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94 Coleção Estudo Bóton utilizado durante o período de euforia popular com o Plano Cruzado. A figura do fiscal do Sarney expressou o assentimento e a adesão de parcela da sociedade ao combate à espiral inflacionária. Nessa época, o Plano Cruzado dava os seus primeiros sinais de fragilidade. Como o preço tabelado não correspondia à realidade econômica, começou a faltar mercadorias nos principais locais de venda, uma vez que os fornecedores não queriam vender o produto pelos preços definidos pelo governo. Criou-se o conceito do ágio: para realizar uma compra, os consumidores eram obrigados a pagar uma taxa além do valor tabelado, ou seja, na prática, a inflação já havia voltado a ocorrer na economia brasileira. O governo tentou corrigir os déficits apresentados por meio de outros planos, como o Cruzado II, em novembro de 1986, o Plano Bresser, em junho de 1987, e o Plano Verão, em 1989, não conseguindo, porém, combater a inflação, que atingiu 1 764% no último ano do Governo Sarney. O fracasso econômico levou o presidente a decretar a moratória da dívida externa. O reflexo dessa medida foi o agravamento da crise interna, com a diminuta confiança internacional na economia brasileira e a consequente redução do fluxo de capital externo para o país. CONSTITUIÇÃO DE 1988 Um dos marcos do Governo Sarney foi a convocação de uma Assembleia Constituinte instalada em fevereiro de 1987. Após um longo debate, coordenado pelos políticos do PMDB – partido que tinha maioria na Câmara –, a Constituição foi promulgada em outubro de 1988. Conhecida como Constituição Cidadã, a nova Carta apresentou como novidade a inclusão de várias garantias aos brasileiros, as quais haviam sido deixadas de fora das Cartas anteriores. O direito de voto foi estendido aos jovens de 16 anos e aos analfabetos, sendo facultativo para os dois grupos. As prerrogativas democráticas, como eleições diretas, liberdade de expressão, pluripartidarismo, direito à greve, liberdade sindical, habeas corpus, estavam garantidas, além de haver uma preocupação com a assistência social por parte do Estado brasileiro. Foram realizadas críticas à Carta de 1988 devido à sua amplitude legislativa, uma vez que tal documento aspirava legislar a respeito de temas que normalmente não cabem a uma Constituição, como a política de taxa de juros definida pelo governo. D iv u lg aç ão Exemplar da Constituição de 1988. A nova Carta representou a consolidação da nova ordem democrática. SUCESSÃO PRESIDENCIAL Conforme previsto na nova Constituição, o Brasil teria eleições diretas para presidente em 1989, a primeira em 29 anos. Concorreram ao cargo 24 candidatos. Entre os políticos que pleitearam a Presidência, destacam-se Ulysses Guimarães, do PMDB, Mário Covas, do PSDB, Paulo Maluf, do PDS, Leonel Brizola, do PDT, Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, e Fernando Collor de Mello, do PRN. A campanha eleitoral foi acirrada e democrática. Collor e Lula foram os vitoriosos para concorrerem no segundo turno. Collor representava um novo partido político, PRN (Partido da Reconstrução Nacional), que se sintonizava com um projeto econômico neoliberal que fosse capaz de introduzir o país na chamada economia globalizada, a qual varria o mundo em um cenário de crise do socialismo. Prometendo defender os chamados “descamisados”, o jovem político de Alagoas vinculava sua imagem à de um político inovador e capaz de combater as mazelas brasileiras, como a fome e a corrupção. Chamado de “Caçador de Marajás”, o governador alagoano recebia apoio dos setores empresariais, principalmente dos meios de comunicação conservadores. Já o candidato do PT, conhecido pela sua luta no movimento sindical no final da década de 1970, buscava atrair os votos dos grupos insatisfeitos com os rumos econômicos do Brasil e que desejavam uma ruptura da hegemonia da direita no controle do país nas últimas décadas. Lula contava com o apoio da massa de trabalhadores, dos setores acadêmicos e, Frente B Módulo 24 H IS TÓ R IA 95Editora Bernoulli O Plano, elaborado sob a chefia