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Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 668-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO ADMINISTRATIVO AUTOTUTELA ▪ Mesmo depois de terem-se passado mais de 5 anos, a Administração Pública pode anular a anistia política concedida quando se comprovar a ausência de perseguição política, desde que respeitado o devido processo legal e assegurada a não devolução das verbas já recebidas. CONCURSO PÚBLICO ▪ O prazo para se questionar a preterição de nomeação de candidato em concurso público é de 5 anos, contado da data em que o outro servidor foi nomeado no lugar do aprovado. INFRAÇÕES DE TRÂNSITO ▪ É obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade de trânsito, mas não se exige que sejam acompanhadas de aviso de recebimento. DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR ▪ Se a mulher passar a conviver com alguém em união estável após a morte do ex-combatente, ela perde a condição de viúva (art. 2º, V, da Lei nº 8.059/90) e, portanto, não terá mais direito à pensão. DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE ▪ Competência para julgar demandas entre usuário e operadora de plano de saúde. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE INTERNAÇÃO ▪ É legal a internação de adolescente gestante ou com o filho em amamentação, desde que assegurada atenção integral à sua saúde, bem como as condições necessárias para que permaneça com seu filho durante o período de amamentação. DIREITO PROCESSUAL CIVIL SUSPEIÇÃO ▪ A falha procedimental consubstanciada na publicação antecipada de resultado de julgamento que havia sido adiado não gera suspeição do relator. AGRAVO DE INSTRUMENTO ▪ Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa por ato atentatório à dignidade da justiça pelo não comparecimento à audiência de conciliação. DIREITO PENAL LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS ▪ O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 2 ROUBO ▪ Nos casos em que se aplica a Lei nº 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA ▪ Para a incidência do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 em caso de sonegação fiscal de tributos federais, é necessário que o valor da dívida seja igual ou superior a R$ 1 milhão; se a sonegação fiscal for de tributos estaduais ou municipais, deve-se analisar o que define a Fazenda local. CRIMES DO CÓDIGO DE TRÂNSITO ▪ A causa de aumento prevista no art. 302, § 1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local. DIREITO PROCESSUAL PENAL TRIBUNAL DO JÚRI ▪ A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO ▪ O cometimento do crime do art. 28 da Lei de Drogas deve receber o mesmo tratamento que a contravenção penal, para fins de revogação facultativa da suspensão condicional do processo. DIREITO ADMINISTRATIVO AUTOTUTELA Mesmo depois de terem-se passado mais de 5 anos, a Administração Pública pode anular a anistia política concedida quando se comprovar a ausência de perseguição política, desde que respeitado o devido processo legal e assegurada a não devolução das verbas já recebidas Importante!!! No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas. Ex: 2003, João, ex-militar da Aeronáutica, recebeu anistia política, concedida por meio de portaria do Ministro da Justiça. Em 2006, a AGU emitiu nota técnica fazendo alguns questionamentos sobre a forma indevida pela qual estavam sendo concedidas anistias políticas, dentre elas a que foi outorgada a João. Em 2011, o Ministro da Justiça determinou que fossem revistas as concessões de anistia de inúmeros militares, inclusive a de João. Em 2012, foi aberto processo administrativo para examinar a situação de João e, ao final, determinou-se a anulação da anistia política. Mesmo tendo-se passado mais de 5 anos, a anulação do ato foi possível, seja por força da parte final do art. 54 da Lei nº 9.784/99, seja porque o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta diretamente a Constituição Federal. STF. Plenário. RE 817338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/10/2019 (repercussão geral – Tema 839) (Info 956). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 3 É possível a anulação do ato de anistia pela Administração Pública, evidenciada a violação direta do art. 8º do ADCT, mesmo quando decorrido o prazo decadencial contido na Lei nº 9.784/99. STJ. 1ª Seção. MS 19.070-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 668). Anistia política e reparação de natureza econômica Durante a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, diversas pessoas foram vítimas de perseguição política praticada pelo governo federal. Como exemplo disso, diversos militares que não eram alinhados ao governo foram considerados “subversivos” pelo regime militar e expulsos das Forças Armadas. A fim de reparar política e economicamente situações como essa e que atingiram milhares de indivíduos na época da ditadura militar, a CF/88 previu, no art. 8º do ADCT, que a União poderá conceder anistia política a pessoas que foram prejudicadas por perseguições decorrentes de motivação política no período de 18/09/1946 até a data de promulgação da Constituição. Há previsão também de que o anistiado receba uma reparação de natureza econômica, a ser paga pela União, em alguns casos nos quais fique demonstrado que ele sofreu prejuízos em sua atividade laboral. A Lei nº 10.559/2002 regulamentou o art. 8º do ADCT e a concessão dessa reparação econômica para os anistiados. Veja: Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos: I - declaração da condição de anistiado político; II - reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1º e 5º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (...) Art. 3º A reparação econômica de que trata o inciso II do art. 1º desta Lei, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, correrá à conta do Tesouro Nacional. (...) Art. 4º A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral. (...) Art. 5º A reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será assegurada aos anistiados políticos que comprovarem vínculos com a atividade laboral, à exceção dos que optarem por receber em prestação única. (...) Art. 6º O valor da prestação mensal,– prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a três contos de réis, ou ambas cumulativamente. § 1º A pena é aumentada de um terço até metade, se o agente já foi condenado, em sentença irrecorrível, por violência contra pessoa. § 2º Incorre na pena de prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a um conto de réis, quem, possuindo arma ou munição: a) deixa de fazer comunicação ou entrega à autoridade, quando a lei o determina; b) permite que alienado menor de 18 anos ou pessoa inexperiente no manejo de arma a tenha consigo; c) omite as cautelas necessárias para impedir que dela se apodere facilmente alienado, menor de 18 anos ou pessoa inexperiente em manejá-la. Arma O sentido do vocábulo arma, segundo Luiz Regis Prado “deve ser compreendido não só o aspecto técnico (arma própria), em que quer significar o instrumento destinado ao ataque ou defesa, mas também em sentido vulgar (arma imprópria), ou seja, qualquer outro instrumento que se torne vulnerante, bastando que seja utilizado de modo diverso daquele para o qual fora produzido (v.g., uma faca, um machado, uma foice, uma tesoura etc.)” (Comentários ao Código Penal, 10ª ed, São Paulo: RT, p. 675). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 23 Essa previsão continua válida ainda hoje? • Em relação à arma de fogo: NÃO. No que tange às armas de fogo, o art. 19 da Lei de Contravenção Penal foi tacitamente revogado pelo art. 10 da Lei nº 9.437/97, que por sua vez também foi revogado pela Lei nº 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento). O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento, conforme seja a arma permitida ou proibida. Em relação à branca: SIM O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas. Exemplos e arma branca (considerada arma imprópria): faca, facão, canivete etc. O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais. STJ. 5ª Turma. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668). O art. 19 do DL 3.688/41 fala em “licença da autoridade”. Como compatibilizar isso com as armas brancas já que não se exige licença para se ter uma faca, por exemplo? Segundo parte da doutrina, o elemento normativo do tipo penal do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais, “sem licença da autoridade” não se aplica às armas brancas (JESUS, Damásio E. Lei das Contravenções Penais Anotada; 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 75). Há uma tese defensiva no sentido de que a punição do porte de arma branca pelo art. 19 do DL 3.688/41 violaria os princípios da intervenção mínima e da legalidade. Essa tese é acolhida pelo STJ? NÃO. A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do DL 3.688/41, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade, tal como pretendido. Nesse sentido: Não há inconstitucionalidade na Lei de Contravenções Penais, recepcionada pela Constituição Federal e tratada pela legislação atual como delito de pequeno potencial ofensivo, isto se aplicando inclusive ao delito do art. 19 da Lei de Contravenções Penais. STJ. 6ª Turma. AgRg no HC 331.694/SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 03/12/2015. Remanesce a contravenção penal do art. 19 da LCP, pois “para evitar o mal maior, que se traduziria em dano, o legislador pune o porte ilegal da arma, com sanção branda, cerceando a conduta perigosa para evitar a ocorrência de uma infração mais grave.” (NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Contravenções Penais Controvertidas; 4ª ed., São Paulo: EUD; 1993, p. 46). Busca-se, assim, proteger a paz pública de uma maneira geral, mas também evitar e prevenir a ocorrência de delitos mediante violência, como homicídios, roubos, latrocínios, lesões corporais etc. (MIGLIARI JÚNIOR, Arthur. Lei das Contravenções Penais e Leis Especiais Correlatas; São Paulo: Lex Editora; 2000, p. 52). Necessário analisar o contexto Para haver ou não a punição pelo art. 19 da LCP é necessário que seja analisado o contexto fático para se aferir o potencial de lesividade da conduta. Assim, por exemplo, não haverá a contravenção na conduta do agricultor que é encontrado com um facão cortando mato para entrar na floresta. Por outro lado, é possível, em tese, que essa contravenção se verifique na conduta do agente que caminhava à noite na região central de Belo Horizonte com uma faca de 18 cm de lâmina na mochila (STJ. 5ª Turma. RHC 66.979/MG, Rel. Min. Gurgel de Faria, Rel. p/ Acórdão Min. Felix Fischer, julgado em 12/04/2016). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 24 STF A compatibilidade ou não do art. 19 do DL 3.688/41 com a CF/88 será apreciada pelo STF, que reconheceu a existência de repercussão geral da matéria nos autos do Agravo em Recurso Extraordinário n. 901.623, estando, pois, pendente de apreciação o mérito da controvérsia. Princípio da especialidade Cuidado. Se a pessoa portar arma branca no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, a conduta será punida como crime, na forma do art. 41-B do Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003): Art. 41-B. Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores em eventos esportivos: Pena - reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa. § 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: (...) II – portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência. Nesse caso, não se aplica o art. 19 do DL 3.688/41 porque o art. 41-B do Estatuto do Torcedor é especial e posterior em relação à previsão da lei das contravenções penais. ROUBO Nos casos em que se aplica a Lei nº 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora A Lei nº 13.654/2018 entrou em vigor no dia 24/04/2018. Antes dessa Lei, o emprego de arma branca era considerado causa e aumento de pena no roubo. Essa Lei, contudo, deixou de prever a arma branca como majorante. Suponhamos que, no dia 25/04/2018, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, ao condenar o réu, não poderá, na 3ª fase da dosimetria da pena, utilizar a “arma branca” como causa de aumento de pena. Diante disso, nada impede que o magistrado utilize esse fato (emprego de arma branca) como uma circunstância judicial negativa, aumentando a pena-base na 1ª fase da dosimetria da pena. Assim, no período de aplicação da Lei nº 13.654/2018, o juiz está proibido de utilizar essa circunstância (emprego de arma branca) como causa de aumento de pena, mas nada impede que considere isso como circunstância judicial negativa, na fase do art. 59 do CP. STJ. 5ª Turma. HC 556.629-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/03/2020 (Info 668). Roubo circunstanciado O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo: Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos, e multa. O § 2º do art. 157, por sua vez, prevê causas de aumento de pena para o roubo. Desse modo,se ocorre alguma dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido como “roubo agravado” ou “roubo majorado”). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 25 Inciso I do § 2º do art. 157 Antes de 2018 (antes da Lei nº 13.654), o art. 157, § 2º, I, previa o seguinte: Art. 157 (...) § 2º A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; O que podia ser considerado “arma” para os fins do art. 157, § 2º, I, do CP? A jurisprudência possuía uma interpretação ampla sobre o tema. Assim, poderiam ser incluídos no conceito de arma: • a arma de fogo; • a arma branca (considerada arma imprópria), como faca, facão, canivete; • e quaisquer outros “artefatos” capazes de causar dano à integridade física do ser humano ou de coisas, como por exemplo uma garrafa de vidro quebrada, um garfo, um espeto de churrasco, uma chave de fenda etc. Em 2018, o que fez a Lei nº 13.654? Revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP. Isso significa que houve abolitio criminis para o emprego de arma DE FOGO? NÃO. A Lei nº 13.654/2018 acrescentou um novo parágrafo ao art. 157 prevendo duas novas hipóteses de roubo circunstanciado, com pena maior. Veja: Art. 157 (...) § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; II – se há destruição ou rompimento de obstáculo mediante o emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. Repare de novo no inciso I acima. O roubo com emprego de arma de fogo deixou de ser previsto no inciso I do § 2º, mas continua a ser punido agora no inciso I do § 2º-A. Desse modo, quanto à arma de fogo não houve abolitio criminis, mas sim continuidade normativo-típica. O princípio da continuidade normativa ocorre “quando uma norma penal é revogada, mas a mesma conduta continua sendo crime no tipo penal revogador, ou seja, a infração penal continua tipificada em outro dispositivo, ainda que topologicamente ou normativamente diverso do originário.” (Min. Gilson Dipp, em voto proferido no HC 204.416/SP). Logo, para as pessoas que foram condenadas por roubo com emprego de arma de fogo antes da Lei nº 13.654/2018, nada mudou. E quanto ao emprego de arma branca no roubo, houve abolitio criminis? SIM. Como vimos, o roubo “com emprego de arma” deixou de ser uma hipótese de roubo circunstanciado no art. 157, § 2º. O roubo com emprego de arma de fogo continuou sendo punido como roubo circunstanciado no art. 157, § 2º-A, inciso I: Art. 157 (...) § 2º-A A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 26 Ocorre que o roubo com o emprego de arma “branca” não era mais punido como roubo circunstanciado. Logo, roubo com emprego de arma branca passou a ser, em princípio, roubo simples (art. 157, caput). Assim, a Lei nº 13.654/2018 deixou de punir com mais rigor o agente que pratica o roubo com arma branca. Pode-se, portanto, dizer que a Lei nº 13.654/2018, neste ponto, foi mais benéfica. Isso significa que ela, neste tema, retroagiu para atingir todos os roubos praticados mediante arma branca. Foi como decidiu o STJ: O emprego de arma branca deixou de ser majorante do crime de roubo, com a modificação operada pela Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal. Diante disso, constata-se que houve abolitio criminis devendo a Lei nº 13.654/2018 ser aplicada retroativamente para excluir a referida causa de aumento da pena imposto aos réus condenados por roubo majorado pelo emprego de arma branca. Trata-se da aplicação da novatio legis in mellius prevista no art. 5º, XL, da Constituição Federal. STJ. 5ª Turma. REsp 1.519.860/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 17/05/2018. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.249.427/SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/06/2018. O que fez a Lei nº 13.964/2019? Corrigiu a falha anterior do legislador e acrescentou o inciso VII no § 2º do art. 157 do CP. Com isso, o emprego de arma branca voltou a ser uma causa de aumento de pena do roubo: Art. 157. (...) § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade: (...) VII - se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma branca; (Incluído pela Lei 13.964/2019) Essa mudança é mais gravosa e, portanto, não se aplica para os fatos cometidos antes da entrada em vigor da Lei nº 13.964/2019. Podemos dizer que tivemos três fases sobre esse tema: ROUBO MEDIANTE EMPREGO DE ARMA Antes da Lei 13.654/2018 Depois da Lei 13.654/2018 até a Lei 13.964/2019 Depois da Lei 13.964/2019 (atualmente) Tanto a arma de fogo como a arma branca eram causas de aumento de pena. Apenas o emprego de arma de fogo é causa de aumento de pena. O emprego de arma branca não é causa de aumento de pena. Tanto a arma de fogo como a arma branca são causas de aumento de pena. O emprego de arma (seja de fogo, seja branca) era punido com aumento de 1/3 a 1/2 da pena. O emprego de arma de fogo é punido com aumento de 2/3 da pena. O emprego de arma branca é punido com aumento de 1/3 até 1/2 (metade). O emprego de arma de fogo é punido com aumento de 2/3 da pena. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 27 Imagine agora a seguinte situação hipotética: A Lei nº 13.654/2018 entrou em vigor no dia 24/04/2018. Suponhamos que, no dia 25/04/2018, João, usando um canivete, ameaçou a vítima, subtraindo dela o telefone celular. O juiz, ao condenar o réu, não poderá, na 3ª fase da dosimetria da pena, utilizar a “arma branca” como causa de aumento de pena. Isso porque a Lei nº 13.654/2018 deixou de prever a arma branca como majorante. Diante disso, nada impede que o magistrado utilize esse fato (emprego de arma branca) como uma circunstância judicial negativa, aumentando a pena-base na 1ª fase da dosimetria da pena. Assim, no período de aplicação da Lei nº 13.654/2018, o juiz está proibido de utilizar essa circunstância (emprego de arma branca) como causa de aumento de pena, mas nada impede que considere isso como circunstância judicial negativa, na fase do art. 59 do CP. Foi o que decidiu o STJ: Nos casos em que se aplica a Lei nº 13.654/2018, é possível a valoração do emprego de arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora. STJ. 5ª Turma. HC 556.629-RJ, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/03/2020 (Info 668). CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA Para a incidência do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 em caso de sonegação fiscal de tributos federais, é necessário que o valor da dívida seja igual ou superior a R$ 1 milhão; se a sonegação fiscal for de tributos estaduais ou municipais, deve-se analisar o que define a Fazenda local Importante!!! Mudança de entendimento! Atualize o Info 882-STF O art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 prevê que a pena do crime de sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90) deverá ser aumentada no caso de o delito “ocasionar grave dano à coletividade”. A jurisprudência entende que se configura a referida causa de aumento quando o agente deixa de recolher aos cofres públicos uma vultosa quantia. Em outras palavras, se o valor sonegado foi alto, incide a causa de aumento do art. 12, I. Nesse cálculo deve-se incluir também os juros e multa: Para os fins damajorante do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 (grave dano à coletividade), o dano tributário deve ser valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa. A Portaria nº 320, editada pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, prevê que os contribuintes que estão devendo acima de R$ 1 milhão são considerados “grandes devedores” e devem receber tratamento prioritário na atuação dos Procuradores. O STJ utiliza, então, essa Portaria como parâmetro para analisar a incidência ou não da causa de aumento do art. 12, I: A majorante do grave dano à coletividade, trazida pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, deve se restringir a situações especiais de relevante dano. Desse modo, é possível, para os tributos federais, utilizar, analogamente, o critério previsto no art. 14 da Portaria 320/PGFN, por meio do qual se definiu administrativamente os créditos prioritários como sendo aqueles de valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). E se a sonegação fiscal envolver tributos estaduais ou municipais, como deverá ser o parâmetro nesses casos? Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 28 Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, o critério deve ser, por equivalência, aquele definido como prioritário ou de destacados créditos (grandes devedores) para a fazenda local. Dito de outro modo, em caso de tributos estaduais ou municipais, não se de deve utilizar a Portaria 320/PGFN, mas sim os eventuais atos normativos estaduais e municipais que definam o que sejam “grandes devedores” para o Fisco local. STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668). O STF comunga do mesmo entendimento e utiliza como parâmetro esses atos infralegais que definem “grandes devedores”? Não. Existe julgado do STF no qual foi afastado esse critério: “Quanto à Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anoto que essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando, para os seus fins, os “grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, método de cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no entanto, o grave dano à coletividade, ao contrário do que afirma o impetrante.” (STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017. Info 882). Imagine a seguinte situação hipotética: O MP ajuizou ação penal contra o réu por sonegação fiscal (art. 1º, I, da Lei nº 8.137/90). Na denúncia, o MP narrou que o réu reduziu tributo federal. O total sonegado foi R$ 600 mil, sendo R$ 200 mil referentes à quantia principal e os R$ 400 mil restantes correspondentes aos juros e multa. Ao final, o Procurador da República pediu a condenação do réu pelo crime do art. 1º, I, com a incidência da causa de aumento do art. 12, I, tendo em vista que, diante do elevado volume de dinheiro sonegado, o réu, com a sua conduta, causou grave dano à coletividade: Art. 12. São circunstâncias que podem agravar de 1/3 (um terço) até a metade as penas previstas nos arts. 1º, 2º e 4º a 7º: I - ocasionar grave dano à coletividade; O réu defendeu-se invocando duas teses: 1) para fins do art. 12, I, deve-se considerar a quantia principal (no caso, R$ 200 mil), não podendo ser levados em consideração os juros e multa; 2) o réu não pode ser considerado grande devedor por não se enquadrar na Portaria 320/2008, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN). Segundo prevê o art. 14 dessa Portaria, são considerados “grandes devedores” as pessoas que tiverem processos nos quais se discuta valores iguais ou superiores a R$ 1 milhão: Art. 14 As Procuradorias Regionais da Fazenda Nacional e a Coordenação-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional designarão Procuradores encarregados de proceder ao acompanhamento especializado de processos judiciais referentes a grandes devedores que tenham valor da causa ou em discussão igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), conferindo-lhe tratamento prioritário. Dessa forma, o réu alegou que, para os fins do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 somente pode se considerar que o débito tributário causou grave dano à coletividade se esta dívida for superior a R$ 1 milhão, utilizando-se o parâmetro objetivo da Portaria 320/2008. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 29 A primeira tese é acolhida pela jurisprudência? NÃO. Para a jurisprudência, nesse cálculo deve-se incluir também os juros e multa. Para os fins da majorante do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 (grave dano à coletividade), o dano tributário deve ser valorado considerando seu valor atual e integral, incluindo os acréscimos legais de juros e multa. STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668). A segunda tese é acolhida pela jurisprudência? SIM. Havia muita celeuma sobre esse tema no STJ, mas este julgado da 3ª Seção do Tribunal afirmou que: A majorante do grave dano à coletividade, trazida pelo art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, deve se restringir a situações especiais de relevante dano. Desse modo, é possível, para os tributos federais, utilizar, analogamente, o critério previsto no art. 14 da Portaria 320/PGFN, por meio do qual se definiu administrativamente os créditos prioritários como sendo aqueles de valor igual ou superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668). E se a sonegação fiscal envolver tributos estaduais ou municipais, como deverá ser o parâmetro nesses casos? Em se tratando de tributos estaduais ou municipais, o critério deve ser, por equivalência, aquele definido como prioritário ou de destacados créditos (grandes devedores) para a fazenda local. Dito de outro modo, em caso de tributos estaduais ou municipais, não se de deve utilizar a Portaria 320/PGFN, mas sim os eventuais atos normativos estaduais e municipais que definam o que sejam “grandes devedores” para o Fisco local. STJ. 3ª Seção. REsp 1.849.120-SC, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/03/2020 (Info 668). Ex: em Santa Catarina, a legislação de regência não prevê prioridade de créditos, mas define, como grande devedor, aquele sujeito passivo cuja soma dos débitos seja de valor igual ou superior a R$ 1.000.000, 00, nos termos do art. 3º da Portaria PGE/GAB n. 094/17, de 27/11/2017. O STF comunga do mesmo entendimento e utiliza como parâmetro esses atos infralegais que definem “grandes devedores”? NÃO. Existe julgado do STF no qual foi afastado esse critério: “Quanto à Portaria 320/2008 da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, anoto que essa norma infralegal apenas dispõe sobre o Projeto Grandes Devedores no âmbito da PGFN, conceituando, para os seus fins, os “grandes devedores”, com o objetivo de estabelecer, na Secretaria da Receita Federal do Brasil, método de cobrança prioritário a esses sujeitos passivos de vultosas obrigações tributárias, sem limitar ou definir, no entanto, o grave dano à coletividade, ao contrário do que afirma o impetrante.” STF. 2ª Turma. HC 129284/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 17/10/2017 (Info 882). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 30 CRIMES DO CÓDIGODE TRÂNSITO A causa de aumento prevista no art. 302, § 1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local A majorante do art. 302, § 1º, II, do CTB será aplicada tanto quando o agente estiver conduzindo o seu veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e, em razão de sua desatenção, acabar por atingir e matar o pedestre. Assim, aplica-se a referida causa de aumento de pena na hipótese em que o condutor do veículo transitava pela via pública e, ao efetuar manobra, perdeu o controle do carro, subindo na calçada e atropelando a vítima. STJ. 5ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/03/2020 (Info 668). Imagine a seguinte situação hipotética: João estava dirigindo seu veículo na via pública, em alta velocidade. Ao passar por um buraco, ele perdeu o controle do automóvel e, em razão disso, atropelou uma pessoa que se encontrava na calçada e que, infelizmente, morreu. O Ministério Público denunciou João por homicídio culposo na direção de veículo automotor, com a causa de aumento de pena prevista no inciso II do § 1º do art. 302 do Código de Trânsito Brasileiro: Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1º No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (...) II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; O réu se defendeu dizendo que não pode ser aplicada a causa de aumento de pena. Isso porque, para incidir o inciso II do art. 302 do CTB, é indispensável que o motorista esteja conscientemente dirigindo o veículo na calçada, o que não se verificou no caso concreto. A tese da defesa foi acolhida pelo STJ? NÃO. A causa de aumento prevista no art. 302, § 1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local. STJ. 5ª Turma. AgRg nos EDcl no REsp 1.499.912-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/03/2020 (Info 668). O aumento previsto no art. 302, § 1º, II, do CTB será aplicado tanto quando o agente estiver conduzindo o seu veículo pela via pública e perder o controle do veículo automotor, vindo a adentrar na calçada e atingir a vítima, como quando estiver saindo de uma garagem ou efetuando qualquer manobra e, em razão de sua desatenção, acabar por colher o pedestre (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. Vol. 2. parte especial: arts. 121 a 212. 18ª ed. atual., São Paulo: Saraiva Educação, 2018). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 31 DIREITO PROCESSUAL PENAL TRIBUNAL DO JÚRI A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca O desaforamento é medida excepcional, cabível apenas quando comprovada por fatos objetivos e concretos a parcialidade do Conselho de Sentença. A simples presunção de que os jurados poderiam ter sido influenciados por ampla divulgação do caso pela mídia e a mera suspeita acerca da parcialidade dos jurados não justificam a adoção dessa medida excepcional. STJ. 5ª Turma. HC 492.964-MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/03/2020 (Info 668). O que é o desaforamento? Desaforamento é o deslocamento do julgamento do caso para outra comarca, alterando-se a competência territorial do júri, em virtude de motivos previstos taxativamente na lei. Muita atenção porque esse tema é estatisticamente muito cobrado nas provas objetivas. Motivos que autorizam o desaforamento (arts. 427 e 428 do CPP): a) interesse da ordem pública; b) dúvida sobre a imparcialidade do júri; c) falta de segurança pessoal do acusado; d) em razão do comprovado excesso de serviço, se o julgamento não puder ser realizado no prazo de 6 (seis) meses, contado do trânsito em julgado da decisão de pronúncia. ++ (Juiz TJ/AC 2019 Vunesp) O desaforamento não poderá ser determinado sob a alegação de excesso de serviço. (errado) Quem pode requerer: • Ministério Público; • Assistente de acusação; • Querelante; • Acusado; • Também é possível o desaforamento mediante representação do juiz competente. Quem decide se realmente é caso de desaforamento: O Tribunal de Justiça (ou TRF). Súmula 712-STF: É nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa. ++ (Juiz TJ/AL 2019 FCC) Não é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa. (errado) Procedimento • O pedido de desaforamento será distribuído imediatamente e terá preferência de julgamento na Câmara ou Turma competente. • Sendo relevantes os motivos alegados, o Desembargador Relator poderá determinar, fundamentadamente, a suspensão do julgamento pelo júri. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 32 • Será ouvido o juiz presidente, quando a medida não tiver sido por ele solicitada. • Na pendência de recurso contra a decisão de pronúncia ou quando efetivado o julgamento, não se admitirá o pedido de desaforamento, salvo, nesta última hipótese, quanto a fato ocorrido durante ou após a realização de julgamento anulado. Para onde ocorre o desaforamento? O art. 427 fala que o desaforamento do julgamento será para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, preferindo-se as mais próximas. No caso de desaforamento do julgamento para outra comarca, deve-se preferir as mais próximas. No entanto, em caso de desaforamento fundado na dúvida de imparcialidade do corpo de jurados, o foro competente para a realização do júri deve ser aquele em que esse risco não exista. Assim, o deslocamento da competência nesses casos não é geograficamente limitado às comarcas mais próximas. STJ. 5ª Turma. HC 219739-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 6/3/2012. Veja como desaforamento já foi cobrado em prova: ++ (Juiz TJ/PA 2019 CEBRASPE) O princípio do juiz natural impede o desaforamento de julgamentos do tribunal do júri para comarca que não seja circunvizinha de local que gere dúvida acerca da imparcialidade dos jurados. (errado) ++ (Juiz TJ/RJ 2019) De acordo com as previsões legalmente estabelecidas (CPP, art. 427 e 428), é correto afirmar que o desaforamento A) pode ser determinado, se houver dúvida quanto à imparcialidade do Júri. B) deve ser indeferido de pronto, se motivado unicamente por excesso de serviço do órgão judicial. C) pode ocorrer, a fim de preservar a segurança pessoal da vítima e de seus familiares. D) pode ser determinado de ofício pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri. E) quando deferido, deve levar o julgamento para Comarca de outra região do Estado. Letra A Imagine a seguinte situação adaptada: João foi julgado e condenado, pelo Tribunal do Júri, por homicídio qualificado. O júri ocorreu na comarca de Três Lagoas (MS). O Tribunal de Justiça, ao julgar apelação da defesa, anulou o júri e determinou a realização de novo julgamento. Foi designado novo júri, na mesma comarca, para o dia 24/10/2018. Assim que foi marcada a data, o Promotor de Justiça concedeu entrevistas aos veículos de imprensa da cidade comentando o caso e fazendo críticasaos advogados do réu que estariam atrasando o julgamento, com “manobras e artimanhas”. Além disso, alguns comunicadores também criticaram o réu e o fato de ele ainda não ter sido condenado. Diante disso, a defesa ingressou com pedido de desaforamento afirmando que as entrevistas e a divulgação da opinião da mídia influenciam negativamente e geram a parcialidade dos jurados. O pedido de desaforamento foi acolhido? NÃO. O desaforamento é medida excepcional, cabível apenas quando comprovada por fatos objetivos e concretos a parcialidade do Conselho de Sentença. A simples presunção de parcialidade dos jurados pela divulgação dos fatos pela mídia, bem como pela alegação vaga e genérica da comoção social gerada pelo crime na comunidade, sem qualquer embasamento empírico acerca do comprometimento da imparcialidade dos membros que comporão a lista do Tribunal do Júri, não são suficientes para a adoção da medida excepcional do desaforamento de competência. STJ. 5ª Turma. HC 336.085/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/08/2017. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 33 A eventual repercussão que o delito tenha causado na localidade e a costumeira movimentação dos parentes da vítima constituem atitudes normais em crimes de grande gravidade. A simples presunção de que os jurados poderiam ter sido influenciados por ampla divulgação do caso pela mídia e a mera suspeita acerca da parcialidade dos jurados não justificam a adoção dessa medida excepcional. STJ. 6ª Turma. HC 210.693/MS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 19/11/2015. Em suma: A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca. STJ. 5ª Turma. HC 492.964-MS, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 03/03/2020 (Info 668). SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO O cometimento do crime do art. 28 da Lei de Drogas deve receber o mesmo tratamento que a contravenção penal, para fins de revogação facultativa da suspensão condicional do processo A suspensão será obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo o beneficiário vier a ser processado por outro crime (art. 89, § 3º da Lei nº 9.099/95). Trata-se de causa de revogação obrigatória. Por outro lado, a suspensão poderá ser revogada pelo juiz se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção (art. 89, § 4º). Trata-se de causa de revogação facultativa. O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação FACULTATIVA da suspensão condicional do processo. A contravenção penal tem efeitos primários mais deletérios que o crime do art. 28 da Lei de Drogas. Assim, mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo, enquanto o processamento por contravenção penal ocasione a revogação facultativa. STJ. 5ª Turma. REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Suspensão condicional do processo Suspensão condicional do processo é: um instituto despenalizador oferecido pelo MP ou querelante ao acusado que tenha sido denunciado por crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano e que não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, desde que presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). Previsão legal A suspensão condicional do processo está prevista no art. 89 da Lei nº 9.099/95. No entanto, vale ressaltar que não se aplica apenas aos processos do juizado especial (infrações de menor potencial ofensivo), mas sim em todos aqueles cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano, podendo, portanto, a pena máxima ser superior a 2 anos. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 34 Requisitos Para que seja possível a proposta de suspensão condicional do processo é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: 1) o réu deve estar sendo acusado por crime cuja pena mínima é igual ou inferior a 1 ano; 2) o réu não pode estar sendo processado ou ter sido condenado por outro crime; 3) devem estar presentes os demais requisitos que autorizam a suspensão condicional da pena, previstos no art. 77 do Código Penal. Trata-se da redação do art. 89 da Lei nº 9.099/95: Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). É constitucional a norma do art. 89 da Lei nº 9.099/95, que estabelece os requisitos para a concessão do benefício da suspensão condicional do processo, entre eles o de não responder o acusado por outros delitos. STF. 1ª Turma. AP 968/SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 22/5/2018 (Info 903). STF. 2ª Turma. RHC 133945 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 21/06/2016. Observações quanto ao primeiro requisito: • Neste cálculo da pena, incluem-se eventuais qualificadoras, privilégios, causas de aumento e de diminuição. • Súmula 723-STF: “Não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano.” • Súmula 243-STJ: O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano. • Aplica-se também nos casos em que a pena cominada for só de multa (STF HC 83.926) e também nas hipóteses em que a pessoa for acusada da prática de contravenção penal. • Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher não é possível suspensão condicional do processo mesmo que a pena seja igual ou inferior a 1 ano. Período de prova Caso o acusado aceite a proposta, o processo ficará suspenso, pelo prazo de 2 a 4 anos (período de prova), desde que ele aceite cumprir determinadas condições. Período de prova é, portanto, o prazo no qual o processo ficará suspenso, devendo o acusado cumprir as condições impostas neste lapso temporal. O período de prova é estabelecido na proposta de suspensão e varia de 2 até 4 anos. Condições impostas ao acusado O acusado que aceitar a proposta de suspensão condicional do processo deverá se submeter às condições impostas pela lei e a outras que podem ser fixadas pelo juízo. Condições legais a que o acusado deverá se submeter: • reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; • proibição de frequentar determinados lugares; • proibição de ausentar-se da comarca onde reside, sem autorização do Juiz; • comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informar e justificar suas atividades; • não ser processado por outro crime ou contravenção. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 35Outras condições O Juiz poderá especificar outras condições a que fica subordinada a suspensão, desde que adequadas ao fato e à situação pessoal do acusado (2º do art. 89). Não há óbice a que se estabeleçam, no prudente uso da faculdade judicial disposta no art. 89, § 2º, da Lei nº 9.099/95, obrigações equivalentes, do ponto de vista prático, a sanções penais (tais como a prestação de serviços comunitários ou a prestação pecuniária), mas que, para os fins do sursis processual, se apresentam tão somente como condições para sua incidência. STJ. 3ª Seção. REsp 1.498.034-RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 25/11/2015 (recurso repetitivo) (Info 574). Cumprimento das condições impostas: extinção da punibilidade Imagine que o MP formulou proposta de suspensão condicional do processo, tendo ela sido aceita pelo acusado. Durante o período de prova, o réu cumpriu corretamente todas as condições impostas. O que acontecerá? O juiz irá proferir uma sentença declarando extinta a punibilidade do acusado (§ 5º do art. 89 da Lei nº 9.099/95). Descumprimento das condições impostas e revogação da suspensão O que acontece caso o réu descumpra alguma condição durante o período de prova? É possível que o benefício seja revogado? SIM. A Lei prevê que, em caso de descumprimento de alguma condição imposta, deverá haver a revogação do benefício. Dependendo da condição que foi descumprida, esta revogação pode ser obrigatória ou facultativa. Vejamos: Revogação obrigatória Revogação facultativa A suspensão será obrigatoriamente revogada se, no curso do prazo: a) o beneficiário vier a ser processado por outro crime; ou b) não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. A suspensão poderá ser revogada pelo juiz se: a) o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou b) descumprir qualquer outra condição imposta. Essas causas de revogação obrigatória e facultativa estão previstas nos §§ 3º e 4º do art. 89 da Lei nº 9.099/95: Art. 89 (...) § 3º A suspensão será revogada se, no curso do prazo, o beneficiário vier a ser processado por outro crime ou não efetuar, sem motivo justificado, a reparação do dano. § 4º A suspensão poderá ser revogada se o acusado vier a ser processado, no curso do prazo, por contravenção, ou descumprir qualquer outra condição imposta. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João recebeu o benefício da suspensão condicional do processo. Ocorre que, durante o período de prova, ele cometeu e foi processado pelo crime do art. 28 da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006): Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 36 I - advertência sobre os efeitos das drogas; II - prestação de serviços à comunidade; III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. Diante disso, o Ministério Público pediu ao juiz a revogação obrigatória da suspensão condicional do processo com base no art. 89, § 3º da Lei nº 9.099/95. O pedido do Ministério Público encontra abrigo na jurisprudência do STJ? Trata-se de hipótese de revogação obrigatória? NÃO. O art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (porte de droga para uso próprio), apesar de configurar crime, tem recebido um tratamento diferenciado por parte da jurisprudência. Não gera reincidência Um exemplo desse tratamento diferenciado: mesmo sendo crime, o STJ entende que a condenação anterior pelo art. 28 da Lei de Drogas NÃO configura reincidência. Argumento principal: se a contravenção penal, que é punível com pena de prisão simples, não configura reincidência, mostra-se desproporcional utilizar o art. 28 da LD para fins de reincidência, considerando que este delito é punido apenas com “advertência”, “prestação de serviços à comunidade” e “medida educativa”, ou, seja, sanções menos graves e nas quais não há qualquer possibilidade de conversão em pena privativa de liberdade pelo descumprimento. Há de se considerar, ainda, que a própria constitucionalidade do art. 28 da LD está sendo fortemente questionada. Nesse sentido: STJ. 5ª Turma. HC 453437/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 04/10/2018. Não impede a concessão do benefício do § 4º do art. 33 nem a pena restritiva de direitos Além disso, vem-se entendendo que a prévia condenação pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, justamente por não configurar a reincidência, não pode obstar, por si só, a concessão de benefícios como a incidência da causa de redução de pena prevista no § 4º do art. 33 da mesma lei ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para a revogação da suspensão condicional do processo A prática de contravenção penal é causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo. Logo, esse mesmo tratamento deve ser conferido para o caso de cometimento do crime do art. 28 da Lei de Drogas. Mostra-se desproporcional que o mero processamento do réu pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 torne obrigatória a revogação da suspensão condicional do processo (art. 89, § 3º, da Lei nº 9.099/95), enquanto que o processamento por contravenção penal (que tem efeitos primários mais deletérios) ocasione a revogação facultativa (art. 89, § 4º, da Lei nº 9.099/95). Dessa forma, o STJ entendeu ser mais razoável que o fato de o réu estar sendo processado pela prática do crime previsto no art. 28 da Lei nº 11.343/2006 seja analisado como causa facultativa de revogação do benefício da suspensão condicional do processo. Em suma: O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo. STJ. 5ª Turma. REsp 1.795.962-SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 37 EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É possível a anulação do ato de anistia pela Administração Pública, evidenciada a violação direta do art. 8º do ADCT, mesmo quando decorrido o prazo decadencial contido na Lei nº 9.784/99. ( ) 2) Nos casos de preterição de candidato na nomeação em concurso público, o termo inicial do prazo prescricional quinquenal recai na data em que foi nomeado outro servidor no lugar do aprovado no certame. ( ) 3) É obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade de trânsito, acompanhadas de aviso de recebimento. ( ) 4) A definição de viuvez do art. 2º, V, da Lei nº 8.059/90 contempla a viúva de militar que passa a conviver em união estável, após a óbito do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porquanto já constituída instituição familiar equiparável ao casamento. ( ) 5) É ilegal a internação de adolescente gestante ou com o filho em amamentação. ( ) 6) A falha procedimental consubstanciada na publicação antecipada de resultado de julgamento que havia sido adiado gera suspeição do relator. ( ) 7) Cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa por ato atentatório à dignidade da justiça pelo não comparecimento à audiência de conciliação. ( ) 8) (PGM Campinas 2016 FCC) O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato de litigânciade má-fé, sendo apenado com multa de até cinco por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. ( ) 9) O porte de arma branca é conduta atípica. ( ) 10) Nos casos em que se aplica a Lei nº 13.654/2018, não é possível a valoração do emprego de arma branca, no crime de roubo, como circunstância judicial desabonadora. ( ) 11) Para a incidência do art. 12, I, da Lei nº 8.137/90 em caso de sonegação fiscal de tributos federais, é necessário que o valor da dívida seja igual ou superior a R$ 1 milhão; se a sonegação fiscal for de tributos estaduais ou municipais, deve-se analisar o que define a Fazenda local. ( ) 12) A causa de aumento prevista no art. 302, § 1º, II, do Código de Trânsito Brasileiro não exige que o agente esteja trafegando na calçada, sendo suficiente que o ilícito ocorra nesse local. ( ) 13) A mera presunção de parcialidade dos jurados do Tribunal do Júri em razão da divulgação dos fatos e da opinião da mídia é insuficiente para o desaforamento do julgamento para outra comarca. ( ) 14) (Juiz TJ/AC 2019 Vunesp) O desaforamento não poderá ser determinado sob a alegação de excesso de serviço. ( ) 15) (Juiz TJ/AL 2019 FCC) Não é nula a decisão que determina o desaforamento de processo da competência do júri sem audiência da defesa. ( ) 16) (Juiz TJ/PA 2019 CEBRASPE) O princípio do juiz natural impede o desaforamento de julgamentos do tribunal do júri para comarca que não seja circunvizinha de local que gere dúvida acerca da imparcialidade dos jurados. ( ) 17) (Juiz TJ/RJ 2019) De acordo com as previsões legalmente estabelecidas (CPP, art. 427 e 428), é correto afirmar que o desaforamento A) pode ser determinado, se houver dúvida quanto à imparcialidade do Júri. B) deve ser indeferido de pronto, se motivado unicamente por excesso de serviço do órgão judicial. C) pode ocorrer, a fim de preservar a segurança pessoal da vítima e de seus familiares. D) pode ser determinado de ofício pelo Juiz Presidente do Tribunal do Júri. E) quando deferido, deve levar o julgamento para Comarca de outra região do Estado. 18) O processamento do réu pela prática da conduta descrita no art. 28 da Lei de Drogas no curso do período de prova deve ser considerado como causa de revogação facultativa da suspensão condicional do processo. ( ) Gabarito 1. C 2. C 3. E 4. C 5. E 6. E 7. E 8. E 9. E 10. E 11. C 12. C 13. C 14. E 15. E 16. E 17. Letra A 18. Cpermanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, (...) Breve explicação sobre o procedimento administrativo Os pedidos de anistia política são analisados pela “Comissão de Anistia”, órgão que tem a finalidade de examinar os requerimentos formulados e assessorar o Ministro de Estado em suas decisões. Até 2018, a Comissão de Anistia era vinculada ao Ministério da Justiça. Por força da MP 870/2019, convertida na Lei nº 13.844/2019, a Comissão de Anistia passou a fazer parte da estrutura do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 4 A Comissão de Anistia poderá realizar diligências, requerer informações e documentos, ouvir testemunhas e emitir pareceres técnicos com o objetivo de instruir os processos e requerimentos, bem como arbitrar, com base nas provas obtidas, o valor das indenizações nos casos que não for possível identificar o tempo exato de punição do interessado (art. 12, § 3º da Lei nº 10.559/2002). Após a Comissão de Anistia elaborar o parecer sobre o pedido, este é encaminhado ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que é a autoridade competente para decidir sobre a anistia. Assim, atualmente, caberá ao Ministro de Estado da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos decidir a respeito dos requerimentos de anistia (art. 10 da Lei nº 10.559/2002, com redação dada pela Lei nº 13.844/2019). Se for concedida, a anistia é conferida por meio de Portaria assinada pelo Ministro. Feita esta breve revisão, vejamos agora a situação concreta enfrentada pelo STF, com algumas adaptações: Em 1964, João, cabo da Aeronáutica, foi dispensado do serviço militar na década de 1960 por meio da Portaria