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LITERATURA E DIÁSPORA: PASSADO E PRESENTE
Em um artigo de 1991, o cientista político e professor 
William Safran reportou-se à expansão do escopo dado ao 
vocábulo diáspora desde que Walker Conner, dentre outros, 
começou a usá-lo para referir-se a grupos de pessoas que viviam 
fora de sua terra natal. Tendo em vista que o termo passara, 
assim, a abarcar expatriados, imigrantes, exilados e todo tipo de 
grupos minoritários étnicos, ele sugeriu que essa definição fosse, 
então, aplicada às comunidades minoritárias de expatriados que 
tivessem, ao menos, as seguintes características:
A. que esses sujeitos diaspóricos ou seus ancestrais 
tivessem sido dispersados de um centro original para duas 
ou mais regiões estrangeiras;
B. que retivessem uma memória, visão ou mito sobre 
sua terra natal; que acreditassem ser impossível a sua 
aceitação pela sociedade hospedeira, da qual se sentissem 
parcialmente alienados;
C. que considerassem a terra natal como o verdadeiro lar 
para onde deveriam voltar um dia;
D. que alimentassem o desejo de restauração da terra natal 
e, finalmente, 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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E. que mantivessem um elo permanente com seu lugar de 
origem, definido por uma consciência étnico-comunitária.
Essa perspectiva de Safran surgiu como uma reflexão 
sobre o conceito original de diáspora, que esteve por séculos 
associado à diáspora judaica, desde que a Septuaginta, ou seja, 
a tradução grega dos textos hebraicos, reportou-se ao exílio dos 
hebreus utilizando o termo “diáspora”. Essa primeira conotação 
do termo vinculava-se à ideia de deslocamento forçado, bem 
como à memória de perseguição, sofrimento e genocídio. Havia 
também a tendência a assentamentos voltados à prática de uma 
religião e cultura comuns.
A flexibilidade na utilização do termo permitiu que ele 
fosse também usado no caso dos deslocamentos em massa de 
africanos, durante o período de vigência do tráfico negreiro, bem 
como de afro-americanos no continente africano, de armênios, 
palestinos, ciganos, entre outros, com atenção especial a estes 
últimos pela sua característica nômade, que implica a ausência 
do mito do retorno à terra natal, que, para eles, é desconhecida.
Conforme Robin Cohen (2008) nos faz lembrar, a 
perspectiva de Safran foi questionada por Floya Anthias, para 
quem o discurso diaspórico dedicou pouca atenção às divisões 
internas nas comunidades étnicas, ignorando as possibilidades 
de negociações culturais seletivas entre comunidades:
[...] a falta de atenção dispensada à 
solidariedade transétnica, à de classe, aos 
movimentos sociais e à luta contra o racismo 
é bastante inquietante do ponto de vista do 
desenvolvimento da multiculturalidade e de 
noções mais abrangentes de pertencimento. 
Não é possível acomodar o discurso de 
antirracismo e mobilização social com 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
34
uma feição transétnica (em oposição à 
transnacional) ao discurso da diáspora, que 
mantém sua dependência à “terra natal” e 
à “origem”, não obstante sua configuração. 
(ANTHIAS apud COHEN, 2008, p. 521)
Avtar Brah, por seu turno, colocou em xeque o vínculo 
com a terra natal, que, em seu ponto de vista, tornou-se o 
desejo por um “lar”, transmutando-se em um lugar simbólico e 
reconhecidamente lírico:
Onde está o lar? De um lado, “lar” é o local 
mítico de desejo na imaginação diaspórica. 
Nesse sentido, é o local do não-retorno, 
mesmo que seja possível visitar o território 
geográfico concebido como o lugar de 
“origem”. Por outro lado, lar é também a 
experiência vivida de um local. Seus sons 
e aromas, calor e poeira, noites aprazíveis 
de verão, ou a excitação da primeira 
caída de neve, noites geladas de inverno, 
céus cinzentos e sombrios em pleno meio 
dia… Tudo isso, mediado pelo cotidiano 
historicamente específico das relações 
sociais. (BRAH, 1996, p. 192)
Cohen (2008) chama a atenção para essas críticas sociais 
e construcionistas, segundo as quais, no mundo pós-moderno, 
as identidades foram desterritorializadas e afirmadas de modo 
flexível e situacional. Desconsiderando a etimologia, a história, 
os limites, o significado e a evolução do conceito de diáspora, 
esses teóricos buscaram desconstruir dois dos elementos 
fundamentais da diáspora, lar ou terra natal e comunidade 
étnico-religiosa. Há, segundo o teórico, a coexistência de pelo 
menos três interpretações de terra natal, sólida, dúctil e líquida, 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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ou seja, a versão primeira, ligada ao território, seguida de uma 
versão intermediária, com laços atenuados, e, por fim, uma versão 
que focaliza grupos étnicos que não têm os pontos convencionais 
de referência territorial, seja por serem nômades por excelência, ou 
por pertencerem a grupos diaspóricos desterritorializados, cujos 
lares são virtuais ou incertos.
Essas concepções têm instrumentalizado os estudos 
sobre as relações entre a literatura e a diáspora na literatura 
contemporânea, que tanto focalizam os fluxos diaspóricos de 
ordem econômica, fomentados pela globalização, como aqueles 
que são resultados das crises que afetam o mundo hodierno, 
como as guerras e as perseguições religiosas e políticas.
Um caso especial diz respeito às neonarrativas de 
escravidão, que se debruçam sobre o passado histórico e colocam 
em xeque os registros do arquivo, suscitando novas leituras 
acerca da diáspora africana, termo que foi usado pela primeira 
vez pelo historiador George Shepperson na década de 60, em um 
artigo apresentado no International Congress of African History 
na Universidade de Dar es Salaam, Tanzânia. Nesse evento, ele 
estabeleceu um paralelo entre a diáspora judaica e a dispersão de 
africanos como consequência do tráfico de escravizados.
As neonarrativas surgiram na cena literária nos anos de 
1960, nos Estados Unidos, quando o Movimento dos Direitos 
Civis, que visava abolir a discriminação e a segregação racial 
no país, ganhou vulto. Bernard Bell (1987), que cunhou o termo, 
definiu a nova vertente literária como “narrativas modernas, 
residualmente orais, de fuga da escravidão para a liberdade, que 
combinam elementos de fábula, lenda e narrativa escrava para 
protestar contra o racismo e justificar feitos, lutas, migrações 
e espírito dos negros”. Em The Afro-American Novel and Its 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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Tradition, ele estabelece como marco a publicação do romance 
Jubilee, de Margaret Walker, em 1966.
Coube a Ashraf Rushdy uma análise mais profunda do 
que viria a ser considerado um subgênero do romance. Em Neo-
slave Narratives. Studies in the Social Logic of a Literary Form, 
publicado em 1989, ele caracteriza as neonarrativas de escravidão 
como textos contemporâneos “que assumem a forma, adotam as 
convenções e a voz em primeira pessoa das narrativas de escravos 
produzidas antes da guerra civil americana” (RUSHDY, 1999, p. 3).
