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EDITORA INTERCIÊNCIA Cristina Lúcia Silveira Sisinno e Eduardo Cyrino Oliveira-Filho PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL (FALSO ROSTO) PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Cristina Lúcia Silveira Sisinno Eduardo Cyrino Oliveira-Filho Organizadores (ROSTO) Copyright © 2013 by Cristina Lúcia Silveira Sisinno e Eduardo Cyrino Oliveira-Filho Direitos Reservados em 2013 por Editora Interciência Ltda. Diagramação: Claudia Regina S. L. de Medeiros Revisão Ortográfica: Maria Angélica V. de Melo Maria Paula da M. Ribeiro Capa: Paula Almeida CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ P952 Princípios de toxicologia ambiental: conceitos e aplicações / Cristina Lúcia Silveira Sisinno, Eduardo Cyrino Oliveira-Filho organizadores – Rio de Janeiro: Interciência, 2013. 216p.: 23 cm Inclui bibliografia Índice ISBN 978-85-7193-263-0 1. Toxicologia ambiental. I. Sisinno, Cristina Lúcia Silveira. 2. Oliveira-Filho, Eduardo Cyrino, 1965. 11-4711. CDD: 571.95 CDU: 615.9 É proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização por escrito da editora. www.editorainterciencia.com.br Editora Interciência Ltda. Rua Verna Magalhães, 66 – Engenho Novo Rio de Janeiro – RJ – 20710-290 Tels.: (21) 2581-9378 / 2241-6916 – Fax: (21) 2501-4760 e-mail: vendas@editorainterciencia.com.br Impresso no Brasil – Printed in Brazil D E D I C A T Ó R I A Às nossas famílias e aos amigos, que não nos deixaram desistir. Ao amigo, orientador e profissional Zilmar Teixeira Tosta (in memoriam), pelo apoio e incentivo. Ao professor Luiz Querino Araújo Caldas, por ter apresentado aos organizadores a área de toxicologia ambiental. D E D I C A T Ó R I A “Todas as substâncias são venenosas. Não há nenhuma que não seja. A dose certa diferencia um veneno de um remédio.” Philippus Paracelsus A P R E S E N T A Ç Ã O O que é Toxicologia? E Toxicologia Ambiental? Acreditamos que muitos leitores devem estar fazendo essa pergunta. Nós também já a fizemos há alguns anos atrás. A necessidade de difundir mais essa temática para o público uni- versitário nos levou a organizar essa publicação contendo informações básicas que despertem o interesse do leitor em aprender um pouco mais sobre os efeitos adversos das substâncias químicas sobre os orga- nismos vivos e o ambiente. Outro ponto considerado como importante no processo de elabora- ção dessa obra foi o caráter multidisciplinar da Toxicologia Ambiental. Biólogos, farmacêuticos, químicos, veterinários, engenheiros, médicos, biomédicos, enfermeiros e agrônomos podem atuar em diversas áreas da Toxicologia Ambiental e muitas vezes, durante seu curso de gradua- ção, esses profissionais não entram em contato com essa promissora área de trabalho. Assim, nossa intenção é apresentar a disciplina e auxiliar na divulgação dos potenciais impactos que podem ocorrer sobre o ambien- te e sobre a saúde, para diversos profissionais em formação. Esses gra- duandos poderão dar continuidade aos seus estudos e aprofundar as informações aqui obtidas, na pós-graduação, para futuramente serem importantes formadores de conhecimento para as gerações futuras. Nesse livro o principal enfoque é dado à contaminação do ambien- te, que cada vez mais causa problemas de saúde ao ser humano e afeta negativamente o equilíbrio natural dos ecossistemas tanto em nível lo- X ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL cal como em nível mundial, preocupando a todos de forma crescente. Desse modo, colaborar com a formação de futuros pesquisadores que tenham o interesse em estudar esses efeitos adversos é uma maneira de, pelo menos, tentar minimizar consequências que podem ser devasta- doras, muitas vezes em função do pouco conhecimento sobre os efeitos adversos das substâncias químicas para a saúde humana e ambiental. Optamos por estruturar o livro de forma sequencial onde, pela leitura, possa ser obtido um aprendizado básico sobre o tema principal que, embora pareça novo, já acompanha a humanidade desde o início de sua existência, como pode ser demonstrado pelo uso de venenos animais e vegetais e pelos efeitos adversos causados por fontes natu- rais (p. ex. vulcões). No desenvolvimento dos capítulos são apresentados os conceitos básicos em Toxicologia e as diferentes áreas da Toxicologia, havendo destaque para os fundamentos da Toxicologia Ambiental. Dinâmica, transformação e destino dos contaminantes no ambiente foram assuntos abordados a fim de mostrar ao leitor como, a partir de emitidos por uma fonte de contaminação, os contaminantes podem atingir o ambiente e o ser humano nas proximidades ou em áreas distantes de sua emissão e interagir, acumular, degradar, etc. Também mereceram destaque três grandes grupos de contaminantes que possuem características toxicoló- gicas importantes e que provocam, até hoje, muitos casos de contamina- ção do ambiente e/ou do ser humano: os metais, os agrotóxicos e os hi- drocarbonetos policíclicos aromáticos. Em seguida são apresentados os estudos de avaliação (ambiental, da toxicidade e de risco) que mostram a importância da determinação dos níveis (concentrações) dos contami- nantes que podem causar algum efeito adverso ao equilíbrio ambiental e/ou à saúde humana e toda a complexidade dos processos que envol- vem a determinação dos resultados. Além disso, o controle de qualidade dos resultados é um tema muito discutido em todos os estudos que en- volvem análises laboratoriais (tais como os estudos em toxicologia am- biental) e foi abordado pela importância que a confiabilidade dos dados precisa ter já que, em muitos casos, decisões serão tomadas baseadas nes- sas informações. Finalmente, aborda-se a importância da estatística na avaliação dos dados obtidos nos estudos em toxicologia ambiental uma vez que os resultados gerados podem ser influenciados por vários fato- res que o tratamento estatístico poderá minimizar, ou mesmo identificar. Os organizadores P R E F Á C I O Entre os inúmeros efeitos adversos para a saúde causados pelos processos de desenvolvimento econômico e social, destacam-se aque- les relacionados com a exposição das pessoas, trabalhadoras ou não, a um excessivo número de substâncias químicas que são utilizadas pelos processos de produção. Para que os profissionais interessados no estudo da relação do ambiente com a saúde, incluindo os gestores e tomadores de decisão possam desenvolver pesquisas ou contribuir para atividades de pre- venção, mitigação ou controle destes efeitos, eles necessitam conhe- cer informações toxicológicas relacionadas com as características da presença destas substâncias antes e depois de atingir o organismo hu- mano. Mais especificamente, esse conhecimento envolve como estas substâncias estão presentes nos diversos compartimentos ambientais e através de quais vias podem penetrar no corpo; como ao atingir o orga- nismo humano podem estas substâncias químicas serem distribuídas, transformadas, armazenadas e eliminadas; quais interações/reações com moléculas específicas podem iniciar o processo da doença; e final- mente, quais os sinais e sintomas que caracterizam a sua fase clínica. Esta não é uma tarefa fácil! A informação toxicológica sobre novas substâncias de interesse para os profissionais muitas vezes não é en- contrada nos antigos livros de Toxicologia disponíveis nas prateleiras de bibliotecas especializadas. Quando existente, pode ser acessada por XII ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL meio de revistas nacionais e internacionais indexadas nos principais índices bibliográficos da área da saúde. Neste sentido, a grande contribuição que os novos livros de To- xicologia podem apresentar é oferecer os subsídios conceituais e me- todológicos que são fundamentais para que os profissionais possam compreender essas informações disponíveis pela literatura recente: esta é exatamente a proposta do livro Princípios de Toxicologia Am- biental. Este livro pode ser dividido em 3 blocos de capítulos.PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL cação é observada quando há um aumento das concentrações de uma dada substância ao longo da cadeia alimentar. Ou seja, concentrações mais elevadas são observadas nos organismos pertencentes aos níveis trófi cos mais altos. Assim, substâncias persistentes solúveis em gorduras (p. ex. pes- ticidas organoclorados, como o DDT, o aldrin; dioxinas; bifenilas poli- cloradas; metilmercúrio, etc.), mesmo quando presentes em concentra- ções baixas no ambiente podem se tornar perigosas ao ecossistema por um dos mecanismos acima descritos. 3.2 ROTAS DE EXPOSIÇÃO Uma vez presentes no ambiente, as substâncias poderão entrar em contato com os sistemas biológicos e eventualmente ocasionar efeitos adversos à saúde. A rota de exposição é o processo que per- mite o contato dos indivíduos com os contaminantes e inclui todos os elementos que ligam uma fonte de contaminação a uma população receptora. Os componentes que formam uma rota de exposição são os seguintes: a) Fonte de contaminação É a fonte de emissão do contaminante no ambiente, ou seja, sua origem. Além de naturais e antropogênicas, as fontes de contaminação po- dem ser fi xas ou móveis, pontuais ou difusas. As principais fontes antrópicas da contaminação são: • A exploração dos recursos renováveis e não renováveis. • A agricultura. • As indústrias. • Os transportes. • As atividades domésticas. • Os serviços. CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 35 • A urbanização. • O crescimento demográfi co. • Os movimentos migratórios. • A economia de consumo, etc. b) Compartimentos ambientais afetados São os compartimentos em que os contaminantes serão encontra- dos como, por exemplo, ar, água, solo, sedimento, biota. c) Mecanismos de transporte Os mecanismos de transporte determinam os fl uxos dos conta- minantes através dos compartimentos ambientais, desde a fonte até o ponto de exposição humana, por exemplo, volatilização, por colação, bioconcentração. d) Ponto de exposição É o lugar onde pode ocorrer o contato humano com um compar- timento ambiental contaminado, ou seja, uma residência, o local de trabalho, um curso d’água, etc. e) Vias de exposição São os caminhos pelos quais os contaminantes podem estabelecer contato com o organismo como, por exemplo, através de ingestão, ina- lação, absorção, contato dérmico. f) População receptora São as pessoas que estão expostas ou potencialmente podem fi car expostas aos contaminantes em um determinado ponto de exposição. REFERÊNCIAS CONSULTADAS ATSDR (AGENCY FOR TOXIC SUBSTANCES AND DISEASE REGISTRY). Evaluación de Riesgos en Salud por la Exposición a Residuos Peligrosos. México: Organização Mundial de Saúde, 1995. 36 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL COREY, G. Vigilancia en Epidemiologia Ambiental. Série Vigilância, no 1. México: ECO/OPAS, 1988. NAVARRETE, A. F. Mercurio y Metilmercurio. In: ALBERT, L. A. (ed.). Curso Basico de Toxicología Ambiental. México: Limusa, p. 123-144, 1988. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Evaluación Epidemiológica de Riesgos Causados por Agentes Químicos Ambientales. México: Limusa, 1988. C A P Í T U L O 4 Metais Paulo Rubens Guimarães Barrocas CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 39 Os metais são elementos ou compostos químicos que ocorrem na- turalmente na natureza e têm sido utilizados pelo homem desde a sua descoberta em épocas pré-históricas. De fato, o uso dos metais é um dos fatores que defi nem os estágios de desenvolvimento de socieda- des humanas (p. ex. Idade do Bronze) e foi a base da teoria econômica do metalismo do século XV, que defi nia a riqueza de estados euro- peus a partir da quantidade de metais preciosos (p. ex. ouro e pra- ta) acumulados. Assim, as principais características dos metais, tais como brilho e elevadas densidade, dureza, maleabilidade, ductibili- dade, elasticidade e resistência, além da capacidade de conduzir calor e correntes elétricas efi cientemente, fi zeram com que estes elementos fossem utilizados amplamente em várias áreas e atividades humanas (p. ex. metalurgia, mineração, etc.) desde a Antiguidade, sendo estes usos intensifi cados signifi cativamente após a Revolução Industrial. Isto acarretou na alteração dos ciclos biogeoquímicos naturais destes elementos tornando-os um dos principais e mais perigosos grupos de contaminantes nos dias de hoje. Alguns metais são classifi cados, in- clusive, como poluentes globais (p. ex. chumbo e mercúrio), devido a sua presença ubíqua na biosfera, mesmo distante de quaisquer fontes naturais ou antropogênicas. 4.1 MERCÚRIO 4.1.1 Características Gerais O mercúrio (símbolo Hg; número atômico 80; número de massa 200,59) é o único metal líquido, no seu estado elementar, à temperatura ambiente. Ele ocorre na natureza em grande variedade de formas físi- cas (gasosa, líquida e sólida) e químicas. O Hg possui três estados de oxidação: Hg0 (metálico), Hg+1 (mercuroso) e Hg+2 (mercúrico). Estas três formas são facilmente convertidas entre si no ambiente, sendo que os compostos mercúricos são mais estáveis e, portanto mais abundan- tes na natureza. Dentre eles, os cloretos, nitratos e sulfatos, além dos hidróxidos, são os sais mercúricos mais importantes. O mercúrio apre- senta várias singularidades nas suas propriedades físicas e químicas, possuindo um comportamento químico bastante diferente dos outros 40 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL dois membros do seu grupo da tabela periódica, zinco e cádmio, porém semelhante ao metaloide arsênio. Por exemplo, no estado elementar, o mercúrio é um líquido denso prateado brilhante, possuindo alta pres- são de vapor e baixo ponto de volatilização (357 °C). À temperatura de 20 °C, a sua pressão de vapor é 0,17 Pa, resultando em uma concen- tração de 14 mg/m3 em uma atmosfera saturada. Uma característica ímpar do vapor de Hg, encontrada apenas nos gases inertes, é que ele é quase totalmente monoatômico. Outra propriedade físico-química que distingue o mercúrio dos demais metais é o seu elevado potencial de ionização, superado apenas pelo hidrogênio dentre os elementos eletropositivos, o que resultou em vários dos seus usos industriais e tecnológicos. Os vários compostos do mercúrio também possuem caracterís- ticas bastante distintas entre si, como ilustrado pela solubilidade do mercúrio metálico, cloreto mercuroso e cloreto mercúrico, respectiva- mente 60g/L, 2 g/L e 69 g/L. Além dos sais inorgânicos, o Hg+2 forma uma série de compostos organometálicos, através de ligações covalen- tes estáveis com o carbono, formando espécies lipossolúveis tóxicas. Este grupo de compostos, diferentemente dos compostos organome- tálicos de outros metais, é muito estável, não sendo signifi cativamen- te decomposto pelo ar ou a água. Isto se deve, sobretudo, à pequena afi nidade entre o mercúrio e o oxigênio. A capacidade do mercúrio de substituir o hidrogênio em compostos orgânicos é sem igual entre os metais, assim como a sua afi nidade química pelo enxofre. O mercúrio se liga fortemente a componentes celulares que possuem grupos sul- fi drilas (p. ex. enzimas), alterando sua estrutura e função e causando efeitos tóxicos. Devido à grande quantidade de reações químicas, mediadas bio- logicamente ou não, que o mercúrio pode participar, vários compos- tos mercuriais podem ser formados. Eles podem ser divididos em três grupos principais: compostos voláteis, compostos reativos e muito tóxicos e compostos pouco reativos e relativamente inertes. Assim, a especiação química é fundamental para a avaliação da mobilidade, o destino, a toxidade e, consequentemente, o risco do mercúrio no am- biente. A descoberta de que potencialmente, qualquer forma de mer- cúrio pode ser convertida naturalmente no ambiente a sua espécie CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 41 mais tóxica para o homem, o metilmercúrio, torna qualquer fonte de mercúrio perigosa. Por fi m, devido a sua reatividade no meio e o seu signifi cativo transporte e dispersão atmosférica em larga escala, omercúrio é con- siderado um poluente global. Isto é, ele está presente como contami- nante em toda a biosfera, mesmo muito distante de quaisquer fontes naturais ou antropogênicas. Dentre os metais, apenas o mercúrio e o chumbo, que será discutido mais adiante neste capítulo, estão nesta categoria. 4.1.2 Fontes de Emissão Apesar de o mercúrio ser utilizado pelo homem desde épocas re- motas, foi no século XX que suas emissões antropogênicas aumenta- ram substancialmente, em decorrência do seu crescente uso em diver- sas atividades industriais, alterando seu ciclo biogeoquímico natural. Amostras ambientais (p. ex. testemunhos de sedimentos e de gelo) co- letadas em áreas remotas do planeta indicaram um aumento de três a cinco vezes nos níveis globais de mercúrio desde a Revolução Indus- trial. Acreditavam-se, antes do desenvolvimento de técnicas analíticas adequadas, que as emissões naturais do mercúrio eram as mais impor- tantes quantitativamente. Atualmente, estima-se que estas emissões sejam apenas 20 % a 25 % das emissões antropogênicas. Embora as estimativas das emissões e fl uxos do mercúrio no am- biente possuam consideráveis incertezas, calcula-se que a produção total de Hg durante o século XX foi de 436 000 toneladas. O mercúrio é produzido principalmente por meio da mineração de minerais sulfí- ticos, como o cinábrio e o metacinábrio, principais fontes naturais do mercúrio. Esta produção se manteve estável no início do século XX, aumentando a partir dos anos 1940 e atingindo um pico na década de 1970. Desde então, a produção mundial de Hg tem declinado em vir- tude da diminuição da sua demanda, que por sua vez é decorrente da substituição de diversos usos do mercúrio. A grande diversifi cação no uso do Hg é decorrente de suas pro- priedades físico-químicas singulares (p. ex. liquidez à temperatura 42 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL ambiente, expansão de volume uniforme, baixa resistividade elétrica, alta tensão superfi cial, etc.). As principais atividades industriais onde se utilizam compostos mercuriais são na produção de cloro–soda, de tintas, de materiais plásticos, de produtos farmacêuticos, de equipa- mentos elétricos ou de medida, de baterias, de lâmpadas e de fungi- cidas. Além desses usos industriais deve-se ainda considerar seu uso em amálgamas odontológicos e na mineração de ouro. Algumas destas utilizações do mercúrio vêm sofrendo signifi cativas restrições, sendo eventualmente substituídas por outras tecnologias, principalmente nos países mais desenvolvidos. As principais emissões naturais do mercúrio são decorrentes de atividade vulcânica, incêndios fl orestais, desgaseifi cação dos solos e corpos d’água, além da emissão de espécies mercuriais voláteis (p. ex. Hg0 e (CH3)2Hg) provenientes de reações mediadas biologicamente. Enquanto as principais emissões antropogênicas são decorrentes da queima de combustíveis fósseis e da incineração de resíduos, efl uentes industriais líquidos e gasosos e da mineração. O reconhecimento da importância das fontes antropogênicas tanto para o ciclo local quanto para o global do mercúrio levou a um movimento em diversos países, coordenado por agências/programas internacionais (p. ex. UNEP – United Nations Environment Programme) para a redução das emissões antropogênicas do mercúrio para o am- biente. Entretanto, apesar destas recentes reduções nas emissões de Hg para o meio, existem atualmente diversas áreas no mundo com altos níveis de mercúrio nos sedimentos e solos provenientes do seu uso in- discriminado no passado, permanecendo como um passivo ambiental ainda sem uma solução adequada. 4.1.3 Efeitos Tóxicos no Homem A contaminação do homem por compostos mercuriais tem uma longa história, visto que o seu uso pela humanidade vem desde épocas remotas, antes de Cristo (a.C.). Os perigos da poluição por mercúrio já eram conhecidos pelos romanos desde 2 d.C., porém o primeiro caso relatado de envenenamento por mercúrio foi de um mineiro no século CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 43 XV. Já o primeiro caso conhecido de morte causado por um composto organomercurial ocorreu em um laboratório clínico na Europa em 1865. O quadro clínico tanto da intoxicação aguda quanto crônica pelo mercúrio é função da espécie química do mercúrio presente, da intensidade da exposição (dose e tempo de exposição) e da via de exposição. Devido às signifi cativas diferenças nas características físico-químicas dos vários compostos mercuriais, os efeitos tóxicos das diferentes espécies químicas do Hg também são bastante distin- tos entre si, assim como os órgãos afetados. As espécies mercuriais podem ser divididas, segundo sua toxicologia, em três grupos prin- cipais: mercúrio metálico, compostos mercuriais inorgânicos e com- postos organomercuriais. A exposição a níveis elevados de sais inorgânicos ou do mercú- rio metálico normalmente ocorre no ambiente de trabalho (exposição ocupacional). A intoxicação crônica por estas espécies mercuriais inor- gânicas é comumente denominada de mercurialismo. Já a exposição ambiental ocorre principalmente pelo consumo de alimentos (p. ex. organismos de ecossistemas aquáticos) contaminados com o metilmer- cúrio. Os sintomas da toxidade do metilmercúrio fi caram conhecidos como síndrome de Hunter-Russel, sendo a neuropatia resultante desta exposição chamada popularmente de “Mal de Minamata”, devido à catástrofe ocorrida nesta localidade do Japão nos anos 1950. A urina é o principal fl uido biológico usado para avaliação da ex- posição crônica ao mercúrio metálico e aos sais inorgânicos de mercú- rio, enquanto o sangue e o cabelo são utilizados para avaliar a exposi- ção crônica aos compostos organomercuriais. Exposições agudas ao vapor do mercúrio metálico afetam princi- palmente os pulmões, causando bronquite e bronquiolite com pneu- monia intersticial. Em casos extremos pode ocorrer edema pulmonar agudo, levando à insufi ciência respiratória e à morte. O sistema nervoso central também é afetado pelo vapor do mer- cúrio metálico. Os sintomas de exposições crônicas menos severas in- cluem: insônia, timidez, nervosismo e enjoo, enquanto exposições mais prolongadas causam habitualmente perda de memória, perda de auto- controle, irritabilidade, ansiedade, sonolência e depressão. O conjunto destes sintomas psicológicos é denominado eretismo. Nos casos mais 44 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL graves, os pacientes podem apresentar delírio, alucinações, melanco- lia suicida e psicose maníaco-depressiva. Entretanto, os tremores, que se agravam com o tempo de exposição, são os sintomas mais caracte- rísticos do mercurialismo. Eles atingem tanto os membros superiores quanto os lábios e a língua, podendo tornar o indivíduo incapaz de escrever. Quando do fi m da exposição, pode ocorrer o desaparecimen- to gradual destes sintomas motores, mesmo quando os sinais psiquiá- tricos não tenham sido conclusivamente revertidos. Enquanto o mercúrio metálico, quando inalado, é quase totalmen- te absorvido, quando ingerido, é pouco absorvido pelo trato gastroin- testinal. Ele pode causar apenas uma irritação local e diarreia. Finalmente, danos renais graves foram observados quando da ex- posição ao mercúrio metálico ou aos sais inorgânicos de Hg. Os rins podem apresentar necrose dos tubos proximais, nefrite e evoluir para um quadro de insufi ciência renal. Os sais inorgânicos do Hg também afetam o trato gastrointestinal, devido a sua ação corrosiva na mucosa, causando dores, vômitos e diarreia hemorrágica, levando à necrose da mucosa. Este quadro pode evoluir para um colapso circulatório, causando a morte do paciente. Outros sintomas da exposição crônica aos sais inorgânicos do mercú- rio são: gengivite, salivação excessiva e danos na pele (p. ex. ulcera- ções, dermatites, etc.). Os compostos organomercuriais causam os mesmos sintomas tan- to em exposições crônicas quanto em agudas, especialmente danos ao sistema nervoso central. Os sintomas característicos destaintoxicação são danos motores (tremores, ataxia, etc.) e sensoriais (parestesia, es- treitamento do campo visual, cegueira, surdez, etc.). Uma proprieda- de importante dos compostos organomercuriais é sua capacidade de atravessar as membranas biológicas (lipossolubilidade), como a hema- toencefálica e a placentária. Os graves danos pré-natais (p. ex. lesão encefálica nos fetos) são os efeitos tóxicos mais relevantes à exposição ao metilmercúrio, visto que o feto humano é mais sensível que o orga- nismo adulto. No caso de intoxicação de gestantes, os níveis de mercú- rio observados eram mais elevados no feto que nas mães. Observou-se ainda que o leite materno pode conter alguns compostos organomer- curiais. Estudos epidemiológicos, em populações expostas, indicaram CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 45 ainda danos pós-natais, tais como retardo no desenvolvimento e danos neurológicos tardios em crianças. Estes efeitos tóxicos no sistema ner- voso central de fetos foram irreversíveis. Não existem evidências sufi cientes de que o mercúrio seja carci- nogênico para o homem. Embora dados experimentais sugiram que a exposição crônica a compostos mercuriais pode causar mutações gené- ticas e aberrações cromossômicas. 4.1.4 Efeitos Tóxicos na Biota A capacidade dos compostos organomercuriais de cruzar efi cien- temente as membranas celulares, aumenta signifi cativamente sua re- tenção nos organismos (meia-vida biológica elevada) e resulta na sua bioacumulação e biomagnifi cação ao longo das cadeias trófi cas. Assim, a maior parte do mercúrio presente nos tecidos dos organismos aquá- ticos está na forma de metilmercúrio, embora os níveis de mercúrio inorgânico no ambiente sejam muito mais elevados que as formas or- ganomercuriais. Acredita-se que a formação do metilmercúrio no am- biente aquático se dá principalmente através de uma reação mediada por microrganismos (p. ex. bactérias sulfatorredutoras). Entretanto, outros mecanismos abióticos (metilação fotoquímica, transalquilação, etc.) também são capazes de produzir o metilmercúrio no ambiente. Por outro lado, o mercúrio, como os metais em geral, é tóxico para os microrganismos. Por exemplo, compostos organomercuriais têm sido usados como fungicidas e preservantes, em geral, em sementes, vacinas, etc. Assim, os microrganismos possuem mecanismos específi - cos de detoxifi cação do mercúrio (p. ex. redução do Hg+2, precipitação do mercúrio como sulfeto, etc.). Em geral, os organismos aquáticos são mais sensíveis aos compos- tos organomercuriais do que aos sais inorgânicos do Hg. O mercúrio elementar é considerado quase inerte devido a sua baixa solubilida- de e pouca reatividade no meio aquático. Os níveis de resistência ao mercúrio variam bastante entre os invertebrados aquáticos. Em geral, os estágios larvais são mais sensíveis ao mercúrio do que os adultos. A toxicidade do mercúrio é afetada pela temperatura, salinidade, oxi- gênio dissolvido e dureza da água. Várias anormalidades fi siológicas 46 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL e bioquímicas foram observadas em peixes expostos a concentrações subletais do mercúrio. Ele também afeta negativamente a reprodução dos organismos aquáticos. Entre os organismos terrestres, as plantas não são geralmente afe- tadas pelos compostos mercuriais, porém os pássaros sofrem uma série de efeitos tóxicos em decorrência da exposição direta ou indireta (atra- vés do alimento) ao mercúrio. Dentre os efeitos do mercúrio em pássa- ros existem relatos de diminuição da alimentação e consequentemente do crescimento, além de efeitos deletérios nos sistemas enzimáticos, na função cardiovascular, no sistema imune, no sistema renal, etc. 4.1.5 Limites de Exposição Os limites de exposição ambiental para o mercúrio se baseiam nas relações dose–efeito e dose–resposta observadas nos acidentes de Minamata e Niigata no Japão, no Iraque e, em estudos mais recentes em populações específi cas no Canadá, na Nova Zelândia e nas Ilhas Seicheles. Já os limites ocupacionais de exposição ao mercúrio assumem, além da concentração do mercúrio no ambiente, outros fatores, como o uso de equipamentos de proteção e a aplicação de medidas de higiene industrial. Se alguma dessas premissas não se confi rmar, a aplicação e a interpretação dos limites estabelecidos fi cam comprometidas. Além de manter os níveis de mercúrio dentro dos limites estabelecidos para o ambiente de trabalho, deve-se ainda monitorar periodicamente os ní- veis de Hg nos organismos dos trabalhadores de forma a assegurar a sua saúde e minimizar os riscos da exposição ao mercúrio. Os limites de exposição ocupacional recomendados pela Organiza- ção Mundial da Saúde para o vapor do mercúrio metálico é 25 μg/m3 para exposição crônica e 500 μg/m3 para exposições de curta dura- ção. Para exposição crônica aos compostos de mercúrio inorgânico este limite é de 50 μg/m3, considerando-se a menor taxa de absorção do mercúrio ionizado (Hg+2). Entretanto, em uma recente revisão da Or- ganização Mundial da Saúde sobre a qualidade do ar, é recomendado o limite de 1 μg/m3 para a concentração de mercúrio no ar. Este nível CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 47 do mercúrio no ar protegeria contra danos renais e ao sistema nervoso, porém não se poderia garantir, com base nos dados atuais, que danos ao sistema imune não ocorreriam. Em relação à água potável não existe um consenso, o limite reco- mendado para o mercúrio total pela USEPA é de 2,0 μg/L, enquanto a legislação brasileira (Portaria MS 2914/2011) recomenda 1,0 μg/L e a legislação suíça sugere 0,01 μg/L. No que concerne aos riscos associados ao consumo de alimentos contaminados com metilmercúrio, a Organização Mundial da Saúde concluiu que o consumo diário de 0,48 μg de metilmercúrio/kg de peso corpóreo em adultos não resultou em nenhum efeito adverso de- tectado. Entretanto, deve-se ressaltar que fetos são mais sensíveis aos efeitos tóxicos do metilmercúrio, portanto não existe uma dose segura para o consumo de alimentos contendo metilmercúrio por mulheres grávidas. Em 2003, um grupo de especialistas recomendou, para o mercúrio inorgânico, uma dose tolerável de 2 μg/kg por dia, considerando-se danos renais como efeitos tóxicos críticos. Esta dose foi estimada a par- tir de um nível de 0,23 mg/kg por dia, onde não se observou efeitos adversos (NOAEL), em um estudo com ratos durante 26 semanas, uti- lizando um fator de incerteza igual a 100. 4.2 CÁDMIO 4.2.1 Características Gerais O cádmio (símbolo Cd; número atômico 48; número de massa 112,40) é um metal branco-prateado com estado de oxidação +2, do mesmo grupo do zinco e do mercúrio da tabela periódica. Ele possui pontos de fusão e volatilização relativamente baixos, respectivamente 320,9 °C e 765 °C e uma pressão de vapor razoavelmente alta. Portan- to, é facilmente transferido para o compartimento atmosférico onde é rapidamente oxidado, podendo formar diversos compostos (p. ex. óxi- dos, carbonatos, hidróxido, sulfatos, etc.), dependendo dos gases reati- vos presentes (p. ex. CO2, SO2, vapor d’água, etc.). Estas reações podem ocorrer tanto no meio ambiente como nas chaminés das fábricas. 48 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL O cádmio difi cilmente é encontrado em estado puro na natureza, sendo considerado relativamente raro (em média 0,2 mg/kg na crosta terrestre). Ele ocorre em concentrações-traço na água, no carvão e no petróleo e em várias rochas e solos. Dentre as fontes naturais de Cd, as principais são os minérios de zinco, chumbo e cobre. Não existem evidências da ocorrência na natureza de compostos organocádmio, onde o Cd está diretamente ligado ao átomo de car- bono por uma ligação covalente. Por outro lado, existem vários sais inorgânicos de Cd, que são bastante solúveis em água (p. ex. cloreto, sulfato, acetato, etc.). Eles aumentam a dispersão do Cd no meio e con- trolam em grande parte seus efeitos no ambiente. Mesmo os sais de cádmio praticamente insolúveis em água, como os sulfetos, carbona-tos e óxidos podem ser convertidos a formas hidrossolúveis por meio de reações com ácidos e o oxigênio. Assim, a especiação química do cádmio no ambiente é fundamental para avaliar o seu risco. 4.2.2 Fontes de Emissão Somente no século XX, o cádmio começou a ser produzido comer- cialmente. Ele é um produto secundário da indústria metalúrgica do zinco, estando sua produção e emissão para o ambiente intimamente ligadas a esta atividade econômica. Antes da Primeira Guerra Mundial não havia preocupação em recuperar o cádmio dos resíduos indus- triais, resultando em signifi cativa contaminação ambiental próximo de indústrias metalúrgicas durante décadas. A produção média anual mundial de Cd cresceu de 20 toneladas, nos anos 1920, para 17 000 to- neladas até meados dos anos 1980. A partir de 1987, ela se estabilizou em torno de 20 000 toneladas. Os usos do cádmio pelo homem mudaram ao longo do tempo. Inicialmente o Cd era usado principalmente na galvanoplastia e em pigmentos ou estabilizantes de plásticos. Estas atividades consumiam mais da metade do cádmio produzido no mundo em 1960. Entretanto, em 1990, a galvanoplastia consumiu menos de 8 % da produção mun- dial de Cd. Esta diminuição é associada à adoção de limites mais rigo- rosos para o lançamento dos efl uentes destas atividades industriais e CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 49 mais recentemente a legislações restringindo o uso de cádmio em al- guns países. Atualmente, o principal uso do cádmio é na fabricação de baterias de níquel–cádmio, responsável por 55 % do consumo de Cd. Acredita-se que a demanda por este produto aumentará nas próximas décadas com o crescente uso destas baterias recarregáveis em diver- sas aplicações, inclusive em futuros carros elétricos. Assim, o cádmio se tornou um importante insumo em diversas atividades tecnológicas modernas, com várias aplicações nas indústrias aeroespacial, de gera- ção de energia, eletrônica e de comunicação. Em escala mundial, cerca de 10-15 % do total de cádmio emitido para a atmosfera são decorrentes de processos naturais, principalmen- te de atividades vulcânicas. Por outro lado, dados estimam que a emis- são atmosférica global de cádmio, gerado por fontes antropogênicas foi de 7 570 toneladas em 1983 e representava cerca de metade do total de Cd produzido naquele ano. A incineração de resíduos urbanos con- tendo Cd, oriundo de produtos descartados (p. ex. baterias e plásticos), é a principal fonte antropogênica de Cd atmosférico, tanto em escala local quanto global. Outra fonte signifi cativa de Cd atmosférico é a produção de aço, onde grandes quantidades de aparas contendo Cd são geradas e recicladas. Os resíduos sólidos destas atividades também representam uma fonte importante de Cd para o ambiente devido aos seus elevados ní- veis. Eles requerem a disposição em aterros industriais adequados que evitem a contaminação do lençol freático decorrente da lixiviação do Cd presente nos resíduos. Os efl uentes líquidos, gerados na extração e no processamento de minérios de metais não ferrosos, são a principal fonte antropogê- nica de Cd, tanto em escala local quanto global, para os ecossistemas aquáticos. A contaminação a jusante destas atividades pode ser sig- nifi cativa, mesmo após as minas terem sido abandonadas por muitos anos. A fabricação de fertilizantes químicos ocasiona a liberação do cádmio originalmente presente nas rochas fosfatadas. Os resíduos pro- duzidos, contendo signifi cativas quantidades de Cd, são muitas vezes lançados em águas costeiras, sendo uma fonte relevante de poluição. De maneira análoga, a aplicação destes fertilizantes em solos agrícolas 50 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL pode ser uma fonte de cádmio para o ambiente. Os níveis de Cd nos fertilizantes químicos variam bastante, dependendo da rocha fosfáti- ca usada para sua produção. O input anual de Cd em solos agrícolas decorrentes da aplicação de fertilizantes fosfatados foi estimado em 5 gramas por hectare em países da Comunidade Econômica Europeia, o que representa apenas 1 % da concentração de Cd nos solos. Apesar de representar um input pequeno, o seu uso contínuo por um longo período de tempo foi responsável em determinadas regiões pelo au- mento dos níveis de Cd em solos. O uso do lodo, gerado em estações de tratamento de esgoto, como fertilizante também pode ser uma fonte importante de Cd para solos agrícolas. Entretanto, em escala regional ou nacional, este input é insignifi cante quando comparado com o input dos fertilizantes químicos e a deposição atmosférica. A deposição atmosférica de cádmio em sistemas marinhos e de água doce é um input importante em nível mundial. Um estudo no Mar Mediterrâneo, por exemplo, indicou que esta fonte é comparável ao input fl uvial total de Cd para esta região. Finalmente, a acidifi cação de solos, lagos e rios podem resultar na remobilização do Cd da fração particulada (solos e sedimentos) para coluna d’água, aumentando sua concentração dissolvida nestes sistemas. 4.2.3 Efeitos Tóxicos no Homem A principal característica metabólica do cádmio é sua meia-vida biológica extremamente elevada (cerca de 20 a 40 anos), o que resulta em uma acumulação virtualmente irreversível do metal no organismo ao longo da vida. Durante o período de exposição ao Cd, a sua concen- tração no sangue é o indicador biológico, principalmente da exposição prévia (alguns meses antes). Os dois principais locais de acumulação deste metal no organismo são: o fígado e os rins. Nos tecidos, o Cd está principalmente ligado à metalotioneína. A síntese desta proteína pro- vavelmente representa um mecanismo de defesa contra a toxidade do Cd. Acredita-se ainda que esta proteína está envolvida no transporte deste metal para o córtex renal, sendo sua eliminação principalmente CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 51 através da urina. A concentração de Cd na urina é um bom indicador biológico do nível do metal no organismo. A exposição ocupacional crônica ao cádmio causa danos severos principalmente nos pulmões e nos rins. Com a exposição continuada ao Cd, sinais de alterações precoces nos testes da função ventilatória podem progredir até a insufi ciência respiratória. Um aumento na taxa de mortalidade, decorrente de uma síndrome de obstrução pulmonar, foi observado em trabalhadores com um histórico de exposição ele- vada ao Cd. A exposição a vapores contendo altos níveis de óxido de cádmio causa uma pneumopatia com edema pulmonar que pode levar à morte. Já a ingestão de altas concentrações de sais solúveis de cádmio leva à gastroenterite aguda. Existem evidências que exposições ocupacionais ao Cd por um longo período podem resultar no desenvolvimento de câncer de pul- mão, embora não tenha sido possível obter resultados conclusivos em estudos epidemiológicos com trabalhadores expostos, devido aos fa- tores de confundimento. Para o câncer de próstata os dados não são conclusivos, mas parecem indicar que não há uma relação causal. A acumulação do Cd no córtex renal causa danos ao órgão, como a disfunção tubular renal. Um sintoma desta disfunção é o aumento da excreção de proteínas de baixo peso molecular na urina. O aumento nos níveis de cádmio na urina se correlaciona com proteinúria e pode ser usado como indicador de dano renal. Foi relatado um aumento na prevalência de proteinúria em trabalhadores expostos por 10 a 20 anos a níveis de 20-50 μg/m3 de Cd. Danos renais crônicos também foram relatados na população em geral, em exposições ambientais a este metal. Em ambientes poluídos, onde a incorporação de Cd foi estimada em 140-260 μg/dia, foi obser- vado um aumento de proteinúria em alguns indivíduos expostos por um longo período. Assim, dados de estudos ocupacionais e ambientais mostram uma relação entre os níveis de exposição, a duração da expo- sição e a prevalência de efeitos renais. Entretanto, na maior parte dos casos, tanto em exposições ocupacionais quanto ambientais, a protei- núria induzida pelo Cd é reversível.A exposição ao Cd também causa alterações no metabolismo do cálcio, como hipercalciúria, e formação de cálculos renais. Além disso, 52 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL a exposição a este metal, associada a outros fatores, como defi ciências nutricionais, pode levar à osteoporose e/ou à osteomalacia. Atualmente, não existem evidências de que o cádmio seja um agente etiológico da hipertensão. A maioria dos estudos não mostra aumento na pressão arterial devido ao Cd e não há evidências de au- mento da mortalidade devido a doenças cardiovasculares ou cerebro- vasculares. 