nº 1.104/1964. Em 2003, o Ministro da Justiça concedeu a João a anistia reconhecendo a sua condição de perseguido político. Em 2006, a Advocacia-Geral da União emitiu nota técnica (AGU/JD-1/2006) fazendo alguns questionamentos sobre a forma indevida pela qual estavam sendo concedidas anistias políticas, dentre elas a que foi outorgada a João. Segundo esta nota, a Comissão de Anistia estava concedendo o benefício com base apenas em um documento produzido na época do regime militar de exceção, não sendo isso suficiente, considerando que seriam necessárias provas complementares. Em 2011, o Ministro da Justiça, motivado pela nota técnica editada em 2006, determinou que fossem revistas as portarias de anistia de inúmeros militares, dentre elas a de João. Em 2012, foi aberto processo administrativo para examinar a situação de João e, ao final, determinou-se a anulação da anistia política que lhe havia sido concedida sob o argumento de que a Portaria nº 1.104/1964, que ensejou a dispensa do cabo, não tinha motivação política. A Portaria nº 1.104/1964 limitou-se a desligar João da Aeronáutica – assim como inúmeros outros – pelo simples fato de ele ter completado o tempo de serviço militar (8 anos). O Ministério da Justiça fundamentou seu ato no poder de autotutela. Autotutela Segundo o princípio da autotutela (ou poder de autotutela), a Administração tem o poder-dever de controlar seus próprios atos, com a possibilidade de anular aqueles que forem ilegais e revogar os que se mostrarem inconvenientes ou inoportunos, sem precisar recorrer ao Poder Judiciário. Existem duas súmulas do STF que preveem esse princípio: Súmula 346-STF: A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos. Súmula 473-STF: A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial. Mandado de segurança alegando decadência João não concordou e impetrou mandado de segurança contra o ato de anulação praticado pelo Ministro da Justiça. No MS, alegou que, entre a data de concessão da anistia (2003) e a data de anulação do ato (2011) já havia se passado mais de 5 anos, tendo havido, portanto, a decadência do direito da Administração Pública de anular o ato, conforme previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 5 Argumentou, ainda, que a portaria interministerial que instaurou procedimento de revisão das anistias não tem o condão de reabrir o prazo decadencial já finalizado. Defesa da União A União defendeu que não houve decadência, apresentando, dentre outros, os seguintes argumentos: 1) a nota emitida pela AGU em 2006 estancou o prazo decadencial antes que ele se completasse, de forma que, antes de se passarem cinco anos, a Administração Pública teria agido. A publicação da nota representa medida de autoridade administrativa visando à anulação do ato ilegal, nos termos do § 2º do art. 54 da Lei nº 9.784/99: Art. 54 (...) § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. 2) o impetrante agiu de má-fé porque não preenchia os requisitos para receber a anistia, de modo que não se aplica a ele o prazo decadencial de cinco anos, por conta da ressalva contida na parte final do art. 54. A questão chegou até o STF. O que decidiu a Corte? A Administração Pública agiu corretamente ao anular a anistia política concedida ao impetrante? SIM. Vamos entender com calma. Prazo decadencial, excepcionalmente, pode ser suspenso Em regra, o prazo decadencial não sofre interrupção ou suspensão. Porém, excepcionalmente, o ordenamento jurídico admite a suspensão do prazo decadencial. É o caso da parte final do art. 54 da Lei nº 9.784/99, que autoriza a anulação do ato administrativo consumado em situações de manifesta má-fé: Art. 54. O direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé. Assim, o decurso do prazo de cinco anos não impede que a Administração Pública faça a revisão de determinado ato, haja vista que a ressalva da parte final do caput do art. 54 da Lei nº 9.784/99 autoriza sua anulação a qualquer tempo, uma vez demonstrada a má-fé do beneficiário, no âmbito do procedimento administrativo, assegurado o devido processo. Limite de prazo de 5 anos não se aplica em caso de ofensa direta à Constituição Federal Além disso, a jurisprudência do STF construiu a tese de que o prazo decadencial do art. 54 da Lei nº 9.784/99 não se aplica quando o ato a ser anulado afronta diretamente a Constituição Federal. Situações de flagrante inconstitucionalidade não devem ser consolidadas pelo transcurso do prazo decadencial previsto no art. 54 da Lei nº 9.784/99, sob pena de subversão das determinações insertas na Constituição Federal. Desse modo, não pode haver “usucapião de constitucionalidade”, pois a obrigatoriedade da Constituição deriva de sua vigência. Não é possível entender, portanto, que o tempo derrogue a força obrigatória de seus preceitos por causa de ações omissivas ou comissivas de autoridades públicas. Se há uma inconstitucionalidade flagrante, a pessoa que está se beneficiando dessa situação não está de boa-fé, já que deveria saber que aquela situação é incompatível com o ordenamentojurídico. A parte final do art. 54 menciona que esse prazo não se aplica se ficar demonstrada a má-fé do beneficiário. Logo, estando o beneficiário de má-fé (porque a inconstitucionalidade era evidente), a ele não pode ser aplicado o prazo decadencial. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 6 Portanto, o ato administrativo que declarou o impetrante como anistiado político não é passível de convalidação pelo tempo, dada a sua manifesta inconstitucionalidade, uma vez que viola frontalmente o art. 8º do ADCT. Notas Técnicas da AGU se enquadram na previsão do § 2º do art. 54 O art. 54, § 2º, da Lei 9.784/99, dispõe que a adoção pela Administração Pública de qualquer medida a questionar o ato se mostra bastante a afastar a decadência: Art. 54 (...) § 2º Considera-se exercício do direito de anular qualquer medida de autoridade administrativa que importe impugnação à validade do ato. O STF entendeu que as Notas Técnicas da AGU/JD-10/2003 e AGU/JD-1/2006 revelam as iniciativas da Administração Pública no sentido da necessidade de revisão do ato de anistia, constituindo, assim, causa obstativa da alegada decadência. Comissão de Anistia concedeu de forma generalizada A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça editou súmula administrativa reconhecendo indiscriminadamente que todos os cabos da Aeronáutica que houvessem sido licenciados pela implementação do tempo de serviço militar (8 anos) seriam anistiados por ato de natureza exclusivamente política, sendo este o único fundamento para o enquadramento na situação do art. 8º do ADCT. Essa interpretação dada pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça acabou presumindo que houve motivação política na Portaria 1.104/1964, implicando em números impressionantes de concessão de anistia política para ex-integrantes da Aeronáutica. No procedimento de revisão realizado por Grupo de Trabalho Interministerial observou-se que não houve qualquer fato que indique que tenha havido punição ou perseguição por motivação política ao impetrante, em conformidade com o exigido no art. 17 da Lei 10.559/2002 para a anulação do ato: Art. 17. Comprovando-se a falsidade dos motivos que ensejaram a declaração da condição de anistiado político ou os benefícios e direitos assegurados por esta Lei será o ato respectivo tornado nulo pelo Ministro de Estado da Justiça, em procedimento em que se assegurará a plenitude do direito de defesa, ficando ao favorecido o encargo de ressarcir a Fazenda Nacional pelas verbas que houver recebido indevidamente, sem prejuízo de outras sanções de caráter administrativo e penal. Assim, a Portaria nº 1.104/1964, por si, não constitui ato de exceção (ato de perseguição política da ditadura), sendo necessária a comprovação, caso a caso, da ocorrência de motivação político-ideológica para o ato de exclusão das Forças Armadas e consequente concessão de anistia política. Ato de concessão viola a Constituição Federal O STF concluiu, portanto, que o ato de concessão das anistias violou a ordem constitucional, pois não se amolda ao art. 8º do ADCT. O art. 8º do ADCT exige que o militar tenha sido afastado por motivação estritamente política, não podendo receber anistia o militar licenciado pelo mero decurso do tempo, como foi o caso de João. A anistia prevista no art. 8º do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em virtude de atos praticados por motivação política. Nesse sentido: Súmula 674-STF: A anistia prevista no art. 8º do ADCT não alcança os militares expulsos com base em legislação disciplinar ordinária, ainda que em razão de atos praticados por motivação política. Embora o verbete se refira às situações de expulsão, sua razão de decidir alcança, igualmente, os militares que foram licenciados das Forças Armadas por implemento do tempo de serviço. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 7 Autotutela não viola segurança jurídica nem direito líquido e certo O poder-dever de autotutela autoriza a Administração a proceder a revisão da condição de anistiado político, não havendo que se falar em desrespeito ao princípio da segurança jurídica ou a direito líquido e certo. Não devolução dos valores já recebidos Vale ressaltar que o anistiado político recebe uma reparação econômica mensal, permanente e continuada. Desse modo, João recebeu, de 2003 a 2012, valores na condição de anistiado político. Apesar de o ato de concessão ter sido anulado, o STF entendeu que João não precisaria devolver as verbas já recebidas. Em suma: No exercício do seu poder de autotutela, poderá a Administração Pública rever os atos de concessão de anistia a cabos da Aeronáutica com fundamento na Portaria nº 1.104/1964, quando se comprovar a ausência de ato com motivação exclusivamente política, assegurando-se ao anistiado, em procedimento administrativo, o devido processo legal e a não devolução das verbas já recebidas. STF. Plenário. RE 817338/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 16/10/2019 (repercussão geral – Tema 839) (Info 956). O STJ seguindo a orientação do STF, também definiu que: É possível a anulação do ato de anistia pela Administração Pública, evidenciada a violação direta do art. 8º do ADCT, mesmo quando decorrido o prazo decadencial contido na Lei nº 9.784/99. STJ. 1ª Seção. MS 19.070-DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. Acd. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 668). CONCURSO PÚBLICO O prazo para se questionar a preterição de nomeação de candidato em concurso público é de 5 anos, contado da data em que o outro servidor foi nomeado no lugar do aprovado Nos casos de preterição de candidato na nomeação em concurso público, o termo inicial do prazo prescricional quinquenal recai na data em que foi nomeado outro servidor no lugar do aprovado no certame. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.643.048-GO, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 05/03/2020 (Info 668). Imagine a seguinte situação hipotética: João foi aprovado em 2º lugar em concurso público para o concurso de técnico em informática de um órgão da Administração Pública federal. O edital previa justamente 2 vagas. Ocorre que, em 30/5/2016, este órgão da Administração Pública federal publicou um edital dizendo que das 2 vagas que haviam sido oferecidas no concurso, uma delas seria destinada aos aprovados no certame e a outra seria preenchida por meio de remoção decorrente de outras regiões do país. Em outras palavras, este edital retificou a quantidade de vagas oferecidas no concurso. Em 30/6/2017, a Administração Pública nomeou o candidato aprovado em 1º lugar no concurso. No dia 30/07/2017, nomeou para a 2ª vaga, Luísa, vencedora da remoção interna. Isso significa que João ficou sem a sua vaga, tendo sido preterido. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 8 No dia 30/08/2017, João ajuizou ação ordinária contra a União alegando que houve violação da ordem de classificação do concurso. A União arguiu a prescrição afirmando que: • o prazo prescricional para essa pretensão seria de 1 ano, nos termos do art. 1º da Lei nº 7.144/83: Art. 1º Prescreve em 1 (um) ano, a contar da data em que for publicada a homologação do resultado final, o direito de ação contra quaisquer atos relativos a concursos para provimento de cargos e empregos na Administração Federal Direta e nas Autarquias Federais. • o termo inicialdeste prazo seria a data de publicação do edital de retificação das vagas, em 30/05/2016. • logo, quando o autor propôs a ação em 30/07/2017, já tinha havido a prescrição. A tese da União foi acolhida pelo STJ? NÃO. Não se aplica a Lei nº 7.144/83, mas sim o Decreto 20.910/1932 Em primeiro lugar, cumpre esclarecer que as normas da Lei nº 7.144/83 aplicam-se apenas a atos relacionados com o concurso público em si, não incidindo no caso de preterição do direito público subjetivo de nomeação para o candidato aprovado e classificado dentro do número de vagas ofertadas no edital de abertura. Em caso de preterição do candidato aprovado, o prazo prescricional é de 5 anos, previsto no art. 1º do Decreto 20.910/1932. Nesse sentido: Não se insurgindo o autor contra o processo seletivo em si, mas contra a negativa da Administração em lhe reconhecer o direito à nomeação, uma vez aprovados em concurso público, há de se aplicar, na hipótese dos autos, a regra da prescrição quinquenal, prevista no art. 1º do Decreto n. 20.910/32. STJ. 1ª Turma. AgInt nos EDcl no AREsp 546.939/GO, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 14/03/2017. Desse modo, o prazo é de 5 anos. Qual é o termo inicial deste prazo? 