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SUMÁRIO * PREFÁCIO PRIMEIRA PARTE I. Estabelecimento e sedimentação do paradigma pradiano II. O sentido da colonização III. O sentido profundo da colonização IV. História e subdesenvolvimento: a contribuição de Celso Furtado V. Formação do Estado Português e a expansão quatrocentista VI. Portugal: da expansão quatrocentista ao império colonial VII. Fundamentos econômicos da ocupação territorial VIII. Economia açucareira I IX. Economia açucareira II X. Economia açucareira III XI. Mineração I XII. Mineração II XIII. A crise do Antigo Sistema Colonial XIV. Os interesses “internos”: o parecer de Rodrigues de Brito XV. A presença inglesa no Brasil XVI. Emancipação política I XVII. Emancipação política II XVIII. Economia cafeeira I XIX. Economia cafeeira II XX. Economia cafeeira III XXI. O complexo cafeeiro SEGUNDA PARTE XXII. A proclamação da República XXIII. O processo político-partidário na Primeira República XXIV. A política monetária na primeira década republicana XXV. A defesa do café XXVI. A industrialização controversa XXVII. A crise da Primeira República XXVIII. O Golpe de 1937 e o Estado Novo XXIX. A modernização nos anos Vargas (1930 – 1945) XXX. A política econômica no primeiro Governo Vargas (1930 – 1945) XXXI. A defesa da indústria na Era Vargas (1930 – 1945) XXXII. A economia brasileira na Segunda Guerra Mundial XXXIII. O Governo Dutra e a política econômica no pós-guerra XXXIV. O segundo Governo Vargas (1951 – 1954) ** Bibliografia básica PRIMEIRA PARTE 7 PREFÁCIO O presente trabalho nada mais é do que uma breve síntese do processo histórico de formação da economia brasileira. Embasado nas aulas ministradas pelo Professor José Flávio Motta e pela Professora Luciana Suarez Lopes, trata-se de um pequeno resumo que teve a intenção de ajudar os alunos matriculados na disciplina chamada Formação Econômica e Social do Brasil no ano de 2019. Não obstante, a intenção de tornar público este texto é justamente, e apenas, a de ajudar a todos os futuros alunos desse curso, independentemente do professor responsável. O autor não pretende ir além desse objetivo. Mesmo que o propósito seja de ajudar a todos os futuros matriculados nessa disciplina, inclusive os com pouco interesse nos temas de História Econômica e História do Pensamento Econômico, o autor ficaria profundamente satisfeito se ao menos um dos possíveis leitores passasse a ter gosto por essas áreas magníficas das ditas humanidades, passando então a estuda-las com mais afinco. Todo bom economista precisa conhecer muito bem os fundamentos da Macroeconomia, da Microeconomia e da Econometria. Não apenas conhecer, como também saber como os operar na vida prática com muita precisão. Caso contrário, o economista estará perdido. Ele, contudo, será tosco se não desenvolver o mínimo interesse pelo estudo da dinâmica histórica que está por trás da construção da economia moderna, sobre a qual o economista realiza suas intervenções e sobre a qual se ergue toda a Teoria Econômica. A Economia é um dos campos científicos mais brilhantes, exatamente por ter como estruturas basilares a História e a Matemática, aparentemente tão distantes. 8 Com relação à estrutura desse compêndio, cada capítulo corresponde a uma aula ministrada pelos docentes. Algumas aulas, infelizmente, não foram sintetizadas. Não convém explicitar as razões para tal. Finalmente, o autor pede perdão por não ter conseguido sistematizar perfeitamente as notas de rodapé e as referências ao longo das páginas. Ele crê, no entanto, que isso não causará transtornos à leitura. G.G.M. São Paulo, julho de 2019 9 I Estabelecimento e sedimentação do paradigma pradiano Caio Prado Jr. (1907-1990) pode sem quaisquer ressentimentos ser colocado na lista seleta dos maiores historiadores que a intelectualidade brasileira já conheceu, sendo, por assim dizer, até hoje uma referência primordial para os estudiosos da História econômica e social do Brasil. Em termos de História Econômica, Prado ficou marcado pela obra Formação do Brasil Contemporâneo: Colônia (1942). É a partir dela que a sua interpretação a respeito formação econômica e social brasileira ganhou relevância, permitindo que hoje possa se falar de um paradigma pradiano na historiografia. Não obstante, o título do livro apresenta uma aparente contradição: afinal, se o tema é do Brasil contemporâneo, por qual razão o autor nos remete aos três primeiros séculos de nossa história, ou seja, ao período colonial? Justamente pelo fato de que o plano original de Caio Prado Jr. era escrever acerca da História Econômica nacional abarcando inclusive os anos de sua época. Infelizmente, o projeto não se concretizou. De qualquer forma, é na obra de 1942 que o “modelo” pradiano, ou seja, sua interpretação historiográfica se encontra mais bem sedimentada. Nas palavras de Antonio Candido: Os homens que estão hoje [1967] um pouco para cá ou um pouco para lá dos 50 anos aprenderam a refletir e a se interessar pelo Brasil sobretudo em termos de passado e em função de três livros: Casa Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre, publicado quando estávamos no ginásio; Raízes do Brasil 10 (1936), de Sérgio Buarque de Holanda, publicado quando estávamos no curso complementar; Formação do Brasil Contemporâneo (1942), de Caio Prado Júnior, publicado quando estávamos na escola superior. São estes os livros que podemos considerar chaves, os que parecem exprimir a mentalidade ligada ao sopro de radicalismo intelectual e análise social que eclodiu depois da revolução de 1930 e não foi, apesar de tudo, abafado pelo Estado Novo1. Dos três autores citados, é justamente Prado que possui um enfoque mais forte e profundo na análise econômica dentro da historiografia. A relação disso com a influência da metodologia marxista, que permeou todo o pensamento pradiano, é inegável. Ainda segundo Candido: Trazendo para a linha de frente os informantes coloniais de mentalidade econômica mais sólida e prática, dava o primeiro grande exemplo de interpretação do passado em função das realidades básicas da produção, da distribuição e do consumo. Nenhum romantismo, mas o desnudamento operoso dos substratos materiais. Em consequência, uma exposição de tipo factual, inteiramente afastada do ensaísmo (marcante nos dois anteriores [Freyre e Holanda]) e visando a convencer pela massa do dado e do argumento.2 Previamente à década de 1930, o principal modelo teórico para a explicação da realidade social imediata do Brasil estava pautado nas explicações de cunho étnico-racial. Num contexto de substituição da mão-de-obra escrava pela livre e assalariada, permeado inclusive pela nova roupagem do jogo de interesses, formam-se novos critérios de cidadania, marcados pela rígida hierarquização social, que necessitam de justificativa 1 CANDIDO, A. O significado de Raízes do Brasil. In HOLANDA, Sérgio B. de. Raízes do Brasil. Edição comemorativa 70 anos. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, pp. 235-236. 2 Idem, pp. 237 11 plausível. É nesse sentido que as teorias raciais, fortalecidas na transição do século XIX para o XX, apesar de todas as implicações negativas, tornam-se o principal argumento para sacramentar as diferenças sociais. Mas, é justamente na transição da República Oligárquica para a Era Vargas que as doutrinas raciais se tornam insuficientes para explicar o movimento histórico que começava a assentar-se em bases industriais. A elite intelectual brasileira exigia uma reformulação das ciências sociais. Como disse Rosa Maria Vieira: O que se percebe é que o Brasil dos anos 30, que aos poucos passa a viver sob o signode uma modernidade contraditória, instiga a intelligentsia nacional e pede um novo tratamento, para além das abordagens étnico-raciais dominantes. As elites intelectuais são levadas a atualizar a discussão da problemática nacional, (...). A grande crise econômica da terceira década, a agitação social, a cisão oligárquica, a escassa representatividade política dos novos estratos sociais, a intensa movimentação cultural (de que o modernismo é boa expressão) configuram um “presente problemático”, cujas raízes – a “formação nacional” – devem ser investigadas. E, nesse processo, os recursos da análise social do período são questionados, abrindo-se espaço para a renovação das ciências sociais no Brasil.3 Vale ressaltar também, a partir da chamada Revolução de 1930, a influência dos Annales de L. Febvre e M. Bloch na historiografia brasileira, no sentido em que os dois historiadores franceses combatiam a dita História “dos acontecimentos” (événementielle). Aquela que tomava como ponto fundamental os acontecimentos singulares de ordem política, diplomática e até mesmo militar (enfatizando, assim, as grandes figuras, tais como reis, príncipes, generais, etc.). Ao contrário, Febvre e Bloch buscavam uma análise 3 VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo: EDUC, 2007, p. 75 12 histórica que abrisse espaço para a interpretação ao redor dos fatos centrais. Preferiam, inclusive, um diálogo mais fecundo com a antropologia, a psicologia, a geografia, a economia, a sociologia, etc. De acordo com Ronaldo Vainfas: Contra a tal história historicizante, Febvre e Bloch opunham uma história problematizadora do social, preocupada com as massas anônimas, seus modos de viver, sentir e pensar. Uma história de estruturas em movimento, com grande ênfase no estudo das condições de vida material (...). Uma história preocupada não com a apologia dos príncipes ou generais em feitos singulares, senão com a sociedade global, e com a reconstrução dos fatos em série passíveis de compreensão e explicação.4 Não é por acaso que, ao buscar cobrir a vida humana como um todo e não apenas os indivíduos “especiais”, e, portanto, ampliando seus horizontes no espaço e no tempo, o estudo da História passou por uma profunda especialização. “Ai no quadro das Histórias especiais, ganhou vulto, sobretudo em nossos dias, a Econômica, exigida pela realidade” (IGLESIAS, 1970, p. 9). De fato, a História Econômica como tal ganhou força no Brasil principalmente a partir de Caio Prado Jr. Mas, desde o século XVI, é possível reconhecer obras que podem hoje ser chamadas de sementes da historiografia econômica. É o caso de Tratado descritivo do Brasil (1587), de Gabriel Soares de Souza; Diálogo das Grandezas do Brasil (1618), de Ambrósio Fernandes Brandão e Cultura e Opulência (1711), de Pe. Antonil. De caráter fundamentalmente descritivo, funcionam hoje como fontes para a historiografia propriamente dita. O mesmo acontece com os ricos relatórios de províncias e de viajantes da colônia. 