4.2.4 Efeitos Tóxicos na Biota Em animais experimentais, a exposição ao Cd produziu efeitos tóxicos agudos em vários órgãos (rins, fígado, pâncreas, gônadas e pulmões). Animais expostos de forma crônica apresentaram uma ne- fropatia muito similar à observada no homem. Outros efeitos crônicos do Cd observados em ensaios com animais incluem enfi sema pulmo- nar, alterações no metabolismo do cálcio, danos hepáticos e efeitos no pâncreas e no sistema cardiovascular. O Cd também produziu efeitos embriotóxicos, teratogênicos e carcinogênicos. Os parâmetros ambientais afetam a incorporação e os efeitos tóxi- cos do Cd nos organismos aquáticos. Enquanto o aumento da tempe- ratura resulta no aumento da assimilação do Cd, o aumento da dureza e da salinidade o diminui. Portanto, organismos de ambientes fl uviais são afetados por níveis de cádmio menores que organismos marinhos. Geralmente, a matéria orgânica dissolvida complexa o Cd, diminui a sua incorporação pela biota e consequentemente sua toxicidade. En- tretanto, em alguns casos, a matéria orgânica dissolvida parece ter o efeito oposto, aumentando a incorporação biológica do cádmio. A to- xicidade aguda do Cd nos organismos é variável e segue o modelo do “íon-livre”. O cádmio é efi cientemente acumulado pela biota, particularmente pelos microrganismos e moluscos. Os níveis de Cd nos organismos po- dem ser milhares de vezes maiores que as suas concentrações no meio. Entretanto, a maioria dos organismos apresenta fatores de bioconcen- tração moderados, menores que cem vezes os níveis ambientais. No organismo, o cádmio se liga principalmente às proteínas dos tecidos CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 53 biológicos, principalmente nas proteínas especifi camente ligadas ao metabolismo de metais pesados, como as metaloproteínas. O Cd se concentra principalmente nos rins, nas brânquias e no fígado dos or- ganismos ou nos seus equivalentes. A excreção renal é provavelmente a principal via de eliminação do Cd dos organismos biológicos, apesar de que quantidades signifi cativas podem ser eliminadas pela ecdise do exoesqueleto nos crustáceos. Nas plantas, este metal se concentra principalmente nas raízes e em menor escala nas folhas. O cádmio, como os metais em geral, é tóxico para um grande nú- mero de microrganismos. O seu principal efeito tóxico é no crescimen- to e na divisão celular. Dentre os organismos do solo, os fungos são os mais afetados. Observou-se, em estudos de campo, que o cádmio exerce uma signifi cativa pressão seletiva por cepas de microrganismos e invertebrados aquáticos resistentes, alterando a composição específi - ca dos ecossistemas. O zinco tem efeito sinérgico em relação ao Cd, aumentando a sua toxidade para os organismos invertebrados aquáticos. Os seus efeitos subletais incluem: alterações estruturais nas brânquias e redução no crescimento e na reprodução dos invertebrados. O cádmio afeta o metabolismo do cálcio nos animais. Em peixes, ele pode causar hipocalcemia, provavelmente impedindo ou limitan- do a incorporação do cálcio da água. Por outro lado, altas concentra- ções de cálcio reduzem a assimilação e a toxicidade do Cd por meio da competição pelos sítios de complexação celular. A susceptibilidade aos efeitos tóxicos do Cd é variável nos peixes; entre os grupos estudados os salmonídeos estão entre os mais sensíveis. Os estágios de desenvol- vimento nos peixes mais susceptíveis aos efeitos tóxicos do Cd são: o embrionário e o larval. Um efeito subletal do Cd em peixes comumente relatado é a má-formação da espinha. Estudos demonstraram ainda que o Cd é tóxico para algumas larvas de anfíbios. Em condições experimentais, o cádmio afetou o crescimento de plantas, embora isto não tenha sido observado em estudos de campo. O metal é incorporado mais facilmente de soluções nutrientes que do solo. Estudos utilizando soluções nutrientes indicaram que a abertura dos estômatos, a transpiração e a fotossíntese eram afetadas pelo Cd. 54 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Os invertebrados terrestres são relativamente pouco sensíveis aos efeitos tóxicos do Cd, provavelmente devido a mecanismos de detoxi- fi cação presentes. Em estudos com pássaros, eles também não foram afetados severamente pelo Cd, mesmo quando em concentrações ele- vadas, apesar de danos renais terem sido observados. 4.2.5 Limites de Exposição A agência internacional de pesquisa em câncer classifi cou o cádmio e seus compostos como carcinogênicos humanos, concluindo que ha- via evidências sufi cientes de que este metal pode produzir câncer de pulmão tanto em animais como em humanos expostos por inalação. Entretanto, devido a problemas no controle dos estudos epidemioló- gicos (ocorreu exposição simultânea ao arsênio) não foi possível deter- minar uma unidade de risco confi ável para estimar o excesso de risco de desenvolver câncer de pulmão durante toda a vida. O cádmio, assimilado tanto por inalação quanto por ingestão de alimento contaminado, pode causar danos renais. O mais baixo limite estimado para exposição cumulativa ao cádmio presente no ar, que causa um aumento do risco de alteração renal (proteinúria) ou de câncer de pulmão, é de 100 μg/m3 para uma exposição de oito horas (ocupacional) por ano. Extrapolando este valor para uma exposição contínua ao longo da vida obtém-se um limite de cerca de 0,3 μg/m3. Os níveis de Cd no ar, na maioria dos centros urbanos ou áreas indus- triais, são apenas um quinto deste valor. Recomendou-se ainda que medidas de controle fossem adotadas quando as concentrações de Cd na urina e no sangue de pessoas expostas excedessem 5 μg Cd/g em creatinina e 5 μg Cd/L em sangue total, respectivamente. Um limite de 5 μg Cd/L para água potável foi defi nido pela Or- ganização Mundial de Saúde, sendo adotado também pela USEPA. No Brasil, o limite defi nido pela legislação é de também 5 μg/L. Em algumas áreas contaminadas no passado por emissões de Cd, observaram-se alterações renais na população. Para evitar que ocorra um aumento adicional dos níveis de Cd nesta população, por meio da sua dieta, deve-se avaliar os teores deste metal nos solos agrícolas. CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 55 Estabeleceu-se na Europa um limite de 5 ng Cd/m3. Já um comitê con- junto das organizações mundiais da saúde e dos alimentos e agricul- tura recomendou como o limite tolerável semanal para ingestão de Cd de 400-500 μg, para um adulto. 4.3 CHUMBO 4.3.1 Características Gerais O chumbo (símbolo Pb, número atômico 82, número de massa 207.19) é um metal azulado ou cinza-prateado com dois estados de oxidação +2 e +4, sendo mais comum o primeiro e pertencendo ao mesmo grupo do carbono, silício, germânio e estanho da tabela pe- riódica. Ele possui pontos de fusão e volatilização, respectivamente, 327,5 °C e 1 740 °C. Existem quatro isótopos naturais de chumbo com massas atômicas, respectivamente em ordem crescente de abundân- cia, 204, 206, 207 e 208. O Pb ocorre naturalmente na crosta terrestre com uma concen- tração média de 13 mg/kg. Como ocorre com todos os elementos quí- micos, existem áreas dispersas no globo naturalmente enriquecidas em chumbo. Rochas fosfatadas e sedimentos marinhos podem conter altos níveis de Pb. A principal fonte natural de chumbo é o minério galena, uma forma de sulfeto de chumbo. O chumbo ainda ocorre em concentrações-traço no carvão, petróleo e associado aos minerais de outros metais.Em geral, os sais inorgânicos de chumbo possuem baixa solubili- dade em água, as únicas exceções são: o nitrato, o clorato e em menor grau, o cloreto de chumbo. O Pb forma compostos orgânicos estáveis, onde o átomo de carbono está diretamente ligado ao de chumbo, como o chumbo tetraetila e o chumbo tetrametila. Estes compostos, ambos líquidos incolores, possuem baixa solubilidade em água e são volá- teis. Eles foram utilizados em todo o mundo como aditivos à gasolina e transformaram o chumbo em um dos poucos metais considerados como um poluente global. 56 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 4.3.2 Fontes de Emissão Apesar de processos naturais, como o intemperismo das rochas, formação de aerossóis continentais, marinhos ou de emissões vulcâni- cas e o decaimento radioativo do radônio lançarem Pb no ambiente, suas contribuições para os níveis ambientais de Pb são pequenas com- paradas com as fontes antropogênicas. As principais fontes de emissão de chumbo para o ambiente, que são signifi cativas para a saúde huma- na, provêm das suas aplicações industriais e tecnológicas. Os usos de compostos de chumbo pelo homem, assim como ocor- reu com outros metais, mudaram ao longo do tempo. Estas mudanças foram em decorrência principalmente do reconhecimento de sua toxi- cidade e do surgimento de produtos alternativos menos tóxicos e de baixo custo. Por exemplo, alguns usos que foram muito reduzidos ou eliminados: como pigmentos em tintas e em outros produtos químicos, como inseticida, como protetor/isolante de cabos, em encanamentos e como aditivo na gasolina. Embora, a diminuição ou as restrições aos usos do Pb tenham reduzido seus níveis em diversos compartimentos ambientais e consequentemente a exposição humana, eles deixaram um passivo ambiental signifi cativo. Atualmente, o chumbo é classifi cado como um poluente global, isto é, está presente em toda a biosfera. Devido ao uso extensivo do chumbo tetraetila e tetrametila como aditivos na gasolina e ao seu efi - ciente transporte atmosférico, o Pb é encontrado em ecossistemas em todo o globo, mesmo distante de fontes antrópicas ou naturais. Estes compostos de Pb foram usados em diversos países por mais de 50 anos, chegando ao máximo do seu consumo em 1973. Neste ano, foram con- sumidos no mundo cerca de 380 000 toneladas de Pb para a fabricação destes compostos e estimou-se a emissão de pelo menos 266 000 tone- ladas de Pb para o ambiente desta fonte. Entretanto, desde o fi nal dos anos 1970, vários países introduziram leis limitando ou substituindo o uso do chumbo tetraetila como aditivo à gasolina, o que levou à redu- ção dos seus níveis ambientais nas últimas décadas. Em 1975, o consumo mundial de chumbo foi de cerca de 4,1 mi- lhões de toneladas. Nesta época, dentre as diversas aplicações do chumbo, o seu uso em baterias pela indústria automotiva consumiu CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 57 cerca de 56 % do total da sua produção. A fabricação de baterias é a atividade antropogênica que mais utiliza o Pb. Ela usa tanto o Pb metálico, na forma de uma liga com o antimônio, como os óxidos de chumbo. A indústria de baterias também é a maior fonte de Pb para a reciclagem. Estima-se que até 80 % do chumbo presente nas baterias são recuperados em indústrias de fundição. Outras atividades antropogênicas como fundições e indústrias metalúrgicas, incineradores de resíduos, usinas de produção de energia através da queima de carvão ou óleo são fontes pontuais de chumbo, podendo gerar signifi cativas contaminações locais, dependendo das medidas adotadas para o controle das emissões. Entretanto, a maior parte desta contaminação, quando lançada no solo/sedimentos ou na água, tende a se concentrar próximo às fontes devido principalmente à genérica baixa solubilidade em água dos compostos de Pb. Somente as emissões atmosféricas de chumbo geram uma dispersão signifi cativa da contaminação, especialmente uma fração desta (cerca de 20 %), que permanece em suspensão no ar por um longo tempo, podendo ser trans- portada a longas distâncias das fontes. O tempo de residência do Pb na atmosfera e o alcance da sua contaminação dependem de vários fatores, como altura das chaminés, topografi a local, força dos ventos, material particulado presente e ocorrência e quantidade de precipitação. Várias outras fontes de chumbo podem ocorrer como em antigos encanamentos ou tintas, soldas, vernizes para cerâmica, cosméticos, baterias usadas e descartadas, etc. Alguns destes usos podem ser im- portantes para exposição de subgrupos populacionais. Por exemplo, foi estimado que cerca de 50 % das tintas, contendo pigmento de Pb, são removidos das superfícies onde foram aplicadas em um período de sete anos, gerando partículas com Pb e contaminando o solo próxi- mo. Estas fontes podem ser signifi cativas para bebês e crianças peque- nas que comumente ingerem pequenas partículas depositadas no solo e chão das residências. 4.3.3 Efeitos Tóxicos no Homem A exposição humana ao chumbo, através da água, comida, ar e outras fontes, pode variar bastante entre os indivíduos e grupos po- 58 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL pulacionais. Um grupo crítico é o de crianças até 6 anos. Elas possuem um maior risco de exposição ao chumbo devido as suas características próprias, como colocar na boca tudo que alcançam, o maior consumo de alimentos e líquidos por unidade de peso que os adultos, a barreira hematoencefálica não está plenamente desenvolvida, a maior absorção gastrointestinal do Pb ingerido e o fato de os efeitos tóxicos do Pb ocor- rerem em níveis mais baixos que nos adultos. Observou-se que a poei- ra, em geral, e principalmente pequenos fragmentos da pintura das paredes, com tintas à base de chumbo, depositadas no chão dentro ou próximo das casas são importantes fontes de chumbo para este grupo. Outro grupo com maior risco de exposição ao Pb são de mulheres grá- vidas. Como a placenta não é uma barreira efetiva ao chumbo, podem ocorrer efeitos tóxicos no feto. Do ponto de vista da absorção do chumbo, vários estudos indica- ram que cerca de 35 % do Pb inalado se depositam nos pulmões, sendo função do tamanho das partículas inaladas. Já o trato gastrointestinal absorve cerca de 10 % do chumbo ingerido em adultos e de 40-50 % em crianças. Esta absorção é infl uenciada por fatores nutricionais e pela dieta. As solubilidades dos diferentes compostos de chumbo variam bastante e devem ser consideradas para estimar a absorção do Pb. O chumbo incorporado pelo organismo é distribuído em três grandes compartimentos: o sangue, os tecidos moles e os tecidos mine- ralizados (dentes e ossos). Aproximadamente 95 % do chumbo presen- te no organismo de adultos se concentram nos ossos, enquanto para as crianças esse valor cai para cerca de 70 %. Os teores de Pb nos ossos aumentam com a idade, sendo mais evidentes em ossos densos de ho- mens. A meia-vida biológica do chumbo nos ossos pode ser de vários anos. Entretanto, o Pb pode ser liberado dos ossos por diversos proces- sos naturais de descalcifi cação que ocorrem, por exemplo, em pessoas idosas ou mulheres grávidas, aumentando os níveis de chumbo no sangue. A quase totalidade do Pb presente no sangue está ligada aos eritrócitos. A meia-vida biológica do chumbo no sangue pode variar bastante dependendo do teor total de chumbo no organismo sendo, entretanto menor (p. ex. dias e meses) que nos ossos. Da mesma forma, a meia-vida nos tecidos moles também é muito menor que nos ossos, sendo da ordem de meses. Portanto, do ponto de vista biocinético, há CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 59 dois grandes compartimentos: um relativamente estável que tende a aumentar com o tempo de vida (ossos) e outro relativamente lábil (san- gue e tecidos moles) que refl etem a exposição recente ao chumbo. O chumbo não absorvido pode ser excretado principalmente pela urina (cerca de 76 %) e pelas fezes (cerca de 16 %). O restante é eliminado por várias vias diferentes (suor, perda de cabelo, etc.)pouco estudadas. Experimentos com animais mostraram que os compostos orgâni- cos de chumbo (Pb tetraetila e tetrametila) podem ser transformados nos seus derivativos (Pb trietila e trimetila) e no chumbo inorgânico, porém este processo não foi observado no homem. Os estudos dos efeitos tóxicos do chumbo no homem podem ser divididos em dois tipos principais: estudos retrospectivos, onde se in- vestigou a mortalidade de indivíduos expostos a altas concentrações de chumbo em relação a grupos-controle, e estudos das taxas de mor- bidade resultantes dos efeitos adversos do chumbo em órgãos e siste- mas específi cos. No primeiro grupo, observou-se um maior número de mortes relacionadas com doenças cerebrovasculares e nefrites crôni- cas. No segundo grupo, obteve-se, em alguns casos, o nível de chumbo no sangue onde não se observou efeito adverso (NOAEL) em um gru- po populacional. Em todos os casos, danos no sistema hematopoiético foi o primeiro efeito adverso observado, sendo o mecanismo de ação tóxica do Pb bem conhecido. A toxidade do chumbo é devida, principalmente, a sua interferên- cia em diferentes sistemas enzimáticos. Ele inativa as enzimas tanto pela sua ligação aos seus grupos sulfi drilas quanto pela substituição de outros metais nas suas estruturas. Assim, vários órgãos são alvos potenciais do chumbo e vários são os efeitos tóxicos relacionados ao Pb. Eles incluem efeitos adversos no fígado, na síntese heme, nos sis- temas nervoso, gastrointestinal, cardiovascular, renal, reprodutivo e endócrino. Em exposições crônicas a baixas concentrações, condições de exposição típicas da população em geral, os efeitos críticos mais co- muns observados ocorrem no sistema nervoso, nos rins, na síntese do heme, na eritropoiese e na pressão arterial. Dentre os efeitos no sistema nervoso, observou-se a ocorrência de encefalopatias em adultos e crianças, quando os níveis de chum- bo no sangue excederam 1 200 μg/L e 800 μg/L, respectivamente. 60 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Em crianças, este quadro frequentemente levou à morte. Dentre as que sobreviveram, constatou-se a ocorrência de sequelas neuroló- gicas e neuropsicológicas irreversíveis, em muitos casos. Por ou- tro lado, os efeitos subclínicos nas funções neurocomportamentais, principalmente em crianças, ocorreram em níveis mais baixos de Pb no sangue. Vários estudos, tanto seccionais quanto prospectivos, indicaram que um aumento dos níveis de chumbo no sangue de crianças (de 100 μg/L para 200 μg/L) causou uma diminuição nos seus resultados em testes de QI. Existem dois tipos principais de efeitos tóxicos do chumbo nos rins. O primeiro é caracterizado funcionalmente pelo aumento da ex- creção de aminoácidos, fosfatos e glicose; sendo reversível e ocorrendo após exposições curtas. O segundo tipo de efeito renal é caracterizado anatomicamente por mudanças estruturais que diminuem a capaci- dade de fi ltração. Estas mudanças são progressivas e podem levar à paralisação dos rins. Este segundo efeito foi observado no passado, associado a exposições ocupacionais ao chumbo. Em relação aos efeitos carcinogênicos dos compostos de chum- bo em humanos, a agência internacional de pesquisa em câncer consi- dera que as evidências existentes são inadequadas para que se possa concluir se existe uma relação positiva ou não. Por outro lado, experi- mentos com animais de laboratório indicaram uma associação entre a ingestão de altas doses de chumbo e a ocorrência de tumores renais. Da mesma forma, efeitos mutagênicos foram observados em culturas de células de mamíferos apenas em concentrações elevadas que eram também tóxicas para as células. Existem poucas informações sobre as relações de dose–resposta e dose–efeito e mesmo a frequência da ocorrência de efeitos tóxicos, para os compostos orgânicos de chumbo. Elas são restritas aos trabalhado- res ocupacionalmente expostos a estes compostos. 4.3.4 Efeitos Tóxicos na Biota Uma característica química marcante do chumbo é a sua baixa solubilidade no ambiente. Os sais inorgânicos de chumbo tendem a CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 61 precipitar das soluções e a se associarem ao solo ou sedimentos, ad- sorvendo fortemente as partículas. Consequentemente apresentam, em geral, baixa biodisponibilidade, sobretudo quando existe maté- ria orgânica no meio. A biota pode incorporar o Pb diretamente da deposição atmosférica ou indiretamente após sua transferência do solo ou da água para as plantas e das plantas para os animais. Exis- tem evidências de que as plantas podem assimilar o Pb tanto do ar quanto dos solos. As características químicas dos solos (p. ex. pH do solo, concentração e tipo de matéria orgânica presente, etc.) afetam os teores de Pb acumulado nos mesmos. Entretanto, em geral, os níveis observados em áreas remotas, longe de fontes antropogênicas diretas de Pb, refl etem os níveis presentes das rochas, em média 5-25 mg/kg. Acredita-se que muitas vezes o chumbo está adsorvido à superfície dos organismos e não incorporado ao seu tecido. De qualquer forma, os organismos consumidores bioacumulam os compostos de chumbo através da sua dieta. Entretanto, no caso do chumbo, não ocorre bio- magnifi cação ao longo da cadeia trófi ca. A incorporação do Pb pelos organismos também é função dos níveis ambientais deste metal, o que por sua vez está relacionado com a distância das fontes deste elemento. Em geral, os compostos inorgânicos de chumbo são menos tó- xicos do que os compostos organometálicos do chumbo (p. ex. Pb tetraetila ou Pb trietila). A toxicidade do Pb é principalmente contro- lada pela concentração da sua espécie iônica (Pb+2) livre, que por sua vez determina, em grande parte, a sua biodisponibilidade. A toxici- dade das espécies inorgânicas de Pb é infl uenciada pelas condições do meio (p. ex. dureza, pH, salinidade, etc.). Consequentemente, a incorporação biológica do chumbo por organismos aquáticos tam- bém é infl uenciada por vários fatores ambientais, como temperatu- ra, salinidade, pH e teor de matéria orgânica dissolvida. Em ensaios com organismos aquáticos, os sais inorgânicos de Pb foram tóxicos para organismos marinhos e de água doce quando as concentrações eram maiores que 500 mg/L e 40 mg/L, respectivamente. A menor toxicidade do Pb em soluções com alta força iônica (marinha) se deve provavelmente à menor solubilidade do Pb quando destas condições físico-químicas. 62 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Nas bactérias, a maior parte do chumbo se acumula na pare- de celular, o que é similar ao que ocorre com plantas superiores. Aparentemente, existe pouca translocação do chumbo incorporado pelas raízes das plantas para suas outras partes. A incorporação do chumbo diretamente do ar pelas folhas pode ocorrer, mas não pa- rece ser signifi cativa. A maior parte do chumbo retido pelas plantas fi ca apenas adsorvida à superfície das raízes e folhas. Assim, so- mente quando altas concentrações de chumbo são adicionadas aos solos (100 mg/kg a 1 000 mg/kg), pode-se observar efeitos tóxicos na fotossíntese e crescimento das plantas. Por exemplo, nos níveis comumente encontrados no ambiente, o chumbo não afeta signifi ca- tivamente as plantas aquáticas. Nos animais, existe uma correlação entre o teor de chumbo nos seus organismos e nas suas dietas, sendo a distribuição ligada dire- tamente com o metabolismo de cálcio. Em golfi nhos, foi observada a transferência do Pb das mães para seus fi lhotes durante os períodos de desenvolvimento fetal e lactação. Nos pássaros, os sais inorgânicos de Pb foram tóxicos apenas em níveis elevados na dieta (maiores que 100 mg/kg). Vários efei- tos foram relatados nestas doses elevadas (p. ex. diarreia, anorexia, perda de peso, etc.) basicamente relacionados com o consumo de comida. Porém, como essas doses são muito acima das observadas normalmente no meio, não se deve esperar efeitos adversos signi- fi cativos em decorrência da exposição ambiental aos sais inorgâ- nicos de chumbo. Jáo chumbo metálico, principalmente na forma de fragmentos de balas, é altamente tóxico quando ingerido pelos pássaros e tem causado o envenenamento de um grande número de aves. Foram observados diversos pássaros selvagens com grande quantidade (20 ou mais) destes fragmentos em seu aparelho diges- tivo. Finalmente, no passado, a produção de gasolina com chumbo tetraetila causou repetitivos incidentes com grande mortandade de pássaros em estuários próximos a empreendimentos industriais. Detectou-se elevados níveis de chumbo, na forma organometálica, no fígado dos animais. No caso dos peixes, o chumbo se acumula principalmente nas brânquias e na pele devido à adsorção, e no fígado, nos rins e nos os- CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 63 sos com o aumento da idade. Entretanto, a sua acumulação do meio é lenta, podendo levar várias semanas para as concentrações de chum- bo nos tecidos dos peixes entrarem em equilíbrio com as suas concen- trações do meio. Já nos ovos de peixes parecem acumular o chumbo na sua superfície, não atingindo o embrião. De maneira análoga, nos moluscos o Pb se acumula nas conchas carbonáticas e não nos seus tecidos, sendo proporcional às concentrações de Pb nos sedimentos. Os estágios juvenis dos peixes são mais sensíveis aos efeitos tóxicos do Pb que os adultos ou os ovos. Os sinais típicos de toxicidade são: a deformidade na espinha e o escurecimento na região caudal. Os li- mites máximos aceitáveis para o Pb inorgânico foram determinados para várias espécies sob diferentes condições, variando de 0,04 mg/L a 0,198 mg/L. Para que estes ensaios ecotoxicológicos sejam represen- tativos, é fundamental que a concentração do chumbo dissolvida seja medida, visto que ela pode representar uma pequena fração do Pb total adicionado no ensaio. Em oposição ao comportamento dos compostos inorgânicos de Pb, o chumbo tetraetila é mais tóxico, sendo rapidamente incorporado pelos organismos aquáticos e eliminado após o fi m da exposição. Sua distribuição nos organismos não segue necessariamente o metabolis- mo do cálcio, como os sais inorgânicos de chumbo. A contaminação por chumbo pode alterar a estrutura de comuni- dades biológicas devido às diferentes sensibilidades das várias popu- lações presentes no ecossistema. 4.3.5 Limites de Exposição No Brasil, o limite para o chumbo na água potável é de 0,01 mg/L, de acordo com a Portaria MS 2914/2011. Entretanto, nos EUA, a USEPA utiliza uma abordagem diferente. Se mais de 10 % das amostras de água de uma estação de tratamento de água ultrapassar um valor de 0,015 mg/L, deve-se tomar medidas para reduzir os níveis de Pb. Os níveis médios de chumbo no ar são geralmente abaixo de 0,15 μg/m3 em áreas rurais. Em áreas urbanas, os níveis são mais elevados, em média 1,1 μg/m3, principalmente em áreas com gran- 64 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL de tráfego de veículos automotores. Alguns estudos sugerem que 1 μg Pb/m3 de ar contribui com cerca de 19 μg Pb/L de sangue em crianças e 16 μg Pb/L de sangue em adultos. Entretanto, para certos grupos populacionais (p. ex. crianças menores de seis anos) outras rotas de exposição podem ser mais signifi cativas que o ar inalado e devem também ser consideradas. O nível de chumbo no sangue é considerado o melhor indicador de exposição ambiental recente a este metal, podendo ainda fornecer uma estimativa razoável da dose corpórea de chumbo para situações de exposições constantes. Assim, vários estudos correlacionaram os diferentes efeitos biológicos do chumbo com seus níveis no sangue, indicador de dose interna. Atualmente se considera como níveis de base para o chumbo no sangue, quando não há uma contribuição an- tropogênica signifi cativa, na faixa de 10 μg/L a 30 μg/L. Vários estudos determinaram os níveis mais baixos de chum- bo no sangue que causaram diferentes efeitos adversos (LOAELs). Para adultos considerou-se desde efeitos cognitivos até hematoló- gicos e neurológicos, sendo a elevação da protoporfirina eritroci- tária livre (biomarcador de efeito) o efeito crítico, aquele que se desenvolve primeiro a partir de níveis de exposição mais baixos, neste caso 150 μg/L. Para as crianças foram considerados efeitos tóxicos similares, sendo que neste caso os efeitos críticos foram defi ciências cognitivas, surdez e alterações no metabolismo da vitamina D. Entretanto, eles ocorrem, em geral, a partir de níveis mais baixos que os observados em adultos. O LOAEL (concentração de chumbo no sangue), para o efeito crítico em crianças, está entre 100 μg/L e 150 μg/L, sendo recomenda- do pela OMS o valor mais baixo desta faixa. Portanto, para proteger a população em geral dos efeitos tóxicos do chumbo, preconiza-se que pelo menos 98 % das pessoas expostas, incluindo crianças até 6 anos, não tenham níveis de chumbo no sangue acima deste valor, o que acarreta que os níveis de chumbo no ar não devam ser maiores que 0,5 μg/m3. Nestas estimativas está incluída a contribuição do chumbo no ar para os teores de chumbo no sangue, assim como os seus níveis de base, ambos referidos acima. CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 65 4.4 ARSÊNIO 4.4.1 Características Gerais O arsênio (símbolo As, número atômico 33, número de massa 74.91) é um metaloide (possuindo tanto propriedades dos metais como dos ametais) do mesmo grupo do nitrogênio, fósforo, antimônio e bis- muto da tabela periódica. Ele ocorre em quatro estados de oxidação. Em condições moderadamente redutoras o arsenito (estado de oxida- ção +3) pode ser a forma dominante do As, mas em condições oxi- dantes (p. ex. oxigenadas), a forma predominante de As é o arsenato (estado de oxidação +5). Apenas em condições fortemente redutoras, o arsênio elementar (estado de oxidação 0) e a arsina (estado de oxidação -3) estão presentes. Portanto, os estados de oxidação +3 e, principal- mente, o +5 são os mais comuns do As no ambiente. O As e seus compostos são amplamente distribuídos na natureza, em média 2 mg/kg na crosta terrestre, ocorrendo de diversas formas no ambiente (p. ex. cristalina, amorfa, vítrea, etc.). Rochas fosfáticas e sedimentares argilosas, como o folhelho, podem conter altos níveis de As, como 200 mg/kg a 900 mg/kg. O arsênio é o principal consti- tuinte de mais de 200 tipos de minerais, principalmente arsenatos e sulfetos. Dentre eles o mais comum é a arsenopirita, FeAsS. Devido à afi nidade do As pelo enxofre, ele tende a estar associado aos minérios sulfíticos de vários metais (p. ex. prata, chumbo, cobre, níquel, antimô- nio, cobalto e ferro). Os diferentes compostos de As estão geralmente em concentrações-traço nos diferentes compartimentos ambientais (p. ex. ar, águas, solos, etc.). Entretanto, níveis mais elevados são encon- trados em determinadas áreas, resultantes de fontes naturais (p. ex. intemperismo de minérios de As) ou antropogênicas (p. ex. mineração, fundição, queima de combustíveis fósseis e uso de pesticidas). Nestas áreas, os níveis de As nos solos, por exemplo, podem variar de alguns miligramas a mais de 100 mg/kg. Enquanto o As elementar é insolúvel em água, os sais de arsênio possuem diferentes solubilidades dependendo do pH e da composi- ção iônica do meio. Existem vários compostos de As com importância ambiental. Do ponto de vista biológico e toxicológico pode-se dividir 66 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL os compostos de As em três grupos principais: compostos inorgânicos de As (III e V) (p. ex. trióxido de arsênico, arsenato de sódio, tricloro arsênico e pentóxido de arsênico, arsenato de cálcio e ácido arsênico), compostos orgânicos de As (p. ex. ácido arsanílico, ácido metilarsônico e arsenobetaína) e gás arsina. Podem ocorrer alterações na especiação química do As no ambiente, com mudanças do estado de oxidação, de- pendendo das condições físico-químicas do meio (p. ex. pH, Eh, etc.). 4.4.2 Fontes de Emissão As emissões naturais globais de arsênio foram estimadas em 7 900 toneladas por ano, enquanto as emissões antropogênicas são muito superiores,cerca de 23 600 toneladas. A principal fonte natural de arsênio para a atmosfera é a atividade vulcânica, enquanto a fun- dição de metais, queima de combustíveis fósseis e o uso de pesticidas são as principais atividades humanas que contribuem para emissões atmosféricas de As, podendo ainda contaminar sistemas aquáticos. De forma análoga, as concentrações de As em solos não contamina- dos são geralmente na faixa de 0,2 mg/kg a 40 mg/kg, entretanto ní- veis de 100 mg/kg a 2 500 mg/kg foram medidos em solos próximos a fundições de cobre ou hortas onde houve extensivas aplicações de pesticidas contendo arsênio. Por fi m, pilhas de rejeitos de atividades de mineração também podem ser uma fonte importante de As para solos e ecossistemas aquáticos. Comercialmente, o arsênio é produzido principalmente por meio da redução do trióxido de arsênio (As2O3), o qual é obtido como sub- produto durante a fundição de minérios de outros metais. A produ- ção global de arsênio aumentou até meados dos anos 1940 (em 1943, estimou-se que esta produção era de 70 000 toneladas anuais). Com a mudança nos usos do arsênio, inseticidas à base de arsênio foram substituídos por outras formulações, esta produção se estabilizou e eventualmente foi reduzida. Por exemplo, em 1975, a produção mun- dial foi de 60 000 toneladas. Entretanto, a utilização do As em defensi- vos agrícolas ainda ocorre, variando de um país para outro, de acordo com suas respectivas legislações e mesmo onde foi banida, como nos CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 67 Estados Unidos da América, podem existir resíduos signifi cativos em áreas com histórico de aplicações intensivas como, por exemplo, de 32 kg/hectare a 700 kg/hectare de arsenato de chumbo. No início dos anos 1980, estimou-se que o uso do arsênio no mundo foi de 16 000 toneladas/ano como herbicida, 12 000 toneladas/ano como secante ou desfolhante para a cultura do algodão e 16 000 toneladas como preservativo para madeiras (fungicida), sendo que este uso aumentou bastante nas últimas décadas. O As ainda é utilizado na produção de vidro, ligas metálicas, na preservação de couro e nas indústrias farma- cêuticas e de semicondutores. Compostos de arsênio ainda são usados na produção de pigmentos. Dados de 1986 indicavam que cerca de 5 000 toneladas/ano de As2O3 eram importadas pelo Reino Unido para diversos usos. Estes processos geram emissões estimadas de As de 650 toneladas/ano da indústria de metais não ferrosos, 188 toneladas/ano da produção de ferro e aço (sendo 9 toneladas/ano para atmosfera e 179 toneladas/ ano de resíduos sólidos), 1 135 toneladas/ano da queima de combus- tíveis fósseis (sendo 297 toneladas/ano para a atmosfera e 838 tonela- das/ano de resíduos sólidos). Uma pesquisa realizada nos países da União Europeia (UE) indicou que houve signifi cativas reduções das emissões atmosféricas de As em vários países da comunidade europeia durante os anos 1980 e início dos anos 1990. Estimou-se o total de emissões atmosféricas de As da UE em 1990 em 575 toneladas, destes 492 toneladas eram provenientes da pro- dução de energia pela queima de carvão e petróleo e 77 de processos pro- dutivos, principalmente produção de ferro e aço e de metais não ferrosos. Como resultado dos diferentes usos do arsênio e seus compostos, existem diversas formas nas quais o homem pode fi car exposto a este elemento. 4.4.3 Efeitos Tóxicos no Homem Existem vários compostos diferentes de As, tanto inorgânicos quanto orgânicos, no ambiente. Os compostos inorgânicos de As po- dem causar desde efeitos agudos (p. ex. morte) até crônicos (p. ex. câncer), os quais podem ser tanto locais quanto sistêmicos. De uma 68 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL maneira geral, a toxicidade do As depende de sua especiação química (p. ex. orgânico ou inorgânico; As+5 ou As+3). O As pode afetar vários sistemas e órgãos, como a pele e os sistemas: respiratório, cardiovas- cular, imune, genitourinário, reprodutivo, gastrointestinal e nervoso. Os sinais clínicos de exposição crônica ao arsênio podem variar bastante. Aumento da salivação, dispepsia irregular, cólicas abdomi- nais, diminuição da atividade sexual e perda de peso também foram relatados frequentemente. Em geral, ocorrem mudanças na pele e nas mucosas e lesões neurológicas, vasculares e hematológicas. A pele é um órgão crítico na exposição a compostos inorgânicos de arsênio. Os sintomas mais comumente observados são hipercera- tose, verrugas e melanose. Lesões eczematoides, com vários graus de gravidade, também podem ocorrer. A ação neurotóxica do arsênio e seus compostos inorgânicos foi observada em trabalhadores de fundições, causando neuropatia periférica. Indivíduos expostos cronicamente à poeira contendo ar- sênio tiveram uma diminuição na velocidade de condução do nervo periférico. Estudos epidemiológicos observaram um aumento na mortalida- de de trabalhadores expostos a altos níveis de arsênio no ar por doen- ças cardiovasculares. Dentre elas, foi relatado um distúrbio vascular periférico que resulta na gangrena das extremidades, chamado black- foot disease, neste caso em decorrência da exposição oral crônica à água com altos níveis de As. Compostos inorgânicos do As causam um efeito inibidor na he- matopoiese, levando a um quadro de anemia e em casos mais graves a agranulocitose ou trombopenia. Existem evidências sufi cientes na literatura científi ca que os com- postos inorgânicos de As causam câncer na pele e nos pulmões de hu- manos. Entretanto, as evidências de desenvolvimento de câncer em animais de laboratório não são conclusivas, devido às limitações dos estudos realizados até agora (p. ex. número de animais e de doses usa- dos e tempo de exposição insufi ciente). Vários estudos com seres humanos demonstraram uma relação dose–efeito entre o aumento do risco de câncer e a exposição às espé- cies inorgânicas de As (tanto do As+5 quanto do As+3) em trabalhadores CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 69 de fundições, mineiros e aqueles envolvidos na produção de pesticidas à base de As. O câncer de pulmão é considerado o efeito crítico resul- tante da inalação de compostos de As. Estudos sobre as possíveis interações entre o fumo e a exposição ao As inorgânico não foram conclusivos. Alguns resultados sugeriram que os riscos eram multiplicativos, entretanto outros resultados indi- caram que os riscos poderiam ser aditivos. Alguns estudos sobre po- pulações que vivem próximas de fundições de cobre e outras fontes pontuais de emissões atmosféricas de As mostraram um aumento mo- derado na mortalidade por câncer de pulmão, embora outros estudos não detectassem este efeito em situações de exposição análogas. Observou-se uma taxa de mortalidade signifi cativamente elevada por câncer de bexiga, pulmão, fígado, rins, pele e colo, em uma popu- lação que reside em uma área de Taiwan, com altos níveis naturais de As no seu suprimento de água. Um aumento na frequência de aberra- ções cromossômicas foi encontrado em linfócitos de vasos sanguíneos periféricos de pacientes com psoríase tratados com As e em viniculto- res e trabalhadores de fundições de cobre expostos ao As. As relações entre a exposição ao As e outros efeitos à saúde do homem são menos claras. As evidências são mais fortes em relação à hipertensão, apenas sugestivas para diabetes e efeitos reprodutivos, e fracas para doenças cerebrovasculares, efeitos neurológicos irreversí- veis e câncer em outros tecidos que não o pulmão, a bexiga, os rins e a pele. 4.4.4 Efeitos Tóxicos na Biota Tanto as biotas aquáticas quanto as terrestres possuem uma gran- de faixa de sensibilidades às diferentes espécies de As, dependendo de fatores bióticos e abióticos. Em geral, as espécies inorgânicas de As são mais tóxicas que as orgânicas e entre elas os compostos de As+3 são mais danosos que os compostos de As+5. Existem diferenças marcantes entre os mecanismos de incorporação e toxicidade das diferentes espécies de As entre os organismos, o que ex- plica as diferençasde sensibilidade entre as espécies. Considera-se que o 70 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL principal mecanismo de toxicidade do As+3 ocorre pela sua ligação aos radicais sulfi drilas das proteínas, enquanto o As+5 afeta a fosforilação oxidativa pela competição pelos sítios de ligação com fosfato, funcio- nando como um análogo do fosfato. Em ecossistemas onde existem níveis elevados de fosfato, a toxicidade do arsenato para a biota é, de maneira geral, reduzida. Os compostos de As podem causar efeitos crônicos e agudos em indivíduos, populações e comunidades dependendo das espécies bió- ticas presentes, do tempo de exposição, da concentração, de quais es- pécies de As estão presentes e das alterações fi siológicas consideradas. Estas alterações variam desde a mortalidade, passando pela inibição do crescimento ou da fotossíntese ou da reprodução, até mudanças comportamentais. Ecossistemas contaminados por As, como ocorre de maneira ge- ral em casos de contaminação ambiental, são caracterizados por uma baixa diversidade de espécies e de indivíduos por espécie. Somente es- pécies resistentes ao As poderão estar presentes, nos casos de sistemas altamente poluídos. 