As slave narratives constituem um importante gênero 
narrativo, surgido no fim do século XVIII e desenvolvido ao longo 
do século XIX, que teve grande importância política na construção 
e expansão dos movimentos abolicionistas no Reino Unido, no 
Caribe de colonização britânica e nos Estados Unidos. Consistiam 
em registros autobiográficos de africanos ou afrodescendentes 
submetidos ao tráfico e/ou à escravidão atlântica. Sua finalidade 
primeira era denunciar os maus tratos infringidos aos escravizados 
e angariar simpatizantes para a causa abolicionista. Para tanto, 
além de imprimir ao texto um tom que despertasse a comiseração 
do público leitor, havia necessidade de seguir um certo padrão de 
publicação, cujas características são as seguintes:
• a existência de um retrato gravado, assinado pelo 
narrador;
• uma página de rosto queincluía os dizeres “Escrito por 
ele mesmo”, de modo a atestar a autoria;
• um prefácio ou apresentação escrito por um abolicionista 
branco atestando a veracidade dos fatos narrados; 
• a narrativa começando por uma primeira frase iniciada 
com “eu nasci...” e depois especificando um local, mas não 
uma data de nascimento;
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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• uma descrição superficial da paternidade, geralmente 
envolvendo um pai branco;
• a descrição de um mestre cruel e da violência praticada 
contra os escravos;
• relatos sobre leilões de escravos, de famílias sendo 
separadas e de mães perturbadas que se apegam aos filhos 
quando são arrancadas deles;
• descrição de patrulhas, de tentativas fracassadas de 
escapar, de perseguição por homens e cães;
• descrição de tentativas bem-sucedidas de escapar;
• uso de um novo sobrenome, mas a retenção do 
primeiro nome como marca de continuidade da identidade 
individual, e
• reflexões sobre a escravidão.
Embora nem sempre todas essas características fossem 
concomitantes, a maioria das slave narratives seguia esse padrão. 
Na figura a seguir vê-se como essas narrativas eram apresentadas 
ao público.
Figura 1 - Narrative of the Life
Fonte: https://s26162.pcdn.co/wpcontent/uploads/
sites/2/2019/02/Douglass_Narrative_frontispiece__tp.jpg.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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Ao estabelecer um diálogo intertextual com as slave 
narratives, as neonarrativas de escravidão contribuíram 
para uma releitura do arquivo historiográfico sobre o sistema 
escravocrata e o desenvolvimento de um olhar crítico sobre 
os mecanismos de controle subjacentes à publicação desses 
primeiros relatos de escravizados.
À medida que se estabeleceram como uma nova vertente 
narrativa no século XX, as neonarrativas foram também se 
diversificando na forma de abordagem do passado histórico 
e literário, permitindo-se uma maior flexibilidade quanto à 
estrutura da narrativa e à abordagem do tema da escravidão. 
Se, assim que surgiram como vertente romanesca, elas tinham 
a narrativa em primeira pessoa como condição sinequa non 
e adotavam um enfoque realista fundamentado em dados 
historiográficos, conforme sinaliza Valerie Smith (2007, p. 168), 
a partir da penúltima década do século XX, passaram a abordar 
a escravatura “de uma miríade de perspectivas”, compreendendo 
uma “variedade ampla de estilos”1, incorporando diferentes vozes 
narrativas e enveredando até mesmo pela ficção especulativa no 
intuito de produzir contranarrativas a partir de dentro de uma 
tradição literária. Segundo Judith Misrahi-Barak (2014), o efetivo 
reconhecimento das neonarrativas só ocorreu após o lançamento 
de Beloved, de Toni Morrison, em 1987.
Esse diálogo entre passado e presente no que diz respeito 
às neonarrativas de escravidão pode ser bem exemplificado 
ao examinarmos, por exemplo, como a migração forçadaé 
representada em duas obras contemporâneas: O caminho de 
casa, de Yaa Gyasi, e Um defeito de cor, de Ana Maria Gonçalves.
1 O texto em língua estrangeira é: “from a myriad perspectives”; “ variety 
of styles of writing”.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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O processo de desterritorialização imposto aos negros que 
foram capturados na África para serem escravizados na Europa e 
nas Américas consistiu em um ato de violência física cujo impacto 
afetou profundamente a subjetividade desses indivíduos. A perda 
do lugar antropológico, no sentido que lhe atribui Marc Augé 
(1994), que é identitário, relacional e histórico, provocou uma 
ruptura irreversível com tudo o que lhes oferecia uma ancoragem.
Afastados da terra natal e de seus entes queridos, eles 
eram levados a centenas de quilômetros do interior até a costa e 
amontoados em locais insalubres por uma média de três meses 
antes de serem forçados a embarcar em navios negreiros para 
cruzar o Atlântico. A travessia da passagem do meio era traumática, 
não apenas pela violência de seus algozes, mas também pela 
fome e a doença que faziam com que muitos morressem a bordo 
e fossem atirados ao mar. Aqueles que sobreviveram levaram 
adiante suas culturas, crenças e o valor da liberdade. Entretanto, 
não há desterritorialização sem reterritorialização e, no caso da 
escravidão, esse processo ocorreu segundo a ótica dominadora 
do sistema escravocrata, que buscava cercear qualquer tipo de 
vínculo com a origem. Ainda que contra a vontade dos cativos, por 
uma questão de sobrevivência, havia a necessidade de interação e 
de adaptação ao novo território.
O caminho de casa e O livro dos negros, embora distintos 
em termos de estrutura, abordam objetivamente a narrativa da 
captura e da migração forçada. O primeiro foi publicado em 2016 
e se tornou um grande sucesso de crítica e de público, obtendo o 
prêmio PEN/Hermingway em 2017 de melhor romance de estreia. 
Yaa Gyasi, nasceu em Gana e migrou para os EUA ainda criança 
e, segundo entrevistas que concedeu, a inspiração para a escrita 
do romance surgiu durante a sua segunda visita a terra natal e, 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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em particular, ao castelo de Cape Coast, uma fortificação de onde 
negros escravizados eram enviados para a América. Na condição 
de mulher negra, aquela foi mais do que uma experiência de 
pisar um sítio histórico, mas um momento de reflexão em que 
se colocou no lugar de tantos outros negros que ali estiveram na 
condição de cativos.
Ao contrário do modelo usual de narrativas de escravos, 
que, via de regra, são narradas do ponto de vista de um narrador 
autodiegético e pela via da memória, o romance promove um 
descentramento, apresentando dois diferentes pontos de vista: o 
dos africanos que foram levados em cativeiro e o daqueles que 
permaneceram em Gana, ligados, de algum modo, aos ingleses. 
Para tanto, Gyasi cria duas personagens, que mesmo sendo irmãs 
por parte de mãe, jamais se encontraram. Effia fora concebida 
quando a mãe, Maame, era escrava de um membro da tribo 
Fanti e Esi quando, foragida, ela buscou acolhimento entre os 
axânti. O romance acompanha a trajetória de ambas e de seus 
descendentes por sete gerações, desde os anos de 1760 a 1990. 
A história é narrada em capítulos cujos títulos são os nomes 
de quatorze personagens, alternando os descendentes das duas 
linhagens matrilineares.
Interessa-nos, em particular, a história de Esí, cujo trágico 
destino decorre de um ato de bondade. Sua tribo, os axânti, 
captura e escraviza pessoas de outras tribos. Quando Abronoma, 
a filha do chefe de uma tribo fanti é sequestrada e passa a servir 
sua mãe, Esí cede aos pedidos da jovem e envia uma mensagem 
informando seu paradeiro. Essa imprudência leva a um ataque 
dos guerreiros fanti, que incendeiam a aldeia e levam os 
sobreviventes como escravos. É por meio de Abronoma que Esí 
descobre a existência de uma meia-irmã:
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
41
Sua mãe foi escrava de uma família fanti. 
