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1 1 MIRCEA BUESCU HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL LEITURA BÁSICA Antonio Paim (organizador) CENTRO DE DOCUMENTAÇÃO DO PENSAMENTO BRASILEIRO (CDPB) 2011 2 2 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO – Antônio Paim .......................................... 4 MATÉRIA INTRODUTÓRIA Prefácio – Américo Jacobina Lacombe ...................................... 13 Textos de Mircea Buescu - Um programa de trabalho para a história econômica do Brasil ............................................................... 20 - Esquema de história econômica do Brasil .............................. 30 OS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS - A economia açucareira em 1600 e seus aspectos quantitativos ............................................................. 52 - Sobre o valor da exportação colonial ..................................... 61 SÉCULO XIX Nota introdutória – Antônio Paim ............................................... 65 Textos de Mircea Buescu 8. DIVISOR DE ÁGUAS ...................................................... 69 8.1 Balanço do modelo colonialista mercantilista ................... 69 8.2 Chegada da Corte .............................................................. 74 8.3 Política econômica ............................................................ 75 8.4 Gargalo externo ................................................................. 87 8.5 Outras atividades econômicas.............................................91 8.6 Novos rumos ..................................................................... 93 9. O CICLO DO CAFÉ ......................................................... 96 9.1 Perspectiva em meados do século XIX ............................. 96 9.2 Condicionamentos externos .............................................. 98 9.3 Condicionamentos internos ..............................................101 9.4 Empresa e rentabilidade ...................................................113 9.5 Comércio exterior .............................................................118 9.6 Agricultura de subsistência ...............................................135 9.7 Início da indústria .............................................................139 9.8 Moeda e finanças ..............................................................145 3 3 9.9 Balanço do período ............................................................ 158 Revendo a política econômica do Império (1991) ....................... 165 Notas sobre a economia do Segundo Reinado ............................. 188 SÉCULO XX Apresentação – Antônio Paim ..................................................... 203 TEXTOS DE MIRCEA BUESCU - Brasil: problemas econômicos e experiência histórica Cap. VIII – Processo da industrialização ............................... 205 Cap. IX – Papel do Governo .................................................. 222 - Lições da história .................................................................... 230 - A experiência deflacionária de Joaquim Murtinho ................. 247 - Arranco ou transição (1930/1960) .......................................... 289 - Acerca da teoria dos choques externos ................................... 312 - Os objetivos nacionais nos planos econômicos (1964/1985) ............................................................................ 335 - Progresso e declínio do planejamento econômico no Brasil ................................................................................. 359 - Os anos 80: a década perdida ................................................. 375 - Desenvolvimento econômico: condicionamentos .................. 396 CORRENTES DE IDÉIAS SOBRE A ECONOMIA BRASILEIRA (1965-1990) - Correntes de idéias sobre a economia brasileira (1965/1990) ............................................................................. 416 - Capitais estrangeiros (um debate no Conselho Técnico)......... 438 - Notas históricas sobre imperialismo, dependência e dominação ........................................................................... 454 - Inflação, mentalidades e estruturas..........................................474 - O fascínio do discurso marxista ............................................. 490 4 4 APRESENTAÇÃO Antonio Paim Nasceu em Bucareste, Romênia, a 14 de setembro de 1914. Concluiu a Faculdade de Direito de Bucareste e diplomou-se em estudos superiores da Faculdade de Direito de Paris. Em sua pátria de origem, foi chefe de serviço no Ministério do Comércio Exterior. Emigrou para o Brasil em 1949, aos 35 anos de idade. Em 1954 obteve a nacionalidade brasileira. Nos anos sessenta, economistas ligados a Roberto Campos (1917/2001) criaram a Editora APEC – Analise e Perspectiva Econômica que desenvolveu um grande trabalho no sentido de recuperar a tradição liberal, sucessivamente arquivada depois da Revolução de 30. Além de haver completamente desaparecido de nosso meio, o liberalismo econômico era criticado e deturpado. A moda, que não desapareceu de todo, em matéria de economia, era a vulgata marxista. A APEC publicou diversos dos livros escritos por Roberto Campos. Além disto, deu a conhecer a obra de economistas liberais da época. Progressivamente, os nomes de Adam Smith e seus seguidores deixaram de ser satanizados, criando espaço próprio nos cursos de economia. Sem embargo, remanescentes da vulgata continuam a insistir nas superadas teses cepalianas, à cata de culpados, no exterior, pelo atraso que ainda registramos em parcelas do território e até conseguem 5 5 manter políticas obsoletas como uma reforma agrária fora do tempo. Ligando-se à APEC, depois de 1962, da qual seria diretor, entre 1972 a 1979 e consultor a partir de 1980, responde em grande medida pelo sucesso do empreen- dimento, notadamente ao estimular – e contribuir deci- sivamente – para a elaboração de análises da economia brasileira, dignas do nome. Tornou-se professor de história econômica na PUC-RJ (1965 a 1986) e no Instituto Benett de Ensino. Deu aulas de economia e história econômica no Instituto Rio Branco, na Faculdade Santa Úrsula, na Fundação Getúlio Vargas e ainda em outras instituições do Rio de Janeiro e de outros estados. Buescu exerceu ainda a função de assessor no Gabinete do Ministro da Fazenda, de 1967 a 1986. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Publicou grande número de artigos e ensaios em jornais (Jornal do Comércio; O Globo, Jornal do Brasil) e revistas, entre outras a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Carta Econômica da APEC e Carta Mensal, órgão do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, de que era membro. O grande feito de Mircea Buescu reside na notável contribuição que deu para estruturar o estudo do nosso desenvolvimento econômico em bases estri - tamente científicas, como se pode ver da Bibliografia adiante. 6 6 Faleceu no Rio de Janeiro a 16 de maio de 2003, aos 89 anos de idade. O levantamento dos dados biográficos de Mircea Buescu só foi possível graças à recuperação de uma breve nota, de sua autoria, que havia sido encaminhada ao Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio – a que pertencia – graças à diligência da secretária Sandra Nascimento. Faltava, entretanto,a data de falecimento, obtida graças à iniciativa de Arno Wehling, presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, e à presteza e solicitude da secretária Tupiara Machareth. Fica a lacuna relativa aos últimos anos de vida. Segundo os registros constantes da Carta Mensal, sua última conferência teve lugar em maio de 1995, isto é, ainda viveria oito anos, caracterizados pela interrupção abrupta de sua brilhante produção intelectual. Os quatro ensaios subseqüentes aparecidos na revista (nos anos de 1996 e 1997, referidos adiante), sem indicação de que teriam resultado de conferências, devem ter sido encaminhados diretamente para publicação, praxe admitida. No elogio dos sócios falecidos, no caso a cargo de Vitorino Chermont de Miranda, afirma-se: “presença assídua, nas sessões do CEPHAS, enquanto a saúde lhe permitiu” (RIHGB, 184 (421): 280; out.-dez., 2003). É de presumir, portanto, que a inatividade observada haja decorrido do estado de saúde. 7 7 BIBLIOGRAFIA Livros História do Desenvolvimento Econômico do Brasil (1967); 2ª edição, Rio de Janeiro: A Casa do Livro, 1969, 178 p. (em colaboração com Vicente Tapajós) Exercícios de História Econômica do Brasil (1968). Rio de Janeiro: APEC Editora, 1969, 136 p. História Econômica do Brasil. Pesquisas e análises. Rio de Janeiro: APEC, 1970, 284 p. O divisor de águas: 1808/1850 . Rio de Janeiro: APEC, 1972. 300 anos de inflação . Rio de Janeiro: APEC, 1973. Evolução econômica do Brasil (1974). 