4.4.5 Limites de Exposição Nos EUA, a Agência de Proteção Ambiental (USEPA) adotou a dose de referência 0,3 μg/kg por dia, para a exposição oral crônica humana ao As, considerando-se como efeitos tóxicos críticos a hiper- pigmentação, ceratose e possíveis complicações vasculares (blackfoot disease). Esta dose foi estimada a partir da dose 0,8 μg/kg por dia, onde não se observou efeito adverso (NOAEL) e utilizando um fator de in- certeza igual a 3. As estimativas atuais do risco de câncer em decorrência da expo- sição a espécies de As foram obtidas de estudos com populações nos EUA e na Suécia. Assumindo-se uma relação linear de dose–efeito, um nível seguro para inalação não pôde ser estabelecido. A unidade de risco para uma exposição crônica a 1 μg de As/m3 é de 1,5 x 10-3, isto resulta em um excesso de risco durante a vida de 1:1 000 000 quando exposto a concentrações de 0,66 ng As/m3 . CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 71 4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Diferentemente da maioria dos poluentes orgânicos, uma vez lançados no ambiente, os metais não podem ser degradados ou de- compostos em formas menos tóxicas. Os metais podem permanecer no ambiente indefi nidamente e alguns deles podem até mesmo ser convertidos, por processos naturais (p. ex. metilação do mercúrio), em formas ainda mais tóxicas do que as inicialmente emitidas. Assim, as diferentes formas deste grupo de elementos (sais inorgânicos, comple- xos orgânicos, íons dissolvidos, etc.) vêm causando um grande núme- ro de óbitos ou incapacitando várias pessoas em acidentes ocorridos em diversos países, e são uma prioridade nos estudos e programas de controle da contaminação ambiental no mundo. REFERÊNCIAS CONSULTADAS BRASIL, Ministério da Saúde (MS). Portaria no 2914. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2011, 2011. BRASIL, Ministério do Meio Ambiente, Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA). Resolução no 357. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 2005. MOORE, J. M.; RAMAMOORTHY, S. Heavy Metals in Natural Waters. Applied Monitoring and Impact Assessment. New York; Springer- Verlag, 1984. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Drinking Water Contaminants. Disponível em . Acesso em: 05 dez. 2009, 2009. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 1. Mercury. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 1976. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 3. Lead. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2009, 1977. 72 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 86. Mercury – Environmental Aspects. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 1989. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 85. Lead – Environmental aspects. Disponível em: Acesso em: 06 dez. 2009, 1989. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 101. Methylmercury. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 1990. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 18. Arsenic. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2009, 1981. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 134. Cadmium. Disponível em: Acesso em: 05 dez. 2009, 1992. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 135. Cadmium – Environmental Aspects. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 1992. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 165. Inorganic Lead. Disponível em: Acesso em: 06 dez. 2009, 1995. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Air Quality Guidelines. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 2000. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Air Quality Guidelines. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 2000. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Air Quality Guidelines. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2009, 2000. CAPÍTULO 4 – METAIS ►◄ 73 WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Air Quality Guidelines. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2009, 2000. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Air Quality Guidelines for Europe (WHO), 2nd Edition. European series, no 91. Copenhagen:WHO Regional Publications, 2000. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). International Programme on Chemical Safety. Environmental Health Criteria – 224. Arsenic and Arsenic Compounds. Disponível em: . Acesso em: 06 dez. 2009, 2001. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Concise International Chemical Assessment Document – 50. Elemental mercury and inorganic mercury compounds: human health aspects. Disponível em: . Acesso em: 05 dez. 2009, 2003. C A P Í T U L O 5 Agrotóxicos Eduardo Cyrino Oliveira-Filho CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 77 Conhecidos como pesticides nos países de língua inglesa ou plagui- cidas nos países de língua espanhola, os agrotóxicos são defi nidos no Brasil pela Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989 como “os produtos quí- micos destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e benefi ciamento de produtos agrícolas, nas pastagens, na proteção de fl orestas, nativas ou implantadas, e de outros ecossistemas e também de ambientes urbanos, hídricos e industriais, cuja fi nalidade seja alte- rar a composição da fl ora ou da fauna, a fi m de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como as substâncias e produtos, empregados como desfolhantes, dessecantes, estimulado- res e inibidores do crescimento”, além dos produtos afi ns, defi nidos como “produtos e agentes de processosO primeiro é caracterizado pelas informações sobre aspectos históricos e concei- tuais. O segundo apresenta a toxicologia de substâncias reconhecidas como de elevada prioridade no Brasil para avaliação e prevenção. O último bloco de capítulos aproxima os leitores das principais metodo- logias utilizadas na avaliação do ambiente, da toxicidade de uma subs- tância química, do controle de qualidade dos laboratórios de toxicolo- gia e do risco para a saúde das pessoas em situações por contaminação ambiental. Inclui também outro capítulo sobre o uso da Estatística em estudos Toxicológicos e Ecotoxicológicos. Finalmente vale destacar a grande contribuição dos organizado- res e autores deste livro para a Toxicologia no Brasil por serem pro- fissionais atuantes em diversos segmentos e envolvidos na produção de dados e formação de recursos humanos em instituições de ensino e pesquisa. Por todos estes motivos, não temos dúvidas de que esta publica- ção se trata de mais uma importante fonte de conhecimento para os profissionais que atuam na área da saúde humana e ambiental. Volney de Magalhães Câmara Professor Titular Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) S U M Á R I O APRESENTAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . IX PREFÁCIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . XI CAPÍTULO 1 Histórico, Evolução e Conceitos Básicos da Toxicologia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 1.1 CONCEITOS E ELEMENTOS BÁSICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 1.1.1 A Substância . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 1.1.2 O Organismo Afetado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 1.1.3 O Efeito Adverso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10 1.2 INTERAÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . 12 1.3 SUSCEPTIBILIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 1.4 RELAÇÃO DOSE–RESPOSTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 1.5 PRINCIPAIS ÁREAS DA TOXICOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . 15 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 XIV ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL CAPÍTULO 2 Fundamentos da Toxicologia Ambiental . . . . . . 17 2.1 CONTAMINAÇÃO E POLUIÇÃO AMBIENTAL . . . . . . . . . . 19 2.2 CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E SUAS FONTES . . . . . . . 21 2.2.1 Contaminação Biológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.2.2 Contaminação Física . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22 2.2.3 Contaminação Química . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.3 ECOTOXICOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 CAPÍTULO 3 Dinâmica, Transformação e Destino dos Contaminantes no Ambiente . . . . . . . . . . . . . . 27 3.1 O DESTINO DOS CONTAMINANTES: TRANSFORMAÇÕES E SUMIDOUROS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 3.2 ROTAS DE EXPOSIÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 CAPÍTULO 4 Metais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 4.1 MERCÚRIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.1.1 Características Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39 4.1.2 Fontes de Emissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 4.1.3 Efeitos Tóxicos no Homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 4.1.4 Efeitos Tóxicos na Biota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 4.1.5 Limites de Exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46 4.2 CÁDMIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.2.1 Características Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47 4.2.2 Fontes de Emissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 4.2.3 Efeitos Tóxicos no Homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50 SUMÁRIO ►◄ XV 4.2.4 Efeitos Tóxicos na Biota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 4.2.5 Limites de Exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54 4.3 CHUMBO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.3.1 Características Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 4.3.2 Fontes de Emissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56 4.3.3 Efeitos Tóxicos no Homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 4.3.4 Efeitos Tóxicos na Biota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60 4.3.5 Limites de Exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63 4.4 ARSÊNIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 4.4.1 Características Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 4.4.2 Fontes de Emissão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66 4.4.3 Efeitos Tóxicos no Homem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 67 4.4.4 Efeitos Tóxicos na Biota . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69 4.4.5 Limites de Exposição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 4.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71 CAPÍTULO 5 Agrotóxicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 5.1 INSETICIDAS QUÍMICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78 5.1.1 Organoclorados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79 5.1.2 Organofosforados e Carbamatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80 5.1.3 Piretroides . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 82 5.2 INSETICIDAS BIOLÓGICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 85 5.3 HERBICIDAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87 5.4 FUNGICIDAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89 5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92 CAPÍTULO 6 Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos . . . . . . 95 6.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97 XVI ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 6.2 FONTES DE EMISSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 6.2.1 Formação de HPAs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102 6.3 CINÉTICA E DINÂMICA DOS HPAs . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104 6.4 EXPOSIÇÃO HUMANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111 6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 119 CAPÍTULO 7 Avaliação Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 7.1 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM COMPARTIMENTOS ABIÓTICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 7.1.1 Monitoramento na Água . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 7.1.2 Monitoramento no Sedimento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125 7.1.3 Monitoramento no Ar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 7.1.4físicos e biológicos que tenham a mesma fi nalidade dos agrotóxicos, bem como outros produtos quí- micos, físicos e biológicos utilizados nas defesas fi tossanitárias, domis- sanitária e ambiental, não enquadrados na defi nição anterior”. Nesse contexto, deve-se destacar que os agrotóxicos ocupam uma posição peculiar entre as muitas substâncias químicas produzidas e utilizadas pelo homem, pois eles têm como propósito repelir ou elimi- nar alguma forma de vida indesejável, considerada “peste” ou “pra- ga”. De acordo com o organismo-alvo da ação, os agrotóxicos podem ser subdivididos em inseticidas, herbicidas, fungicidas, acaricidas, rodenticidas, moluscicidas e assim por diante, sendo que nos dias de hoje nem todos têm ação letal ou biocida. Por essa magnitude no es- pectro de ação, este grupo de agentes químicos é um dos mais bem estudados, tanto do ponto de vista toxicológico como do ambiental, em todo o mundo. O grande dilema dessa classe de produtos é que o ideal seria que fossem altamente seletivos para as espécies-alvo, ou seja, apresentas- sem toxicidade para o organismo-alvo em níveis de exposição muito inferiores àqueles capazes de causar efeitos adversos para o homem e para outras espécies não alvo. Infelizmente a almejada toxicidade diferencial entre espécies “alvo” e “não alvo” é ainda insatisfatória para a maioria dos ingredientes ativos disponíveis, e, por esse moti- vo, os agrotóxicos estão entre as substâncias químicas mais estudadas em todo o mundo, sendo objeto de diversos estudos toxicológicos e ecotoxicológicos. 78 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Fazendo um pequeno histórico do uso de produtos químicos com essa fi nalidade pode-se relatar a utilização do enxofre como fungicida e dos inseticidas de base metálica, fundamentalmente arsênico, que era o principal ingrediente ativo de várias formulações até o início do século XX, quando esses produtos se tornaram motivo de preocupação pública, na medida em que começava a serem detectados resíduos nos alimentos tratados. Os anos 1930 se apresentaram como a era da química sintética, trazendo nesse contexto o desenvolvimento de grande variedade de produtos agrotóxicos, tais como os inseticidas alquiltiocianatos, os fungicidas ditiocarbamatos e os fumigantes dibrometo de etileno, brometo de metila, óxido de etileno e dissulfeto de carbono. No início da Segunda Guerra Mundial, alguns produtos foram lançados em processo de investigação experimental incluindo o diclorodifeniltricloroetano (DDT), o dinitrocresol, o ácido 4-cloro-2- metiloxiacético (MCPA) e o 2,4-diclorofenoxiacético (2,4-D). Na era pós-guerra houve um rápido desenvolvimento no campo agroquímico, com a introdução de uma grande variedade de novos inseticidas, herbicidas e fungicidas. Não há como negar a efi ciência e a importância dessas formulações para o grande incremento da agricultura no mundo, e também pelo controle de vetores de doenças epidêmicas bem documentadas em vários países. Todavia esse uso em grande escala e as intoxicações observadas evidenciaram a necessidade de maior conscientização sobre os potenciais danos à saúde que tais produtos poderiam acarretar. Com a criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América (USEPA), em 1970, a visão de segurança passa a ser mais ampliada, e nesse momento começa a ser exigida a apresentação de vários estudos para a avaliação do potencial impacto do uso de tais substâncias. A seguir serão descritos alguns dos principais grupos de agrotóxicos. 5.1 INSETICIDAS QUÍMICOS A utilização de produtos químicos como inseticidas na agricultu- ra cresceu tremendamente desde a Segunda Guerra Mundial. Embora a indústria voltada para a agricultura seja a principal produtora dos CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 79 inseticidas, outras indústrias também produzem grande quantidade para uso, principalmente como desinfetantes domissanitários. Em ge- ral, os inseticidas são subdivididos de acordo com o grupamento quí- mico ao qual pertencem. 5.1.1 Organoclorados Embora o DDT tenha sido sintetizado por Zeidler em 1874, fi cou para Paul Müller, um químico suíço, sua redescoberta em 1939, en- quanto procurava por um veneno de contato para traças em roupas e ácaros em tapetes. A efetividade do DDT contra uma grande varie- dade de insetos domésticos e agrícolas foi rapidamente demonstrada, levando Müller a ganhar o Prêmio Nobel em 1948 por sua pesquisa. Antes do fi nal da Segunda Guerra Mundial, o DDT estava disponível para os aliados e teve seu primeiro uso médico na supressão de uma epidemia de tifo em Nápoles, na Itália, durante o inverno de 1943- 1944, quando foi aplicado diretamente nos soldados para o controle de piolhos. A descoberta das propriedades inseticidas de outros com- postos organoclorados, incluindo aldrin, dieldrin, endrin, clordano e hexaclorobenzeno, antes de 1945, teve consequências imediatas e foi então introduzida uma era chamada de “Era dos Inseticidas Químicos Sintéticos”, trazendo junto com ela um notável impacto sobre a produ- ção de alimentos e a saúde humana. Do meio dos anos 1940 à metade dos anos 1960, estes agentes foram extensivamente utilizados em todos os aspectos da agricultura, em fl o- restas e para controlar grande variedade de insetos causadores de doen- ças. Deste contexto surge o termo dedetização, utilizado erroneamente até hoje no Brasil, como um processo relativo à eliminação de organis- mos indesejáveis, particularmente nos ambientes domésticos. Todavia, as propriedades dos organoclorados, tais como baixa volatilidade, estabilidade química, lipossolubilidade, além de baixas taxas de biotransformação e biodegradação, fi zeram desses compostos excelentes inseticidas, mas também foram responsáveis por sua conde- nação, visto que os fatores ambientais, tais como sua alta persistência no ambiente, os altos fatores de bioacumulação e, por sua vez, seu alto 80 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL potencial de biomagnifi cação em diversas cadeias alimentares, torna- ram a utilização desses produtos inviável em todo o mundo. Investigações recentes têm demonstrado, em observações de cam- po e em estudos com espécies de laboratório, o potencial estrogênico dos inseticidas organoclorados, capazes inclusive de interferir direta ou indiretamente com a fertilidade e a reprodução de organismos vivos. A tabela 5.1 apresenta dados de toxicidade de alguns inseticidas organoclorados para mamíferos. TABELA 5.1 TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS ORGANOCLORADOS PARA MAMÍFEROS Ingrediente Ativo DL50 Oral (mg/kg) NOEL* (mg/kg/dia) IDA** (mg/kg) Aldrin 39 0,025 0,0001 Clordano 335 1,0 0,001 DDT 217 0,05 0,005 Dieldrin 46 0,025 0,0001 Endrin 18 0,05 0,0002 Heptaclor 100 0,25 0,0005 Lindano 88 1,25 0,0125 Metoxiclor 5 000-7 000 10 0,1 Mirex 740 – – * No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um teste crônico. ** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se consumida durante toda a vida, não ocasionará um efeito adverso. Fonte: Murphy (1986). 5.1.2 Organofosforados e Carbamatos Esses compostos são geralmente agrupados porque tem um me- canismo de ação comum, contudo são de duas diferentes classes quí- micas, os derivados de ésteres do ácido fosfórico ou fosforotioicos e os derivados de ésteres do ácido carbâmico. CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 81 Segundo informações disponíveis na literatura científi ca, os inse- ticidas organofosforados são derivados de gases químicos sintetiza- dos e utilizados para fi ns bélicos entre eles: Soman, Sarin e Tabun (gás mostarda), amplamente conhecidos como gases neurotóxicos. Devido a sua baixa persistência no ambiente esses compostos ga- nharam espaço, em função dos problemas observados com os organo- clorados, e começaram gradativamente a assumir papel de destaque no campo agropecuário, embora sua toxicidade para mamíferos e sua baixa seletividade para organismos-alvo deixava no ar algumasdúvi- das sobre o seu futuro. Ainda nos anos 1950, a substituição do inseticida DDT pelo Para- tion resultou em uma série de envenenamentos fatais e acidentes bi- zarros, devido ao fato de os trabalhadores agrícolas desconhecerem que essa nova classe de produto era tão diferente dos “relativamente” inócuos inseticidas organoclorados. Logo foi constatado que a extrema toxicidade desses compostos era devido, principalmente, à inativação irreversível da acetilcolines- terase (AChE), que resultava em uma inibição prolongada. As drogas que inibem a acetilcolinesterase são conhecidas como agentes antico- linesterásicos (antiChE). Cabe ressaltar que existem agentes antiChE com atividade terapêutica para tratamento de vários problemas de saúde humana, entre eles, glaucoma, miastenia, motilidade gastroin- testinal e mais recentemente no tratamento do Mal de Alzheimer. O monitoramento dos níveis de acetilcolinesterase em trabalhado- res expostos a tais produtos é hoje uma condição imprescindível para a manutenção das condições de saúde desses indivíduos. A tabela 5.2 apresenta alguns dos principais inseticidas organo- fosforados e dados de sua toxicidade para mamíferos. 82 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL TABELA 5.2 TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS ORGANOFOSFORADOS PARA MAMÍFEROS Ingrediente Ativo DL50 Oral Ratos (mg/kg) NOEL* (mg/kg/dia) IDA** (mg/kg) Referência Acefato 1 000 0,12 0,0012 Diazinona 1 250 0,02 0,0002 Dimetoato 358 0,22 0,0022 Dissulfoton 1,9 0,013 0,00013 Fenamifós 2,4 0,01 0,0001 Fenitrotiona 330 0,125 0,0013 Forato 1,4 0,05 0,0005 USEPA, 2007 Malationa 5 400 7,1 0,07 Metamidofós 13 0,03 0,0001 Parationa- metílica 4,5-24 0,02 0,0002 Profenofós 358 0,005 0,00005 Temefós 444 0,3 _ Terbufós 1,5 0,005 0,00005 Triclorfon 136-173 0,2 0,002 Cadusafós 39 0,03 0,0003 JMPR, 1991 Monocrotofós 14 0,005 0,00005 JMPR, 1991 * No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um teste crônico. ** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso. Fonte: JMPR (1991); USEPA (2007). 5.1.3 Piretroides Os inseticidas piretroides pertencem a um grupo que foi introdu- zido no mercado internacional na década de 1980. O piretro é um extrato obtido de fl ores da espécie Chrysanthemum cincerariaefolium. A piretrina é um extrato mais refi nado, que contém CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 83 seis piretrinas naturais. A piretrina I é a de maior atividade inseticida. Os piretroides (derivados sintéticos da piretrina) e as piretrinas são utilizados em muitos inseticidas, devido a sua ação rápida. Diversos estudos foram realizados com o objetivo de modifi car a estrutura química das piretrinas naturais e obter novos produtos. Nesse contexto, vários piretroides sintéticos foram produzidos, com melhores propriedades físicas e químicas e maior potencial inseticida. Vários dos piretroides possuem formas isométricas, com estruturas moleculares diferenciadas que apresentam seletividade contra espé- cies determinadas de insetos e, em certos casos, alguma toxicidade para mamíferos. Os primeiros piretroides sintéticos foram comercializados com sucesso, principalmente para o controle de insetos no ambiente doméstico. Mais recentemente eles também foram introduzidos com a fi nalidade agrícola, principalmente pela excelente atividade contra uma ampla variedade de insetos e devido a sua baixa persistência no ambiente. Atualmente, além do uso no ambiente doméstico e na agri- cultura, os piretroides sintéticos são ingredientes ativos de inseticidas utilizados para uso veterinário e em jardinagem. Segundo dados do Sistema de Informações sobre Agrotóxicos (SIA), os inseticidas piretroides comercialmente disponíveis incluem acrinatrina, aletrina, alfacipermetrina, betacifl utrina, betacipermetri- na, bifentrina, bioaletrina, biorresmetrina, cifenotrina, cifl utrina, ciper- metrina, d-aletrina, d-tetrametrina, deltametrina, empentrina, esbiol, esbiotrin, esfenvalerato, fenotrina, fenpropatrina, fenvalerato, fl uvali- nato, imiprotrim, lambdacialotrina, permetrina, piretrina, praletrina, resmetrina, sumitrina, tetrametrina, transfl utrina e zetacipermetrina. Os piretroides sintéticos são neurotóxicos, com ação sobre os sis- temas nervosos central e periférico, pela interação com canais de sódio em mamíferos e/ou insetos. Uma simples dose produz sinais tóxicos em mamíferos, tais como tremores, hiperexcitabilidade, salivação e paralisia. Os sinais desaparecem rapidamente e os animais se recupe- ram, geralmente, em uma semana. Em doses de exposição próximas dos níveis letais, os piretroides sintéticos causam alterações no sistema nervoso, tais como inchaço dos axônios e/ou degeneração da mielina nos nervos ciáticos. Em geral, esses inseticidas não induzem neuroto- xicidade em longo prazo, tal como os organofosforados. 84 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Embora esses compostos não sejam considerados como de grande toxicidade para mamíferos, sua utilização em ambientes fechados ou pouco ventilados tem resultado em observações de sinais e sintomas de intoxicação de seres humanos. A exposição ao piretro natural é co- nhecida por causar dermatite de contato e outros efeitos dérmicos va- riando desde eritemas pontuais até severas erupções vesiculares. A tabela 5.3 mostra alguns dos principais inseticidas piretroides e dados de sua toxicidade para mamíferos. TABELA 5.3 TOXICIDADE DE ALGUNS INSETICIDAS PIRETROIDES PARA MAMÍFEROS Ingrediente Ativo DL50 Oral Ratos (mg/kg) NOEL* (mg/kg/dia) IDA** (mg/kg) Referência Alfacipermetrina 64 1,5 0,02 JECFA, 1996 Bifentrina 56 1,5 0,02 JMPR, 1992 Cialotrina 51 1,5 0,002 JECFA, 2000 Cifl utrina 425 2 0,02 JECFA, 1997 Cipermetrina 247 6 0,06 USEPA, 2007 Deltametrina 31 1 0,01 JMPR, 2000 Esfenvalerato 90 1,75 0,02 JMPR, 2002 Fenpropatrina 49 3 0,03 JMPR, 1993 Fenvalerato 451 3,5 0,02 JMPR, 1984 Lambdacialotrina 56 0,5 _ WHO, 1990 Permetrina 2 280 25 0,25 USEPA, 2007 Zetacipermetrina 86 _ 0,04 AERU, 2010 * No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um teste crônico. ** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso. TGA – Therapeutics Good Administration – Australian Government (http://www.tga.gov. au/docs/pdf/adi.pdf). Fonte: AERU (2010); JECFA (1996, 1997, 2000); JMPR (1984, 1992, 1993, 2000, 2002 ); USEPA (2007); WHO (1990). CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 85 5.2 INSETICIDAS BIOLÓGICOS O controle biológico de espécies indesejáveis tem-se constituído em uma interessante alternativa à utilização das tradicionais substân- cias químicas, conhecidas por seus efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente. Nesse contexto, os semioquímicos (feromônios), os inimigos naturais (nematoides, predadores e parasitoides) e os agen- tes microbiológicos (bactérias, fungos e vírus) vêm sendo estudados com excelentes resultados e perspectivas para o controle de pragas. Entretanto, de acordo com a Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989 (Lei de Agrotóxicos), para serem utilizados com essa fi nalidade, tais organis- mos necessitam ser avaliados e registrados junto aos órgãos federais competentes. Entre esses inseticidas destacam-se produtos compostos por bac- térias, fungos, vírus e protozoários. Para a avaliação da segurança des- ses “agrotóxicos” especiais foram criadas normas específi cas, inclusive no Brasil, onde são levadas em conta não só a toxicidade de possíveis toxinas, mas a possível patogenicidade para mamíferos e para outros organismos terrestres e aquáticos. Em vários países do mundo os inseticidas biológicos vêm sendo utilizados com sucesso, sempre como componentes de um manejo integrado de pragas. No Brasil já existem alguns inseticidas biológicos que tem registro para uso em áreas agrícolas ou para o controle de vetoresde doenças. No presente contexto, se destacam alguns dos principais inseticidas biológicos, ou seja, microrganismos que possuem efeitos nocivos/deletérios sobre espécies consideradas alvo, entre eles, Bacillus thuringiensis, Bacillus sphaericus, Baculovirus anticarsia, Beauveria bassiana, Metharizum anisopliae. Esses microrganismos vêm sendo utilizados no Brasil e em vários países, sem evidências de efeitos adversos ao meio ambiente ou à saúde humana. A tabela 5.4 apresenta alguns resultados de ensaios realizados com o B. thuringiensis, um dos microrganismos que mais foi estudado em todo o mundo. Hoje, no Brasil existem vários produtos registrados tendo a bactéria B. thuringiensis como ingrediente ativo. Mais informações e dados sobre a segurança e a regulamentação desses produtos no Brasil podem ser mais bem visua lizados em Oliveira-Filho (2005) e Oliveira-Filho e Monnerat (2006). 86 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL TABELA 5.4 RESUMO DE DADOS TOXICOLÓGICOS DO Bacillus thuringiensis SUBMETIDOS À AGÊNCIA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DOS ESTADOS UNIDOS ATÉ 1989 B. thuringiensis Subespécies Estudo/Animal DL50/CL50 NOEL Mortes/Sinais de Toxicidade B. thuringiensis israelensis Toxicidade oral aguda Coelho Rato Rato > 2,0 x 109 esporos/animal > 2,67 g/kg 2,3 x 1010 esporos/kg Sem infectividade – Sem infectividade/patogenicidade Toxicidade dérmica aguda Rato Coelho > 4,6 x 1010 esporos/kg > 6,28 g/kg Sem infectividade/patogenicidade Sem infectividade/toxicidade Toxicidade inalatória Rato – intratraqueal 8,0 x 107 esporos/animal Sem infectividade Dieta 3 meses Rato – 4 g/kg/dia/3 meses Sem toxicidade B. thuringiensis kurstaki Toxicidade oral aguda Rato > 4,7 x 1011 esporos/kg Sem infectividade/toxicidade Toxicidade dérmica aguda Rato > 3,4 x 1011 esporos/kg Sem infectividade/toxicidade Irritação ocular Coelho 0,1 mL (formulação) Sem opacidade da córnea Toxicidade inalatória Rato > 2,6 x 107 esporos/L Sem infectividade/toxicidade Oral/gavagem 13 semanas Rato _ 1,3 x 109 esporos/kg/dia Sem toxicidade/infectividade Oral 90 dias Rato _ 8,4 g/kg/dia Longo prazo 2 anos Rato _ 8,4 g/kg/dia Diminuição do ganho de peso em fêmeas da semana 10 a 104. Sem infectividade/patogenicidade Alimentação c/ humanos 5 homens/5 mulheres _ 1 g (1 x 1010 esporos viáveis)/ dia em três dias consecutivos. Cultura de sangue negativa; 5/10 mostraram B. t. viáveis 30 dias após a alimentação Fonte: McClintock et alii (1995). CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 87 5.3 HERBICIDAS As primeiras substâncias químicas utilizadas para o controle de er- vas daninhas na agricultura eram bastante complexas do ponto de vista toxicológico. Alguns agentes, tais como ácido sulfúrico, arsenito de só- dio, sulfatos de cobre e ferro, óleos de petróleo, trióxido de arsênio, entre outros, eram de difícil manuseio e muito tóxicos. No fi nal dos anos 1930 iniciou-se uma pesquisa mundial para encontrar substâncias que fossem mais seletivas para o controle de algumas espécies de planta. Durante a Segunda Guerra Mundial os Estados Unidos e o Reino Unido direcionaram grandes esforços para desenvolver substâncias dessa natureza que pudessem ser utilizadas com fi nalidades militares. Nesse contexto, vários compostos clorofenoxiacéticos, tais como ácidos, sais, aminas e ésteres foram desenvolvidos e entre eles dois tiveram maior destaque. A mistura do 2, 4, 5-T e do 2,4-D caracterizou o produto conhecido em todo o mundo como agente laranja, utilizado pelo exército americano como desfolhante na guerra do Vietnã. Ambos os ingredientes tiveram uso na agricultura, contudo atualmente ape- nas o 2, 4-D ainda é comercializado, tendo em vista alguns problemas envolvidos na síntese do 2, 4, 5-T, tais como a geração de subprodutos à base de dioxina. As dioxinas são compostos organoclorados origina- dos como subprodutos em vários processos industriais. É um dos po- luentes orgânicos persistentes (POPs) mais debatidos mundialmente, principalmente por ser considerado altamente tóxico, com proprieda- des carcinogênicas e teratogênicas. Uma outra classe de herbicidas importante no contexto his- tórico são os compostos bipiridílicos. Entre esses, tem destaque o paraquat, sintetizado em 1882, mas tendo suas propriedades como herbicida somente comprovada em 1959. Esse composto também ficou conhecido como um específico toxicante pulmonar e se tor- nou objeto de estudo após vários casos de intoxicação com seres humanos. Atualmente, os compostos químicos para controle de ervas dani- nhas nas culturas agrícolas são os agrotóxicos mais utilizados em todo o mundo. Entre esses produtos encontram-se moléculas mais recente- 88 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL mente sintetizadas, tais como as triazinas (atrazina, simazina, etc.) e as glicinas substituídas (sais de glifosato). Os herbicidas se encontram entre as substâncias mais preocupan- tes do ponto de vista ambiental, particularmente devido as suas ca- racterísticas de mobilidade no solo, o que os leva frequentemente a serem mais facilmente detectados em águas subterrâneas. Nos Estados Unidos existe um programa nacional regular para monitoramento da presença de atrazina em águas subterrâneas, e por conta disso esse in- grediente ativo é classifi cado como de uso restrito nesse país. A utilização de herbicidas para o controle de plantas aquáticas em ambientes hídricos já é uma prática comum nos Estados Unidos, contu- do no Brasil essa aplicação ainda não se confi gurou como regular sendo tal assunto bem apresentado e discutido por Maximiano et alii (2004). A tabela 5.5 apresenta dados de toxicidade de alguns dos princi- pais herbicidas utilizados no Brasil. TABELA 5.5 TOXICIDADE DE ALGUNS HERBICIDAS PARA MAMÍFEROS Ingrediente Ativo DL50 Oral Ratos (mg/kg) NOEL* (mg/kg/dia) IDA** (mg/kg) Referência 2,4-D 639 5,0 0,005 Alaclor 930 0,5 0,01 Atrazina > 1 869 1,8 0,02 Diquat 600 0,5 0,005 USEPA, 2007 Diuron 4 721 1,0 0,003 Glifosato > 4 320 175,0 2,0 Simazina > 5 000 1,8 0,018 Trifl uralina > 5 000 2,4 0,024 * No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um teste crônico. ** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se consumida durante toda a vida, não ocasionará um efeito adverso. Fonte: USEPA (2007). CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 89 5.4 FUNGICIDAS Como o próprio nome diz, os fungicidas são utilizados para con- trolar doenças fúngicas nas plantas, sementes e outros produtos agrí- colas. As formas químicas desses compostos são extremamente variá- veis e sua aplicação envolve as fi nalidades de proteção e de cura. Com poucas exceções a maioria dos fungicidas não é a comprometedora do ponto de vista da toxicidade aguda para mamíferos (DL50 para ratos entre 800 mg/kg e 10 000 mg/kg), todavia, praticamente todos são citotóxicos e muitos produzem resultados positivos nos sistemas-teste de mutagenicidade in vitro com bactérias. Esses resultados não surpreendem, já que os microrganismos (Salmonella, coliformes, leveduras e fungos) utilizados nesses sistemas-teste são semelhantes às células contra as quais os fungicidas foram desenvolvidos para atuar, seja por intermédio de um efeito letal direto ou pela geração de mutações geneticamente letais. A preocupação existente reside nos resultados positivos para mutagenicidade de vários fungicidas e no potencial preditivo de efeitos reprodutivos, teratogênicos e carcinogênicos. Nesse contexto, vários produtos fungicidas têm sido reavaliados mundialmente e alguns até retirados do mercado em razão do potencial para efeitos crônicos dessa natureza. Entre os ingredientes ativos já ba- nidos e excluídos do comércio estão hexaclorobenzeno (HCB), pentaclo- rofenol, compostos organomercuriais e o benomil. Entre os ingredientes reavaliados e com redução de culturas proposta encontram-se captan, folpet, tiofanato metílico, carbendazim, vinclozolim, entre outros. Quanto aos produtos que permanecem em utilização,além de várias moléculas novas, encontra-se o grupo dos ditiocarbamatos, contendo ingredientes ativos, tais como mancozeb, maneb, metiram; o grupo triazol, com destaque para tetraconazole, difenoconazole, epo- xiconazole e tebuconazole, entre outros; o grupo dos benzimidazoles, com destaque para tiabendazol, carbendazim e tiofanato metílico, e ainda os compostos à base de cobre com amplo espectro de uso e o ingrediente ativo clorotalonil, pertencente ao grupo isoftalonitrila. A tabela 5.6 apresenta dados de toxicidade de alguns dos fungici- das utilizados no Brasil. 90 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL TABELA 5.6 TOXICIDADE PARA MAMÍFEROS DE ALGUNS FUNGICIDAS UTILIZADOS NO BRASIL Ingrediente Ativo DL50 Oral Ratos (mg/kg) NOEL* (mg/kg/dia) IDA** (mg/kg) Referência Clorotalonil >10 000 2,0 0,02 Carbendazim >10 000 2,5 0,025 Mancozeb >5 000 0,18 0,0002 Propiconazole 729 10,0 0,1 USEPA, 2007 Tiabendazole >2 000 10,0 0,1 Vinclozolin >10 000 1,2 0,012 Difenoconazole 1 453 0,96 0,01 USEPA, 2005b Epoxiconazole 3 160 2,0 0,02 USEPA, 2006 Tebuconazole 3 933 3,0 0,03 USEPA, 2005a Tetraconazole 1 031 0,73 0,0073 USEPA, 2005c * No Observed Effect Level – Valor máximo onde não foi observado efeito adverso em um teste crônico. ** Ingestão Diária Aceitável – Ingestão diária máxima de uma substância química que, se consumida durante toda a vida não ocasionará um efeito adverso. Fonte: USEPA (2005a, 2005b e 2005c; 2006; 2007). 5.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, os produtos agrotóxicos de uso agrícola são registrados no âmbito de três ministérios para os quais são apresentados os estu- dos necessários ao processo de registro. O Ministério da Agricultura é responsável pela avaliação da efi ciência e da praticabilidade, o Mi- nistério da Saúde através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) é responsável pela avaliação toxicológica e de segurança para seres humanos e fi nalmente o Ministério do Meio Ambiente atra- vés do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que responde pela avaliação ecotoxicológica e de segurança ambiental do produto. É fato que no Brasil, ainda não se processa a avaliação de risco dos agrotóxicos, como ocorre nos países desenvolvidos, mas o Decreto CAPÍTULO 5 – AGROTÓXICOS ►◄ 91 no 4.074, de 4 de janeiro de 2002, prevê a elaboração desse critério. Em todo caso, os estudos realizados durante o processo de registro, for- necem informações para se defi nir as melhores formas de utilização e de manuseio que, em geral, são apresentadas nos rótulos e nas bulas dos produtos e devem ser cumpridas, de modo a garantir a efi ciência e a segurança do usuário e do meio ambiente. Entre essas informa- ções destacam-se os equipamentos de proteção a serem utilizados; o intervalo de reentrada na plantação após a aplicação dos produtos; o intervalo de segurança entre a última aplicação e a comercialização; instruções sobre primeiros socorros em caso de intoxicação; telefones de emergência e do centro de informações toxicológicas mais próximo; além de cuidados de proteção ao meio ambiente, como instruções so- bre o armazenamento do produto e descarte de embalagens vazias. Atualmente, com a preocupação existente acerca da produção e do uso de uma infi nidade de substâncias químicas que vem contami- nando cada vez mais o nosso planeta, tecnologias alternativas menos poluentes, tais como utilização de produtos à base de microrganismos, feromônios de insetos e a agricultura orgânica têm sido bastante esti- muladas, com exigências bem mais simplifi cadas do que as existentes para os agrotóxicos químicos convencionais. De qualquer modo, é importante ressaltar que as crescentes exi- gências internacionais quanto à diminuição dos impactos ambientais, a redução nos níveis de resíduos de agrotóxicos nos alimentos e a uti- lização de mão de obra infantil na agricultura tendem a aumentar, e poderão afetar a importação e o consumo de produtos brasileiros nos países desenvolvidos, se nada for feito para modifi car tendências como essas. Assim sendo, o agricultor e o público em geral precisam estar conscientes de que os agrotóxicos, como o nome diz, são produtos tó- xicos, que mesmo não causando um efeito agudo, poderão gerar um dano crônico, após um longo período de exposição. Além disso, existe a preocupação ambiental, como a contaminação das águas, por exem- plo, que pode ocasionar eliminação de espécies ou mesmo acumulação ao longo da cadeia alimentar, eventos esses que, mais cedo ou mais tarde, podem voltar ao próprio homem através do consumo de água ou de alimentos contaminados. 