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1 OAB – SÃO PAULO COMISSÃO: DIREITO DO TERCEIRO SETOR RESPONSABILIDADE SOCIAL: UMA ATITUDE A SER ADOTADA PELOS INDIVÍDUOS E PELAS EMPRESAS - DR. RODRIGO MENDES PEREIRA I – Princípios Constitucionais, Terceiro Setor e Responsabilidade Social. Nossa Constituição Federal, também denominada como Constituição Cidadã, em seu artigo 3º, definiu que “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”. Ao explicitar esses princípios fundamentais, a Constituição, em linhas gerais, priorizou a adoção de medidas necessárias ao enfrentamento dos problemas sociais; assegurou o amparo, a proteção e a inclusão dos segmentos populacionais desfavorecidos (vulneráveis) e; garantiu a todos o efetivo exercício dos direitos sociais, por ela expressamente definidos em seu artigo 6º (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados). Percebemos, entretanto, que existe um grande distanciamento entre o que a Constituição Federal determina e a realidade vivida especialmente pelos segmentos populacionais desfavorecidos. Assim, ante essa constatação, agravada também pelo fato de que o Poder Público não possui recursos financeiros, materiais e humanos necessários a promoção dos direitos sociais, surgem alguns questionamentos: Estamos dispostos a viver aquilo que escrevemos na Constituição Federal? Como diminuir o distanciamento entre as determinações legais e a realidade? Qual é o nosso papel para que seja possível o efetivo exercício dos direitos sociais? Em sendo positivo a primeira questão, o que parece evidente, inclusive porque fomos nós mesmos, através de nossos legítimos representantes, que definimos o teor da Constituição Federal, devemos destacar o papel do Terceiro Setor e das práticas de responsabilidade social que fomentam esse setor, como essenciais para que os direitos sociais deixem de estar simplesmente no papel e passem a se incorporar à vida dos cidadãos. 2 Embora não exista unanimidade no tocante ao conceito e a abrangência do Terceiro Setor, podemos dizer que, no Brasil, a denominação Terceiro Setor é utilizada para identificar as atividades da sociedade civil, que não se enquadram na categoria das atividades estatais (Primeiro Setor, representado por entes da Administração Pública) ou das atividades de mercado (Segundo Setor, representado pelas empresas com finalidade lucrativa). Desta forma, uma definição primária associa o Terceiro Setor às atividades simultaneamente não- governamentais e não lucrativas. De fato, o Terceiro Setor é o espaço ocupado especialmente pelas organizações da sociedade civil, sem fins lucrativos ou econômicos, de interesse social, constituídas basicamente na modalidade de associações e fundações; pelos projetos, ações e atividades de interesse social desenvolvidos por indivíduos e empresas e que, essencialmente, objetivam fomentar, apoiar e complementar a atuação das entidades sem fins lucrativos e; ainda, pelas alianças (parcerias) entre a sociedade civil, poder público e empresas com o objetivo de promover o desenvolvimento social. Destacamos, também, que se caracterizam como entidades de interesse social, tanto as organizações sem fins lucrativos de interesse ou caráter público (entidades assistenciais, beneficentes, filantrópicas, de defesa de direitos etc.), quanto as organizações sem fins lucrativos de ajuda mútua ou de auto-ajuda (associações de classe, clubes sociais, associações de moradores etc.). Para se ter uma idéia da dimensão do Terceiro Setor no Brasil, informamos que, segundo o estudo designado “FASFIL”, realizado pelo IBGE e pelo IPEA, em parceria com ABONG e o GIFE, em 2002 havia 276 mil associações, fundações e organizações religiosas em nosso país, empregando 1,5 milhão de assalariados. O estudo também constatou que, especialmente na última década, foi muito expressivo o crescimento do número de entidades. Assim, após verificarmos o papel e a dimensão do Terceiro Setor, assim com que seu desenvolvimento está intimamente ligado às práticas de responsabilidade social, dando ênfase aos aspectos individual e empresarial, assim como aos princípios constitucionais, pode-se definir a responsabilidade social como o conjunto das atitudes concretas adotadas pelos indivíduos ou pelas empresas, objetivando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Outro aspecto que ajuda a entender o conceito, a abrangência e, inclusive, os limites da responsabilidade social, são as quatro dimensões da responsabilidade