4ª edição. Rio de Janeiro: APEC, 1974, 230p. 10 anos de renovação econômica. Rio de Janeiro: APEC, 1974 (em colaboração com Victor Silva) A moderna história econômica . Rio de Janeiro, 1976 (em colaboração com Manuel Peláez). Guerra e desenvolvimento . Rio de Janeiro: APEC, 1976. Brasil. Disparidades de renda no passado . Rio de Janeiro: APEC, 1979, 136p. Métodos quantitativos em história . Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1983. História Administrativa do Brasil . Organização e Admi- nistração do Ministério da Fazenda no Império. Rio de Janeiro: FUNCEP, 1984. Brasil. Problemas econômicos e experiência histórica . Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1985. 8 8 Artigos e Ensaios Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro Quantidade e qualidade em história econômica: o caso da inflação brasileira no século XIX. v. 313, p. 21-45, out./dez., 1976. O café na história do Brasil. v. 321, p. 234-236, out./dez., 1978. Disparidades regionais, v. 318, p. 88-91, jan./mar., 1978. Inegalités regionales au Brésil das la seconde moitié du XIX siécle. v. 321, p. 222-232, out./dez., 1978. Criação do Banco do Brasil, v. 322, p. 181-184, jan./mar., 1979. Miguel Calmon e a valorização do café. v. 327, p. 235 - 238, abr./jun., 1980. No centenário da Lei Saraiva. v. 330, p. 179-186, jan./mar., 1981. Novas notas sobre a Lei Saraiva. v. 331, p. 209-211, abr./jun., 1981. O sistema eleitoral após a Lei Saraiva. v. 332, p. 225 - 227, jul./set., 1981. Natalidade e mortalidade da população escrava. v. 334, p. 163-165, jan./mar., 1982. Uma interpretação marxista da escravidão no Brasil. v. 334, p. 183-190, jan./mar., 1982. Exportação no Brasil colonial. v. 335, p. 129-132, abr./jun., 1982. 9 9 Situação dos escravos no século XIX. v. 336, p. 145-147, jul./set., 1982. Política econômica do Segundo Reinado. v. 339, p. 7 -12, abr./jun., 1983. Centenário do Motim do Vintém. v. 339, p. 113-120, abr./jun., 1983. O alvará bicentenário de 1785. v. 350, p. 183-186, jan./mar., 1986. O reerguimento econômico: 1903-1913. v. 353, p. 1033- 1050, out./dez., 1986. Um estadista controvertido: Joaquim Murtinho. v. 365, p. 529-572, out./dez., 1989. A Primeira República e o sistema econômico inter - nacional. v. 379, p. 350-363, abr./jun., 1993. Carta Mensal Desenvolvimento e lazer. v. 36, n. 423, p. 35-42, jun. 1990. Inflação: mentalidades e estruturas. v. 36, n. 427, p . 7- 14, out. 1990. Progresso e declínio do planejamento econômico no Brasil. v. 36, n. 428, p. 53-61, nov. 1990. Os objetivos nacionais nos planos econômicos (1964/ 1985). v. 36, n. 430, p. 23-37, jan. 1991. A experiência deflacionária de Joaquim Murtinho. v. 36, n. 431, p. 37-56, fev. 1991. Comentários à margem da perestoika. v. 36, n. 432, p. 41-49, mar. 1991. 10 10 A inflação como combate pela renda. v. 37, n. 436, p. 23- 32, jul. 1991. Primórdios do protecionismo alfandegário no Brasil. v. 37, n. 437, p. 7-23, ago. 1991. Revendo a política econômica do império, v. 37, n. 441, p. 3-13, dez. 1991. Correntes e idéias sobre a economia brasileira (1965- 1990). v. 37, n. 444, p. 49-58, mar. 1992. Os anos 80: a década perdida. v. 38, n. 447, p. 53 -62, jun. 1992. Variações sobre um tema ecológico. v. 38, n. 452, p. 11- 19, nov. 1992. Arranco ou transição. v. 38, n. 455, p. 21-30, fev. 1993. Notas históricas sobre imperialismo, dependência e dominação. v. 39, n. 460, p. 29-36, jul. 1993. Acerca da teoria dos choques externos. v. 39, n. 466, p. 50-59, jan. 1994. Lições da história. v. 40, n. 471, p. 41-48, jan. 1994. Desigualdades regionais: primórdios. v. 40, n. 474, p. 54 - 63, set. 1994. A investigação quantitativa do passado. v. 41, n. 484, p. 3-10, jul. 1995. Desenvolvimento econômico. v. 41, n. 485, p. 33-43, ago. 1995. Drácula: história e fantasia. v. 41, n. 487, p. 56 -65, out. 1995. Notas históricas acerca da dívida externa. v. 41, n. 492, p. 75-83, mar. 1996. O fascínio do discurso marxista. v. 42, n. 498, p. 77 -85, set. 1996. 11 11 Notas sobre a economia do Segundo Reinado. v. 43, n. 502, p. 13-20, jan. 1997. Capitais estrangeiros: um debate no Conselho Técnico. v. 43, n. 508, p. 17-26, jul. 1997. 12 12 MATÉRIA INTRODUTÓRIA 13 13 PREFÁCIO Américo Jacobina Lacombe Por estranho que pareça, num tempo em que tanto se fala em economia, nossa bibliografia de história econômica é escassíssima. O mais recente e completo de nossos estudos de metodologia histórica e historiografia, a Teoria da História do Brasil, do prof. José Honório Rodrigues, 3ª ed. (São Paulo, 1969), mal conclui uma página com a relação das obras principais nesse setor, e assim mesmo incluindo as de pura documentação, as biografias, as histórias das finanças e as monografias sobre produtos especiais ou aspectos parciais. Os trabalhos de conjunto sobre a história da economia brasileira contam-se pelos dedos. Em primeiro lugar, os Pontos de Partida para a História Econômica do Brasil, de Lemos Brito, que são de 1923, e representam um esforço de organização dos dados constantes da historiografia corrente, sem muita preocupação técnica. De 1929 é a obra de Lúcio de Azevedo, Épocas de Portugal Econômico. Ainda que não vise ao Brasil especialmente, a maneira pela qual encarou a economia colonial e o método que empregou no estudo dos ciclos econômicos (termo que daí por diante vai ser sempre empregado) transformaram este livro num modelo de cujo plano e terminologia dificilmente escapam os continuadores. De 1935 é o livro de J. F. Normano: Brazil – A study of Economic Types, inteligente exposição que não 14 14 tomou conhecimento do historiador português,mas contribuiu, por sua vez, com algumas idéias que se incorporam aos relatos subseqüentes. Em, 1937 surge a obra clássica de Roberto Si- monsen. Criando em 1933 a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, viu-se o homem de empresa, doublé de intelectual, com a responsabilidade im- prevista de ministrar pessoalmente o curso de história econômica. Daí resultou a História Econômica do Brasil, cujas edições se sucedem ininterruptamente. Sem ser um historiador por formação, mas homem de boa cultura geral e econômica, Simonsen empregou sua notável inteligência e sua invejável capacidade de organização na feitura de uma obra magistral. Submeteu-a ao crivo de eruditos do nível de Rodolfo Garcia, Afonso d”E. Taunay e Eugênio de Castro. Daí resultou um livro básico, lúcido e metódico, em que se vão abeberar os seguidores inevitavelmente. De 1938 é a maravilha de exposição representada pelas aulas ministradas em Montevidéu pelo professor Afonso Arinos de Melo Franco e editadas pelo Minis- tério da Educação: Síntese da História Econômica do Brasil, várias vezes reproduzidas. Tudo o que apareceu precedentemente foi esquematizado de maneira tal que os compêndios não fazem, pela maior parte, daí por diante, senão seguir a esteira do conferencista. Com Caio Prado Junior, na História Econômica do Brasil em 1945, escrita para um público estrangeiro (encomenda que foi do Fundo de Cultura Econômica do México) temos uma visão diferente do problema. O 15 15 autor lamenta justamente ser escassa a produção brasileira em matéria de literatura econômica que examina e seleciona. Mas proclama a dificuldade de elaborar cientificamente o assunto segundo suas concepções dialéticas, já que é uma “ilusão ingênua esta idéia muito corrente de uma possível e suposta imparcialidade filosófica que não existe e não pode existir”. Verdade esta que já fôra proclamada por Aristóteles: a de que para deixar de filosofar, ainda é preciso filosofar. Completamente outro é o ponto de vista de Celso Furtado na sua Formação Econômica do Brasil, de 1959. O problema historiográfico não o preocupou. “Omite-se quase totalmente a bibliografia histórica brasileira”, previne ele na Introdução, “pois escapa ao campo específico do presente estudo, que é sim- plesmente a análise dos processos econômicos e não a reconstituição dos eventos históricos que estão por trás desses processos”. E realmente toda a massa de informações necessária ao raciocínio é colhida nos trabalhos antecessores. A intervenção do prof. Mircea Buescu no campo de nossos estudos de história econômica, com os Exercícios de História Econômica do Brasil, e com a História do Desenvolvimento Econômico do Brasil (em colaboração com o prof. Vicente Tapajós), traz-nos uma contribuição importantíssima. Espírito formado no trato contínuo dos problemas econômicos, formado por uma profunda preocupação pelo material historiográfico empregado 16 16 na elaboração dos estudos, o professor Buescu empreendeu uma exaustiva revisão nos dados elementares nas fontes primárias de nossa evolução. Na falta de estatísticas e relatórios oficiais, em vista da política de sigilo característica dos governos da era moderna, nossas fontes vêm sendo os cronistas e os missionários coloniais. Não se pensara, porém, até agora em submeter os dados multifários extraídos desses trabalhos, nem sempre com a exatidão ne- cessária aos raciocínios históricos e econômicos, a uma costratação rigorosa. Sobre eles se apoiaram os historiadores até aqui. Mas o professor Buescu demonstra que muita coisa precisa ser posta em dúvida e repensada. Pelo menos não é lícito chegar a certas conclusões sem averiguar certos pontos assaz duvidosos. Urge um trabalho preparatório de apuradas pesquisas para obter uma série de dados quantitativos essenciais ao reestudo de vários capítulos que enganosamente julgávamos documentados. Como se verá das páginas que se seguem, o Autor fez sérias tentativas neste sentido, no curso que ministra na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Os resultados não corresponderam totalmente aos esforços empregados mas, de qualquer modo, demonstraram a possibilidade de se chegar a conclusões muito importantes. A solução que ocorre ao professor Buescu é a de um Instituto especializado em História Econômica do Brasil, capaz de centralizar as tentativas nesse sentido. 