Ela foi estuprada pelo senhor porque ele 
também era um Grande Homem, e os 
grandes homens podem fazer o que bem 
entenderem, para que não pareçam “fracos”, 
não é? Esi desviou o olhar, e Abronoma 
prosseguiu, num sussurro: – Você não é a 
primeira filha que sua mãe teve. Ela teve 
outra antes de você. E na minha aldeia nós 
temos um ditado sobre irmãs separadas. 
Elas são como uma mulher e a imagem do 
seu reflexo, condenadas a ficar cada uma de 
um lado do lago. (GYASI, 2017, p. 34)
Após o ataque à sua aldeia, Esí tenta se esconder em uma 
bananeira, mas é descoberta e obrigada a seguir com seus captores:
Ela foi amarrada a outros. Quantos, ela não 
sabia. Não viu ninguém do seu compound. 
Nem suas madrastas, nem seus meios-
irmãos. Nem sua mãe. A corda em torno dos 
pulsos mantinhasuas mãos com a palma 
para fora, em súplica. Esi examinou as 
linhas daquelas palmas. Elas não levavam 
a parte alguma. Nunca tinha se sentido tão 
desamparada na vida. Todos andavam. Esi já 
andara léguas com o seu pai antes e achou 
que poderia aguentar. E, de fato, os primeiros 
dias não foram tão ruins, mas, no décimo dia, 
os calos nos seus pés já tinham estourado, 
e o sangue escorria, pintando as folhas que 
ela deixava para trás. À sua frente, as folhas 
sujas de sangue dos outros. Tantos choravam 
que era difícil ouvir quando os guerreiros 
falavam, mas ela não os teria entendido de 
qualquer maneira [...] Os mercadores batiam 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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nas pernas deles com paus, fazendo com que 
andassem mais depressa. Durante quase 
a metade daquela semana, eles andaram 
tanto de dia como de noite. Aqueles que 
não conseguiam acompanhar o ritmo eram 
espancados com varas até que, como que por 
mágica, de repente eles conseguiam. (GYASI, 
2017, p. 51)
Esíé levada para o calabouço do castelo de Cape Coast, 
onde os negros que farão a travessia da passagem do meio 
são aprisionados. Sem que ambas saibam, as duas irmãs se 
encontram no mesmo espaço, pois Effia vive nas dependências 
do castelo que cabem ao governador inglês que a tomou por 
mulher. Durante a ocupação britânica, as jovens africanas que 
eram escolhidas pelos oficiais viviam maritalmente com eles, 
embora soubessem que tinham esposas e filhos na Inglaterra. Em 
The Fante and the Transatlantic Slave Trade, Rebeca Shumway 
(2011) afirma que essa prática visava a garantir a lealdade das 
tribos e era denominada panyarring, um vocábulo usado desde 
o século XVIII, que significava capturar bens ou pessoas. Ainda 
segundo a autora, essas jovens recebiam nomes ingleses, tendo 
suas identidades subtraídas.
No calabouço, as mulheres capturadas eram mantidas 
presas, amontoadas em meio aos próprios excrementos:
O CHEIRO ERA INSUPORTÁVEL [...] Esi 
estava no calabouço das mulheres no Castelo 
de Cape Coast havia duas semanas. Passou 
ali o seu aniversário de quinze anos [...] As 
paredes de barro do calabouço deixavam 
todas as horas iguais. Não havia sol. Havia 
escuridão de dia, de noite e em todos os 
momentos. Às vezes, eram tantos os corpos 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
43
acumulados no calabouço das mulheres 
que todas elas precisavam ficar deitadas, 
de bruços, para que mais mulheres fossem 
empilhadas por cima. (GYASI, 2017, p. 27)
Imunda como estava, Esí jamais poderia imaginar que 
seria alvo de um estupro. O soldado que a violenta se apropria 
do seu corpo com um sentimento antitético de atração e repulsa:
Ele a pôs sobre um encerado dobrado, 
abriu-lhe as pernas e a penetrou. Ela deu 
um grito, mas ele lhe tapou os lábios com a 
mão. Depois, enfiou os dedos na sua boca. 
Mordê-los parecia que lhe dava prazer, e 
ela parou [...] Quando ele terminou, pareceu 
horrorizado, com nojo dela. Como se fosse 
dele que alguma coisa tivesse sido tirada. 
Como se fosse ele que tivesse sido violado. 
De repente, Esi soube que o soldado tinha 
feito alguma coisa que até mesmo os outros 
soldados condenariam. Ele olhava para ela 
como se o corpo dela fosse uma vergonha 
para ele. (GYASI, 2017, p. 77)
Do calabouço do castelo de Cape Coast, ela passa pela “Porta 
sem retorno” e é arrastada pela areia até o barco que mudará sua 
vida para sempre. Na passagem a seguir, é descrito o sentimento 
de Esi no momento em que é levada à embarcação:
Eles as levaram para a claridade. O cheiro 
da água do mar entrou pelo seu nariz. O 
sabor do sal grudou-se na sua garganta. Os 
soldados fizeram com que descessem até uma 
porta aberta, que dava para a areia e a água. 
E todas começaram a sair por ela. Antes de 
Esi sair, aquele chamado governador olhou 
para ela e sorriu. Era um sorriso simpático, 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
44
compadecido, porém verdadeiro. Mas, pelo 
resto da sua vida, Esi veria um sorriso no 
rosto de um branco e se lembraria do sorriso 
que o soldado lhe deu antes de levá-la para 
seu alojamento; de como o sorriso de homens 
brancos significava simplesmente que mais 
maldade viria com a próxima onda. (GYASI, 
2017, p. 42)
Alçada à categoria de ponto turístico hoje em dia, a “Porta 
sem retorno” é um monumento à memória dos negros que por ali 
passaram a caminho dos navios. É um breve trajeto através do 
qual os cativos experimentaram o desespero por deixar para trás 
a terra natal, o medo de enfrentar o mar bravio e a angústia do 
desconhecimento do que os esperava além-mar.
Figura 2 – Door of no return, Castelo de Cape Coast, Gana
Fonte: http://abcnews.go.com/International/black-
americans-reconnect-roots-emotional-tripsghanas-door/
story?id=76122759.
O romance não narra a viagem por mar, mas a memória do 
não narrado eclode por meio da narrativa da filha de Esí, Ness, 
nascida em cativeiro, que se recorda das histórias apavorantes 
contadas pela mãe:
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
45
Ness adormecia com as imagens de homens 
sendo jogados no oceano Atlântico, como 
âncoras presas a nada: nem terra, nem gente, 
nem valor. No Barco Grande, Esi dizia, eles 
eram postos em pilhas de dez pessoas; e 
quando um homem morria em cima de você, 
seu peso esmagava a pilha, como cozinheiras 
esmagando alho. A mãe de Ness, chamada de 
Cara Amarrada pelos outros escravos porque 
nunca sorria, costumava contar a história 
de como tinha sido amaldiçoada por uma 
Pequena Pomba, muito, muito tempo atrás, 
amaldiçoada e sem irmã, ela resmungava 
enquanto varria[...]. (GYASI, 2017, p. 110-111)
A migração forçada também está presente no romance 
O livro dos negros, de Lawrence Hill, autor canadense, 
descendente de pastores episcopais que foram escravizados 
nos Estados Unidos. Constituído como um memoir, o romance 
é narrado a partir das lembranças da protagonista, que, já 
idosa, registra a própria história de modo a colaborar com os 
abolicionistas ingleses. O relato do presente torna o leitor ciente 
de que naquele momento ela está em Londres, no ano de 1802, e 
se questiona sobre a sua surpreendente condição de sobrevivente 
a todo o sofrimento que tivera de enfrentar ao longo da vida: 
“Deve haver uma razão para eu ter vivido em todas aquelas 
terras, sobrevivido a todas aquelas encruzilhadas, enquanto 
outros foram assassinados ou fecharam os olhos e simplesmente 
decidiram morrer” (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 1, p. 8).
