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FUNDAMENTOS DE DIDÁTICA AULA 04 Abertura Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Olá! O ensino e a aprendizagem exercem papéis centrais na didática, fornecendo subsídios para que o professor possa atuar em sala de aula e preparar seus alunos para viverem numa sociedade que hoje é balizada pelo aprender – não só na escola e não somente durante a infância, mas em todos os campos sociais e ao longo de toda a vida. Entender o que é o processo de ensino-aprendizagem e como esses conceitos se encontram presentes no cotidiano dos professores significa perceber que o professor pode estar seguindo alguma tendência pedagógica que irá alicerçar suas práticas, pois o ensino normalmente se associa com o professor e as formas como ele procura ensinar, transmitir seus conhecimentos, informações e conteúdos a seus alunos. Já a aprendizagem está relacionada com aquele que recebe tais ensinamentos, que podem ser aprendidos ou não. Destaca-se, já de início, que compreender bem esses termos é muito importante para a prática profissional do docente. Nesta aula você vai estudar estes dois processos básicos que constituem a didática e pautam o trabalho docente no interior das escolas, o ensino e a aprendizagem, compreendendo seus conceitos e características principais. Também estudará o processo de ensino-aprendizagem à luz dos quatro pilares da educação, que se apresentam no relatório da UNESCO como caminhos a serem seguidos na educação dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU). Bons estudos. REFERENCIAL TEÓRICO O ensino e a aprendizagem exercem papéis centrais na didática, fornecendo subsídios para que o professor possa atuar em sala de aula e preparar seus alunos para viverem numa sociedade que hoje é balizada pelo aprender – não só na escola e não somente durante a infância, mas em todos os campos sociais e ao longo de toda a vida. Acompanhe a leitura do capítulo Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática, do livro Didática, base teórica desta aula e, ao final, você estará apto a: • Definir ensino • Explicar o que é aprendizagem. • Descrever o processo de ensino-aprendizagem segundo os 4 Pilares da Educação da UNESCO. Boa leitura. Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir ensino. Explicar o que é aprendizagem. Descrever o processo de ensino e aprendizagem segundo os quatro pilares da educação da Unesco. Introdução O ensino e a aprendizagem exercem papéis centrais na didática, uma vez que fornecem subsídios para que o professor possa atuar em sala de aula e preparar os seus alunos para viverem em uma sociedade balizada pelo aprender — não só na escola e durante a infância, mas sim em todos os campos sociais e ao longo de toda a vida. Assim, entender o que é o processo de ensino e aprendizagem e como esses conceitos se encontram presentes no cotidiano de professores significa perceber que estes seguem alguma tendência pedagógica que alicerçará as práticas educacionais. Neste capítulo, você estudará sobre os conceitos e as características principais dos dois processos básicos que constituem a didática e pautam o trabalho docente no interior das escolas: o ensino e a aprendizagem. Além disso, conhecerá o processo de ensino e aprendizagem à luz dos quatro pilares da educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como caminhos a serem seguidos na educação dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU). 1 O conceito de ensino O ser humano tem se dedicado a compreender como ocorre o ensino desde a Antiguidade Clássica, procurando maneiras, formatos, técnicas e métodos mais efi cazes para possibilitar que os conhecimentos produzidos e acumulados da cultura humana sejam transmitidos, repassados e ensinados aos demais membros da sociedade. Piletti (2010, p. 23) reforça que “[...] o ensino e a aprendizagem são tão antigos quanto a própria humanidade”, referindo-se à necessidade de as tribos primitivas ensinarem os seus fi lhos a caçar e sobreviver em um ambiente hostil. Tornar possível que esse acúmulo de informações e conhecimentos se per- petue através do tempo passa a ser entendido, então, a partir da ideia de ensinar, ou seja, da ação de transmitir ao outro esses saberes. Daí advém a primeira característica importante sobre o ensino: ele é realizado por alguém que tem o conhecimento. Essa pessoa, partindo de um objeto que deseja ensinar, transmitirá o que sabe a alguém. Piletti (2010, p. 26) traz o seguinte complemento: “[...] segundo o conceito etimológico, ensinar (do latim signare) é ‘colocar dentro, gravar no espírito’. De acordo com esse conceito, ensinar é gravar ideias na cabeça do aluno. Nesse caso, o método de ensino é o de marcar e tomar a lição”. Assim, pode-se entender, a partir dessa ideia inicial sobre o ensino, visto sob uma perspectiva pedagógica tradicional, que ensinar segue um processo que envolve três elementos, conforme a Figura 1. Figura 1. Os três elementos que envolvem o processo de ensino. Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática2 Pode-se perceber que os assuntos que envolvem o ensino para a área da educação são muito pertinentes. Com base na sua conceituação, há inúmeras problematizações possíveis. Por exemplo, qual é a importância do preparo técnico do professor para que ensine de forma mais eficiente? Quais são as técnicas (didática) mais adequadas para ensinar determina- dos objetos de conhecimentos? Como são eleitos os conteúdos que serão ensinados (currículo)? O ensino que está sendo proposto tem gerado aprendizagem? Neste capítulo, você poderá constatar que nem todos os esforços em torno do ensino, com conteúdos ricos, ambiente estimulante, boas técnicas didáticas e preparo do professor que os ministra, poderão garantir que a aprendizagem ocorra. É importante destacar que considerar o ensino como algo dissociado do aprender — e da aprendizagem em si — remonta aos primórdios do surgimento da didática, identificada como a “arte de ensinar”. A didática propõe técnicas diversas, as quais facilitarão a condução e o desenvolvimento das aulas pelo docente (BES, 2017). Para contribuir com esse argumento, pode-se resgatar as ideias propostas por Comenius (1657), em sua obra Didática Magna: Nós ousamos prometer uma didática magna, ou seja, uma arte universal de ensinar tudo a todos: de ensinar de modo certo, para obter resultados, de ensinar de modo fácil [...] de ensinar de modo sólido, não superficialmente, de qualquer maneira, massa para conduzir à verdadeira cultura, aos bons costumes [...] (COMENIUS, 1976, p. 13). É claro que a forma como o ensino é entendido fará com que as ações do professor levem à finalidade de ensinar. Esse conceito se reconfigura com o passar dos séculos, indo ao encontro das tendências pedagógicas (e até mesmo psicológicas) que emergem, possibilitando ao docente se posicionar e optar por aquelas com as quais mais se identifica. Ainda assim, segundo Luck (1994, p. 39), “[...] o ensino, em geral, centra-se na reprodução do conhecimento já produzido”. Damis (2010), ao estudar as transformações ocorridas na didática e as ênfases que recaem sobre o ensinar, comenta que elas seguem as mudanças apresentadas na Figura 2. 3Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Figura 2. Mudanças ocorridas na didática. Fonte: Adaptada de Damis (2010). Dessa maneira, um professor alinhado com as tendências pedagógicas liberais tradicionais, por exemplo, é visivelmente identificado como aquele que se porta como o único detentor do conhecimento. Por essa razão, ele transmitirá os con- teúdos a serem ensinados, em virtude de considerar que os alunos não possuem conhecimento algum sobre eles. Nesse caso, os alunos recebem o ensino de forma passiva, memorizando informações, e não interagindo entre si ou com o docente. Ouseja, nessa visão pedagógica tradicional, ensinar é transmitir conhecimentos. Já se o docente segue uma tendência pedagógica progressista, ele enten- derá que, ao ensinar, deverá envolver outros elementos no processo, como as vivências e experiências do aluno sobre os conteúdos abordados, bem como a problematização das realidades sociais nas quais ele se encontra inserido. Essa maneira de posicionar-se pedagogicamente propõe que o ensino possa ser visto como uma relação horizontal entre o professor e os alunos, em que ambos podem ter conhecimento e aprender juntos. É conveniente destacar, ainda, que o movimento da Escola Nova, que despontou no Brasil na década de 1930, propôs algumas modificações inte- ressantes em relação ao ensino, deslocando-o da visão pedagógica tradicional. Conforme propõe Piletti (2010, p. 27): Com a Escola Nova, o eixo da questão pedagógica passa do intelecto (ensino tradicional), para o sentimento; do aspecto lógico, para o psicológico; dos conteúdos cognitivos para os métodos ou processos pedagógicos; do professor para o aluno; do esforço para o interesse; da disciplina para a espontaneidade; Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática4 do diretivismo para o não-diretivismo; da