17 17 Óbvia a conclusão. Mas, por outro lado, parece-me que mais rapidamente se poderia organizar tal instituto à sombra de instituições já existentes, interessadas nas pesquisas histórico-econômicas. E são muitas as que estão sentindo a necessidade de dar uma base sólida e documentada a um setor perigosamente exposto aos ventos das paixões. Como companheiro de trabalhos e de lutas no campo universitário – e só a esse título estou ocupando estas páginas – não me resta senão desejar ardentemente que o apelo do Autor encontre eco no meio dos esclarecidos. Não faltam, mercê de Deus, jovens dispostos e livres para pesquisas trabalhosas, mas empolgantes. Dêem-nos ambiente e meio e nós, os professores, auxiliares e estudantes, os transfor- maremos em elementos para uma sólida construção científica futura. É o que já antevejo com otimismo e confiança. Que as palavras deste mestre frutifiquem. (Transcrito de História Econômica do Brasil. Pesquisas e análises, de Mircea Buescu – Rio de Janeiro, APEC, 1970, págs. 13-16) Nota do editor Américo Jacobina Lacombe (1909/1974) concluiu o curso de direito aos 22 anos, em 1931. Ainda nos anos trinta, teve atuação destacada no Centro Dom Vital – que exerceu grande influência nos círculos católicos durante largo período – e foi secretário do 18 18 Conselho Nacional de Educação. Integrou o grupo que lançou as bases da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde, a partir de 1941 passou a lecionar História do Brasil. Graças a essa condição, viria a produzir extensa bibliografia dedicada ao tema, o que o tornaria renomado historiador e o levaria ao exercício da Presidência do Instituto Histórico Brasileiro. Seria também diretor da casa de Rui Barbosa e responsável pelo ordenamento de sua obra para edição. Pertenceu à Academia Brasileira de Letras. 19 19 TEXTOS DE MIRCEA BUESCU 20 20 UM PROGRAMA DE TRABALHO PARA A HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL O desvio do estudo da História Econômica do Brasil do caminho que normalmente devia seguir – isto é, pesquisa exaustiva dos dados informativos (em grande parte quantitativos); depois, síntese coerente destes dados; e finalmente outra síntese integrando a realidade econômica no conjunto da realidade cultural – esse desvio, queimando as etapas e passando diretamente para o terceiro estágio do caminho normal, foi, sem dúvida, em grande parte, obra das escolas materialistas, estruturalistas e outras semelhantes que enfatizaram demasiadamente o aspecto social e institucional – os problemas das classes sociais, dos sistemas, das estruturas, dos regimes, das instituições políticas, etc. É de estranhar que doutrinas que sublinharam até além dos limites lógicos a importância do fator econômico na evolução da Humanidade, contribuíram para a marginalização do estudo especificamente econômico na História. Um caso típico é o estudo da evolução econômica do Brasil no períodomoderno até a Segunda Guerra Mundial. No prefácio do seu excelente livro recentemente publicado no Brasil (1), Frédéric Mauro escrevia: “Após essa fase colonial de nossas pesquisas históricas, sentimo-nos atraídos eventualmente pelos séculos XIX e XX, cuja economia os historiadores 21 21 brasileiros negligenciaram em extremo”. Entretanto, procure-se nos livros “clássicos” da história econômica do Brasil, e encontrar-se-á um número imenso de páginas dedicadas àquele período. Só uma perquirição mais atenta descobrirá o sentido, perfeitamente justo, das palavras de Mauro: é que, apesar da extensão dos comentários (todos, de acordo com uma certa filosofia política e social), a base informativa, o documento, a estatística não existem – o que torna extremamente precário o respectivo comentário. Ninguém pode minimizar a importância dos sistemas, das instituições, das classes, das forças políticas e sociais em jogo, e assim por diante. Entretanto, uma avaliação objetiva destes fatores, em termos econômicos, só pode ser feita depois da análise do processe econômico e dos seus efeitos. Para fixar-se bem essa posição, talvez seja conveniente, mais uma vez, indicar os caminhos a seguir – mesmo se, às vezes, esta tarefa pareça repisar o terreno do óbvio. * * * O que é a História Econômica? É o estudo dos fatos econômicos sob perspectiva temporânea – isto é, o estudo do modo como os homens resolveram o seu problema de bem-estar material, produzindo mais para poderem consumir mais. Do ponto de vista teleológico interessa o consumo, do ponto de vista genético, a produção: dada a escassez da natureza, inclusive no que 22 22 tange à capacidade do homem, é a produção que constitui o aspecto dramático do problema econômico. De forma simplificada, a História Econômica deve pesquisar e explicar como o homem organizou a pro- dução e, em face dessa organização, quais os resultados alcançados em termos de consumo (implicando, também, num problema de distribuição da renda). A história dos fatos econômicos é a descrição cronológica e a análise dos esforços humanos criadores de valores econômicos, a luta pela redução dos custos e aumento das satisfações obtidas. Evidentemente, nisso intervém uma série de elementos institucionais e estruturais – porém, num primeiro estágio da análise não é permitido preterir o fato simples, mas fundamental, de como e quanto se produziu – uma avaliação dos fatores de produção aproveitados e dos produtos realizados. Essa análise será obrigatoriamente quantitativa. Isto não quer dizer que os fatores qualitativos devam ser desprezados. O desenvolvimento econômico é função do homem, envolvendo, portanto, todo o comportamento da comunidade humana no respectivo momento histórico. A necessidade de quantificar a História Econômica para efeito de melhor apreciar os fatos econômicos – único meio objetivo e comparar custos e benefícios sociais – não implica em desprezar ou minimizar os fatores qualitativos.(2) As etapas inevitáveis para a construção de uma História Econômica do Brasil – como de outras comunidades – seriam, portanto: 1º) a análise dos fatos econômicos – produtos, fatores de produção, custos, 23 23 preços, rendas, etc. – quase totalmente quantitativa (3); 2º) síntese dos fatos econômicos – aspectos macroeconômicos, estruturas, instituições, etc.; 3º) síntese final, englobando todos os fatos culturais em cada momento histórico para determinar-se sua interdependência (4). Obviamente, pelas necessidades de exposição, as três etapas poderiam ser atacadas em conjunto, porém nunca com a preterição das etapas iniciais. * * * Um programa de trabalho para a História Econômica do Brasil, deveria seguir as mesmas etapas, sob pena de chegar a conclusões inadequadas ou incoerentes. Esta formulação programática não implica na negação do que foi feito até agora no campo das pesquisas e da elaboração de sínteses quantitativas. Quanto às primeiras, não podem ser citados aqui todos os trabalhos realizados – apesar de, em muitos casos, a pesquisa puramente histórica ter tido prioridade em detrimento da pesquisa da história econômica (5). O que falta, no que foi feito, é uma “consolidação” dos elementos objetivos, atualmente espalhados em várias publicações, para que se proceda a seu confronto verificando-lhes a coerência. E seriam necessárias muitas novas pesquisas referentes a todas as épocas – e, sobretudo, a épocas mais recentes. 