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AUTARQUIA DE ENSINO SUPERIOR DE ARCOVERDE - AESA COORDENAÇÃO DE DIREITO CURSO DE DIREITO RODRIGO ALMEIDA DE MELO OS EFEITOS NORMATIVOS DO ATO INSTITUCIONAL NÚMERO CINCO NA ESFERA DOS DIREITOS CIVIS E DOS DIREITOS HUMANOS Arcoverde 2023 1 INTRODUÇÃO O presente estudo parte da reflexão sobre o tema da Ditadura Militar no Brasil, buscando inquirir as consequências do Ato institucional número cinco para a sociedade brasileira, tanto no período da Ditadura Militar quanto em suas repercussões no atual contexto político e social do país. Serão abordadas questões como o legado da repressão, a violação dos direitos humanos, a luta pela memória e pela verdade histórica, bem como os desafios para a construção de uma democracia forte e consolidada no Brasil. A Ditadura Militar no Brasil, que se estendeu de 1964 a 1985, foi um período sombrio marcado por diversos desrespeitos aos direitos humanos e pela influência nas liberdades civis. Em 1968, sob o comando do Marechal Arthur da Costa e Silva, o regime militar decretou o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que concedeu amplos poderes ao governo para reprimir qualquer tipo de oposição política, cultural e social. O AI-5 foi um marco na história do Brasil e teve consequências graves para a democracia e para a sociedade brasileira. As consequências do AI-5 foram sentidas em toda a sociedade brasileira, pois, além de permitir a censura prévia de jornais, revistas, livros e filmes, permitiu a cassação de mandatos políticos, fechou o Congresso Nacional e autorizou a prisão arbitrária de qualquer pessoa considerada uma ameaça ao regime militar, sem direito à habeas corpus e sem julgamento, reprimindo os direitos civis e as liberdades individuais, utilizando a violência e a tortura como ferramentas de coerção pelo Estado. Diante do exposto, a presente pesquisa questiona: qual foi o impacto do Ato institucional número cinco sobre os direitos humanos e civis dos brasileiros? Para responder a tal questionamento, o trabalho objetiva discorrer sobre o trajeto histórico e a consolidação do regime militar no Brasil, especificamente sobre o período de implementação do Ato institucional número cinco, no intuito desenvolver um entendimento de como se originou a ditadura militar e as consequências desse ato sobre os direitos humanos e civis no âmbito político e social do Brasil. Metodologicamente, o método científico de procedimento utilizado nesta pesquisa é o histórico: “No método histórico, o foco está na investigação de acontecimentos ou instituições do passado, para verificar sua influência na sociedade de hoje” (PRODANOV, FREITAS, 2013, p. 36). Quanto ao tipo de abordagem, é aplicada a qualitativa, considerando a interpretação dos fenômenos e os significados que emergem do processo de pesquisa (PRODANOV, FREITAS, 2013). Assim, sobre as técnicas de pesquisa, são empregadas as pesquisas de natureza bibliográfica e exploratória. A pesquisa bibliográfica é elaborada a partir de revisão sistemática da literatura (GIL, 2008), enquanto a de cunho exploratório consiste na análise aprofundada dos dados e do campo histórico eleitos (PRODANOV, FREITAS, 2013, p. 52). Os dados coletados, sistematizados e analisados nesta pesquisa são decorrentes de fontes públicas, tendo como marco temporal a ditadura militar entre 1964 a 1985. 2. O trajeto histórico e a consolidação do regime militar no Brasil A ditadura militar no Brasil teve início em 31 de março de 1964, quando um golpe militar depôs o presidente João Goulart, que era considerado um líder progressista e de esquerda e vinha implementando reformas sociais e políticas, como a reforma agrária, a nacionalização de empresas estrangeiras e a defesa de uma política externa independente. Nesta época, o Brasil vivia um enorme contexto de instabilidade política e econômica sob o governo de João Goulart, que assumiu a presidência em 1961, tendo seu curto mandato marcado por conflitos políticos e crises suicidas, além das propostas de reformas sociais e trabalhistas que desagradavam conservadores da sociedade brasileira. Tais reformas, que