da economista Zélia Cardoso de Mello, obteve um relativo sucesso no combate à inflação nos primeiros meses, principalmente em virtude da ausência de recursos financeiros circulantes. A esperança em solucionar os problemas econômicos do Brasil fez com que quase todos os setores da sociedade aceitassem o arrocho financeiro. As consequências foram danosas para muitas pessoas que mantinham suas reservas na caderneta de poupança e perceberam que estavam sem o dinheiro que haviam economizado. A indústria e o comércio também foram prejudicados, enfrentando uma grande recessão, já que não existia um amplo mercado por falta de recursos dos consumidores. Meses após o lançamento do Plano, começava a ficar evidente que o remédio doloroso do confisco não fazia efeito. Em janeiro de 1991, o governo lançava uma nova tentativa frustrante de combater a inflação através do Plano Collor II. No âmbito internacional, o Brasil oficializou, em 26 de março de 1991, a criação do Mercosul (Mercado Comum do Sul), com a participação de Argentina, Paraguai e Uruguai. A política de globalização do governo estava associada a um enorme esforço em seguir a cartilha econômica dos organismos internacionais, em especial a do chamado Consenso de Washington, que inseria o Brasil no universo do neoliberalismo. Importações, privatizações, redução dos gastos públicos eram tratadas como regras para a modernização do país. Também o estilo de vida do presidente – as constantes corridas matinais nas redondezas de sua residência em Brasília, sempre vestindo camisetas com dizeres otimistas e ufanistas – era associado a esse novo momento que se pretendia para o país. Impeachment No final de 1991, o presidente Collor foi vítima de várias denúncias de corrupção em seu governo. A principal acusação partiu do seu próprio irmão, Pedro Collor, que informou à revista Veja que o presidente permitia a existência de uma rede de influência chefiada pelo ex-tesoureiro de campanha, o empresário Paulo César Farias. O chamado “Esquema PC” funcionava por meio de favores governamentais concedidos a empresários que, por sua vez, depositavam recursos financeiros no exterior para os participantes do esquema. Voltando para o Brasil, esse dinheiro era utilizado para pagar os gastos particulares de membros do governo, de PC Farias e até da família do presidente, por meio de correntistas fictícios (contas fantasmas). durante o segundo turno, de praticamente toda a esquerda brasileira. A vitória de Collor foi obtida em 17 de dezembro de 1989, com 53,03% dos votos válidos contra 46,79% de Lula. A eleição de Collor foi garantida através do apoio de uma parcela da classe média, que temia o destino do país nas mãos de um governo de esquerda, e pela maneira agressiva como a campanha de Collor conduziu as propagandas no horário eleitoral, fazendo acusações impertinentes sobre a vida particular do candidato do PT e contando com o respaldo da mídia. A década de 1990 começou, então, com a esperança em torno de um novo governo democraticamente eleito. GOVERNO COLLOR (1990-1992) O novo governo assumiu o poder carregando a esperança de milhões de brasileiros na redução da acelerada inflação que corroía a economia brasileira. O início dessa luta veio a partir do chamado Plano Collor, divulgado logo depois da posse do presidente, seguindo alguns fundamentos do Plano Cruzado, porém, tentando evitar os erros de 1986. O novo plano repetiu a forma de modificação da moeda, que retornou ao cruzeiro, estabeleceu o congelamento dos preços e impediu o deslocamento dos recursos de conta corrente para consumo, através da proibição de saques de valores acima de 50 000 cruzeiros, durante 18 meses. Para evitar a emissão de moeda, o governo tentou controlar os gastos públicos, reduzindoa máquina estatal através de demissões e privatizações. A facilitação nas importações garantiria o acesso a produtos que pudessem faltar na economia, caso algum setor retirasse o produto de circulação para pressionar o aumento de preços. D iv u lg aç ão A capa da revista Veja, de 21 de março de 1990, demonstra como foi impactante para a sociedade