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Anjos da Guarda - Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica Guardian Angels - A New Approach to Practical Classes in Medical Graduation Ricardo Rocha RESUMO - Educação Médica; Aulas práticas em enfermarias estão entre as mais tradicionais para a graduação médica, em que pese o acúmulo de evidências que apontam para uma crescente dissociação entre proficiência Graduação Médica; nos métodos clínicos e prática médica atual. Este trabalho apresenta a experiência com uma nova Anamnese; ferramenta que utiliza o ambiente do Hospital Universitário, para harmonizar as novas das Competência Clínica. diretrizes curriculares com o desenvolvimento de habilidades clínicas consagradas no modelo biopsi- cossocial. É projeto "Anjos da da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil. KEY-WORDS ABSTRACT - Education, Medical; In spite of the increasing gap between proficiency in clinical methods and the present medical practi- ce, ward rounds are among the most cherished strategies at medical school. This paper presents the Medical Graduation; experience with a new tool which, being carried out within the teaching hospital environment, links Medical History Taking; the new curricular demands to the time-honoured clinical skills of the bio-psico-social model. It is the Clinical Competence. "Guardian project, developed at the Faculdade de Medicina of the Universidade Federal de Juiz de Fora, Recebido em: 28/04/2004 Reencaminhado em: 15/08/2005 Aprovado em: 18/11/2005 REVISTA Médico, especialista em Medicina Tropical e Higiene pela Universidade de Professor assistente, Departamento de Médica, Faculdade 201 Rio de n° 2003 de Medicina, Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Minas Gerais, Brasil.Ricardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica INTRODUÇÃO cias curriculares. Este trabalho apresenta sua metodologia e Aulas práticas são tradicionalmente reconhecidas como os resultados do primeiro ano de aplicação. estratégia integrante dos currículos de graduação médica e seu valor, quanto à fixação de experiências, tem sido assina- MÉTODO lado por parte de muitas autoridades. A graduação médica na FM-UFJF é dividida em doze pe- Podendo acontecer onde quer que a atividade médica se dos quais os três últimos são de Existe um desenrole, é nas enfermarias, entretanto, que gerações de gra- Hospital Universitário (HU), com serviços ambulatoriais, duandos têm tido a maior parte de sua exposição. A visita às pronto-atendimento, unidade de terapia intensiva e enferma- enfermarias, como modalidade de o aprendiz seqüenci- rias de clínica médica, ginecologia, cirurgia e pediatria, onde almente a indivíduos com suas doenças, ainda que possivel- grande parte das aulas práticas e estágios acontecem. mente existente de uma certa forma já no antigo alcança o projeto tem início quando um preceptor docente com uma estrutura bem definida e documentada com os trabalhos formação clínica, independentemente de especialidade ou de de Laennec, no início do século XIX, em Muito valoriza- vinculação departamental recebe um grupo de alunos de da por pioneiros do moderno método clínico ocidental,4 alcan- graduação, geralmente entre quinze e vinte, çou posição definida em nossos currículos,5 sendo desejada com dos ao quarto período. ansiedade pelos alunos sequiosos de ingressarem no ciclo pro- Participam alunos do quarto, quinto, oitavo e nono A disciplina de semiologia médica é historica- odos. Ao ser promovido para o quarto período (disciplina de mente responsável por esse primeiro contato com as enferma- Semiologia I), cada aluno, chamado então de pupilo, recebe rias e, durante minha experiência profissional, tenho observa- seu "anjo da guarda", um aluno do oitavo período, voluntá- do que a expectativa não é correspondida pela qualidade das rio. Essa dupla trabalhará em conjunto por um ano até con- atividades desenvolvidas, com os encontros se dando num am- cluírem quinto e nono períodos, respectivamente. biente de