4 VAINFAS, Ronaldo. Micro-história: os protagonistas anônimos da história. Rio de Janeiro: Campus, 2002, p. 17 13 É em 1935, com a publicação de Evolução econômica do Brasil por John F. Normano, já com enfoque mais quantitativo e com a presença de dados estatísticos e fontes primárias, que a História Econômica amadurece profundamente. Influenciado por João Lúcio de Azevedo, que, em 1928, publica Épocas de Portugal econômico: esboços de história, Normano sistematiza a noção de ciclo econômico no período colonial, balizando a obra de autores essenciais na historiografia econômica, tais como Roberto Simonsen, Celso Furtado e o próprio Caio Prado Jr. De acordo com Normano: A história da economia brasileira (...) constitui, na verdade, a história do aparecimento e desaparecimento por assim dizer de sistemas econômicos inteiros em que uma nação baseia sua existência. A sua característica principal é a permanente mudança das condições dos produtos que poderemos chamar de “produtos reis”. Açúcar, cacau, ouro, fumo, borracha, café – cada um desses produtos tem seu lugar na história do país e foram, cada um no seu tempo, o “eixo” da economia nacional (ou estadual), dando ao Brasil uma supremacia mundial temporária.5 A primeira obra que de fato pode ser considerada como de História Econômica é História econômica do Brasil (1500-1820), publicada em 1938 por Roberto Simonsen, onde o autor consolida em definitivo a ideia de ciclo econômico. Falta, entretanto, o aspecto totalizante da economia nacional no período colonial, aquilo que norteia todo o processo. Na visão de muitos autores mais recentes, tais como Maria Yedda Linhares, a proposta de Simonsen acabou resultando numa visão compartimentada e estanque da história econômica brasileira no período em análise. 5 NORMANO, John F. Evolução econômica do Brasil. 2.ed. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1945, p. 23 14 Essa lacuna será preenchida justamente por Caio Prado em seu Formação do Brasil Contemporâneo, caracterizando um salto qualitativo frente a Simonsen. Prado é quem, por enxergar o processo econômico globalmente, vai mostrar um quadro que não se altera apesar das distintas atividades econômicas ao longo da colonização, que possui “uma forma homogênea e única”, como diria Alice Canabrava. Foi esse mesmo autor que percebeu algo mais profundo que a mudança do “produto-rei” de Normano: a integração do Brasil à lógica capitalista mercantil das metrópoles europeias, pontuando uma estrutura fundamentalmente exportadora nos trópicos. Em suma, foi Caio Prado Jr. quem percebeu que os ciclos econômicos são manifestações distintas de uma realidade quase que petrificada ao longo dos mais de 300 anos de colonização. No seu conjunto, e vista no plano mundial e internacional, a colonização dos trópicos toma o aspecto de uma vasta empresa comercial, mais completa que a antiga feitoria, mas sempre com o mesmo caráter que ela, destinada a explorar os recursos naturais de um território virgem em proveito do comércio europeu. É este o verdadeiro sentido da colonização tropical, de que o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução históricas dos trópicos americanos.6 Além dessa visão totalizante e estrutural da economia colonial brasileira, marcante na obra de Prado, outros aspectos que nortearam sua obra deram a seus estudos um salto qualitativo e uma posição de destaque dentro da intelectualidade se o compararmos com autores anteriores e até mesmo contemporâneos. O primeiro deles é a consideração dada às especificidades históricas (algo compartilhado inclusive por Celso Furtado), analisando os quadros conjunturais, evitando e criticando a defesa da aplicação irrestrita 6 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Ed. Brasiliense. 15 dos modelos econômicos internacionais clássicos. Em seu História e desenvolvimento (1972), entrando em discordância com as teses de W. W. Rostow, Prado explica: A ideia central consiste em figurar como ponto de partida do desenvolvimento moderno aquilo que se denominaria ‘sociedade tradicional’, que compreenderia genericamente todas as formas econômico-sociais que precederam o capitalismo industrial. Mas não se tratará de caracterizar essa ‘sociedade tradicional’, determinar suas relações de produção e trabalho; (...). (...) defini-la como momento ou fase de um processo evolutivo. E sim unicamente marcar com ela um ponto de partida cômodo onde fosse possível situar o modelo de crescimento econômico de antemão preparado. Em suma, a ‘sociedade tradicional’ não se caracteriza por si e em si; e sim apenas em contraste com o que vem depois dela (...).7 O segundo fator fundamental é a perspectiva totalizante, aquela que refletiaa paixão de compreender o Brasil como um todo, numa visão global e que teve como grandes representantes, além de Caio Prado: Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado e Raimundo Faoro. Finalmente, é necessário frisar a relação pradiana entre teoria e a práxis política: a história não poderia se resumir à academia, antes ela deveria funcionar como instrumento para a militância ativa. A compreensão da realidade brasileira com vias a estimular a luta política. As descobertas históricas estavam longe de servir apenas para verificação, mas sim para abrir caminho para movimentos de combate à injustiça social e que pudessem levar a um desenvolvimento mais sólido. 7 PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1972, p. 25 16 II O sentido da colonização O início dessa que é uma das maiores obras de Caio Prado Jr. trata especificamente das motivações e do direcionamento que foi dado à experiência colonizadora no Brasil. Basicamente, o “sentido da colonização” ao que o autor se refere baseia-se na exploração dos recursos naturais do território descoberto, atendendo às demandas do mercado europeu, que ganhava cada vez mais força. Assim, a colonização nos trópicos teve, desde o introito, o aspecto de uma vasta empresa. É justamente desse sentido que resulta os fundamentos econômico e social da formação e evolução históricas do território brasileiro. Mas, nas palavras do próprio autor: (...) um tal caráter mais estável, permanente, orgânico, de uma sociedade própria e definida, só se revelará aos poucos, dominado e abafado que é pelo que o precede, e que continuará mantendo a primazia e ditando os traços essenciais de nossa evolução colonial8. Mesmo que, num dado momento histórico, já fosse possível observar a estabilidade e a organicidade na colônia9, tal fator nunca foi capaz de eliminar aquilo que o autor chama de “linha-mestra” da colonização: o fornecimento dos gêneros tropicais, raros na Europa e, portanto, com alto potencial de lucratividade para a metrópole, tais 8 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, pp. 28-29. 9 É o que quis dizer Gilberto Freyre ao afirmar que, na experiência colonizadora, formou-se “uma sociedade com característicos nacionais e qualidades de permanência” (FREYRE, p. 16). 17 como o açúcar, o tabaco, os minérios preciosos, o café, etc. Eis a essência da formação brasileira e dela derivaram todas as atividades econômicas realizadas no Brasil até sua emancipação política. Como já foi visto, Caio Prado Jr. teve, em toda sua trajetória política e acadêmica, a influência da metodologia e da análise histórica marxista, o que lhe deu um olhar atento para as estruturas socioeconômicas que moldaram a tessitura social brasileira. Essa “preocupação pradiana” fez com que o autor analisasse com demasiada atenção o caráter de permanência de muitos elementos coloniais aparentemente anacrônicos, mas que estavam, no momento em que Prado escreve Formação do Brasil contemporâneo, profundamente arraigados, dando ao processo de modernização nacional um caráter conservador, uma vez que as mudanças, ao longo de quatro séculos até a publicação da obra, não foram capazes de romper esses obstáculos impostos pelo “sentido da colonização”. Ainda segundo o próprio autor: É esta em suma a conjuntura em que hoje se encontra a economia brasileira como resultante do processo histórico em que ela se formou e evoluiu até nossos dias (...). Conjuntura esta onde se insinuam as contradições em que se debate a economia brasileira e que se configuram sobretudo na permanência de um sistema que vindo do passado e embora já obsoleto e anacrônico, persiste e põe obstáculos ao desenvolvimento (...)10. É nesse sentido que é possível notar a ligação da obra pradiana com a práxis política do autor (outro fruto de sua ligação profunda com o marxismo), na medida em que Caio Prado escreve seus principais textos sempre como instrumento, ou melhor, estímulo às mudanças revolucionárias, aquelas que produzem abalos estruturais na economia e no corpo social e que, na visão