92 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL O conhecimento sobre o produto que está sendo aplicado pode ser a melhor ferramenta que o usuário possui, pois desse modo, passa a ter mais informações para buscar uma otimização de uso, sem exa- geros, e para procurar as condições seguras de trabalho, minimizando assim os riscos de efeitos adversos à saúde e ao meio ambiente. REFERÊNCIAS CONSULTADAS AERU (AGRICULTURE & ENVIRONMENTAL RESEARCH UNIT). Pesticides Properties Database. Zeta-Cypermethrin. Disponível em: . Acesso em: 28 jul. 2010, 2010. ECOBICHON, D. J. Toxic Effects of Pesticides. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: MacMillan Publishing Company, p. 643-690, 1996. JMPR (JOINT MEETING ON PESTICIDE RESIDUES). Monographs of toxicological evaluations. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2005, 1978-2002. KLAASSEN, C. D. Nonmetallic Environmental Toxicants: Air Pollutants, Solvents and Vapors, and Pesticides. In: HARDMAN, J. G.; LIMBIRD, L. E.; GILMAN, A. G. (Eds.). Goodman and Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. New York: McGraw-Hill, p. 1877-1902, 2001. MAXIMIANO, A. A.; FERNANDES, R. O.; NUNES, F. P.; ASSIS, M. P.; MATOS, R. V.; BARBOSA, C. G. S.; OLIVEIRA-FILHO, E. C. 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Planaltina, DF: Embrapa Cerrados, 2006. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Reregistration eligibility decision for temephos. Disponível em: . Acesso em: 15 jul. 2005, 2000. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Tebuconazole; Notice of Filing a Pesticide Petition to Establish a Tolerance for a Certain Pesticide Chemical in or on Food. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2007, 2005a. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Difenoconazole; Pesticide Tolerance. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2007, 2005b. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Tetraconazole; Time-Limited Pesticide Tolerance. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2007, 2005c. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTALPROTECTION AGENCY). Pesticide Fact Sheet Epoxiconazole. Disponível em: . Acesso em: 29 mar. 2007, 2006. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Pesticides Reregistration Status. Disponível em: . Acesso em: 23 mar. 2007, 2007. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Cyhalothrin. Environmental Health Criteria 99. IPCS – International Programme on Chemical Safety, Geneva: WHO, 1990. C A P Í T U L O 6 Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos Annibal Duarte Pereira Netto CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 97 Hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) são substâncias tóxicas persistentes ubíquas no meio ambiente, cuja importância está relacionada às propriedades carcinogênicas e/ou mutagênicas que muitos deles e/ou seus derivados apresentam. 6.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS HPAs compõem uma família de substâncias químicas que, por defi nição, são formadas apenas por carbono e hidrogênio, com estru- tura contendo pelo menos dois anéis aromáticos fundidos. De acordo com esta defi nição, o menor HPA é o naftaleno cuja molécula apre- senta dois anéis aromáticos. Diversos HPAs são carcinogênicos para seres humanos. Na fi gura 6.1 estão representados HPAs de interesse ambiental, incluindo os 16 considerados prioritários pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA). Embora a defi nição acima exclua substâncias heteroaromáticas, ou seja, aquelas que contêm heteroátomos (O, N, S) nos anéis aromáticos, muitas destas substâncias ocorrem associadas aos HPAs, em amostras de origem ambiental. Ademais, nestas amostras e devido às reações que os HPAs podem sofrer, também ocorrem outras substâncias po- licíclicas aromáticas derivadas dos HPAs como é o caso de derivados nitrados (NHPAs) ou de derivados oxigenados (OHPAs). Exemplos destas substâncias e de seus efeitos são apresentados na tabela 6.1 e na fi gura 6.2. As propriedades químicas e físico-químicas dos HPAs são fun- damentais para a compreensão e a avaliação do comportamento am- biental e toxicológico destas substâncias. Estas propriedades são de- terminadas pela estrutura química dos HPAs e pelos seus sistemas de elétrons conjugados, que variam com o número de anéis e, portanto, com seus pesos moleculares. Todos os HPAs são sólidos, pois têm pontos de fusão maiores que a temperatura ambiente. Seus pontos de ebulição também são elevados. As temperaturas do ponto de fusão e do ponto de ebulição aumentam com os pesos moleculares dos HPAs. Diversos HPAs, en- tretanto, podem sofrer sublimação e o naftaleno é o exemplo mais co- nhecido dentre todos. 98 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL FIGURA 6.1 Estruturas de HPAs. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 99 TABELA 6.1 FAMÍLIAS DE SUBSTÂNCIAS DERIVADAS DE HPAs OU RELACIONADAS AOS HPAs Famílias de Substâncias Fontes Exemplos Observações HPAs Combustão Pireno, benzo(a)pireno Carcinogênicos NHPAs Combustão; fotoquímica 1-Nitropireno 2-Nitropireno Carcinogênicos e/ou mutagênicos Cetonas Combustão Benzantrona Pouco efeito Quinonas Combustão 7,12-benzantracenodiona Pouco efeito Aldeídos Combustão 1-pirenocarboxaldeído Pouco efeito Azarenos Combustão; outras fontes Benz(c)acridina Carcinogênicos Nitrozarenos Combustão; fotoquímica Nitrobenzoazapireno Informações limitadas Cetonas nitradas Combustão; fotoquímica 3-nitrobenzantrona Carcinogênicos e/ou mutagênicos FIGURA 6.2 Derivados de HPAs (NHPAs e OHPAs). A solubilidade em água diminui com o aumento do tamanho da molécula e com exceção do naftaleno, que é relativamente solúvel (32 mg/L), HPAs têm baixa solubilidade em água, mas são solúveis em vários solventes orgânicos como diclorometano, hexano, etc. HPAs são altamente lipofílicos e suas afi nidades por fases orgâni- cas, lipofílicas, expressas por meio do coefi ciente de partição octanol- água (Kow), são elevadas (log Kow entre 3,4 a 7,1 e Kow entre 2,5.103 e 1,3.107) e aumentam com seus pesos moleculares. Estes altos coefi cien- 100 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL tes de partição indicam que tendem a se dissolver em fases apolares em detrimento de fases aquosas. Uma consequência de interesse toxi- cológico deste fato é a absorção de HPAs através da pele. Os coefi cientes de partição entre carbono orgânico e a água (Kcow) dos HPAs também são elevados e, como resultado, em sistemas aquo- sos, estas substâncias tendem a concentrar-se em sedimentos ou a per- manecer associados à matéria orgânica em suspensão. A pressão de vapor e a constante de Henry também diminuem com o aumento do peso molecular. Como refl exo destes fatos, HPAs com dois ou três anéis tendem a concentrar-se na fase gasosa do ar, com quatro anéis distribuem-se entre as duas fases do ar enquanto os formados por cinco ou mais anéis concentram-se principalmente no material particulado atmosférico (MPA). No meio ambiente, HPAs são substâncias relativamente inertes e as reações mais comuns de que participam são as reações de substi- tuição ou de adição eletrofílica. Como as reações de adição destroem a aromaticidade do sistema conjugado reduzindo a estabilidade da mo- lécula, elas são, muitas vezes, seguidas por reações de eliminação que regeneram o sistema aromático e dão origem a um produto fi nal de substituição. Um exemplo típico desta situação é a formação de 2-ni- tropireno na atmosfera (fi gura 6.3). FIGURA 6.3 Formação de 2-nitropireno na atmosfera. Fonte: Pitts Jr. (1987). CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 101 6.2 FONTES DE EMISSÃO HPAs são emitidos para o ambiente por diversas fontes (antropo- gênicas ou naturais) que incluem, entre outras: a) Pirólise ou queima de matéria orgânica recente (lenha, vegeta- ção) ou fóssil (petróleo e derivados, carvão), por causas naturais (incêndios naturais de fl orestas) ou antropogênicas (uso de car- vão ou lenha para cozinhar, uso de combustíveis, queimadas). b) Derramamento de petróleo durante sua extração, transporte ou processamento. c) Industrial, no coqueamento de carvão e na aplicação e/ou sín- tese de HPAs. d) Na disposição de resíduos domésticos ou industriais. e) Vulcões e áreas de alta atividade (hidro)geotérmica. f) Produção de alumínio, ferro e aço e outras fundições. g) Queima de resíduos sólidos. h) Fumaça de cigarros. A biossíntese de HPAs, embora tenha sido sugerida por alguns autores, é relativamente controversa, mas pode também representar uma fonte destas substâncias ou de seus derivados para o ambiente. As fontes acima têm importância relativa diferente que dependem das próprias características de cada fonte e de outros fatores (econômi- cos, sociais e naturais) que variam quando diferentes locais são compa- rados. Por exemplo, nem todos os HPAs são utilizados industrialmen- te e, portanto, esta é uma fonte mais importante para HPAs de baixo peso molecular, como naftaleno e fenantreno. O uso de carvão ou lenha para cozinhar é importante em alguns locais, embora na maior parte das grandes cidades do Ocidente tenha importância relativa pequena. A emissão de HPAs por queima de bio- massa é importante em áreas onde ocorre frequentemente, como é o caso no Brasil em locais próximos a regiões onde há agricultura de cana-de-açúcar ou em áreas de desmatamento por queimadas. A emissão de HPAs por fontes antropogênicas tende a ser maior que por fontes naturais. Suas principais causas foram revistas recen- temente e incluem diversos processos, mas a combustão incompleta 102 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL por fontes estacionárias e móveis é, provavelmente, a mais importante delas por sua ampla distribuição e pelas quantidades emitidas. Em alguns destes processos também podem ser formados deriva- dos de HPAs e compostos heteroaromáticos que ocorrem associados aos HPAs em amostras ambientais. 6.2.1 Formação de HPAs Processos pirolíticos ou de combustão incompletaformam HPAs quando a matéria orgânica é aquecida. A formação de HPAs ocorre por meio de radicais livres, envolvendo uma sequência de reações de diversos tipos (condensação, fechamento de anéis, etc.) que levam à estabilização das espécies altamente reativas formadas. Embora a pi- rólise de moléculas pequenas, como o metano ou o acetileno, possam levar à formação de HPAs, certas moléculas aromáticas maiores tam- bém podem servir de ponto de partida para HPAs mais complexos. A formação de benzo[a]pireno por pirólise do acetileno ou de qualquer um dos intermediários da reação foi demonstrada no fi nal da década de 1950 e ilustra bem este fato (fi gura 6.4). FIGURA 6.4 Formação de benzo[a]pireno por pirólise do acetileno. Fonte: Badger et alii, 1958. A presença de substâncias contendo heteroátomos (O, N e S) na matéria orgânica original pode levar à formação de substâncias heteroaromáticas. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 103 As características dos HPAs formados dependem das tempera- turas envolvidas, do tempo de reação e da matéria orgânica original. Um aspecto particularmente dependente da temperatura é o número e o comprimento das cadeias alifáticas ligadas aos anéis, pois em altas temperaturas estas cadeias se tornam pouco estáveis e há diminuição de seus comprimentos, privilegiando grupamentos pequenos como o grupo metila e HPAs não alquilados. Processos lentos e em baixas temperaturas, como a formação de petróleo, favorecem a produção de alquil-derivados de HPAs. Proces- sos em altas temperaturas, como o coqueamento de carvão, levam à quebra das cadeias alifáticas e favorecem a formação de HPAs não al- quilados. Em temperaturas intermediárias, como na queima de lenha, há formação de HPAs alquilados com cadeias curtas e de HPAs não alquilados. Nos HPAs, os anéis aromáticos podem ter arranjos de três tipos: linear (A), angular (Fe) ou agrupado (Pi) (como mostrado na fi gura 6.1). As estruturas lineares são as menos estáveis enquanto as angula- res e as agrupadas são as mais estáveis e predominam se houver tem- po sufi ciente para que o equilíbrio (termodinâmico) do sistema seja alcançado. Assim, pelo menos em princípio, em amostras de origem am- biental, podem ser encontrados HPAs com os três tipos de arranjos de anéis, mas as concentrações daqueles que têm estruturas lineares são geralmente muito menores do que os não lineares, devido às me- nores estabilidades das estruturas lineares. Em amostras ambientais, as concentrações de naftaleno (dois anéis) tendem a ser maiores que as de antraceno (três anéis), enquanto tetraceno (quatro anéis) não é encontrado nestas amostras, pois tem estabilidade relativa menor que seus isômeros trifenileno, benzo[a]antraceno e criseno. No caso da queima de combustíveis fósseis, uma das principais fontes de HPAs para o ambiente, embora as temperaturas alcançadas sejam sufi cientemente elevadas para permitir a formação de HPAs, não há tempo sufi ciente para que as estruturas mais estáveis se tornem as predominantes. Neste caso e de um modo geral, embora as cadeias alifáticas estejam ausentes ou sejam curtas (grupos metila), há forma- ção de moléculas com arranjo angular ou grupado. 104 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 6.3 CINÉTICA E DINÂMICA DOS HPAs Uma vez introduzidos no ambiente, HPAs podem contaminar todos os compartimentos ambientais em proporções que dependem de diversos fatores. Assim, por exemplo, estimativas da contaminação por HPAs em mar aberto, onde há intensa exploração petrolífera, indi- cam que o aporte por meio desta atividade é cerca de 1,5 vez maior que por deposição atmosférica. A acumulação direta de HPAs pela biota, solo e sedimentos é lo- calizada e contrasta com o transporte que podem sofrer na água e no ar. Na água, são transportados por sedimentos e pela matéria orgânica em suspensão enquanto na atmosfera, são transportados por grandes distâncias em fase gasosa e/ou associados a partículas atmosféricas. Na atmosfera também podem ocorrer outros processos que serão dis- cutidos adiante. A tabela 6.2 apresenta uma estimativa da emissão de HPA para a atmosfera por diversas fontes na Inglaterra, em 1993. Como se pode ver, elas têm importância relativa diferente, mas a combustão domés- tica de carvão e madeira e a emissão por veículos automotores são bastante importantes. Caso estes dados sejam comparados com da- dos do Brasil, possivelmente a queima de carvão terá importância muito menor. De um modo geral, no entanto, a importância relativa de cada fonte de emissão depende das características industriais e econômi- cas da região considerada, assim como as estimativas em termos de contribuição líquida ou percentual de cada fonte no total de HPA emi- tidos variam de autor para autor. Outros fatores responsáveis pelas diferenças observadas podem estar relacionados às características das próprias metodologias empregadas e também à qualidade e à quanti- dade de dados disponíveis para as estimativas de emissão, pois estas sofrem variações sazonais e de longo termo, além do que diferenças de características de microrregiões (bairros ou áreas de uma cidade) que também afetam estas estimativas. Cerca de 1 % do total de HPAs emitidos permanecem na atmosfe- ra, distribuídos entre a fase gasosa e o material particulado atmosférico (MPA), dependendo de suas pressões de vapor e da temperatura. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 105 TABELA 6.2 INVENTÁRIO DAS EMISSÕES DE HPAs NA INGLATERRA, EM 1993 Emissão Estimada de HPAs Processo Toneladas % min# % máx$ Queima de carvão residencial 110–280 29,41 20,28 Produção de alumínio 100* 26,74 7,24 Emissão veicular 50–470 13,37 34,04 Plantas de produção de coque (coquerias) 47–90 12,57 6,52 Queima doméstica de madeira 26–320 6,95 23,18 Queima de pneus usados 23* 6,15 1,67 Fogos naturais 8* 2,14 0,58 Unidades de sinterização 4,6* 1,23 0,33 Queima de palha de plantação de cereais 4–10 1,07 0,72 Produção de energia (por queima de óleo) 0,8 0,21 0,06 Produção de energia (por queima de carvão) 0,2–9 0,05 0,65 Queima de madeira por indústrias 0,2–65 0,05 4,71 Produção de betume 0,13* 0,03 0,01 Gases emitidos em depósitos de resíduos sólidos 0,06–0,08 0,02 0,01 Incineração de resíduos sólidos domésticos 0,05–0,7 0,01 0,05 Fornos elétricos (produção de aço e ferro) 0,03–4 0,01 0,29 Queima de carvão industrial e comercial 0,01–0,7 0,00 0,05 Incineração de resíduos químicos 0,005–0,07 0,00 0,01 Incineração de resíduos hospitalares 0,004–0,06 0,00 0,00 Incineração de lama de tratamento de esgoto 0,001–0,02 0,00 0,00 Crematórios s.d. s.d. s.d. Indústria química s.d. s.d. s.d. Produção de cimento, cerâmicas e tijolos s.d. s.d. s.d. Produção de metais não ferrosos (excluindo o alumínio) s.d. s.d. s.d. Queima de resíduos de óleo s.d. s.d. s.d. Regeneração de carvão ativo s.d. s.d. s.d. Total 380–1 400 380 1 400 (*) Baseado em apenas uma estimativa. (#) Percentagem calculada a partir dos valores mínimos. ($) Percentagem calculada a partir dos valores máximos. s.d. Sem dados disponíveis. Fonte: APARG (1995). 106 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Atualmente há dados sobre as concentrações de HPAs na atmos- fera de vários locais do mundo para o MPA, para a fase gasosa ou para ambas as fases (concentrações totais). Em zonas frias e temperadas, variação sazonal das concentrações tem sido observada, com aumento de concentrações totais durante o inverno. Fatores como o período de amostragem (diurno e noturno), horário ao longo do dia, condições meteorológicas e climáticas (chuvas, ventos, etc.), também afetam os valores observados. No Brasil, em áreas onde há plantio de cana-de- açúcar, a queima durante a colheita leva ao aumento signifi cativo das concentrações de HPAs na atmosfera neste período. Em outras áreas, não há variação sazonal de concentrações bem defi nidas. HPAs podem sofrer diversos processos na atmosfera, tais como transporte, remoção e transformaçõesquímicas por reações secundá- rias com espécies químicas presentes na atmosfera. Estes processos têm importância ambiental, pois possibilitam a difusão dos HPAs, a formação de outras substâncias químicas e o decaimento de suas con- centrações na atmosfera. Novas classes de substâncias policíclicas aromáticas (SPAs) são formadas por meio de reações de HPAs com O3, SOx, NOx e radicais OH presentes na atmosfera, onde também podem sofrer oxidação (química) e alterações fotoquímicas. Estas reações podem ocorrer em fase gasosa ou na fase condensada. As reações atmosféricas dão origem a SPAs que geralmente têm maior polaridade que os HPA originais como nitro-HPAs (NHPAs), cetonas, quinonas, lactonas (OHPAs), etc., com propriedades carci- nogênicas que são, muitas vezes, mais acentuadas que as dos HPAs originais. Felizmente, as concentrações destas substâncias no meio am- biente são geralmente uma a duas ordens de grandeza menores que as dos HPAs originais. A síntese de novos compostos na atmosfera por meio destas reações pode ser ilustrada pela formação de 2-nitropireno (conforme mostrado anteriormente na fi gura 6.3). Esta reação não é a única fonte de NHPAs para a atmosfera, pois estes também podem ser formados durante a queima de óleo diesel em função das altas temperaturas atingidas e pela formação de óxidos de nitrogênio na queima deste combustível. É interessante observar que os NHPAs produzidos na queima de combustíveis e por reações CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 107 fotoquímicas têm estruturas diferentes em função dos mecanismos en- volvidos nos dois casos (adição eletrofílica e reação via radicais livres). Diversos aspectos relativos à formação e determinação de NHPAs em amostras ambientais têm sido estudados, pois estas substâncias são de modo geral mais mutagênicas que diversos HPAs. A formação de cetonas e quinonas foi observada na queima de madeira e há formação de cetonas em motores de combustão. Por exemplo, 6-H-benzo[c,d]piren-6-ona e 7-H-benz[d,e]antracen-7-ona (benzantrona) foram encontradas em partículas de fuligem emitidas por motores de aviões. HPAs e seus derivados podem ser transportados por longas dis- tâncias em fase gasosa e na fase particulada do ar (adsorvidos à su- perfície de partículas atmosféricas), depositando-se fi nalmente sobre superfícies nos demais compartimentos ambientais. Por meio do trans- porte atmosférico, uma região pode ser contaminada pela emissão de outra. Nos países nórdicos, por exemplo, o transporte de HPAs emi- tidos no continente europeu e na Inglaterra é considerado o principal responsável pela contaminação ambiental por estas substâncias. HPAs atmosféricos depositam-se sobre as superfícies de vegetais, corpos d’água e do solo. A remoção por deposição úmida dos HPAs associados a partículas atmosféricas é mais efi ciente que para os HPAs da fase gasosa. Ademais, além da deposição atmosférica devem ser também consideradas fontes locais e emissões diretas como, por exem- plo, efl uentes de uma determinada indústria para um dado corpo d’água. Em águas, devido a sua baixa solubilidade, HPAs encontram-se principalmente associados a sedimentos em suspensão e suas concen- trações dependem fortemente das características de ocupação e uso da região em questão. A presença de HPAs em águas também tem outro signifi cado, pois em lagos já foram observadas concentrações de derivados clorados de HPAs da ordem de ng/L e pode haver formação destes derivados na cloração (para tratamento) de águas poluídas. Este fato é relevante, pois muitas substâncias cloradas têm propriedades mutagênicas. O solo parece ser o principal depositário de HPAs, pois suas con- centrações neste compartimento, mesmo em locais afastados das fon- 108 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL tes de emissão, são signifi cativas. Solos de áreas expostas a emissões industriais e em locais que sofrem queimadas de vegetação podem apresentar altos níveis de HPAs. O mesmo ocorre em áreas industriais abandonadas e também em locais que recebem o depósito de resíduos de origem domiciliar e/ou industrial. Solos de áreas com atividades relacionadas à exploração, processamento ou armazenamento de pe- tróleo e outros materiais contendo HPAs também estão sujeitas à con- taminação por estas substâncias. Dados demonstram que grande parte dos HPAs emitidos para a atmosfera (aproximadamente 95 %) é depositada no solo, onde perma- necem associados à matéria orgânica. De um modo geral, dada a sua baixa solubilidade em água, os HPAs sofrem pouca percolação para as camadas mais profundas do solo. Diversos processos, entretanto, con- tribuem para a redução dos seus níveis em solos, pois podem retornar à atmosfera por ressuspensão de partículas depositadas ou por reeva- poração, como ocorre com os de menores pesos moleculares. Outro processo que leva à redução dos níveis de HPAs em solos é sua decomposição por diferentes microrganismos, o que também de- pende das moléculas envolvidas, pois é mais efi caz em HPAs de me- nor peso molecular (mais hidrossolúveis), como naftaleno, fenantreno e antraceno. Este fato não implica que, necessariamente, as substâncias formadas sejam menos tóxicas que os HPAs originais. De qualquer modo, os HPAs mais pesados que têm maior estabilidade, menor pres- são de vapor e menor solubilidade, tendem a ter suas concentrações aumentadas ao longo do tempo no solo. Há deposição de HPAs em solos urbanos ou não. Por exemplo, em amostras de solo coletadas em áreas urbanas foram observadas concentrações de diferentes HPAs entre 10 μg/kg e 600 μg/kg. Em so- los próximos a rodovias, há redução das concentrações de HPAs com o aumento da distância a estas rodovias. Em fl orestas, próximo a uma planta industrial, foi observada diminuição nos níveis de HPAs com o aumento da distância à fonte, o que também ocorria com a fauna do solo. Em poeira de rua, que sofre infl uência de diversas fontes, foi ob- servado que concentrações de HPAs dependiam das características da região de amostragem e que no inverno eram maiores que no verão. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 109 Ao comparar amostras de poeira de rua coletadas em área residencial e em área de intenso tráfego urbano, foi observado que nesta havia maiores níveis de HPAs e de compostos heterocíclicos sulfurados, ba- sicamente oriundos da exaustão de veículos automotores. HPAs depositados no solo podem ser transportados por dre- nagem superfi cial de águas pluviais (run-off), contaminando corpos d’água, sedimentos e biota aquática. Diferentes perfi s de HPAs podem ser observados, dependendo da importância dos diferentes tipos de contribuições em cada local. Assim, em sedimentos costeiros no Mar Mediterrâneo, foi observado que nas frações de maior mutagenicida- de, origem pirolítica predominava, tendo sido atribuída a contamina- ção dos sedimentos à drenagem superfi cial e à deposição atmosférica. Resultados obtidos na análise de HPAs em sedimentos lacustres demonstraram que os perfi s de HPAs em sedimentos recentes eram completamente diferentes dos observados em sedimentos mais pro- fundo e mais antigos, que tinham composição semelhante às do solo da região. Estes resultados indicaram predominância de deposição atmosférica nos solos e sedimentos antigos, em contraposição aos se- dimentos recentes onde a contribuição de resíduos industriais tinha maior importância. Em certas áreas, a contribuição da exploração e transporte de petróleo bruto também pode ser considerada como uma das fontes de HPAs para águas e sedimentos. A presença de HPAs em águas de drenagem superfi cial e sedi- mentos indica que os sedimentos podem funcionar como sumidouro de HPA, mas que também podem representar uma fonte de contami- nação de águas, plantas e animais. Além de HPAs, outros grupos de substâncias químicas, como as bifenilas policloradas (PCBs), dibenzodioxinas e dibenzofuranos po- liclorados (PCDD/Fs) já foram descritos em plantas.Este fato tem di- versos signifi cados, pois estas substâncias são removidas da atmosfe- ra por plantas e podem ser ingeridas através de vegetais comestíveis. Ademais, em alguns casos, plantas podem ser usadas como indicado- ras de poluição atmosférica. De um modo geral, a acumulação de substâncias químicas pela vegetação pode ocorrer através de vários processos, como absorção pela camada lipídica das folhas a partir da fase gasosa, diretamente 110 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL na superfície da vegetação; deposição do material particulado do ar atmosférico na superfície de troncos e/ou de folhas; ou por absorção a partir do solo contaminado, através das raízes e posterior transporte pelo xilema. Este último mecanismo, que parece ser o predominante na absorção de substâncias de maior polaridade a partir do solo, tem im- portância relativa menor para HPAs que são pouco solúveis em água. Assim, a presença de HPAs em plantas pode ser atribuída a dois mecanismos básicos: a deposição de partículas atmosféricas na super- fície de vegetais (troncos e folhas) e um processo misto de adsorção e dissolução nos lipídios da superfície das folhas de vegetais. Com base na análise de HPAs em plantas, foi estimado que elas seriam responsáveis pela remoção de parcela signifi cativa do total de HPAs emitidos para a atmosfera. Foi sugerido também que a partir das plantas, estas substâncias seriam incorporadas e imobilizadas no solo e removidas da atmosfera. As concentrações de HPAs em plantas dependem da temperatura e das suas concentrações na fase gasosa e a distribuição entre as duas fases (planta e fase gasosa) obedece à Lei de Henry. Foi observada uma boa correlação das somas das concentrações de HPAs carcinogênicos na atmosfera e em folhas de algumas plantas. Foi verifi cada uma variação sazonal dos níveis de HPAs em folhas de plantas provenientes de uma área com intenso tráfego, com correlações signifi cativas das concentrações de certos HPAs pesados em material particulado e folhas. Estes resultados demonstram que a deposição de HPAs em plan- tas depende das concentrações atmosféricas e consequentemente dos níveis de poluição atmosférica, possibilitando que as concentrações de HPAs em plantas possam ser utilizadas como indicadoras dos níveis de poluição atmosférica. No caso de animais, a acumulação de HPAs ocorre por diferentes vias e depende fortemente da capacidade do organismo (em questão) de metabolizá-los ou não, o que varia amplamente entre os diferentes organismos. Organismos aquáticos acumulam HPAs a partir de sedimentos, água e alimentos, embora a importância relativa destas fontes não es- teja clara. As razões das concentrações dos diversos HPAs em orga- CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 111 nismos e sedimentos são variáveis. Em organismos terrestres também foi observada bioacumulação de HPAs. Assim, em regiões onde o solo tinha altas concentrações destas substâncias, elas se acumularam em minhocas. Biomagnifi cação também foi observada em sistemas fechados arti- fi ciais para BaP (benzo[a]pireno) e para outros HPAs com fatores eleva- dos (30 a 140 000) dependendo do nível trófi co e do HPA considerado. A biotransformação de HPAs em organismos vivos é relativa- mente conhecida e pode representar um meio de redução dos níveis ambientais destas substâncias. Entretanto, a metabolização pode ter dois papéis antagônicos nestes organismos: a) Pode levar à formação de substâncias mais tóxicas. b) Pode servir como mecanismo de detoxifi cação. A biotransfor- mação também abre a possibilidade do uso de microrganismos em processos de remediação. Reações fotoquímicas representam outro processo de degradação de HPAs no ambiente. Quando estas substâncias estão depositadas sobre superfícies ambientais, a evaporação é a primeira etapa do pro- cesso, pois estas reações ocorrem principalmente em fase gasosa. Este parece ser o principal mecanismo de degradação de HPAs, embora muitas vezes as substâncias formadas possam ser biologicamente mais ativas (pró-carcinogênicas e/ou mutagênicas) que as originais, como no caso de NHPAs. 6.4 EXPOSIÇÃO HUMANA A exposição humana (e de outros animais) a HPAs ocorre por diferentes vias. As mais importantes são: a inalação de ar poluído e a ingestão de alimentos ou de água contaminada. No caso de seres humanos, outros importantes modos de exposição aos HPAs são o hábito de fumar, a inalação (passiva) de fumaça de cigarros e a expo- sição ocupacional em atividades e processos envolvendo a produção ou o manuseio de matérias-primas ou resíduos que contenham estas substâncias. 112 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Foi estimado que cerca de 20 a 50 % do total de HPAs ingeridos pelos seres humanos provêm da alimentação e que um ser humano de 60 kg tem uma carga total corpórea de cerca de 3 μg de benzo[a]pireno. HPAs já foram detectados em alimentos brutos e processados. Sua presença em alimentos brutos de origem vegetal pode ser creditada à deposição atmosférica. Animais aquáticos, como mexilhões e ostras que tendem a acumular HPAs podem, eventualmente, representar outra forma de aporte destas substâncias a seres humanos e outros animais. Em alimentos processados, a presença de HPAs está associa- da ao alimento in natura ou ainda a alguma etapa de processamento, como é o caso da defumação ou fritura dos alimentos. Como já foi discutido, na atmosfera, HPAs estão distribuídos en- tre a fase gasosa e o MPA em função das condições ambientais (princi- palmente da temperatura) e das constantes físico-químicas de cada um. Parte dos HPAs se concentra nas partículas de MPA de menor diâmetro aerodinâmico, que, devido às características do sistema respiratório (hu- mano), são capazes de atingir as vias respiratórias internas onde os pro- cessos de eliminação de HPAs associados às partículas são mais lentos. Como as substâncias que tendem a concentrar-se em partículas são as de maior peso molecular (menos voláteis), para as quais se tem maior interesse toxicológico por serem geralmente as mais carcinogê- nicas (tabela 6.3), e como os processos de combustão (principalmen- te em veículos) tendem a formar partículas muito fi nas, a inalação de HPAs através da respiração é uma fonte importante de exposição. Como consequência, substâncias marcadoras de exposição aos HPAs (1-hidroxipireno, por exemplo) têm sido observadas em urina de pes- soas que vivem ou trabalham em áreas poluídas e de alta contamina- ção atmosférica por HPAs. Além da exposição ambiental, também deve ser considerada a ex- posição ocupacional por contato com fuligem, alcatrão e óleos, princi- palmente os que estiveram sujeitos a processos térmicos, como óleos lu- brifi cantes usados ou óleos de pirólise. Por exemplo, óleo de pirólise de xisto é classifi cado pela Agência Internacional de Pesquisa em Câncer como carcinogênico. Atividades em fundições, coquerias, na produção de alumínio, siderurgia e pavimentação de vias também podem levar à exposição ocupacional a HPAs. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 113 TABELA 6.3 PROPRIEDADES CARCINOGÊNICAS E MUTAGÊNICAS DE HPAs SELECIONADOS HPA Carcinogenicidade% Genotoxicidade# Mutagenicidade& Fluoreno I L - Fenantreno I L + Antraceno N N - Fluoranteno N L + Pireno N L + Benzo[a]antraceno S S + Criseno L L + Trifenileno I I + Benzo[b]fl uoranteno S I + Benzo[j]fl uoranteno S I + Benzo[k]fl uoranteno S I + Benzo[e]pireno I L + Benzo[a]pireno S S + Perileno I I + Indeno[1,2,3- c,d]pireno S I + Dibenzo[a,c]antraceno L S + Dibenzo[a,h]antraceno S S + Dibenzo[a,j]antraceno L I + Benzo[g,h,i]perileno I I + Coroneno I I + (%) Evidências de carcinogenicidade por experimentação em animais: sufi cientes (S) ou limita- das (L); ausência ou insufi ciência de dados (I); não carcinogênico (N). (#) Ensaios de genotoxicidade em curto prazo (deterioração de ADN, mutagenicidade, anomalias cromossômicas). Classifi cação idêntica à de carcinogenicidade.(&) Mutagenicidade no Teste de Ames. Resultados positivos (+), negativos (-). Fonte: IPCS (1998). Historicamente, inclusive, algumas das observações epidemioló- gicas mais antigas foram obtidas para cânceres em limpadores de cha- miné, sendo que nos resíduos de limpeza de chaminé, mais tarde, foi isolado BaP pela primeira vez. 114 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Do ponto de vista toxicológico, a principal importância dos HPAs são as evidências de sua associação a vários tipos de cânceres em seres humanos: pulmão, bexiga, colo, reto, esôfago, etc. Esta associação é suportada por estudos epidemiológicos em populações ocupacional- mente expostas e por estudos realizados com animais de laboratório. Independentemente do local do organismo onde ocorre a exposição, HPAs podem ser transportados por todo o organismo e podem levar a danos em outros locais (fi gura 6.5). HPAs não são diretamente carcinogênicos. A primeira etapa do mecanismo químico de carcinogênese destas substâncias é a ativação, ou seja, a formação de derivados que são os verdadeiros agentes carci- nogênicos e que têm grupos capazes de formar ligações com as bases do DNA. Dentre os diversos mecanismos de ativação de HPAs e de outras substâncias poliaromáticas, o mecanismo de ativação mais estudado é o que ocorre geralmente no citocromo P-450 quando substâncias poli-hidroxiladas são formadas. No caso do benzo[a]pireno, esta rea- ção é bem conhecida, passando pelas etapas ilustradas no esquema simplifi cado da fi gura 6.6. A estereoquímica dos diol-epóxidos forma- dos é fundamental na etapa seguinte que é a formação de aduto com o DNA e a forma (+)anti-7,8-diol-9,10-epóxido (I) é a única que possui atividade carcinogênica (fi gura 6.7). As estruturas II-IV do esquema desta fi gura não têm atividade carcinogênica e são eliminadas poste- riormente pelo organismo humano. O mecanismo de carcinogênese dos HPAs contrasta com o dos NHPAs que não precisam sofrer ativação no organismo. Neste caso a redução do grupo NO2 leva à formação de aminoderivados capazes de reagir com o DNA. É interessante observar também que, não necessariamente, toda a carga de HPAs ingerida é absorvida pelo organismo e, de modo geral, pode-se dizer que boa parte destas moléculas são excretadas. Neste caso devem ser levadas em conta várias características, tais como a forma ou o material no qual estão presentes, a estrutura de cada HPAs e a susceptibilidade individual a estas substâncias, pois há variabili- dade entre indivíduos, raças, sexos, idade, etc., para a mesma dose de exposição. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 115 FIGURA 6.5 Vias de exposição e destino de HPAs no organismo humano. Fonte: http: whqlibdoc.who.int/hq/200/WHO_PCS_008_pp105-205.pdf. 116 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Figura 6.6 Isômeros dos dihidroxidiois formados a partir do BaP. A estrutura I for- ma adutos com DNA. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 117 Figura 6.7 Representação do metabolismo de benzo[a]pireno. 118 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Do ponto de vista de contaminação humana e ambiental, os HPAs representam um problema bastante complexo e importante pois estão dispersos na atmosfera de todo o planeta e presentes nos demais com- partimentos ambientais em níveis variados, mesmo em regiões remo- tas. Muitas atividades humanas estão associadas à produção de HPAs. Em regiões urbanas, onde o uso de combustíveis em veículos e em outras atividades é acentuado e concentrado em áreas relativamen- te menores que as rurais ou não urbanas, há maior concentração de HPAs atmosféricos e de outros poluentes, como NOx e SO2 que podem levar à formação de algumas das substâncias mencionadas. Deste modo, o monitoramento e a determinação destas substân- cias na atmosfera e em outros compartimentos ambientais são de inte- resse para a avaliação das condições do meio ambiente de uma dada região ou cidade e têm interesse nítido com problemas de saúde pú- blica. 6.5 CONSIDERAÇÕES FINAIS HPAs são indiscutivelmente uma classe de substâncias tóxicas persistentes de grande interesse ambiental que estão distribuídas em todos os compartimentos ambientais como resultado de inúmeras atividades naturais e antropogênicas. A massa de dados relativos ao Brasil é ainda relativamente pequena (embora tenha crescido muito nos últimos 10 anos). Entretanto, vários artigos sobre HPAs no Brasil têm sido publicados na Química Nova, no Journal of Brazilian Chemical Society e em várias publicações internacionais nos últimos anos. HPAs são substâncias de interesse, pois podem ter efeitos impor- tantes sobre a saúde humana, com consequências sobre gastos e pro- blemas com saúde pública. Entretanto, há vários problemas relacio- nados à avaliação de efeitos de HPAs na saúde pública. Dentre eles se destacam o fato de que muitos dados epidemiológicos e de exposição tratam de apenas uma substância, enquanto a exposição quase sempre é relativa a um grupo destas substâncias químicas. Como efeito com- plicador, há também a exposição a outras substâncias que podem ter efeitos sinérgicos pouco conhecidos sobre os HPAs. CAPÍTULO 6 – HIDROCARBONETOS POLICÍCLICOS AROMÁTICOS ►◄ 119 De qualquer modo também é interessante que profi ssionais de di- ferentes áreas do conhecimento e ligados ao estudo de meio ambiente possam trabalhar de forma combinada e coerente na avaliação destas substâncias e de seus efeitos. REFERÊNCIAS CONSULTADAS APARG (AIR POLLUTION ABATEMENT REVIEW GROUP). Report on the abatment of toxic organic micropollutants (TOMPS) from stationary sources. UK:Oxfordshire, 1995. BADGER, G. M.; BUTTERY, R. G.; KIMBER, L. G. E.; MORITZ, A. G.; NAPIER, I. M. 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Training Module no 4. General Scientifi c Principles of Chemical Safety. Geneva: World Health Organization, 2000. Disponível em: [http://whqlibdoc.who.int/hq/2000/who_PCS_008_ pp105-205.pdf. Acesso em 06 set. 2011. LIMA, A. L. C.; FARRINGTON, J. W.; REDDY, C. M. Combustion-derived polycyclic aromatic hydrocarbons in the environment – a review. Environmental Forensics, v. 6, p. 109-131, 2005. 