artificialidade em que o que ocorre não guarda muita No início do período letivo, todas as duplas recebem trei- relação com a verdadeira prática médica. Vivemos o paradoxo namento em técnicas de entrevista médica, com simulações em que, por um lado se proclama a relevância da proficiência nas quais o preceptor faz o papel de paciente, e estudo de um clínica e, por outro, avolumam-se as evidências de que as habi- vídeo Paralelamente, há um treinamento, no lidades de e exame físico8 talvez estejam entre as laboratório de habilidades clínicas (LHC), do exame físico de mais precárias da prática médica atual. abordagem (EFA), um conjunto descrito em outro de Consoante a tendência mundial de uma graduação médi- manobras para abordagem inicial de um paciente indiferen- ca que desenvolva valores profissionais e pessoais, expressos ciado. Após esse período de treinamento, as duplas seguem na Declaração de Edimburgo,9 as Diretrizes Curriculares Na- uma escala de permanência no serviço de pronto atendimen- clamam por uma formação que seja "generalista, to (SPA) do Tão logo haja indicação do pessoal do humanística, crítica e reflexiva", enquanto incluem nos seis SPA, staff e residentes, para admissão de uma pessoa, a dupla conteúdos essenciais de realizar história clíni- assume seu acompanhamento, paralelo ao oficial, feito pelo ca e exame físico, conhecimento fisiopatológico dos sinais e serviço ao qual o paciente está vinculado, até o momento da sintomas; capacidade reflexiva e compreensão ética, psicoló- alta. Para evitar o viés de seleção, a dupla é orientada a assu- gica e da relação médico-paciente... o Progra- mir a primeira pessoa admitida, não sendo permitida qual- ma de Incentivo a Mudanças Curriculares dos Cursos de Me- quer escolha quanto a sexo, idade, ou serviço especializado. dicina (PROMED) 10 propõe três eixos a serem contemplados: Uma vez identificado o paciente, ele é submetido a uma orientação teórica, abordagem pedagógica, e cenário de prá- entrevista médica e, a seguir, ao exame físico de abordagem. ticas, fundamentação que vem sendo seguida pela Faculdade Os primeiros pacientes são entrevistados e examinados pelo de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (FM- aluno do oitavo período, enquanto o do quarto fica como ob- UFJF), com a criação de várias ferramentas que contemplam servador. Com o passar do tempo, o aluno do quarto período os vetores de priorização temática para as necessidades do vai assumindo responsabilidades crescentes na abordagem do educação e criatividade paciente. Se a história revelar algum aspecto especial, o EFA projeto "anjos da guarda", incorporando os princípios será enriquecido por manobras adequadas às queixas levanta- do modelo foi criado como alternativa às Tais manobras fazem parte do EFA em situações tradicionais aulas práticas em enfermarias, para atender os e também são disponibilizadas e treinadas no LHC, podendo ditames deste novo modelo e acompanhar as novas tendên- ainda ser encontradas no site www.cursofreeway.com.br. 202 Rio de 2005Ricardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica Os alunos são então orientados a elaborarem seus diag- de de nível primário ou secundário do sistema, uma prática nósticos de trabalho sindrômicos sempre que possível a que já se mostrou de grande utilidade na formação de uma listarem as investigações que julgarem pertinentes. atitude reflexiva. 20 Ao menos uma vez por semana, há uma visita do precep- Quando pertinente, a alta é acompanhada por uma visita tor à enfermaria. Um dos alunos secretaria as visitas, provi- domiciliar de seguimento. ciclo se encerra quando a dupla denciando a pauta dos pacientes do dia e a das apresenta seu relatório escrito, ao preceptor. Os alunos são duplas que entrarão como observadoras nos quartos. Todas então novamente designados para o SPA, para acompanha- as duplas participam da discussão geral, mas só a dupla en- mento de um novo paciente. volvida com o paciente em questão tem acesso à beira do leito Ao final de cada período, há uma avaliação, portanto duas, naquela apresentação específica, tolerando-se mais duas du- no final de um ano. Nessa avaliação, a mesma de plas dentro do quarto, como Todos, inclusive procedimentos das visitas é usada, e o aluno recebe uma men- preceptor, devem estar devidamente uniformizados roupas ção: E (insuficiente, compatível com menos de 50% de apro- brancas com de identificação conforme parece ser a veitamento), D (recuperação, com aproveitamento entre 50 e preferência dos pacientes. 