24 24 Como dizia Mauro, o século XIX foi pouco estudado – apesar de muito “interpretado” e comentado (o período a partir da Segunda Guerra Mundial, foi analisado com maior objetividade pelos economistas brasileiros). Fala-se, por exemplo da economia brasileira do século XIX sem se ter, até agora, um estudo da inflação naquela época, a não ser o trabalho pioneiro, e valioso sob muitos aspectos, de Oliver Ónody (6). Entretanto, a quantificação da inflação é, como não podia deixar de ser, bastante precária, e exigiria novas pesquisas para sua confirmação ou retificação. Os dados encontram-se esparsos em jornais, revistas, livros, documentos oficiais e privados, testamentos, inventários, registros, e só pela sua coleta e ulterior confronto poderia construir-se uma escala, algo mais completo, dos preços no século XIX. O trabalho não será fácil, porque se trata justamente de uma quantidade enorme de dados informativos espalhados em todo o Brasil e numa imensa variedade de fontes. Tentei fazer, por exemplo, um levantamento dos preços em períodos decenais entre 1835 e 1875, através dos anúncios classificados do “Jornal do Commercio”, mas os resultados foram inexpressivos: poucas mer- cadorias são comparáveis, não se podendo chegar a um resultado ponderado (7). Por exemplo, entre aquelas duas datas, o preço do açúcar mascavo subiu 79,4%, o do açúcar refinado 56,8% e o do arroz 52,9%. Os resultados parecem coerentes. Entretanto, durante o mesmo período o preço da carne seca elevava-se de 224.2%. As variações a prazo mais curto são ainda mais 25 25 traiçoeiras: entre 1835 e 1845 o açúcar mascavo sobe de 5,3%, o refinado de 21,2%, a carne seca de 63,2%, o milho de 75,5%, enquanto o preço do arroz acusa queda de 3,6%. (Foram comparados preços médios, elimi- nando-se aqueles que destoavam, por razões desco- nhecidas, do conjunto). Trabalho evidentemente pre- cário e insuficiente, que talvez possa ser valorizado pela comparação com outras informações similares. O levan- tamento completo fica para ser feito, com paciência e espírito crítico. Como na maioria das vezes, a infor- mação sobre o preço da mercadoria dá poucas indi- cações quanto à qualidade. Só juntando um grande nú- mero de informações será possível eliminar as eventuais distorções. E entre um número reduzido de fontes a comparação é irrealizável, como, por exemplo, entre as informações fornecidas por Leithold e Rango em 1819(8) e as de Davatz uns quarenta anos mais tarde (9). Entretanto, este é o único caminho. Sem esta construção, embora muitas vezes precária, as discussões em torno dos temas da História Econômica do Brasil continuarão dominadas pelas interpretações doutri- nárias, na falta de uma base objetiva de interpretação. Um exemplo típico é a construção, aparentemente coerente, da teoria da “exportação das crises pelos países industrializados para o Brasil” e da “transferência do ônus da crise pelos exportadores de café para a massados consumidores brasileiros”. Não é desprovida de base verídica essa dupla teoria, porém a sua apresentação de forma radical e excessiva, não parece justificar-se pelos dados estatísticos disponíveis(10). 26 26 Inúmeros exemplos poderiam ser dados que justificassem a obra de pesquisa e reconsideração da História Econômica do Brasil. Esta afirmação não implica em negar o que até agora foi feito(11). Mas, mesmo para o que tem sido feito, seria indispensável aquele trabalho de “consolidação”, a fim de medir a coerência dos vários resultados (12). * * * Seria preciso organizar pesquisas sistemáticas (obra de um eventual Instituto de História Econômica do Brasil, desejo meu talvez bastante utópico), sobre os aspectos micro e macroeconômicos da economia brasileira no período entre o Descobrimento e fim da Segunda Guerra Mundial (período que, por analogia com a terminologia clássica na História, constituiria, em muitos pontos, a fase “pré-literária” da História Econômica do Brasil, época em que não houve levantamentos estatísticos sistematizados, a não ser em alguns poucos setores). Este programa de pesquisas deveria conter, entre outras (a enumeração não é exaustiva): – evolução da população – não apenas para permitir o calculo da renda per capita, mas também, através do perfil dos grupos raciais (brancos, pretos, índios) e sociais (rurais e urbanos, livres e escravos), para ajudar no cálculo das rendas, uma vez que a 27 27 estimativa direta do produto real poderia ser mais difícil (13). - avaliação da produção; muito difícil no que tange aos produtos de consumo interno, seria mais fácil para os produtos de exportação, mas, mesmo para estes, uma reavaliação será necessária, e a base será en- contrada na estatística do movimento marítimo (14); – levantamento da evolução dos preços locais; – levantamento da evolução dos preços de ex- portação; – estatísticas sobre os salários e outros ren- dimentos; – volume das importações dos escravos e de seus preços(15); – quantificação do fiscalismo colonial e do ônus resultante da intermediação comercial e financeira da Metrópole – aspecto extremamente importante para determinar-se a parte de renda efetivamente aproveitada pela Colônia; – despesa pública (para a época colonial) a fim de saber-se a parte da renda que, captada pela Metrópole, voltava para a Colônia; – volume monetário; para a época independente: emissões de papel-moeda e volume de meios de pagamento; – investimentos estrangeiros e seus lucros.(15 bis) Evidentemente, uma primeira operação consistiria no levantamento do que foi feito até agora – e há muitas pesquisas extremamente valiosas; em segundo lugar, o 28 28 material existente deveria passar pelo crivo crítico para avaliar-lhe a coerência; novas pesquisas deveriam ser prosseguidas paralelamente, e à medida que chegassem os resultados, os dados anteriores seriam novamente submetidos à análise crítica. Por fim, haveria a construção de conjuntos macroeconômicos, objetivos e coerentes, que dariam a imagem global da evolução econômica. Tentativas desse tipo já foram feitas, tais como as construções de Roberto Simonsen no que tange à evolução das exportações, de Maurício Goulart sobre a importação de escravos, de Celso Furtado concernente à evolução da renda em algumas épocas e regiões. Tentei levar adiante essas construções referentes ao fim do século XVI para melhor caracterizar, em termos quantitativos, a evolução da economia nacional. Utilizei (16), para calcular a evolução da renda, as estimativas da exportação colonial construídas por Simonsen, e os dados disponíveis para o período independente, estabelecendo, depois, uma escala de proporções entre o valor da exportação e o da Renda Interna. Tive a satisfação de encontrar um método análogo, embora apresentado sob forma de um modelo matemático mais sofisticado (porém admitindo basicamente uma relação entre as flutuações da exportação e da Renda Interna), num notável trabalho feito por Teodoro Oniga (17). A diferença fundamental entre os dois métodos é que adotei uma relação variável entre a renda gerada pelas exportações e a renda global, enquanto Oniga admite que entre 1830 e 1960 o crescimento da renda 29 29 num período decenal corresponde constantemente a 40% do valor total das exportações no respectivo decênio. A aplicação de uma relação constante exportação/renda parece uma inadvertência no cálculo final, pois o próprio Oniga, com seu penetrante poder de análise, fala em que a dependência renda/exportação se é válida “num intervalo em que as exportações representam uma fração relativamente pequena e decrescente (entre 19% e 7.5% - entre 1947 e 1960), ela tem maiores chances ainda de exprimir uma realidade econômica no passado, quando as exportações contribuem com uma fração muito mais importante no total da produção” (nosso grifo).(18) Devo lembrar que eu tinha aplicado, entre 1600 e 1950, uma escala de relação exportação/renda partindo de 80% e chegando a 10%. Os resultados globais da evolução da renda são os seguintes: £ 1000 US$ milhões 1800 8.750 72,6 1850 22.080 183,3 1900 132.933 1.103,3 1950 1.387.070 11.512,7 Estes dados diferem bastante dos apresentados em livro anterior (19) por duas razões: a) adotou-se para 1850 a relação E/RI de 35% (em vez de 40%) e para 1900 de 25% (em vez de 30%); b) a fim de evitar as distorções resultantes das flutuações da exportação, a base do cálculo não foi o valor da exportação dos anos 30 30 1850 e 1900, e sim a média do valor da faixa de 10 anos em torno das respectivas datas. Os estudos contidos no presente livro representam tentativas de completar e reajustar os trabalhos realizados por outros, a fim de se chegar, com o tempo, a uma História Econômica do Brasil quantificada, objetiva e coerente, constituindo uma experiência aproveitável para a compreensão dos árduos problemas do desenvolvimento econômico. ESQUEMA DA HISTÓRIA ECONÔMICA DO BRASIL 1. Ciclos e subciclos: - Formação econômica determinada pelo binômio mer can- tilismo/colonialismo: organização da Colônia de modo a garantir a balança comercial favorável da Metrópole (através da produção de metais preciosos ou de produtos conjunturais de exportação).