120 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL LOPES, W. A.; DE ANDRADE, J. B. Fonte, formação, reatividade e quantifi cação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPA) na atmosfera. Química Nova, v. 19, p. 497-516, 1996. PEREIRA-NETTO, A. D.; MOREIRA, J. C.; DIAS, A. E. X. O.; ARBILLA, G.; FERREIRA, L. F. V.; OLIVEIRA, A. S.; BAREK, J. Avaliação da contaminação humana por hidrocarbonetos policíclicos aromáticos (HPAs) e seus derivados nitrados (NHPAs): uma revisão metodológica. Química Nova, v. 23, p. 765-773, 2000. PITTS Jr., J. N. 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A avaliação ambiental, quando realizada periodicamente, é co- nhecida também como monitoramento ambiental. O monitoramen- to ambiental pode ser defi nido como a coleta, a análise e a avaliação sistemática de amostras ambientais, com o objetivo de determinar as concentrações dos contaminantes em um meio. Dessa forma, os pa- râmetros monitorados, a frequência e os pontos de coleta devem ser registrados e mantidos para permitir um acompanhamento dos resul- tados a eles relacionados ao longo do tempo de estudo. O monitoramento ambiental pode ser aplicado tanto para am- bientes internos (residências e ambientes de trabalho), como para am- bientes externos. As amostras coletadas no monitoramento ambiental externo são as citadas anteriormente e para o monitoramento ambien- tal interno podem ser utilizadas amostras, como ar, poeira e água de rede de abastecimento. No monitoramento de ambientes internos deve-se levar em consi- deração fatores como circulação do ar (fl uxo e velocidade da corrente de ar), temperatura e umidade no local estudado e tamanho da partí- cula – no caso das amostras de ar e poeira – e possíveis interferências no sistema da rede de abastecimento, para as amostras de água. O monitoramento ambiental pode embasar a investigação da avaliação de exposição, da cinética ambiental e dos efeitos tóxicos das substâncias, bem como a prevenção e o controle dos níveis ambientais encontrados que potencialmente poderão afetar a saúde humana. As- sim, o monitoramento passa a ser um importante mecanismo de con- trole para a identifi cação de um possível impacto que esteja ocorrendo ao longo do tempo, bem como para a prevenção de possíveis danos causados por esse impacto. A escolha dos locais de coleta das amostras em um monitoramen- to ambiental será função dos objetivos do monitoramento (avaliação 124 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL em curto prazo ou controle para prevenção de impactos em longo pra- zo) e da situação apresentada. Para tanto, deve-se levantar o maior nú- mero de informações sobre a área afetada, considerando-se uma série de fatores, como: • Localização e tipos de fontes de contaminação (pontuais ou difusas). • Fatores ambientais (climáticos, edáfi cos, etc.). • Principais compartimentos afetados e possíveis rotas de expo- sição humana. • Comunidades animais/vegetais afetadas. • Localização das populações humanas vizinhas. • Características físico-químicas do contaminante, etc. Em um monitoramento ambiental a escolha do número e a loca- lização dos pontos de amostragem de amostragem envolverá vários fatores. A amostra coletada deve ser representativa e todo cuidado precisa ser tomado para evitar contaminação adicional pelo ambiente e pelos instrumentos de coleta e análise, além da perda de material por adsorção nos recipientes onde as amostras serão acondicionadas antes de serem analisadas. A frequência da amostragem também será estabelecida de acordo com os objetivos propostos, com o meio amostrado, etc., e poderá ser: • Sistemática: semanal, mensal, anual, etc. • Intensiva: por hora ou diária. Com relação à água, ao solo e ao sedimento, pode-se realizar uma amostragem apenas de uma faixa superfi cial do meio ou uma coleta em sentido vertical, para uma análise estratifi cada. No caso do solo e do sedimento, a análise estratifi cada em diferentes profundidades ajudará a compor um perfi l da deposição do contaminante ao longo do tempo e sua capacidade de percolação. A amostragem de água pode ser simples (instantânea, onde o vo- lume coletado de uma só vez representará a amostra) ou composta (onde várias alíquotas coletadas por um determinado período – p. ex. de uma em uma hora – irão formar a amostra). Já os métodos utilizados para amostragem do ar são contínuos ou intermitentes, sendo os contínuos normalmente os mais usados. Na CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 125 amostragem do ar é importante que o amostrador esteja instalado ade- quadamente, abrigado da chuva, folhas de árvores, etc. 7.1 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM COMPARTIMENTOS ABIÓTICOS 7.1.1 Monitoramento na Água O monitoramento de um contaminante na água deve ser realizado pelo menos durante um período da estação seca e um período da es- tação chuvosa e os resultados podem não ser considerados muito con- clusivos, pois a água é um meio em constante mudança e movimento. Dessa forma, os resultados poderão indicar informações de uma situa- ção instantânea. Neste caso, análises das concentrações encontradas no sedimento ou na biota aquática do local podem fornecer informações adicionais, de natureza mais integradora no tempo. Alguns fatores que devem ser considerados em um monitoramen- to ambiental na água são: o pH, a temperatura e a salinidade da água, variações diárias e sazonais na vazão dos corpos d’água, partículas em suspensão presentes na coluna d’água, etc. 7.1.2 Monitoramento no Sedimento A análise do sedimento pode ser particularmente útil na detecção de fontes de contaminação e na seleção de locais críticos para amos- tragem de contaminantes que, uma vez descarregados nas águas su- perfi ciais, não permanecem solúveis, mas são rapidamente adsorvidos pelo material particulado e se depositam escapando, desta forma, da detecção apenas pela análise da água. As variáveis a serem consideradas com relação às concentrações dos contaminantes encontrados no sedimento são praticamente as mesmas citadas para o caso da água incluindo-se, porém, a granu- lometria do sedimento, uma vez que, no caso dos metais, partículas menores têm maior concentração destes elementos, devendo receber maior atenção na análise. 126 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Por ser um meio integrador, onde há um acúmulo dos contaminan- tes ao longo do tempo, o monitoramento do sedimento pode ser feito semestral ou anualmente, não necessitando acompanhamento contínuo. 7.1.3 Monitoramento no Ar Em um monitoramento no ar ambiente vários fatores irão infl uen- ciar na escolha dos locais de amostragem, no conhecimento da dinâmi- ca do contaminante no meio e na variabilidade dos resultados. Dentre estes fatores pode-se destacar: as variações sazonais das condições me- teorológicas locais, tais como intensidade e direção dos ventos, plu- viometria, inversões térmicas, etc., que vão determinar a circulação, remoção e diluição dos contaminantes da atmosfera, assim como as variações na intensidade de emissão (vazão) do contaminante pelas várias possíveis fontes. Na escolha das estações de amostragem deve-se verifi car o tipo de fonte emissora (pontual ou difusa) e sua distância da área a ser estuda- da. Com relação às fontes pontuais, deve-se observar também a altura das chaminés, podendo-se optar por uma rede de amostragem dentro de um raio de distância ao redor da fonte (p. ex. de 500 m em 500 m), para verifi cação de gradientes de concentração. Uma vez que muitos contaminantes lançados na atmosfera encon- tram-se adsorvidos às partículas, este fato também deve ser observa- do, levando-se em conta o diâmetro dos poros dos fi ltros que serão usados nos amostradores de ar e as diferenças nas concentrações de locais que recebem grande contribuição de material particulado; locais estes normalmente mais poluídos. Além destes fatores, deve-se considerar a infl uência do fator de dispersão e,Monitoramento no Solo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126 7.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM COMPARTIMENTOS BIÓTICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 127 7.3 BIOMONITORAMENTO EM TEMPO REAL . . . . . . . . . . . . . 129 7.4 BIOSSENSORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129 7.5 O GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MONITORAMENTO AMBIENTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 7.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 CAPÍTULO 8 Avaliação da Toxicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . 135 8.1 ENSAIOS TOXICOLÓGICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140 8.1.1 Determinação da DL50 Oral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141 8.1.2 Teste de Irritação Dérmica Primária . . . . . . . . . . . . . . . . 142 8.1.3 Teste de Irritação Ocular Primária . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 8.1.4 Sensibilização Dérmica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142 SUMÁRIO ►◄ XVII 8.1.5 Mutagenicidade em Microrganismos . . . . . . . . . . . . . . 144 8.1.6 Mutagenicidade em Células de Mamíferos . . . . . . . . . 144 8.1.7 Subcrônico Oral, Dérmico, Inalatório . . . . . . . . . . . . . . 144 8.1.8 Reprodução e Prole – Toxicologia Reprodutiva . . . . . . 144 8.1.9 Teratogenicidade – Toxicologia do Desenvolvimento . 145 8.1.10 Carcinogenicidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 8.1.11 Toxicidade/Patogenicidade Oral Aguda . . . . . . . . . . . 146 8.1.12 Toxicidade/Patogenicidade Pulmonar Aguda . . . . . . 146 8.1.13 Resposta de Imunidade Celular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 8.2 ENSAIOS ECOTOXICOLÓGICOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 147 8.2.1 Toxicidade com Algas, Microcrustáceos e Peixes de Água Doce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 8.2.2 Toxicidade Crônica com Microcrustáceos e Peixes de Água Doce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 149 8.2.3 Toxicidade Aguda/Contato Oral com Abelhas . . . . . . . 150 8.2.4 Toxicidade Subcrônica com Minhocas . . . . . . . . . . . . . . 150 8.2.5 Toxicidade Aguda Oral com Aves . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 8.2.6 Toxicidade/Patogenicidade Inalatória Aguda com Aves . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 151 CAPÍTULO 9 Avaliação de Risco em Toxicologia Ambiental . . 155 9.1 O CONCEITO DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158 9.2 OS AGENTES AMBIENTAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 159 9.3 AVALIAÇÃO DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 160 9.4 AVALIAÇÃO DE RISCOS À SAÚDE HUMANA DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS PERIGOSAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163 9.5 ANÁLISE DE INCERTEZAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 165 9.6 GERENCIAMENTO DE RISCOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 9.7 PERCEPÇÃO DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166 XVIII ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 9.8 COMUNICAÇÃO DE RISCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168 CAPÍTULO 10 Controle de Qualidade dos Resultados em Toxicologia Ambiental . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 10.1 METODOLOGIAS E NORMAS TÉCNICAS NACIONAIS. . 173 10.2 CONTROLE DE QUALIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 174 10.3 PRECISÃO INTRALABORATORIAL E CARTA-CONTROLE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175 10.4 ENSAIOS DE PROFICIÊNCIA (PROGRAMAS INTERLABORATORIAIS) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 10.5 SISTEMA DE QUALIDADE E ACREDITAÇÃO DE LABORATÓRIOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178 CAPÍTULO 11 Estatística Aplicada em Ensaios Toxicológicos e Ecotoxicológicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179 11.1 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS DE TOXICIDADE AGUDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 181 11.2 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS DE TOXICIDADE CRÔNICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 11.2.1 Comparação de um Único Tratamento com o Grupo-Controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 190 11.2.2 Comparação de Múltiplas Concentrações com o Grupo-Controle . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 11.2.3 Testes de Estimativa Pontual . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 REFERÊNCIAS CONSULTADAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198 C A P Í T U L O 1 Histórico, Evolução e Conceitos Básicos da Toxicologia Eduardo Cyrino Oliveira-Filho Cristina Lúcia Silveira Sisinno CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 3 A palavra tókson, em grego, quer dizer arco e fl echa, sendo que a forma adjetiva toksikós signifi caria relativo a arco e fl echa. Curiosamente o signifi cado da expressão toksikón phármacon, veneno para fl echa, fun- diu-se e a palavra toxicum (tóxico, em português) passou a ser utilizada como veneno em geral. A ação dos venenos sempre despertou grande curiosidade e temor no ser humano. Os homens primitivos já usavam seus conhecimen- tos sobre os efeitos dos venenos de animais e plantas para guerrear, caçar e, algumas vezes, para remover membros indesejáveis de suas sociedades. Várias escritas em papiros do antigo Egito, datados aproxima- damente de 1500 a.C., apresentavam informações referentes a recei- tas contendo reconhecidos venenos. Desse modo, a toxicologia pode ser vista como a formadora da base da medicina terapêutica e expe- rimental. Pode-se destacar, inclusive, que Hipócrates (460-375 a.C.) – considerado o pai da medicina – já relacionava vários venenos e des- crevia instruções que podem ser consideradas hoje como princípios da toxicologia. A morte provocada por envenenamento era comum desde os tem- pos mais remotos e se considerava como um dos perigos cotidianos inerentes à vida. Em face ao temor existente com relação aos atentados com venenos contra fi guras célebres, como por exemplo reis e rainhas, era comum a função dos “provadores ofi ciais” nas cortes antigas: pes- soas responsáveis por experimentar previamente a comida e a bebida de seus amos. Um dos grandes destaques no processo de evolução da toxico- logia foi o renascentista Philippus Paracelsus (1493-1541). Paracelsus vislumbrou muitas visões revolucionárias que permanecem até hoje como partes estruturais da toxicologia. É dele, inclusive, o postulado que norteia os fundamentos desta ciência: “Todas as substâncias são venenosas. Não há nenhuma que não seja. A dose certa diferencia um veneno de um remédio”. Amplamente citado como o fundador da toxicologia, Mattieu Orfi lla (1787-1853) defi niu esta ciência como o estudo dos venenos e singularizou a toxicologia como uma disciplina distinta das outras. Orfi lla foi o primeiro toxicologista a usar sistematicamente análises 4 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL químicas e autópsias como prova legal de envenenamentos. A intro- dução da autópsia para propósito de detecção de envenenamentos aci- dentais e intencionais deu origem a uma área específi ca, denominada atualmente como toxicologia forense. Com o advento da Revolução Industrial (séculos XVIII-XIX) vá- rias substâncias começaram a ser produzidas e emitidas, trazendo con- sequênciasno caso de análise de sódio (Na), a proximidade com o mar, uma vez que suas concentrações podem se apresentar elevadas pela presença de NaCl, comum no aerossol de áreas costeiras. 7.1.4 Monitoramento no Solo No monitoramento de contaminantes no solo deve-se observar a distância da fonte contaminante com relação à área de estudo, poden- CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 127 do-se estabelecer uma zona de infl uência. Várias são as características encontradas no solo que infl uirão na retenção de contaminantes, den- tre elas: o teor de matéria orgânica, a composição mineralógica do solo, a umidade, o pH, etc. O solo, por ser um compartimento que não apresenta mobilida- de, pode indicar resultados mais precisos e cumulativos com relação a uma deposição de contaminantes em função do tempo. 7.2 MONITORAMENTO AMBIENTAL EM COMPARTIMENTOS BIÓTICOS Também conhecido como biomonitoramento ou biomonitoriza- ção, este tipo de estudo avalia diretamente o impacto dos contaminan- tes por meio da observação, coleta e análise periódica da fauna e/ou fl ora do local atingido. Este método baseia-se nas respostas dos orga- nismos – tanto dos indivíduos como das comunidades – para avaliar a exposição ambiental às substâncias químicas. Com base nesse pressu- posto, admite-se que os organismos são monitores naturais do impacto sofrido pelos ecossistemas e que eles reagem a esse impacto por meio de medidas mensuráveis. Os parâmetros usados no monitoramento ambiental em compar- timentos bióticos podem ser diretos ou indiretos. Com relação aos pa- râmetros diretos – apesar do uso de material biológico – o critério a ser analisado é um fator não biológico, onde o exemplo mais comum é a medida da concentração da substância química nos organismos. Já o uso dos parâmetros indiretos inclui um critério biológico na avalia- ção da qualidade ambiental como, por exemplo, mudanças morfológi- cas, citológicas, fi siológicas ou bioquímicas nos indivíduos; ausência e abundância de populações de indivíduos, etc. Quando conduzido adequadamente, o biomonitoramento fornece informações que geralmente não podem ser obtidas por técnicas de monitoramento físico-químicas tradicionais permitindo, assim, o co- nhecimento de medidas reais dos efeitos dos contaminantes e a deli- mitação de zonas muito afetadas e de outras onde já esteja ocorrendo recuperação ambiental. 128 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Os organismos utilizados para medida dos parâmetros indiretos devem ser sensíveis aos graus de contaminação. Dessa forma, pode ser estabelecido um fator capaz de alterar as comunidades dos orga- nismos, indicando uma relação entre o grau de degradação da área e a abundância relativa dos organismos ou sua alteração morfológica. Os biomonitores são seres vivos que apresentam características capazes de refl etir o grau de contaminação de um local com certa pre- cisão. Dentre suas características ideais, pode-se destacar: • O organismo deve ser abundante no local de estudo. • O organismo deve ser de fácil coleta. • O organismo deve possuir vasta distribuição. • O organismo deve exibir alta concentração da substância, etc. Além destes requisitos, também se recomenda que o organismo seja de fácil identifi cação e que seus dados fi siológicos e ecológicos reportados na literatura sejam abundantes. Vários grupos têm sido estudados e empregados no monitora- mento ambiental, sendo que na seleção de tais monitores deve-se levar em consideração a situação específi ca sob investigação. Por exemplo, organismos aquáticos sésseis (fi xos a um substrato) conseguem indicar com mais precisão o grau de contaminação de uma determinada área, enquanto no caso da avaliação do impacto de um efl uente que é despe- jado em um sistema muito raso ou perto do fundo, deve-se usar como indicadores as espécies bentônicas (organismos que vivem no fundo dos sistemas aquáticos) expostas. Nos estudos de biomonitoramento, algumas variáveis devem ser consideradas, como: • A sensibilidade dos organismos indicadores à substância estudada. • O ciclo de vida/idade e o sexo dos organismos. • A salinidade (organismos marinhos ou de água doce). • A infl uência de variações sazonais, etc. Moluscos bivalves são especialmente utilizados em biomonito- rização, por serem organismos sésseis e fi ltradores. A deposição de CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 129 contaminantes atmosféricos também pode ser monitorada de forma rotineira utilizando organismos vivos. Como exemplo pode-se citar a utilização de bromélias, como a Tillandsia usneoides, em estudos envol- vendo metais pesados e outras substâncias tóxicas persistentes. Dentro da ótica da saúde humana é importante ressaltar os efeitos da contaminação em organismos que servem de alimento para o ho- mem. Vários trabalhos no Brasil descrevem a contaminação em muitos ambientes, incluindo a Amazônia. Nesses estudos são analisadas con- centrações de mercúrio e também de DDT na biota aquática setentrio- nal do Brasil. Em algumas situações, a análise de tecidos animais pode ser uti- lizada em biomonitorização de cadeias trófi cas. Ovos de aves e aná- lise de penas são considerados métodos claramente acessíveis e não invasivos, cujo impacto sobre as populações pode ser desprezível. 7.3 BIOMONITORAMENTO EM TEMPO REAL Existem situações onde é necessário o acompanhamento de pro- cessos em tempo real, e muitas vezes isso implica no emprego de biossensores, que serão descritos brevemente a seguir. Antes, porém, pode-se destacar que em países desenvolvidos, como o Japão, o acom- panhamento da qualidade da água em uma determinada bacia hidro- gráfi ca é realizado por meio de redes sofi sticadas de monitoramento físico, químico e biológico, capazes de emitir alertas de contaminação imediatos; o que reduz muito o tempo entre o aparecimento de um problema e a mitigação de seus efeitos. 7.4 BIOSSENSORES Em linhas gerais, um biossensor é um aparelho capaz de fazer a transdução de uma reação enzimática em um sinal elétrico. Biossenso- res são o resultado da interação sinergística; um passo além da simples combinação da bioquímica com a microeletrônica. 130 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Em 1984, duas décadas após o aparecimento deste termo, ainda se discutia muito a sua aplicabilidade em biotecnologia, que hoje já é um fato em muitas áreas da produção de fármacos, alimentos e outros processos fermentativos como a produção de cerveja. Na química analítica, o uso dos biossensores evoluiu muito, ha- vendo inúmeros exemplos de como pode-se analisar diretamente os sistemas vivos, inclusive usando-se métodos que envolvem técnicas avançadas de microscopia eletrônica. Existem aplicações dos biossensores nos mais variados setores, desde o diagnóstico clínico ao controle da poluição, passando-se pela indústria de essências e edulcorantes (agentes de sabor em alimentos). Na indústria, há mais de vinte anos os biossensores são utilizados no monitoramento de gases tóxicos, explosivos ou infl amáveis, e tam- bém na mineração. Por outro lado, a determinação de metais pesados em solos com o uso de biossensores que aliam bactérias luminescentes, a extração química ainda está em fase inicial, com problemas na distinção dos níveis de contaminação. Assim, há necessidade de desenvolvimento da redução dos limites de detecção deste tipo de metodologia para que ela possa provar sua utilidade a médio prazo. 7.5 O GEOPROCESSAMENTO APLICADO AO MONITORAMENTO AMBIENTAL A área do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e com- putacionais para a produção e o tratamento de informações geográfi - cas é conhecida pelo termo geoprocessamento. O geoprocessamento reúne uma série de metodologias e tecnologias de coleta, tratamento, manipulação e apresentação de informações espaciais voltadas para um objeto comum. É uma tecnologia transdisciplinar, pois integra vá- rias disciplinas, equipamentos, programas, entidades e pessoas na lo- calização e no processamento dos dados geográficos para a análise e apresentação de mapas digitais georreferenciados. O principal instrumento computacional do geoprocessamento é o sistema de informações geográfi cas (SIG) que reúne os dados de di- CAPÍTULO 7 – AVALIAÇÃO AMBIENTAL ►◄ 131 versas fontes ao criar um banco de dados georreferenciado. Na área ambiental e em recursos hídricos, o uso de SIG tem sido cada vez mais intensifi cado e difundido, pois auxilia na identifi cação da variabili- dade espacial das características de uma determinada área dentro de uma bacia hidrográfi ca. Este fato é especialmente importante tendo em vista que as técnicas de geoprocessamento permitem a simulação e a montagem de cenários prospectivos para eventos de erosão, transpor- te de sedimentos, escoamento e lixiviação de nutrientes. Além disso, a modelagem de fontes de poluição não pontuais também é possível com o uso de SIG. Uma das aplicações mais interessantes do geoprocessamento em nosso país é fruto da pesquisa espacial desenvolvida pelo INPE (Ins- tituto Nacional de Pesquisas Espaciais), em sua bem-sucedida coope- ração com os chineses no lançamento dos satélites que monitoram as queimadas e o desmatamento na Amazônia. Um maior conhecimento científi co da área e a divulgação das informações geradas podem ser- vir para garantir não somente o seu futuro, mas o de outras regiões, a partir dos exemplos positivos passíveis de generalização. 7.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O monitoramento ambiental muitas vezes não representará as di- versas condições e situações de exposição se as amostragens não forem frequentes e bem planejadas. Este também não deve ser usado para avaliar a exposição total humana (melhor demonstrada no monitora- mento biológico), uma vez que as análises são realizadas separada- mente nos compartimentos bióticos e abióticos, com as peculiaridades de cada meio e cada rota de exposição. Além disso, deve-se levar em consideração uma série de variá- veis características de cada situação de estudo, podendo-se destacar também que as maiores difi culdades na interpretação dos dados pro- vêm da inadequada coleta, acondicionamento ou procedimentos de análise. Apesar desses problemas, o monitoramento ambiental apresen- ta-se como um importante instrumento na verifi cação dos níveis de 132 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL contaminação dos sistemas ambientais e pode ser considerado como parte integrante em um programa de proteção à saúde, uma vez que a contaminação que afeta prejudicialmente o ambiente, afeta também o bem-estar, a saúde e a qualidade da vida humana. REFERÊNCIAS CONSULTADAS ALLOWAY, B. J.; AYRES, D. C. Chemical Principles of Environmental Pollution. Great Britain: Blackie Academic & Professional, 1993. AMARAL, M. C. R.; REBELO, M. F.; TORRES, J. P. M.; PFEIFFER, W. C. 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Desse modo, entende-se que para se mensurar a toxicidade de uma substância ou mistura de substâncias é indispensável a utiliza- ção de organismos vivos ou de sistemas biologicamente relacionados. Um bioensaio ou ensaio de toxicidade é um processo que utiliza or- ganismos vivos para estimar os efeitosdas substâncias. Esses ensaios podem ser divididos em duas categorias: aqueles que se preocupam com a predição (antecipação de um possível efeito) e aqueles que se preocupam com a avaliação da exposição (monitoramento do efeito existente). Os ensaios de toxicidade não são realizados para demons- trar que a substância é segura, mas para caracterizar os efeitos tóxicos que essa substância pode produzir. Os dados em seres humanos sobre a toxicidade das substâncias são obviamente mais relevantes para uma avaliação segura do que aqueles obtidos pela exposição de animais de experimentação. Toda- via, exposições controladas do homem às substâncias perigosas ou po- tencialmente perigosas são limitadas por considerações éticas e, assim sendo, as informações obtidas por métodos clínicos ou epidemiológi- cos devem ser registradas. Se estas informações não estiverem dispo- níveis, como no caso de todas as novas substâncias sintéticas, os dados devem ser obtidos a partir de ensaios com animais de experimentação. Existem dois princípios básicos com relação aos ensaios de toxi- cidade descritiva em animais. O primeiro é que os efeitos produzidos por um composto em animais de laboratório, quando propriamente qualifi cados, são aplicáveis ao ser humano. O segundo é que a exposi- ção de animais de experimentação a agentes tóxicos em altas doses é um método necessário e válido para detectar possíveis riscos aos seres humanos. Entretanto, em laboratório existe somente um pequeno nú- mero de espécies disponíveis para teste. Os animais de experimentação utilizados para ensaios visando proteger a saúde do homem incluem geralmente mamíferos, dentre 138 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL os quais se destacam macacos, cachorros, coelhos, cobaias, ratos e ca- mundongos. Os ensaios em espécies silvestres – vivendo em gaiolas sob condi- ções de campo – podem ser utilizados, mas algumas vezes apresentam grande variedade de problemas. Os dados obtidos de ensaios de campo são de grande valor em suplemento aos dados de laboratório para validar a projeção dos re- sultados experimentais para o ecossistema, incluindo os efeitos sobre os seres humanos. Várias técnicas analíticas sensíveis tornam relativamente simples a condução de estudos de campo utilizando o homem, por meio do monitoramento dos níveis de uma substância ou de seus metabólitos no sangue, urina, cabelo ou saliva. Este monitoramento biológico − junto com o monitoramento ambiental − provém de uma importante fonte de informação sobre a exposição do homem ou de outros organismos expostos (p. ex. organismos de ecossistemas aquáticos). Segundo Parrish (1995), ensaios de toxicidade aguda com orga- nismos aquáticos têm sido amplamente utilizados para determinar os efeitos de substâncias potencialmente tóxicas (p. ex. agrotóxicos, me- tais) desde a Segunda Guerra Mundial. Os ensaios toxicológicos preditivos cujo foco de interesse não é di- retamente a saúde do homem, mas os agravos à “saúde” de ecossistemas são também denominados de testes ecotoxicológicos ou de ecotoxicida- de. O termo ecotoxicologia foi cunhado por René Truhaut, em 1969, para designar o ramo da toxicologia voltado especifi camente para o estudo dos efeitos de substâncias químicas sobre ecossistemas, e objetivando o estabelecimento de medidas para proteger seus vários componentes dos efeitos adversos de poluentes ambientais. Conforme citado anteriormente, embora o termo ecotoxicologia seja relativamente recente, os efeitos adversos das substâncias quími- cas sobre organismos aquáticos já vinham sendo estudados pela toxi- cologia aquática e pela própria ecologia. Posteriormente à defi nição de Truhaut, a ecotoxicologia ganhou mais espaço e destaque, se tornando uma área de atuação extrema- mente moderna e alinhada com a evolução dos tempos. Embora esteja baseada fundamentalmente na toxicologia clássica ou de mamíferos, CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 139 a ecotoxicologia se confi gurou como uma disciplina independente, já que a toxicologia evoluiu ao longo da história sempre ao lado da far- macologia. A tabela 8.1 apresenta as principais diferenças entre a toxi- cologia clássica e a ecotoxicologia. TABELA 8.1 PRINCIPAIS DIFERENÇAS ENTRE A TOXICOLOGIA CLÁSSICA E A ECOTOXICOLOGIA Toxicologia Ecotoxicologia Objetivo: Proteger os seres humanos da ação de substâncias tóxicas Objetivo: Proteger populações e comunidades de diferentes espécies da ação de substâncias tóxicas Utiliza animais experimentais Pode utilizar as próprias espécies em questão A espécie alvo é conhecida (homem), o que permite maior precisão na extrapolação dos resultados Impossível conhecer e testar todas as espécies a serem protegidas, desse modo o grau de extrapolação não é tão preciso A dose da substância administrada pode ser medida com precisão A exposição se dá pela concentração da substância e a dose absorvida só é determinada através de experimentos de acumulação e metabolismo Existe muito conhecimento sobre os animais experimentais e, grande ênfase é dada aos mecanismos de ação tóxica Em muitos casos não se tem informações sobre a biologia dos organismos teste e, só recentemente mais atenção tem sido dispensada aos mecanismos de ação tóxica das substâncias Fonte: Adaptado de Rand et alii (1995). Com o desenvolvimento da ecotoxicologia, é hoje quase consen- sual, entre os ecotoxicologistas, que ensaios para determinar efeitos agudos, isoladamente, são insufi cientes para antecipar danos aos ecos- sistemas causados por substâncias ou misturas de substâncias (p. ex. efl uentes), mas mesmo assim, esses desempenham papel importante, em virtude da simplicidade, do baixo custo e da possibilidade maior de controle das condições experimentais, fatores importantes na ga- rantia da reprodutibilidade e da confi abilidade dos resultados. Nesse 140 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL contexto, os ensaios de toxicidade subcrônica ou crônica se tornam es- senciais para a elaboração do processo de avaliação de risco das subs- tâncias estudadas. Desse modo, tornou-se fundamental a elaboração e a realização de ensaios que detectassem efeitos mais sutis, princi- palmente sobre funções biológicas dos organismos testados, tais como crescimento, desenvolvimento, reprodução, metabolismo, etc. Uma outra abordagem é a dos biomarcadores ou marcadores biológicos, uma determinação de parâmetros bioquímicos ou celulares que possam expressar a interação entre uma substância química e um ser vivo. Tal avaliação pode ser capaz de detectar alterações quimicamente induzidas em componentes, processos, estruturas e funções celulares ou bioquímicas, de um indivíduo ou de uma amostra biológica. 8.1 ENSAIOS TOXICOLÓGICOS Todas as novas substâncias químicas requerem prioridade na sua avaliação. Normalmente os ensaios são realizados seguindo uma esca- la de ordenação, ou de acordo com os efeitos a serem observados. De um modo geral, os primeiros ensaios a serem realizados são os de toxi- cidade aguda. A DL50, a CL50 e outros efeitos agudos são determina- dos após a administração por uma ou mais rotas (rotas de exposição) em uma ou mais espécies. Os dados desses ensaios fornecem: • Uma estimativa quantitativa de toxicidade aguda (DL50, CL50) para fi ns de comparação entre substâncias. • Uma identifi cação de órgãos-alvo e outras manifestações clíni- cas de toxicidade aguda. • O estabelecimento da reversibilidade da resposta tóxica. • Uma relação dose–resposta para outros estudos posteriores. Os ensaios de toxicidade subaguda são realizados para obter in- formações sobre a toxicidade de uma substância após sua adminis- tração repetida e para estabelecer doses para estudos subcrônicos. A exposição subcrônica dura em média 90 dias e a principal meta deste estudo é o estabelecimento do Nível de Efeito Adverso não Observado CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 141 − NOAEL − e a identifi cação e a caracterização do órgão específi co ou órgãosafetados pelo composto testado após doses repetidas. Os estudos de exposição crônica ou de longo prazo são realizados de forma similar aos subcrônicos. Em roedores, exposições crônicas são usualmente de 6 meses a 2 anos. Esses ensaios são realizados para avaliar a toxicidade cumulativa de substâncias e incluem observações sobre o desenvolvimento de tumores e a possibilidade de um efeito carcinogênico. Os efeitos de substâncias sobre o desenvolvimento e a reprodu- ção também devem ser determinados. A toxicidade durante o desen- volvimento é avaliada pela observação de efeitos adversos de agen- tes químicos e físicos no período entre a concepção e o nascimento. A toxicidade sobre a reprodução é avaliada por meio da observação de efeitos adversos nos sistemas reprodutivos masculino ou feminino, resultantes da exposição aos agentes químicos e físicos. A avaliação do potencial mutagênico de substâncias pode ser reali- zada por meio da aplicação de ensaios rápidos utilizando microrganis- mos (Teste de Ames, com Salmonella typhimurium, entre outros) ou com células de mamíferos (Ensaio do Linfoma de Camundongo, Teste do Micronúcleo, Teste com Linfócitos de Sangue Periférico, Teste de Tro- cas entre Cromátides-Irmãs, Teste com Células de Ovário de Hamster Chinês, Teste do Dominante Letal, etc.). Por esses poucos exemplos pôde se perceber a grande quantidade de ensaios disponíveis para avaliar a toxicidade de substâncias quí- micas. Os principais ensaios, que inclusive fazem parte da avaliação toxicológica para registro de agrotóxicos no Brasil, serão descritos bre- vemente a seguir: 8.1.1 Determinação da DL50 Oral Visa verifi car a toxicidade produzida por uma substância quando administrada pela via oral, geralmente por meio de entubação gástrica (gavage). De um modo geral, os ensaios se baseiam no registro do per- centual de animais que são levados a óbito em determinadas faixas de doses. Recomenda-se, também, observar a ocorrência de sinais e sin- 142 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL tomas indicativos de toxicidade não letal (ambulação, piloereção, etc.). O animal de experimentação mais utilizado nesse ensaio é o rato. Ou- tros dois ensaios também são comuns para observação do parâmetro letalidade em 50 % dos animais testados, a DL50 dérmica, que tem os mesmos princípios do teste oral só que a via de exposição é a dérmica, nesse caso coelhos também são utilizados; e a CL50 inalatória, onde o objetivo é a exposição via inalatória, nesse teste os ratos voltam a ser os espécimes mais utilizados. 8.1.2 Teste de Irritação Dérmica Primária Consiste na aplicação única do produto a ser testado no dorso de coelhos. É aplicado um patch oclusivo por quatro horas e, após esse período, o produto é retirado. Procede-se a graduação das lesões (eri- tema e edema), 24, 48 e 72 horas após a aplicação, seguindo a escala de Draize. 8.1.3 Teste de Irritação Ocular Primária Consiste na aplicação única do produto no saco conjuntival de coelhos, com observações da evolução das lesões em 24, 48, 72 horas e sete dias após a instilação. São graduadas as alterações de conjuntiva (secreção, hiperemia e quimose), íris (irite) e córnea (densidade e área de opacidade). Por ser um método extremamente criticado em virtude da crueldade com os animais, testes alternativos in vitro vêm sendo estudados como uma forma de se manter a predição para possíveis danos, principalmente aos olhos dos aplicadores de agrotóxicos. 8.1.4 Sensibilização Dérmica São realizadas aplicações tópicas da menor dose não irritante por um período de três semanas (fase de indução). Após um período de re- pouso, procede-se à aplicação tópica da maior dose não irritante (fase de desafi o). As reações são graduadas segundo escala específi ca, com CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 143 a fi nalidade de avaliar o potencial de sensibilização. Esse ensaio é rela- cionado com o potencial alergênico da substância. Os ensaios descritos do item 8.1.1 até o item 8.1.4 são considera- dos de toxicidade aguda e utilizados para a classifi cação toxicológica dos agrotóxicos utilizados no Brasil. A tabela 8.2 mostra os critérios para o estabelecimento de classifi - cação toxicológica dos agrotóxicos no Brasil, de acordo com a Portaria no 03, de 16 de janeiro de 1992. TABELA 8.2 CRITÉRIOS PARA CLASSIFICAÇÃO TOXICOLÓGICA DE AGROTÓXICOS E AFINS, DE ACORDO COM A PORTARIA NO 03, DE 16 DE JANEIRO DE 1992 Classifi cação Toxicológica Ensaio Formulação Extremamente Tóxico (Classe I) Altamente Tóxico (Classe II) Medianamente Tóxico (Classe III) Pouco Tóxico (Classe IV) DL50 oral Ratos Líquida ≤ 20 mg/kg 20–200 mg/kg 200–2 000 mg/kg > 2 000 mg/kg Sólida ≤ 5 mg/kg 5–50 mg/kg 50–500 mg/kg > 500 mg/kg DL50 dérmica Ratos Líquida ≤ 40 mg/kg 40–400 mg/kg 400–4 000 mg/kg > 4 000 mg/kg Sólida ≤ 10 mg/kg 10–100 mg/kg 100–1 000 mg/kg > 1 000 mg/kg CL50 inalatória Ratos – ≤ 0,2 mg/L de ar em uma hora 0,2–2 mg/L de ar em uma hora 2–20 mg/L de ar em uma hora > 20 mg/L de ar em uma hora Irritação dérmica – Ulceração ou corrosão na pele Irritação severa ≥ 5 escala Draize Irritação moderada 3–5 escala Draize Irritação leve malias estruturais e retardo de crescimento. A substância é administra- da às fêmeas grávidas desde o período de implantação embrionária até o fi nal da gestação. Pouco antes da data do nascimento dos fi lhotes é realizada uma cesariana. O conteúdo uterino é examinado e são realiza- das avaliações nas vísceras e nas formações ósseas dos fetos. Em geral, ratos e coelhos são os animais utilizados. 8.1.10 Carcinogenicidade O objetivo deste estudo de dois anos de duração é avaliar se a exposição à substância-teste ou ao microrganismo pode gerar o desen- volvimento de lesões neoplásicas (carcinogenicidade). As vias de ad- ministração podem ser oral, dérmica ou inalatória e o rato é o animal experimental mais utilizado. Os ensaios descritos do item 8.1.5 até o item 8.1.10 são considera- dos de toxicidade crônica ou prolongada e utilizados para restrições de uso, recomendação da utilização de equipamentos de proteção indivi- dual (EPIs) e sobretudo para indeferir uma solicitação de registro, no caso de positividade nos testes de mutagênese, teratogênese e carcino- gênese, de acordo com a Lei no 7.802/89. 