17 preceptor recebe informações 59%), C (aprovação, com resultado entre 60 e 69%), B (apro- sobre o paciente, pautadas nos seguintes itens (10 passos): vação com crédito, com resultado entre 70 e 79%) e A (aprova- 1. Nome, idade, profissão e procedência. ção com distinção, com resultado igual ou superior a 80%). 2. Caminho trilhado no sistema de saúde até a hospita- Para a menção, são levados em conta: a avaliação da dupla lização e razão para a mesma. durante todo o período, que é feita pelo preceptor e vale 60% 3. História da doença atual (HDA). do total, o desempenho da dupla na visita de final de perío- 4. Outros pontos relevantes da entrevista. do, que corresponde a 20% do total, e a avaliação de cada 5. Diagnósticos de trabalho com os dados da entrevista. aluno por seu parceiro, os restantes 20% do total. 6. Pontos relevantes do EFA pertinente ao caso. A avaliação da dupla, durante o período, contempla: fre- 7. Diagnósticos de trabalho com os dados do exame físico. apresentação oral dos casos, redação dos relatórios, 8. Sugestão de investigações a serem feitas. compromisso, empatia, e apresentação pessoal com valor de 9. Visão que o paciente tem de sua situação. 10 pontos cada item, totalizando 60. 10. Pauta do que precisa ser aprendido em graduação para desempenho da dupla na visita de final de período re- que o atendimento a uma pessoa como esta, no futu- cebe uma nota global que pode ser: 10, ou 20. ro, possa se dar de acordo com a melhor A avaliação de cada aluno por seu parceiro, cuja nota máxima será 20, feita seguindo as seguintes assertivas, cada Durante a apresentação, o preceptor, que está vendo pa- uma valendo de 5 a 1, de acordo com as opções propostas: ciente pela primeira vez, vai elaborando um processo tico, dando aos alunos a chance de verem julgamento clínico 1. Durante este período, meu parceiro foi pontual: sem- 19 sendo estruturado. A visita se encerra com tarefas propostas pre; na maioria das vezes; às vezes; quase nunca; à dupla, que sempre envolvem o desenvolvimento de uma ha- nunca. bilidade clínica como, por exemplo, o treinamento de uma res- 2. Nas minhas necessidades quanto à compreensão do posta empática, uma ausculta respiratória, a interpretação de que estava acontecendo com nosso paciente, meu par- uma tomografia encefálica ou o preenchimento de uma decla- ceiro foi: sempre na maioria das vezes útil; às ração de óbito. Tais habilidades geralmente são treinadas nas vezes útil; quase nunca útil; nunca útil. oficinas diagnósticas Se a hospitalização se prolongar, 3. Nas dificuldades que tive para cumprir todas as me- toda semana, durante as visitas, os alunos atualizam o precep- tas do projeto, pude contar com o apoio de meu par- tor sobre as intercorrências e evolução. Se o paciente já tiver ceiro: sempre; na maioria das vezes; às vezes; quase tido alta, no momento da visita, mesmo assim acontece a dis- nunca; nunca. cussão, dentro do que for Quando cada apresentação 4. Se tivesse que escolher um colega com quem traba- de beira de leito é encerrada, todas as duplas se encontram com lhar, na vida profissional, meu parceiro: seria escolhi- o preceptor, fora dos quartos da enfermaria, para uma discus- do sem reservas; seria escolhido com poucas são geral do que mais pertinente tiver sido seria escolhido após todas as minhas reservas terem Se for necessário para a compreensão do trajeto seguido sido discutidas; só seria escolhido se não houvesse pelo paciente, acontece uma visita da dupla a alguma unida- outra pessoa disponível; nunca seria meu