do autor, são as únicas capazes de varrer toda 10 PRADO JÚNIOR, Caio. História e desenvolvimento. São Paulo: Brasiliense, 1972, p. 91-92 18 essa “permanência deletéria” de elementos chave da nossa colonização. Ainda assim, toda essa análise foi construída “com certa obsessão. Nesse sentido, a projeção que [o autor] faz para o Brasil não é nada animadora” (AMARAL LAPA, 1999, p. 263). Embora a obra trate da experiência colonizadora como um todo, o autor se utiliza de um recorte temporal preciso: a primeira metade do século XIX. A escolha não é inocente e, muito menos, fortuita. Na realidade, é nesse momento em que temos a expressão plena e mais clara de todos os elementos da colonização, quando essa etapa de nossa formação econômica e social estava mais bem sedimentada. É também a localização temporal onde se inicia um processo de transformação e renovação, apesar de seu caráter conservador, como observamos acima. A partir dos primeiros cinquenta anos dos “oitocentos”, portanto, é que Prado se dispõe a “olhar para trás” e entender o que foi, do ponto de vista econômico e social, a colonização do Brasil. É fato consumado que, ao longo dos primeiros trezentos anos de existência do Brasil, não faltaram peculiaridades fenomênicas. Só o exemplo econômico nos fornece inúmeros ciclos de atividade produtiva, com distintos polos de concentração de capitais e mão-de-obra. Todas elas, no entanto, acabam ofuscando, de acordo com Caio Prado, o sentido, a “linha-mestra”, os determinantes fundamentais da colonização. Adentrando numa profundidade de análise um pouco maior, o autor poderá, por sua vez, compreender que “não sofremos nenhuma descontinuidade no correr da história da colônia” (PRADO, 2011). Por outro lado, a nossa colonização, com seu sentido e inclusive com seus “incidentes” secundários, faz parte de um todo maior, inserindo-se na lógica capitalista do mercado europeu a partir do século XVI. Compreendido o sentido da colonização e seu caráter mais profundo em relação aos incidentes fenomênicos, Prado nos leva à conclusão de que o caráter desse momento histórico da formação brasileira não poderia ser diferente do que foi, ou seja, que a 19 existência da agro exportação, com vistas a atender à demanda do mercado capitalista europeu, foi uma consequência natural e necessária de algumas condições: “o caráter tropical da terra, os objetivos que animam os colonizadores, as condições gerais dessa nova ordem econômica do mundo que se inaugura (...)” (PRADO, 2011, p. 124). Quanto às condições naturais e físicas da colônia, as descrições de Gilberto Freyre servem bem para o esclarecimento: O português vinha encontrar na América tropical uma terra de vida aparentemente fácil; na verdade dificílima para quem quisesse aqui organizar qualquer forma permanente ou adiantada de economia e de sociedade. Se é certo que nos países de clima quente o homem pode viver sem esforço da abundância de produtos espontâneos, convém, por outro lado, não esquecer que igualmente exuberantes são, nesses países, as formas perniciosas de vida vegetal e animal, inimigas de toda cultura agrícola organizada e de todo trabalho regular e sistemático (...). Foi dentro de condições físicas assim adversas que se exerceu o esforço civilizador dos portugueses nos trópicos. Tivessem sido aquelas condições as fáceis e doces de que falam os panegiristas da nossa natureza e teriam razão os sociólogos e economistas que, contrastando o difícil triunfo lusitano no Brasil com o rápido e sensacional dos ingleses naquela parte da América de clima estimulante, flora equilibrada, fauna antes auxiliar que inimiga do homem, condições agrológicas e geológicas favoráveis, ondeesplende a formidável civilização dos Estados Unidos, concluem pela superioridade do colonizador louro sobre o moreno11. Além das condições físicas mostradas acima, Caio Prado analisa também o estilo do colono que se dirigiu ao Brasil no início de sua colonização. Tendo em vista as adversidades naturais, o português que chegava aos trópicos, marcado por sua origem 11 FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. 51ª ed. rev. São Paulo: Global, 2005, p. 78 20 nobre e fidalga em Portugal, não se predispôs a uma vida de trabalhador, vivendo para a simples subsistência. Na realidade, o colono na América portuguesa é (...) o empresário de um grande negócio. Vem para dirigir: e se é para o campo que se encaminha, só uma empresa de vulto, a grande exploração rural em espécie e em que figure como senhor, o pode interessar. Vemos assim que, de início, são grandes áreas de terras que se concedem no Brasil aos colonos. (...) Nenhum daqueles colonos (...) aceitaria outra coisa12. Percebe-se, portanto, que a agro exportação, comandada por um senhor, está, no caso da colonização brasileira, intimamente associada ao latifúndio, a essas enormes porções de terra que foram distribuídas (sob o nome de “sesmarias”) aos colonos portugueses dirigentes e onde se realizava a produção em escala para fornecer ao mercado capitalista europeu gêneros tropicais. Finalmente, falta delinear o caráter da mão-de-obra. Tendo em vista o estilo da atividade econômica (realizada em larga escala, exigindo quantidade massiva de trabalhadores) e a predisposição do colono português para dirigir ao invés de trabalhar, vemos que o trabalho compulsório de africanos escravizados era mais que bem-vindo. Caio Prado nos confirma isso ao dizer: Com a grande propriedade monocultural instala-se no Brasil o trabalho escravo. Não só Portugal não contava com a população suficiente para abastecer sua colônia de mão-de-obra, como também, já o vimos, o português, como qualquer outro colono europeu, não emigra para os trópicos, em princípio, para se engajar como simples trabalhador assalariado do campo. A escravidão torna-se assim uma necessidade (...)13. 12 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 124 13 Idem, p. 126-127 21 Assim, o cerne da colonização brasileira, a célula fundamental que dá o sentido dessa etapa de nossa formação econômica e social, que caracteriza a chamada “linha- mestra” reside na grande propriedade, sustentada pelo trabalho escravo, comandada pelo empresário português e que existe como uma inserção, um elo na lógica mercantil do capitalismo europeu em consolidação. O Brasil, portanto, assume o mero papel de fornecedor de gêneros tropicais, altamente lucrativos para a metrópole, na divisão internacional do trabalho da época. Esse modelo de produção, essa estrutura produtiva nem de longe, na visão de Caio Prado, foi um modelo eleito dentre outros possíveis. Como já foi visto, foi uma consequência natural e imposta pelas condições internas e externas que moldaram nossa experiência colonizadora. Assim, a única via possível era a colonização de exploração, tornando inimaginável, em território brasileiro, a de povoamento14. O autor não se limita a analisar somente a grande produção agrária, por mais que ela seja o núcleo básico de nossa evolução econômica e social. Para ele, outras duas atividades foram marcantes em nossa formação e legaram as bases de nosso desenvolvimento: a mineração e o extrativismo. Ambas, porém, são muito semelhantes, na sua essência, à plantation: Mutatis mutandis, a mineração, que a partir do século XVIII formará a par da agricultura entre as grandes atividades da colônia, adotará uma organização que afora as distinções de natureza técnica, é idêntica à da agricultura. (...) É ainda a exploração em larga escala que predomina: grandes unidades, trabalhadas por escravos (...). O terceiro setor das grandes atividades fundamentais da economia brasileira é o extrativo. Organizar-se-á de forma diferente, porque não terá por base a propriedade territorial (...); os 14 Prado utiliza esses termos tomando como base o trabalho de Leroy-Beaulieu, que consagrou a dicotomia “povoamento-exploração” em sua obra De la colonisation chez les peuples modernes. 22 colhedores têm a liberdade de se dirigirem para onde lhes convenha nesta floresta suficiente para todos que forma uma propriedade comum (...). Trata- se em suma de uma exploração primitiva e rudimentar (...). Mas afora isto, a extração não se distingue, na organização de seu trabalho e estruturação econômica, dos demais setores da atividade colonial. Encontra-se aí o empresário, embora não seja proprietário fundiário como o fazendeiro e o minerador, mas que dirige e explora, como estes, uma numerosa mão-de-obra que trabalha para ele e sob suas ordens15. Cabe agora analisar, a partir da perspectiva pradiana, as decorrências estruturais desse modelo econômico existente na experiência colonizadora. Além de se constituir como um mero fornecedor de gêneros para o mercado europeu na divisão internacional do trabalho (algo que já havíamos notado), Prado percebe uma intensa concentração da riqueza nas mãos dos colonos dirigentes e, intimamente relacionado a isso, um imenso vácuo social (em termos qualitativos) numa estratificação marcada por dois polos da produção: os senhores e os escravos. É justamente nessa lacuna social que o autor encontra aquilo que ele chama de “formas inorgânicas da vida social”, marcadas pela marginalização, pela miserabilidade, pela escassez de recursos materiais disponíveis à população que não estava nas pontas, pela extrema degradação moral, pela inutilidade e indigência, ajudando a constituir uma “casta numerosa de vadios” (PRADO, 2011, p. 299-301). É necessário pontuar que toda essa descrição pradiana bruta e com deslizes preconceituosos, por mais que o autor norteie sua obra pela práxis política de viés revolucionário, pode gerar efeitos colaterais indesejados. Nas palavras de Iraci del Nero: Parece-nos desnecessário lembrar que tratar tal povo como inexistente [à la Couty] ou categorizá-lo, sem mais, como composto de marginais sociais significa reproduzir as ideologias próprias das velhas elites 15 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 117-118. 