dos indivíduos e das empresas em relação à sociedade. Na responsabilidade social individual teríamos a responsabilidade de auto-realização (ser feliz), a responsabilidade legal (obedecer às leis), a 3 responsabilidade ética (fazer o que é certo e justo, evitando danos) e responsabilidade filantrópica (ser um bom cidadão, especialmente através da realização de doações e da prestação de serviço voluntário às entidades). Já na responsabilidade social empresarial, teríamos as mesmas dimensões, apenas com as seguintes adequações: responsabilidade econômica (ser lucrativo, obter lucros), responsabilidade legal (obedecer às leis), responsabilidade ética (integrar valores essenciais – honestidade, confiança, respeito e justiça – em suas políticas, práticas e no processo de tomada de decisões, ou seja, fazer o que é certo e justo, evitando danos) e responsabilidade filantrópica (ser uma empresa responsável ou “cidadã”, especialmente através realização de investimento social privado, ou seja, repasse de recursos à comunidade). II – Responsabilidade Social Empresarial – RSE - e Investimento Social Privado – ISP Levando em conta que houve uma grande evolução na concepção da responsabilidade social e, conseqüentemente, na maneira pela qual as empresas passaram a se relacionar com a comunidade, acreditamos ser pertinente o aprofundamento do tema sobre a responsabilidade social empresarial e o investimento social privado. Se, para as clássicas teorias administrativas e econômicas há muito superadas, a responsabilidade das empresas restringia-se à maximização dos lucros e a obedecer as leis – “the only business of the business is business” - , para as teorias atuais, a responsabilidade social envolve a ética nos negócios (“Business Ethics”), como também as relações e as responsabilidades da empresa não apenas com seus acionistas e funcionários, mas também com todos os grupos de interessados, ou ”stakeholders”, que afetam ou são afetados pelas atividades da organização empresarial (“Stakeholder Theory”). Dentre eles estão incluídos os acionistas, os funcionários, os prestadores de serviços, os fornecedores, os consumidores, o meio ambiente, o governo e a comunidade. O conceituado e atuante Instituto Ethos define a responsabilidade social empresarial como “uma forma de conduzir os negócios da empresa de tal maneira que a torna parceira e co-responsável pelo desenvolvimento social. A empresa socialmente responsável é aquela que possui a capacidade de ouvir os interesses das diferentes partes (acionistas, funcionários, prestadores de serviço, fornecedores, consumidores, comunidade, governo e meio-ambiente)e conseguir incorporá-los no planejamento de suas atividades, buscando atender às demandas de todos e não apenas dos acionistas ou proprietários.”. O referido Instituto também considera que a “ética é a base da Responsabilidade Social e se expressa através dos princípios e valores adotados pela organização. Não há Responsabilidade Social sem ética nos negócios. Não 4 adianta uma empresa, por um lado pagar mal seus funcionários, corromper a área de compras de seus clientes, pagar propinas à fiscais do governo e, por outro, desenvolver programas junto a entidades sociais da comunidade. Essa postura não condiz com uma empresa que quer trilhar um caminho de Responsabilidade Social. É importante seguir uma linha de coerência entre ação e discurso”. Segundo o também conceituado e atuante GIFE - Grupo de Institutos, Fundações e Empresas - o “investimento social privado é o repasse voluntário de recursos privados de forma planejada, monitorada e sistemática para projetos sociais, ambientais e culturais de interesse público. Incluem-se neste universo as ações sociais protagonizadas por empresas, fundações e institutos de origem empresarial ou instituídos por famílias ou indivíduos. A preocupação com o planejamento, o monitoramento e a avaliação dos projetos é intrínseca ao conceito de investimento social privado e um dos elementos fundamentais na diferenciação entre essa prática e as ações assistencialistas. Diferentemente do conceito de caridade, que vem carregado da noção de assistencialismo, os investidores sociais privados estão preocupados com os resultados obtidos, as transformações geradas e o envolvimento da comunidade no desenvolvimento da ação.” Outro aspecto, que merece destaque, é o fato de que o investimento social está incluído na agenda da responsabilidade social empresarial, ou seja, o investimento social diz