escolhido. REVISTA 203 Rio deRicardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica RESULTADOS Será que este paciente tem o essenci- o módulo inicial aconteceu durante o ano letivo de 2001, al do exame físico para responder a esta pergunta de envolvendo trinta alunos quinze duplas e um preceptor significado e tão importantes. (RRB), relação acima do ideal, mas inevitável face à estratégia o paciente tonto. a ser aplicada em toda de implantação. Um total de noventa pacientes foram acompa- pessoa que se queixa de tonteira, com vistas ao diag- nhados nas enfermarias de pediatria, clínica médica, ginecolo- nóstico diferencial. gia e cirurgia cerca de seis Houve duas o paciente confuso. Abordagem do paciente que nos visitas semanais, com acompanhamento do preceptor, às en- parece confuso em suas informações, como subsídio fermarias, cada uma com duração em torno de duas horas. ao diferencial das A habilidade de exame físico, necessidade sentida duran- o paciente com febre. o que priorizar no exame físico te o acompanhamento dos pacientes, foi treinada com a cria- de uma pessoa com esta condição. ção de um total de 23 laboratórios, cada um priorizando ma- o paciente com cérvico-braquialgia. Pontos essenci- nobras do exame físico face a uma queixa (ou suspeita) pre- ais do exame físico de quem apresenta esta queixa. Procurando reproduzir os desafios efetivamente o paciente com lombalgia. Pontos essenciais para o presentes na prática médica, cada laboratório recebeu um diagnóstico diferencial desta condição tão comum. tulo específico, a saber: o paciente com úlcera crônica de perna. Abordagem Exame físico de abordagem o tronco Se- para o diagnóstico da etiologia. a ser empregada em todos os pacientes. o paciente que se coça. Manobras do exame físico fren- Descoberta Procedimentos passo-a- te a esta condição. passo para a descoberta dos achados mais relevantes Exame do fundo de olho. Manobras, passo-a-passo, em patologia cardiovascular. que ensinam os fundamentos desta habilidade. Descoberta respiratória. Procedimentos passo-a-pas- Será que este paciente tem lesão por esforço repetiti- so para a descoberta dos achados mais relevantes em vo. Pontos essenciais do exame físico em toda pessoa patologia respiratória. com esta consideração. Será que este paciente tem abdome agudo? Manobras que visam responder a esta pergunta. Sempre que houve necessidade de um conhecimento Será que este paciente tem anemia? Manobras que se rico de embasamento, os alunos foram dirigidos às OD, 13 das impõem sempre que esta questão é proposta. quais dezenove foram criadas, a saber: artro- o paciente ictérico. Manobras de exame físico obriga- patias; anemia; medicina baseada em evidências dimensão tórias em todo paciente com icterícia. diagnóstica; entomologia médica; ofidismo; distúrbios de an- Fatores de risco cárdio-vascular. Manobras em todo siedade e transtornos do humor; ausculta cardíaca I; ausculta paciente em que se quer identificar a presença de tais cardíaca II; ausculta respiratória; ECG; radiografia de tórax; fatores. neuroimagem; equilíbrio exame de urina tipo I; Será que este paciente tem insuficiência cardíaca? declaração de óbito; o paciente confuso; úlceras cutâneas; abor- Manobras que respondem a esta pergunta. dagem integrada das doenças prevalentes na As Será que este paciente está tendo um infarto agudo necessidades de criação de LHC e OD específicas fizeram com do miocárdio? Manobras essenciais num contexto de que outros docentes fossem envolvidos em sua preparação uma pessoa com dor torácica aguda. da qual já participaram, até momento, profissionais das áreas o paciente que sibila. Manobras que permitem di- de nefrologia, medicina legal, endocrinologia, psiquiatria e agnóstico diferencial desta condição. dermatologia. o paciente gripado. o que examinar numa pessoa que se apresenta com infecção aguda de vias aéreas. DISCUSSÃO paciente neurológico. a ser aplicada sem- o exercício da medicina pode ser analisado sobre tripé: pre que comprometimento neurológico for uma