quantidade para a qualidade; de uma pedagogia de inspiração filosófica centrada na ciência da lógica para uma pedagogia de inspiração experimental baseada principalmente na Bio- logia e na Psicologia. Como é possível perceber, as formas como o ensino é entendido perten- cem a cada época histórica e seus acontecimentos. Assim, a escola também se modifica e apresenta novas maneiras de desenvolver os seus processos de ensino e aprendizagem, visando a dar conta de um mundo em constante transformação. É importante perceber que as teorias produzidas por outras áreas das ciências, como a psicologia, a filosofia e a sociologia, repercutem na pedagogia, que incorpora novos conceitos sobre as maneiras como se deve ensinar e aprender, modificando as condutas docentes. Um exemplo das contribuições da psicologia sobre o entendimento do ensino é a definição de aprendizagem como “[...] mudança de comportamento resultante do treino ou da experiência” (GIUSTA, 2013, p. 22). Essa ideia, que surge nos trabalhos de psicólogos da corrente conhecida como behaviorismo, entre eles Skinner, Pavlov e Watson, altera a compreensão do ensino em que o professor era considerado o centro do processo, passando à percepção de outros elementos, como a experiência ou o condicionamento. As pesquisas desenvolvidas por Jean Piaget, com a sua epistemologia genética, propõem a ideia de que “[...] o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas” (PIAGET, 1976, p. 4). Da mesma maneira, as teorias de Vygotsky (1977) a respeito do processo socio-histórico-cultural da aprendizagem contribuem de forma significativa para os conceitos de ensino e aprendizagem, uma vez que, de acordo com o autor: [...] a aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas histo- ricamente (VYGOTSKY, 1977, p. 47). Como é possível verificar, as ideias da área da psicologia contribuem para que a pedagogia se renove e passe a entender o ensino a partir de outras lentes. 5Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Ao abordar o tema do ensino e da aprendizagem, deve-se considerar que a motivação para aprender deve partir do aluno, ou seja, é inerente a ele. Dessa forma, o professor, a partir do uso de recursos, métodos e procedimentos adotados, procurará fazer o aluno se motivar a aprender. Uma das maneiras mais eficazes de conseguir provocar essa motivação é conhecer os interesses atuais dos alunos e, a partir deles, conduzir as aulas e abordar os conhecimentos que se deseje desenvolver. 2 O conceito de aprendizagem Destacamos, até aqui, o caráter originário do ensinar — que enfatiza as ações iniciais da didática —, traduzido como o ato de repassar a alguém os conhecimentos produzidos pela humanidade em todas as suas esferas: cultural, científi ca, religiosa ou até mesmo do senso comum. Inicialmente, o ensinar estava associado direta e exclusivamente com a fi gura do professor; já o aprender estava relacionado com o aluno (alvo das técnicas de ensino), devendo este apropriar-se dos conhecimentos propostos. Em outras palavras, aprende-se alguma coisa quando aquilo que foi ensinado a partir de alguém é, de fato, apreendido e compreendido pelo aluno ou aprendiz. A partir de então, esse conhecimento passa a fazer parte do indivíduo, mudando os seus pensamentos ou a sua conduta. Segundo Pilletti (2010), existem três tipos de aprendizagem: aprendizagem motora ou motriz; aprendizagem cognitiva; aprendizagem afetiva ou emocional. A aprendizagem motriz refere-se ao desenvolvimento das habilidades motoras necessárias para a vida, como andar, correr, dirigir, falar, escrever, etc. Já a aprendizagem cognitiva baseia-se no aprender, assimilar e interpretar todas as informações e os conhecimentos recebidos. Por fim, a aprendizagem afetiva envolve os sentimentos e as emoções que existem e fazem parte dos processos de ensino e aprendizagem. É importante destacar que essas apren- dizagens ocorrem simultaneamente, de forma interdependente. Pode-se constatar, ainda, que inúmeros outros fatores intervêm na apren- dizagem dos alunos no interior da escola, conforme a Figura 3. Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática6 Figura 3. Fatores que intervêm na aprendizagem dos alunos na escola. Como é possível perceber, o aprender, segundo as concepções pedagógi- cas e psicológicas que circulam na atualidade, envolve aspectos que fogem do ambiente escolar. Por exemplo, a partir da realidade social que os alunos vivenciam, da sua estrutura de vida, da classe social que ocupam, eles tanto poderão ter maior dificuldade em aprender quanto ser mais favorecidos. Os aspectos nutricionais (desde a gestação) proporcionarão o desenvolvi- mento neuronal pleno, de modo que a capacidade para aprender ocorrerá de forma tranquila. Já crianças que tiveram uma nutrição precária na gestação e na infância poderão apresentar maiores dificuldades de aprendizagem. O ambiente familiar no qual a criança passa a viver a sua infância e a sua escolarização inicial também afeta a maneira como ela aprende. Pais ou responsáveis que se preocupam com um ambiente harmônico, não violento e pautado no diálogo, por exemplo, produzem melhores condições psicológicas para que essa criança possa aprender em casa e na escola. Da mesma forma, crianças que vivenciaram ambientes familiares agressivos e violentos tendem a ter maiores dificuldades para aprender. Os aspectos culturais — e até mesmo étnicos — que envolvem as experi- ências e vivências nos grupos sociais em que as crianças participam desde o seu nascimento também serão importantes para que elas possam desenvolver a sua visão de mundo e valorizar ou não o aprender escolar. Nesse sentido, a didática utilizada pelo professor e os estímulos que este adota para ensinar irão motivar e interferir diretamente na aprendizagem de seus alunos. Assim, pode-se admitir uma relação muito estreita entre a mo- tivação para aprender e o interesse pela aprendizagem com a maneira como o professor procura planejar e desenvolver as suas aulas. Segundo Brousseau (apud ALMOULOUD, 2007, p. 31): 7Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Um processo de aprendizagem pode ser caracterizado de modo geral (se não determinado)por um conjunto de situações identificáveis (naturais ou didá- ticas) reprodutíveis, conduzindo frequentemente à modificação de comporta- mentos de alunos, modificação característica da aquisição de um determinado conjunto de conhecimentos. O autor entende que há outras situações, além das didáticas, que poderão proporcionar a aprendizagem e aponta algo muito importante, que atesta o aprendizado: a mudança de comportamento. Logo, se você quiser verificar se algum conteúdo ou conhecimento foi aprendido pelos seus alunos, também precisará pensar em um formato de avaliação que permita visualizar se o comportamento anterior foi alterado ou não. Observe um exemplo bem típico das instituições de ensino da atualidade: ações educacionais que procuram evitar o preconceito, a discriminação ou o bullying no interior das escolas. O professor prepara-se para essa atividade e planeja as mais diversas ações e metodologias que possam conduzir ao objetivo de acabar com tais situações na escola. Após colocá-las em prática com o seu grupo de alunos, ele verifi- cará se estes aprenderam o que foi proposto a partir da modificação de suas condutas em relação ao tema. Se as ações continuarem apontando atitudes preconceituosas e discriminatórias ou o próprio bullying, é provável que a aprendizagem não tenha ocorrido a todos como deveria, pois não atingiu os seus objetivos iniciais. Logo, pode-se perceber que desenvolver a aprendizagem não é uma tarefa simples, uma vez que: [...] aprendizagem não é somente um processo de aquisição de conhecimentos, conteúdos ou informações. As informações são importantes, mas precisam passar por um processamento muito complexo, a fim de se tornarem signifi- cativos para a vida das pessoas (PILETTI, 2010, p. 29). É nesse processamento complexo citado pelo autor que se encontram as capaci- dades individuais e as questões afetivas e motoras existentes naquele que aprende. A aprendizagem tem sido muito enfatizada na atualidade, uma vez que vivemos em uma sociedade que abrange uma grande profusão de informa- ções advindas do universo digital, o que contribui para que o seu conceito se reconfigure. Embora seja contestável que as informações disponíveis na Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática8 internet possam sempre traduzir-se em qualidade de aprendizagem, ainda assim sabe-se que é possível aprender de forma autônoma a partir da rede. Essas possibilidades de aprendizagem, que surgiram a partir da globalização e das novas formas de comunicação, também modificam o papel do professor nas instituições de ensino, que é visto agora como mediador do conhecimento. Conforme Moran (1997, p. 151): [...] precisamos de mediadores, de pessoas que saibam escolher o que é mais importante para cada um de nós em todas as áreas da nossa vida, que garimpem o essencial, que nos orientem sobre as suas consequências, que traduzam