(20) Concentração dos fatores de produção no produto conjuntural (tendência para a monocultura); instrumentos institucionais favorecendo o produto conjuntural. - Ciclos: períodos em que a exportação é concentrada num certo produto conjuntural. - Efeitos: - o produto conjuntural liderando a exportação;(21) - a exportação (com a intermediação inevitável da Metrópole) constituindo a principal fonte criadora da renda 31 31 colonial, o produto conjuntural (cíclico) desempenha papel decisivo na criação da renda; - atração dos fatores da produção: - expansão territorial; - expansão demográfica; - entrada de capitais; alta rentabilidade (reinves -- timento); - reflexo sobre outras atividades econômicas (fluxos de renda); - estratificação social correspondendo às necessidades do produto cíclico; - criação de instituições políticas e sociais adequadas. - Ciclos: períodos em que o centro dinâmico da economia é cons - tituído por um certo produto conjuntural de exportação. - Subciclos: períodos em que produtossecundários sustentaram a balança comercial, sem o dinamismo de um verdadeiro ciclo; ligação com o consumi interno.(22) Cronologia dos ciclos: 1503- 1550: ciclo do pau-brasil (23) 1550-1650: ciclo do açúcar (24) 1560 até o fim do período colonial: subciclo do gado 1642 até o fim do período colonial: subciclo do fumo (25) 1694-1760: ciclo da mineração (diamantes: a partir de 1729) 1780-1790: subciclo do algodão 1790-1810: ressurgimento do ciclo do açúcar 1825-1930: ciclo do café 2. Do Descobrimento até meados do século XVI 2.1 Quadro histórico 1492 – Bula Inter Caetera do papa Alexandre VI 1994 – Tratado de Tordesilhas 1500 – Pedro Álvares Cabral no Porto Seguro 1501-1503 – Expedições de reconhecimento 32 32 1504 – Incursões francesas no Brasil 1506 – Novos progromos contra os judeus nos países ibéricos 1516-1519 e 1526-1528 – Expedições de Cristóvão Jacques 1519-1521 – Conquista do México por Cortês 1524-1532 – Conquista do Peru por Pizarro 1530-1532 – Expedição de Martim Afonso de Souza 1532 – Fundação de São Vicente 1534 – Criação das primeiras Capitanias Hereditárias Constituição da Companhia de Jesus 1545 – Descobrimento das minas de prata de Potosi (Peru) 1548 – Regimento de Tomé de Souza 1549 – Constituição do Governo Geral do Brasil Fundação da cidade de Salvador Chegada dos padres jesuítas (Manuel da Nóbrega) 2.2 Ciclo do pau-brasil Condicionamentos externos – aumento das rendas e do consumo na Europa Ocidental; demanda de tecidos; expansão do artesanato; demanda de corantes (preços altos, suportando o alto custo do transporte transoceâ - nico); rentabilidade (custo local: 1.000 réis por quintal; venda para o consumidor: 4.000 réis). Condicionamentos internos – fatores de produção: - recursos naturais: planta nativa, sem exigir cuidados especiais; - mão-de-obra; índios (livres ou escravos), para derru- barem as árvores e transportarem-nas até o local de embarque; - tecnologia: rudimentar (corte de árvores), conhecida pelos índios; - capital: reduzida exigência no local (pagamento dos índios in natura ou sua utilização como escravos; cons- tituição de feitorias temporárias para o embarque do pau- 33 33 brasil); necessidade de volumosos capitais para transporte e comercialização (apelo para os cristãos novos). Funcionamento: - monopólio da Coroa; - arrendamento (1º) grupo de cristãos-novos liderados por Fernão de Noronha – 1503); - limitação da renda pela demanda (± 20.000 quintais por ano = ± £ 80.000); (26) - dificuldades criadas pelos ataques dos índios e pelas incursões dos corsários, piratas, comércio entrelopo; - substituição por um produto mais rendoso (açúcar); (27) - persistência da exportação de pau-brasil durante o período colonial; - liquidação do produto pela invenção dos corantes artificiais (índigo artificial). Efeitos: - prioridade na pauta de exportação (até 1540-1550, provavelmente, 90-95% do valor anual da exportação); - criação de renda (fora da Colonia); - valor da exportação de pau-brasil no período colonial: £ 15.000.000 (2,8% da exportação total, 1,7% da Renda Interna colonial); - poucos reflexos no conjunto econômico-social: sem penetração territorial, sem crescimento demográfico (a não ser, ambas muito superficiais); sem criação de classes sociais, e outras atividades reflexas (quase sem caráter de verdadeiro ciclo); entretanto, justificando a necessidade da criação de um sistema político-militar da defesa: capitanias hereditárias. (28) 3. De meados do século XVI a meados do século XVII 3.1 Quadro histórico 1551 – Criação do bispado da Bahia 1554 – Fundação do Colégio Jesuíta de São Vicente 34 34 1555-1565 – Franceses no Rio de Janeiro (Villegaignon) 1565 – Fundação da cidade do Rio de Janeiro 1571 – Batalha de Lepanto 1573-16578 – Instituição de dois governos 1578 – Batalha do Alcácer-Québir 1580-1640 – Portugal unido à Espanha 1583-1591 – Ataques ingleses ao Brasil 1584 – Conquista da Paraíba 1588 – Desastre da Invencível Armada 1589 – Conquista de Sergipe 1591-1595 – Primeira visitação do Santo Ofício 1594-1597 – Ataques franceses 1599-1604 – Ataques holandeses 1599 – Conquista do Rio Grande 1600 – Constituição da Companhia Inglesa das Índias Orientais 1602 – Constituição da Companhia Holandesa das Índias Orientais 1608-1612 – Instituição de dois governos 1609 – Trégua Espanha-Holanda 1612-1615 – Franceses no Maranhão 1618-1648 – Guerra de Trinta Anos 1621 – Fundação do Estado do Maranhão e Grão-Pará Constituição da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais 1624-1625 – Holandeses na Bahia 1630-1654 – Holandeses em Pernambuco, Itamaracá, Rio Grande, Paraíba, Sergipe e Maranhão 1637 – Expedição de Pedro Teixeira na Amazônia 1637-1644 – Governo de Nassau 1642 – Tratado Portugal-Inglaterra 1645 – Insurreição pernambucana 1648 – Reconquista da Angola pelos portugueses 1651 – Ato de Navegação de Cromwell 1652-1653 – Guerra Inglaterra-Holanda 35 35 3.2 Ciclo do açúcar – 1550-1650 Condicionamentos externos: - elevação das rendas na Europa Ocidental; - aumento do consumo de açúcar; - dificuldades do abastecimento do Oriente Próximo e Extremo Oriente; - elevação geral dos preços em decorrência do afluxo de metais preciosos do Novo Mundo (arroba de açúcar em 1500: 400 réis; em 1650: 1.800 réis). Condicionamentos internos – fatores de produção : - recursos naturais: terra disponível de qualidade relativamente boa (massapé), clima, florestas próximas (lenha para fornalhas), rios (força motriz e transporte); em toda a extensão da costa, mas sobretudo de Sergipe a Rio Grande do Norte; necessidade de animais de carga (v. subciclo do gato); - mão-de-obra: índios (livres ou escravos) inadaptados; reduzida mão-de-obra branca; importação maciça de escravos africanos (29) - tecnologia: experiência anterior dos portugueses (Madeira); - capital: necessidade de capitais volumosos (um engenho: £ 10-15.000); dificuldades financeiras dos donatários (30); papel dos cristãos-novos e dos intermediários comerciais e financeiros; capitalização na própria economia açucareira, porém com dificuldades de capital de giro (31); Funcionamento: - unidade de produção: engenho de açúcar (economia autárquica); formação: donos de engenho, trabalhadores livres, escravos, cultivadores livres (arrendatários fornecedores de cana); agregados, forros, artesãos, etc.; - favores oferecidos aos donos de engenho pela Me- trópole(4); 36 36 - fiscalismo: dízimo do açúcar (1/10 da quantidade produzida); intermediação obrigatória da Metrópole na exportação (papel dos grandes centros europeus de comercialização: Antuérpia); - insegurança: ataques dos índios, corsários, piratas e comércio entrelopo; ocupação holandesa(33); - expansão durante a conjuntura ascendente (1550-1650): aumento das quantidades produzidas e exportadas (1600? 1.200.000 arrobas; 1650: 2.000.000 arrobas), ao mesmo tempo que os preços se elevavam; - alta rentabilidade; - mudança da conjuntura após 1650: concorrência antilhesa, queda dos preços (fim da inflação européia); - ressurgimento por causa darevolução nas Antilhas (1789); - Bloqueio Continental (1806): açúcar de beterraba. Efeitos: - prioridade na pauta de exportação: 1600 - £ 2.100.000 (90% do total); 1650 - £ 3.800.000 (95% do total); no período colonial: £ 300 milhões – 56% da exportação total (34); - importante receita para a Coroa (e para os intermediários comerciais e financeiros); - criação de renda (talvez 2/3 fora da Colônia); do total da renda colonial, 33% gerados pelo açúcar; - fixação dos colonos; ocupação territorial (embora apenas litorânea); - expansão demográfica: atração dos colonos, integração de índios, importação maciça de escravos africanos; - estruturação social (criação de latifúndios, situação subserviente dos demais cultivadores); isolamento dos engenhos; hábitos de consumo mais elevados nos engenhos (em grande parte, com produtos importados); reduzida urbanização (35); 37 37 - criação de atividades conexas: presa de escravos (índios: bandeirantes; pretos: mercadores); atividades adjuntas no engenho; criação de gado. 3.3 Subciclo do gado Condicionamentos: - ligação indireta com o setor exportador: fornecimento de força motriz, meio de transporte, alimentação e matéria - prima artesanal para os engenhos de açúcar (mais tarde, sustentação no ciclo da mineração, inclusive para gado cavalar e muar); - ligação direta: exportação de couro (também como envólucro para fumo); - para consumo interno: alimentação e artesanato (aspecto anticíclico) (36); - facilidade para fatores de produção: extensão territorial; mão-de-obra índia adequada; pouca necessidade de capital (capitalização natural no próprio setor). Funcionamento: - pontos de expansão: Bahia, Pernambuco, São Vicente; - expansão ao longo dos rios (São Francisco); limitações legais para não prejudicar a cultura da cana; - grandes currais (em torno dos engenhos) e pequenos currais; - rentabilidade modesta. Efeitos: - sustentação da balança comercial (sobretudo nas épocas de crise do açúcar); total da exportação no período colonial: £ 15.000.000 (2,8% do total); - receita para a Metrópole; - fortalecimento do setor autônomo (composição do setor: agricultura de subsistência – mandioca, algodão, etc. – pesca de baleia, criação de gado, colheita tropical, pequenas ocupações agropecuárias e hortigranjeiras; 38 38 reduzido artesanato; inexistência de um grande mercado: níveis baixos de renda, falta de ligações entre os núcleos, pouco interesse dos investidores, economia não - monetária); - criação de uma classe média rural (maior mobilidade social); - grande expansão territorial (37). 