidas de Compliance,
que tem a vocação para corrigir as alhas do mercado de saúde.
3.1 COMPLIANCE: DELIMITANDO O FENÔMENO
Em grande medida, não seria errado afirmar que o surgimento
do Compliance Criminal no Brasil é ruto de um processo complexo de
expansão do Direito Penal. No Brasil, à primeira vista, parece não haver
a menor dúvida dessa relação: o termo surgiu na década de noventa,
década que, inegavelmente, marcou o início do processo de expansão
do direito penal brasileiro (CAMPOS, 2010). Na verdade, o conceito de
Compliance surgiu, no Brasil, na década de 90, mas, apenas nos últimos
anos, ele tambémpassou a ser objeto de estudos jurídicos. Formalmente,
o conceito passou a ter relevância jurídico-penal, principalmente, com a
entrada em vigor da Lei 9.613 de 03.03.1998 e da Resolução nº 2.554 de
24.09.1998 do ConselhoMonetárioNacional. Desde então, as instituições
financeiras e, logo após, também as empresas do mercado de seguros
em geral, passaram a ter o dever de, respectivamente, comunicar ope-
rações suspeitas, que pudessem implicar a prática do delito de lavagem
de dinheiro (os chamados Deveres de Compliance) e de criar sistemas de
controles internos, que previnam a prática de lavagem de dinheiro, que
promovamo combate ao terrorismo, dentre outras condutas que possam
colocar em risco a integridade do sistema financeiro.
Porém, o desenvolvimento do Compliance no Brasil não está apenas
vinculado ao desenvolvimento de políticas de prevenção à lavagem de
dinheiro e combate ao terrorismo,

Mais conteúdos dessa disciplina