30/07/2017, data em que foi nomeada outra pessoa no lugar que, em tese, seria do autor. Havendo preterição de candidato em concurso público, o termo inicial do prazo prescricional recai na data em que foram nomeados outros servidores no lugar dos aprovados na disputa. Isso porque foi neste dia que o direito do autor foi efetivamente violado. A prescrição é regida pelo princípio da actio nata, sendo certo que o curso do prazo somente tem início com a efetiva lesão do direito tutelado, oportunidade em que nasce a pretensão a ser deduzida em juízo, caso resistida. STJ. 1ª Turma. AgInt no REsp 1279735/RS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 21/06/2018. Assim, considerando que o prazo é de 5 anos, que ele se iniciou em 30/07/2017 e que a ação foi proposta em 30/08/2017, conclui-se que não houve prescrição. Em suma: Nos casos de preterição de candidato na nomeação em concurso público, o termo inicial do prazo prescricional quinquenal recai na data em que foi nomeado outro servidor no lugar do aprovado no certame. STJ. 2ª Turma. AgInt no REsp 1.643.048-GO, Rel. Min. Assusete Magalhães, julgado em 05/03/2020 (Info 668). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9 INFRAÇÕES DE TRÂNSITO É obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade de trânsito, mas não se exige que sejam acompanhadas de aviso de recebimento No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. Tais notificações, se feitas por remessa postal, não precisam ser acompanhadas de aviso de recebimento (AR). Não há essa exigência no Código de Trânsito Brasileiro nem nas Resoluções do CONTRAN. STJ. 1ª Seção. PUIL 372-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/03/2020 (Info 668). O que acontece caso um condutor pratique infração de trânsito? A autoridade deverá fazer a autuação, ou seja, deverá lavrar um auto de infração, conforme determina o art. 280 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97): Art. 280. Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual constará: I - tipificação da infração; II - local, data e hora do cometimento da infração; III - caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação; IV - o prontuário do condutor, sempre que possível; V - identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração; VI - assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração. § 1º (VETADO) § 2º A infração deverá ser comprovada por declaração da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito, por aparelho eletrônico ou por equipamento audiovisual, reações químicas ou qualquer outro meio tecnologicamente disponível, previamente regulamentado pelo CONTRAN. § 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte. § 4º O agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. O condutor infrator precisa ser notificado (avisado) de que foi autuado? SIM, obviamente. Como é feita essa notificação? Depende: a) se houve autuação em flagrante, o agente da autoridade de trânsito coleta a assinatura do infrator no momento e isso já vale como notificação do cometimento da infração; b) não havendo autuação em flagrante (ex: excesso de velocidade constatado por radar), o órgão de trânsito deverá encaminhar uma notificação para o infrator no prazo de até 30 dias. O que acontece após a notificação? Inicia-se o prazo para que o infrator apresente defesa prévia questionando a autuação. Por isso, é conhecida na prática como “defesa da autuação”. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10 Com ou sem essa defesa prévia, a autoridade de trânsito irá julgar se o auto de infração foi consistente e, caso tenha consistência, aplicará a penalidade cabível (art. 281 do CTB). Depois que aplicada a penalidade, o infrator deverá ser novamente notificado? SIM. Isso está expressamente previsto no art. 282 do CTB: Art. 282. Aplicada a penalidade, será expedida notificação ao proprietário do veículo ou ao infrator, por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade. § 1º A notificação devolvida por desatualização do endereço do proprietário do veículo será considerada válida para todos os efeitos. (...) § 3º Sempre que a penalidade de multa for imposta a condutor, à exceção daquela de que trata o § 1º do art. 259, a notificação será encaminhada ao proprietário do veículo, responsável pelo seu pagamento. Obs: após ser notificado de que foi aplicada a penalidade, o infrator ainda terá um prazo de 30 dias para apresentar recurso (art. 282, § 4º do CTB) a JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infrações. Duas notificações Repare, portanto, que falamos aqui em duas notificações: 1) Notificação da autuação; 2) Notificação da imposição da penalidade de trânsito. Em observância ao princípio insculpido no art. 5º, LV, da Constituição Federal, o CTB determina que, constatada a infração de trânsito, a autoridade competente deve expedir duas notificações a fim de assegurar ao administrado o exercício do contraditório e da ampla defesa, sendo a primeira referente ao cometimento da infração e, a segunda, relativa à penalidade aplicada. A necessidade da dupla notificação encontra-se pacificada há muito tempo no STJ: Súmula 312-STJ: No processo administrativo para imposição de multa de trânsito, são necessárias as notificações da autuação e da aplicação da pena decorrente da infração. Essas notificações são feitas obrigatoriamente via remessa postal (Correios)? NÃO. A notificação pode ser feita “por remessa postal ou por qualquer outro meio tecnológico hábil, que assegure a ciência da imposição da penalidade” (art. 282). Veja oque diz o art. 282-A, incluído pela Lei nº 13.281/2016: Art. 282-A. O proprietário do veículo ou o condutor autuado poderá optar por ser notificado por meio eletrônico se o órgão do Sistema Nacional de Trânsito responsável pela autuação oferecer essa opção. § 1º O proprietário ou o condutor autuado que optar pela notificação por meio eletrônico deverá manter seu cadastro atualizado no órgão executivo de trânsito do Estado ou do Distrito Federal. § 2º Na hipótese de notificação por meio eletrônico, o proprietário ou o condutor autuado será considerado notificado 30 (trinta) dias após a inclusão da informação no sistema eletrônico. § 3º O sistema previsto no caput será certificado digitalmente, atendidos os requisitos de autenticidade, integridade, validade jurídica e interoperabilidade da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). Caso a notificação ocorra por remessa postal, será necessário que a correspondência enviada seja acompanhada de aviso de recebimento (AR)? NÃO. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11 O Código de Trânsito Brasileiro em nenhum momento impõe que as notificações sejam realizadas mediante carta com aviso de recebimento. Isso também não consta na Resolução 619/2016, do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), que regulamenta os procedimentos para aplicação das multas por infrações. O que se exige é apenas a efetiva ciência por parte do infrator do conteúdo das notificações. Por que não é necessário o AR? Porque o CTB não exigiu. O CTB afirma que é válida a notificação por remessa postal, sem explicitar a forma de sua realização. Logo, não se pode impor à administração pública uma obrigação (AR) que não foi prevista em lei, ou, sequer, em ato normativo infralegal (resolução), sob pena de ofensa aos princípios da legalidade e da separação dos poderes. Seria possível invocar a aplicação do art. 26, § 3º da Lei nº 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo federal)? NÃO. Veja o que diz o art. 26, § 3º da Lei nº 9.784/99: Art. 26 (...) § 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado. Esse dispositivo não serve para obrigar o AR na notificação de trânsito por duas razões: • o rol de intimações estabelecido no art. 26, § 3º, da Lei nº 9.784/99 é meramente exemplificativo; • a própria Lei nº 9.784/99 afirma, em seu art. 69, que “os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”. Em suma: É obrigatória a comprovação do envio da notificação da autuação e da imposição da penalidade de trânsito, mas não se exige que sejam acompanhadas de aviso de recebimento. STJ. 1ª Seção. PUIL 372-SP, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 11/03/2020 (Info 668). O envio da notificação, por carta simples ou registrada, satisfaz a formalidade legal, assim não há que se falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa no âmbito do processo administrativo, até porque, se houver falha nas notificações, o art. 28 da Resolução nº 619/2016 do Contran prevê que “a autoridade de trânsito poderá refazer o ato, observados os prazos prescricionais”. DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR Se a mulher passar a conviver com alguém em união estável após a morte do ex-combatente, ela perde a condição de viúva (art. 2º, V, da Lei nº 8.059/90) e, portanto, não terá mais direito à pensão A definição de viuvez do art. 2º, V, da Lei nº 8.059/90 contempla a viúva de militar que passa a conviver em união estável, após a óbito do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porquanto já constituída instituição familiar equiparável ao casamento. STJ. 1ª Turma. REsp 1.386.713-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Pensão especial de ex-combatente As pessoas que tenham participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial, assim como seus dependentes, possuem direito a uma pensão especial prevista no art. 53, II e III, do ADCT da CF/88 e na Lei nº 8.059/90. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12 Quem é responsável pelo processamento e pagamento da pensão? O INSS? NÃO. A competência é do Ministério Militar ao qual esteve vinculado o ex-combatente durante a Segunda Guerra Mundial (art. 12). Por essa razão, essa pensão não é considerada um benefício previdenciário. Quem recebe a pensão? A pensão especial é devida ao ex-combatente. Quando ele morre, a pensão é revertida para os seus dependentes (art. 6º da Lei). Quem são os dependentes do ex-combatente? A Lei nº 8.059/90 prevê um rol de dependentes: Art. 5º Consideram-se dependentes do ex-combatente para fins desta lei: I - a viúva; II - a companheira; III - o filho e a filha de qualquer condição, solteiros, menores de 21 anos ou inválidos; IV - o pai e a mãe inválidos; e V - o irmão e a irmã, solteiros, menores de 21 anos ou inválidos. Parágrafo único. Os dependentes de que tratam os incisos IV e V só terão direito à pensão se viviam sob a dependência econômica do ex-combatente, por ocasião de seu óbito. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João foi ex-combatente e, nessa condição, recebia pensão especial. João faleceu e deixou uma esposa (Regina), que passou a receber a pensão na qualidade de viúva (art. 5º, I, da Lei). Regina recebeu a pensão durante algum tempo, até que o benefício foi cessado pela Administração Militar, sob o argumento de que, depois do falecimento de João, ela passou a viver em união estável com Ricardo. Logo, ao passar a viver em união estável com outra pessoa, Regina teria perdido a condição de viúva. Vale ressaltar que a Lei nº 8.059/90 confere uma definição de viúva nos seguintes termos: Art. 2º Para os efeitos desta lei, considera-se: (...) V - viúva a mulher com quem o ex-combatente estava casado quando falecera, e que não voltou a casar-se; Regina não concordou e ajuizou ação na qual alega que não voltou a se casar, de forma que continua se amoldando na definição de viúva do art. 2º, V, da Lei. Para o STJ, quem tem razão: Regina ou a Administração Militar? A Administração Militar. Em atenção ao princípio da isonomia, o art. 226, § 3º da Constituição Federal reconheceu a união estável como entidade familiar e estabeleceu que não pode haver discriminação dos companheiros em relação aos cônjuges. Essa previsão constitucional ensejou a modificação legislativa e de interpretação de diversos diplomas que, no rol de dependentes, não previam a figura da companheira. Como exemplo, podemos citar o art. 50, § 2º, I, da Lei nº 6.880/80 (Estatuto dos Militares) que, em sua redação original, antes daquela conferida pela Lei nº 13.954/2019, não previa a companheira como dependente do militar. Mesmo assim, a jurisprudência reconhecia, com base no dispositivo constitucional, que a companheira tinha os mesmos direitos da esposa: Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13 (...) 