146 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 8.1.11 Toxicidade/Patogenicidade Oral Aguda Tem como objetivo avaliar as características tóxicas e/ou patogê- nicas de um agente microbiológico de controle (AMC). Normalmente trata-se do passo inicial na avaliação de segurança de um AMC. O AMC é administrado oralmente por gavage em uma dose máxima única. Os animais experimentais permanecem em observação por 21 dias e são registrados efeitos clínicos, de comportamento e mortali- dade. A infectividade também é avaliada periodicamente durante o período de observação. O rato e o camundongo são os animais mais utilizados. 8.1.12 Toxicidade/Patogenicidade Pulmonar Aguda Também é um ensaio para avaliar a segurança de microrganis- mos caracterizados como agrotóxicos e afi ns. Nesse caso, o objetivo é avaliar as características tóxicas e/ou patogênicas de um agente mi- crobiológico de controle (AMC) administrado pela via respiratória. O AMC é administrado pelas vias intranasal ou intratraqueal em uma dose máxima única. Os animais experimentais permanecem em obser- vação por 21 dias e são registrados efeitos clínicos, de comportamento e mortalidade. A infectividade também é avaliada periodicamente du- rante o período de observação. O rato e o camundongo são os animais mais utilizados. 8.1.13 Resposta de Imunidade Celular Ensaio também solicitado para microrganismos caracterizados como agrotóxicos e afi ns, que tenham apresentado algum grau de to- xicidade em testes preliminares. Fornece informações sobre o tempo de recuperação de efeitos imunotóxicos signifi cativos. São utilizados um grupo-satélite com animais tratados e um grupo-controle com os não tratados. Os animais são observados com sete, 14 e 28 dias após a administração da substância. Durante esse período são avaliados parâ- metros imunológicos para quantifi car a imunotoxicidade. CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 147 Os ensaios descritos do item 8.1.11 até o item 8.1.13 são específi - cos para avaliar a segurança de microrganismos caracterizados como agrotóxicos e afi ns (p. ex. Bacillus thuringiensis). Esses microrganismos correspondem a um tipo alternativo de produto utilizado no manejo integrado de pragas e recentemente receberam a defi nição de critérios para uma avaliação específi ca, principalmente por se tratarem de or- ganismos vivos. 8.2 ENSAIOS ECOTOXICOLÓGICOS Com relação à avaliação da toxicidade para ecossistemas (eco- toxicologia), várias metodologias estão padronizadas. Os estudos de ecotoxicidade com organismos aquáticos já se encontram amplamente desenvolvidos, baseados principalmente nos ensaios com mamíferos. Os ensaios consistem em expor as espécies-teste representativas do ambiente a várias concentrações de uma ou mais substâncias, duran- te um determinado período de tempo. Neste sentido, são observados efeitos sobre as funções biológicas fundamentais, como crescimento, reprodução e morte, que afetam diretamente as características das di- versas comunidades aquáticas. Em geral, recomenda-se a realização de ensaios com três organismos pertencentes a diferentes níveis trófi cos do ambiente aquático. Os microrganismos são componentes de grande importância nesse ecossistema, participando nos ciclos de nutrientes e elementos químicos, servindo de alimento para outros organismos e, principal- mente, decompondo materiais orgânicos e inorgânicos. Dentre os pro- cedimentos recomendados com microrganimos destacam-se: • O sistema MICROTOX®, que avalia a inibição da biolumines- cência emitida pela bactéria marinha Vibrio fi scheri. • O ensaio com a bactéria Spirillum volutans, que observa o efeito sobre a mobilidade. • O ensaio com a bactéria Pseudomonas putida, que observa a ini- bição da taxa respiratória da bactéria. As microalgas constituem o elemento básico das cadeias ali- mentares aquáticas, incorporam a energia obtida do sol à biomassa, 148 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL participam de ciclos de elementos e servem de alimento para vários organismos. Dentre os procedimentos recomendados, destacam-se prin- cipalmente os estudos de inibição do crescimento da biomassa algácea, com 96 horas de duração. Entre as espécies mais utilizadas destacam-se: • Dulcícolas – Selenastrum capricornutum, Chlorella vulgaris e Scenedesmus subspicatus. • Marinhas – Skeletonema costatum, Tetraselmis chuii, Phaeodactylum tricornutum e Isochrysis galbana. Recentemente, a alga da espécie S. capricornutum teve a sua denominação alterada para Pseudokirchneriella subcaptata Korshikov. A inibição do crescimento da biomassa algácea pode ser observa- da por meio de três métodos distintos: a) Contagem celular ao microscópio ótico. b) Utilização da fl uorimetria para determinação do conteúdo de clorofi la. c) Espectrofotometria para determinação da absorbância luminosa. Os microcrustáceos são os representantes dos consumidores pri- mários utilizados em grande parte dos ensaios ecotoxicológicos. Des- taca-se a observação do efeito sobre a mobilidade de Cladoceros (p. ex. Daphnia similis), sobre a reprodução com Ceriodaphnia dubia, ou o efeito letal sobre Artemia sp. Alguns ensaios são específi cos para avaliar os efeitos de sedimen- tos contaminados. Nesses casos são utilizados invertebrados bentôni- cos, principalmente larvas de libélula das espécies Chironomus riparius e C. tentans, e o crustáceo anfípoda da espécie Hyalella azteca. Os peixes são consumidores secundários e nas avaliações ecotoxi- cológicas representam os vertebrados componentes dos ecossistemas aquáticos. São muitos os tipos de ensaio utilizando peixes. Em geral, os procedimentos recomendam a utilização de espécies pequenas e de fácil manutenção em laboratório. Destacam-se as espécies Danio rerio, Poecilia reticulata e Pimephales promelas, entre outras. Em se tratando de efeitos sobre o ecossistema, utilizam-se ainda ensaios para a avaliação da biodegradabilidade e da bioacumulação de substâncias químicas. CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 149 Atualmente existe um grande número de ensaios de laboratório padronizados para predição dos efeitos, comparação de toxicidade ou controle de emissão de substâncias, contudo recomenda-se sempre que possível a realização de um ensaio em campo para validar os re- sultados obtidos no laboratório. Dentre os ensaios comentados alguns são frequentemente solici- tados e executados pelas empresas interessadas na obtenção de ava- liação da periculosidade ambiental de agrotóxicos e afi ns para fi ns de registro (Lei no 7.802/89). Dentre estes, alguns serão brevemente des- critos a seguir. 8.2.1 Toxicidade com Algas, Microcrustáceos e Peixes de Água Doce Os ensaios de toxicidade com organismos de água doce têm como objetivo avaliar os possíveis impactos da substância ou do agente mi- crobiológico sobre as comunidades presentes nesses ambientes. O en- saio com algas,em geral, avalia a inibição do crescimento de microalgas em 96 horas, e é considerado um ensaio rápido de reprodução e de- senvolvimento. As espécies Pseudokirchneriella subcapitata (Selenastrum capricornutum) e Scenedesmus subspicatus são as mais utilizadas. Entre os microcrustáceos a pulga d’água do gênero Daphnia é a mais utiliza- da. Esse ensaio considerado agudo avalia a inibição da mobilidade do organismo e dura de 24 a 48 horas. Os ensaios agudos com peixes têm na letalidade seu principal desfecho. O ensaio dura de 48 a 96 horas, sendo Danio rerio (paulistinha) a espécie mais utilizada. 8.2.2 Toxicidade Crônica com Microcrustáceos e Peixes de Água Doce Esses ensaios são considerados crônicos porque avaliam efeitos sobre funções biológicas fundamentais, principalmente a reprodução e o desenvolvimento embrionário. Embora exista o título de crônico, os ensaios duram apenas alguns dias, sendo mais adequado identifi cá-los 150 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL como ensaios rápidos de reprodução e desenvolvimento. Entre os mais executados estão incluídos: 1 – Ensaio de sete dias com o microcrus- táceo Ceriodaphnia dubia Richard, 1894, que avalia o efeito da substân- cia sobre a geração de fi lhotes pelas fêmeas expostas. Trata-se de um ensaio extremamente bem elaborado, visto que um organismo jovem com quatro dias já se encontra em condições de se reproduzir normal- mente, e nesse caso, quando exposto a partir do 1o dia de vida, passa a ter sua reprodução inibida ou não, dependendo da substância avalia- da. 2 – Ensaio de sete dias para avaliar a sobrevivência e o crescimento de larvas, ou para avaliar a sobrevivência e a teratogenicidade na fase embriolarval de peixes. As espécies mais utilizadas são Danio rerio e Pimephales promelas. No ensaio com larvas o objetivo é avaliar a sensi- bilidade no estágio larval, com o organismo em fase de crescimento, enquanto no ensaio embriolarval, os embriões são expostos ainda em ovo e é avaliada a sobrevivência dos embriões e a possível indução de malformações embrionárias. 8.2.3 Toxicidade Aguda/Contato Oral com Abelhas Esse ensaio foi desenvolvido visando à determinação da toxici- dade aguda de substâncias ou microrganismos para abelhas, um in- seto não alvo considerado útil. A exposição às diferentes dosagens ou concentrações pode ser por via oral ou pela exposição num ambiente fechado onde a substância tenha sido lançada na forma de aerossol. As abelhas são monitoradas por quatro horas e a mortalidade é registrada ao fi nal do ensaio. Poucos laboratórios no Brasil realizam esse ensaio. 8.2.4 Toxicidade Subcrônica com Minhocas As minhocas são organismos presentes no solo e, por isso, esse ensaio foi delineado para fornecer informações acerca da toxicidade aguda de substâncias químicas ou de agentes microbiológicos sobre organismos do solo, durante o período de exposição. O ensaio dura de 14 a 28 dias e a espécie Eisenia fetida é a mais utilizada. CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 151 8.2.5 Toxicidade Aguda Oral com Aves Baseado no ensaio de toxicidade oral aguda com mamíferos, esse ensaio objetiva a determinação de efeitos agudos em aves. O grupo de aves mais utilizado é o das codornas. Os animais são dosados via oral por gavage e observados por cerca de duas horas para a detecção de sinais e sintomas da intoxicação, incluindo a letalidade. 8.2.6 Toxicidade/Patogenicidade Inalatória Aguda com Aves Um dos ensaios importantes na avaliação da periculosidade am- biental de agentes microbiológicos caracterizados como agrotóxicos e afi ns. Este ensaio é condicionalmente requerido para agentes micro- biológicos e/ou suas toxinas, quando são observados sinais de patoge- nicidade ou toxicidade para aves no ensaio de toxicidade oral aguda. O objetivo é verifi car o potencial patogênico, no caso de o microrga- nismo ser administrado pela via inalatória dos animais. A ave mais utilizada nesse ensaio é a codorna. REFERÊNCIAS CONSULTADAS BERTOLLETI, E. Ensaios Biológicos com Organismos Aquáticos e sua Aplicação no Controle da Poluição. São Paulo: CETESB, 1990. BRASIL. Lei no 7.802, de 11 de julho de 1989. Dispõe sobre agrotóxicos, seus componentes e afi ns. 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Estabelece procedimentos para efeito de registro e avaliação do potencial de periculosidade ambiental de agrotóxicos. Portaria Normativa no 84, de 15 de outubro de 1996. Diário Ofi cial da União, 18 de outubro de 1996, pp. 21.358-21.366. Rep. 23 de outubro de 1996. KENDALL, R. J.; BENS, C. M.; COBB III, G. P. et alii. Aquatic and Terrestrial Ecotoxicology. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O.; DOULL, J. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 883-905, 1996. KNIE, J. L. W.; LOPES, E. W. B. Testes Ecotoxicológicos: métodos, técnicas e aplicações. Florianópolis: FATMA/GTZ, 2004. MALTBY, L.; CALOW, P. The Application of Bioassays in the Resolution of Environmental Problems: Past, Present and Future. Hydrobiologia, v. 188/189, p. 65-76, 1989. OLIVEIRA-FILHO, E. C. Segurança de agentes microbiológicos para o controle de pragas: avaliação toxicológica, regulamentação e situação atual. 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CAPÍTULO 8 – AVALIAÇÃO DA TOXICIDADE ►◄ 153 SECRETARIA DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (SVS). Diretrizes e exigências referentes à autorização de registros, renovação de registro e extensão de uso de produtos agrotóxicos e afi ns. Portaria no 03, de 16 de janeiro de 1992. Diário Ofi cial da União, 4 de fevereiro de 1992. TRUHAUT, R. Ecotoxicology: Objectives, Principles and Perspectives. Ecotoxicology and Environmental Safety, v. 1, p. 151-173, 1977. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Department of Health Education and Welfare, Guidelines for Registering Pesticides in the United States. Federal Register, v. 227, n. 47, p. 53.202- 53.218, 1982. ZAGATTO, P. A.; BERTOLETTI, E. Ecotoxicologia Aquática: Princípios e Aplicações. São Carlos: RIMA, 2006. C A P Í T U L O 9 Avaliação de Risco em Toxicologia Ambiental Adelaide Cássia Nardocci CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 157 O serhumano durante toda a sua existência sempre lidou com o conceito de risco e também é da natureza humana desafi ar o perigo. As sociedades sempre valorizaram quem ousa desafi ar o destino: “quem não arrisca não petisca”. No campo científi co, o conceito de risco emergiu originalmente no século XVII no contexto de apostas, para o qual uma base de cálculo matemático de chances foi desenvolvida; e nesse contexto, risco signi- fi cava a probabilidade de um evento ocorrer, combinada com a mag- nitude de perdas e ganhos. Naquela época, a teoria da probabilidade fornecia uma maneira moderna de pensar. No século XVIII, a análise de risco tinha um importante papel na segurança marítima, confrontando-se as chances de uma embarcação retornar em segurança e fazer a fortuna do seu proprietário com as de perdê-la em alto-mar e fazer, assim, a sua ruína. Desde então, o con- ceito de risco passou a ser usado para auxiliar a tomada de decisão e, neste contexto, já se considerava o balanço risco–benefício. Até então, o conceito era neutro, levando em conta apenas a pro- babilidade de ganhos e perdas. Mas o termo risco teve o seu signifi ca- do modifi cado e na sociedade ocidental ele perdeu a sua neutralidade, não estando mais associado apenas aos cálculos de probabilidade, mas também às consequências negativas. No campo da saúde pública, o termo risco surgiu na epidemiolo- gia americana, nos anos de 1920, em um artigo publicado no primei- ro volume do American Journal of Hygiene, sendo introduzido apenas como indicativo de uma ameaça, perigo. Consolidou-se defi nitiva- mente como um conceito quantitativo após a Segunda Guerra Mun- dial, com o crescimento do securitarismo, que consistiu na responsabi- lidade privada pela conquista do bem-estar e da saúde. Na década de 1950, o conceito também ganhou força na área de segurança industrial como ferramenta de prevenção de acidentes, especialmente nas indús- trias nuclear e bélica. Portanto, embora a avaliação e o gerenciamento de riscos sem- pre tenham feito parte das atividades humanas, o estudo científi co formal destas atividades é relativamente recente. Esses procedimentos foram elevados ao papel formal de avaliação de risco, na legislação ambiental, em meados da década de 1970, com a criação da Agência 158 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL de Proteção Ambiental dos Estados Unidos da América – USEPA (U. S. Environmental Protection Agency). Isto resultou na profi ssionalização da chamada análise de risco e incentivou o surgimento de empresas de consultoria. Com o aumento do uso pelas indústrias como ferramenta de controle de perdas de processo e avaliação de segurança e no proces- so de gestão ambiental por parte de órgãos governamentais, a análise de risco também foi consolidada como área de conhecimento acadêmico. É também a partir desta época que as preocupações da sociedade com a qualidade do ambiente e com os possíveis riscos aos quais está exposta começaram a aumentar. Os grandes acidentes na indústria, os produtos químicos perigosos, a poluição ambiental, o aquecimento do planeta, a degradação do ambiente em todas as suas formas torna- ram-se objetos de discussão da sociedade e foram inseridos na pauta política de países e de agências e organismos internacionais, como a Organização das Nações Unidas. Atualmente, os chamados “riscos ambientais” tornaram-se uma das mais importantes preocupações de cientistas, de políticos, de órgãos reguladores e do público em geral e a avaliação de riscos tem sido uma das mais importantes ferramentas de tomada de decisões, as quais afetam toda a sociedade. Alguns acham que todo risco é inaceitável, outros pensam que algum nível de risco deve ser tolerado. Independente da posição de cada um, uma abordagem técnica e científi ca das questões, com base na melhor informação disponível, é sempre necessária. Esta abordagem é o que chamamos de avaliação de riscos e elas têm sido objeto de estudo nas mais diversas áreas do co- nhecimento científi co: saúde pública, engenharia, economia, ciências atuariais, psicologia, entre outros. 9.1 O CONCEITO DE RISCO No campo técnico-científi co, ainda não há um único conceito de risco, aplicável a todas as áreas. Existem várias defi nições e diferentes maneiras de quantifi car riscos, as quais têm sido úteis para auxiliar a tomada de decisão e resolver problemas específi cos. Segundo a Royal Society, risco é a probabilidade de ocorrência de um efeito adverso, Nayra Destacar CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 159 para a vida e a saúde humana, o ambiente e a propriedade, em um de- terminado período de tempo, resultante de um evento particular. A Sociedade Internacional de Análise de Risco defi ne risco como o potencial de realização de consequências adversas e indesejáveis para a vida e a saúde humana, ou o ambiente; a estimativa do risco geral- mente é baseada no produto do valor esperado da probabilidade de o evento ocorrer e as consequências do evento, caso ele ocorra. Ainda segundo Rodricks (1992), risco é a probabilidade de algum evento da- noso (prejudicial) ocorrer. Assim, de maneira geral, todas as defi nições têm em comum a associação de riscos com dois elementos principais: a probabilidade de ocorrência de um evento indesejável e as consequências negativas deste evento, uma vez que ele ocorra. Além disto, para a caracterização do risco é necessário a existência simultânea de dois elementos: um perigo e um sujeito. Se houver um perigo (um produto perigoso, uma instalação industrial, ou uma situa- ção) e não houver ninguém exposto a ele, não haverá risco. 9.2 OS AGENTES AMBIENTAIS São muitos os agentes e/ou fatores ambientais aos quais o ser humano está exposto e que, direta ou indiretamente, podem afetar negativamente sua saúde e qualidade de vida. Entretanto, alguns têm merecido maior atenção, como os produtos químicos perigo- sos, as radiações ionizantes e não ionizantes, os grandes acidentes industriais ou tecnológicos e os desastres naturais. Deste universo, as substâncias químicas, certamente, ocupam grande parte da nossa preocupação. O número e a quantidade de substâncias químicas que ocorrem na natureza são imensuráveis e muitas delas são indispensáveis à nos- sa vida. Os químicos orgânicos dão cor, cheiro e sabor aos produtos naturais; os combustíveis fósseis e os químicos inorgânicos, a parte não viva da terra. Com o avanço do conhecimento das teorias químicas, além das substâncias naturais, milhares de outras substâncias foram sendo sintetizadas e, principalmente, a partir da década de 1940, a taxa Nayra Destacar Nayra Destacar Nayra Destacar 160 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL de introdução de novas substâncias e a escala de produção industrial aumentaram signifi cativamente até os dias atuais. Estima-se que existam em uso atualmente no mercado centenas de milhares de substâncias químicas. Algumas dezenas delas são reco- nhecidamente carcinogênicas, algumas outras têm suas propriedades físico-químicas e toxicológicas bem conhecidas como, por exemplo, o benzeno. Entretanto, para a maioria absoluta das substâncias não são bem conhecidos os efeitos sobre a saúde humana e sobre o ambiente; o que difi culta a tarefa de avaliação de riscos. Entre as substâncias químicas, os agrotóxicos são um dos grupos que têm merecido grande atenção seja em função das suas proprieda- des físico-químicas e toxicológicas, seja pela forma de uso, os quais são feitos para serem “jogados” no ambiente e aplicados diretamente em alimentos. 9.3 AVALIAÇÃO DE RISCO A avaliação de risco pode ser entendida como o conjunto de proce- dimentos e técnicas específi cas que sintetizam informações científi cas e julgamentos técnicos, com o objetivo de identifi car, quantifi car e avaliar os riscos à saúde humana, meio ambiente e outros bens. As principais ferramentas de avaliação de risco atualmente dispo- níveis são as voltadas à análise de grandes acidentes industriais, à ava- liação de riscosà saúde humana decorrente da exposição a substâncias químicas perigosas e à avaliação de risco ecológico (tabela 9.1). CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 161 TABELA 9.1 COMPARAÇÕES DOS TRÊS TIPOS PRINCIPAIS DE AVALIAÇÕES DE RISCO Segurança Industrial Saúde Humana Ecológica 1. Identifi cação do perigo 1. Identifi cação do perigo 1. Formulação do problema Tem por objetivo a identifi cação de possíveis cenários acidentais. As técnicas aplicáveis focalizam os materiais, os equipamentos, os procedimentos, a operação e os inventários de produtos químicos perigosos Quantidade e as concentrações dos agentes (químicos, físicos e biológicos) nos compartimentos ambientais em um determinado local ou área de estudo. Identifi cação dos contaminantes de interesse Identifi cação e a caracterização da natureza dos problemas ecológicos observados ou que poderão ocorrer. Elaboração do plano de análise de dados e caracterização do risco 2. Estimativa das frequências 2. Avaliação da exposição 2. Avaliação da exposição Calcula a frequência de ocorrência dos eventos acidentais identifi cados, com o auxílio de técnicas como Análise de Árvore de Falhas – AAF e a consulta a banco de dados de falhas Identifi cação da população exposta e avaliação da dose recebida por todos os grupos ou subgrupos sensíveis, a partir do estudo do transporte ambiental dos contaminantes e/ou de análises ambientais e bioensaios Analisar a exposição, real ou potencial, por meio do exame das fontes e das características dos estressores e dos receptores estudados 3. Análise dos efeitos físicos/ consequências 3. Avaliação dose-resposta 3. Avaliação dos efeitos Por meio de modelos matemáticos, os cenários acidentais são simulados para o cálculo da intensidade dos efeitos físicos em função da distância. A partir de modelos de vulnerabilidade, a intensidade dos efeitos físicos é associada à probabilidade de mortes ou danos graves à saúde Estudo da relação entre as doses recebidas pelos grupos expostos e a ocorrência de efeitos adversos à saúde Avaliar os efeitos dos estressores nos receptores estudados por meio da avaliação da toxicidade aquática, terrestre e/ou outros ensaios como, por exemplo, de CL50 (continua) 162 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL TABELA 9.1 COMPARAÇÕES DOS TRÊS TIPOS PRINCIPAIS DE AVALIAÇÕES DE RISCO (continuação) Segurança Industrial Saúde Humana Ecológica 4. Quantifi cação do risco 4. Caracterização do risco 4. Caracterização do risco O risco é calculado por meio do produto da probabilidade de ocorrência do evento e a probabilidade de que o evento resulte em morte. Os riscos são calculados em termos de risco individual e risco social Integração das etapas anteriores para a expressão de riscos à saúde em termos qualitativos ou quantitativos. Análise de incertezas Integra as etapas anteriores e fornece a estimativa dos riscos ecológicos em termos da signifi cância dos efeitos observados, relacionamento causal e apreciação das incertezas Resultados Mortes, danos graves à saúde humana Prejuízos econômicos Risco de câncer na população, perigo de efeitos não carcinogênicos Impacto no habitat ou ecossistema, como abundância da população, diversidade de espécies, impactos globais Aplicações típicas Licenciamento ambiental de empreendimentos industriais Planejamento territorial Cálculo de seguros industriais Análise de segurança de instalações industriais Avaliação e remediação de áreas contaminadas Controle de poluição do solo, água e ar Gestão de substâncias químicas em geral: alimentos, agrotóxicos, entre outros Ainda em fase de estudos Alguns casos de aplicações em estudos de impacto ambiental, registro de agrotóxicos e avaliação de áreas contaminadas Fonte: Adaptado de Kolluru et alii, 1996. CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 163 9.4 AVALIAÇÃO DE RISCOS À SAÚDE HUMANA DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS PERIGOSAS O objetivo da avaliação de riscos de substâncias químicas perigosas é estimar os riscos para a população exposta, associados à exposição a pequenas taxas de dose durante longos períodos de tempo. As etapas de uma avaliação de risco são: Identifi cação e seleção dos contaminantes de interesse: Nesta etapa devem ser identifi cadas todas as substâncias presentes na área. É relevante também o levantamento de informações atualizadas, em fontes confi áveis de dados toxicológicos e na literatura científi ca es- pecializada, das informações sobre as propriedades físico-químicas e toxicológicas de todas as substâncias, bem como informações a respei- to do seu comportamento no ambiente. Após análise cuidadosa três decisões importantes podem ser tomadas: a) As substâncias não são perigosas e, portanto, não é necessário prosseguir com as etapas seguintes. b) As substâncias são perigosas e, portanto, é necessário efetuar as próximas etapas. c) As informações levantadas não são sufi cientes para concluir a respeito e mais estudos serão necessários. Estas decisões poderão resultar em dois tipos de erros: 1) As substâncias foram consideradas seguras e não eram. 2) As substâncias foram consideradas perigosas e não eram. Do ponto de vista de saúde pública o primeiro tipo de erro é mais preocupante, mas do ponto de vista econômico e social, o segundo tipo também pode ter sérias implicações. Avaliação da exposição: O objetivo desta etapa é estimar as doses recebidas pela população exposta. Isto pode ser feito, diretamente, por meio de bioensaisos (análise de amostras de sangue, urina, cabelo ou outro) desde que a população efetivamente já tenha sido exposta; ou 164 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL indiretamente, por meio de modelos matemáticos e da medida da con- centração das substâncias em determinados meios ambientais, como solo, água e alimentos, e considerando-se o comportamento ambien- tal, as características da ocupação, hábitos populacionais, tempo de exposição, entre outros. Ambas as formas envolvem limitações impor- tantes, pois a medida direta da concentração da substância em fl uidos corpóreos não permite a estimativa direta da dose recebida. A medida da dose a partir de modelos matemáticos também envolve incertezas importantes. Avaliação dose–resposta: Após a estimativa das doses recebi- das é necessário conhecer os possíveis efeitos (resposta) que poderão estar associados. Isto é usualmente feito por meio da chamada curva dose–resposta, a qual é obtida em bancos de dados toxicológicos ou na literatura científi ca especializada. A grande difi culdade usualmente encontrada nesta etapa é a não existência de informações para a gran- de maioria das substâncias químicas encontradas no ambiente; o que difi culta, e muitas vezes inviabiliza, a quantifi cação dos riscos. Quantifi cação do risco: Para as substâncias consideradas carcino- gênicas, para as quais é assumido que a relação dose–resposta é linear, ou seja, para toda dose há uma probabilidade de câncer associada, e o risco é estimado a partir do produto da dose estimada pelo fator de carcinogenicidade (dado pela inclinação da curva dose–reposta, tam- bém chamado de fator potencial, fator de inclinação). O risco é dado por um valor entre 0 e 1, por exemplo, 0,00001; o que signifi ca um caso de câncer em cada 10 000 pessoas expostas. Para as substâncias ou para os efeitos não carcinogênicos, chamados efeitos sistêmicos, os quais são funções da dose, ou seja, quanto maior a dose recebida maior a sua gravidade. Neste caso, uma estimativa do risco é feita por meio da comparação da dose calculada com os valores de referência. Se a dose estimada é menor ou igual ao valor de referência, não são esperados efeitos signifi cativos à saúde das pessoas durante seu tempo de vida. Se a dose é maior, efeitos poderão ocorrer e é recomen- dável medidas de redução ou de proteção. Vale destacar que os valores de referência ao longo do tempo têm sido sempre reduzidos,com a CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 165 evolução das tecnologias analíticas e do conhecimento sobre os efeitos das substâncias químicas à saúde humana. 9.5 ANÁLISE DE INCERTEZAS Embora ainda pouco mencionada, a análise das incertezas deve fazer parte de uma avaliação de risco, e muitas vezes, pode ser tão ou mais complexa que a própria avaliação. As incertezas são geradas pela combinação de três fatores principais: a variabilidade dos parâmetros, os erros de medidas e a falta de conhecimento. A variabilidade está associada à variação de um parâmetro. Por exemplo, a quantidade de água que um indivíduo ingere diariamente é relativamente simples de determinar-se, mas essa quantidade varia tanto no dia a dia quanto de um indivíduo para outro. Os erros surgem de defi nição inadequada da amostra, erros de amostragem, erros de medidas e imprecisões. A falta de conhecimento pode envolver parâmetros quantitativos e qualitativos. As fontes destas incertezas incluem o desconhecimento do próprio risco, bem como dos processos físicos, como os mecanismos de dispersão e transporte ambiental de um produto químico, além do desconhecimento de cenários futuros de uso do solo e dos mecanismos de dose–resposta, por exemplo. O estudo da incerteza associada às estimativas de risco possibilita que a sua magnitude seja avaliada, garantindo que as incertezas se- jam tratadas da mesma forma em diferentes avaliações e permitindo, ainda, avaliar como a incerteza de cada parâmetro contribui para a incerteza do resultado e, portanto, o quanto o avaliador foi consistente nas suas considerações durante a avaliação. Mas estas análises não eli- minam as incertezas. Deve ser destacado que, ainda que o cálculo da probabilidade de ocorrência de um evento seja preciso, exato, será apenas uma probabi- lidade. Medir com precisão a probabilidade de ocorrência de um even- to não trará a certeza da ocorrência ou não desse evento, tampouco permitirá conhecer-se o momento em que ocorrerá. 166 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 9.6 GERENCIAMENTO DE RISCOS O gerenciamento de riscos é o conjunto de todas as atividades téc- nicas e legais, bem como o conjunto de todas as decisões e escolhas sociais, políticas e culturais que se relacionam direta ou indiretamente com as questões de risco. Nesta etapa, os resultados da avaliação de risco deverão ser analisados à luz de outros fatores sociais, econômi- cos, políticos e culturais, a fi m de possibilitar que as decisões tomadas sejam as mais adequadas. Nesta etapa, a seleção e a implementação de estratégias de contro- le dos riscos deverão ser baseadas não somente na estimativa do risco, mas também na sua viabilidade política, social, econômica e técnica. As ferramentas principais de auxílio à decisão atualmente muito empregadas nesta fase são a análise risco–benefício ou custo x efi cácia e a análise comparativa de riscos. Na análise risco versus benefício, os be- nefícios de determinada atividade são avaliados e confrontados com os riscos a fi m de decidir se estes compensam os riscos impostos. A análise custo–efi cácia é similar, pois os custos de ações e medidas mitigadoras são confrontados com a sua efi cácia em termos de redução de risco. Vale destacar que toda decisão é um processo de julgamento de valores e como tal é sempre infl uenciado por questões sociais, econô- micas, políticas e culturais, ainda que seja orientado pela melhor infor- mação técnica disponível. O monitoramento ambiental também é uma importante ferra- menta de gerenciamento, uma vez que ele permitirá, por meio da co- leta sistemática de informações, não apenas a aferição das informa- ções e resultados da avaliação de risco como também a adoção de procedimentos e ações imediatamente após a identifi cação de possí- veis problemas. 9.7 PERCEPÇÃO DE RISCO Os estudos da percepção de risco tiveram início ainda em 1960, quando alguns profi ssionais decidiram investigar o comportamento da população residente em áreas sujeitas a desastres naturais, como enchentes. Essa população parecia ter, segundo os especialistas, um CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 167 comportamento irracional, uma vez que se recusava a desocupar a área e ignorava o alerta para os riscos. A partir de 1970, vários estudos também foram realizados para avaliar a percepção do público sobre a probabilidade e como este con- ceito era utilizado por eles na tomada de decisão. Muitos outros estu- dos foram realizados na área nuclear para compreender o aumento da rejeição popular a este tipo de atividade. Embora não se tenha uma teoria formulada a respeito, os estudos de percepção do risco apontam alguns parâmetros importantes que são considerados na decisão sobre risco, tais como: o conhecimento – as pes- soas tendem a perceber como maiores os riscos de atividades novas e desconhecidas; o potencial catastrófi co – as pessoas tendem a enfatizar as consequências em detrimento da probabilidade, e em casos em que as consequências podem ser severas o risco é percebido como maior, ainda que a probabilidade de ocorrência seja muito pequena; a voluntarieda- de – as pessoas tendem a aceitar riscos maiores se entendem que são escolhas voluntárias e rejeitam riscos menores se estes lhe são impostos. Estes estudos auxiliam na ajuda da análise de risco e tomada de decisões por: 1) Fornecer uma base para a compreensão e antecipação das res- postas da população ao perigo. 2) Melhorar a comunicação da informação do risco entre a popu- lação leiga, especialistas técnicos e responsáveis pelas decisões a serem tomadas. As conclusões destes estudos enfatizam a necessidade de que os responsáveis pela promoção e regulamentação dos aspectos relacio- nados à saúde e à segurança compreendam o que as pessoas pensam sobre situações de risco. Sem tal compreensão, as políticas de proteção e prevenção podem tornar-se inefi cazes junto à população. 9.8 COMUNICAÇÃO DE RISCO O aumento da discussão, por parte da sociedade, sobre os pro- blemas ambientais deu origem também a muitas divergências envol- vendo vários atores sociais, como indústria, órgãos ambientais e po- 168 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL pulação. Estes debates, em geral, têm colocado, de um lado, técnicos e cientistas que alegam que a população em geral tende a exagerar os riscos por desconhecer o assunto e, de outro, os leigos e representantes de organizações populares que acusam os cientistas de minimizarem os riscos para favorecer os interesses empresariais. A comunicação de risco surgiu inicialmente como uma ferramen- ta para tentar minimizar estes confl itos e tinha por objetivo levar in- formações do público especializado para a população em geral. Atual- mente, ela teve sua função ampliada e deve ser entendida como uma ferramenta de troca de informações entre as partes interessadas, a fi m de garantir o direito a uma participação informada de todo cidadão nas decisões que afetam sua vida ou sua saúde. REFERÊNCIAS CONSULTADAS ATSDR (Agency for Toxic Substances and Disease Registry). Evaluación de Riesgos en Salud por la Exposición a Residuos Peligrosos. México: Organização Mundial de Saúde, 1995. AYRES, J. R. C. M. 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Tese de Doutorado (Doutorado em Saúde Pública) – Faculdade de Saúde Pública, USP. São Paulo, 1999. CAPÍTULO 9 – AVALIAÇÃO DE RISCO... ►◄ 169 NRC (NATIONAL RESEARCH COUNCIL). Risk Assessment in the Federal Government: Managing the Process. Washington (DC): National Academy Press, 1983. RODRICKS, J. V.; TARDIFF, R. G. Assessment and Management of Chemical Risks. Washington (DC): American Chemical Society, 1984. SRA (SOCIETY OF RISK ANALYSIS). Glossary of Risk Analysis Terms. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2005. THE ROYAL SOCIETY OF LONDON. Risk Assessment. Report of a Royal Society Study Group. London, 1883. WHO (WORLD HEALTH ORGANIZATION). Evaluación Epidemiológica de Riesgos Causados por Agentes Químicos Ambientales. México: Limusa, 1988. C A P Í T U L O 1 0 Controle de Qualidade dos Resultados em Toxicologia Ambiental Cristina Lúcia Silveira Sisinno Regina Sawaia Sáfadi CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 173 Os ensaios de toxicidade devem ser preferencialmente realizados com base em normas técnicas reconhecidas nacional ou internacional- mente. No Brasil são utilizadas normas nacionais da ABNT (Associa- ção Brasileira de Normas Técnicas) e internacionais – como as da ISO (International Organization for Standardization), OECD (Organization for Economic Cooperation and Development) e USEPA (United States Environ- mental Protection Agency). A utilização de metodologias normalizadas para avaliação de to- xicidade de substâncias químicas, efl uentes industriais, solos contami- nados ou remediados e compostos diversos é uma tendência mundial e está sendo intensivamente recomendada, porque permite a compa- ração de resultados obtidos em diversas circunstâncias e por diferentes laboratórios, com controle e garantia da qualidade dos dados gerados. Eventualmente, o laboratório pode ter que adotar uma metodologia não normalizada ou desenvolver uma metodologia própria, porém nestes casos deve providenciar a devida validação do método. 10.1 METODOLOGIAS E NORMAS TÉCNICAS NACIONAIS A primeira publicação de normas padronizadas em escala nacio- nal no Brasil data de 1988, quando o Manual de Testes para Avaliação da Ecotoxicidade de Agentes Químicos foi publicado pela hoje extinta Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA). Este manual contém várias metodologias para avaliação da toxicidade e da ecotoxicidade de substâncias químicas, além de outras metodologias, porém, como a maioria está desatualizada, deixou de ser utilizado. No início da década de 1990, uma comissão de especialistas na área da ecotoxicologia elaborou as primeiras normas para ensaios ecotoxico- lógicos com organismos aquáticos no Brasil, publicadas pela ABNT. Es- sas normas foram baseadas nos procedimentos redigidos pela CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) e originaram normas ABNT para os seguintes organismos: Daphnia spp. (1995); Ceriodaphnia spp. (1995); Peixes (1993); e Algas (1992). Devido à necessidade de re- visão das normas existentes e da elaboração de normas com outros 174 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL organismos-teste, a ABNT instituiu uma Comissão de Estudo Especial de Análises Ecotoxicológicas, que tem se reunido periodicamente des- de 2002. Recentemente, foram realizadas traduções de normas da ISO de qualidade de solo e de água com o uso de diversas espécies utiliza- das também no Brasil. As normas ABNT são reconhecidas como as normas ofi ciais bra- sileiras e as metodologias atualmente em vigor são aplicadas em sua maior parte para avaliação de ecotoxicidade aguda ou crônica com diversos organismos aquáticos (marinhos ou de águas continentais) e terrestres, tais como: • Crustáceos – Daphnia similis e D. magna; Ceriodaphnia dubia e C. silvestre; Mysidopsis juniae e Mysidium gracile; Hyalella spp.; Anfípodos marinhos e estuarinos. • Peixes – Danio rerio e Pimephales promelas. • Algas – Chlorella vulgaris, Scenedesmus subspicatus e Pseudokirchneriella subcaptata. • Ouriços-do-mar – Lytechinus variegatus e Echinometra lucunter. • Bactérias – Vibrio fi scheri. • Minhocas – Eisenia fetida e E. andrei. • Vegetais superiores (espécies citadas na NBR ISO 11269-2:2009). Outra metodologia importante da ABNT que merece destaque é a norma de preparo de amostras para realização de ensaios ecotoxicoló- gicos (ABNT NBR 15469:2007). É importante lembrar que uma análise de qualidade começa com a coleta adequada da amostra. Para isso, deve-se destacar que a ABNT também possui métodos de coleta e preservação de amostras líquidas e sólidas. 