pos- conhecimento factual, capacidade de solucionar problemas e sibilidade. arte médica Os currículos costumam privilegiar a Será que este paciente está tendo um acidente vascu- aquisição de conhecimentos factuais, rapidamente ultrapas- lar encefálico? essencial do exame físico nesta cir- sados e ainda mais rapidamente Mesmo quan- cunstância, para embasamento da tomada de decisão. do os alunos são levados à tão sonhada enfermaria, as ações 204 Rio de 2005Ricardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica pedagógicas costumam negligenciar totalmente fato de que de internação e à história do caminho traçado no sistema, ser- se está frente a uma situação impar para desenvolvimento vem para que o preceptor sugira uma primeira reflexão. São de habilidades e atitudes, acima de tudo aquelas que compõe típicos: "O que faz, então, com que uma criança de dois anos, nossa arte. com quadro inicialmente compatível com diarréia aguda, aca- Aulas práticas em enfermarias costumam seguir um pa- be internada?" "Por quê uma costureira até então sadia, que drão formal que, de regra, vai em sentido contrário ao que está vivendo com sua família numa comunidade, tem um efetivamente ocorre durante a prática profissional: o precep- quadro respiratório infeccioso a exigir internação?" "Por quê tor "escolhe" o paciente, geralmente em função do ineditis- um lavrador em bom estado geral precisa ser hospitalizado mo ou complexidade do "caso"; paciente "pertence" a um para se submeter a uma biópsia de lesão de pele?" Essa etapa serviço especializado, já tendo suas opções diagnósticas limi- inicial serve, fundamentalmente, para que o preceptor consi- tadas àquelas da especialidade em questão; preceptor já está ga aquiescência do paciente para prosseguir e, avaliando ciente da patologia final ou, ao menos, da linha de investiga- nível sócio-econômico do mesmo, possa adequar tom das ção seguida; a discussão se centra no diagnóstico diferencial demais etapas. Há, aqui, ênfase no entendimento de uma bio- e não na coleta de dados; o paciente é ignorado quanto a seus grafia que sofre um corte de tal monta que a pessoa acaba se pontos de vista. Tudo isso pode servir como vitrine de erudi- vendo internada. Os fatores que interferem com o desvio do ção docente, mas peca, principalmente por não levar em conta estado de saúde daquele ser em particular agora têm toda o método clínico que, afinal, é que se deseja ensinar. paci- proeminência. ente indiferenciado, que traz consigo sua queixa e sua história, A HDA e demais dados pertinentes de entrevista permi- assim como sua escala de valores para interpretá-las, ainda não tem uma análise e, quando necessário, uma demonstração dos rotulado por nenhuma especialidade ou entidade nosológica, bons atributos de respeito, sinceridade, empatia, objetivida- parece-me ideal para que graduando se adestre no método de e precisão. clínico. A escolha sem viés permite que sejam vistos pacientes A elaboração dos diagnósticos de trabalho, feita a seguir, de qualquer idade e portadores de qualquer patologia, o que sugere os "ramos ou galhos" específicos a serem adicionados abre, em muito, o leque de oportunidades de aprendizado. àquele EFA em particular. Os alunos dizem: luz de nos- trabalho em duplas diminui a ansiedade natural do sas hipóteses, procedemos ao EFA com galhos para exame iniciante, reforça vínculo entre os períodos, aumenta res- do paciente com fatores de risco vascular", por exemplo. To- peito por uma hierarquia natural, e dá, ao "anjo", a oportuni- dos já sabem do que se trata, pois as manobras são listadas e dade de questionar seu próprio saber, uma vez que há um treinadas no LHC e só os achados pertinentes são relatados. colega sob sua orientação. prazo de um ano, em que a du- Aproveita-se a oportunidade para tirar dúvidas sobre as téc- pla atua em conjunto, consolida bons atributos de convivên- nicas ou verificar algumas interpretações. cia como tolerância, confiança, partilha e responsabilidade. A renovação da lista de hipóteses diagnósticas à luz dos