O relato da captura de Aminata é similar ao de Esí em 
O caminho de casa. Ambas são brutalmente privadas de suas 
famílias e levadas cativas. Aminata, cujo pai era muçulmano e a 
ensinara a ler e a escrever em árabe, sequer podia rezar durante 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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os dias e noites em que caminhara nua, junto a outros cativos, 
presa a um libambo, sem se alimentar:
Na manhã seguinte, entre a primeira luz 
da manhã e o nascer do sol, tentei rezar 
novamente, mas outro captor bateu em 
mim com uma vara. Na noite seguinte, 
depois de mais uma surra, desisti de rezar. 
Eu havia perdido minha mãe, meu pai e 
minha comunidade. (HILL, 2014, Livro 1, 
Cap. 3, p. 41)
Ciente de que o que lhe acontecera provocaria uma ruptura 
com tudo que lhe dava suporte como pessoa, Aminata promete 
a si mesma que jamais irá esquecer suas origens ou abdicar da 
sua identidade.
Durante a caminhada, um jovem, chamado Chekura, que 
acompanha os captores, se aproxima dela e inicia uma conversa, 
contando-lhe que, após a morte dos pais, ele fora vendido pelo 
tio e que aquela era a terceira vez em que os raptores usavam-no 
para ajudar na caminhada dos cativos até a “grande água”, termo 
que usava para designar o oceano, que Aminata nunca virae que 
jamais esqueceria. Levada finalmente à praia, diante da imagem 
imponente do navio, ante o olhar de duvida do rapaz, ela afirma 
que voltará.
Ao contrário do que ocorre em O caminho de casa, em 
que as referências à travessia do Atlântico são vagas, em O livro 
dos negros, elas são vívidas e a protagonista percebe que, caso 
sobreviva, precisará narrar sua experiência e pensa em si mesma 
como uma djeli, uma contadora de histórias tribal:
Quando fui carregada escada acima e 
jogada, como um saco de farinha, no convés 
do navio dos toubabus, busquei conforto 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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imaginando que era uma djeli, e que 
precisava ver e me lembrar de tudo. Meu 
propósito seria testemunhar e preparar-me 
para depor. Papai não deveria ter ensinado 
sua filha a ler e escrever em árabe. Por que 
quebrou as regras? Talvez soubesse que algo 
estava por vir, e quisesse que eu ficasse 
pronta. (HILL, 2014, Livro 1, Cap. 4, p. 61)
Investida do papel de testemunha, na perspectiva que 
Émile Benveniste (1969) denominou superstes2, na velhice, 
a personagem narra os terríveis eventos que faziam com que 
os sobreviventes tivessem pesadelos. É em honra dos que não 
sobreviveram que ela se dispõe a narrar o horror:
Ao contar minha história, lembro-me 
de todos os que não resistiram à bala de 
mosquete, aos tubarões e aos pesadelos; 
todos os que nunca encontraram um grupo 
de ouvintes, e os que nunca tocaram em uma 
pena e em um tinteiro” (HILL, 2014, Livro 1, 
Cap. 4, p. 62)
A habilidade de Aminata para falar fulfulde e maninka a 
favorece, uma vez que é a única a bordo capaz de comunicar-se com 
alguns dos cativos. Ao entrar no porão imundo, cheio de negros 
amontoados como animais, sua reação é de terror e espanto: 
Os homens gritavam nas mais diversas 
línguas. Gritavam preces árabes, gritavam 
em fulfulde, em bamanankan e em outras 
línguas. Todos pediam as mesmas coisas: 
água, comida, ar, luz. Um deles clamava 
estar acorrentado a um morto. Sob a luz 
2 Benveniste distingue dois tipos de testemunho: testis (terceiro), 
daquele que viu e testemunhou a cena dolorosa, ou superstes (primeiro), 
daquele que viveu e testemunha sua própria experiência.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
48
bruxuleante, pude vê-lo tocar o corpo 
inerte preso a ele, pé com pé. Gelei e quis 
gritar. Não, disse para mim mesma. Seja 
uma djeli. Veja e recorde-se. (HILL, 2014, 
Livro 1, Cap. 4, p. 69)
Ciente de que o que testemunha é algo além da sua 
compreensão, embora não pertença a nenhuma casta que a 
habilite para tal, ela sente que a ela caberá narrar a tragédia 
que se abate sobre os escravos que viajam com ela naquele navio 
e se prepara para assumir a função social do djeli, que é ser 
depositário da palavra e transmissor da tradição:
Um dia, se acaso voltar para casa, talvez 
façam uma exceção e permitam que eu me 
torne uma djeli, uma contadora de histórias. 
À noite, na aldeia, enquanto o fogo brilhasse 
e os velhos bebessem chá açucarado, 
visitantes viriam de longe para ouvir minha 
curiosa história. Para ser uma djeli, era 
preciso ter nascido em uma família especial. 
Eu desejava isso, pela honra de aprender 
e contar as histórias da nossa aldeia e de 
nossos ancestrais [...]. Dizia-se que, quando 
um djeli morria, a sabedoria de uma centena 
de homens morria com ele. (HILL, 2014, 
Livro 1, Cap. 4, p. 61)
É possível perceber nas neonarrativas de escravidão certo 
tom que caracterizou os registros das diásporas clássicas, que 
tiveram na diáspora judaica o seu modelo, ou seja, o relato do 
trauma, da subjugação e de um movimento de resistência ao 
apagamento da cultura originária. O foco na memória é, assim, 
outro elemento inerente às neonarrativas, na medida em que há 
uma evocação da ancestralidade, da memória coletiva e étnica.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
49
Ao elaborar o conceito de lugares de memória, Pierre 
Nora afirmava que eles não têm referentes na realidade, mas 
são construídos devido à necessidade humana de criar arquivos, 
de preservar culturas, de transmitir modos de identificação 
e de pertencimento. Assim, em seu caráter polissêmico e sua 
liberdade ficcional, o texto literário constitui, também, um lugar 
de memória, onde é posta em prática uma das estratégias do ser 
humano para enfrentar a sua própria transitoriedade e reagir à 
fragilidade da lembrança. Portanto, na reelaboração da memória 
individual ou coletiva, o discurso literário assume um duplo 
sentido: inventar e inventariar.
O livro dos negros é um romance em que há um intenso 
diálogo não apenas com eventos históricos, mas também com a 
memória étnica. Conforme registramos no artigo intitulado “A 
representação do sujeito diaspórico em o livro dos negros, de 
Lawrence Hill”,
o título do livro se reporta a um documento 
histórico, “O livro dos negros”, um registro 
de escravos que colaboraram com a coroa 
durante a Revolução Americana1 (1775-
1783). Em agradecimento a esse apoio, 
muitos deles foram alforriados. No 
romance, o registro desses nomes cabe a 
uma escrava, a narradora Aminata Diallo, 
que se distingue dos demais por saber 
ler, falar e escrever muito bem em inglês. 