4. A Segunda Metade do Século XVII 4.1 Quadro histórico 1632 – Criação do Conselho Ultramarino 1649 – Constituição da Companhia Geral do Comércio do Brasil 1654 – Expulsão dos holandeses Tratado Portugal-Inglaterra 1657 – Instituição do Governo de Pernambuco Lutas na fronteira Sul 1661 – Tratado Portugal-Inglaterra Tratado de paz da Haia 1665 – Franceses em São Domingos 1669 – Dissolução da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais 1680 – Fundação da Colônia do Sacramento 1681 – Tratado de Lisboa Perda das Índias Portuguesas 1682 – Constituição da Companhia do Comércio do Maranhão 1633-1713 – Guerra dos Bárbaros (Confederação dos Cariris) 1684 – Revolta de Beckman 1695 – Destruição do quilombo de Palmares 1703 – Tratado de Methuen 4.2 Hiato econômico – Subciclo do fumo - queda do ciclo do açúcar: baixa das cotações (aumento da oferta em decorrência da criação dos centros produtores nas Antilhas; queda geral dos preços); o açúcar mantém- 39 39 se, entretanto, como principal produto de exportação do Brasil; queda da rentabilidade - descapitalização do setor (38); - medidas de defesa da receita colonial: - criação do Conselho Ultramarino; - constituição de organizações monopolistas para comer- cializar os produtos da Colônia: Companhia Geral do Comércio do Brasil (1649-1663) e Companhia do Comércio do Maranhão (1632-1685); sucesso relativo da primeira, apenas; - monopólio do fumo (1642); - monopólio do sal (1658); - liberação do comércio em navios estrangeiros (1671); - navegação obrigatória em frotas (1688); - importância relativamente maior dos produtos sub - cíclicos na exportação e na geração da renda: couro, algodão (Maranhão), fumo. Subciclo do fumo (a partir da segunda metade do século XVII) - conjuntura: aumento do consumo na Europa Ocidental; produto importante para o escambo dos escravos africanos; em pequena proporção, para o consumo interno (39); - condicionamentos: planta indígena; tecnologia tradicio nal; mão-de-obra local ou escrava; necessidade reduzida de capital; - funcionamento: - rentabilidade relativamente reduzida; - monopólio da Coroa – importante receita pública; - participação da economia colonial: exportação total £ 12.000.000 (2,2% do valor da exportação colonial, 1,3% da Renda Interna do período colonial). Resultados do período - queda da exportação, apesar das medidas de defesa e da participação dos subciclos; - queda da Renda Interna, sendo dependente da exportação; 40 40 - crescimento relativo do setor autônomo da economia (não dependente da exportação): mandioca, milho, plantas alimentícias, frutas, trigo, etc. (fumo, algodão, pecuária – na medida em que não se exportavam); artesanato (muito reduzido); - em termos per capita a exportação caiu, entre 1650 e 1700, de 23.10.0 para £ 6.14.0, a Renda Interna, de £ 29.8.0 para £ 11.8.0. 4.3 Panorama do século XVII - Evolução da exportação (aspecto cíclico) – reflexo sobre a geração de renda (boa parte da Renda Interna – talvez 2/3 – ficava fora da Colônia) – crescimento relativo do setor autônomo (40). Exportação (E) Renda Interna (RI) Setor autônomo (RI-E) £ 1000 variação % £ 1000 variação % £ 1000 variação % 1600 1650 1700 2.400 4.000 2.400 . . . + 67% – 40% 3.000 5.000 4.000 . . . + 67% – 20% 600 1.000 1.000 . . . + 67% + 60% - Composição da exportação: 1600 1650 1700 £ 1000 % do total £ 1000 % do total £ 1000 % do total açúcar pau-brasil fumo couro mineração 2.160 100 15 . . . – 90% 4% 0 . . . – 3.800 75 . . . . . . – 95% 2% . . . . . . – 1.800 45 . . . 100 310 75% 2% . . . 4% 13% 41 41 - Expansão territorial e demográfica: Área ocupada (km2) População (hab) Densidade (hab / km2) 1600 1650 1700 25.800 . . . 110.700 100.000 170.000 350.000 3,9 . . . 3,2 (41) 5. A primeira metade do século XVIII 5.1 Quadro histórico 1693 – Ouro em Taubaté 1694 – Fundação da Casa da Moeda (Bahia; no Rio de Janeiro em 1702) 1700 – Tratado de Lisboa 1704-1705 – Ataques espanhóis a Sacramento 1708 – Guerra dos Emboabas 1709 – Criação da Capitania de São Paulo e Minas Gerais 1710 – Guerra dos Mascates Corsários franceses na Costa do Rio de Janeiro 1715 – Tratado de Utrecht 1720 – Criação da Capitania de Minas Gerais Brasil Vice-Reinado 1725 – Criação de Casas deFundição 1729 – Diamantes em Serro Frio 1735-1737 – Ataques espanhóis a Sacramento 1744 – Criação da Capitania de Goiás 1747 – Primeira tipografia no Rio de Janeiro 1749 – Capitania de Mato Grosso 1750 – Tratado de Madrid 1763 – Mudança da capital para o Rio de Janeiro 5.2 Ciclo da mineração (1693-1760) Condicionamentos externos: - importância do ouro como moeda internacional; 42 42 - mercantilismo – crisofilia (procura constante desde o Descobrimento: entradas, bandeiras). Condicionamentos internos: - condições naturais: ouro e diamantes a flor da terra em grandes quantidades; - mão-de-obra: novos colonos ou atraídos de outras zonas; importação de escravos; - tecnologia: bastante simples, conhecida na Metrópole e até pelos negros; - capitais: necessidade de pouco capital (escravos, equipamento); transferido de outras zonas, trazido pelos novos colonos ou criado pela própria mineração. Funcionamento: - descoberta de ouro em Taubaté (1693); extensão para Mato Grosso e Goiás; diamantes em Serro Frio (1729); - fiscalismo: quinto do ouro (1735-1750: capitação); derrama; monopólio dos diamantes (1731); - obrigação da cunhagem (Casas de Fundição); - medidas de defesa em relação ao contrabando (organização administrativa na região da mineração); importância do contrabando (20% de produção); - entrada maciça de novos colonos na região da mineração (guerra dos Emboabas); - queda da produção na segunda metade do século XVIII; excesso do fiscalismo (Inconfidência Mineira -Tiradentes – 1789). (42) Efeitos: - exportação: no período colonial, £ 170 milhões (31,7% da exportação total); - importante fonte da receita para a Coroa; - criação de renda (no período colonial, 19,0% da Renda Interna total); - reflexos sobre outras atividades (comércio, artesanato); 43 43 - elevação (passageira, dos níveis de consumo; urbaniza- ção (comércio, artesanato, administração); - novas classes (parcialmente desaparecidas após a queda do ciclo – proletariado rural e urbano); - monetização da economia; - elevação dos preços (inflação) na região mineira. (43) 6. De meados do século XVIII até a Mudança da Corte 6.1 Quadro histórico 1750-1777 – O marquês de Pombal, secretário de Estado 1751 – Criação do Estado do Grão-Pará e Maranhão 1759 – Expulsão dos jesuítas 1762 – Capitulação de Sacramento 1763 – Mudança da capital para o Rio de Janeiro 1772 – Criação do Estado do Maranhão e Piauí 1774 – Escolas Régias no Rio de Janeiro e São João del Rei 1778 – Guerra da Independência dos Estados Unidos 1789 – Revolução Francesa – Revolta no Haiti Inconfidência Mineira 1798 – Conjuração Baiana 1802 – Revolta em São Domingos 1807 – Bloqueio Continental Criação da Capitania do Rio Grande do Sul 1808 – Mudança da Corte para o Rio de Janeiro 6.2 Hiato econômico – Subciclo do algodão - queda do ciclo da mineração (esgotamento das r eservas facilmente alcançáveis); - contínua decadência do açúcar (entretanto, pequeno res - surgimento após a revolta nas Antilhas, destruindo ins - talações e eliminando temporariamente um concorrente); golpe definitivo com o aparecimento do açúcar de beterraba; - fraqueza da economia de subsistência; - medidas de defesa: 44 44 - constituição da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará e Maranhão (1755-1777) e da Companhia Geral do Comércio de Pernambuco e Paraíba (1759- 1780); - políticas de Pombal: criação da Mesa de Inspeção (1759), maior liberdade de navegação (1765), redução dos fretes marítimos (1766); - proibição das indústrias (1785). Subciclo do algodão Condicionamentos: externos: revolução Industrial na Inglaterra: demanda maior de algodão; guerra da Independência norte-americana: falta de matéria-prima norte- americana. internos: condições ecológicas (planta indígena); mão - de-obra escrava (índia); pouca necessidade de capital; - Sustentação da balança comercial: exportação £ 12.000.000 durante o período colonial (2,2% da expor- tação total); - Ligação com o setor autônomo (consumo local); - Criação de renda (importância regional: Norte). Resultados do período - queda da exportação; - queda da Renda Interna; - crescimento relativo (embora em condições precárias) do setor autônomo da economia; - queda da exportação per capita (£ 2 9/10 em 1750, £ 1 1/10 em 1800) e da renda per capita (£ 4 8/10 em 1750, £ 2 2/3 em 1800). 