23 dominantes e abrir as portas para teses simplistas como a que reduziu a questão social a uma questão de polícia16. O autor de modo algum se deixa esquecer da existência de um mercado interno na colônia. Mas, Caio Prado secundariza sua importância, colocando esse setor da economia como “de pouca monta, será subsidiário e destinado unicamente a amparar e tornar possível a realização daquele fim essencial” (PRADO, 2011, p. 123). É certo que a perspectiva pradiana clássica não nega um efetivo crescimento do mercado interno ao longo do período colonial: fatores, como o crescimento populacional, além de outros que invariavelmente alteraram o quadro inicial que moldou o desenvolvimento, certamente deram maior dinamismo e autonomia, dando mais vida a um setor econômico propriamente nacional. Mas, (...) aquele crescimento é muito mais quantitativo que qualitativo (...). Em substância, nas suas linhas gerais e caracteres fundamentais de sua organização econômica, o Brasil continuava, três séculos depois do início da colonização, aquela mesma colônia visceralmente ligada (...) à economia da Europa; simples fornecedora de mercadorias para o seu comércio. Empresa de colonos brancos acionada pelo braço de raças estranhas, dominadas mas ainda não fundidas pela sociedade colonial17. Estudos mais recentes sobre esse momento histórico do Brasil e sobre o paradigma pradiano, porém, contestam essa afirmação pouco flexível de Caio Prado, chegando à conclusão de que, emconjunturas e regiões específicas, esse setor “propriamente 16 DEL NERO DA COSTA, Iraci. Repensando o modelo interpretativo de Caio Prado Júnior (parte I). São Paulo: Informações fipe, fevereiro de 2007, p. 26. 17 PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Companhia das Letras, 2011, p. 130. 24 nacional” obteve autonomia, importância e dinamismo de relevância tão grande quanto à do setor externo, voltado para o fornecimento de gêneros18. 18 É o que nos diz José Roberto do Amaral Lapa: “quanto à existência ou não de um mercado interno no Brasil, dentro do sistema colonial, bem como ainda chamamos de comércio intercolonial, (...) para nós, ambos esses mercados conseguem em diferentes conjunturas e regiões da colônia apresentar um certo grau de autonomia e dinâmica, capaz de conferir-lhes um desempenho que não está necessariamente atrelado à grande lavoura de exportação.” (DO AMARAL LAPA, José Roberto. Caio Prado: Formação do Brasil contemporâneo. In: MOTA, L. D. (Org). Introdução ao Brasil: um banquete no trópico. 2. ed. São Paulo: Editora SENAC, 1999, p. 265). 25 III O sentido profundo da colonização Trataremos, neste capítulo, da análise do historiador Fernando A. Novais a respeito da colonização na América Portuguesa, tomando como base o capítulo Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial, parte de seu livro intitulado Portugal e Brasil na crise do antigo sistema colonial. A interpretação de Novais, segundo o próprio autor, guarda proximidade com o paradigma pradiano a respeito da experiência colonial. Novais absorve a perspectiva de Caio Prado Jr., não a nega, mas procura aprofundá-la e alargar seu campo de visão. Ele busca entender a colonização portuguesa no trópico, assim como toda a expansão ultramarina europeia, como um dos elos do processo de formação do capitalismo a partir da decomposição das bases materiais feudais. Nas suas palavras: ‘Brasil’, é claro, não existia, senão como colônia, e é da colônia portuguesa que trata Caio Prado Jr.: a questão é saber se não seria preciso a consideração do conjunto do mundo colonial. Expansão comercial europeia é, na realidade, a face mercantil de um processo mais profundo, a formação do capitalismo moderno; a questão é saber se não seria preciso procurar as articulações da exploração colonial com esse processo de transição feudal- capitalista.19 Caio Prado, na visão do autor, acaba sendo mais específico, analisando fundamentalmente o modelo de produção agrária que vigorou na colônia tropical e sua 19 NOVAIS, Fernando. Sobre Caio Prado Júnior. In: Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosac Naify, 2005, pp. 288-289. 26 articulação com os interesses e diretrizes da metrópole lusitana. Fernando Novais, por sua vez, pretende alargar a análise e entender o papel das colônias na formação do capitalismo moderno. Seria possível, não obstante, afirmar que a perspectiva pradiana aborda implicitamente o “sentido profundo da colonização”. Caio Prado não deixa de frisar que a colonização tropical é um detalhe, um episódio que se encaixa nesse contexto de formação de uma nova ordem econômica. Mas, em suma, entende o processo de exploração ultramarina somente como um “capítulo” da história comercial europeia, marcada pelo estabelecimento de novas rotas, fenômeno este que transformou o quadro geopolítico de forças no velho continente. É nesse sentido que a análise pradiana, embora válida, acaba sendo insuficiente para a proposta de Novais, que, por sua vez, busca aprofundar o conceito. Assim, o autor relaciona a colonização com a formação dos Estados nacionais modernos (fenômeno que hoje se convenciona chamar de Antigo Regime), momento histórico em que inclusive se deu a “hegemonia” das políticas econômicas da “escola mercantilista”20. O esforço de aprofundamento, portanto, acaba levando Novais a entender as articulações das colônias com as normas mercantilistas, permitindo que o autor enxergue, a partir dessa compreensão, uma forma particular de exploração colonial, diferente de todas as outras experiências pretéritas de colonização pelas quais passou a civilização. Nas palavras de 20 Alguns historiadores, tais como o sueco E. Hecksher, entendem sim o mercantilismo como um corpo teórico bem sedimentado, apesar de não ser tão harmônico como outras escolas econômicas (clássica, neoclássica, marxista, keynesiana, etc.). O próprio Novais admite: “É importante destacar, desde já, e a partir dessa formulação básica, que a doutrina mercantilista tem o imediato objetivo de formular normas de política econômica, parte dessa problemática e só para justificar o seu receituário é que se alça à formulação duma teoria explicativa da vida econômica como tal. Não parte de conceitos puros e de uma sistemática explicação da economia para deduzir normas de intervenção nesta realidade, senão percorrer quase o caminho inverso; paralelamente, as preocupações de seus doutrinadores não ultrapassam as fronteiras de suas respectivas nações” (NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São Paulo, 1990, p. 6) 27 Postlethwayt, um economista britânico do século XVIII, defensor das práticas mercantilistas: “as colônias devem (...) dar à metrópole um maior mercado para seus produtos; (...) ocupação a seus manufatureiros, artesãos e marinheiros; (...) fornecer-lhe uma maior quantidade dos artigos de que precisa” (Apud. NOVAIS, 1990, p. 16). De fato, a colônia acabou servindo como um dos principais suportes às políticas mercantilistas, justamente num momento em que a concorrência entre as metrópoles europeias se intensificava, diminuindo os ganhos extraordinários. Percebe-se, assim, com o que foi exposto, que a colonização nos trópicos, para Novais, não poderia ter tido outro direcionamento além daquele marcado pela exploração mercantil, alicerçada na grande propriedade agrária sustentada pelo trabalho escravo (do qual trataremos adiante com mais detalhe), permitindo, dessa forma, o fornecimento de gêneros naturais altamente lucrativos para a metrópole21. A segunda “etapa” desse esforço de aprofundamento consiste, para Novais, justamente em entender as ligações existentes entre a colonização e a formação do Ancien Régime, ou seja, as articulações do novo mundo com a formação dos Estados nacionais europeus. Segundo o autor: Absolutismo, sociedade estamental, capitalismo comercial, política mercantilista, expansão ultramarina e colonial são, portanto, parte de um todo, interagem reversivamente neste complexo a que se poderia chamar, mantendo um termo da tradição, Antigo Regime. São no conjunto processos correlatos e interdependentes, produtos todos das tensões sociais geradas na desintegração do feudalismo em curso, para a constituição do modo de produção capitalista (...). Enquanto, porém, o último passo não era alcançado, a economia capitalista comercial, e pois a burguesia mercantil ascendente não 21 Percebe-se que, embora o autor entenda que Prado tenha ficado “no meio do caminho”, é impossível não notar aproximações e conexões muito profundas entre as análises históricas de ambos, principalmente no que tange à essência da exploração colonial no trópico. 