4. A discussão dos autos, em verdade, cinge-se em estabelecer se a ex-companheira, que recebe alimentos, teria o direito à pensão por morte de Militar, ainda que a expressa previsão legal só assegure tal garantia à ex-esposa que percebe alimentos. (...) 6. Esta Corte, em consonância com o texto constitucional, reconheceu a união estável como entidade familiar,não podendo haver discriminação dos companheiros em relação aos cônjuges. Assim, o direito reconhecido à ex-esposa é também devido à ex-companheira, que, após a separação, percebia mensalmente pensão alimentícia do falecido. STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp 784.539/ES, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, julgado em 07/10/2019. A interpretação expansiva baseada na isonomia de que trata o art. 226, § 3º da CF/88 vale tanto para o bônus como para o ônus. Assim, se por um lado, não se pode deixar de incluir a união estável no momento da concessão dos benefícios, por outro, não se pode conferir um tratamento mais vantajosa à companheira do que à pessoa que decide se casar. Desse modo, a partir do momento em que a autora passou conviver em união estável com outra pessoa, deixou de atender ao requisito legal para a percepção da pensão, na condição de viúva, embora a dicção legal não se refira, especificamente, à união estável como óbice, mas apenas o novo casamento. Em suma: O art. 5º, I, da Lei nº 8.059/90 prevê que a viúva do ex-combatente terá direito à pensão especial na condição de dependente. O art. 2º, V, por sua vez, estabelece que somente pode ser considerada viúva “a mulher com quem o ex- combatente estava casado quando falecera, e que não voltou a casar-se”. Assim, se a mulher voltar a se casar depois da morte do ex-combatente, ela perde a condição de viúva e deixa de receber a pensão. A despeito de o art. 2º, V, não falar em união estável, entende-se que se a viúva passar a conviver com alguém em união estável, ela perde a condição de viúva e, portanto, não terá mais direito à pensão. Nas palavras do STJ: “A definição de viuvez do art. 2º, V, da Lei nº 8.059/90 contempla a viúva de militar que passa a conviver em união estável, após a óbito do beneficiário, mesmo sem contrair novas núpcias, porquanto já constituída instituição familiar equiparável ao casamento.” STJ. 1ª Turma. REsp 1.386.713-SC, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/03/2020 (Info 668). DIREITO DO CONSUMIDOR PLANO DE SAÚDE Competência para julgar demandas entre usuário e operadora de plano de saúde Tema polêmico! Complemente os informativos 620 e 627 STJ Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14 Vale ressaltar, contudo, que temos aqui uma “polêmica”. No mesmo dia, na mesma sessão de julgamento, a 2ª Seção apreciou o CC 165.863-SP no qual foram redigidas teses aparentemente contraditórias com as do REsp 1.799.343-SP. Compare: Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 667). Foram opostos embargos de declaração nos dois processos, de forma que o tema deverá ser esclarecido em breve. Penso, contudo, que irá prevalecer a redação da tese fixada no REsp 1.799.343-SP porque reflete o entendimento presentes em outros julgados do STJ. No presente julgado, o STJ discutiu qual é a “justiça” competente para julgamento de ações relacionadas com contrato de plano de saúde que é assegurado ao usuário por força contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Seria competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum? Vamos verificar. Plano de saúde de autogestão Para entendermos o julgado, é necessário inicialmente aprendermos o que é um plano de saúde de autogestão. Planos de saúde de autogestão (também chamados de planos fechados de saúde) são criados por órgãos, entidades ou empresas para beneficiar um grupo restrito de filiados com a prestação de serviços de saúde. Tais planos são mantidos por instituições sem fins lucrativos e administrados paritariamente, de forma que, no seu conselho deliberativo ou de administração, há representantes do órgão ou empresa instituidora e também dos associados ou usuários. O objetivo desses planos fechados é baratear para os usuários o custo dos serviços de saúde, tendo em vista que não visam ao lucro. Exemplo: CASSI (Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil); Fundação Saúde Itaú. Segundo a Resolução Normativa 137, da ANS, de 14/11/2006, a operadora de autogestão é... (...) a pessoa jurídica de direito público ou privado que, diretamente ou por intermédio de entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, administra plano coletivo de assistência à saúde destinado exclusivamente a pessoas (e seus dependentes) a ela ligadas por vínculo jurídico ou estatutário, ou aos participantes (e seus dependentes) de associações, fundações, sindicatos e entidades de classes, nos termos dos incisos I, II e III e § 2º, do art. 2º. A principal característica das entidades de autogestão que operam planos de saúde é constituir-se em um sistema fechado sem a finalidade lucrativa, ou seja, os planos por elas administrados não são oferecidos ao mercado de consumo em geral, mas apenas a grupos restritos. É por isso que não se aplica, nesses contratos, o Código de Defesa do Consumidor. A ANS, ao regulamentar as entidades de autogestão no âmbito do sistema de Saúde Suplementar, enumerou três tipos: a) a autogestão empresarial (ou da própria empresa); b) a autogestão instituída ou patrocinada (há as figuras do instituidor, mantenedor e patrocinador); c) as autogestões associativas ou fundacionais de categorias profissionais. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15 Imagine agora a seguinte situação hipotética: João era empregado do Banco do Brasil e possuía plano de saúde coletivo oferecido aos funcionários da instituição. Vale ressaltar que se tratava de plano de saúde de autogestão. No ano de 2010, João foi demitido sem justa causa e pediu para continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava, pagando as mensalidades. O plano de saúde recusou o pedido. Diante disso, João ingressou com ação requerendo a permanência no plano de saúde, com base no art. 30 da Lei nº 9.656/98 (Lei que trata sobre os planos de saúde): Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. Surgiu, no entanto, uma dúvida sobre a competência. De quem será a competência para julgar a presente ação: Justiça Comum ou Justiça do Trabalho? Justiça Comum. Compete à Justiça Comum Estadual o exame e o julgamento de feito que discute direitos de ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa de permanecerem plano de saúde coletivo oferecido pela própria empresa empregadora aos trabalhadores ativos, na modalidade de autogestão. STJ. 3ª Turma. REsp 1.695.986-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/02/2018 (Info 620). Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de demanda com natureza predominantemente civil entre ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa e operadoras de plano de saúde na modalidade autogestão vinculadas ao empregador. STJ. 2ª Seção. CC 157.664-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/05/2018 (Info 627). Relação do usuário com o plano de saúde é autônoma da relação de emprego A relação jurídica mantida entre o usuário do plano de saúde e a entidade de autogestão não é apenas uma derivação da relação de emprego. Plano de saúde não é considerado salário O próprio art. 458, § 2º, IV, da CLT, incluído pela Lei nº 10.243/2001, é expresso em dispor que a assistência médica, hospitalar e odontológica concedida pelo empregador, seja diretamente ou mediante seguro- saúde, não será considerada como salário. Isso porque o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. Plano da saúde de autogestão é disciplinado no âmbito do sistema de saúde suplementar As entidades de autogestão são enquadradas como operadoras de planos de saúde, de modo que são reguladas e fiscalizadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Caráter civil do litígio Desse modo, em virtude da autonomia jurídica, as ações originadas de controvérsias entre usuário de plano de saúde coletivo e entidade de autogestão não se adequam ao ramo do Direito do Trabalho, Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16 tampouco podem ser inseridas em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (art. 114, IX, da Constituição Federal), sendo, pois, predominante o caráter civil da relação entre os litigantes, mesmo porque, como visto, a assistência médica não integra o contrato de trabalho. Assim, as ações que discutem abusividade de mensalidades, cobertura de tratamento médico, deficiência de prestação de serviços suplementares de saúde propostas pelos usuários contra as operadoras de plano de saúde, incluídas as autogestões, são de competência da Justiça comum. Com maior razão, por já ter sido encerrado o seu contrato de trabalho, a pretensão do ex-empregado de manutenção no plano de assistência à saúde fornecido pela ex-empregadora não pode ser vista como simples relação de trabalho. Dessa forma, conclui-se que a Justiça competente para o exame e julgamento de ação fundada nos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, que discute direitos de ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa de permanecer em plano de saúde coletivo oferecido pela própria empresa empregadora aos trabalhadores ativos, na modalidade de autogestão, é a Justiça Comum estadual, visto que a causa de pedir e o pedido se originam de relação autônoma nascida com a operadora de plano de saúde, a qual possui natureza eminentemente civil, envolvendo tão somente de maneira indireta os aspectos da relação de trabalho. A competência será da Justiça Comum mesmo que o usuário que ingressou com ação contra o plano ainda seja trabalhador ativo? SIM. A competência será da Justiça comum não importando se o autor da ação contra o plano é trabalhador ativo ou inativo (aposentado). Vale ressaltar que, mesmo se a ação foi proposta pelo dependente do trabalhador, ainda assim a competência será da Justiça Comum. Existe alguma exceção? Existe alguma hipótese na qual a ação proposta pelo usuário contra o plano de saúde de autogestão será de competência da Justiça do Trabalho? SIM. A demanda será de competência da Justiça do Trabalho se o plano de saúde é de autogestão empresarial e foi instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo. Exemplo dessa exceção: Programa de Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS), operado pela PETROBRAS S/A e disciplinado em acordo coletivo de trabalho. Nesse sentido: As ações relacionadas ao Programa Multidisciplinar à Saúde mantida pela Petrobrás são de competência da Justiça do Trabalho, porquanto disciplinado por Convenção Coletiva de Trabalho e normas internas empresariais vinculadas ao contrato de trabalho, sem discussão acerca da aplicação da legislação civil relacionada aos planos de saúde. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.315.336/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/02/2019. Em suma: Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668). Vale ressaltar, contudo, que temos aqui uma “polêmica”. No mesmo dia, na mesma sessão de julgamento, a 2ª Seção apreciou o CC 165.863-SP no qual foram redigidas teses aparentemente contraditórias com as do REsp 1.799.343-SP. Compare: Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17 CC 165.863-SP (Info 667) REsp 1.799.343-SP (Info 668) Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador. Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho. STJ. 2ª Seção. CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 667). Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668). A tese oficial que constou na ementa do CC 165.863 ficou assim redigida: (...) 2.1. Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que competência é da Justiça do Trabalho. 2.2. Irrelevância, para os fins da tese 2.1, da existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. 2.3. Aplicabilidade da tese 2.1 também para as demandas em que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador.(...) E agora? Foram opostos embargos de declaração nos dois processos, de forma que o tema deverá ser esclarecido em breve. Penso, contudo, que irá prevalecer a redação da tese fixada no REsp 1.799.343-SP porque reflete o entendimento presentes em outros julgados do STJ. ECA INTERNAÇÃO É legal a internação de adolescente gestante ou com o filho em amamentação, desde que assegurada atenção integral à sua saúde, bem como as condições necessárias para que permaneça com seu filho durante o período de amamentação Não há impeditivo legal para a internação de adolescente gestante ou com filho em amamentação, desde que seja garantida atenção integral à saúde do adolescente, além de asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação (arts. 60 e 63, § 2º da Lei nº 12.594/12 - SINASE). STJ. 5ª Turma. HC 543.279-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Imagine a seguinte situação hipotética: Uma adolescente de 16 anos foi representada pela prática do ato infracional análogo ao crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I e IV, do Código Penal). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18 A sentença julgou procedente a representação e fixou a medida socioeducativa de internação. A defesa impetrou habeas corpus afirmando que a adolescente está gestante e que, portanto, não poderia ficar internada. Afirmou que o Código de Processo Penal assegura às rés grávidas o direito à prisão domiciliar, de modo que uma adolescente não pode receber tratamento mais gravoso que uma pessoa adulta. Logo, seria ilegal a internação. A tese da defesa foi acolhida pelo STF? NÃO. Internação A medida socioeducativa de internação somente pode ser aplicada nas hipóteses legais arroladas no art. 122 do ECA: Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Esse rol é taxativo, não permitindo ao julgador nenhuma interpretação extensiva. O caso concreto se amolda ao inciso I do art. 122 do ECA Diante da prática de ato infracional equiparado ao crime de homicídio duplamente qualificado, que traduz gravíssima e irremediável violência contra pessoa, está autorizada a aplicação da medida socioeducativa de internação, nos termos do art. 122, I, do ECA Lei do SINASE não proíbe internação de adolescentes grávidas Não há impeditivo legal para a internação de adolescente gestante ou com filho em amamentação, desde que seja garantida atenção integral à saúde do adolescente, além de asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação (art. 60 e § 2º do art. 63 da Lei nº 12.594/2012 – Lei do SINASE). Lei de Execução Penal e Estatuto da Primeira Infância Com a edição da Lei nº 13.257/2016 (Estatuto da Primeira Infância), houve alteração no CPP e o rol de hipóteses em que é permitida a inserção da mãe em um regime de prisão domiciliar foi ampliado, ficando evidente o compromisso do legislador com a proteção da criança e seu desenvolvimento nos primeiros anos de vida. A Lei nº 13.769/2018 também tratou sobre o tema. Veja a atual redação do CPP: Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: (...) IV - gestante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Redação dada pela Lei nº 13.257/2016) Art. 318-A. A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa; II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente. (artigo incluído pela Lei nº 13.769/2018). Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 19 No caso concreto, a adolescente praticou o ato infracional com emprego de violência contra pessoa, de forma que incide na hipótese do inciso I do art. 318-A do CPP na qual não se concederá prisão domiciliar. Em suma: Não há impeditivo legal para a internação de adolescente gestante ou com filho em amamentação, desde que seja garantida atenção integral à saúde do adolescente, além de asseguradas as condições necessárias para que a adolescente submetida à execução de medida socioeducativa de privação de liberdade permaneça com o seu filho durante o período de amamentação (arts. 60 e 63, § 2º da Lei nº 12.594/12 - SINASE). STJ. 5ª Turma. HC 543.279/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/03/2020. DIREITO PROCESSUAL CIVIL SUSPEIÇÃO A falha procedimental consubstanciada na publicação antecipada de resultado de julgamento que havia sido adiado não gera suspeição do relator A falha procedimental consubstanciada na publicação antecipada de resultado de julgamento que havia sido adiado não gera suspeição do relator. Essa falha não se enquadra em nenhuma das hipóteses taxativas de suspeição previstas no art. 135 do CPC. As hipóteses taxativas de cabimento da exceção devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de comprometimento da independência funcional assegurada ao magistrado no desempenho de suas funções. STJ. 2ª Seção. AgInt na ExSusp 198-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/03/2020 (Info 668). Imagine a seguinte situação adaptada: A empresa MPG interpôs agravo interno dirigido para a 3ª Turma do STJ. O relator do agravo é o Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. A sessão de julgamento foi marcada para o dia 02/04. Ocorre que não foi possível realizar o julgamento nesta data, razão pela qual ele foi adiado para 14/04. Deveria ter sido publicada a certidão de adiamento da sessão. Ocorre que, por uma falha procedimental, foi publicado o resultado do julgamento do agravo interno, constando a informação de que o julgamento já teria sido realizado e que o recurso teria sido improvido, por unanimidade pela 3ª Turma. Diante disso, a empresa recorrente ingressou com exceção de suspeição alegando que ocorreu parcialidade na condução do processo, ao argumento de que houve publicação antecipada de resultado do julgamento do agravo interno por ela interposto, a despeito do adiamento de seu julgamento. A empresa estende o pedido de exceção a toda a 3ª Turma, uma vez que o julgamento publicado resultaria da manifestação de todos os seus membros. A 2ª Seção do STJ acolheu a exceção de suspeição? NÃO. Hipóteses taxativas A exceção de suspeição somente é admitida nas hipóteses taxativamente previstas no art. 145 do CPC/2015: Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 20 Art. 145. Há suspeição do juiz: I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados; II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio; III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora,de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive; IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes. No caso, a excipiente não indicou nenhuma situação fática que, ao menos, se aproximasse das hipóteses legais de suspeição. Suas alegações demonstram tão somente a ocorrência de falha procedimental, que, acaso confirmada, rende ensejo à cassação do acórdão proferido de forma viciada. Contudo, esse fim não pode ser alcançado por meio deste incidente processual. Em verdade, pretende a excipiente utilizar-se da via da exceção de suspeição como sucedâneo recursal, o que é manifestamente inviável ante a total ausência de respaldo legal. Interpretação restritiva As hipóteses taxativas de cabimento da exceção devem ser interpretadas de forma restritiva, sob pena de comprometimento da independência funcional assegurada ao magistrado no desempenho de suas funções. Em suma: A falha procedimental consubstanciada na publicação antecipada de resultado de julgamento que havia sido adiado não gera suspeição do relator. STJ. 2ª Seção. AgInt na ExSusp 198-PE, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 17/03/2020 (Info 668). AGRAVO DE INSTRUMENTO Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa por ato atentatório à dignidade da justiça pelo não comparecimento à audiência de conciliação A decisão que aplica a multa do art. 334, §8º, do CPC, à parte que deixa de comparecer à audiência de conciliação, sem apresentar justificativa adequada, não pode ser impugnada por agravo de instrumento, não se inserindo na hipótese prevista no art. 1.015, II, do CPC. Tal decisão poderá, no futuro, ser objeto de recurso de apelação, na forma do art. 1.009, §1º, do CPC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.762.957-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação As partes possuem o dever processual de comparecer à audiência de conciliação e a ausência injustificada configura ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do § 8º do art. 334 do CPC/2015: Art. 334 (...) § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 21 ++ (PGM Campinas 2016 FCC) O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato de litigância de má-fé, sendo apenado com multa de até cinco por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. (errado) Imagine agora a seguinte situação hipotética: João ajuizou ação contra Pedro. O juiz designou audiência de conciliação, nos termos do art. 334, caput, do CPC/2015. O réu não compareceu à audiência de conciliação nem apresentou qualquer justificativa. Diante disso, o juiz considerou a ausência como ato atentatório à dignidade da justiça e fixou, contra Pedro, multa de 1%, nos termos do art. 334, § 8º do CPC. Inconformado, o réu interpôs agravo de instrumento, afirmando que esse recurso seria possível com base no art. 1.015, II, do CPC: Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre: (...) II - mérito do processo; Esse recurso será conhecido? NÃO. Essa decisão que impõe a multa pelo não comparecimento à audiência de conciliação não pode ser considerada como uma decisão interlocutória que verse sobre o mérito do processo (inciso II). Inciso II do art. 1.015: questões de fundo relacionadas com o pedido das partes Ao se referir ao “mérito”, no inciso II do art. 1.015 do CPC, o legislador quer tratar das “questões de fundo”, ligadas ao pedido formulado pelas partes e que seriam objeto de resolução quando da prolação da sentença, mas que acabam por ser analisadas antes, na via interlocutória. São as chamadas “sentenças parciais” ou “julgamento antecipado parcial de mérito”. Assim, o inciso II do art. 1.015 mantém intrínseca relação com o art. 487 do CPC. Intenção do legislador O regramento do CPC/2015 a respeito do agravo de instrumento teve por objetivo incrementar a fluidez e celeridade do processo. Se fosse admitido agravo de instrumento contra a decisão que aplica a multa do art. 334, § 8º, do CPC isso iria contra a intenção de celeridade do legislador, considerando que esse tema seria apreciado imediatamente pelo Tribunal, sendo que tal questão poderia muito bem aguardar e ser analisada oportunamente em sede de eventual apelação. Não há urgência Vale ressaltar que não há urgência no enfrentamento dessa decisão, tendo em vista que o §3º do art. 77 do CPC é bastante claro ao prever que a multa somente será inscrita como dívida ativa da União ou do Estado após o trânsito em julgado da decisão que a fixou. Com isso, o nome da parte somente será inscrito na hipótese de não pagar a multa e não interpor o competente recurso de apelação contra a sentença posteriormente prolatada ou, interpondo, somente quando da prolação da última decisão. Não haveria, portanto, risco de dano irreparável. Apelação Deve-se esclarecer, por fim, que essa decisão poderá ser discutida, no futuro, em recurso de apelação, na forma do art. 1.009, § 1º do CPC: Art. 1.009. Da sentença cabe apelação. § 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões. (...) Informativo comentado Informativo 668-STJ (24/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 22 Em suma: Não cabe agravo de instrumento contra a decisão que aplica multa por ato atentatório à dignidade da justiça pelo não comparecimento à audiência de conciliação. A decisão que aplica a multa do art. 334, §8º, do CPC, à parte que deixa de comparecer à audiência de conciliação, sem apresentar justificativa adequada, não pode ser impugnada por agravo de instrumento, não se inserindo na hipótese prevista no art. 1.015, II, do CPC. Tal decisão poderá, no futuro, ser objeto de recurso de apelação, na forma do art. 1.009, §1º, do CPC. STJ. 3ª Turma. REsp 1.762.957-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 10/03/2020 (Info 668). DIREITO PENAL LEI DAS CONTRAVENÇÕES PENAIS O porte de arma branca é conduta que permanece típica na Lei das Contravenções Penais A previsão do art. 19 da Lei das Contravenções Penais continua válida ainda hoje? • Em relação à arma de fogo: NÃO. O porte ilegal de arma de fogo caracteriza, atualmente, o crime previsto nos arts. 14 ou 16 do Estatuto do Desarmamento. • Em relação à branca: SIM. O art. 19 do Decreto-lei nº 3.688/41 permanece vigente quanto ao porte de outros artefatos letais, como as armas brancas. A jurisprudência do STJ é firme no sentido da possibilidade de tipificação da conduta de porte de arma branca como contravenção prevista no art. 19 do DL 3.688/41, não havendo que se falar em violação ao princípio da intervenção mínima ou da legalidade. STJ. 5ª Turma. RHC 56.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 10/03/2020 (Info 668). Contravenção penal do art. 19 Veja o que diz o art. 19 da Leis das Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41): Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena