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O camarada Enrolevich: O que restou do Imbecil, vol. VII
Olavo de Carvalho
1ª edição — maio de 2024 — CEDET
Copyright © by Herdeiros de Olavo de Carvalho
Os direitos desta edição pertencem ao
CEDET — Centro de Desenvolvimento Pro�ssional e Tecnológico
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Direção editorial: 
Silvio Grimaldo
Editor: 
omaz Perroni
Preparação de texto: 
Verônica van Wijk Rezende
Diagramação: 
Maurício Amaral
Capa: 
Vicente Pessôa
Conselho editorial: 
Adelice Godoy
César Kyn d’Ávila
Silvio Grimaldo de Camargo
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Carvalho, Olavo de.
O camarada Enrolevich: O que restou do Imbecil, vol. VII /
Olavo de Carvalho — Campinas, SP: Vide Editorial, 2024.
ISBN: 978-85-9507-236-7
1. Filoso�a moderna — Ensaios. 2. Ensaios e estudos �losó�cos.
I. Título II. Autor
CDD – 190-2 / 501-01
   
1. Filoso�a moderna — Ensaios — 190-2
2. Ensaios e estudos �losó�cos — 501-01
Reservados todos os direitos desta obra. 
Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela
eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução, sem
permissão expressa do editor.
Sumário
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Este volume se compõe de todos os artigos que Olavo de Carvalho
publicou no ano de 2004, nos jornais Zero Hora, O Globo, Jornal da
Tarde, Folha de São Paulo, e também na revisa Bravo! — além de um
inédito, escrito em 2004 mas não publicado até o momento.
Os textos vêm para integrar a série O que restou do Imbecil, que,
dando seqüência a O Imbecil Coletivo, de 1996 (reeditado agora em
2021), já conta com seis volumes: A longa marcha da vaca para o brejo
(2019), O imbecil juvenil (2020), O leão e os ossos (2021), O irracional
superior (2023), A morte do pato (2023) e A felicidade geral da nação
(2023).
Nos artigos de 2004, Olavo mais uma vez discute a natureza
suprapolítica do comunismo e seu poder de regeneração, ou melhor,
sua capacidade de se transmutar em diferentes movimentos e partidos,
que adotam variados nomes de fachada, e assim continuar vivo e
atuante como uma das principais forças políticas e culturais do
mundo. À época, o Brasil ainda vivia os inícios do primeiro mandato
de Luiz Inácio Lula da Silva, cuja incompetência administrativa e
conhecida sanha por fazer alianças com o que há de pior na política
latino-americana e mundial também receberam críticas e análises de
Olavo. Foi o ano em que, nos cinemas, estreou a obra-prima de Mel
Gibson, A Paixão de Cristo, duramente acusada de promover o
antissemitismo — o assunto, por essa razão, também ganhou algumas
páginas desta nossa coletânea. Ainda em 2004, nos Estados Unidos,
Bush era reeleito ao vencer o representante do Partido Democrata
John Kerry; Olavo comenta o impacto da vitória do republicano e os
motivos que levavam toda a casta jornalística e pseudointelectual do
Brasil a apoiar Kerry. E muito mais...
Vinte anos depois desses acontecimentos, vale rever registrada aqui a
nossa própria história, a �m de que, ao contemplá-la, compreendamos
o nosso estado presente e saibamos o que esperar do porvir. Uma coisa
é certa: jamais nos esqueceremos da divisa do autor, que tinha razão ao
dizer: “Muitas coisas que eu escrevi vão ser úteis depois da minha
morte”.
Campinas, abril de 2024 
— O editor
M 
Quando digo que o marxismo é uma “cultura”, está aí implícito que
compará-lo a uma “religião” é abusar de uma analogia. Essa analogia
só funciona, em parte, se por “religião” se entendem os primitivos
complexos mitológicos em que crenças, ritos, governo e sociedade se
fundiam numa totalidade inseparável. As religiões universais são por
excelência transportáveis para fora da sua cultura originária, e o são,
precisamente, porque nelas o depósito inicial da revelação se
transmuta numa formulação teológico-dogmática racional com
pretensões de verdade universal, a qual se oferece para ser validada ou
impugnada no plano do exame teorético. Já o marxismo não admite de
maneira alguma ser discutido nesse plano, porque a essência do seu
conteúdo intencional, como já expliquei, não está expressa em
discurso, mas imbricada organicamente, como um segredo mudo, no
tecido da prática revolucionária, do qual deve ser desentranhada por
meio de sutis mutações de signi�cado, procedimento esotérico cuja
autoridade transcende a dos escritos do próprio Marx.
Antonio Negri, escrevendo em 1994 sobre uma discussão com
Norberto Bobbio, a�rma:
Para Bobbio, uma teoria marxista do Estado só poderia ser aquela
que derivasse de uma cuidadosa leitura da obra do próprio Marx.
Para o autor marxista radical (Negri), no entanto, era a crítica prática
das instituições jurídicas e estatais desde a perspectiva do movimento
revolucionário — uma prática que tinha pouco a ver com �lologia
marxista, mas pertencia antes à hermenêutica marxista da construção
de um sujeito revolucionário e à expressão do seu poder. Se havia
algo em comum entre Bobbio e seu interlocutor era que ambos
consideravam o socialismo real um desenvolvimento amplamente
externo ao pensamento marxista.
De um lado, o marxismo não consiste nas formulações expressas de
Marx, mas transmuta-se na “construção de um sujeito revolucionário”.