28 possuía ainda suficiente capacidade de crescimento endógeno; a capitalização resultante do puro e simples jogo do mercado não permitia a ultrapassagem do componente decisivo – a mecanização da produção.22 A colonização, portanto, serviu, nesse processo de inserção na transição, como mecanismo importante de acumulação originária/primitiva de capital. Originária, nos termos marxistas, justamente porque o processo endógeno de acumulação (aquele pautado, como Marx explicitou brilhantemente nos primeiros capítulos de sua Magnum oppus, pela valorização do valor, extração de mais-valiaa partir do uso da força de trabalho do proletariado; em suma, pelo esquema ampliado de circulação capitalista de mercadorias: D – M – Processo produtivo, uso de força do trabalho – M’ – D’, com D’>D) ainda não era viável em larga escala, permitindo que o capitalismo amadurecesse e “andasse com as próprias pernas”, fazendo-se uso, com isso, de “pontos de apoio fora do sistema, induzindo a uma acumulação que, por se gerar fora do sistema, Marx chamou de originária ou primitiva” (NOVAIS, 1990). Assim, o autor destaca dois mecanismos, intrínsecos à exploração colonial, que se tornaram cruciais para a acumulação originária: exclusivo metropolitano e trabalho escravo. Ambos, cada um de um modo particular, permitiram considerável transferência de recursos e rendas para as metrópoles. O exclusivo metropolitano era o principal mecanismo gerador de lucros extraordinários no comércio colonial, que se operacionalizava através do esquema “monopólio-monopsônio” ou “monopólio bilateral”: a colônia deveria fornecer seus gêneros apenas para sua metrópole, a qual, por sua vez, seria a única permitida a vender produtos manufaturados para a colônia. Monopólio na demanda, assim como na oferta, permitindo uma manipulação dos preços que deprimia absurdamente a cotação dos 22 NOVAIS, Fernando. Estrutura e dinâmica do antigo sistema colonial. São Paulo, 1990, pp. 31- 32) 29 gêneros e inflava o valor dos manufaturados. O resultado não poderia ser outro além da sistemática transferência de renda e recursos para o continente europeu. É bem verdade que o regime do exclusivo não era de uma rigidez impenetrável. Na realidade, foram comuns casos de concessões (principalmente em momentos de dificuldade financeira, como no caso português após a Restauração de 164023), de roubo e contrabando. Tais brechas, porém (...) se situam mais na área da disputa entre as várias metrópoles europeias para se apropriarem das vantagens da exploração colonial – que funciona no conjunto do sistema, isto é, nas relações da economia central europeia com as economias coloniais periféricas. Não atingem, portanto, a essência do sistema de exploração colonial.24 A escravidão, por sua vez, era a forma de trabalho par excellence para sustentar a acumulação originária. Na medida em que as colônias se relacionavam com o comércio especificamente colonial, necessitava-se de uma produção em larga escala, em grandes propriedades, de gêneros tropicais que pudessem garantir lucros comerciais extraordinários, possibilitando uma transferência consistente de renda. O trópico se moldou ao sistema mercantil vigente e, com isso, fazia necessária a imposição de um modelo de trabalho que foi recuperado após longo período de “esquecimento”: o escravismo. Chega a ser aparentemente contraditório que, em economias integradas ao capitalismo, o qual ganhava força justamente pelo desatamento dos laços servis de produção e pela dupla libertação do trabalhador (livre do jugo do senhor feudal, livre dos 23 “É bem verdade que (...) a monarquia ibérica se debatia em dificuldades financeiras enormes, o que levou o rei de Espanha e Portugal, apesar das novas proibições (por exemplo, em 9/2/1591), à concessão de licenças especiais, o que chegou a ponto de permitir um tráfico regular direto com Hamburgo que movimentou 19 navios entre 1590 e 1602” (Idem, p. 49) 24 Ibidem, p. 66 30 meios de produção que utilizava para sua subsistência), fosse necessário e plausível o uso de trabalho compulsório. Sabemos que o modo de produção típico do sistema capitalista se baseia no regime assalariado de trabalho. É ele que permite, a partir da transformação da força de trabalho em mercadoria, a generalização da produção para o mercado, assim como a acumulação endógena de capital: inverte-se capital, permitindo a produção e venda de mercadorias; realiza-se a extração da mais-valia a partir do uso da força de trabalho, após a remuneração dos fatores de produção, ocorre nova inversão em escala ampliada. O fluxo do capital, sua rotação, é muito mais rápida e dinâmica, ao passo que a escravidão, que exige uma manutenção constante da mercadoria-escravo, assim como um pagamento prévio por ela (a compra do escravizado), emperra o fluxo e bloqueia a flexibilidade. Cabe inclusive dizer que a existência de escravismo impede inclusive o ajuste da mão-de-obra (consequentemente da produção) às flutuações de demanda no mercado (não se pode dispensar algo que é sua propriedade, no caso o escravo). Por que, então, o uso de escravos nos trópicos? Para isso, Novais recorre ao marxista E. Williams25. Este, entendendo as condições históricas que articularam as relações econômicas entre as colônias e a Europa, entende a adequação daquelas, como já frisamos, ao processo de emergência do capitalismo (ainda em sua forma comercial), funcionando como alicerces da acumulação originária. Essa especificidade das colônias exigia o uso de formas compulsórias de trabalho, do contrário, a abundância de terras livres permitiria a formação de núcleos de povoamento, com produção voltada para a subsistência e o mercado interno, totalmente desvinculada da economia mercantil europeia, travando os impulsos expansionistas do capitalismo europeu. A escravidão, portanto, não foi um delírio dos dirigentes 25 Cf. Eric Williams – Capitalism & Slavery, 2ª ed, N. York, 1961, pp. 3-7. 31 econômicos. Foi, na verdade, uma imposição das especificidades conjunturais das colônias, nas suas articulações históricas com a transição para o capitalismo moderno. Na dialética do movimento histórico, porém, Williams nos mostra que, na medida em que o trabalho escravo estimulou e alicerçou a formação do capitalismo industrial, este, no seu apogeu em pleno século XIX, “se virou e destruiu a força motriz do capitalismo mercantil, a escravidão, e todo seu funcionamento” (WILLIAMS, 2012). Fator fundamental (apesar da importância das observações de Willians para a análise do autor), entretanto, segundo Novais, que tornou preferível a escravização africana nas colônias é o novo setor comercial que se impulsiona por meio dela: o tráfico negreiro. Este era extremamente lucrativo para os mercadores europeus, garantindo uma outra linha de transferência de renda. A acumulação, aqui especificamente, não surgia da produção de gêneros com mão-de-obra escrava, nem com o monopólio bilateral do exclusivo metropolitano, mas sim do próprio tráfico de pessoas coisificadas, mercantilizadas. A escravização indígena, supostamente recusada por conta da “indolência do nativo brasileiro”, fomentava, na verdade um negócio, a caça, fundamentalmente interno, diminuindo a transferência de renda e recursos. Parece paradoxal, mas, para Novais, “é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a escravidão africana colonial, e não o contrário” (NOVAIS, 1990). 32 IV História e subdesenvolvimento: a contribuição de Celso Furtado A análise deste capítulo consiste fundamentalmente no esclarecimento das contribuições do célebre economista Celso Furtado para o pensamento econômico brasileiro, assim como para a sedimentação do estudo do subdesenvolvimento da periferia do capitalismo. O texto que embasa nossas palavras é o de Francisco de Oliveira: Celso Furtado e o pensamento econômico brasileiro26. Antes de mais nada, é primordial ressaltar como Furtado, com brilhantismo, foi capaz de unir tanto sua formulação econômica teórica com sua práxis política. Nas palavras de Oliveira, Furtado foi (...) uma rara figura intelectual e homem de ação. Essas duas qualidades poucas vezes vêm juntas, e no Brasil infelizmente essa coincidência é ainda mais escassa. Alguns notáveis estruturadores do pensamento social brasileiro ou não experimentaram por em ação sua doutrina ou não tiveram essa chance; de outro lado, a maioria dos homens públicos brasileirosnão têm doutrina – são apenas políticos profissionais, uns mais florentinos, outros mais malufados, quase todos o avesso do avesso: pensam-se heróis, e são anti- heróis; como o personagem Macunaíma, têm em comum apenas a falta de caráter27. 26 Capítulo elaborado para a obra Inteligência brasileira, organizada por Reginaldo Moraes, Ricardo Antunes e Vera B. Ferrante. São Paulo: Brasiliense, 1986. 27 OLIVEIRA, Francisco de. Celso Furtado e o pensamento econômico brasileiro. In: Inteligência brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1986, p. 47. 33 De fato, Furtado ficou marcado por, sempre em que esteve na chefia de um cargo importante (como na Sudene ou até mesmo no Ministério do Planejamento), concretizar suas formulações teóricas, ou pelo menos se esforçar para tal, nas políticas econômicas. Mas de onde emerge o pensamento furtadiano e quais as suas características centrais? Quais as influências mais profundas? Essas perguntas merecem maior atenção. Furtado inicia suas problematizações a partir de seus estudos na CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) no início da década de 1950. Lá é o ponto de partida do seu método dito “histórico-estrutural”, construído para explicar a formação econômica da periferia do capitalismo, enfatizando as conjunturas peculiares e as especificidades históricas dessas sociedades, mostrando como o desenvolvimento das mesmas é essencialmente distinto se comparado ao dos países centrais. Não é surpreendente, tomando como base o exposto, que Furtado venha a pensar reformas que acabem por ser igualmente distintas daquelas que vigoraram no centro do sistema. Esse “olhar furtadiano” para o desenvolvimento econômico mostra como “o esforço de teorização desse processo seria, necessariamente, original” (VIEIRA, 2007, p. 90): a análise econômica em perspectiva histórica. Interessa-nos, agora, ter contato com suas principais influências para a consolidação do mencionado método “histórico-estrutural”. A primeira delas vem justamente do pensamento “cepalino-keynesiano” do economista argentino Raúl Prebisch, um dos fundadores da CEPAL. Mas, de acordo com Francisco de