(CARREIRA, 2021, p. 388)
A criar uma personagem cujas habilidades linguísticas 
tornam-se o seu passaporte para a liberdade, Hill desconstrói a 
ótica desumanizadora com que os escravizados eram vistos. 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
50
Diferentemente, em O caminho de casa, o contato de Esí 
com a sua filha Ness se dá em um contexto em que toda espécie 
de transmissão cultural é proibida. Esí tentara ensinar à filha 
o seu idioma natal, comunicando-se com ela em twi, mas fora 
severamente punida por isso:
Ele açoitou Esi cinco vezes para cada 
palavra em twi que Ness disse; e quando 
Ness, vendo sua mãe ser castigada, ficou 
apavorada demais para abrir a boca, ele deu 
cinco açoitadas em Esi para cada minuto de 
silêncio de Ness. Antes do açoitamento, sua 
mãe a chamava de Maame, em homenagem à 
própria mãe, mas o senhor tinha chicoteado 
Esi por isso também. Ele a tinha chicoteado 
até ela exclamar “Mygoodness!” – as palavras 
lhe escapando da boca, sem que ela pensasse, 
sem dúvida aprendidas com a cozinheira, que 
costumava dizê-las para assinalar cada frase. 
E como essas tinham sido as únicas palavras 
em inglês que saíram pela boca de Esi, sem 
ela lutar para encontrá-las, Esi acreditou 
que o que ela estava dizendo devia ter sido 
alguma coisa divina, como a dádiva de uma 
filha. Foi assim que aquele “goodness” virou 
apenas Ness. (GYASI, 2017, p. 59)
Como as passagens selecionadas dos romances 
demonstram, as narrativas contemporâneas sobre a escravidão 
apresentam estruturas muito diversificadas, tanto em termos da 
voz narrativa quanto da temporalidade. Nesse aspecto, podemos 
afirmar que O livro dos negros se aproxima mais do padrão 
das slave narratives pela utilização do narrador em primeira 
pessoa, enquanto O caminho de casa recorre a uma narrativa 
genealógica em que a justaposição de histórias individuais 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
51
dos descendentes de Effia e Esí, é feita por meio da ótica de 
um narrador em terceira pessoa. Essa diferença, no entanto, 
não compromete o efeito de real que buscam transmitir. Se, 
em O caminho de casa, Esí resiste à dureza de sua condição 
revestindo-se de uma aparente ausência de emoções, em O livro 
dos negros, Aminata é a voz que impede o esquecimento.
O século XX não apenas assistiu a essa busca de 
reinterpretação das diásporas clássicas, mas foi, também, o cenário 
de surgimento de obras literárias voltadas para as diásporas 
contemporâneas, em consonância com a extensão do conceito às 
comunidadesde dispersão pós-coloniais e transnacionais.
Na introdução ao primeiro número do periódico Diaspora, 
publicado em 1991, Khachig Tölölyan afirmava que o domínio 
semântico do termo diáspora estava sendo compartilhado com 
termos como migrante, expatriado, refugiado, trabalhador 
estrangeiro, exilado, e que, como resultado, as diásporas tinham se 
tornado as comunidades exemplares do momento transnacional. 
Dez anos depois, em um discurso proferido no lançamento do 
Oxford Diasporas Programme em junho de 2011, Khachig Tölölyan 
(2017), enfatizou que “a ascensão do termo ‘diáspora’ como um 
cognato para todas as dispersões é um processo complexo, produto 
da convergência de vários eventos autônomos”(2017, p. 25), dentre 
eles a emergência do termo Diáspora Africana, a rediasporização da 
etnicidade, ou seja, o desenvolvimento e a defesa de compromissos 
translocais com a pátria ancestral e com comunidades aparentadas 
em outros países; a aprovação, em 1965, da Lei Hart-Celler de 
Imigração e Nacionalidade nos Estados Unidos; e “a emergência 
e a valorização definitiva, dentro dos currículos universitários, 
das noções de identidade, diferença e diversidade como temas de 
investigação” (TÖLÖLYAN, 2017, p. 29).
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
52
Tölölyan atribui o termo diáspora a comunidades de 
dispersos que desenvolvem uma variedade de associações que 
perduram ao menos até a terceira geração e não as reduz ao que 
Robin Cohen (1996) denominou victim diaspora, ou seja, a uma 
percepção da diáspora associada ao trauma e ao sofrimento. O 
autor argumenta que, embora para alguns grupos diaspóricos o 
genocídio e o etnocídio, o estupro e a expropriação sejam mais 
do que reais, eles não são parte da experiência das gerações 
diaspóricas subsequentes, que, geralmente, são herdeiras de 
uma “pós-memória” (HIRSCH, 2008), construída por meio de 
fotografias, relatos e fontes midiáticas diversas. Na literatura 
contemporânea, a memória de empréstimo tem sido abordada 
frequentemente e um dos exemplos mais recentes pode ser 
encontrado no celebrado romance de estreia de Yaa Gyasi (2017), 
O caminho de casa.
Para Tölölyan, a realidade da experiência diaspórica 
contemporânea é outra, e
[...] um conjunto de migrantes transnacionais 
se torna uma diáspora quando seus membros 
desenvolvem alguma distância familiar, 
cultural e social para com sua nação, embora 
continuem a se preocupar profundamente com 
ela, não só em termos de parentesco e filiação, 
mas pelo compromisso com certas afiliações 
conscientes. (TÖLÖLYAN, 2017, p. 35)
Nesse caso, há o abandono do nacionalismo do exílio em 
favor do transnacionalismo diaspórico e de identidades múltiplas 
e flexíveis que podem ser configuradas conforme a necessidade. 
Ainda segundo o autor, após várias gerações, o sujeito diaspórico 
“já não se sente comprometido por causa de vínculos de 
parentesco e memórias pessoais”, “é agora um cidadão em seu 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
53
‘novo’ país, possui uma cultura e identidade híbridas ou, pelo 
menos, desenvolveu uma confortável competência bicultural” 
(TÖLÖLYAN, 2017, p. 35).
As narrativas ficcionais sobre as diásporas contemporâneas 
apontam na direção desse hibridismo cultural. Autores como 
Chimamanda Ngozi Adichie, Taiye Selasi e NoViolet Bulawayo, 
dentre outros, têm inserido no universo ficcional questões 
relacionadas ao processo de integração dos sujeitos dessas novas 
diásporas aos países de acolhimento.
Não se pode, no entanto, ignorar que a amplitude dada 
contemporaneamente ao termo diáspora abrange também a 
complexa situação do refúgio, e não são poucas as obras ficcionais 
que o abordam em suas diferentes feições, ora na ótica de quem 
parte movido pela esperança, ora por meio da evocação da 
memória traumática do trânsito, ora por meio do relato de quem 
espera ser aceito em um novo país.
A ficção sobre a diáspora, portanto, seja na perspectiva 
tradicional ou na ótica dos deslocamentos contemporâneos, tem 
se mostrado profícua e, diante da crescente massa de sujeitos em 
trânsito, parece estar longe do esgotamento.
O impacto causado pelos inúmeros naufrágios de 
embarcações frágeis a transportar pessoas que buscam escapar 
da guerra e da fome em seus países natais tem gerado uma espécie 
de boom de narrativas sobre refugiados. Dentre elas, a título de 
exemplo, nos reportaremos ao conto “Meu mar(fé)”, de Itamar 
Vieira Junior, e à sensível narrativa poética de Khaled Hosseini, 
em A memória do mar.