10.2 CONTROLE DE QUALIDADE O desenvolvimento de um ensaio ecotoxicológico com base em me- todologias reconhecidas é o primeiro passo para a produção de resulta- dos que possam expressar confi abilidade e garantir a qualidade do en- saio. Entretanto, vários outros fatores são de extrema importância para garantir a qualidade dos resultados dos ensaios como, por exemplo, ca- CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 175 pacitação dos técnicos, instalações e infraestruturas adequadas, uso de equipamentos e vidrarias calibrados, utilização de reagentes e materiais de boa qualidade e de organismos-teste em condições apropriadas. A capacitação do pessoal técnico e o treinamento constante são im- portantes para manter os procedimentos que garantirão a qualidade dos resultados. Também merece destaque a importância da organização dos dados e a comunicação entre os técnicos que estejam executando procedimentos da mesma amostra para evitar erros de continuidade. Na parte de infraestrutura do laboratório é fundamental, por exemplo, que a climatização dos ambientes, tanto para manutenção e cultivo dos organismos como para realização dos ensaios, seja bem controlada, e que as informações sejam devidamente registradas e ras- treáveis ao longo do tempo. Tanto a limpeza do ambiente como a la- vagem correta dos materiais e vidrarias merecem atenção para evitar contaminação cruzada. Além disso, o uso de reagentes e materiais de boa qualidade per- mite um melhor controle sobre as fontes de variabilidade, inerentes às atividades de pesquisa com seres vivos e evitam o desperdício de material pela necessidade de descarte de produtos inadequados que possam comprometer o resultado do ensaio. Equipamentos e vidrarias calibrados permitem, igualmente, reduzir as interferências indesejáveis na condução de ensaios ecotoxicológicos. É importante lembrar que a aquisição de organismos-teste deve ser feita com fornecedores de qualidade, que garantam sua manuten- ção adequada antes que os organismos sejam utilizados nos ensaios. Alguns dos mecanismos adotados pelos laboratórios para garan- tia da qualidade dos ensaios que realizam são: 10.3 PRECISÃO INTRALABORATORIAL E CARTA-CONTROLE O laboratório deve determinar a variabilidade de cada tipo de ensaio que executa (expressa pelo coefi ciente de variação), realizando uma série de ensaios com diferentes lotes de organismos e uma mesma substância de referência, sob as mesmas condições de ensaio e mesmo método de análise dos resultados. 176 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL O conjunto de dados gerados permite estabelecer a carta-controle, defi nida por uma faixa de respostas aceitáveis para cada organismo/ condições de ensaio. Cada novo resultado produzido com a substância de referência é criticamente avaliado em relação ao histórico estabele- cido no laboratório. Com isso, é possível identifi car a ocorrência de tendências, como aumento ou redução progressiva da sensibilidade dos organismos, permitindo ao laboratório estabelecer ações corretivas antes que a va- riabilidade alcance um nível inaceitável. As cartas-controle são específi cas para cada laboratório e refl etem as condições únicas das instalações, incluindo a qualidade da água ou dodrásticas – até então desconhecidas para o homem daquela época – para a saúde humana e para o ambiente. A partir da Segunda Guerra Mundial os estudos no campo da toxicologia ganharam maior impulso, principalmente por causa do incremento no uso de uma grande variedade de substâncias e com- postos químicos. Um dos grandes marcos da toxicologia ambiental foi a publicação do best seller Silent Spring (Primavera Silenciosa), escrito pela americana Rachel Carson em 1962. Pela primeira vez eram relata- dos eventos documentando efeitos de substâncias químicas lançadas no ambiente (agrotóxicos) sobre organismos vivos, principalmente pássaros. Os fatos descritos no livro causaram diversas manifestações sociais e políticas e um incremento na importância do impacto nega- tivo causado pelas substâncias químicas aos componentes dos ecos- sistemas. A partir dessa nova visão várias ações na área ambiental tiveram destaque, como a criação da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (USEPA) em 1970 e posteriormente o cancelamen- to do registro do DDT nos Estados Unidos em 1973. Episódios envolvendo danos à saúde humana e contaminações ambientais causadas por substâncias químicas entraram no rol das grandes catástrofes da era moderna. O despejo de mercúrio na Baía de Minamata (Japão) durante as décadas de 1930 a 1960; a identifi cação da contaminação da neve antártica por DDT; os acidentes de Seveso (Itália) com dioxina em 1976 e Bhopal (Índia) com isocianato de metila em 1984 são apenas alguns exemplos de casos onde os estudos toxico- lógicos atuaram e atuam até hoje avaliando, principalmente, os efeitos em longo prazo (efeitos crônicos). No decorrer de seu processo de desenvolvimento, a toxicologia foi ganhando força e reconhecida importância. Por se tratar de uma ciência multidisciplinar, onde conceitos de outras áreas, como biologia, medi- cina, química e farmácia, tornam-se complementares, a toxicologia nos CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 5 dias de hoje apresenta uma nova visão de ciência: a ciência integrada, com o objetivo maior do trabalho em conjunto, visando acima de tudo à proteção e a melhoria da qualidade de vida do homem. 1.1 CONCEITOS E ELEMENTOS BÁSICOS Antigamente limitada à ciência do estudo dos venenos, nos dias atuais a toxicologia é voltada para o estudo dos efeitos adversos das substâncias químicas sobre os organismos vivos, incluindo efeitos em níveis moleculares, celulares e bioquímicos, visando ao estabeleci- mento da magnitude do dano e do uso seguro destas substâncias. Os agentes químicos tiveram ênfase neste conceito por terem seu número aumentado signifi cativamente durante o século XX; contudo, os efeitos de agentes físicos – principalmente radiações ionizantes – também são estudados em toxicologia. A melhor maneira de compreender a importância da toxicologia é comparar a ação dos agentes químicos com a ação dos medicamentos, que também são substâncias químicas, porém vistas de outra forma por grande parte da sociedade. Os medicamentos só são seguros se administrados em doses corretas, caso contrário tornam-se substâncias tóxicas. Assim sendo, as substâncias são consideradas tóxicas a partir do momento que provocam alterações na homeostase (equilíbrio) nor- mal do organismo, produzindo uma resposta danosa. De acordo com o conceito de toxicologia, três elementos básicos (fi gura 1.1) devem estar interagindo: • Uma substância (agente) capaz de produzir um efeito. • Um sistema biológico com o qual a substância possa interagir para produzir o efeito. • A necessidade de que o efeito (resposta) possa ser considerado nocivo ao sistema com o qual interage. 6 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL FIGURA 1.1 Inter-relação entre os três elementos básicos nos estudos em toxicologia. Fonte: Adaptado de Larini & Cecchini (1987). 1.1.1 A Substância Para a toxicologia, as substâncias podem ser classifi cadas de vá- rias formas como, por exemplo: • Pela sua utilização (pesticidas). • Pela sua origem (toxinas animais). • Pelos seus efeitos (mutagênicas). • Pelo órgão atingido (hepatotóxicas), etc. Deste modo, a toxicidade é uma propriedade intrínseca que cada substância tem de produzir efeitos danosos a um determinado orga- nismo quando este é exposto, durante um certo período de tempo, a determinadas doses ou concentrações. A toxicidade das substâncias é determinada com o auxílio de ensaios de laboratório onde são observa- dos os efeitos adversos, incluindo, muitas vezes, a letalidade. Os estudos de toxicidade são desenvolvidos em condições espe- cífi cas, de acordo com normas técnicas, e utilizam animais de experi- mentação ou organismos-teste padronizados. Várias são as espécies CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 7 utilizadas dependendo do foco da avaliação. Em geral, quando o ob- jetivo do estudo é a proteção da saúde humana são utilizados animais superiores, principalmente mamíferos, tais como camundongos, ratos, coelhos, cães, macacos. Os resultados desses estudos também subsi- diam avaliações ecotoxicológicas com o objetivo de predizer os efeitos sobre mamíferos silvestres, além de diversos outros ensaios com verte- brados ou invertebrados realizados exclusivamente para o estudo da ecotoxicologia, que tem como objetivo maior a proteção dos ecossiste- mas e de seus componentes. Nesses casos, os organismos utilizados são representantes de um ecossistema, como animais vertebrados e inverte- brados aquáticos (p. ex. peixes, microcrustáceos, etc.) e vegetais (p. ex. algas) de ambientes marinhos ou dulcícolas; invertebrados terrestres (p. ex. minhocas, colêmbolos, nematoides, etc.) e plantas terrestres. Os fatores importantes que infl uenciam na toxicidade são: a rota de administração da substância, a duração e a frequência de exposição e a existência de processos físicos, químicos e biológicos no ambiente. As principais rotas pelas quais as substâncias presentes no am- biente têm acesso ao corpo humano são: o trato gastrointestinal, os pulmões e a pele. Todavia, os efeitos mais rápidos ocorrem principal- mente por via intravenosa, seguindo-se em ordem decrescente pela via pulmonar, intraperitoneal, subcutânea, intramuscular, intradérmica, oral e dérmica. A via de administração pode, deste modo, infl uenciar na toxicidade das substâncias. Por isso, a comparação da dose letal de uma substância por diferentes vias de exposição muitas vezes fornece informações úteis com referência a sua absorção. Quanto à duração da exposição, uma exposição aguda é aquela produzida pela administração de quantidades elevadas de uma subs- tância, por um período de 24 horas ou menos, observando-se um efeito tóxico imediato. Uma exposição crônica, por sua vez, é aquela ocasio- nada pela administração de pequenas quantidades de uma substância, por longos períodos, podendo-se observar efeitos durante ou mesmo após o término da exposição, ou efeitos que podem se manifestar so- mente nas gerações seguintes. Um fator importante para caracterizar a exposição é a frequência com que uma substância é administrada. O fracionamento da dose reduz a intensidade do efeito produzido. Assim sendo, a quantidade 8 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL da substância que produz um efeito tóxico, se administrada fracio- nadamente em várias doses pode reduzir o efeito ou, então, nem produzi-lo. Isto ocorre devido, entre outras coisas, a processos de eliminação e de biotransformação. Uma única dose de uma substân- cia que produz efeitos severos pode não produzir nenhum efeito se esta dose for administrada em diferentes intervalos. Efeitos tóxicos crônicos, entretanto, podem ocorrer caso a substância se acumule no organismo (absorção superando a biotransformação e/ou excreção), produza efeitos tóxicos irreversíveis ou não haja tempo sufi ciente para o sistema recuperar-se do efeito danoso, dentro do intervalo de frequência da exposição. 1.1.2 O Organismo Afetado A interação entresubstrato utilizados nos ensaios, as condições de manutenção/cul- tivo dos organismos e outras variáveis. A avaliação da precisão intralaboratorial e da carta-controle per- mitem analisar a repetitividade dos dados gerados pelo laboratório em um dado período de tempo. 10.4 ENSAIOS DE PROFICIÊNCIA (PROGRAMAS INTERLABORATORIAIS) A participação do laboratório nesses ensaios permite a avaliação geral dos procedimentos internos em comparação com outros labora- tórios. Normalmente, a organização responsável pelo estudo utiliza amostras certifi cadas e os resultados obtidos pelos vários laboratórios participantes são comparados estatisticamente. A performance de cada laboratório é avaliada com base na média e no desvio-padrão do con- junto de dados gerados em cada ensaio. 10.5 SISTEMA DE QUALIDADE E ACREDITAÇÃO DE LABORATÓRIOS A implementação e a manutenção de um sistema de gestão da qualidade no laboratório para realização de ensaios, inclusive ecotoxi- cológicos, são os principais mecanismos para o controle da qualidade das análises. CAPÍTULO 10 – CONTROLE DE QUALIDADE... ►◄ 177 A norma que estabelece os procedimentos e critérios para la- boratórios de ensaio e calibração é a ABNT ISO/IEC 17025 – requi- sitos gerais para a competência de laboratório de ensaio e calibra- ção, que abrange a gestão de todas as atividades do laboratório. A acreditação de laboratórios no Brasil é de competência exclusiva do INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tec- nologia). Alguns laboratórios optam primeiramente pelos certifi cados da série ISO 9000, que tratam dos requisitos para boas práticas de manejo que pretendem assegurar que a organização possa oferecer produtos ou serviços que atendam às exigências de qualidade dos clientes. O atendimento aos requisitos gerais da norma ABNT ISO/IEC 17025 demonstra que o laboratório tem implementado um sistema de qua- lidade, é tecnicamente competente e é capaz de produzir resultados dentro dos padrões exigidos e reconhecidos internacionalmente. Dependendo de exigências de órgãos regulamentadores nacionais e internacionais, o laboratório pode também obter o reconhecimento de conformidade aos princípios das Boas Práticas de Laboratório (BPL), igualmente sob a responsabilidade do INMETRO segundo a Norma no NIT/DICLA-035. Por defi nição, Boas Práticas de Laboratório é um sistema de qualidade que abrange o processo organizacional e as con- dições nas quais estudos não clínicos de saúde e de segurança ao meio ambiente são planejados, desenvolvidos, monitorados, registrados, ar- quivados e relatados. Conforme estabelecido pelo INMETRO, os princípios das BPL são aplicados às instalações de teste que realizam estudos exigidos por órgãos regulamentadores para o registro de produtos agrotóxicos, farmacêuti- cos, aditivos de alimentos e rações, cosméticos, veterinários, produtos químicos industriais, Organismos Geneticamente Modifi cados – OGM, visando avaliar o risco ambiental e à saúde humana dos mesmos. Alguns órgãos regulamentadores defi niram critérios próprios para aceitação dos resultados gerados pelos laboratórios. Por exemplo, o IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na- turais Renováveis) exige que os estudos físico-químicos, toxicológicos e ecotoxicológicos realizados para avaliação ambiental de produtos químicos, bioquímicos e biotecnológicos sejam conduzidos por labo- 178 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL ratórios com reconhecimento de conformidade aos princípios das BPL pelo INMETRO. Por sua vez, a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) possui um sistema de habilitação de laboratórios para realização de análises na área da saúde humana, cujo objetivo é garantir a boa qua- lidade dos serviços prestados. Os laboratórios habilitados compõem a Rede Brasileira de Laboratórios Analíticos em Saúde (REBLAS) e de- vem atender à norma ABNT ISO/IEC 17025, embora o órgão também aceite o reconhecimento em BPL. Essas certifi cações têm sido cada vez mais exigidas por órgãos ambientais e empresas de médio e grande portes, preocupados em em- basar suas ações e decisões em resultados confi áveis. REFERÊNCIAS CONSULTADAS ABNT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS). Normas Técnicas. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2010. ABNT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS). Requisitos gerais para a competência de laboratórios de ensaio e calibração. ABNT NBR ISO/IEC 17025. ABNT: Rio de Janeiro, 2005. ANVISA (AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA). Rede Brasileira de Laboratórios em Saúde – REBLAS. Disponível em . Acesso em: 20 ago. 2010. BRASIL. MINISTÉRIO DO INTERIOR. SEMA (SECRETARIA ESPECIAL DO MEIO AMBIENTE). Manual de Testes para Avaliação da Ecotoxicidade de Agentes Químicos. Brasília: IBAMA, 351 p., 1988. INMETRO (INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA). Princípios das Boas Práticas de Laboratório – BPL. Norma no NIT-DICLA-035. Jul/09. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2010. ISO (INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION). ISO Standards. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2010. OECD (ORGANIZATION FOR ECONOMIC COOPERATION AND DEVELOPMENT). OECD Principles on Good Laboratory Practice, no 1. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2010. USEPA (UNITED STATES ENVIRONMENTAL PROTECTION AGENCY). Test Methods and Guidelines. Disponível em:. Acesso em: 20 ago. 2010. C A P Í T U L O 1 1 Estatística Aplicada em Ensaios Toxicológicos e Ecotoxicológicos Eduardo Bertoletti CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 181 Os ensaios toxicológicos são usados, há muito tempo, para a toma- da de decisão em aspectos relacionados à proteção da saúde humana. Do mesmo modo, os ensaios ecotoxicológicos são utilizados com o fi m de proteção de outros animais (ou vegetais) em ecossistemas naturais. Nesse sentido, a caracterização dos efeitos tóxicos de um agente quími- co deve, preferencialmente, ser expressa por meios objetivos e inequí- vocos, que independam da subjetividade do julgamento humano. Nesse contexto, as análises aqui genericamente denominadas to- xicológicas necessitam de tais meios visto que os dados experimentais primários, de modo geral, constituem-se em gradações de um determi- nado efeito tóxico provocadas por correspondentes gradações de doses ou concentrações de um agente químico. Considerando-se os aspectos mencionados, a análise estatística torna-se um meio fundamental para expressar os resultados dos ensaios toxicológicos, embora muitos pro- fi ssionais tenham difi culdades em utilizá-la rotineiramente. Portanto, os textos a seguir não visam esmiuçar os procedimen- tos estatísticos normalmente usados nos ensaios toxicológicos, mas sim apresentar os princípios básicos que suportam tais procedimentos. Desse modo, o usuário dos ensaios toxicológicos, e também dos ecoto- xicológicos, pode ter uma ideia da forma como se processa o cálculo do resultado analítico de interesse. 11.1 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS DE TOXICIDADE AGUDA Usualmente os dados provenientes de ensaios de toxicidade aguda são originários de características quantais (dicotômicas, bino- miais, binárias), por exemplo, número de indivíduos vivos e mortos ou, ainda, número de organismos móveis e imóveis. Tais dados apre- sentam, inicialmente, as propriedades demonstradas na fi gura 11.1A, onde é possível observar que para cada concentração do agente tó- xico corresponde um percentual de efeito (letalidade, imobilidade, entre outros). No entanto, os pontos plotados apresentam-se pouco alinhados, de forma que não permitem traçar uma reta integradora entre os mesmos. 182 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Para o alinhamento dos pontos, pesquisadores verifi caram que a transformação logarítmica das concentrações de exposição pode pro- piciar um melhor ajuste (fi gura 11.1B). Além dessa, outra transforma-ção, como a percentagem de efeito observado em escala probabilística, pode ajustar melhor os pontos de forma a dispô-los em um mesmo eixo (fi gura 11.1C). Após o ajuste dos dados, conforme demonstrado na fi gura 11.1C, é possível calcular o resultado analítico, como a CL50 (concentração letal mediana), usualmente utilizada em ensaios de toxicidade aguda. Para tanto, deve-se traçar uma linha-base (também chamada reta con- centração/dose–resposta) entre os pontos obtidos, de preferência en- tre aqueles que se situam entre 16% e 84% do efeito observado (fi gura 11.1C). Em seguida, traça-se uma linha horizontal a partir do eixo das ordenadas, no ponto 50% de efeito observado, até a interseção com a linha-base. A partir desse ponto, na linha-base, é traçada uma linha vertical até o eixo das abscissas (concentrações do agente químico). As- sim, o ponto de interseção no eixo das abscissas corresponderá a CL50 para uma determinada substância, sendo que no exemplo apresentado na fi gura 11.1C a CL50 corresponde a 80 mg/L. Os resultados do cálculo, inclusive as transformações menciona- das, são muito semelhantes em quaisquer dos métodos estatísticos dis- poníveis para o cálculo da CL50, desde o mais simples (interpolação gráfi ca em papel prob-log) como para os de complexidade intermediá- ria (correlação linear, Litchfi eld-Wilcoxon) e até para os métodos mais sofi sticados (Probitos, Trimmed Spearman-Karber, dentre outros). Obviamente o uso de métodos estatísticos mais sofi sticados é pre- ferível, visto que permitem identifi car dados incongruentes e, também, possibilitam cálculos mais precisos. Um desses cálculos é o intervalo de confi ança, o qual indica a faixa de valores onde a CL50 pode ser encontrada com uma probabilidade de 95%, sendo que este intervalo é menos extenso quanto menor a variação das condições do ensaio. A indicação do método mais apropriado ao conjunto de dados de um ensaio será apresentada mais adiante. CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 183 FIGURA 11.1 (A, B, C) Relação concentração/dose–resposta de um agente químico. 184 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL Um aspecto que merece destaque é o motivo para o cálculo da CL50, isto é, a concentração que causa um efeito tóxico a 50% dos orga- nismos testados. Em outras palavras, por que não calcular a CL10 ou a CL90? A resposta está na maior repetibilidade dos resultados analí- ticos expressos no nível de 50% do efeito observado, sendo que tal ca- racterística está relacionada à resposta mais uniforme dos organismos de uma população nesse percentual. Assim, são esperados resultados mais variáveis quando são utilizados 10% dos organismos de uma po- pulação (que representam os mais sensíveis) ou mesmo 90% (que re- presentam os mais resistentes). Em algumas situações dois agentes químicos distintos podem apresentar a mesma CL50; no entanto, isso não signifi ca que o modo de ação dos agentes seja o mesmo. Para exemplifi car, a fi gura 11.2 apre- senta duas retas concentração/dose–resposta, as quais possuem incli- nações diferenciadas, apesar das CL50 serem idênticas (29%). Assim, a reta correspondente ao agente químico A (com menor inclinação) refl ete um mecanismo de ação cujos efeitos tóxicos se manifestam al- gum tempo após a exposição, ou uma absorção lenta ou, ainda, uma rápida excreção ou detoxifi cação. Para o agente A observa-se também que são necessárias concentrações maiores para produzir um efeito tó- xico diferenciado. Já a reta do agente químico B (com maior inclinação) demonstra ser uma substância de absorção rápida, com manifestação imediata dos efeitos tóxicos, sendo que pequenos incrementos nas con- centrações produzem efeitos tóxicos expressivos. Em muitos dos estudos toxicológicos, direcionados à saúde hu- mana, as comparações sobre a intensidade dos efeitos de duas subs- tâncias (expressas pela DL50 ou CL50) exigem que as retas sejam pa- ralelas. Nesses estudos é necessário que tal condição seja observada, pois as comparações podem se estender a respostas terapêuticas que requerem níveis de efeito (benéfi cos ou tóxicos), sobre 1% e 99% dos organismos expostos, com a fi nalidade de estabelecer margens de se- gurança de diferentes agentes químicos. CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 185 FIGURA 11.2 Concentração/dose–resposta para dois agentes químicos distintos. Assim, é possível verifi car que as retas apresentadas na fi gura 11.2 não são comparáveis, uma vez que não possuem um paralelismo entre elas. No entanto, na fi gura 11.3 são demonstradas duas retas paralelas que permitem a comparação da potência dos agentes químicos A e B, além de permitir a comparação com outras respostas terapêuticas que possuam inclinação de retas similares. Torna-se importante mencionar que nos estudos ecotoxicológicos, voltados para os aspectos ambientais, o paralelismo entre as retas não é uma condição exigida, visto que, usualmente, as comparações dizem respeito somente à intensidade do efeito tóxico (ou potência) de dife- rentes substâncias, sobre uma porcentagem preestabelecida da popu- lação, a uma ou várias espécies de animais ou vegetais. 186 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL FIGURA 11.3 Dose–resposta (paralelas) de dois agentes químicos distintos. Nos ensaios ecotoxicológicos, a comparação e a signifi cância dos resultados obtidos, em diferentes experimentos, podem ser obtidas mediante a aplicação da seguinte fórmula: onde: LS(1) = Limite superior do intervalo de confi ança referente ao ensaio 1 LS(2) = Limite superior do intervalo de confi ança referente ao ensaio 2 CL50(1) = Concentração letal mediana referente ao ensaio 1 CL50(2) = Concentração letal mediana referente ao ensaio 2 Então, calcula-se: H = 10G Z = CL50 superior ÷ CL50 inferior CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 187 Utilizando-se as fórmulas acima, o valor de Z representa a intensidade do efeito tóxico de um ensaio (potência) sobre o outro. Ainda, caso o valor de Z seja maior do que o valor de H, constata-se que existe diferença signifi cativa entre os valores da CL50. Existem diversos métodos estatísticos (paramétricos e não paramétricos) para estimar a CL50 e o intervalo de confi ança associado. Os métodos paramétricos são aqueles que seguem uma relação concentração–resposta que pode ser descrita por alguma função, ou modelo matemático, tal como a da logística ou das probabilidades. Entre os métodos paramétricos destacam-se o de Probitos e o de Litchfi eld-Wilcoxon. Os métodos estatísticos não paramétricos são aqueles que não adotam modelos matemáticos para a relação concentração–resposta, assumindo a distribuição monotônica das porcentagens de efeito observado. Entre os métodos não paramétricos mais utilizados pode-se citar o da interpolação gráfi ca e o Trimmed Spearman-Karber. A opção pelo uso de um dos tipos de método estatístico depende da distribuição da tolerância estatística dos dados experimentais. Em termos práticos, a fi gura 11.4 apresenta algumas condicionan- tes que indicam o método estatístico apropriado ao conjunto de dados de um ensaio ecotoxicológico. 11.2 MÉTODOS ESTATÍSTICOS UTILIZADOS EM ENSAIOS DE TOXICIDADE CRÔNICA Nos ensaios de toxicidade crônica o objetivo é defi nir, entre as concentrações utilizadas, aquela em que não são detectados efeitos de importância biológica sobre a variável contínua de interesse (repro- dução, crescimento, entre outras). A análise estatística de resultados dos ensaios de toxicidade crônica pode ser efetuada por meio de testes de hipóteses ou de métodos de estimativa pontual (estes últimos in- cluem também os procedimentos recomendados para análise de dados de ensaios de toxicidade aguda, quando a variável de interesse for a sobrevivência). 188 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL FIGURA 11.4 Fluxograma para a determinação da CL50 de ensaio ecotoxicológico agudo. Os testes de hipóteses são os métodos estatísticos mais utilizados devido à simplicidadedos cálculos (utilizam ferramentas estatísti- cas simples, disponíveis em programas computadorizados), além de serem apropriados a qualquer variável biológica. Esses métodos se baseiam na aplicação de sucessivos testes estatísticos para defi nir as concentrações-teste em que as respostas dos organismos são signifi ca- tivamente diferentes daquelas observadas dos organismos do controle experimental. Como resultado, comparando a variabilidade da respos- ta dentro de cada concentração-teste com as diferenças entre todas as demais, obtém-se a CENO (maior concentração em que não são obtidos efeitos estatisticamente signifi cativos em relação ao controle), a CEO CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 189 (menor concentração em que são observados efeitos), ou a evidência de que há um efeito adverso signifi cativo. Tanto a CENO como a CEO são as expressões numéricas do ensaio de toxicidade crônica, do mes- mo modo que a CL50 é a expressão do ensaio de toxicidade aguda. Na fi gura 11.5 é demonstrada a relação concentração/dose–resposta para um ensaio ecotoxicológico crônico, além da expressão dos resultados. Tradicionalmente, esse teste estatístico avalia a hipótese nula clás- sica (H0), de igualdade entre as médias obtidas no controle experimen- tal (μc) e nos tratamentos (μt), qual seja: H0: μt ≥ μc. Já a hipótese alternativa (existência de diferença estatística entre os tratamentos e o controle experimental) traduz-se por: Ha: μt μC p A seleção do nível de efeito relevante (p) constitui o ponto crucial desta abordagem, sendo que alguns pesquisadores sugerem o uso da Diferença Mínima Signifi cativa (DMS). Os valores da DMS gerados, após uma série de testes de hipóteses com um determinado método de ensaio, podem ser utilizados para defi nir o nível crítico que deve ser atingido pelo mesmo. Este nível crítico, por sua vez, pode ser utilizado para calcular a proporção de efeito que deve ser obtida em uma amos- tra para que essa proporção seja considerada biologicamente igual ao controle, constituindo-se assim na constante de proporcionalidade ne- cessária à aplicação do teste “t por bioequivalência”. CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 193 Pesquisadores da CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) estabeleceram as constantes de proporcionalidade (b) para os diferentes métodos de ensaio ecotoxicológicos com organismos aquáticos, subtraindo de 100 o valor correspondente ao 75º percentil da Diferença Mínima Signifi cativa. Os valores obtidos (tabela 11.1) mostraram-se apropriados e coerentes com os de outros estudos similares. TABELA 11.1 VALORES DO 75º PERCENTIL DA DIFERENÇA MÍNIMA SIGNIFICATIVA E AS CONSTANTES DE PROPORCIONALIDADE OBTIDAS PARA OS DIFERENTES MÉTODOS DE ENSAIO Organismo-Teste Número de Ensaios 75º Percentil da DMS (p, em %) Valor da Constante de Proporcionalidade (b, em %) Daphnia similis (sobrevivência) 101 27 73 Mysidopsis juniae (sobrevivência) 118 21 79 Hyalella meinerti (sobrevivência) 87 15 85 Hyalella azteca (sobrevivência) 36 11 89 Danio rerio (sobrevivência larval) 43 16 84 Danio rerio (sobrevivência) embriolarval) 41 17 83 Ceriodaphnia dubia (reprodução) 42 28 72 Lytechinus variegatus (desenvolvimento embriolarval) 75 14 86 A aplicação do teste “t por bioequivalência” na análise de resultados de ensaios ecotoxicológicos crônicos com Ceriodaphnia dubia, por exem- plo, tem permitido reduzir a incidência de falsos-positivos detectados no teste “t” em amostras de águas superfi ciais. Portanto, tem sido verifi cado que em tais amostras a reprodução dos organismos, embora menor do que no controle experimental, não é biologicamente signifi cativa. 194 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 11.2.2 Comparação de Múltiplas Concentrações com o Grupo-Controle Caso a ANOVA indique diferença signifi cativa entre as médias das várias concentrações-teste, são utilizados os testes paramétricos, ou também os não paramétricos, para identifi car aquelas que são dife- rentes do controle experimental. A sequência dos cálculos, bem como o uso apropriado de cada teste estatístico estão descritosna fi gura 11.7. Como resultado, o teste de hipóteses estabelece um valor de corte para a diferença de resposta de uma concentração-teste em relação à do con- trole (fi gura 11.5). A menor concentração em que essa diferença excede o valor de corte é defi nida como CEO (Concentração de Efeito Obser- vado), enquanto a concentração mais elevada em que a diferença de resposta é inferior ao valor de corte constitui a CENO (Concentração de Efeito não Observado). A análise de ensaios com múltiplas concentrações também pode ser efetuada por meio do teste “t por bioequivalência” e, neste caso, a CEO corresponderá à menor concentração na qual a média registrada não é bioequivalente à média do controle. A CENO, por sua vez, é defi nida como a maior concentração em que a média obtida é bioequi- valente àquela do controle. A equação utilizada no cálculo estatístico é modifi cada pela utilização de uma variância global, estimada a partir de todos os grupos experimentais. 11.2.3 Testes de Estimativa Pontual Vários pesquisadores têm demonstrado algumas inconveniências dos testes de hipóteses, especialmente quanto aos seguintes aspectos: • Os resultados estão restritos aos níveis testados, ou seja, CEO e CENO correspondem, obrigatoriamente, a uma das concen- trações utilizadas no ensaio, já que os testes de hipóteses não permitem interpolações entre as mesmas. • Não permitem o cálculo de um intervalo de confi ança para a CENO. CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 195 • Possibilidade de comprometimento dos resultados caso a dis- tribuição das respostas não seja monotônica. • Sensibilidade ao número de replicatas; à variância entre as re- plicatas do controle e dos grupos experimentais; ao número de organismos-teste por replicata; e às probabilidades de ocorrên- cia de falsos-positivos. Para evitar essas inconveniências, pesquisadores sugerem o uso de modelos matemáticos que assumem uma relação concentração/ efeito contínua, permitindo estimar a concentração que causa uma porcentagem específi ca de redução da resposta em relação àquela re- gistrada no grupo-controle. Os métodos recomendados para avaliar efeitos subletais, por meio de uma estimativa pontual, se baseiam em um modelo paramétrico (Probitos) ou em um não paramétrico tal como o da interpolação linear. Enquanto o método de Probitos segue os mesmos princípios de cálculo dos efeitos tóxicos agudos apresentados anteriormente, o mé- todo de interpolação linear, particularmente, foi desenvolvido para análise de dados de ensaios de toxicidade crônica de curta duração, sendo utilizado para calcular a concentração do agente químico que causa uma determinada porcentagem de redução (25%, 50%, etc.) na reprodução ou no crescimento dos organismos-teste (Concentração de Inibição – CIp). Tal método efetua uma análise de regressão, estabelecendo uma equação para a relação concentração/efeito que constitui a base para interpolação das concentrações não testadas. Consequentemente, efei- tos deletérios correspondentes a concentrações não utilizadas podem ser estimados. Além disso, esse método utiliza a variabilidade dentro dos tratamentos para calcular os limites de confi ança sobre as propor- ções de efeito utilizadas. Para o uso do método de interpolação linear as respostas dos or- ganismos devem estar, de preferência, em ordem monotonicamen- te decrescente, sendo que, quando essa condição não é atendida, os dados são ajustados por medianização das médias adjacentes. Além disso, esse método exige o estabelecimento do nível de efeito tóxico 196 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL biologicamente relevante (p), para que seja possível estimar a concen- tração do agente químico associada ao mesmo. Em estudos efetuados na CETESB foram estabelecidos os valores de (p) para alguns métodos de ensaio, os quais correspondem exatamente ou são aproximações do 75º percentil da DMS, conforme descritos na tabela 11.1. As principais vantagens da aplicação de testes de estimativas pontuais são: • Utilizam todo o conjunto de dados da relação concentração/res- posta, de modo a acomodá-los em algum modelo de regressão. • Os níveis de efeito não se restringem a uma das concentrações- teste, ou seja, o valor do efeito pode ser interpolado em qual- quer ponto da curva concentração–resposta. • Permitem estimar a precisão do método analítico. • Podem ser aplicados a quaisquer tipos de dados, ou seja, letais ou subletais. Com relação aos aspectos críticos desta abordagem, destacam-se: • No caso da utilização da interpolação linear, a construção do intervalo de confi ança é muito trabalhosa, exigindo programas computadorizados. • Requer maior conhecimento das ferramentas estatísticas devido à maior complexidade dos modelos de regressão. Na fi gura 11.7 encontra-se o fl uxograma dos principais procedi- mentos recomendados para a análise estatística de dados obtidos em ensaios crônicos com múltiplas concentrações. CAPÍTULO 11 – ESTATÍSTICA APLICADA EM ENSAIOS... ►◄ 197 FIGURA 11.7 Fluxograma para análise estatística de dados relativos a efeitos su- bletais (reprodução, crescimento, etc.), obtidos em ensaios ecotoxicológicos crônicos com múltiplas concentrações. 198 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL REFERÊNCIAS CONSULTADAS CHAPMAN, G. A.; ANDERSON, B. S.; BAILER, A. J.; BAIRD, R. B.; BERGER, R.; BURTON, D. T.; DENTON, D. L.; GOODFELLOW, Jr.; HEBER, M. A.; McDONALD, L. L.; NORBERG-KING, T. J.; RUFFIER, P. J. Discussion synopsis, methods and appropriate endpoints. Chapter 3. In: GROTHE, D. R.; DICKSON, K. L.; REED-JUDKINS, D. K. (eds.). Whole Effl uent Toxicity Testing: An evaluation of methods and prediction of receiving system impacts. Pensacola: SETAC Press, p. 51-82, 1996. ERICKSON, W. P.; McDONALD, L. L. Tests for bioequivalence of control media and test media in studies of toxicity. Environmental Toxicology and Chemistry, v. 14, n. 7, p. 1.247-1.256, 1995. KLAASSEN, C. D. Casarett and Doull’s Toxicology: The basic science of poisons. New York: McMillan Publishing Company, 1.236 p., 2001. LITCHFIELD Jr, J. T.; WILCOXON, F. A simplifi ed method of evaluating dose–effect experiments. Journal of Pharmacology and Experimental Therapeutics, v. 96, p. 99-113, 1949. NORBERG-KING, T. J. A linear interpolation method for sublethal toxicity: the inhibition concentration (ICp) approach. Version 2.0. (software). USEPA-Duluth (MN), 1993. WEST INC.; GULLEY, D. TOXSTAT 3.5 (software). University of Wyoming. Wyoming: USA, 1995. ZAGATTO, P. A.; BERTOLETTI, E. Ecotoxicologia Aquática: Princípios e Aplicações. São Carlos: Rima Editora, 472 p., 2008. A Toxicologia Ambiental estuda os efeitos adversos das substâncias químicas presentes no ambiente sobre os seres vivos. Essa disciplina vem ganhando cada vez mais importância, sobretudo em função dos crescentes episódios de contaminação ambiental. Em geral, a Toxicologia Ambiental é pouco estudada nos cursos de Graduação, sendo uma disciplina mais difundida nos cursos lato sensu e stricto sensu. Todavia, entendemos que a demanda por essa área de conhecimento também tem aumentado muito; o que traz a necessidade da transmissão dessas informações à diversas áreas de formação, sobretudo àquelas relacionadas às ciências da saúde. Assim sendo, “Princípios de Toxicologia Ambiental” é uma apresentação deste tema de maneira simplificada e resumida, podendo servir como material didático para todas as categorias de estudantes, principalmente, para aqueles que querem começar a entender melhor o princípio que afirma: todas as substâncias são tóxicas. 