De outro, também não se identi�ca com o “socialismo real”, isto é, com
a situação historicamente objetiva produzida por essa mesma
construção. Mas, se o “verdadeiro” marxismo não está nem no projeto
nem no edifício, nem nas intenções da teoria nem nos resultados da
prática, onde está então? Está no trajeto, no processo em si. Está nas
profundezas ocultas e moventes da praxis, veladas a seus protagonistas
e agora em parte desveladas peloadministração pública e privada e o apoio de variadas
organizações co-irmãs, adquiriu há tempos um verdadeiro poder de
polícia, investido dos meios de subjugar e destruir os adversários que
bem entenda e, no mesmo ato, pelo próprio terror que inspira a sua
retórica moralizante, bloquear qualquer investigação séria dos crimes
em que se envolva. E o sr. José Dirceu que apadrinhou Waldomiro é o
mesmo que, na  dos “anões do orçamento”, brilhava com revelações
espetaculares, citando até mesmo os números das cédulas recebidas
como propina por fulano ou beltrano — informação só acessível a
quem tivesse olheiros escondidos por toda parte.
Essas duas faces não se excluem, mas se exigem mutuamente. O juiz
temível e o gatuno sorrateiro são o mesmo personagem. Já ensinava
Lênin: “Fomentar a corrupção e denunciá-la”. Não há um  bom e
um  mau: o que há é estratégia, organização, informação,
planejamento, convergência de todos os meios lícitos e ilícitos para o
objetivo �nal: a conquista do poder, a fusão de Partido e Estado, o
domínio sobre a “sociedade civil organizada” (“o Partido ampliado”,
como a chamava Gramsci), a demolição total das instituições e sua
substituição por um “novo modelo de democracia” que já era velho no
tempo em que Fidel Castro usava fraldas.
As habilidades requeridas para conduzir uma operação tão complexa
estão fora do alcance dos políticos “normais”, cuja ciência não vai além
das espertezas eleitoreiras, mercadológicas e parlamentares necessárias
para o exercício corriqueiro da política provinciana.
Quase todos os líderes do  têm uma longa prática da ação
clandestina, e, não por coincidência, precisamente aquele a quem o
episódio recente deu a mais triste notoriedade é um agente treinado
pelo serviço cubano de inteligência militar, o mais poderoso e e�caz
do continente. Suas aptidões nesse campo incluem a organização de
redes subterrâneas de espionagem e propaganda, in�ltração,
terrorismo, bem como todas as artes da desinformação e camu�agem
das quais a média da classe política nacional só tem uma idéia
longínqua e fantasiosa, adquirida, na mais erudita das hipóteses, em
�lmes de James Bond.
Entre o  e seus acusadores, a única luta possível é a da astúcia
organizada contra uma pululação anárquica de indignações cegas. Sem
a consciência do que está verdadeiramente em jogo, essas indignações
correm o risco de se esfarelar numa poeira de protestos vãos.
O Globo, 21 de fevereiro de 2004
O   
Ninguém, mais que os gaúchos, conhece o lado tenebroso do . O
acervo de informações que coletaram a respeito é tão vasto que, não
cabendo mais em páginas de jornais, acabou se condensando em livros
e formando uma pequena biblioteca da teratologia política
esquerdista. Obras como as de Adolpho João de Paula Couto (A face
oculta da estrela), Onyx Lorenzoni (Os 500 dias do  no governo),
Denis Rosen�eld ( na encruzilhada), Paulo Couto e Silva (O
impeachment de Olívio Dutra), José Hildebrando Dacanal (A nova
classe e o pedagogo do ), Dagoberto Lima Godoy (Neocomunismo
no Brasil) e José Giusti Tavares (Totalitarismo tardio) são
absolutamente indispensáveis a quem queira conhecer o verdadeiro
funcionamento dessa engenhoca política sui generis, capaz de somar
aos rendimentos publicitários do mais agressivo moralismo as
vantagens indiscutíveis da amizade com bicheiros, narcotra�cantes e
seqüestradores.
Se esses livros tivessem sido lidos pelo Brasil a fora, provavelmente o
 jamais teria conquistado a Presidência da República no instante
mesmo em que perdia o governo do Rio Grande. Infelizmente, sua
difusão �cou restrita a este Estado, por mais que eu �zesse para
divulgá-los na mídia carioca e paulista.
Foi justamente por tê-los lido que percebi, antes de qualquer outro
comentarista da grande mídia nacional, a profunda e essencial
articulação entre dois aspectos da organização petista que, para a
opinião ingênua da maioria, permanecem separados e antagônicos: a
máquina de investigação e acusação que elevou o  à condição de juiz
supremo da moralidade nacional e a máquina de corrupção
organizada que fez dele o partido mais rico e poderoso do país.
Simplesmente não pode ser coincidência que o líder petista que
apadrinhou Waldomiro Diniz seja o mesmo que anos atrás, com sua
experiência de agente secreto treinado em Cuba, era acusado de ter
sob seu comando batalhões de olheiros e “arapongas” in�ltrados em
todos os escalões da administração pública, brilhando nas ’s com
informações espetaculares das quais nem as autoridades policiais
dispunham.
Simplesmente não pode ser coincidência que o partido mais
intimamente associado a organizações internacionais criminosas como
as  e o  chileno esteja, na escala nacional, tão próximo de
quadrilhas de contraventores que, como ninguém ignora, são a
fachada incruenta da indústria global do narcotrá�co e dos seqüestros.
Só uma organização desse porte — e dessa complexidade — poderia
realizar o prodígio de meter-se em tantas atividades suspeitas e, ao
mesmo tempo, conservar a imagem de autoridade moral com que
destrói a reputação de tantos adversários e reduz os demais à condição
de colaboradores servis.