Hosseini é o aclamado autor de O caçador de pipas, obra 
que o alçou à fama. Nascido em Cabul e filho de um diplomata e de 
uma professora, o autor e sua família estavam na França quando 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
54
houve a invasão soviética no Afeganistão. Impedida de retornar 
ao país natal, a família obteve asilo político nos Estados Unidos, 
onde Hosseini estudou, formou-se em medicina e vive até hoje. 
Seu primeiro romance, publicado em 2004, obteve um estrondoso 
sucesso e a ele se seguiram A cidade do sol (2007) e O silêncio das 
montanhas (2013). Os três romances abordam questões sensíveis, 
como o exílio, o refúgio e os laços com a terra natal.
Em A memória do mar, obra dedicada a crianças, Hosseini 
se inspira na trágica história do menino Alan Kurdi, um refugiado 
sírio de três anos de idade que se afogou no mar Mediterrâneo 
quando tentava chegar à segurança da Europa. Na obra, um pai, 
prestes a empreender a viagem pelo mar com seu filho pequeno, 
rememora as coisas preciosas e simples da sua infância e lamenta 
que seu filho só tenha conhecido o medo da guerra, da violência: 
“Você aprendeu a encontrar mães, irmãs e colegas de escola, 
em vãos estreitos entre o concreto, tijolos e vigas expostas, 
pequenos retalhos de pele banhados pelo sol, brilhando no escuro” 
(HOSSEINI, 2018, p. 15). O texto dá a entender que a mãe da 
criança foi uma das vítimas dessa violência:
Sua mãe está aqui com a gente esta noite, 
Marwan,
nesta praia fria e enluarada,
entre os bebês que choram
e as mulheres que lamentam
em línguas que não falamos.
Afegãos, somalis, iraquianos,
eritreus e sírios.
Todos nós ansiosos pelo nascer do sol,
todos nós com medo desse mesmo momento.
Todos nós à procura de um lar.
Ouvi dizer que somos indesejados.
Que não somos bem-vindos.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
55
Que deveríamos levar nosso infortúnio à 
outra parte.
(HOSSEINI, 2018, p. 18)
De um modo objetivo e simples, o autor descortina o drama 
daqueles que estão para partir. O pai teme o futuro, o que pode 
acontecer com todos eles, e se ressente por ter dito ao filho uma 
mentira consoladora:
Eu disse a você:
“Segure minha mão. 
Nada de mal vai acontecer”.
São só palavras.
Truques paternos.
Que destroem o seu pai,
a fé que você tem nele.
Porque tudo o que posso pensar esta noite é
em como o mar é profundo,
como é grande, como é indiferente.
Como sou impotente para proteger você de 
suas ondas.
Tudo o que posso fazer é rezar.
(HOSSEINI, 2018, p. 22-23)
O pai de Marwan sabe que aquela embarcação levará o que 
há de mais precioso para ele: o seu filho. E reza para que o mar 
saiba disso.
Diferentemente, o conto de Itamar Vieira Junior (2021), 
voltado para um público adulto, carrega nas tintas nesse cenário 
das histórias de quem parte. O autor se consagrou como escritor 
ao vencer o prêmio Leya de 2018, que possibilitou a publicação 
do romance Torto arado, sucesso absoluto de crítica e público, 
que arrebatou também os prêmios Jabuti e Oceanos de 2020. 
Doramar ou a Odisseia, uma coletânea de narrativas curtas, 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
56
foi lançado em 2021, e inclui alguns contos que já haviam 
sido publicados em A oraçãodo carrasco (2017), vencedor do 
Prêmio Humberto de Campos da União Brasileira de Escritores: 
seção Rio de Janeiro biênio 2016-2017. Dentre os contos dessa 
coletânea, que versa sobre temas muito presentes na literatura 
contemporânea, pela importância histórica e social, há narrativas 
que envolvem os deslocamentos de personagens, como “Alma” e 
“Meu mar (fé)”. Esta última está centrada em uma personagem 
refugiada, uma senegalesa anônima que saiu de Dakar escondida 
em um container, juntamente com seu companheiro e mais 
quatro imigrantes, para buscar refúgio na Bahia.
O anonimato da personagem aponta para a experiência 
coletiva dos milhares de migrantes que tentam, por via marítima, 
chegar a um país onde possam refazer suas vidas. Muitos, como a 
protagonista do conto, enfrentam a travessia como clandestinos. 
A vida do casal em sua cidade de origem era difícil e a dificuldade 
de conseguir emprego foi determinante para a partida, como 
mostra a passagem a seguir:
Andávamos todos os dias nas praias de Dakar, 
nos arredores dos hotéis e restaurantes, 
enterrando os pés na areia. Procurávamos 
trabalho. Entrávamos no mar ao fim da 
tarde e agitávamos os braços na água, 
observando-a alcançar o céu. Secávamo-
nos nos restos de luz, e então voltávamos 
para Baraka, caminhávamos na escuridão 
por suas ruas arruinadas, seu chão de 
terra, suas casas se desmanchando como 
uma colmeia que se renova. Baraka estava 
cercada de boas casas, dos poucos prósperos 
de nosso país. Foi quando veio a proposta de 
partir para a América, para o outro lado do 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
57
oceano, atravessando num navio de carga, 
escondidos num contêiner. Vendemos a casa 
que habitávamos, a outra casa que herdamos 
de seu pai e que rendia o parco para nos saciar 
a fome, para pagar a travessia até o porto da 
Bahia. Desembarcaríamos depois de muitos 
dias sem ver a terra e com a memória dos 
muito poucos fios de luz que nos chegavam 
ao longo da viagem. No contêiner, éramos 
seis pessoas, jovens, cinco homens e somente 
eu, mulher, que conhecemos o inferno da 
travessia. O alimento terminou antes de 
nossa chegada, o calor sufocante nos enchia 
de cansaço e mal-estar. Havia o medo de que 
fôssemos descobertos, havia o balanço da 
pesada embarcação no mar aberto, quebrando 
ondas, havia o perfume nauseante da maresia. 
(VIEIRA JR., 2021, p. 97-98)
A dor da partida sem certeza do retorno, o perigo da 
travessia, a precariedade com que a suportaram evocam a viagem 
transatlântica de escravizados pela passagem do meio. O conto 
conjuga a temática contemporânea da migração à memória da 
diáspora africana:
Deixávamos nosso país para trás, sem a 
esperança de voltar em breve. Deixávamos 
tudo com melancolia, sem sorrisos, sem 
conseguir dormir, sem banho, com dores 
pelo corpo nascidas das ausências, o silêncio 
muito incômodo que nos impúnhamos 
para não levantar suspeitas de que havia 
ilegais naquela embarcação de bandeira 
estrangeira [...] Nossa respiração estava 
carregada do ar que quase não se renovava 
em nossos pulmões, o cheiro do vômito, o 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
58
cheiro da distância, carregada pelo destino. 
Éramos uma garrafa boiando na água, e 
um grande peixe nos engolia calmamente. 