os dados técnicos em linguagem acessível e contextualizada. Das novas associações que falam da aprendizagem, relacionando-a com a sociedade da informação ou com a sociedade aprendente atual, fica a ideia de que esse conceito é visto como algo novo, quase que incontrolável em relação aos seus resultados finais. Da mesma forma, a aprendizagem via internet, por meio da intertextualidade proposta pelos hipertextos, com suas camadas de informações sobrepostas e complementares, produz um novo modo de aprender, mais dinâmico e instável. Dessa forma, pode-se entender que, na atualidade, o: [...] aprender não pode aludir, nunca, a uma tarefa completa, a um procedi- mento acabado ou a uma pretensão totalmente realizada; ao contrário, indica vivamente, à dinâmica da realidade complexa, a finitude das soluções e a incompletude do conhecimento (DEMO, 2000, p. 49). Para entender melhor como funciona a relação entre o ensino e a aprendizagem, podemos nos valer de algumas metáforas, como a da agricultura. Dessa maneira, o professor pode ser visto como o agricultor, que prepara a terra, a aduba e a irriga. Contudo, a germinação, o desenvolvimento das plantas e o sucesso na colheita de- pendem, também, das sementes que foram plantadas. Em suma, o professor é um agente externo que colabora na aprendizagem do aluno, assim como o agricultor o faz para o resultado da plantação. 9Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática 3 Os quatro pilares da educação e o ensino e a aprendizagem As questões que envolvem a educação e, consequentemente, os aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem têm um destaque mundial muito grande na contemporaneidade, sobretudo pelos aspectos relacionados a uma sociedade que passa de pautada na informação para aprendente — fenômeno verifi cado principalmente nas últimas décadas. Assmann (1998) faz uma interessante constatação ao analisar que, com a universalização da internet e das tecnologias da informação e da comunicação, que caracterizam a cha- mada sociedade da informação, tivemos uma mudança radical nas questões de tempo/espaço. Isso também altera as exigências no mercado de trabalho, principalmente nos aspectos relacionados a uma maior formação/qualifi cação e fl exibilidade por parte dos colaboradores que atuam nas empresas globais. Dessa forma, percebe-se que a denominada sociedade aprendente surgiu nos ambientes organizacionais e, posteriormente, deslocou-se para as escolas, que mudaram as suas ênfases também para a aprendizagem. Para darmos apenas um pequeno exemplo dessa argumentação, em 1990, Peter Senge lançou o seu livro A quinta disciplina, que se tornou um best-seller seguido e praticado em muitas das grandes organizações públicas e privadas mundiais. Ele argumenta que: Muitos se referem às organizações emergentes como “organizações baseadas no conhecimento” ou como “organizações que aprendem”: organizações inerentemente mais flexíveis, adaptáveis e mais capazes de constantemente “reinventarem-se”. Tais organizações terão por base a crença de que, em um mundo de mudanças cada vez mais aceleradas e crescente interdependência […] a fonte básica de toda vantagem competitiva está na capacidade de aprender mais rápido do que seus concorrentes (SENGE, 2002, p. 12, grifo nosso). Como é possível verificar, alguns fatores econômicos, políticos e sociais contri- buem para essa mudança de ênfase. O aprender ganha destaque e a aprendizagem passa a ser entendida como algo que deve ser realizado pela vida toda. Preocupada em propor condições universais para equilibrar as questões que envolvem a educa- ção da população global, a Unesco — braço da Organização das Nações Unidas (ONU) relativo aos cuidados com a educação — lançou, em 1996, o Relatório da Comissão Internacional da Educação para o Século XXI, intitulado Um tesouro a descobrir. Esse documento aponta os quatro pilares sobre os quais a educação deverá se pautar (Figura 4). Esses pilares se relacionarão diretamente com as questões que envolvem o ensino e, principalmente, aquilo que deve ser aprendido nas escolas dos sistemas de ensino das nações que fazem parte da ONU. Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática10 Figura 4. Os quatro pilares da educação propostos pelo relatório da Unesco. Fonte: Adaptada de Dzm1try/Shutterstock.com. Segundo as próprias palavras do documento, dentro de um mundo que se encontra imerso em tantos infortúnios, violências e desigualdades sociais, e que busca ser coeso e global, é coerente entender que: [...] o indivíduo deve dispor de todos os elementos de uma educação básica de qualidade; melhor ainda, é desejável que a escola venha a incrementar, cada vez mais, o gosto e prazer de aprender, a capacidade de aprender a aprender, além da curiosidade intelectual (UNESCO, 2010, p. 12). Em essência, como a sociedade torna-se mais dinâmica e suscetível a mu- danças, e para que se alcance o objetivo de um mundo sustentável no futuro, “[...] é imperativo impor o conceito de educação ao longo da vida com suas vantagens de flexibilidade, diversidadee acessibilidade no tempo e no espaço” (UNESCO, 2010, p. 12). Como é possível perceber, a busca pelo aprender está sendo enfatizada e reforçada, e o relatório propõe, ainda, que essa educação e essas aprendizagens ocorram não somente durante a vida escolar, mas sim por toda a extensão da vida, de forma permanente. 11Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática Confira, a seguir, os quatro pilares da educação e como eles se articulam com as questões do processo de ensino e aprendizagem, conforme apresentado no documento da Unesco (2010). Aprender a conhecer: faz-se necessário que os indivíduos tenham acesso e aprendam sobre determinada cultura geral, sobre uma base cultural relacionada a tudo o que foi desenvolvido nos aspectos cientí- ficos. Esses conhecimentos devem ser suficientemente amplos, a fim de fornecer capacidade intelectual e permitir que essas pessoas possam ter condições de selecionar os conhecimentos que mais lhe interessem e, assim, planejar seus estudos no decorrer da vida. Aqui, percebe-se que a escolarização inicial é de fundamental importância, pois, por meio do sucesso no alcance de seus objetivos educacionais, ela estará proporcionando que os alunos adquiram essa base de conhecimentos que darão suporte às suas aprendizagens posteriores. Cabe ressaltar que, atualmente, vivemos a emergência de uma Base Nacional Comum Curricular, construída a partir de um esforço do Ministério da Educação, com a participação popular, que propõe um nivelamento de conteúdos a serem adquiridos por todos os que frequentam as escolas brasileiras. Aprender a fazer: esse item refere-se especificamente à aquisição de uma profissão, a aprender competências que qualifiquem o indivíduo para as imprevisibilidades do mercado de trabalho. Propõe-se, ainda, a desenvolver, dentro da escola, o trabalho em equipe, por meio de processos de ensino e aprendizagem que simulem, testem e aproximem a escola dos ambientes de trabalho encontrados pelos estudantes ao se tornarem trabalhadores. Percebe-se esse pilar no interior de muitas escolas que procuram projetar situações empresariais aos alunos e desenvolver as suas competências para exercer algumas atribuições específicas. Da mesma maneira, as dinâmicas de trabalhos em equipe e grupos, o desenvolvi- mento de lideranças, o empreendedorismo e as habilidades voltadas para a comunicação, a inteligência emocional e o relacionamento interpessoal, tão valorizadas no mercado de trabalho, têm feito parte importante dos projetos educacionais atuais em muitas das escolas do sistema de ensino. Aprender a conviver: esse pilar destaca o quanto o respeito pelo outro é necessário e deve ser constante nos processos de ensino e aprendizagem da escola. Ele propõe que sejam conhecidas a história, as tradições e até mesmo as questões espirituais que fazem parte da vida dos diversos Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática12 grupos culturais que convivem na sociedade. Visa-se, assim, a uma convivência social menos conflituosa. É possível entender, a partir desse pilar, como os temas que envolvem o multiculturalismo, a diver- sidade e a própria inclusão escolar vão fazendo parte dos projetos de trabalho realizados nas escolas na última década, buscando construir uma sociedade mais tolerante e pacífica. Aprender a ser: esse pilar reforça os compromissos individuais que possuímos de nos tornarmos melhores, no desenvolvimento pleno de nossas capacidades, visando ao benefício da coletividade. Aqui, são apontadas algumas das capacidades necessárias: “[...] a memória, o raciocínio, a imaginação, as capacidades físicas, o sentido estético, a facilidade de comunicar-se com os outros” (UNESCO, 2010, p. 14). Também é apontada a necessidade de autoconhecimento. Partindo desse pilar, ao frequentar a escola, os alunos devem conseguir expandir ao máximo as suas habilidades ou talentos, como refere o documento, pois assim também estarão contribuindo para uma sociedade melhor no futuro. Como é possível