Tudo indica que no  a retórica de acusação moralista e a
promiscuidade com o crime não são dois aspectos contraditórios. São
peças perfeitamente articuladas de uma engrenagem gigantesca
voltada para um só objetivo: a conquista do poder total por todos os
meios possíveis e imagináveis, pouco importando se lícitos ou ilícitos.
Está na hora de os gaúchos contarem ao Brasil tudo o que
descobriram durante a era Olívio Dutra. Só assim este país poderá
fazer uma idéia do tamanho da encrenca em que se meteu quando
resolveu brincar de “ética” no teatro de marionetes do .
Zero Hora, 22 de fevereiro de 2004
L  
Em alguns lugares da Europa medieval, contar que uns quantos judeus
condenaram Jesus Cristo à morte no tempo de Pôncio Pilatos equivalia
a dizer que todos os judeus eram culpados da morte de Jesus Cristo e
deviam pagar pelo crime, mesmo tendo nascido séculos depois do
ocorrido e nada sabendo a respeito.
Essa interpretação fantástica do texto evangélico acabou sendo
impugnada, é claro, pelas próprias igrejas cristãs, e parecia sepultada
para sempre.
Quem diria que ela viria a ressurgir no século , por iniciativa
justamente de suas próprias vítimas? Quando o velho guerreiro
Abraham Foxman farejou indícios de anti-semitismo no �lme de Mel
Gibson que transpunha para a tela a narrativa bíblica da Paixão de
Cristo com a maior �delidade já alcançada no cinema, o raciocínio em
que se baseou foi aquele que na retórica greco-romana se chamava
“argumento suicida”, em que o orador, sem perceber, argumenta contra
si próprio.
A colunista Jami Bernard, do New York Times, exempli�cou esse
desastroso loop lógico ao a�rmar, por um lado, que Gibson fez “um
traslado tecnicamente correto das últimas doze horas da vida de
Cristo” e, por outro, que A Paixão é “o �lme mais virulentamente anti-
semita desde os tempos da propaganda nazista”. A conclusão inevitável
é que a própria narrativa evangélica é um pan�eto anti-semita.
Abraham Foxman reconheceu que o problema do �lme não estava
nas intenções, mas nos possíveis resultados estatísticos: contar essa
história para multidões de cristãos arriscava insu�ar neles o ódio aos
judeus. A dúvida poderia ser resolvida da maneira mais simples: exibir
o �lme a uma platéia de cristãos e depois perguntar se saíram com
raiva dos judeus ou inclinados à compaixão universal. Aliás o mesmo
teste poderia ser feito com a leitura de exemplares do Evangelho, que
só produziram anti-semitismo quando interpretados por monges que
hoje em dia ninguém hesitaria em quali�car de loucos furiosos.
Fanatizados pela propaganda nazista, os alemães �zeram um bocado
de estragos no mundo há pouco mais de meio século — 1939 anos
depois da morte de Cristo. Seus feitos macabros foram exibidos por
milhares de �lmes e ainda sublinhados pela doutrina da “culpa
coletiva”, segundo a qual todos os alemãese não somente os nazistas
eram responsáveis pelo acontecido. Bem, das pessoas que assistiram a
esses �lmes, quantas saíram odiando todos os alemães desde Lutero
até Michael Schumacher? O número dos que odiariam os judeus
depois de ver o �lme de Mel Gibson di�cilmente seria maior, mesmo
porque não há, para induzi-los a esse sentimento, nenhuma doutrina
da “culpa coletiva” judaica em circulação entre cristãos com  maior
que doze.
A discussão toda é tão extravagante que sugere a existência de
alguma esperteza por trás da loucura. A esperteza é a seguinte. A
aliança de cristãos e judeus é a base do movimento conservador que
hoje resiste ao “globalismo progressista” propugnado, na  e na
mídia internacional, por um comitê central de comunistas, radicais
islâmicos e neonazistas. É preciso rompê-la a todo custo, e para isso
trabalham incansavelmente agentes de in�uência capazes de armar as
intrigas mais perversas, usando como instrumentos, de preferência,
velhinhos bem-intencionados e insuspeitos como Foxman e o Papa
João Paulo . Quando o primeiro, sem querer, restaura a interpretação
anti-semita do Evangelho ou o segundo fala contra o muro protetivo
erguido por Ariel Sharon, ambos se tornam inocentes úteis a serviço
de uma manobra pér�da que se volta contra eles mesmos e suas
respectivas comunidades. Mas nem todo mundo entre os judeus e
cristãos é idiota de cair nessa. De um lado, os principais defensores da
idoneidade de Mel Gibson são intelectuais judeus — o escritor David
Horowitz e o advogado James Hirsen, além da própria atriz principal
do �lme, a judia romena Maia Morgenstern. De outro, o repentino
acesso de anti-sharonismo do Vaticano foi respondido com o
surgimento, nos , de um enérgico movimento de “Católicos Pró-
Israel”. Ainda não vi o �lme, mas, se ele é �el ao relato evangélico, não
pode ser anti-semita exceto se interpretado à luz da teoria segundo a
qual todos os judeus são Caifás (ou todos os alemães são o Führer).
Restaurar essa teoria ou fazer de conta que o muro de Sharon é o muro
de Berlim só é bom para quem seja, ao mesmo tempo, inimigo de
Israel e da cristandade.