(VIEIRA JR., 2021, p. 98)
Vieira Junior é doutor em Estudos Étnicos e Africanos 
(UFBA) e a negritude e a ênfase em personagens femininas são 
recorrentes em sua obra. No conto, a narradora e seu companheiro 
partem em busca de uma vida melhor, embora cientes dos riscos 
que correm. Durante a travessia, são descobertos. A punição que 
sofrem é terrível: os homens são espancados, a mulher é estuprada 
e, posteriormente, todos são atirados ao mar. Expulsos, assim, do 
navio “Esperança”, são lançados à própria sorte:
Promoveram as maiores humilhações, 
tocaram em meu queixo, tocaram em meu 
seio, me levaram para um lado de luz da 
embarcação enquanto batiam em você e 
nos outros homens. Eu também não escapei 
da violência, machucaram meu supercílio, 
entraram em mim, contei, quatro homens 
cheios de ódio deitaram sobre mim, à deriva 
no navio que chamamos de Esperança, 
morderam minha pele suja e urinaram 
sobre meu corpo. Assim nos despedaçaram 
até nos lançarem ao mar. Era o começo de 
uma manhã e eu via em seus olhos a vontade 
de nos ver morrer afogados. Apagariam 
nossas vidas como muitas já haviam 
sido apagadas e continuam a apagar nas 
embarcações de imigrantes e refugiados. 
(VIEIRA JR., 2021, p. 99)
A imagem dos negros sendo atirados ao mar está presente 
não apenas nos relatos de ex-escravizados, mas também na ficção 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
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contemporânea sobre a escravidão. Vieira Junior recupera, assim, 
esse episódio trágico da história humana. E o faz na ótica de 
uma mulher negra, desfavorecida, que narra a sua experiência 
dolorosa na forma de um monólogo, embora entremeado por um 
discurso endereçado ao seu companheiro, que, na tentativa de 
ajudar um dos homens que afundava, descumpre a regra que ele 
mesmo estabelecera: que ficassem longe uns dos outros, para que 
o medo não os levasse para o fundo. Em seu desvario, a narradora 
acredita que ele está submerso, quieto, por medo das pessoas que 
estão em uma embarcação que se aproximara e que lançam boias 
aos sobreviventes; porém, o texto sugere que ele morreu afogado.
A rememoração da narradora evoca o destino dos sujeitos 
da diáspora africana:
Atravessamos oceanos há séculos, através 
das águas, partindo do continente do lado 
de lá. Partimos de muitas terras. Partimos 
de muitos lugares, de diferentes cores, 
de diferentes vozes, de diferentes falares, 
por diferentes ondas, de terra e de mar, 
de florestas e de savanas, de planícies e 
de montanhas. Partimos muitas vezes 
acompanhados de multidões, partimos 
em pequenos grupos, mas quase sempre 
partimos conosco. Partimos para fecundar a 
América. Partimos para perecer na América. 
Nascimento e morte: América. Viajamos 
o Atlântico, viagem nunca desejada, 
quase nunca sonhada, mas quase sempre 
necessária. Deixamos histórias, carregamos 
histórias, tudo o que o trazemos é o que pode 
ser comportado em nosso espírito, para que 
nossa terra não se acabe, para que floresça 
e seja presente, para que, talvez daqui a 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
60
alguns anos ou séculos, possamos regressar 
e refundar nossas vidas, unir os fios partidos 
e caminhar sobre as águas. (VIEIRA JR., 
2021, p. 101)
Levada ao abrigo de uma igreja, ela se recusa a seguir com 
os homens que os acompanharam na travessia, certa de que o 
marido surgirá de repente. Assim como não conseguira explicar 
àqueles que a resgataram que o marido estava no mar, ela não 
tem como fazer as pessoas entenderem que precisa ficar à espera. 
Uma das barreiras mais sérias para o imigrante é a linguística. 
Desde a travessia, ela tentara se comunicar, ora em crioulo, ora 
em francês. A incomunicabilidade acentua a sua solidão: “eu 
permanecia falando ao vento. Como uma árvore que nada escuta, 
que não escuta ninguém, plantada indiferente e estoica à sua 
espera” (VIEIRA JR., 2021, p. 101).
Em meio ao sofrimento, ela consegue um contato precário 
com outra mulher, a haitiana Dominique, que estava no abrigo 
há cerca de um ano e esperava encontrar o marido que viera 
antes para o Brasil. A busca de uma forma de interação social, 
etapa necessária à adaptação do imigrante, se traduz em uma 
complexa interlíngua: “ela fala o crioulo da terra dela, eu falo o 
crioulo de nossa terra, são línguas diferentes. Então juntamos 
os pedaços com um francês muito ruim e com o português 
que começamos a aprender”. (VIEIRA JR., 2021, p. 102-103). 
O pouco português que aprendem lhes dá a breve sensação depertencimento: “de que aos poucos passaremos a pertencer a 
esta terra” (VIEIRA JR., 2021, p. 103).
Dominique tinha dinheiro suficiente para encontrar o 
marido em São Paulo, mas, na fronteira entre o Brasil e o Peru, 
o coiote exigiu mais dinheiro, ameaçando abandoná-la na selva 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
61
com os outros haitianos. Essa experiência a torna mais esperta 
nas interações com os da terra e ela procura advertir a narradora 
em relação ao que pode esperar:
Dominique me disse que eu não devo ter 
muita esperança nem contar com muita 
bondade por parte dos brasileiros. Falou 
que o preconceito contra nossa cor e 
nossa origem é muito forte por aqui. Ela 
compreende mais o português porque 
chegou há mais tempo e me fala coisas que 
eles fazem sorrateiramente, mas que ela já 
pôde notar. Dominique falou que mesmo 
os negros daqui sofrem discriminação. 
Ela me disse, enquanto andávamos pelas 
ruas até a calçada onde estendemos nossas 
mercadorias: “Olhe ao seu redor e veja onde 
estão os brancos e onde estão os pretos”, eu 
observava então os edifícios e ela continuava 
dizendo: “Olhe à sua volta e veja como estão 
separados, como eles andam afastados, 
como as mulheres negras andam atrás das 
suas patroas, segurando suas crianças. 
Olhe para as pessoas que tentam trabalhar 
e vão para a rua vender seus materiais, são 
quase todas como nós”. Ela andava rápido, 
mas atenta a todos os passos, “Já observou 
quem atende os portões dos prédios? 
Quem guarda os carros nas ruas? Quem 
dirige os ônibus?”, olhava para mim com 
os olhos vivos, “Sabia que as empregadas 
não podem usar os banheiros das patroas? 
Os engenheiros no Brasil cuidam de fazer 
um banheiro só para elas”, e concluía com 
pesar: “Aqui negro é um cidadão de segunda 
classe. Como nos Estados Unidos. Como na 
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
62
Europa” [...] os pobres, aqui, diferente do 
Haiti ou do Senegal, tinham cor. (VIEIRA 
JR., 2021, p. 104)
Vieira Junior traz à baila a questão do racismo estrutural 
(ALMEIDA, 2019), introjetado nas relações políticas, econômicas 
e até familiares. Ainda assim, como De Haas (2021) nos faz 
lembrar, esses imigrantes ilegais “estão dispostos a suportar 
situações de exploração e sofrimento, por mais injustificadas que 
sejam do ponto de vista moral e ético”.3
Ao conceder voz a personagens periféricas, Vieira Junior 
mostra o olhar a partir das margens, descentrando a ótica 
hegemônica, o modo como esses sujeitos interpretam o Brasil e a 
sua própria condição:
Dominique me conta histórias que viu e 
escutou de muitas pessoas que continuam 
a chegar por aqui: de lugares destruídos 
pela natureza, de pessoas que fugiam do 
narcotráfico, e continuam a chegar de lugares 
devastados por guerras no Oriente, de nosso 
continente, fugindo das crises econômicas e 
dos conflitos internos. São muitos rostos, em 
sua maioria de jovens e crianças, pessoas que 
dão tudo que têm para embarcar, por mar ou 
terra, cheios de sonhos, mas que enfrentam 
toda sorte de adversidades, violência, 
exploração. “Um imigrante aqui vale muito 
menos que um nativo, eles acham que 
valemos qualquer coisa e exigem de nós uma 
carga de trabalho que muitos deles não têm. 