observar, ao abordar os quatro pilares da educação pro- postos no relatório da Unesco, as questões relacionadas à educação escolar em âmbito global são cada vez mais importantes. Entende-se que, a partir delas, será possível a construção de um projeto de sociedade capaz de viver em harmonia e enfrentar os seus problemas, as desigualdades e os conflitos de forma sustentável. Para isso, é preciso que se aprenda na escola a ser o melhor possível, que se adquiram capacidades ou competências profissionais e que se entenda a importância do convívio com os seus semelhantes. Além disso, o aluno precisa ter o conhecimento cultural produzido pela sociedade que o capacite a viver e projetar novos estudos de seu interesse no futuro, uma vez que a educação será a sua acompanhante durante toda a vida. Para ler na íntegra o relatório da Unesco que apresenta os quatro pilares da educação que têm norteado os sistemas de ensino mundiais nas duas últimas décadas, pesquise por Educação: um tesouro a descobrir em seu navegador e acesse o respectivo relatório. 13Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática ALMOULOUD, S. A. Fundamentos da didática da matemática. Curitiba: UFPR, 2007. ASSMANN, H. Reencantar a educação: rumo à sociedade aprendente. Rio de Janeiro: Vozes, 1998. BES, P. Andragogia e educação profissional. Porto Alegre: SAGAH, 2017. COMENIUS. Didáctica magna. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1976. DAMIS, O. T. Arquitetura da aula: um espaço de relações. In: DALBEN, A. I. L. de F. et al. (Org.). Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente: didática, formação docente, trabalho docente. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. DEMO, P. O que aprender, afinal?. In: DEMO, P. Conhecer e aprender: sabedoria dos limites e desafios. Porto Alegre: Artes Médicas, 2000. GIUSTA, A. da S. Concepções de aprendizagem e práticas pedagógicas. Educação em Revista, n. 1, 1985. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2018. LUCK, H. Pedagogia interdisciplinar: fundamentos teóricos-metodológicos. Rio de janeiro: Vozes, 1994. MORAN, J. M. Como utilizar a internet na educação. Ciência da Informação, v. 26, n. 2, p. 146-153, 1997. Disponível em: . Acesso em: 11 jul. 2018. PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. PILETTI, C. Didática geral. 24. ed. São Paulo: Ática, 2010. SENGE, P. A quinta disciplina: arte e prática da organização que aprende. São Paulo: Best Seller, 2002. UNESCO. Educação: um tesouro a descobrir. Brasília: Fundação Faber Castell, 2010. Disponível em:. Acesso em: 11 jul. 2018. VYGOTSKY, L. S. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: LURIA, A. R. et al. Psicologia e pedagogia I: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento. Lisboa: Estampa, 1977. Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática14 Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 15Ensino e aprendizagem: dois processos básicos da didática PORFÓLIO A motivação para aprender algo parte do aluno, estudante ou aprendiz, uma vez que é um processo interno, subjetivo. Dessa maneira, muito do interesse que possa ser desenvolvido nos alunos se relaciona com a forma como o professor irá estruturar sua metodologia e selecionar os recursos a serem utilizados em sala de aula, bem como com a atenção que disponibiliza para entendê-los. Joana é pedagoga e lecionou durante boa partede sua carreira docente como professora alfabetizadora, com turmas de primeiro e segundo anos do Ensino Fundamental. Neste ano, recebeu um novo desafio, assumiu as turmas de quarto e quinto anos, na quais existem alunos com defasagem de idade, tendo 14 e 15 anos. Esses meninos e meninas acabam não apresentando interesse algum nos conteúdos desenvolvidos por Joana e, por serem repetentes, acabam somente tumultuando as aulas e causando conflito com os colegas e professores. Coloque-se no lugar de Joana e responda: O que você poderia fazer para reverter a situação desses alunos com defasagem? PESQUISA D-15 - Didática Geral: O ensino e o aprendizado https://www.youtube.com/watch?v=ILy_PZ1e2y4 Durante uma reunião de professores da Escola Ernani Silva Bruno, em Taipas (periferia de São Paulo), surgem as questões: "Qual é o perfil do aluno das escolas públicas?"; "A didática dos professores dá conta desse novo perfil de aluno?". A partir desse questionamento professores e especialistas (Ana Lúcia Guedes, da Faculdade de Educação da Unicamp e José Cerchi Fusari, da Faculdade de Educação da USP) desenvolvem seus argumentos.