Jornal da Tarde, 26 de fevereiro de 2004
E   
Quando soube que George W. Bush havia decidido invadir o Iraque,
perguntei a mim mesmo: Por que o Iraque? Por que não o Paquistão,
que tem bomba atômica e distribui tecnologia nuclear no mercado do
terrorismo internacional? Por que não o Irã? Por que não a própria
Arábia Saudita, de onde jorra dinheiro para Al-Qaeda, Hamas,
Hezbollah e tutti quanti?
Leitores, por e-mail, cobravam-me uma “tomada de posição” sobre a
guerra, mas eu não tinha nenhuma. Não costumo ter opiniões sobre
assuntos em que não posso interferir, e, ao contrário da quase
totalidade dos articulistas deste país, não escrevo como quem espera
insu�ar o pânico na Casa Branca, tirar o sono do Papa ou elevar a
pressão arterial de Vladimir Putin. Tudo o que espero é falar a alguns
leitores neste canto obscuro do universo, ajudando-os, na medida dos
meus recursos, a orientar-se um pouco na confusão mundial. Por isso,
nada opinei sobre a guerra, mas adverti meus leitores quanto à farsa
dos freis Bettos que já acusavam o presidente americano pela morte
iminente de “milhões de crianças iraquianas” (sic) e denunciei a
estupidez dos inumeráveis “especialistas” que auguravam a destruição
das tropas americanas pela todo-poderosa Guarda Republicana de
Saddam Hussein.
Nos últimos dias da guerra, porém, quando se abriram os cemitérios
clandestinos nas prisões iraquianas e começou a contagem dos
cadáveres, não pude deixar de perceber — e escrever — que a decisão
de George W. Bush tinha sido moralmente acertada e até obrigatória:
qualquer país que mate trezentos mil prisioneiros políticos tem de ser
invadido e subjugado imediatamente, ainda que não represente perigo
nenhum para as nações vizinhas ou para a suposta “ordem
internacional”. As soberanias nacionais devem ser respeitadas, mas
não para além do ponto em que se arrogam o direito ao genocídio.
Escrevi na ocasião e repito: cada protelação da  custou, em média,
a morte de trinta iraquianos por dia, mais de vinte mil ao longo de
dois anos de blá-blá-blá paci�sta, isto é, só nesse período, cinco vezes
mais que o total de vítimas da guerra. Por ter estancado esse �uxo de
sangue inocente, com um número reduzido de baixas de ambos os
lados e com a menor taxa de vítimas civis já observada em todas as
guerras do século , o presidente norte-americano, quaisquer que
tenham sido os seus erros, merece a gratidão e o respeito de toda a
humanidade consciente.
A correção moral intrínseca da ação americana é tão patente e
inegável, que, em todas as discussões que se seguiram na mídia
internacional e brasileira, esse aspecto da questão teve de ser
sistematicamente escamoteado, para concentrar o foco da atenção
pública no problema de saber se Saddam Hussein tinha ou não as tais
armas de destruição em massa e, portanto, se ao alegar esse motivo em
particular — entre inumeráveis outros — George W. Bush tinha
acertado ou não.
Ora, um governo que mata trezentos mil de seus governados não
precisa ter altos meios tecnológicos de destruição em massa, porque,
com meios rudimentares, já começou a destruição em massa no seu
próprio território e tem de ser detido, incontinenti, por quem quer que
tenha os meios de fazê-lo. Os  tinham esses meios, e �zeram a
coisa certa. A  os tinha e não fez nada. Quem, dos dois, é o
criminoso?
Não é à toa que aqueles que tentaram deter a ação americana — e
vingar-se dela depois de vitoriosa — sejam aqueles mesmos
“paci�stas” dos anos 60, que, pressionando as tropas americanas a sair
do território vietnamita, entregaram o Vietnã do Sul e o Camboja nas
mãos dos comunistas, os quais aí �zeram rapidamente três milhões de
vítimas, três vezes mais do que o total de mortos de décadas de guerra.
Nenhum americano alfabetizado ignorava que o resultado da
campanha antiamericana seria esse, que a paz seria mais assassina do
que a guerra. Mas as Janes Fondas e os Kerrys queriam precisamente
isso. Passadas quatro décadas, só uns poucos dentre aqueles “amantes
da paz” tomaram consciência do crime hediondo em que se
acumpliciaram na ocasião, e esses, por confessar seu pecado, são hoje
alvos de intensas campanhas de ódio e difamação. Os outros não só
varreram seu velho crime para baixo do tapete da História, mas,
variando levemente de pretextos, se apressam hoje em reincidir nele
com alegria feroz, fazendo de conta que trezentos mil mortos não são
nada, que deter pela força o genocídio iraquiano foi — para falar como
o ridículo e perverso José Saramago — “uma atrocidade”.
Que argumentos como esse só possam prevalecer por meio da total
falsi�cação do noticiário, é coisa que não espanta. Por toda parte a
mídia alardeou, por exemplo, a con�ssão do inspetor David Kay de
que não encontrara armas de destruição em massa no Iraque —
porque essas palavras criavam a má impressão de que George W. Bush
havia atacado um país inocente —, e escondeu do público a
continuação da frase: “Depois descobrimos que o Iraque era muito
mais perigoso do que imaginávamos”.
Folha de São Paulo, 27 de fevereiro de 2004
O   
O senador Jefferson Perez tem toda a razão ao a�rmar que “pela
primeira vez no Brasil um partido domina o poder e a sociedade civil
organizada”. Onde ele erra é no termo geral com que sintetiza o estado
de coisas. “Mexicanização” não é sequer um conceito descritivo, é uma
�gura de linguagem, que alude a um fenômeno pela vaga semelhança
com outro.