Mas, ainda assim, é melhor estar aqui para 
3 No original: “they are therefore willing to endure situations of 
exploitation and suffering, however unjustified these may be from a moral 
and ethical point of view”.
DESLOCAMENTOS ESPACIAIS, CULTURAIS E IDENTITÁRIOS NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA
63
ter condições de sobreviver do que continuar 
onde estávamos, onde muitas vezes não nos 
resta nada”. (VIEIRA JR., 2021, p. 105)
Quando Dominique finalmente reencontra o marido e 
parte, cabe à narradora o retorno à solidão, à espera infinita pelo 
amado que ainda imagina vivo e tentando ir ao seu encontro, à 
qual soma-se mais uma, quando ela descobre estar grávida. A voz 
que, no início da narrativa, revela que vai todos os dias à praia 
para tentar encontrar o companheiro perdido, cede à evidência 
da espera infrutífera e informa a decisão de ir ao encontro dele:
Caminho decidida em direção à praia, para 
o mesmo lugar em que desembarquei, onde 
você deveria ter aparecido faz muito tempo, 
e não posso mais esperar, preciso eu mesma 
fazer o trabalho de busca, qualquer dia 
eles negam mais uma vez a reconsideração 
de meu pedido de residência, então serei 
deportada de volta para Dakar [...] empurro 
com meus braços pequenos o menor barco, 
com a força de muitos homens, deixando um 
rastro na areia [...] o barco encontra o mar e 
eu o levo com sua ajuda, mar, para longe, o 
ventre me dói nessa hora, mas preciso voltar 
para encontrá-lo. Você está perdido lá, onde 
o deixamos [...] Vou seguindo decidida para 
onde nossas vidas se interromperam [...] Não 
posso cuidar desse filho sozinha, eu deixei 
que ele vingasse pela certeza de que você 
estava a caminho. [...] Afundo lentamente, 
a barriga é um peso, uma respiração. Desço 
cada vez mais, você não aparece, desço, 
desço, até que meu corpo, sozinho – queria 
permanecer descendo –, toma um impulso 
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para subir, para respirar de um só fôlego tudo 
que não havia respirado desde que cheguei 
aqui, desde que nossos sonhos ruíram nesse 
lugar de mentiras. (VIEIRA JR., 2021, p. 110)
Em sua análise de “Meu mar (fé)”, Pedro Dorneles da 
Silva Filho demonstra a existência de diversos intertextos no 
conto, ressaltando, dentre eles, o diálogo intertextual com Mar 
morto, de Jorge Amado na passagem mencionada, em que a 
força destruidora do mar confronta-se com o ímpeto de vida da 
personagem. Dividida entre a vontade do reencontro e o instinto 
de sobrevivência, a narradora vem à tona e é salva por pescadores:
Um barco com dois homens se aproxima, um 
deles se lança à água para me ajudar, não sei 
dizer em sua língua que preciso descer para 
o fundo, que preciso encontrá-lo, que meu 
desespero é grande e que eu não posso mais 
ficar esperando até que você queira aparecer, 
queira estar comigo. O pescador arrasta meu 
corpo até o barco de onde saltara, falam 
muitas coisas que não consigo compreender, 
um deles sobe no barco que retirei da areia, 
e os dois barcos voltam para a praia, comigo, 
banhada de mar, sem nada para me aquecer, 
qualquer coisa para consolar... (VIEIRA JR., 
2021, p. 110)
Ao fim do conto, a voz narrativa não mais se dirige ao amado 
perdido, mas ao mar, a quem apresenta seu filho, atribuindo-lhe 
a paternidade:
Nosso filho nasceu e eu vejo nos olhos dele 
o reflexo dos seus. Passo alguns dias sem 
ir à praia, e, num dia de sol, sigo ao seu 
encontro. Vou apresentar nosso filho, mar, 
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porque ele é seu filho também. Eu o levanto 
e seus olhos se fecham pelo dia iluminado 
em que estamos. Apresento meu filho ao seu 
pai, na língua que eles falam e que aprendo 
aos poucos, o mar é masculino. O mar é 
seu pai, digo ao meu filho, e não faço muito 
esforço para que ouça o barulho das ondas 
que quebram aos nossos pés. Ele me trouxe 
até aqui e a você também. Ajoelho na areia, 
espero uma onda chegar quieta como uma 
manta que recobre nossos corpos, pego um 
pouco d’água, molho a moleira dele, vejo 
pequenos cristais de sal brilhando em sua 
fronte. O mar me irrompeu como um grande 
f luxo e gerou você. Irrompeu ora sereno, 
ora violento. Ele me acompanhou em meu 
passado e me acordou por muitas manhãs 
na nova terra, que agora será sua terra, para 
me trazer a esperança da chegada, mar. 
(VIEIRA JR., 2021, p. 110-111)
Em um desfecho sutil, o conto aponta para a integração à 
nova terra. O mar, que lhe roubara a esperança no fatídico dia em 
que foram jogados do navio, é agora quem a traz devolta, do modo 
mais inesperado, por meio do filho gerado em meio ao trauma.
Wander Melo Miranda (2021), em sua recensão à coletânea 
de contos, atribui-lhe o epíteto de épica dos excluídos, pois a cada 
protagonista cabe vivenciar uma odisseia. No caso da narradora de 
“Meu mar (fé)”, ao fim das peripécias, não há o retorno a casa, mas 
a possibilidade de fazer do chão que habita o seu novo lar.
Há que ressaltar, ainda, a existência de obras, como 
o memoir ficcional Refuge: A Novel, de Dina Nayeri (2018), 
que abordam, em particular, a fase do asilo ao refugiado, as 
dificuldades encontradas por ele no local de abrigo, bem como um 
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retorno possível ao país natal. Nayeri passou por essa experiência 
aos oito anos de idade, quando sua mãe precisou deixar o Irã 
pós-revolucionário devido a uma ameaça de morte por ter se 
convertido ao Cristianismo. O irmão de Nayeri acompanhou-as 
na fuga, mas seu pai permaneceu no Irã. Antes de conseguir asilo 
nos Estados Unidos, a família buscou abrigo em Dubai e Roma, 
portanto, a experiência das personagens do romance é pautada 
na vivência da autora.
O gênero memoir tem se consolidado como uma importante 
forma de registro da experiência do refúgio, entretanto, a memória 
é lacunar, visto que não há como retratar fielmente algo que já 
aconteceu. A evocação de uma lembrança conta com a imaginação 
para complementar os traços que foram apagados pelo tempo. A 
narrativa do refúgio é, portanto, uma escrita migrante, gestada 
entre a memória e a imaginação, tendo como pano de fundo as 
crises econômicas e humanitárias dos séculos XX e XXI.
Se, no passado, o conceito de diáspora era atrelado a 
circunstâncias específicas que envolviam o deslocamento 
forçado e o trauma, não se pode dizer o mesmo das diásporas 
contemporâneas, desencadeadas por múltiplos fatores, mas para 
uma parcela dessa massa de pessoas em trânsito, essa primeira 
definição ainda encontra consonância: aqueles que, tendo 
abandonado a terra natal sob intenso sofrimento, ainda buscam 
um lugar de refúgio.
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