eram vistas pelos militares e setores conservadores da sociedade como uma ameaça ao estado atual e à ordem estabelecida pelas elites brasileiras, e ainda apoiados pelos Estados Unidos, que em plena Guerra Fria, preocupados com o avanço do comunismo na América Latina e que o Brasil se tornasse uma base comunista, financiaram movimentos contrários ao governo de Goulart no Brasil, confiantes para a criação de um clima anticomunista, com o intuito de proteger o pais de ameaças internas e externas e reestabelecer a ordem e a estabilidade política e econômica, instauraram o golpe militar que duraria 21 anos. De acordo com Bobbio, Matteucci e Pasquino (1998, p. 100), os regimes autoritários se caracterizam pela ausência de Parlamento e de eleições populares, ou, quando tais instituições existem, pelo seu caráter meramente cerimonial, e ainda pelo indiscutível predomínio do poder executivo. No segundo aspecto, os regimes autoritários se distinguem pela ausência da liberdade dos subsistemas, tanto no aspecto real como no aspecto formal, típica da democracia. A oposição política é suprimida ou obstruída. O pluralismo partidário é proibido ou reduzido a um simulacro sem incidência real. Logo após o golpe militar, o presidente foi deposto e exilado, dando lugar ao marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, que assumiu a presidência do país entre 1964 a 1967. O período que foi marcado pela consolidação do regime militar no Brasil e pelo fortalecimento das instituições militares no poder. Durante esses primeiros anos da ditadura militar, o governo adotou medidas para consolidar seu controle sobre a sociedade e reprimir a oposição política, implementando uma série de medidas autoritárias, como a censura da imprensa, a perseguição a políticos e os intelectuais considerados subversivos, a suspensão de partidos políticos e a suspensão de direitos civis e políticos. Em 1964 foi promulgado o Ato Institucional nº 1, que deu amplos poderes aos militares para perseguir e punir aqueles que consideravam os inimigos do regime. A partir de então, o regime militar governou o país com “mão de ferro”, eliminando qualquer forma de oposição política e reprimindo duramente os movimentos sociais e estudantis. Sendo criado durante esse período, os primeiros órgãos de repressão, como o Serviço Nacional de Informações (SNI) e o Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), que eram responsáveis por espionar, prender e torturar aqueles que eram considerados subversivos. Já em 1967, foi promulgada a nova Constituição brasileira, que consagrou o regime militar e a centralização do poder no Executivo. Após o mandato de Castelo Branco, assumiu em 15 de março de 1967, eleito pelo Congresso Nacional, o marechal Arthur da Costa e Silva, após a promulgação da nova Constituição brasileira que estabeleceu as bases jurídicas do regime autoritário. No começo do seu governo o país começou a evoluir economicamente após a queda da inflação e investimentos estrangeiros no brasil, porém, politicamente o brasil permanecia instável e durante seu governo a repressão política se intensificou ainda mais, se tornando a época mais violenta da ditadura militar, com a implantação de uma série de medidas autoritárias, como a censura da imprensa, a perseguição a opositores políticos e a suspensão das garantias constitucionais e políticas. Essas decisões trouxeram cada vez mais protestos às ruas que eram rebatidos com violência por parte do governo. Um desses conflitos ficou marcado pela morte de um estudante por parte dos militares, acontecimento que motivou um movimento que ficou conhecido como "Marcha dos Cem Mil", sendo um marco na resistência contra a ditadura militar e provou a força da sociedade civil brasileira na luta pela democracia. Em 21 de junho de 1968, ocorreu outro grande ato de violência, dia que ficou conhecido como sexta feira sangrenta, após estudantes do Rio de Janeiro realizarem diversos protestos com o objetivo dedenunciar a violência policial nos protestos, em que os policias cercaram manifestantes e abriram fogo contra a multidão. Em 1968, houve um dos episódios mais