acompanhamento do paciente, durante toda a interna- novos dados do EFA leva às sugestões de investigações com- ção, dá oportunidade para que as duplas possam assistir a plementares. Se alguma das investigações sugeridas já foi efe- todos os procedimentos a que o paciente é submetido, numa tivamente realizada, preceptor lidera a dupla numa discus- experiência rica e que tem sido extremamente valorizada pe- são desses novos achados. los alunos. A visão que o paciente tem de seu problema, o próximo Durante as apresentações, as visitas às enfermarias, a dado a ser apresentado, é resultado da abordagem que os dupla apresenta paciente ao preceptor que, por não ter co- alunos fizeram quanto aos seguintes quem é paci- nhecimento prévio sobre o caso, necessita basear-se nas infor- ente? (que pessoa é esta?); o que esta pessoa quer dos médi- mações prestadas pelos alunos para ir, passo a passo, cons- cos?; qual tem sido a experiência desta pessoa com sua doen- truindo o processo diagnóstico. É notável observar como os ça? (limitações, mudanças no padrão de vida); qual a percep- alunos valorizam essa etapa, principalmente por perceberem ção que esta pessoa tem de sua doença?; que respostas emocio- que o sucesso do diagnóstico dependerá, em muito, da quali- nais esta doença desencadeou nesta pessoa? (medo, desconfi- dade dos dados que tiverem colhido. ança, raiva, tristeza, hostilidade, ambivalência...). objetivo Nome, idade, profissão e procedência constituem a in- aqui é envolver o indivíduo mais ativamente na discussão de trodução social do paciente ao preceptor: "Sra. X, gostaria de seus problemas, ao mesmo tempo em que os alunos são força- lhe apresentar meu professor... A Sra. X, com tal dos a uma abordagem que leva em conta também o aspecto profissão, vive em... e é natural de..." e, associados ao motivo comportamental 24, inclusive com sua dimensão religiosa. 205 Rio de n° 2005Ricardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica A discussão do caso se encerra quando o preceptor ajuda Como o método privilegia modalidades ativas de apren- a dupla de alunos na elaboração de uma pauta de estudos dizado, como a busca de conhecimento em LHC, OD e pes- que responda à pergunta: "O que devo aprender para que, no quisa há um conflito com a metodologia tradi- futuro, possa atender com mais resolutividade uma pessoa cional que corre paralelamente nas demais disciplinas e que assim?" Esta pauta deverá ser completada em tempo hábil e, vê o aluno como recipiente passivo de informações meramente geralmente, envolve novas visitas ao LHC, às OD e à bibliote- factuais. Alguns alunos se perdem com este conflito e podem ca para leitura das referências desencadeadas pelas duas pri- desenvolver hostilidade às novas propostas. meiras ferramentas. É digno de nota que, com são A necessidade de aprendizado que nasce da abordagem levantadas necessidades de aprendizado que simplesmente dos pacientes leva, muitas vezes, a confrontos com os docen- não são contempladas pelas atividades curriculares. Nesse tes detentores do saber em questão o que, se por um lado é caso, os alunos são orientados a, sob supervisão da coordena- saudável para a postura discente ativa e para o repensar pe- ção de curso, procurar os docentes tradicionalmente detento- dagógico permanente, por outro lado pode ser motivo de des- res do saber em questão para, apresentando suas necessida- conforto entre pares. des de aprendizado, solicitar a criação de atividades didáti- projeto "anjos da guarda", uma alternativa às cas apropriadas. Tal atitude tem sido um dos fundamentos de tradicionais aulas práticas em enfermarias, desperta a neces- uma metodologia de avaliação de curso, por mim proposta, sidade de aprendizado, torna o aluno um parceiro ativo do os Módulos de Exercício Profissional (MEP), a ser publicada. processo, desenvolve as habilidade básicas de entrevista, exa- Em que pesem a grande aceitação que este método tem me físico e apresentação de casos clínicos, 26 integra períodos, encontrado junto aos alunos, e