9 788571 932630 ISBN 978-85-7193-263-0 p_2469315 p_2469316 p_2469317 p_2469318 p_2469319 p_2469320 p_2469321 p_2469322 p_2469323 p_2469324 p_2469325 p_2469326 p_2469327 p_2469328 p_2469329 p_2469330 p_2469331 p_2469332 p_2469333 p_2469334 p_2469335 p_2469336 p_2469337 p_2469338 p_2469339 p_2469340 p_2469341 p_2469342 p_2469343 p_2469344p_2469345 p_2469346 p_2469347 p_2469348 p_2469349 p_2469350 p_2469351 p_2469352 p_2469353 p_2469354 p_2469355 p_2469356 p_2469357 p_2469358 p_2469359 p_2469360 p_2469361 p_2469362 p_2469363 p_2469364 p_2469365 p_2469366 p_2469367 p_2469368 p_2469369 p_2469370 p_2469371 p_2469372 p_2469373 p_2469374 p_2469375 p_2469376 p_2469377 p_2469378 p_2469379 p_2469380 p_2469381 p_2469382 p_2469383 p_2469384 p_2469385 p_2469386 p_2469387 p_2469388 p_2469389 p_2469390 p_2469391 p_2469392 p_2469393 p_2469394 p_2469395 p_2469396 p_2469397 p_2469398 p_2469399 p_2469400 p_2469401 p_2469402 p_2469403 p_2469404 p_2469405 p_2469406 p_2469407 p_2469408 p_2469409 p_2469410 p_2469411 p_2469412 p_2469413 p_2469414 p_2469415 p_2469416 p_2469417 p_2469418 p_2469419 p_2469420 p_2469421 p_2469422 p_2469423 p_2469424 p_2469425 p_2469426 p_2469427 p_2469428 p_2469429 p_2469430 p_2469431 p_2469432 p_2469433 p_2469434 p_2469435 p_2469436 p_2469437 p_2469438 p_2469439 p_2469440 p_2469441 p_2469442 p_2469443 p_2469444 p_2469445 p_2469446 p_2469447 p_2469448 p_2469449 p_2469450 p_2469451 p_2469452 p_2469453 p_2469454 p_2469455 p_2469456 p_2469457 p_2469458 p_2469459 p_2469460 p_2469461 p_2469462 p_2469463 p_2469464 p_2469465 p_2469466 p_2469467 p_2469468 p_2469469 p_2469470 p_2469471 p_2469472 p_2469473 p_2469474 p_2469475 p_2469476 p_2469477 p_2469478 p_2469479 p_2469480 p_2469481 p_2469482 p_2469483 p_2469484 p_2469485 p_2469486 p_2469487 p_2469488 p_2469489 p_2469490 p_2469491 p_2469492 p_2469493 p_2469494 p_2469495 p_2469496 p_2469497 p_2469498 p_2469499 p_2469500 p_2469501 p_2469502 p_2469503 p_2469504 p_2469505 p_2469506 p_2469507 p_2469508 p_2469509 p_2469510 p_2469511 p_2469512 p_2469513 p_2469514 p_2469515 p_2469516 p_2469517 p_2469518 p_2469519 p_2469520 p_2469521 p_2469522 p_2469523 p_2469524 p_2469525 p_2469526 p_2469527 p_2469528 p_2469529 p_2469530 p_2469531 p_2469532 CONCEITOS E ELEMENTOS BÁSICOSa substância e o organismo ocorre por meio dos fatores toxicocinéticos. Estes fatores incluem os processos envolvidos no transporte das substâncias absorvidas pelos vários compartimentos do sistema biológico afetado, desde o central até o mais periférico. A quantidade da substância distribuída pela circulação sanguínea repre- senta a disponibilidade biológica desta substância. Esta biodisponibili- dade está relacionada fundamentalmente com: • As vias de introdução da substância. • Os mecanismos utilizados pelas substâncias para passarem pe- las membranas celulares. • Os sítios de armazenamento. • As barreiras hematoencefálica e placentária. • A biotransformação da substância. • A indução ou inibição de sistemas enzimáticos. • A eliminação da substância. A seguir serão descritas com mais detalhes as vias de introdução dos contaminantes no organismo por se tratarem da primeira etapa e, portanto, da principal etapa relacionada ao processo de prevenção dos efeitos adversos da exposição aos contaminantes. CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 9 1.1.2.1 As Vias de Introdução A fase de exposição é fundamental para a ocorrência do fenôme- no da intoxicação, pois representa a disponibilidade da substância no ambiente. A intensidade da exposição depende, por exemplo, de fa- tores como a concentração do agente tóxico no ambiente, a duração da exposição, da frequência da exposição e das condições ambientais (temperatura, umidade e ventilação). Ocorrendo a exposição, a substância química poderá ser introdu- zida no organismo por uma ou mais vias: trato gastrointestinal (inges- tão), pulmões (inalação), pele (tópica, percutânea ou dérmica), olhos (ocular) e outras rotas parenterais, não muito comuns no contexto da toxicologia ambiental. A via inalatória é uma das mais importantes por causa de vários fatores: • Pelo constante contato do sistema respiratório com o meio externo. • Pela área dos pulmões ser permeável e ricamente vasculariza- da, proporcionando rápida e efi ciente absorção. • Pela ocorrência de retenção de agentes químicos nas vias superiores. • Pelo fato de a substância química absorvida poder atingir cen- tros vitais, sistema nervoso central e outros órgãos sem passar pelo sistema hepático. Desta forma, as substâncias presentes no ar, ao entrarem em con- tato com a via respiratória, poderão agir localmente – provocando ir- ritação, infl amação, edema pulmonar e outras alterações – ou serem absorvidas, atuando em nível sistêmico. A partir do contato da substância química com a pele poderão ocorrer várias manifestações: • A epiderme, com a película de gordura e suor, atuará como bar- reira efetiva e a substância química não será capaz de alterá-la ou danifi cá-la. • A substância química reage com a superfície cutânea, provo- cando irritações locais. 10 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL • A substância química penetra, reage com proteínas teciduais e produz sensibilização e reação alérgica. • A substância química se difunde na epiderme, glândulas sebá- ceas, sudoríparas, folículos pilosos e ingressa na corrente san- guínea para posterior ação sistêmica. A exposição por via oral pode ocorrer por condições de higiene e há- bitos inadequados ou quando há ingestão de alimentos e água contamina- dos. Quando as substâncias químicas são introduzidas pela via digestiva os riscos associados aos efeitos nocivos são menores, principalmente: • Pelo fato de as substâncias químicas estarem sujeitas ao pH áci- do do estômago. • Pela ação de enzimas digestivas. • Pela baixa absorção na corrente sanguínea devido à diluição das substâncias químicas com água e alimentos, formação de produtos menos solúveis por interação com esses alimentos e pela seletividade na absorção intestinal. 1.1.3 O Efeito Adverso O efeito adverso corresponde ao conjunto de alterações genéticas, bioquímicas, morfológicas ou fi siológicas (sinais e sintomas) produzi- das pela exposição à substância química. O fenômeno da intoxicação se expressa pelos efeitos adversos (sinais e sintomas) ocasionados pela ação de uma substância em um sistema biológico. Esta resposta se manifesta por meio de processos toxicodinâmicos, que compreendem a interação das substâncias com os seus sítios específi cos de ação, e cuja intensidade será função da quantidade de substância no local de sua ação específi ca. Por exemplo, o monóxido de carbono (CO), aspirado em nível do alvéolo pulmonar, se dilui no plasma sanguíneo e rapidamente se fi xa na hemoglobina, formando carboxiemoglobina, a qual impede a hemoglobina de trans- portar oxigênio aos tecidos. Desta forma, ocorre o óbito por anoxemia, cujos sintomas são idênticos à asfi xia. Qualquer efeito tóxico é proporcional à dose, que corresponde à quantidade da substância química administrada a um organismo, CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 11 introduzida por uma das vias, principalmente oral, dérmica e perito- neal. É expressa geralmente em mg, g ou mL por kg de peso corpóreo. Quando a substância é introduzida pela via respiratória, utiliza-se o parâmetro concentração, expresso em mg/m3 ou mg/L. Quanto me- nor é a dose necessária para produzir um efeito nocivo, mais tóxica é a substância. Os tipos de efeito classifi cam-se principalmente em: Efeito agudo: Caracteriza-se como uma resposta severa e rápida normalmente observada em um curto período de tempo. Para efeito de estudos são utilizados vários tipos de expressões, sendo a mais im- portante a Dose Letal 50 ou DL 50. A DL 50 é a quantidade calculada de uma substância química, necessária para produzir a morte de 50 % dos animais em estudo. Para se determinar a toxicidade de substân- cias presentes no ambiente atmosférico ou aquático, utiliza-se o termo Concentração Letal 50 ou CL 50. Quando o objetivo do estudo é ava- liar um efeito específi co, porém não letal, as expressões utilizadas são Dose Efetiva 50 ou DE 50 ou Concentração Efetiva 50 ou CE 50. Essas expressões correspondem à dose (DE) ou concentração (CE) de uma substância química que provoca um efeito específi co em 50 % do lote de animais utilizados no experimento. Efeito crônico: Caracteriza-se como uma resposta referente à to- xicidade cumulativa de uma substância química. Dentre alguns efeitos crônicos, podem ser destacados: • Mutagênese – Processo de alteração do material genético de uma célula. Quando não é letal para a própria célula, o pro- cesso pode propagar-se pelo corpo em crescimento (muta- ção somática) ou transmitir-se às gerações seguintes (mutação germinal). A mutação incidindo sobre células somáticas pode levar a um processo carcinogênico no próprio indivíduo e, no caso de incidir sobre células germinativas, pode produzir doen- ças ou malformações nas gerações futuras. Atualmente vários sistemas-teste estão disponíveis para avaliar o potencial muta- gênico das substâncias químicas e alguns destes serão descritos no capítulo 8. • Carcinogênese – Processo anormal, não controlado, de dife- renciação e proliferação celular, de início localizado mas que 12 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL pode se disseminar pelo organismo, levando à sua morte. Os carcinógenos podem ser divididos em genotóxicos e epigenéti- cos ou não genotóxicos. Os carcinógenos genotóxicos, também chamados de iniciadores, interagem com o DNA produzindo mutação; fenômeno considerado o passo inicial do processo carcinogênico. O DNA pode voltar ao normal se os mecanis- mos de regeneração funcionarem de forma bem-sucedida; caso contrário, a célula transformada pode evoluir para um tumor clinicamente aparente. Os carcinógenos não genotóxicos, também chamados promoto- res, não podem por si só causar tumores, mas potencializam os efei- tos dos carcinógenos genotóxicos (iniciadores). Desse modo, como os iniciadores genotóxicos podem levar à formação do tumor eles são considerados carcinógenos completos. Todavia, estes só são conside- rados completos (iniciadores/promotores)em doses mais elevadas, que muitas vezes são letais para a célula, ao contrário da iniciação que pode ser estimulada após uma única exposição a doses mais baixas. • Teratogênese – Termo originário das palavras gregas gennan que signifi ca produzir, e terata, que signifi ca monstro. Processo pelo qual anomalias em células e tecidos, de um organismo em de- senvolvimento (período entre a concepção e o nascimento), são induzidas por agentes estranhos, chamados de teratógenos, re- sultando em malformações estruturais ou funcionais. Existe um grande número de agentes teratogênicos, entre os quais se desta- cam agentes físicos (radiação, trauma mecânico), agentes bioló- gicos (vírus da rubéola) e agentes químicos (talidomida, álcool). Os efeitos teratogênicos podem manifestar-se em maior propor- ção no ser humano quando a exposição à substância tóxica acontece dentro do primeiro trimestre de vida. 1.2 INTERAÇÃO ENTRE AS SUBSTÂNCIAS Deve-se destacar também que a resposta do organismo à combina- ção das substâncias pode ser aumentada ou reduzida pelas respostas CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 13 toxicológicas no sítio de ação. Desta forma, os efeitos de duas substân- cias químicas administradas simultaneamente podem ser: • Aditivos: Quando o efeito combinado das duas substâncias é igual à soma do efeito de cada uma isoladamente. • Sinérgicos: Quando o efeito combinado das duas substâncias é muito maior que a soma dos efeitos. Por exemplo, tanto o tetracloreto de carbono como o etanol são hepatotóxicos, mas juntos eles promovem uma lesão hepática muito maior do que aquela esperada pela simples soma de seus efeitos individuais. • De potenciação: Quando o efeito de um agente tóxico que age simultaneamente com um agente não tóxico é aumentado. Por exemplo: o isopropanol por si só não é hepatotóxico, entretanto aumenta muito a hepatotoxicidade do tetracloreto de carbono, quando administrados em conjunto. • Antagônicos: Quando ocorre a interferência de uma substân- cia química sobre a ação de outra. Um agente que antagoniza a ação de outro é frequentemente designado como um antídoto. 1.3 SUSCEPTIBILIDADE Pode-se ressaltar ainda que cada sistema biológico poderá apre- sentar um tipo de resposta diferente, de acordo com sua susceptibi- lidade, estando esta susceptibilidade relacionada com os graus de sensibilidade e tolerância apresentados por este sistema. A sensibilidade, ou seja, a resposta do organismo pode variar de indivíduo para indivíduo, sendo que fatores hereditários e idade são sempre determinantes importantes a serem consideradas nas reações de sensibilidade. A tolerância, por sua vez, é um estado de diminuição da resposta aos efeitos de uma substância química como resultado de uma exposi- ção prévia à mesma substância ou a outra quimicamente relacionada. Existem dois mecanismos principais que podem ser considerados res- ponsáveis pela tolerância: 1) Devido à redução na quantidade da substância que chega ao local onde o efeito é produzido. 14 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL 2) Pela redução na resposta do tecido à determinada substância, uma vez que pouco se sabe sobre os mecanismos celulares res- ponsáveis pela alteração da resposta de um tecido à determina- da substância. 1.4 RELAÇÃO DOSE–RESPOSTA As características da exposição e os efeitos observados estão diretamente relacionados em um único termo denominado relação dose–resposta. Esta relação é fundamental e universalmente estudada em toxicologia e, desse modo, o entendimento dessa relação é essencial para o estudo da toxicidade de substâncias químicas. Por uma perspectiva prática, existem dois tipos de relação dose–resposta: 1) Aquela que descreve a resposta de um indivíduo (também cha- mada dose–efeito) às várias doses de uma substância, frequen- temente observada como uma resposta gradual, em função de o aumento da medida do efeito ser proporcional ao aumento da dose. 2) Aquela caracterizada como uma distribuição quantitativa da resposta a diferentes doses, pelo fato de ser observada em uma população de indivíduos. A observação do fenômeno quantal dose–resposta é extremamente importante para a toxicologia, e é utilizado para determinar a dose letal média (DL50) das substâncias químicas. CAPÍTULO 1 – HISTÓRICO, EVOLUÇÃO E CONCEITOS BÁSICOS... ►◄ 15 TABELA 1.1 COMPARAÇÃO ENTRE DLs50 Substância Química DL50 (mg/kg) Álcool etílico 10 000 Cloreto de sódio 4 000 Sulfato ferroso 1 500 Fenobarbital 150 Nicotina 1 Toxina da viúva negra 0,5 Dioxina (TCDD) 0,001 Toxina botulínica 0,00001 Fonte: Eaton & Klaassen (1996). 1.5 PRINCIPAIS ÁREAS DA TOXICOLOGIA Os três elementos básicos da toxicologia descritos anteriormente – a substância, o organismo afetado e o efeito adverso – são estudados nas suas várias áreas, classifi cadas de acordo com seus objetivos. • Toxicologia Clínica ou Médica: Estuda formas de tratamento das intoxicações provocadas, em geral, por substâncias quími- cas, a partir da manifestação do efeito. Os toxicologistas clínicos tratam pacientes que estão intoxicados e desenvolvem novas técnicas para o diagnóstico e o tratamento dessas intoxicações. • Toxicologia Forense: Estuda os aspectos médico-legais das in- toxicações. É utilizada principalmente para o estabelecimento da causa da morte e a elucidação de sua circunstância. Essa área é normalmente desenvolvida como uma atividade policial, ten- do mais recentemente incorporado as questões da medicina es- portiva, particularmente as voltadas para as determinações de dopping em competições. • Toxicologia Ocupacional: Estuda os efeitos adversos das substâncias químicas sobre a saúde do trabalhador, durante o exercício de suas atividades. Trata-se de uma área de atua- ção extremamente voltada para profi ssionais de medicina e enfermagem do trabalho, onde os critérios de avaliação são 16 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL basea dos principalmente em indicadores biológicos de exposi- ção, previamente estabelecidos. • Toxicologia Reguladora: Estuda se a substância química apre- senta ou não riscos sufi cientemente baixos para ser comerciali- zada na forma em que se propõe. De um modo geral, esta área de atuação é executada por agências governamentais. • Toxicologia Ambiental: A toxicologia ambiental será descrita no capítulo 2. REFERÊNCIAS CONSULTADAS BORZELLECA, J. F. The Art, the Science, and the Seduction of Toxicology: An Evolutionary Development. In: HAYES, A. W. (ed.). Principles and Methods of Toxicology. Philadelphia: Taylor & Francis, p. 01-22, 2001. BRUCE, M. C.; DOULL, J. History and Scope of Toxicology. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: MacMillan Publishing Company, p. 3-10, 1986. EATON, D. L.; KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicolgy. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 13-33, 1996. FERNÍCOLA, N. A. G. G.; JAUGE, P. Nociones Basicas de Toxicología. México: Organização Mundial de Saúde, 1985. GALLO, M. A. History and Scope of Toxicology. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O. (eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 3-11, 1996. KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicology and Treatment of Poisoning. In: HARDMAN, J. G.; LIMBIRD, L. E.; GILMAN, A. G. (eds.). Goodman and Gilman’s the Pharmacological Basis of Therapeutics. New York: McGraw-Hill, p. 67-80, 2001. LARINI, L.; CECCHINI, R. A Intoxicação como Fenômeno Biológico. In: LARINI, L. (ed.). Toxicologia. São Paulo: Manole, p. 1-46, 1987. LEHMAN-MAcKEEMAN, L. D. Absortion, Distribution and Excretion of Toxicants. In: KLAASSEN, C. D. (ed.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 131-160, 2007. LOOMIS, T. A.; HAYES, A. W. Loomi’s Essentials of Toxicology. Academic Press: California. 1996. C A P Í T U LO 2 Fundamentos da Toxicologia Ambiental Cristina Lúcia Silveira Sisinno Eduardo Cyrino Oliveira-Filho CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 19 Desde o fi nal do século XIX a humanidade entrou em uma nova era, a era química, caracterizada pelo aumento do número de grandes indústrias nos países desenvolvidos, com o consequente incremento no uso de produtos químicos. Não há dúvida de que este progresso gerou uma série de benefícios econômicos e sociais, melhorando o pa- drão de vida das populações envolvidas. Todavia, existia o outro lado da questão e os riscos associados à contaminação do ambiente jamais poderiam ter sido esquecidos. Em um primeiro momento, o dano não foi tão evidente, pois se restringiu basicamente às poucas zonas industriais existentes e prin- cipalmente aos trabalhadores expostos. A partir da Segunda Guerra Mundial o desenvolvimento tecnológico causou um aumento notável no número de áreas industrializadas em várias partes do mundo, ha- vendo um incremento no número de substâncias em uso. Entretanto, as consequências decorrentes deste incremento e as interações destas substâncias – tanto com o ambiente como com os se- res vivos – na maioria das vezes ainda eram desconhecidas. Muitos dos efeitos observados incluíram mortes, doenças, desaparecimento de espécies e desequilíbrio na dinâmica natural dos ecossistemas; o que motivou a preocupação que agora existe sobre as consequências indesejáveis da contaminação química. Segundo informações disponíveis no Chemical Abstract Servi- ce (CAS), estima-se que das cerca de 54 000 000 substâncias químicas disponíveis comercialmente, apenas 283 000 estejam inventariadas ou reguladas. Essas substâncias, ao serem liberadas no ambiente, sofrem diversas transformações e interações complexas que incrementam ain- da mais o seu número. Com o objetivo de evitar ou minimizar as consequências drásticas do uso e da liberação das substâncias químicas, a Toxicologia Ambien- tal estuda os efeitos de agentes químicos presentes no ambiente sobre os organismos vivos e a saúde humana. 2.1 CONTAMINAÇÃO E POLUIÇÃO AMBIENTAL Os termos em questão muitas vezes são utilizados como sinônimos, porém há algumas diferenças que podem ser ressaltadas (fi gura 2.1). 20 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL FIGURA 2.1 Representação esquemática da relação entre contaminação e poluição. Fonte: Chapman (1995). O termo contaminação é geralmente empregado em relação direta aos efeitos sobre a saúde do homem. Também é utilizado para situações onde a substância está presente no ambiente, mas não causa dano óbvio e aparente. O termo poluição, por sua vez, é geralmente empregado em rela- ção direta aos efeitos sobre o ambiente, sendo também utilizado para casos onde a substância causa danos evidentes. De modo a integrar estes conceitos, no contexto deste livro, en- tende-se que contaminação é o aumento nos níveis naturais de certas substâncias e poluição é o resultado deste aumento, implicando em danos evidentes aos organismos vivos e, consequentemente, em riscos à saúde humana. CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 21 2.2 CONTAMINAÇÃO AMBIENTAL E SUAS FONTES A contaminação desperta particular interesse para a toxicologia porque se refere diretamente à saúde humana e porque situações apa- rentemente normais muitas vezes já podem ser consideradas como ca- sos de contaminação. Isso ocorre quando os contaminantes estão em concentrações muito baixas para causar algum dano evidente, mas já são passíveis de ocasionar algum efeito quando a exposição ocorre por um tempo prolongado. Qualquer forma ou quantidade de matéria ou energia que entra em um sistema, por exemplo, um organismo vivo ou um substrato do ambiente, deve se acumular, se transformar ou ser eliminada. Quando as formas de matéria ou energia estão presentes de tal modo que os seres vivos ou os compartimentos abióticos as podem assimilar, transformar ou eliminar continuamente pode-se considerar que existe uma situação estável e equilibrada. Atualmente, devido ao grande aumento na quantidade de subs- tâncias que estão sendo constantemente liberadas no ambiente, em muitos casos se ultrapassou a capacidade dos sistemas para transfor- mar ou eliminar o excesso, ocasionando uma alteração no equilíbrio ambiental. Como consequência desse fato e do princípio de conserva- ção da matéria e da energia, ocorre a acumulação de matéria ou ener- gia nos sistemas. As atividades humanas tendem a provocar a entrada no ambiente de tipos indesejáveis de matéria e energia, porém enquanto a quanti- dade destas substâncias não superar a capacidade do ambiente para transformá-las, seus efeitos não sejam adversos ou estejam restritos no tempo e no espaço, pode-se considerar que há uma contaminação tem- poral ou parcial que, ainda que requeira atenção, pode ser evitada ou eliminada. Os problemas graves aparecem quando a contaminação se esten- de no tempo e no espaço e permanece assim por períodos prolonga- dos, pois, como já foi mencionado, muitas vezes os danos não são ime- diatamente aparentes. De acordo com sua origem, a contaminação pode ser natural ou antropogênica. A contaminação antrópica é ocasionada por ativida- des do homem, enquanto a contaminação natural é ocasionada por 22 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL atividades naturais, como por exemplo, a contaminação de alimentos (grãos) por micotoxinas ou a contaminação atmosférica por erupções vulcânicas. Conforme a natureza do agente contaminante, a contaminação pode ser biológica, física ou química. 2.2.1 Contaminação Biológica A contaminação biológica ocorre quando um microrganismo (bac- téria, vírus ou protozoário) se encontra em um substrato ao qual não pertence ou que até pertence, mas que está em concentrações que exce- dem as naturais. Este tipo de contaminação é característica dos lugares cujas condições higiênicas são defi cientes. Essa contaminação pode ser evitada ou controlada com relativa facilidade. Assim, a contaminação dos solos, águas, alimentos ou ar causam, em curto prazo, efeitos adversos que são localizados no tempo e no espaço; o que facilita a identifi cação de sua origem. Ainda que a contaminação biológica cause altas taxas de morta- lidade e morbidade, é relativamente controlável por meio de higiene, educação em saúde, obras de saneamento, etc. Atualmente a contaminação biológica também tem sido relaciona- da ao aparecimento de espécies exóticas em áreas nas quais elas não são nativas. 2.2.2 Contaminação Física A contaminação física se deve a presença, em um substrato, de formas de energia que excedem os níveis naturais. A contaminação térmica, a contaminação por ruído e a contaminação radioativa podem ser citadas como alguns exemplos. Devido as suas características, este tipo de contaminação tem efei- tos em longo prazo, que são sutis e cuja associação causa-efeito é difícil de ser estabelecida. Por isso vários anos podem se passar antes que os efeitos sejam observados e que a fonte contaminante seja detectada, identifi cada e controlada. CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 23 A contaminação física causa diversos efeitos biológicos, tais como: morte de espécies (fl ora e fauna), alterações genéticas, câncer, etc. 2.2.3 Contaminação Química A contaminação química ocorre quando uma substância química se acumula em um substrato em concentrações que excedem os níveis naturais. Esta substância pode ser natural ou sintética. Se a substância existe na natureza ela é considerada uma substân- cia natural; caso ela seja sintetizada pelo homem, é denominada subs- tância xenobiótica. A contaminação química de origem natural pode ser limitada no tempo e no espaço, já que está associada a circuns- tâncias biogeoclimáticas especiais, portanto, se existir limites e origem bem defi nidos, a contaminação química pode ser identifi cada com fa- cilidade e, em alguns casos, ser eliminada. 2.3 ECOTOXICOLOGIA A preocupaçãodo homem com o aumento dos casos de conta- minação química no ambiente e com os refl exos deste fato para sua qualidade de vida gerou a integração da ecologia com a toxicologia. O termo ecotoxicologia foi proposto por René Truhaut em 1969, como um ramo da toxicologia voltado para o estudo dos efeitos adver- sos das substâncias sobre os ecossistemas. Em uma defi nição mais atual, entende-se ecotoxicologia como o estudo do destino e dos efeitos de substâncias químicas sobre os com- ponentes de um ecossistema, baseado no emprego de métodos de la- boratório e de campo. Talvez nada defi na melhor a ecotoxicologia do que a abordagem necessariamente integrativa. Para compreender o impacto de substân- cias nos ecossistemas é preciso reunir e integrar informações toxicoló- gicas e de química ambiental. Dentre os ecossistemas, os aquáticos acabam – de uma forma ou de outra – se constituindo em receptáculos temporários ou fi nais de uma 24 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL grande variedade e quantidade de contaminantes, sejam esses lança- dos no ar, no solo ou diretamente nos corpos d’água. Desse modo, para adquirir conhecimentos sobre os efeitos dos agentes químicos para a biota aquática, têm sido utilizados ensaios de toxicidade com orga- nismos de águas continentais, estuarinas e marinhas, em condições laboratoriais e/ou de campo. Os ensaios, além de possibilitar o esta- belecimento de limites permissíveis para várias substâncias químicas, servem também para avaliar o impacto de misturas de contaminantes sobre os organismos aquáticos dos corpos hídricos receptores. Os estudos sobre os efeitos de substâncias químicas sobre organis- mos terrestres são muito complexos por causa do número de fatores intrínsecos e extrínsecos associados com os sistemas terrestres. Muitas espécies terrestres têm grande mobilidade, cobrindo áreas signifi cati- vas quando defendem territórios, se alimentam, migram e se disper- sam. Esses estudos tiveram grande crescimento nos anos 80, baseados principalmente no desenvolvimento da ecotoxicologia aquática. Atual- mente vários tipos de ensaios são desenvolvidos para avaliar os efei- tos de substâncias sobre microrganismos, plantas, minhocas, insetos, aves e mamíferos. Alguns destes ensaios com organismos aquáticos e terrestres estão incluídos na legislação americana e brasileira, como obrigatoriedade para registro e renovação do registro de agrotóxicos, dentre outras substâncias. Para caracterizar o comportamento químico das substâncias é ne- cessário quantifi cá-las nos diferentes compartimentos ambientais (ar, água, solo, sedimento e biota) e compreender o movimento e o trans- porte destas substâncias dentro (intrafase) e entre (interfase) esses compartimentos. Além disso, deve-se levar em consideração a ocor- rência de reações bióticas e abióticas, que resultam em mudanças nas propriedades físicas e químicas dos compostos. A combinação dessas abordagens facilita a predição da concen- tração química nos compartimentos ambientais e servem como recur- so para planejar experimentos toxicológicos usando as concentrações apropriadas e a forma da substância em questão. CAPÍTULO 2 – FUNDAMENTOS DA TOXICOLOGIA AMBIENTAL ►◄ 25 REFERÊNCIAS CONSULTADAS ALBERT, L. A.; GARCIA, A. M. Contaminacion y Ecosistemas. In: ALBERT, L.A. Curso Basico de Toxicología Ambiental. México: Limusa, p. 7-15, 1988. ALLOWAY, B. J.; AYRES, D. C. Chemical Principles of Environmental Pollution. Great Britain: Kluwer Academic Publishers, 1993. CAIRNS Jr., J.; MOUNT, D. I., Aquatic Toxicology. Environmental Science and Technology, v. 24, p. 154-161. 1990. CHAPMAN, P. M. Ecotoxicology and pollution – key issues. Marine and Pollution Bulletin, v. 31, n. 4-12, p. 167-177, 1995. CHEMICAL ABSTRACT SERVICE (CAS). Database Counter. 2011. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2011. EATON, D. L.; KLAASSEN, C. D. Principles of Toxicology. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O.; DOULL, J. (Eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw-Hill, p. 13-33, 1996. KENDALL, R. J.; BENS, C. M.; COBB III, G. P.; DICKERSON, R. L.; DIXON, K. R.; KLAINE, S. J.; LACHER, T. E.; LA POINT, T. W.; McMURRY, S. T.; NOBLET, R.; SMITH, E. E. Aquatic and Terrestrial Ecotoxicology. In: KLAASSEN, C. D.; AMDUR, M. O.; DOULL, J. (Eds.). Casarett and Doull’s Toxicology: The Basic Science of Poisons. New York: McGraw- Hill, p. 883-905, 1996. MILORD, D.R.; CASTILLO, P. del; GARDUÑO, C. A. Glosario de Términos en Salud Ambiental. México: OMS, 1990. MOREIRA, I. V. D. Vocabulário Básico de Meio Ambiente. Rio de Janeiro: FEEMA/Petrobrás, 1990. ODUM, E. P. Ecologia. Mexico: Interamericana, 1972. PHILP, R. B. Ecosystems and Human Health: Toxicology and Environmental Hazards. Boca Raton: Lewis Publishers, 2001. RAND, G. M.; WELLS, P. G.; McCARTY, L. S. Introduction to aquatic toxicology. In: RAND, G. M. (Ed.) Fundamentals of aquatic toxicology: Effects, Environmental Fate and Risk Assessment. Washington: Taylor & Francis, p. 3-67, 1995. 26 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL TRUHAUT, R. Ecotoxicology: objectives, principles and perspectives. Ecotoxicology and Environmental Safety, v. 1, p. 151-173, New York, 1977. YU, M. H. Environmental Toxicology: Biological and Health Effects of Pollutants. New-York: CRC Press, 2005. C A P Í T U L O 3 Dinâmica, Transformação e Destino dos Contaminantes no Ambiente Cristina Lúcia Silveira Sisinno Josino Costa Moreira CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 29 Os contaminantes apresentam – em maior ou menor grau – com- portamentos mais ou menos defi nidos quando introduzidos nos ecos- sistemas. De maneira geral, ao serem produzidos e emitidos por suas fontes, estes contaminantes tendem a se dispersarem no ambiente onde podem sofrer uma série de processos que envolvem interações com os elementos constituintes daquele compartimento ambiental e com a biota, transformações e, eventualmente, degradação. As substâncias químicas podem ser introduzidas no ambiente sob várias formas: sólidos, líquidos, gases, vapores, fumaças, aerossóis ou pós e por meio de várias vias. A persistência no ambiente depende da espécie química e estas apresentam ciclos de vida característicos. O ciclo de vida de uma substância química compreende todas as etapas que envolvem esta substância desde sua produção até sua decomposi- ção ou disposição fi nal. Entretanto, apenas para alguns contaminantes seus ciclos ambientais completos são conhecidos. Uma vez introduzido no ambiente, um contaminante pode se dis- persar naquele meio (solo, ar, água), interagir com outros constituintes desse meio, ser transportado a certas distâncias, ser transferido para outros compartimentos ambientais, ser degradado, transformado ou imobilizado. O transporte de um contaminante na atmosfera é principalmen- te ocasionado por movimentos turbulentos do ar que, dentre outros fatores, dependem das características dos ventos. A dispersão ocorre preferencialmente na direção do vento predominante e é denominada pluma. A pluma e o efeito das condições atmosféricas sobre ela podem ser facilmente vistos observando-se a fumaça que sai de uma chaminé. A dispersão sofre ainda a infl uência de outras condições como, por exemplo, das características geográfi cas da área onde a fonte emissora está situada, além das condições atmosféricas predominantes durante a emissão. No ambiente aquático a dispersão de um contaminante é mais complexa que na atmosfera. Existem inúmeras diferenças em volume de diluição, características de mistura e velocidade de transporte entre os diferentes corpos d´água (rios, lagos, mares, estuários e oceanos) fazendo com que uma abordagem geral fi que mais difícil. Adicional- mente, além das interações dos contaminantes com os componentes 30 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL abióticos do ambiente tem-se uma interação mais ativa com a biosferafacilitando a transferência do contaminante para o componente biótico do sistema. De modo geral, um contaminante introduzido no ambiente aquático sofrerá dispersão, interação com material particulado em sus- pensão, deposição (sedimentação) e absorção biológica. No solo, a dispersão depende da natureza da substância, das ca- racterísticas do solo e de outros fatores, tais como umidade, pH, teor de matéria orgânica presente, temperatura, etc. Os principais fenômenos que afetam o movimento de um contaminante no solo são: a adsorção (retenção na superfície de partículas sólidas), a percolação (transporte através de um meio líquido), a difusão e a advecção. A substância pode ser dispersa através da água presente ou que se infi ltra no solo e assim atingir o lençol freático. Muitas substâncias, principalmente as orgâni- cas, são degradadas pela comunidade biótica que vive neste ambiente. Na biosfera os nutrientes essenciais podem ser transferidos de or- ganismo para organismo ao longo da cadeia alimentar que vai desde os produtores primários até os carnívoros superiores. O transporte de contaminantes por esta via ocorre em qualquer meio, mas são mais signifi cativos nos ambientes aquático e terrestre. Geralmente ocorrem processos de discriminação do contaminante pela biota (concentra- ção no organismo muito menor que no ambiente), mas casos de bio- concentração não são raros. Algumas substâncias orgânicas e alguns metais tóxicos como, por exemplo, o mercúrio, são capazes de sofrer bioconcentração nos organismos (alguns organismos marinhos podem apresentar concentrações de mercúrio 10 000 vezes superiores àquela observada na água do mar). Compostos orgânicos como, por exemplo, os PCBs (bifenilas policloradas) que foram muito utilizados em trans- formadores elétricos e que apresentam baixa solubilidade em água, alta solubilidade em gorduras e baixa taxa de biotransformação também so- frem bioconcentração. Algumas substâncias químicas são introduzidas no ambiente como resultado de sua utilização direta. Entretanto, na grande maioria dos processos químicos são gerados subprodutos e resíduos que são libe- rados no ambiente onde podem sofrer todas as etapas acima descritas. É importante ressaltar que em algumas ocasiões a degradação de uma substância pode levar a outras mais tóxicas que a original. Por exemplo, CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 31 no sistema aquático, o mercúrio pode sofrer metilação, com a formação de metilmercúrio, espécie química mais tóxica e que é capaz de ser in- corporada pela biota, concentrando-se ao longo da cadeia alimentar. Os principais fatores que interagem e infl uenciam na dinâmica das substâncias químicas no ambiente são os seguintes: • Quantidade da substância. • Frequência na emissão da substância. • Características físico-químicas próprias da substância. • Características físico-químicas próprias do compartimento am- biental receptor. • Presença e natureza dos organismos vivos – tanto micro como macrorganismos – existentes no ambiente. • Grau e tipo de interação entre os organismos vivos e as subs- tâncias. A interação do conjunto destes elementos condiciona o modo e a extensão como a substância pode ingressar no organismo humano e executar suas funções benéfi cas ou maléfi cas. 3.1 O DESTINO DOS CONTAMINANTES: TRANSFORMAÇÕES E SUMIDOUROS Após a introdução do contaminante no ambiente ou nos organis- mos estes podem ser convertidos a diferentes formas e/ou transferi- dos entre os diferentes compartimentos ambientais. A transformação de um agente químico no ambiente pode ocorrer por processos químicos, físicos ou biológicos. Como exemplo de proces- sos químicos pode ser citado a fotoxidação atmosférica de vários poluen- tes. Como exemplo de processos biológicos pode-se destacar o metabo- lismo bacteriano que acontece no solo e no sedimento, e como exemplo de processos físicos podem ser citados a solubilidade e a deposição. A disposição fi nal e o mecanismo de remoção de um contaminante químico são conhecidos como sumidouro. O tempo transcorrido entre a introdução do contaminante no ambiente, suas transformações e destino 32 ►◄ PRINCÍPIOS DE TOXICOLOGIA AMBIENTAL fi nal são muito variáveis e depende das características químicas e físicas da substância, bem como do compartimento ambiental que a recebeu. Em cada compartimento ambiental contaminado vários mecanis- mos de transporte devem ser considerados. No caso de contaminação atmosférica, os contaminantes podem ser removidos por vários me- canismos naturais em sua forma original ou sob a forma de produtos resultantes de processos reacionais. Isto dependerá ainda da forma em que foi introduzido o contaminante, ou seja, se ele está presente sob a forma de partículas (material particulado) ou na fase gasosa. De ma- neira geral, quando um contaminante é introduzido na atmosfera sob a forma de partículas, ele será removido por deposição gravitacional, impacto e interceptação por objetos da superfície do solo ou ser car- reado pela chuva. Na fase gasosa, os mecanismos principais de remoção são: a ab- sorção ou reação com objetos terrestres, a transferência para outros compartimentos ambientais e as reações químicas que acontecem na atmosfera. Estas reações podem consumir um contaminante e, even- tualmente, produzir outro. Reações induzidas pela luz (fotólise) são de grande importância neste aspecto. Na hidrosfera os processos podem envolver mecanismos físicos (p. ex. sorção e sedimentação), químicos/geoquímicos (p. ex. reações dependentes do pH e do potencial redox) ou biológicos, que podem ocorrer simultaneamente, interagindo um com o outro. De maneira ge- ral estes processos são complexos. No solo, pode ocorrer a degradação do contaminante por ação mi- crobiana, degradação química, evaporação/volatilização, percolação, interações com o material do solo e absorção pela biota. Alguns fatores podem infl uenciar na cinética dos contaminantes como, por exemplo: • Solubilidade na água. • Pressão de vapor. • Fator de bioconcentração. • Velocidade de transformação e de degradação. • Densidade. • Tamanho da partícula. CAPÍTULO 3 – DINÂMICA, TRANSFORMAÇÃO E DESTINO... ►◄ 33 • Coefi ciente de partição de carbono orgânico (Koc). • Coefi ciente de partição de octanol/água (Kow). Também há fatores intrínsecos do local de estudo que infl uenciam no destino e no transporte dos contaminantes no ambiente. Cada local é único e deve ser avaliado de forma específi ca, a fi m de determinar as características que podem aumentar ou diminuir a migração dos contaminantes importantes. Muitos destes fatores que afetam o transporte dependem das con- dições climáticas e das características físicas do local. Por exemplo: • Taxa de precipitação anual. • Temperatura. • Velocidade e direção dos ventos. • Condições diurnas e estacionais. • Características geomorfológicas. • Características hidrogeológicas. • Canais de águas superfi ciais. • Características do solo. • Cobertura do solo e características da vegetação. • Flora e fauna. • Obras públicas. Um dos mecanismos mais importantes para a degradação de substâncias químicas no ambiente é a biodegradação. Este processo, embora efetivo, é de difícil avaliação porque os ambientes naturais são muito variados; o que difi culta sua transposição para o laboratório. Algumas substâncias são persistentes no ambiente; isto signifi ca que são resistentes à biodegradação. As substâncias persistentes, quando incorporadas à cadeia alimentar, podem ser bioconcentradas, bioacu- muladas ou biomagnifi cadas. A bioconcentração é o processo por meio do qual uma substância alcança, em um organismo, uma concentração mais elevada que aquela observada no ambiente ao qual este organismo está exposto. A bioacu- mulação é o aumento progressivo na quantidade de uma substância química em um organismo ou parte dele e se deve ao fato de a taxa de absorção exceder à capacidade de eliminação orgânica. A biomagnifi - 34 ►◄