marcantes da ditadura militar, que ficou conhecido como "o ano que não terminou". No dia 13 de dezembro, o governo militar decretou o Ato Institucional nº 5, que agravou ainda mais a repressão política e a violação dos direitos humanos no país. O AI-5 permitiu que o governo fechasse o Congresso Nacional, cassasse mandatos de parlamentares e suspendesse a garantia de habeas corpus. Além disso, o AI-5 estabeleceu a censura prévia à imprensa, proibiu qualquer forma de manifestação pública, e permitiu que o governo prendesse e torturasse qualquer pessoa considerada subversiva. Segundo Elival da Silva Ramos (2018), O Ato Institucional nº 5 foi o mais agressivo e autoritário ato normativo de toda a sequência de atos institucionais produzidos pelo regime militar, em paralelo à ordem constitucional, que assumiu ares de um constitucionalismo semântico, na expressão de Karl Loewenstein (Constituição disfarce). Costa e Silva governou o país até agosto de 1969, quando foi afastado do cargo após sofrer um AVC. Seu vice, Pedro Aleixo, que se opunha à linha dura dos militares, foi impedido de assumir a presidência, e o comando do país ficou nas mãos dos militares que criaram uma segunda junta militar que governou o país durante dois meses até o Brasil reconhecer um novo presidente. O mandato de Costa e Silva foi marcado, portanto, pela intensificação da repressão política e pelo aumento da ditadura militar no país. Em seguida, ele foi substituído pelo general Emílio Garrastazu Médici, que daria início a um período ainda mais repressivo da ditadura militar no Brasil. O Governo Médici foi um dos mais repressivos e autoritários do período da ditadura militar no Brasil. Durante seu governo, Médici intensificou a repressão política, a censura da imprensa e a perseguição aos opositores do regime e implementou a chamada "Doutrina da Segurança Nacional", que estabeleceu a repressão política como uma política de Estado. Ele promoveu a abertura de novos presídios e a expansão dos órgãos de repressão, como o Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), subordinado ao exército e que se tornaram responsáveis por torturas, prisões arbitrárias e assassinatos de dissidentes políticos. A implantação do AI-5 concedeu aos militares plenos poderes para aumentarem a repressão e violência, violando os direitos humanos pela prática de tortura e assassinatos de opositores políticos. A repressão foi intensa contra estudantes, artistas, jornalistas, intelectuais e qualquer pessoa que fosse considerada uma ameaça ao regime. Apesar da forte repressão, a resistência ao regime militar também se intensificou durante o governo Médici, o envolvimento de grupos de oposição armada em movimentos sociais aumentou ainda mais a violência, gerando um número expressivo de mortes nesse período. Ao mesmo tempo, o governo Médici também investiu em políticas de desenvolvimento econômico, com investimentos em infraestrutura e grandes obras, como a construção da ponte Rio-Niterói, inauguração da rodovia transamazônica, a construção de hidrelétricas, a modernização da agricultura e a promoção de exportações, almejando um período de crescimento econômico. Além disso, o governo Médici procurou promover uma imagem positiva do Brasil no exterior, com a realização de grandes eventos esportivos, como os Jogos Pan-Americanos de 1971 e a Copa do Mundo de 1970, que ajudaram a consolidar a imagem do Brasil como uma potência emergente. Apesar da tentativa de progresso, deve ser ressaltado que o governo Médici foi um dos mais repressivos e violentos da ditadura militar brasileira, marcado pela violação de direitos humanos e uma forte perseguição política. O governo Médici foi sucedido pelo general Ernesto Geisel, que iniciou um processo de abertura política gradual e controlada, mas que ainda deixou muitas resistências por parte dos setores mais conservadores do regime militar. O período entre 1974 e 1979 foi marcado pelo governo do presidente Ernesto Geisel, que deu início a uma política de abertura gradual, conhecida como "distensão política", que buscava conciliar a estabilidade política e a liberalização política. Durante