o decreto do Plano Collor. Nova República 96 Coleção Estudo A denúncia levou à abertura de uma CPI no Congresso, que sugeriu o afastamento do presidente. A desilusão com o governo, somada aos protestos da população, principalmente dos jovens estudantes apelidados de “caras-pintadas”, favoreceu a votação pela possibilidade do impeachment do presidente da República, no dia 29 de setembro de 1992. Fernando Collor renunciou meses depois para evitar a cassação de seu mandato, um ato inócuo, já que o Senado não aceitou sua renúncia e o cassou em uma sessão em 29 de dezembro de 1992. Collor perdeu seus direitos políticos por oito anos e o vice-presidente, Itamar Franco, cumpriu o mandato até o final de 1994. D iv u lg aç ão Capa da revista Veja após o impeachment de Collor. Com uma base política restrita, medidas econômicas impopulares, inflação em níveis elevados e denúncias de corrupção, Collor, isolado politicamente, não conseguiu manter-se no poder. GOVERNO ITAMAR FRANCO (1992-1994) Muitos dos problemas econômicos do país ainda não haviam sido solucionados quando Itamar Franco assumiu a Presidência. A necessidade de combater a inflação e de gerar crescimento econômico tomou conta dos meses iniciais do governo, que contava com substancial apoio do PSDB, partido criado ainda na década de 1980 como uma dissidência do PMDB. Esse apoio possibilitou a entrada de Fernando Henrique Cardoso, sociólogo e acadêmico, na direção do Ministério da Fazenda, criando um novo plano para combater a inflação. O projeto passou a ser conhecido como Plano Real. Seu objetivo era reduzir a persistente inflação através de um novo padrão monetário que estaria atrelado ao dólar. A chamada URV (Unidade Real de Valor) transformou-se em elemento de conversão monetária estável, que, após alguns meses, foi transformado em uma nova moeda: o real. Com isso, a inflação foi automaticamente reduzida, já que a política de câmbio fixo mantinha a moeda com o preço atrelado ao dólar. Quando ocorria algum tipo de especulação que levasse ao aumento do preço da moeda norte-americana, o Banco Central vendia dólares de sua reserva para controlar o aumento súbito. Assim, a vinculação da economia a uma moeda forte reduzia a inflação. Raio X – O Brasil de 1990 a 1994 Indicador 1990 1994 Renda mensal dos 5% mais pobres cai para quase a metade R$ 26 R$ 14 Desemprego aumenta em mais de 50% 9,6% 14,2% Diminui porcentagem de carentes em educação 54,2% 46,8% Aumenta o número de famílias chefiadas por mulheres 17,3% 19,6% Cresce o número de famílias com convênio médico 49,0% 52,8% Diminui o número médio de pessoas por família 3,9 3,7 Aumenta a parcela de famílias sem filhos 21,8% 24,2% Dobra a procura por igreja ou associação religiosa 16,0% 34,3% Cai o interesse por partidos e entidades políticas 23,1% 11,8% O sucesso do plano só foi possível graças ao controle dos gastos públicos, ao fluxo de capital estrangeiro, obtido pelos setores públicos e privados, e a um crescimento da economia nacional, que permitia uma boa arrecadação pelo governo brasileiro. Os aspectos negativos foram o aumento dos gastos com importações, devido ao baixo valor do dólar, gerando problemas estruturais na balança comercial brasileira, e a dependência do cenário econômico internacional, que poderia provocar a redução da vinda de recursos para a nossa economia, como ocorreu durante as crises do México e dos Tigres Asiáticos, na década de 1990. A solução encontrada nesses momentos foi a elevação da taxa de juros para atrair o capital de risco para o Brasil, o que acarretou um expressivo aumento da dívida pública do país. O Governo Itamar Franco também foi marcado pela confirmação do presidencialismo como forma de governo, em um plebiscito ocorrido em 21 de abril de 1993, previsto na Constituição de 1988. Quanto à sucessão presidencial, o ministro Fernando Henrique Cardoso foi eleito presidente da República ainda no primeiro turno, como consequência do sucesso do Plano Real, derrotando a oposição liderada pelo PT, representada por Luiz Inácio Lula da Silva. 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