45 45 6.3 Panorama do século XVIII - Nova variação cíclica graças à mineração; depois, queda da exportação (porém menor, graças à intervenção de outros produtos); contudo, ligeiro crescimento da renda (graças ao desenvolvimento relativo ao setor autônomo) (44). Exportação (E) Renda Interna (RI) Setor autônomo (RI-E) £ 1000 variação % £ 1000 variação % £ 1000 variação % 1700 1750 1800 2.400 4.300 3.500 – 40% + 79% – 19% 4.000 7.200 8.800 – 20% + 80% + 22% 1.600 2.900 5.300 + 60% + 81% + 83% - Composição da exportação: 1700 1750 1800 £ 1000 % do total £ 1000 % do total £ 1000 % do total açúcar pau-brasil fumo couro mineração algodão 1.800 45 . . . 100 310 . . . 75% 2% . . . 4% 13% . . . 2.000 30 100 110 2.035 . . . 47% 0 2% 2% 47% . . . 1.100 60 225 200 855 200 31% 0 6% 6% 24% 6% - Expansão territorial e demográfica: Área ocupada (km2) População (hab) Densidade (hab / km2) 1700 1750 1800 110.700 . . . 324.000 350.000 1.500.000 3.300.000 3,2 . . . 10,2 (45) 46 46 NOTAS (1) Frédéric Mauro, LXXIX, pág. 10. (2) Apesar da insistência quanto à necessidade de quantificar a História Econômica do Brasil, como metodologia analítica, enfatizei sempre a importância primordial do conjunto dos fatores culturais em que se processa o desenvolvimento econômico (v. Mircea Buescu-Vicente Tapajós – XXI). (3) Não se pode negar a precariedade dos estudos quantitativos referentes a épocas remotas em que as informações estatísticas são muito escassas, principalmente por causa do desinteresse dos cronistas pela quantificação do fenômeno social até, pelo menos, o século XVI (v. John V. Nef – LXXXVI bis). Caso típico é a crítica feita a Earl J. Hamilton pela precariedade dos cálculos sobre a evolução dos preços nos séculos XVI e XVIII. Evidentemente, os cálculos devem ser aceitos com cautela, mas de qualquer forma a tentativa de quantificação represen tou um progresso com vistas a uma interpretação mais objetiva do fenômeno. Como diz Frédéric Mauro, “o que fez é melhor que nada” (op. cit., pág. 18). Os estudos publicados no presente volume são tentativas no mesmo sentido – e sou o primeiro a compreender as limitações de tais “exercícios” de quantificação. Insisti em quão audaciosa é a tentativa de calcular a renda inte rna do Brasil em 1600 (v. infra, págs. 81-90: “BRASIL 1600”), mas achei que este é o caminho para um estudo mais objetivo do passado brasileiro. Tive a satisfação de encontrar um apoio, embora não referente ao meu estudo, em Frédéric Mauro (op. cit., pág. 28): “Mas, será objetado, para que serve estudar a rendanacional do século XVII, quando, naquela época, ninguém pensava nisso? Duas razões para fazê-lo nos parecem essenciais. De uma parte, é este o único meio de compreender a organização de conjunto da economia nesta época e de opô-la à organização das economias seguintes. De outra parte, é este o único meio de compreender as flutuações a longo prazo desta economia, de discernir as variáveis mais interessantes para estudar, de precisar seu valor e sua significação”. (Para a perspectiva da evolução da renda no Brasil, v. infra, o gráfico da pág. 224). (4) O livro citado de Frédéric Mauro, depois de adotar, teori- camente, as mesmas posições quanto à metodologia da História Econômica, contém vários estudos enquadrando-se nas duas 47 47 etapas mencionadas. De um lado, pesquisas quantitativas micro e macroeconômicas contribuindo para o conhecimento do compor- tamento da economia em várias épocas: atividades do mercador Fernão Martins na primeira metade do século XVII, contabilidade do Engenho Sergipe do Conde na mesma época, análise do livro - razão de Antônio Coelho Guerreiro no fim do século XVII e o início do século XVIII. De outro lado , sínteses como o “Império Português e o Comércio Franco-Português nos meados do século XVIII”, ou, sobretudo, o brilhante estudo “Acerca de um modelo intercontinental: a expansão ultramarina européia entre 1500 e 1800”. (Sobre o assunto, v. do mesmo autor – LXXVIII). (5) É o caso dos excelentes trabalhos divulgados pelos “ESTUDOS HISTÓRICOS” da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília – exemplo de dedicação e entusiasmo pela pesquisa histórica. (6) Oliver Ónody – LXXXVIII. (7) v. infra, págs.244-249: “Preço de escravos no século XIX”. (8) T. von Leithold – L. von Rango – LXX. (9) Thomas Davatz – XLI. Um livro excelente cujas fontes de informação foram, também, os anúncios de jornal, mas que oferece igualmente poucas possibilidades de comparação entre os preços no período imperial: Delso Renault – CII. (10) v. infra, págs. 250-268: “Café, câmbio e inflação no Brasil (1850-1900)”. Outro caso interessante é aquele da “política da defesa do nível de renda” durante a Grande Crise de 1929, através da compra e da queima pelo Governo dos excedentes de café: v. uma refutação da tese tradicional em Carlos Manuel Pelaez – XC. (11) v. na bibliografia final os grandes trabalhos de Capistrano de Abreu, Roberto Simonsen, Afonso Taunay, Celso Furtado, Maurício Goulart e outros. (12) No que concerne à quantificação da economia brasileira em fins do século XVI por Celso Furtado, v. infra, págs. 81 -90: “Brasil 1600”. Quanto à reconsideração da estimativa feita por 48 48 Simonsen para a receita da exportação no período colonial, v. infra, págs. 196-198: “Sobre o valor da exportação colonial”. (13) Foi esta a técnica que utilizei para o cálculo da Renda Interna no fim do século XVI – v. infra, págs. 81-90: “Brasil 1600”. (14) Frédéric Mauro (LXXiX, pág. 78), insiste, com razão, nessa pesquisa. Exemplos de levgantamentos dessa natureza encontram - se nos grandes trabalhos de Pierre Chaunu – XXXIX bis e do próprio Mauro – LXXVI. (15) v. infra, págs. 201-208: “Notas sobre o volume da importação de escravos”; págs. 209-218: “Novas notas sobre a importação de escravos”. (15 bis) Enquanto se aprontava o presente livro, um grupo de professores e alunos, do qual faz parte o autor, constituiu o Centro de Pesquisas de História Econômica do Brasil (CEPHEB). Espera- se que, com o tempo, este Centro consiga preencher a lacuna apontada no texto. (16) v. infra, págs. 81-90: “Brasil 1600”; também, M. Buescu – V. Tapajós – op. cit., pág. 166. (17) Teodoro Oniga LXXXVII bis. (18) As mesmas ponderações são válidas a respeito das esti - mativas feitas por Sérgio Nunes de Magalhães Junior (LXXII bis); v. infra, págs. 272-279: “A Renda interna (1920-1940): uma tentativa de quantificação”. (19) M. Buescu – V. Tapajós – ibidem. (20) O mercantilismo pode ter sua filosofia sintetizada no sorites: o poder é dado pela riqueza; a riqueza é dada pelos metais preciosos; os metais preciosos são dados pela balança comercial superávitária. (21) Para certas limitações a essas características, v. Mircea Buescu – Vicente Tapajós – XXI – págs. 24-25. 49 49 (22) Podem ser chamados “anticiclos” na medida em que contribuíram para interiorizar a economia – conf. M. Buescu – V. Tapajós – op. cit., pág. 25. (23) Sobre o fim do ciclo do pau-brasil, v. infra, págs. 45-50: “Novas indicações sobre o primeiro século do Brasil”. (24) Sobre o fim do ciclo do açúcar, v. infra, págs. 109 -131: “O Engenho Sergipe do Conde no século XVII: um levantamento quantitativo”. (25) v. infra, págs. 74-80: “Contribuição para a história do subciclo do gado”. (26) v. Roberto C. Simonsen – CXII, págs. 63-64 – um cálculo sobre a rentabibilidade do ciclo. (27) Sobre a persistência do ciclo do pau-brasil, v. infra, págs. 45- 50: “Novas indicações sobre o primeiro século do Brasil”. (28) v. Vicente Tapajós – CXXI. (29) Sobre a rentabilidade do escravo, v. M. Buescu – V. Tapajós – XXI, pág. 124. (30) v. supra, págs. 45-50: “novas indicações sobre o primeiro século do Brasil”. (31) v. infra, págs. 169-174: “Uma controvérsia em torno de Antonil”. (32) Sobre os direitos dos donatários – V. Tapajós – CXXI. (33) v. infra, págs. 139-149: “Invasão holandesa no século XVII: perdas da economia açucareira”. Dois livros são fundamentais: Hermann Wätjen – CXXXIX e C. R. Boxer – XIII. (34) A quantificação da exportação colonial foi feita por Roberto Simonsen (CXII). Sobre uma possível reavaliação dos números, v. infra, págs. 196-198: “Sobre a exportação colonial”. 