seu governo, Geisel promoveu uma série de reformas políticas, como a revogação do AI-5, a anistia política para presos e exilados políticos, a legalização de partidos políticos e a convocação de eleições para governador e senador. Porém, essa política de abertura foi limitada e controlada pelo governo militar, que manteve o controle sobre as instituições e buscou cooptar líderes políticos e movimentos sociais. No campo econômico, o governo Geisel buscou modernizar a economia brasileira, que buscava aumentar a produção industrial e a exportação de commodities para tentar sanar a crise econômica que o país vivia, além de incentivar o desenvolvimento de setores como o de tecnologia e de energia. No plano internacional, o governo Geisel procurou diversificar as relações diplomáticas do Brasil, estabelecendo contatos com países socialistas e árabes, como a admissão do Brasil na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP), além de se aproximar dos Estados Unidos. Essa distensão política iniciada no governo Geisel, teve continuidade no mandato de João Baptista de Oliveira Figueiredo que foi o último presidente do período militar no Brasil, governando de 1979 a 1985. Durante seu governo, o Brasil passou por importantes transformações políticas, compulsivas e sociais. Uma das principais ações de seu governo foi a aprovação da Lei da Anistia, em 1979, que permitiu o retorno de exilados políticos e a libertação de presos políticos, essa medida foi fundamental para o restabelecimento da democracia no país. Nesse período ocorreram importantes movimentos sociais e mobilizações populares. Destacam-se as greves operárias, as manifestações estudantis e o crescimento dos movimentos sociais, como o movimento pelos direitos humanos e o movimento sindical. Figueiredo também buscou uma maior abertura política, permitindo a criação de novos partidos e o retorno das eleições diretas para governadores. No entanto, as eleições presidenciais continuaram sendo indiretas até o final do seu mandato, quando foi sucedido por José Sarney, que assumiu após o falecimento do Presidente Tancredo Neves, o último presidente eleito de maneira indireta no Brasil, colocando um fim nesse período ditatorial. 2.1 O Ato Institucional nº 5 e suas consequências No dia 13 de dezembro de 1968, no governo do general Arthur da Costa e Silva, durante o período da ditadura militar foi assinado o ato institucional número cinco, um dos mais importantes documentos da história brasileira, que teve como estopim o discurso do deputado Márcio Moreira Alves na câmara, onde o deputado propôs um boicote da sociedade civil aos militares como a ausência nas comemorações do dia da independência e pressão sobre maridos e familiares que fossem militares. O mesmo denunciava frequentemente casos de tortura e perseguição política por parte do governo. Como reação a essas declarações e a vários protestos que aconteciam, o governo decretou o AI-5, que vigorou até o primeiro dia de 1979. Ao todo, o ato institucional número cinco possuía 12 artigos que estabeleciam um aparato jurídico para que os militares ampliassem o autoritarismo no país sob a falsa justificativa de realizar a salvaguarda de sua democracia. Em resumo dos 12 artigos o AI-5 suspendeu a concessão de Habeas Corpus alegando motivos de segurança nacional, a liberdade condicional de liberdade de expressão e reunião estabelecendo a censura prévia oficial e toques de recolher a qualquer momento, permitia cassações de mandatos e de direitos políticos, autorizavam demissões sumarias de quaisquer funcionários públicos que não colaborassem com o governo e estabelecia que o julgamento de crimes políticos seria realizado por tribunais militares semdireito a recurso. Com o ato institucional número cinco em vigor os militares conseguiram uma legalidade jurídica para controlar os poderes legislativo, judiciário e executivo, perseguir opositores, restringir a atividade política na sociedade e interferir em quaisquer esferas da administração pública, em suma seu objetivo era governar pelo medo, e além disso o AI-5 não tinha um prazo determinado, ou seja, a incerteza