minha impressão de que esta- identifica necessidades pedagógicas, e contempla a mos conseguindo transmitir atitudes, muito mais que simples cia desejável na abordagem dentro do modelo biopsicossoci- conhecimentos factuais, existem diversas dificuldades. al e consoante às novas diretrizes curriculares para a gradua- Embora a atitude dos pacientes frente à discussão de seus ção médica. Com originalidade, combina o melhor da medi- casos à beira do leito seja geralmente positiva, em algumas situa- cina baseada em evidências com a tradição do relato clínico, ções pode haver desenvolvimento de hostilidade quanto à equi- uma prática que, embora reconhecidamente útil, tem sido cada pe de visitantes, situação mais provável quanto maior o núme- vez menos enfatizada. Acima de tudo, resgata o prazer de ro de pessoas presentes simultaneamente dentro da enferma- se ter uma pessoa com suas "dores e crenças" como motiva- ria. Entretanto, todo o cuidado é tomado para se evitar que O ção para o processo ensino-aprendizado de nossos mais caros paciente se sinta exposto, e porque a dupla responsável já esta- valores clínicos: gentileza, comunicação, ética e profissiona- beleceu um vínculo de confiança, os encontros acabam se tor- lismo.28 desenvolvimento desta metodologia pretende oti- nando experiências muito positivas. Qualquer item que possa mizar um cenário de práticas, as enfermarias que, embora causar desconforto só será discutido num ambiente reservado. adquirindo uma importância muito limitada de acordo com fato de se tratar de um paciente desconhecido para o os novos rumos do ensino médico, existe e exerce um papel preceptor, coloca em xeque suas habilidades diagnósticas, des- muito forte sobre os discentes. Uma familiaridade truindo a "couraça protetora" representada por um paciente bem embasada com ambiente de uma enfermaria é um pré- previamente conhecido de especialidade bem definida e, ge- requisito importante para um desempenho adequado em qual- ralmente, com diagnóstico cujos fatos são de domínio quer programa de residência. Pretendemos estender o proje- por parte do docente. Isso dificulta o recrutamento de novos to a todos os cento e sessenta alunos dos períodos envolvi- professores que, mais do que nunca, precisam agir como edu- dos, quando precisaremos, então, de oito preceptores no to- cadores e não como repositórios de saber, aceitando que suas tal. A motivação e o convencimento dos colegas são nossos próprias dificuldades podem ser inesquecíveis exemplos di- próximos desafios. dáticos. REFERÊNCIAS paciente indiferenciado é um desafio também para estudante que, ainda arraigado à compartimentalização do 1. Brawarsky S. Street neurologist with a sense of wonder. Lancet. 1997; 350: 1092-3. saber e, principalmente a uma atitude passiva vestibular tradicional reforça esta mensagem pode-se intimidar com a 2. Nunn JF. Ancient Egyptian Medicine. London: British variedade de conhecimentos escolhidos para sua pauta de Museum Press; 1996. aprendizado, que é o último item da apresentação, e a atitude 3. Nuland SB. Doctors The Biography of Medicine. New ativa necessária para sua aquisição. York: Vintage; 1995. 206 Rio de Janeiro, n° 2005Ricardo Rocha Bastos Anjos da Guarda Uma Nova Abordagem para Aulas Práticas na Graduação Médica 4. Marino Jr R. Osler o Moderno Hipócrates. São Paulo: 17. Menahem S, Shvartzman P. Is our appearance important CLR Balieiro; 1999. to our patients? Family Practice 1998;15: 391-397. 5. Santos JB, Pires LL, Silva AE, Castro CN. Reflexões sobre 18. Londres IR. A Arte Clínica. Rio de Janeiro: Nova o ensino da semiologia médica. Rev Bras Educ Méd. 2003; Fronteira; 1997. 27: 19. Feinstein AR. Clinical Judgement Revisited: The distraction 6. Sayd JD, Silva DA, Ribeiro MPD. aprendizado de of quantitative models. Ann Intern Med. 1994; 120: 799- semiologia em um currículo tradicional. Rev Bas Educ 805. Méd. 2003;27:104-113. 20. Bastos RR, Maia FS, Pereira FF, Ramos JO, Rios JFS, 7. Coulehan JL, Block MR. 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