respeito à relação da organização empresarial com o stakeholder “comunidade”, envolvendo o repasse de recursos privados para fins públicos, tendo como beneficiário principal a comunidade em suas diversas formas (conselhos comunitários, organizações não governamentais, associações comunitárias etc). Ressalte-se, que o investimento social privado também beneficia a própria organização empresarial, uma vez que ele integra a agenda da responsabilidade social empresarial. Já com relação às práticas envolvendo os outrosstakeholders (os acionistas, os funcionários, os prestadores de serviços, os fornecedores, os consumidores, o meio ambiente, o governo), a organização empresarial utiliza recursos privados para fins privados, sendo ela a beneficiária principal, uma vez que as práticas de responsabilidade social objetivam contribuir para que as empresas alcancem excelência e sustentabilidade em seus negócios através da ética no mercado. III – O Papel e o Modo de Atuação das Empresas nas Questões Sociais: Acertos, Equívocos e Desafios. Pudemos verificar a existência de uma grande evolução sobre a responsabilidade das empresa em relação à sociedade, assim como uma evolução na forma em que a empresa deve atuar junto à comunidade. Nesse aspecto, passou-se da concepção da filantropia tradicional – 5 centrada no doador, com caráter paternalista, que termina no repasse do recurso e que busca reagir ao presente - ao investimento social privado – centrado no receptor, com foco no desenvolvimento social, que se inicia com repasse do recurso realizado de uma forma planejada, monitorada e sistemática, e que busca projetar o futuro. Entretanto, percebemos, inclusive por influência de “modismos” gerenciais, que existe um distanciamento entre o discurso e as práticas das empresas. Assim, levantamos, abaixo, alguns elementos que possibilitam uma reflexão sobre acertos, equívocos e desafios referentes ao papel e ao modo de atuação das empresas nas questões sociais: As empresas não devem jamais se esquecer que seu papel, no tocante ao enfrentamento dos problemas sociais, é o de investidor (financiador), especialmente por meio do repasse de bens e serviços às organizações da sociedade civil. Pela confusão existente entre os termos assistência social - atendimento gratuito das necessidades básicas dos cidadãos – e assistencialismo - assistência a membros carentes ou necessitados, em detrimento de uma política que os tire dessa condição (encenação de assistência social, populismo assistencial) – as empresas, sob o argumento de que estão combatendo o assistencialismo, deixam, equivocadamente, de financiar ações no campo da assistência social. As ações onde a motivação e o elemento preponderante é o marketing, de modo algum podem ser consideradas ações de investimento social privado, e isto porque no investimento social quem primeiramente ganha é a comunidade. A empresa também ganha, porém seu ganho decorre, deriva, da ação social. A constituição de um “braço social” (Fundação ou Instituto) pela empresa, ou a constituição de um departamento interno específico voltado às ações sociais, devem ser vistos como instrumentos para otimizar e evitar a pulverização das ações e projetos sociais das empresas. Assim, em hipótese alguma o “braço social” ou o departamento deve ser utilizado como um instrumento para o desenvolvimento de ações de marketing, disfarçadamente tratadas como investimento social. Esse instrumento também não deve ser utilizado como uma forma de reduzir o volume de recursos disponíveis às ações e projetos sociais. As parcerias ou alianças intersetoriais, envolvendo empresas, organizações da sociedade civil e o poder público, são um promissor instrumento a ser utilizado pelas empresas para o desenvolvimento de ações e projetos sociais, e isto porque, por meio das alianças, a imposição é substituída pela integração, de onde resulta o maior comprometimento das partes envolvidas. Por outras palavras, a empresa não deve impor um projeto, e sim escutar a comunidade. 6 * Rodrigo Mendes Pereira, bacharel em Direito pela USP, pós-graduado pela FIA/FEA/USP (MBA - Gestão e Empreendedorismo Social) e com especializações nas áreas de Direito e de Administração do 3º Setor pela EAESP/FGV. Coordenador do Núcleo de Estudos Legislativos e Doutrinários da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB/SP. Assessor jurídico e técnico em projetos sociais. E-mail: romepe@terra.com.br
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