de sua duração combinava com a previsão meteorológica que o Jornal do Brasil publicou no dia seguinte ao decreto, que dizia: “Tempo negro. Temperatura sufocante. O ar está irrespirável. O país está sendo varrido por fortes ventos.” (DINES, 1968, p. 12). Embora fosse um dia de sol no Rio de Janeiro essa previsão do tempo foi a primeira denúncia contra a censura. Já que os militares impuseram um severo controle sobre as editoras, restringindo qualquer publicação que fosse contra o regime. A primeira medida do AI-5 foi o fechamento do Congresso Nacional, em seguida restringiu qualquer opinião contraria ao governo, políticos que protestaram contra essas medidas tiveram seus direitos cassados e presos, funcionários públicos demitidos, militares forçados a reserva e juízes aposentados compulsoriamente. Com essa repressão o governo militar conseguiu consolidar seu domínio sobre o judiciário, dando a impressão que as cortes existiam mas eram formadas apenas por defensores do governo. Esse ato gerou impactos significativos no sistema educacional do país, gerando um retrocesso de 10 anos no ensino brasileiro. A censura dos militares sobre estudantes, professores e funcionários nas instituições de ensino foram intensas, eles eram vigiados e muitas vezes impedidos de expressar opiniões desfavoráveis ao regime, sob pena de serem perseguidos e presos. Isso teve um impacto negativo na qualidade do ensino, pois muitos educadores foram afastados, e o medo de represálias inibiu a livre expressão de ideias e a diversidade de pensamentos nas instituições de ensino. Cerca de 1.000 mil cientistas, professores e estudantes foram para o exilio após perderem direitos políticos, aposentadorias compulsórias e sofrerem perseguições. Toda essa represaria da época tornou o ensino nas instituições completamente tendencioso ao regime militar, pois, todo currículo universitário e escolar passou a ser controlado pelo governo, alinhando toda a educação para os valores do regime. Além disso, houve uma redução significativa no investimento financeiro quanto a educação, já que o governo priorizava os gastos com segurança e infraestrutura em detrimento da educação. Isso resultou em um subinvestimento na educação pública, prejudicando a qualidade do ensino e contribuindo para a persistência da desigualdade no sistema educacional brasileiro. De acordo com a observação feita pelo professor Paulo Carrano, toda ditadura quer controlar o campo educacional, porque é nele que há liberdade para pensar, construir pensamentos alternativos e novos caminhos para a sociedade. Dessa forma, uma sociedade cuja educação estava sendo monitorada pelo regime, se torna uma sociedade controlada, impedindo que a população recebesse informações sobre seus direitos que a motivasse a se rebelar contra o governo. Esse período marcou um forte crescimento da economia, que ficou conhecido "milagre econômico". A economia brasileira nunca cresceu tanto - antes ou depois. A taxa média de crescimento nesse período girava em torno de 10% por ano. Durante o regime militar, o Brasil experimentou períodos de crescimento econômico, impulsionados por investimentos em infraestrutura e industrialização. No entanto, esse crescimento muitas vezes foi desigual, beneficiando principalmente as camadas mais privilegiadas da sociedade, enquanto a desigualdade persistia. Em 1964, quando o regime militar assumiu o poder, enfrentaram um período bastante desorganizado da economia, com desequilíbrio fiscal, uma alta inflação, que chegava a quase 100% ao ano, e uma grande taxa de desemprego. Mas, a partir de 1968, a economia deslanchou. O Brasil introduziu uma abordagem de substituição de importações, buscando promover a industrialização nacional e reduzir a dependência de produtos estrangeiros. Isso levou à criação de empresas estatais e políticas que visavam fortalecer setores específicos da economia. O governo também priorizou o desenvolvimento industrial e de infraestrutura, investindo em setores como construção civil, energia e transportes. No entanto, esse crescimento muitas vezes foi desigual, beneficiando principalmente as camadas mais privilegiadas da sociedade, enquanto a desigualdade persistia. As políticas econômicas do período militar também afetaram o setor agrícola. A modernização da agricultura teve impactos positivos, mas também causou deslocamento de comunidades rurais e influência ambiental devido à expansão da fronteira agrícola. Para financiar seus projetos de infraestrutura e desenvolvimento, o governo militar recorreu a empréstimos estrangeiros, o que levou a um aumento significativo da dívida externa do Brasil. 