Mas o que se passa aqui não é tão misterioso que nem tenha um
nome apropriado. O sr. Perez chega perto dele ao usar a expressão
“sociedade civil organizada”, mas logo perde a pista ao derivar para
uma analogia imprópria. “Sociedade civil organizada” é o termo
técnico com que Antonio Gramsci designa a rede de entidades
extrapartidárias controladas pelo Partido. Dizer que o Partido as
controla é portanto redundante: elas constituem, segundo Gramsci, “o
Partido ampliado”. Quando essarede abrange os principais canais de
expressão da sociedade, não há mais opinião pública: há apenas a voz
do Partido, ecoada em muitos tons e oitavas que simulam variedade
espontânea. É a materialização da “hegemonia cultural” que
monopoliza as idéias em circulação e forja até o vocabulário dos
debates públicos, adquirindo sobre a mentalidade geral “o poder
onipresente e invisível de uma lei natural, de um imperativo
categórico, de um mandamento divino” (sic).
O fato mesmo de aquela expressão ser usada por muitos como termo
neutro, sem a menor consciência de sua origem e de suas implicações
estratégicas, basta para mostrar o alcance da “hegemonia”.
A organização da sociedade civil, diz Gramsci, deve preceder de
muito a conquista do Estado. Nos tempos da ditadura, quando os
generais imaginavam dominar tudo porque tinham a guerrilha sob
seus pés, a elite do Partidão, bem tolerada pelo governo porque alheia
à violência armada, tratava de estudar a estratégia gramsciana e
colocá-la em prática diante dos olhos cegos da autoridade. O Brasil de
hoje nasceu aí. O próprio sr. Perez admite que naquela época a
esquerda já adquiriu o controle da sociedade civil.
Mas ele erra também quando limita as possibilidades de explicação
do fenômeno a uma alternativa paralisante: “conspiração” ou
“coincidência”? O que há não é uma coisa nem a outra. É “grande
estratégia”. A adesão do  ao gramscismo obedeceu à nova “linha
geral” adotada pelo Politburô soviético entre 1958 e 1960,3 que,
inspirada no exemplo da  leninista de 1921, recomendou a todos
os partidos comunistas o �m do monolitismo stalinista, concessões
aos interesses capitalistas privados, o eventual abandono da identidade
comunista explícita e a fragmentação num pluripartidarismo aparente,
a penetração ampla na sociedade civil para absorver todas as correntes
de opinião aproveitáveis, de modo a marginalizar o anticomunismo e
seduzir até os conservadores para as belezas do “socialismo com face
humana” encarnado na perestroika.
No plano internacional, essa política, calculada para durar quatro
décadas, visava a formar uma Europa socialdemocrática “unida do
Atlântico aos Urais”, isolando os  e induzindo-os a desarmar-se
ideologicamente (e militarmente) em nome da “convergência”
anunciada de capitalismo e socialismo numa “nova ordem global”
apadrinhada pela . Anestesiado o sentimento anticomunista, os
 festejaram o “�m da Guerra Fria”, sem perceber que com isso
apenas cediam ao inimigo o direito de prossegui-la unilateralmente
em condições ideais, nas quais toda resistência já estava de antemão
condenada como saudosismo, desamor à “paz” e, é claro, paranóia.
Com alguns percalços vistosos que não abalaram em nada o seu
centro orientador, a estratégia alcançou o objetivo desejado, como se
vê hoje pela hostilidade global anti- e anti-Israel. No tempo de
Stálin, isso seria sonhar demais. Hoje é uma realidade.
Perto disso, a Revolução Mexicana foi apenas um fuzuê de caipiras. O
que se passa no Brasil é a Revolução Gramsciana, manifestação local
da grande estratégia comunista mundial. É preciso estar muito, muito
alienado para não enxergar uma coisa tão patente.
O Globo, 28 de fevereiro de 2004
É  
Depois dos estudos de Eric Voegelin, Norman Cohn, Stefan Rossbach,
James Billington e tantos outros, não se pode mais negar seriamente
que os modernos movimentos revolucionários — socialismo, nazismo,
etc. — descendam em linha direta das seitas gnósticas do início da era
cristã.
O essencial da mitologia gnóstica é o sentimento de que o ser
humano é uma entidade celeste aprisionada no mundo mau que uma
divindade rebelde criou contra a vontade do verdadeiro “deus”. Essa
anástrofe da narrativa do Gênesis traduz-se numa prática ascética que
é, por sua vez, a inversão parasitária, a caricatura demoníaca da
obediência judaica e da humildade cristã. O gnóstico, ao tomar
consciência de sua condição de prisioneiro do cosmos, decide se
libertar dela, seja pela evasão subjetivista ou pela destruição ativa do
mundo e de seu cortejo de injustiças, a começar pela “desigualdade
social”. Por meio da conversão gnóstica, o sujeito adquire uma
dignidade espiritual excelsa e já não pode ser julgado pela moral
comum. Mesmo que cometa crimes e atrocidades piores do que
aqueles que denuncia, ele está previamente justi�cado pela esperança
redentora e trans�guradora que o anima.