Oliveira, “Furtado é mais aberto, alargando o campo de reflexão para além dos limites em que o economista trabalha” (OLIVEIRA, 2003, p. 41). De fato, Prebisch acaba realizando uma análise horizontal, enfatizando a descontinuidade estrutural entre o centro e a periferia do capitalismo, propulsionando dinâmicas distintas no desenvolvimento contemporâneo de ambos. Seu “discípulo” (assim diria Francisco de Oliveira), por sua vez, interessava-se 34 em “captar o desenrolar dos acontecimentos no tempo, o encadeamento dos fatores que perpetuavam o atraso clamoroso da economia brasileira” (FURTADO, 1997, p. 163). Acabava dando, portanto, um papel infinitamente maior para as causas históricas do subdesenvolvimento. A segunda influência está no pensamento econômico brasileiro. Aqui, Furtado trava diálogo profundo com o chamado “pensamento autoritário”, representado principalmente por O. Vianna e A. Torres, que, podemos assim dizer, dominou as Ciências Sociais até meados da década de 1930. O ponto de contato entre Furtado e esses autores, cotidianamente rotulados como membros da direita intelectual brasileira, surge na medida em que todos eles constroem uma interpretação a respeito do Estado Nacional, dando a ele o importante papel de principal veia condutora do desenvolvimento econômico do Brasil. Mas, Francisco de Oliveira nos alerta: Não se está dizendo, reitere-se, que há filiações entre Furtado e os autoritários clássicos brasileiros, o que de resto não seria infamante, já que eram intelectuais legitimamente preocupados com os destinos do país, (...) e, na história das ideias e das posições assumidas por intelectuais, filiações que desembocam em orientações diametralmente opostas são mais comuns que o contrário28. Mas, seria nula a participação daquele “sopro de radicalismo intelectual”, nas palavras de A. Candido, ou seja, não teria Furtado também buscado apoio em Freyre, Hollanda e Prado? Oliveira diz que sim. Apesar das obras dos três já terem sido publicadas muito antes da magnum opus de Furtado e, além disso, deles tratarem de temas cujo conteúdo é muito semelhante (a própria formação social e econômica do Brasil), 28 OLIVEIRA, Francisco de. Viagem ao olho do furacão: Celso Furtado e o pensamento autoritário brasileiro. In: A navegação venturosa: ensaios sobre Celso Furtado. São Paulo: Boitempo, 2003, p. 82. 35 Oliveira mostra que “Furtado não dialoga com os ‘novos clássicos’ da modernidade, a geração que justamente veio à luz na década de 1930” (OLIVEIRA, 2003, p. 60). Outros pesquisadores da historiografia econômica brasileira, como Rosa Maria Vieira, porém, discordam do posicionamento de Francisco de Oliveira, afirmando categoricamente que, na realidade, a “tríade” das ciências sociais na década de 1930 teve influência marcante na produção intelectual de Celso Furtado. A mesma afirma que Em síntese, o que se quer lembrar é que Celso Furtado, antes de ser um dos mais importantes teóricos da CEPAL, é um intelectual brasileiro herdeiro e continuador do movimento de intensa renovação do pensamento social que, a partir da década de 1930 (...) redescobriu o Brasil em termos de teoria e projeto nacional. Ignorar essas determinações nacionais é fechar uma dimensão essencial para o entendimento das razões do vigor explicativo e a força de convencimento de suas análises29. Se hoje é possível pensar a história econômica do Brasil em termos “furtadianos”, como afirmou Rosa Maria Vieira, é justamente graças à conjunção de dois fatores: “a força do moderno pensamento social brasileiro, nascido com os ares de 30, e o vigor da descoberta teórica do subdesenvolvimento” (VIEIRA, 2007, p. 88). Chegamos a ficar em dúvida, porém, se de fato há uma influência tão forte dessa tríade, principalmente de Caio Prado Jr., na obra de Furtado. Isso porque não há, no seu Formação Econômica do Brasil, referências bibliográficas extensas a esses autores. Tamás Szmrecsányi acaba por esclarecer nossa dúvida, afirmando que “o trabalho não passa de ‘um esboço do processo histórico de formação da economia brasileira’: por esse motivo, há uma omissão quase total de referências à bibliografia histórica” (SZMRECSÁNYI, 1999, pp. 207-214). A ausência de citações e referências, portanto, 29 VIEIRA, Rosa Maria. Celso Furtado: reforma, política e ideologia (1950-1964). São Paulo: EDUC, 2007, p. 88. 36 não elimina o fato de que Celso Furtado se baseia extensamente nas análises da “tríade” dos anos de 1930 para compor a sua própria formulação teórica. Toda a análise de nossa formação econômica se deu “à luz da documentação disponível e das ideias pioneiras de Gilberto Freyre (Casa Grande & Senzala) e de Caio Prado Jr. (Formação do Brasil Contemporâneo)” (SZMRECSÁNYI, 1999, pp. 207-214). Com a exposição acima, conclui-se que Celso Furtado se amparou em Caio Prado Jr. para formular toda sua produção intelectual a respeito do desenvolvimento (e do subdesenvolvimento) da economia brasileira. Esse quadro, porém, não elimina divergências nas propostas de resolução derivadas de análises que, embora dialoguem, têm distinções. Prado, como sabemos, era filiado, desde o início de sua vida acadêmica, à corrente teórica marxista. Propunha, com isso, a partir de sua formulação consistente a respeito de nosso processo de formação, a solução da superação revolucionária do atraso econômico e social. Havia, portanto, para Prado, uma relação intrínseca entre o atraso, refletido e materializado na miséria das massas, e a revolução política. Assim, a proposta pradiana “jamais poderia ter se transformado em pauta de ação para a burguesia, sendo ao contrário, parte da ampla cultura de esquerda que começava a se formar” (OLIVEIRA, 2003). Furtado,por sua vez, ignora essa vinculação tão forte entre revolução e subdesenvolvimento, preferindo a opção reformista, ao afirmar categoricamente que reformas “são necessárias para manter uma sociedade aberta e pluralista, que sobreviva às tensões de sua própria expansão/transformação” (OLIVEIRA, 2003, p. 25). Partindo de propostas reformistas de estabilização econômica, Furtado, diferentemente de Prado, acabou tendo respaldo das classes dominantes do Brasil. É nesse ponto que, retornando ao que foi dito no segundo parágrafo, ele conseguiu a amálgama entre formulação teórica e práxis política, o que acabou sendo “ao mesmo tempo, a força e a fraqueza do pensamento de Furtado” (OLIVEIRA, 2003). 37 É força na medida em que esse respaldo lhe permitiu a formulação de políticas econômicas marcadas pela implementação, no setor público, de suas teorias, buscando concretizar, nessas políticas, uma teoria industrial baseada na superação da dependência brasileira do centro capitalista, da divisão internacional do trabalho. Isso garante que Celso Furtado seja visto, até hoje, como um dos maiores economistas do Brasil. É, ao mesmo tempo, fraqueza justamente porque o mesmo, junto com a CEPAL, acabou funcionando como uma “arma ideológica poderosa a serviço da nova burguesia industrial emergente no Brasil e em outros países da América Latina” (OLIVEIRA, 2003) que buscava desvencilhar-se da subordinação ao capital internacional. Assim, esquecia-se de um movimento histórico dialético, baseado nos antagonismos entre as classes sociais (o que configura uma lacuna teórica), submetendo os oprimidos aos interesses “emancipacionistas” das elites, justificando essa prática com o uso do termo vago “interesses nacionais”. Apesar dessa dupla consequência da “amálgama furtadiana”, é inegável que sua contribuição foi extensa, profícua e inovadora. Furtado, ao enfatizar as especificidades históricas e conjunturais, encontrando a peculiaridade das economias periféricas, conseguiu se colocar como uma “terceira via” entre a teoria econômica neoclássica e o marxismo deturpado pelo stalinismo soviético (que se expandiu, infelizmente, ao longo de todo o século XX, ofuscando, eliminando e distorcendo obras fundamentais de Lênin, Luxemburgo, Trotsky, entre outros). Aquela é marcada pela ausência de uma análise histórica, focada quase que exclusivamente na modelagem econométrica para aplicações micro e macroeconômicas. O stalinismo deturpador, por sua vez, é dogmático, etapista, compartilhando uma visão estanque do desenvolvimento histórico das classes e das forças produtivas, colocando as economias subdesenvolvidas como um ponto numa curva linear da história, avançando de forma igualmente linear até o limite entre o capitalismo e a 38 revolução (como se a história fosse uma função de primeiro grau com inclinação positiva), esquecendo-se da possibilidade de rupturas e transformações multifacetadas, que comecem na periferia e não no centro. Torna-se, assim, não dialética, afastando-se totalmente do marxismo. 39 V Formação do Estado português e a expansão portuguesa quatrocentista Este capítulo se baseia na análise do historiador brasileiro Jacob Gorender a respeito da expansão ultramarina portuguesa nos séculos XV e XVI. O autor estuda, no quarto capítulo de seu livro O Escravismo Colonial30 (cujo nome é A sociedade portuguesa e a expansão ultramarina), as relações dessa expansão com a formação sócio- política lusitana prévia, tentando entender, a partir disso, o quão influente foi essa conexão no desenvolvimento econômico português após o período dos descobrimentos. Com base nisso, Gorender volta seus olhos para a formação do Estado Nacional português nos primórdios do milênio passado. É a peculiaridade de sua constituição que, na visão de nosso autor, atua, dialeticamente, como causa do pioneirismo português no comércio marítimo, transformando a expansão potencial em expansão efetiva31, e do declínio da economia lusitana na passagem definitiva do feudalismo para o capitalismo na Europa. Em linhas gerais, a precoce centralização monárquica lusitana se constrói a partir da Guerra de Reconquista. Eliminar a hegemonia muçulmana na porção portuguesa da Península Ibérica exigia uma unificação política que permitisse a acumulação de recursos 30 GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985. 