2.2 Direitos e Garantias violados pelo AI-5 O Ato Institucional Número 5 (AI-5), promulgado em 13 de dezembro de 1968 durante o regime militar no Brasil, teve sérias implicações jurídicas para a época. Este ato representou uma ruptura drástica com o Estado de Direito, suspendendo garantias constitucionais e instituindo medidas autoritárias. Medidas das quais suspendeu diversas garantias individuais e direitos fundamentais previstos na Constituição de 1967, que vigorava na época, tornando o estado de direito totalmente refém de qualquer ato que fosse proposto pelo governo. Esse ato institucional concedeu amplos poderes ao presidente da República e aos militares, permitindo a intervenção nos estados e municípios, o fechamento do Congresso Nacional e a cassação de mandatos parlamentares. Foi proibida a concessão de Habeas Corpus a acusados de crime contra a segurança nacional, transferindo à Justiça Militar a competência para julgar crimes políticos. Essa suspensão de habeas corpus fere um direito histórico instituído desde o período romano, quando se viu surgir institutos análogos ao habeas corpus, com bases fundamentadas que sustentavam uma ideia de direito aos povos, garantindo o direito de locomoção e direito a proteção em caso de prisão arbitraria. O Habeas corpus, identificado entre os direitos fundamentais – uma vez que é indissociável do homem o direito de se locomover livremente, bem como de não ser preso sem o devido processo legal –, tem um longo histórico nas civilizações humanas, ainda que, em sua versão atual, descenda do direito anglo-saxão (MASSAÚ, 2008). Historicamente, no ordenamento jurídico brasileiro, o habeas corpus foi inicialmente previsto no Código de Processo Criminal de 1832, que em seu art. 340 dizia que “todo cidadão que entender, que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal, em sua liberdade, tem o direito de pedir uma ordem de Habeas corpus em seu favor”. Com isso, na primeira constituição brasileira, em 1891, o regulamento foi mantido, o que se tornou regra em Cartas posteriores. O AI-5 ignorou a constituição vigente e instituiu em seu art. 10, onde dizia que: "Fica suspensa a garantia de habeas corpus nos casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular”. Atualmente o habeas corpus está assegurado no art. 5°, inciso LXVIII: “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (BRASIL, 1988, s/p). No nosso ordenamento há diversas ações constitucionais, como habeas corpus, habeas data, mandado de segurança, mandado de injunção, ação civil pública e ação popular, todas com o intuito de proteger os direitos fundamentais. Bonfim (2006) entende que no país, houve a intensão, de que o habeas corpus fosse estendido de modo a guardar outros direitos humanos que não estivessem expressos na Constituição. Assim, o habeas corposfunciona como um regulamento genérico, a fim de preservar diversos direitos fundamentais além do direito de não ser preso sem o devido processo legal garantido pelo habeas corpus desde sua origem histórica. Dessa forma, entendo a importância que o habeas corpus tem no nosso ordenamento jurídico, é crucial entender o quanto o direito foi cerceado durante a ditadura militar, restringindo esse importante direito de liberdade e direito de defesa, que é garantido a todos. Outro direito violado pela ditadura, que hoje é assegurado pela nossa Constituição Federal em seu artigo 5°, inciso IV, é o direito à liberdade de expressão. Esse direito consiste que toda pessoa seja livre para expor seus pensamento e opiniões, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. Ou seja, é um direito que permite as