50 50 (35) Sobre a vida social da época, é fundamental o livro de Gilberto Freyre – LIV. (36) A importância relativa do gado aparece quando relacionamos o número de cabeças existentes em 1600 (650.000) com o número de habitantes (100.000): isso dá 6,5 cabeças por habitante. No Brasil de 1960, a relação não passava de 0,8. (37) v. infra, págs. 167-168: “Panorama do século XVII”. (38) Sobre a decadência do setor açucareiro, v. infra, págs. 169 - 174: “Uma controvérsia em torno de Antonil”. (39) v. infra, págs. 189-193: “A economia do fumo segundo Antonil”. (40) As estimativas aqui alinhadas, forçosamente precárias , são resultado de um método de cálculo que foi exposto em M. Buescu – V. Tapajós – XXI, págs. 132-140. (41) A queda da densidade (N.B.: em relação à área econo - micamente ocupada) pode ser interpretada como reflexo do sub - ciclo do gado, atividade tipicamente extensiva. (42) Livro fundamental é o de C. R. Boxer – XII. (43) Informações valiosas em Andreoni (Antonil) – IV. (44) Detalhes quantitativos em M. Buescu – V. Tapajós – XXI – Para um balanço da Colônia, v. infra, págs. 219-224: “Desen- volvimento econômico do Brasil – raízes históricas”. (45) Numa economia de agricultura extensiva, o aumento da den - sidade demográfica, não acompanhado por progressos tecnoló - gicos, poderia explicar, em parte pelo menos, a queda global da renda “per capita”. (Transcrito de História Econômica do Brasil , Rio de Janeiro: APEC, 1970, págs. 25-33). 51 51 OS TRÊS PRIMEIROS SÉCULOS 52 52 A ECONOMIA AÇUCAREIRA EM 1600 E OS SEUS ASPECTOS QUANTITATIVOS O fenômeno econômico éessencialmente quantificável. Pelo caráter específico do seu suporte material o valor econômico, ao contrário das outras categorias axiológicas, apresenta duas dimensões: ao lado das conotações qualitativas, definem-no, e de maneira mais patente, as conotações quantitativas. Não deve ser exagerado o mérito destas últimas, pois atrás do quantitativo, de aparência rigorosa, sempre aparece o qualitativo – mas, do ponto de vista formal, a quantificação resolve o problema, como, por exemplo, o preço unido do mercado estabelece o equilíbrio aparente entre as partes, embora tenha, muito provavelmente, significado qualitativo diferente para cada uma delas. A apreciação objetiva do fenômeno econômico no seu desenrolar histórico ficará extremamente precária se não se basear na quantificação. Como se poderá falar objetivamente em progresso ou retrocesso se a afirmação se sustenta, apenas, em sinais exteriores, bem precários? Afirmar a necessidade da quantificação na História Econômica não significa minimizar as dificuldades de empreendê-la por falta de documentos. Como se sabe, a tendência de precisar o fenômeno 53 53 social em termos numéricos é hábito recente que, mesmo na Europa, mais avançada culturalmente, não apareceu antes da segunda metade do século XVI.(1). É fácil imaginar a penúria de elementos num Brasil Colonial que a Metrópole manteve em quarentena cultural. Contudo, as informações existem: por exemplo, se em 1618, Brandônio, apesar de sua origem e profissão, se apega bastante pouco aos números, Gandavo, uns 70 anos antes, já tratava em termos quantitativos a economia açucareira incipiente. Lá onde os dados faltam, poder-se-á interpolar ou extrapolar – método matemático de usar a imaginação. Deverá aplicar-se com cautela e prudência, exigindo-se que a construção resultante seja racional e coerente. Não será fácil chegar a uma quantificação de uma certa amplitude, abrangendo todo o passado da economia brasileira. Até lá, será preciso juntar dados, conferi -los, completá-los, construindo-se, aos poucos, a imagem quantificada. Brilhante exemplo foram dados por Roberto Simonsen(2) e Celso Furtado(3). Tentativas mais ousadas, portanto mais aleatórias, foram feitas num livro meu, em co-autoria com o Prof. V. Tapajós (4). A necessidade de reconsiderar e conferir alguns dados tornados tradicionais aparece ao analisar-se um documento recentemente elaborado pelo XXI Curso da CEPAL – BNDE (5). Não vou referir-me aos valores indicados em várias ocasiões e transformados em moeda atual, pois parecem mais um erro gráfico. Por exemplo, diz-se que o rendimento do açúcar era de “300.000 cruzados ou 54 54 Cr$ 28 mil”. O equívoco é evidente. Simonsen fala em 28 contos da sua época. Na realidade, 300 mil cruzados do início do século XVII correspondiam a 120 contos daquela época, ou seja, pouco mais de £ 115.000 (ouro). Em valor atual (numa equiparação muito precária quando se trata de épocas tão distantes), seriam cerca de US$ 955.000. Essa confusão entre valores atuais e valores da época de Simonsen (que também não teve o cuidado de indicar o que era objetivamente o valor da moeda da sua época) repete-se em várias ocasiões, Mais grave é a imprecisão de um trecho referente ao rendimento total do pau-brasil durante 30 anos de exploração. Indica-se a soma de 120.000 contos, porém sem precisar-se em que moeda. Poderia presumir-se que se trata da moeda do século XVI, mas, então, o valor indicado seria 100 vezes o calculado por Simonsen para toda a exportação colonial do pau-brasil, isto é, em 300 anos, e não apenas em 30. Cem vezes o valor e dez vezes o período, a diferença seria de 1 para 1.000. Isto mostra mais uma vez a necessidade de adotar-se um instrumento de medição objetivo e unitário na quantificação do passado (6). Incidentalmente, vale lembrar, também, os núme- ros indicados no Relatório CEPAL-BNDE a respeito da população escrava, quando se diz que “em 1700 já havia três milhões (de escravos) aproximadamente”. Ora, de acordo com as fontes mais seguras de informação e cálculo, toda a população do Brasil em 1700 devia situar-se em torno de 350 mil almas. Como pode 55 55 explicar-se o número de três milhões inscritos en toutes lettres no Relatório? Nem um eventual erro gráfico (1700 em vez de 1800) salva a situação. Em 1800 o Brasil tinha aproximadamente 3.300.000 habitantes, do que resultaria que a população escrava teria representado 91% do total – o que seria um absurdo evidente. Admite-se que no ponto culminante da participação dos escravos na composição demográfica, no período 1750-1800, essa participação devia ser de cerca de 50%. Voltando para a economia açucareira, vale a pena confrontar, mais uma vez, os números concernentes à produção de açúcar em 1600. Repetindo Porto Seguro (apesar das sérias restrições feitas por Simonsen), o Relatório CEPAL-BNDE indica 120 engenhos “com produção de 70.000 caixas de 10 quintais a unidade”. Uma pequena análise mostra, entretanto, a incoerência da informação: 70.000 caixas a 10 quintais são 700.000 quintais ou cerca de 41 milhões de quilos ou 3,7 milhões de arrobas. Divididos entre 120 engenhos, estes 3,7 milhões de arrobas dariam 30 mil arrobas por engenho e por ano. Ora, as informações são abundantes no sentido de que a produção anual de um engenho, por maior que fosse, era muito mais modesta. Em 1570, Gandavo falava numa média de 3.000 arrobas por ano, e outra informação sua sugeriria ainda menos (cita, para a Bahia, uma produção excepcional de 50.000 arrobas para 23 engenhos – pouco mais de 2.000 arrobas por engenho). Brandônio, em 1618, diz que havia engenhos 56 56 pequenos de 3 a 5.000 arrobas e outros, maiores, constituindo provavelmente a maioria, de 6 a 10.000 arrobas. Laet, na época da ocupação holandesa, dá um mínimo de 3.000 e um máximo de 8.000. O próprio Relatório CEPAL-BNDE adota os extremos de 3.000 e 10.000 arrobas. Como poderiam ser 30.000? Mesmo adotando, conforme a advertência de Simonsen (baseada na informação de Antonil), o peso de 35 arrobas por caixa, as 70.000 caixas dariam 2.450.000 arrobas, as quais, divididas para 120 engenhos, corresponderiam a pouco mais de 20.000 arrobas por engenho e por ano o que é, também, inadmissível (7). O problema deve ser reconsiderado sob os dois aspectos, do número de engenhos e da produção, a fim de se chegar a um conjunto coerente de dados. No que tange ao primeiro aspecto, deve-se, mais uma vez (8), e apesar da autoridade de Varnhagen e Capistrano de Abreu (que aderiu ao cálculo – cf. prefácio aos Diálogos das Grandezas do Brasil), verificar se o número de 120 engenhos para o ano de 1600 é sustentável. Este exame crítico parece ousado face à aceitação, quase unânime, do número oferecido por Varnhagen, aceito en passant por Capistrano, discutido, porém sem conclusão definitiva, por Simonsen, adotado por Celso Furtado e, finalmente, pelo Relatório CEPAL-BNDE. Um levantamento das principais informações a esse respeito permite estabelecer o seguinte quadro, com os engenhos apontados pelos respectivos informantes nas várias Capitanias do Brasil (9): 57 57 1570 1583 1584 1587 1612 1627 Rio Grande Paraíba Itamaracá Pernambuco Bahia Ilhéus Sergipe Porto Seguro Espírito Santo Rio de Janeiro São Vicente - - 1 23 18 8 - 5 1 - 4 - - - 66 36 3
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