31 Muita importância é dada a fatores geográficos quando se debate a respeito das causas do pioneirismo expansionista português. É bem verdade que a localização privilegiada (convém lembrar que Portugal está na saída do Mediterrâneo em direção ao Atlântico) contribuiu para a saída lusitana para os oceanos. Convém lembrar, entretanto, que a expansão se deu num ponto determinado do movimento histórico e não em qualquer outro. Assim, outros fatores foram ainda mais essenciais para efetivar a expansão. Aí reside o esforço de Gorender em estudar a formação do Estado Português. 40 materiais e humanos significativos. Contribuiu para tal o afluxo de estrangeiros (principalmente franceses naturais da Borgonha) que viam no combate militar a possibilidade de enriquecimento e conquista de novas terras. É o que nos mostra Rui Ramos, quando este fala que (...) foi sobretudo dessas paragens – da Borgonha, do Languedoc, da Aquitânia – que acorreram à Península Hispânica cavaleiros movidos pelo intuito de combater o poderio muçulmano e de buscar fortuna através da atividade guerreira e da conquista de novas terras. (...) [A] Península era, de fato, um palco privilegiado para a atuação de jovens membros da nobreza que não possuíam grande pecúlio ou que se viam arredados dos títulos nobiliárquicos e do patrimônio familiar.32 É nessa categoria de nobres que estavam os cavaleiros Raimundo e Henrique. Parentes dos condes e duques borgonheses, ambos partiram à Península Ibérica na busca do enriquecimento e da conquista fundiária. Atribui-se a essas figuras históricas o germinar da Dinastia Afonsina (1139-1383), consolidada com a vitória da casa portucalense, liderada por Afonso Henriques, sobre a casa leonina (chefiada por sua própria mãe Teresa de Leão). Passada a etapa inicial de centralização no século XII, o Estado português, no século XIII, inicia uma política régia cujo objetivo primordial era a concentração e o fortalecimento do poder real. É claro que o efeito mais imediato dessa diretriz – um efeito evidentemente desejado – era o enfraquecimento das casas nobiliárquicas, potenciais concorrentes ao comando estatal. A relação conflituosa que se estabelece a partir daí entre a nobreza e a Corte pode ser ilustrada pelas políticas de Afonso II (carinhosamente chamado de Afonso, “o Gordo”), o qual determinava que todos os títulos (bens, 32 RAMOS, Rui. História de Portugal. 6.Ed [1.Ed., nov. 2009]. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, p. 23. 41 privilégios e jurisdições) dos senhores feudais e até mesmo eclesiásticos “deveriam requerer a respectiva confirmação das propriedades e direitos por parte da Coroa” (RAMOS, 2010, p. 51). Ainda nas palavras de Ramos: Afonso II deu forma, desde o início de seu governo, a uma concepção de monarquia na qual o rei era soberano nas suas decisões e na sua atuação. Manifestava-se, assim, de modo precoce, um nítido propósito de concentração de poder por parte da Coroa. É claro que esse processo não foi simples nem linear. Mas estava dado o mote que seria, desde muito cedo, um elemento recorrente na História portuguesa: a monarquia enraizava-se e consolidava- se concentrando poder, procurando limitar e sobrepor-se aos poderes concorrentes.33 É nesse contexto que Gorender inicia sua problematização a respeito do caráter do Estado português. Afinal, Portugal, no início de sua história, era feudal? A resposta de nosso autor é positiva,apesar da ausência do feudo clássico em terras lusitanas. O autor ressalta, porém, a necessidade de se abstrair desse fator superestrutural para encontrar a verdadeira essência da sociedade e do Estado português no período do qual estamos tratando: “No Estado português, que começou a se formar no século XII, não se constituíram feudos (...). Mas, se abstrairmos deste aspecto da superestrutura e encararmos o feudalismo como um modo de produção, (...) [será possível identificarmos] os elementos fatuais conducentes à conclusão sobre a existência da época feudal na história do reino lusitano.34 É latente que Gorender, para chegar a essa conclusão, fia-se nas definições de Maurice Dobb sobre o significado de feudalismo. O historiador inglês, não se deixando levar pelas interpretações jurídico-institucionais (sugestivas, justamente porque o termo 33 Idem, p. 57. 34 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 4.ed. São Paulo: Ática, 1985, p. 105-106 42 feudalismo deriva de feudo, expressão cuja categoria é jurídico-institucional, ao contrário de capitalismo e mercantilismo, expressões de etimologia econômica), entende o feudalismo a partir de sua raiz econômica, associando sua existência à de um modo específico de produção: a servidão. Gorender, a partir de sua interpretação marxista, se choca com a leitura, a respeito do mesmo tema, de outro importante autor brasileiro: Raymundo Faoro. Pautado pela análise de cunho jurídico (exatamente oposta à de Gorender, como vimos), Faoro, partindo da inexistência da gleba rural típica, não encontrando, com isso, o título que empoderava o senhor feudal, conclui pela ausência das relações clássicas de suserania e vassalagem. Na realidade, a centralização monárquica acabou, logicamente, impossibilitando a fragmentação do poder real, tornando as casas nobiliárquicas uma continuação muito mais enfraquecidas, se comparadas com domínios de outras regiões da Europa no mesmo período. Faoro, com isso, conclui que Portugal se constituía, naquele contexto histórico, como um Estado patrimonial, portanto, e não feudal, o de Portugal medievo. (...) Na monarquia patrimonial, o rei se eleva sobre todos os súditos, senhor da riqueza territorial, dono do comércio (...), capaz de gerir as maiores propriedades do país, dirigir o comércio, conduzir a economia como se fosse empresa sua35. Em fins do século XIV, mais especificamente no ano de 1383, a Coroa Portuguesa entra em crise em função da morte de Dom Fernando I, instaurando um dilema sucessório que vai se situar exatamente num momento de explosão revolucionária: é a Revolução de 35 FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro (Edição comemorativa 50 anos). 4.ed. São Paulo: Globo, 2008, p. 38 43 Avis. Mais uma vez, Jacob Gorender entra em polêmica. Discutindo o caráter desse processo de ruptura, o historiador baiano entra em confronto teórico com o grande economista Celso Furtado. Furtado enxerga a Revolução de Avis como um momento de tomada do poder pela burguesia, a qual, por sua vez, já não possuía quaisquer laços com a nobreza feudal, interessada não na posse e nos privilégios enraizados no nascimento, mas sim nos ganhos comerciais, resultantes da diferença entre preço de compra e preço de venda. Gorender, por outro lado, entende a formação da Dinastia de Avis como uma “revolução nacional”. Isso porque o autor não enxerga uma mudança na estrutura de classes da sociedade portuguesa. A burguesia típica não alcançava o trono e suplantava o então setor dominante, como foi o caso das revoluções Puritana e Francesa de 1640 e 1789, respectivamente. Na realidade, houve um processo de “rejuvenescimento”, dando a nobreza um caráter cada vez mais aburguesado: é o reflexo de uma classe mercantil que, embora fora do comando social, galgava alianças com a Coroa na pretensão de atingir seus objetivos comerciais. Essa amálgama do Estado feudal português (extremamente peculiar, mas ainda assim feudal) com os interesses da burguesia insurgente servirá, para Gorender, como a base da expansão ultramarina lusitana. É ela que irá funcionar, como havíamos dito no início de nossa explanação, como vetor do pioneirismo e, simultaneamente, como obstáculo a um desenvolvimento capitalista sólido. De fato, foi na Dinastia de Avis que a expansão acabou atendendo a interesses, todos em íntima conexão, da nobreza, dos comerciantes e até mesmo da Igreja. A exploração oceânica acabou por elevar as disponibilidades de terra, permitindo à nobreza auferir maior renda; ampliou as unidades de pesca sob posse tanto de nobres como de mercadores; garantiu o monopólio da venda de gêneros naturais, possibilitando extensa lucratividade para Coroa e burguesia; permitiu inclusive a expansão da cristandade para 44 o Novo Mundo. O problema da baixa lucratividade da produção interna (que afetava o lucro comercial, as arrecadações régia e clerical, a renda senhorial) acabou sendo minimizado pelas conquistas de Ceuta, das ilhas africanas na costa oeste, assim como pelo descobrimento do Brasil. Nas palavras de Arno e Maria José Wehling: É inútil procurar exclusividades. Combinaram-se causas econômicas, políticas e religiosas. A escassez de ouro na Europa do século XV e sua consequente valorização estimularam a busca do ouro africano (‘ouro do Sudão’). Os estabelecimentos pesqueiros controlados pelo rei, pela nobreza e por comerciantes tenderam a expandir-se, beneficiados pelo aumento do consumo(...). A tudo isso, acrescente-se o espírito de Cruzada, consubstanciado na luta contra os muçulmanos e na conversão das populações vencidas ao cristianismo. Esta luta se fundamentava em crenças religiosas profundamente arraigadas, estimuladas pela Igreja de Portugal e pelo apoio do Papado, que em pelo menos duas bulas, a Sane Charissimus, de 1418, e a Rex Regum, de 1436, deu aos empreendimentos portugueses o status de Cruzada.36 Ao mesmo tempo, a Dinastia de Avis sobreviveu como uma organização monopolista, distribuindo os ganhos entre a Coroa e a nobreza parasitária. A expansão ultramarina, na mesma medida em que beneficiava os setores politicamente hegemônicos, fortalecia cada vez mais a burguesia comercial que, embora aliada a boa parte das políticas de Estado implantadas pela família real portuguesa, ganhava cada vez mais estímulos para consolidar não só o poder econômico, mas também o político. Essa gritante contradição de classe engendrada pelo próprio pioneirismo lusitano era solucionada pela violenta intervenção régia, que chegou ao ponto de permitir a entrada da Santa Inquisição em território português, reprimindo os mercadores, intencionalmente associados aos 36 WEHLING, Arno & José Maria. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994, p. 37. 45 cristão-novos (também chamados de cripto-judeus). O caráter classista dessa medida, imposta por D. João III, é um exemplo do fortalecimento da ordem institucional feudal, funcionando como entrave a um desenvolvimento mais aberto e mais amplo do modo de produção tipicamente capitalista, essencial para que Portugal, ao longo dos séculos XVII e XVIII, pudesse alcançar níveis de desenvolvimento econômico que permitissem ao país competir com outras nações em franca ascensão, tais como Inglaterra e Holanda. Segundo Saraiva: Desta forma, se o Estado português no século XVI oferece exteriormente uma aparência ‘moderna’, na medida em que é uma grande empresa econômica, por outro lado, ele assegura, no interior do país, a persistência de uma sociedade arcaica, na medida em que garante o domínio de uma classe tradicionalmente dominante, cujo espírito está nos antípodas do burguês.37 Complementando a ideia da dialética entre o pioneirismo e o declínio da economia portuguesa na expansão ultramarina, Gorender entende a prática mercantilista lusitana como umaespécie de “mercantilismo inferior”. Isso porque, se se quisesse implantar medidas mercantilistas em sua totalidade, seria necessária a proteção da indústria nacional e de seus ganhos, políticas praticadas em larga escala por Inglaterra e França e que acabaram, posteriormente, permitindo a esses dois países, um desenvolvimento industrial muito mais sólido nos séculos XVIII e XIX. Portugal, na condição de pioneiro, não atentou para esse ponto específico, redobrando esforços “apenas” para o bullionismo e para a expansão colonizadora. Finalmente, convém explicitar o questionamento de Jacob Gorender em relação as teses de Fernando Novais a respeito do chamado “sentido profundo da colonização”. Como sabemos, este entende a experiência colonizadora nos trópicos como a principal 37 SARAIVA, António José. Inquisição e cristãos-novos. Porto: Ed. Inova, 1969, p. 53-54. 46 alavanca para a acumulação originária/primitiva de capital. Aquele, por sua vez, entende que essa proposição apenas faz sentido quando analisamos o impacto da transferência de renda das colônias para as metrópoles no caso de nações europeias que já haviam transcorrido um sólido e robusto desenvolvimento do modo de produção capitalista, como era o caso da Inglaterra, cuja dissolução das bases materiais feudais já estava praticamente completa38. Esse não era nem de longe o caso português nos séculos XVII e XVIII. É assim que o autor conclui que a maneira com que Novais trata o tema baseia-se numa “ideia simplista em cuja refutação coincidiram Marx e Weber, apesar de divergirem na explicação das origens do capitalismo” (GORENDER, 1985, p. 113.). 38 É por essa razão que o autor justifica o olhar do historiador britânico Eric Williams, apesar das ideias deste a respeito da acumulação originária/primitiva de capital terem embasado em boa parte as conclusões de Novais, “precisamente porque teve em mira a conexão do colonialismo com a formação do capitalismo na Inglaterra” (GORENDER, 1985, p. 114.). 47 VI Portugal: da expansão quatrocentista ao império colonial Este capítulo tratará, com base nas explanações do inglês C. R. Boxer39, do processo histórico de construção do império intercontinental lusitano a partir de sua exploração oceânica iniciada no século XIV. Antes de iniciarmos a análise da questão, convém recordar a, assim chamada por Jacob Gorender, “forma portuguesa de feudalismo”: um modo de produção associado à servidão, com extração de renda feudal (que chegou a consumir cerca de 70% do produto português), mas fora dos limites da gleba senhorial, uma vez que ela era praticamente ausente. Os rendimentos da produção dirigiam-se primordialmente à Coroa e de lá eram repassadas parcelas às casas nobiliárquicas e ao clero. De fato, a centralização monárquica precoce no século XII enfraqueceu o poder senhorial direto sobre o camponês (poder esse que justamente se materializa na existência do latifúndio pessoal), ao mesmo tempo que permitiu o rápido engajamento da Coroa e de seus funcionários no comércio marítimo, competindo com negociantes tradicionais. R. Watkins nos fornece um panorama interessante sobre esse quadro de tensão política: (...) as Cortes aumentaram suas queixas criticando a rainha, os grandes mestres das ordens religiosas, os bispos e outros clérigos, cavaleiros e funcionários do governo por engajarem-se agressivamente no comércio, 39 BOXER, Charles R. O império marítimo português, 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, cap. 2, pp. 54-79. 48 competindo com os negociantes tradicionais (...). A participação dessas classes no comércio teve profunda influência nos eventos subsequentes.40 É nesse contexto que a marinha lusitana conquista Ceuta, no norte da África. É o marco inicial do processo de expansão ultramarina. O território era uma zona comercial já estabelecida e consolidada, funcionando como entreposto de rotas importantes que transportavam especiarias africanas como tecidos, pescados, mel e cera. Era uma área inclusive de criação de cavalos e cabras, além da produção de cereais. Uma das razões para esse empreendimento era justamente a possibilidade de fornecer recursos à classe senhorial dominante41 mediante o saque e a pilhagem, dada a incapacidade régia, na virada do século XIV para o XV, de garantir apenas pela produção interna a distribuição dos rendimentos feudais às casas nobiliárquicas. Cabe ressaltar que a ação também foi idealizada com o objetivo de aumentar a disponibilidade de terras para a nobreza e o Estado, o que permitiria a própria sobrevivência da Dinastia de Avis (o que acaba nos dando uma pista sobre o caráter essencialmente estatal do empreendimento42). Nas palavras de Rui Ramos, a “ida para o Norte de África era assimilável a uma natural continuação da Reconquista” (RAMOS, 2010, p. 176). A conquista e manutenção de Ceuta pelo Estado português, potencial sustentáculo para Avis, acabou, porém, resultando em frustração. As rotas comerciais, com a chegada lusitana, dispersaram-se, impedindo que a Coroa pudesse apropriar-se das cargas transportadas pelas caravanas. A produção de trigo era insuficiente, exigindo a constante importação do cereal. Vale dizer também que Portugal não conseguiu alcançar o ouro 40 WATKINS, Ronald. Unknown Seas: The Portuguese Captains and the Passage to India [kindle edition]. Amazon Digital Services, cap. 3, “The enterprise of Ceuta”. 41 Apesar das tensões políticas explicitadas no segundo parágrafo, a nobreza continuava no comando social e mantinha, mesmo que a constituição política do Estado português pudesse gerar situações de tensão, relações íntimas com as diretrizes econômicas da Coroa, buscando sempre tirar benefício delas, como foi o caso do empreendimento de Ceuta. 42 RAMOS, Rui. História de Portugal. 6.ed. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010, p. 178. 49 africano a partir de sua posição em Ceuta. Após completar o saque da cidade, os homens portugueses retornaram à península ibérica e deixaram a cidade (...) à Coroa portuguesa. Isolada das terras à sua volta, praticamente já não tinha mais qualquer utilidade (...). Em 1425, já o príncipe regente, D. Pedro, se queixava perante as cortes, dizendo que Ceuta apenas servia para devorar pessoas, armas e dinheiro.43 Fracassado o empreendimento inicial, restavam três políticas de expansão da Dinastia de Avis: o “caminho do Levante”, a ocupação no Marrocos e o contorno da costa oeste africana. O primeiro era de execução mais difícil e arriscada: navegar pelo Mar Mediterrâneo implicava entrar em conflitos com Egito, Veneza, Gênova e Aragão, os quais já possuíam estabelecimentos consolidados ao longo de todo o mar, potencializando inclusive a escassez de recursos para o Estado português. Ocupar Marrocos atendia a interesses nobiliárquicos ligados à expansão da territorialidade mediante conquista de novas terras, podendo ampliar a renda senhorial. A navegação pelo litoral africano acabou sendo a principal veia de expansão ultramarina portuguesa: mediante uma política de descobrimentos, a Dinastia de Avis conseguiu se apoderar de especiarias africanas de altíssima lucratividade, além do acesso ao ouro e aos escravos. Na virada para o século XVI, houve o contorno da costa leste africana, permitindo o estabelecimento de novas rotas comerciais (quebrando inclusive os monopólios muçulmano e italiano das rotas que passavam pelo mediterrâneo). A veia de expansão chegou até o extremo oriente em Nagasaki. Por toda a extensão, do oeste africano até o oriente, Portugal foi estabelecendo feitorias fortificadas, sendo principais as de São Jorge da Mina (1482), Arguim44 (1445), Sofala (1505), Moçambique (1507). Os próprios títulos dos monarcas lusitanos nos dão 43 PAGE, Martin. Portugal e a revolução global: como um dos menores países do mundo mudou a nossa história.
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