pessoas expressarem suas opiniões de maneira clara e livre, por qualquer meio de comunicação, desde que seja sem a violação de intimidade, da honra, da vida privada e da imagem de outras pessoas. Essa importante troca de ideias encoraja a população a discutir e dialogar sobre temas relevantes, trazendo um entendimento maior e aflorando o senso crítico daquela sociedade. Em um regime autoritário como foi a ditadura, restringir a circulação de ideias e proibir a liberdade de expressão era uma forma de manter a sociedade controlada, pois, a liberdade de expressão limita o abuso de poder. Com isso, os militares controlaram os locais de produção de ideias como universidades e escolas, impondo sobres essas instituições grades de ensino que protegiam as ideologias do governo. Já em locais que propagavam notícias como jornais e emissoras, foram vigiados e censurados. A Declaração Universal dos Direitos Humanos contempla o direito à liberdade de expressão, considerando que a mesma seja uma peça fundamental da democracia. Em seu artigo 19º a DUDH diz que “todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”. Historicamente, a liberdade de expressão, surge com o liberalismo político, que é um pensamento liberal que surgiu no século XVII, como uma resposta crítica ao poder ilimitado da monarquia absolutista. No Brasil, a liberdade de expressão já havia sido violada antes mesmo da instauração da ditadura em 1964. A liberdade de expressão era contemplada nas três primeiras constituições até a outorgação da Constituição de 1937, quando, com um golpe de estado, em novembro de 1937, Getúlio Vargas assume plenos poderes, impondo uma nova Constituição e fechando o Poder Legislativo. Essa nova constituição regulamentou a censura à imprensa, que seria exercida pelo estado por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), estruturado em moldes nazistas. A censura era total, havia um censor em cada jornal, tudo aquilo que fugisse dos moldes impostos pelo DIP era excluído da matéria. Esse período de censura durou até a publicação da constituição seguinte, a de 1946, que reforçou os direitos de liberdade individual dos cidadãos. No entanto, a vigência dessa constituição durou até o AI-5 ser instaurado, quando em seu ordenamento restringiu qualquer atividade ou manifestação que tivesse natureza política, impondo novamente uma censura contra a liberdade de expressão de cada indivíduo, dessa vez, acompanhada de prisões, torturas e até mortes. Imprensa, música, teatro e cinema foram as principais vítimas. Nos primeiros anos desse período a ditadura visava censurar à divulgação de atos terroristas, divisão nas forças armadas e no governo, depois, passou a esconder corrupção, torturas, violências policiais e até epidemias. O objetivo era a publicação de assuntos que fossem favoráveis ao governo. Os proprietários desses meios de comunicação tinham apenas duas escolhas, curva-se as imposições do governo ou resistir ao regime. A maioria se curvou a essa imposição por medo, e tiveram suas notícias totalmente controladas pelo governo, as que resistiram criaram a imprensa alternativa ou a pequena imprensa, que dependiam apenas da venda avulsa ou mediante assinaturas. A imprensa alternativa foi sufocada pela censura, processos, ameaças sobre os anunciantes, prisões e bombas lançadas contra bancas que vendiam seus exemplares. Esse período de censura extrema durou 10 anos, e apenas começou a ser distendida no governo de Geisel, quando houve uma tentativa de melhorar a imagem do regime, implementando medidas que ficaram conhecidas como "distensão lenta e gradual". Essas medidas incluíram uma certa flexibilização em relação à censura e uma abertura política relativa. Esse processo de abertura política ganhou mais força durante o governo do presidente João Baptista Figueiredo, que sucedeu Geisel e assumiu a presidência em 1979. Portanto, a distensão da censura no período da ditadura militar começou a se manifestar durante o governo de Geisel na década de 1970 e foi gradualmente ampliada nos anos seguintes, culminando na redemocratização do país no início da década de 1980. Durante a ditadura militar no Brasil, a cassação de direitos políticos foi uma prática comum como forma de reprimir e controlar opositores políticos. Essa medida foi frequentemente aplicada por meio de atos institucionais que conferiam poderes extraordinários ao governo militar. O principal ato responsável por cassar esses direitos políticos foi o AI-5, que em seu artigo 4°, declarava que: “No interesse de preservar a Revolução, o Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, e sem as limitações previstas na Constituição, poderá suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais.” Após a promulgação desse ato, o governo ganhou legitimidade jurídica para realizar a intervenção nos estados e municípios fechar o Congresso Nacional, cassar mandatos parlamentares e suspender garantias constitucionais. Nesse período, foram cassados 168 deputados, que perderam o mandato em nome da segurança nacional. Além da cassação, eles perdiam os direitos políticos, ou seja, eram sumariamente retirados da vida pública no Brasil. Não apenas os deputados foram atingidos, mas todas as personalidades identificadas com o governo deposto, pessoas que se mostravam a favor das reformas de base que Jango defendia. Essas cassações viraram um instrumento utilizado para tirar do caminho lideranças civis potencialmente fortes que de alguma forma poderiam significar algum obstáculo ao poder militar que estava se instalando. Assim, mediante toda essa concessão de poderes discricionários permitiu ações autoritárias, incluindo a cassação de direitos políticos de diversos cidadãos, resultando na privação da sociedade em exercer sua participação política e representação democrática. Outra privação sofrida pela sociedade foi o fechamento de muitos partidos políticos, privando a população de canais legítimos para expressar suas opiniões políticas. Vale ressaltar que, mesmo com a abertura da ditadura e a transição democrática na década de 80, algumas questões relacionadas à cassação de direitos políticos ainda geraram debates e controvérsias no Brasil. A Lei da Anistia, promulgada em 1979, concedeu anistia política tanto a opositores quanto a agentes do Estado envolvidos em crimes políticos, mas também gerou questionamentos sobre sua aplicação em casos de transparência na violação aos direitos humanos, causando uma busca por justiça para as vítimas do regime militar. 3. Considerações Finais Ao finalizarmos esta pesquisa, concluísse que o Ato Institucional Número 5 (AI-5) foi um instrumento decisivo durante a ditadura militar no Brasil, desencadeando um período de intensa violação dos direitos humanos e civis. Ao suspender garantias constitucionais, incluindo a liberdade de expressão, o habeas corpus e outros direitosfundamentais, o AI-5 pavimentou o caminho para a repressão sistemática e a prática generalizada de abusos por parte do Estado. A cassação de direitos políticos, a censura à imprensa, as prisões arbitrárias e a prática da tortura foram elementos intrínsecos ao regime autoritário, que buscaram eliminar qualquer forma de oposição e controlar a narrativa pública. A sociedade brasileira foi marcada por um clima de medo, silenciamento e perseguição, deixando cicatrizes profundas que persistem na memória coletiva. A análise apresentada não é apenas um exercício histórico, mas uma reflexão crucial sobre os princípios fundamentais que sustentam uma sociedade democrática. A resistência à opressão, a busca pela justiça e a preservação da memória são imperativos éticos que moldam a compreensão do passado e orientam a construção de um futuro baseado no respeito aos direitos humanos e civis. A transição para a democracia na década de 1980 foi um ponto de inflexão, mas o legado do AI-5 ainda ressoa nos desafios contemporâneos relacionados à garantia dos direitos individuais, à promoção da verdade histórica e às tradições de uma cultura de respeito às liberdades fundamentais. A revisitação crítica desse período sombrio da história do Brasil é essencial para nutrir os valores democráticos e fortalecer o compromisso com a proteção dos direitos humanos em todas as instâncias da sociedade. 4. Referências