Quando, a partir do século , o desejo de supressão do universo
criado evoluiu para a idéia aparentemente mais factível de transmutar
a estrutura do tempo e inaugurar na Terra um paraíso milenarista de
igualdade e justiça, o gnosticismo estava maduro para transformar-se,
de um aglomerado de seitas exóticas, num esquadrão de poderosos
movimentos de massas. O peculiar ethos gnóstico — a convicção da
impecabilidade essencial do revolucionário — confere a esses
movimentos o direito de elevar a quota de mal no mundo até um nível
que os profanos não teriam podido sequer imaginar, e de não obstante,
ou por isso mesmo, continuar a considerar-se a encarnação máxima
do bem. As lideranças revolucionárias podem promover a seu bel-
prazer o genocídio, o terrorismo, o narcotrá�co, o contrabando, os
seqüestros, bem como a corrosão das defesas morais da sociedade por
meio de modas intelectuais como o desconstrucionismo, o relativismo,
a utopia lisérgica ou a teologia da libertação, ao mesmo tempo que,
vendo a devastação resultante, jamais reconhecem aí a obra de suas
próprias mãos e, quanto mais pervertem a ordem social, mais jogam
sobre ela a culpa de todos os pecados, adquirindo com isso uma
considerável autoridade moral sobre as multidões.
O cidadão comum, ignorante das correntes históricas que geraram
esse estado de coisas, �ca atônito ante a degradação geral e dá tanto
mais crédito aos discursos de acusação revolucionária, sem suspeitar
que vêm da mesma fonte dos horrores que o atormentam. A
mentalidade vulgar, incapaz de explicar as condutas humanas senão
pelos motivos banais que se aplicariam a ela própria — hipocrisia,
busca de vantagens materiais, compulsão neurótica etc. —, torna-se
presa fácil da manobra revolucionária justamente porque não pode
atinar com as complexidades tenebrosas da alma gnóstica.
Por isso, a cada nova revelação de seus crimes e desvarios, o
movimento revolucionário emerge fortalecido e não debilitado. O
método de gerenciamento de danos é constante e auto-reprodutível há
mais de um século. Primeiro espalha-se o mal por toda parte,
impugnando seus denunciadores como agentes a soldo do pér�do
mundo presente, empenhados em defender seus “privilégios” contra o
advento do “outro mundo possível”. Quando, como sempre acontece,
as denúncias se con�rmam, o movimento se salva in extremis
entregando ao patíbulo alguns militantes apanhados com a boca na
botija — ou bodes expiatórios escolhidos a esmo —, mas acusando-os,
não de ter feito precisamente o que ele próprio os mandou fazer, e sim
de ter-se vendido aos adversários. Se o cristianismo condena o pecado
absolvendo o pecador, a moral gnóstica sacri�ca o pecador para
proteger o pecado, que assim renasce interminavelmente de sua
própria punição simulada.
Por favor, poupem-me de detalhar como esse processo se veri�ca no
Brasil de hoje. É demasiado óbvio para merecer um artigo.
O Globo, 6 de março de 2004
A  
Informado de que Porto Alegre sediará em breve um Tribunal Popular
internacional para o julgamento e previsível condenação dos
transgênicos, apresso-me em colaborar com o sucesso do
empreendimento, fornecendo aos excelentíssimos senhores
magistrados alguns elementos de prova sem os quais a identi�cação e
punição dos criminosos se revelará demasiado problemática.
As sementes transgênicas são atualmente denunciadas como
engenhos alimentares malignos concebidos pelo imperialismo
americano para envenenar a população do Terceiro Mundo e ainda
tomar o dinheiro dela em troca de um catastró�co arremedo de
comida.
Mas o fato é que, na América Latina, o maior produtor e ao mesmo
tempo consumidorde transgênicos é Cuba. Praticamente toda a
agricultura cubana depende hoje de sementes transgênicas, cujo
sucesso econômico e virtudes alimentícias são constantemente
louvados pelo governo do sr. Fidel Castro.
Ora, não está certo que o tribunal, sendo composto essencialmente
de militantes e simpatizantes do socialismo, se empenhe em banir os
transgênicos da parte capitalista do globo, sobre a qual os partidos de
esquerda desfrutam no máximo de uma autoridade parcial e relativa, e
nada faça para expulsar essas plantas malignas de um país socialista,
onde os capitalistas não mandam nada e não podem oferecer
resistência a tão salutar medida saneadora. Também não está direito
combater o ingresso das referidas sementes num território onde ainda
mal penetraram e onde há tantos requiões solícitos para impedi-las de
circular, enquanto nada se faz para deter sua expansão num pequeno
país que essas malvadas já dominaram quase por completo e que,
sobretudo, não foi dotado pela natureza com a presença pro�lática de
um único requião sequer.
Pela ordem das prioridades, pois, venho requerer ao egrégio tribunal
que estabeleça como item prioritário da sua pauta de trabalhos a
seguinte palavra-de-ordem: “Transgênicos fora de Cuba!”. Nada
poderia ser mais lógico, mais sério, mais conseqüente.
No entanto, observo que não somente os transgênicos cubanos
continuam bem recebidos em sua terra natal, mas já estenderam suas
patinhas (se é que os vegetais têm patas) ao território brasileiro,
através do principal instituto cubano produtor dessas sementes, o qual
instalou uma �lial no Rio de Janeiro através de convênio com uma
universidade local.
Caso o tribunal não diga uma palavra contra essa ameaça iminente
de envenenamento de nossa população pela agrotecnia caribenha, ao
mesmo tempo que faz desabar implacavelmente a mão da justiça sobre
os pér�dos agentes vegetais do imperialismo, terei de concluir que, no
seu entender, deve haver uma diferença bioquímica essencial e
irredutível entre os transgênicos politicamente corretos e os
incorretos, voltando-se o instinto justiceiro daquela instituição tão
somente contra estes últimos, jamais — oh, jamais! — contra os
primeiros.
Nessa hipótese, será preciso admitir ainda, em boa lógica, que o
próprio tribunal, tendo oposto uma barreira de requiões aos
transgênicos ianques, deixará tudo pronto para a livre circulação de
seus equivalentes socialistas e revolucionários, contra os quais, �ndos
os trabalhos da corte, já ninguém terá mais nada a dizer, exceto eu, é
claro, que não tenho a mínima importância na ordem das coisas e
ademais não entendo lhufas de agricultura.
Donde se depreende, na mesma linha de raciocínio, que, se o próprio
governo cubano não está dando uma forcinha para a instalação desse
tribunal, e porventura nem sabe da existência dele, é obrigação de seus
simpatizantes e colaboradores informá-lo a respeito o quanto antes,
para que não perca a oportunidade comercial de ouro que a
condenação dos transgênicos imperialistas abrirá para seus
concorrentes ideologicamente puros e santíssimos. A�nal, socialismo
também é business.
Zero Hora, 7 de março de 2004
F 
A primeira vez que vi no cinema uma assembléia de judeus condenar
Cristo à morte não foi em A Paixão de Cristo. Foi em Barrabás,
dirigido em 1962 por Richard Fleischer. Embora os defensores de
Barrabás fossem ali apresentados como uma corja de bandidos, o �lme
não suscitou nenhum escândalo.
A imagem dos judeus em A Paixão não é pior do que em Barrabás.
Caifás, por exemplo, aparece como juiz duro mas consciencioso,
ralhando com os apressados que lhe trazem acusações sem provas e só
se enfurecendo ante o que julga sinceramente ser uma blasfêmia.
A diferença é que o �lme de Fleischer era um espetáculo neutro —
“nem cristão nem anticristão”, escreveu o crítico Bernard Gratadour
—, ao passo que o de Mel Gibson exige uma tomada de posição
radical: ou você é pró-cristão ou é anticristão. Se é cristão ou pró-
cristão, sua reação será provavelmente a do pastor protestante e
radialista Paul Harvey: “A Paixão evocou em mim mais profunda
re�exão, compunção e reação emocional do que qualquer coisa desde
meu casamento, minha ordenação ou o nascimento de meus �lhos.
Francamente: nunca mais serei o mesmo”.
Se você é anticristão, o núcleo espiritual do �lme lhe escapará por
completo e, transpondo algum elemento marginal para o centro do
quadro, você entenderá a narrativa por um viés subjetivista
deformante. Em qualquer obra de arte, o sentido das partes só se
elucida na estrutura do todo. Desligados do sentido geral, os
fragmentos isolados são matrizes de falsas interpretações, não só do
conjunto como também deles próprios. É aí que o �lme se torna o que
o espectador quiser: apologia do anti-semitismo, culto da violência ou
até, na cabeça do dr. Jacob Pinheiro Goldberg, cine-pornô.
É por isso que a polêmica em torno do espetáculo não opõe pró-
judeus a antijudeus, como ocorreria num caso de anti-semitismo
inequívoco, e sim, de um lado, materialistas, secularistas, marxistas,
etc. (tanto judeus quanto não-judeus), e, de outro, cristãos e judeus
pró-cristãos. Umas poucas exceções em ambos os lados con�rmam a
linha divisória geral, análoga àquela que, no Evangelho, divide
inimigos e amigos de Jesus. A perspectiva do primeiro partido é torta
por de�nição, já que seus membros, odiando a espiritualidade cristã,
não querem enxergá-la no �lme. Desprezando a emoção religiosa que
ele infunde na platéia cristã, chegam a proclamar, com o dr. Goldberg,
que “é um �lme anticristão”, como se a eles e não aos �éis da Igreja
coubesse decidir o que é e o que não é da sua fé.
O rabino Shmuley Boteach, autor de best-sellers, confessa que sua
opinião hostil nasceu de uma fantasia subjetiva:
O �lme terminou e a platéia caminhou lentamente para fora do
cinema, num silêncio de pedra. Todo mundo parecia um tanto
meditativo e contemplativo, isto é, todo mundo menos eu. Eu estava
muito ocupado me escondendo dentro do meu paletó,
paranoicamente �xado na minha semelhança com os rabinos
deicidas retratados no �lme. “Rapaz”, pensei eu comigo mesmo,
“seguramente essas pessoas vão pensar que fui eu quem fez isso”.
Com esse viés, ele não podia mesmo perceber que, à luz do
cristianismo, seus temores eram vãos, já que o próprio Cristo na cruz
intercedera pelo perdão de seus algozes e, a�nal, “tudo o que pedirdes
em Meu nome vos será dado”. Quem quer que tenha perseguido os
descendentes dos tais “rabinos deicidas” fez isso contra a ordem de
Cristo e cometeu um pecado tão grande quanto o deles. O Holocausto
foi uma segunda Paixão — e tão judeus quanto aqueles rabinos eram o
próprio Cristo, Sua família e Seus discípulos, bem como os homens
que O defenderam no tribunal, as mulheres que gritaram de horror
ante a crueldade romana e o rapaz valente que O ajudou a carregar a
cruz. Este último, aliás, é o único personagem que, no �lme, é
chamado depreciativamente de “judeu”, o que já basta para mostrar
acima de qualquer possibilidade de dúvida o que Mel Gibson pensa do
anti-semitismo.
Não querendo entender isso, o rabino viu na platéia cristã uma
assembléia de nazistas em potencial, prontos para cruci�car Shmuley
Boteach na primeira esquina.
Não consta, no entanto, que até agora um único espectador de A
Paixão de Cristo tenha sido induzido pelo �lme a manifestar
sentimentos anti-semitas. Fanáticos insu�ados pela campanha anti-
Gibson é que já começaram a expressar abertamente seu ódio a
qualquer cristianismo que lhes pareça politicamente incorreto. Jim
Caviezel e outros atores do �lme, não podendo sair à rua sem ser
xingados por grupos de manifestantes enragés, tiveram de contratar
guarda-costas.
Isso era mais que previsível.
O alegado potencial anti-semita do �lme, se existe, é sutil e
evanescente até à completa invisibilidade, pois não foi percebido nem
pelos atores judeus que participaram da produção (Olek Mincer e
Maia Morgenstern), nem por centenas de intelectuais judeus que,
como David Horowitz, Don Feder, Burt Prelutsky ou James Hirsen,defendem o trabalho de Gibson.
Mas, na imprensa bem-pensante, a expressão coletiva de ódio aos
cristãos conservadores — e mesmo ao cristianismo tout court — não é
sutil nem disfarçada. A resenhista do New York Times, Jami Bernard,
por exemplo, reconhecendo que A Paixão é traslado correto da
narrativa evangélica, proclama que “é o �lme mais anti-semita desde
os tempos da propaganda nazista”. O sentido do raciocínio é claro:
anti-semita é o Evangelho. Tão anti-semita quanto qualquer produção
do Ministério da Propaganda do Terceiro Reich.
É verdade que, muitas vezes, o episódio do julgamento foi
interpretado em sentido anti-semita. Mas todas as igrejas cristãs
impugnaram essa interpretação. Por que, então, a polêmica contra um
�lme que não faz senão reproduzir a cena tal como descrita no
Evangelho? Bernard et caterva não ocultam seu objetivo: querem que a
Igreja risque a cena mesma, impugne a narrativa evangélica, abjure de
capítulos inteiros do texto sacro, contrita e genu�exa ante a pressão da
mídia e do mundo.
Aí torna-se claro por que tantos detratores não precisaram nem ver o
�lme para condená-lo. O assalto geral ao cristianismo já vinha num
crescendo aterrador desde muitas décadas, e recentemente passou a
uma etapa superior: quer adquirir o estatuto de norma o�cial,
criminalizando o cristianismo. No ano passado, trechos dos
Evangelhos foram condenados por um tribunal canadense como
“literatura de ódio”, enquanto no ensino público dos  toda
mensagem cristã está formalmente proibida.
Se o anti-semitismo intelectual espalhado na cultura do Ocidente ao
longo dos séculos carrega a culpa de ter preparado a barbárie nazista,
o anticristianismo também não �cou no céu das idéias puras mas se
exteriorizou em perseguições genocidas que não �zeram, pelo mais
modesto dos cálculos, menos de dez milhões de vítimas. A matança
organizada de judeus cessou depois da Segunda Guerra, mas a de
cristãos continua, e em doses crescentes. Segundo o historiador
(judeu) Michael Horowitz, na década de 90 ela chegou a 150 mil
mortos por ano.
A guerra de extermínio contra o cristianismo, que vem desde o
século , mudou de estilo e redobrou de intensidade a partir dos
anos 60, quando a indústria cinematográ�ca passou a produzir �lmes
anticristãos em massa, ao mesmo tempo que, nas universidades, o
anticristianismo militante se tornava prática acadêmica regulamentar
por meio de teses e livros soi-disant cientí�cos, publicados em
quantidade tal que nenhum grupo cristão teria, na mídia que os
aplaude, o espaço necessário para contestá-los.
Se hoje em dia nenhum anti-semitismo pode escapar de responder
pelo crime de incitação ao genocídio, por que o anticristianismo
continua livre de acusação idêntica? Como dizia Richard Weaver, “as
idéias têm conseqüências” — e as da guerra anticristã já se tornaram
visíveis desde que a Revolução Francesa, em poucos meses, matou dez
vezes mais gente do que a tão falada Inquisição matara em quatro
séculos. Não obstante, o anticristianismo é ainda aceito na sociedade
como opinião decente, até mesmo charmosa.
Boteach diz que achou o �lme “uma grosseira difamação, não só dos
judeus mas sobretudo do cristianismo, que é mostrado como uma
religião de sangue, chacina e morte em vez de bênção, amor e vida”.
Não sei se é loucura ou cinismo. Se mostrar os romanos torturando
Cristo é acusar Cristo de violência e crueldade, mostrar judeus sendo
assassinados pelos nazistas é acusar os judeus de genocídio. Ou isso,
ou Boteach é o Bilinguis maledictus de que fala a Bíblia, jogando
contra os cristãos uma insinuação diabolicamente venenosa e ainda se
fazendo de amigo deles.
Nos , as igrejas católicas e protestantes recomendaram o �lme a
seus �éis. Mas decerto elas não entendem nada de cristianismo. Quem
entende é Shmuley Boteach, é o dr. Goldberg, é a srta. Bernard. São
eles e o exército de materialistas, secularistas e anticristãos militantes
que os apóia. Tão arrogante é a pretensão da confraria, que se permite
até excomungar os cristãos tradicionalistas, tratando-os
pejorativamente como “uma seita” e desprezando a autoridade da
Igreja que os recebe como �lhos e lhes reconhece o direito de
freqüentar a missa pré-conciliar. No dia em que as igrejas cristãs se
curvarem a esse tipo de “�scalização externa” da sua ortodoxia, o
cristianismo terá desaparecido da face da Terra, exatamente como
Lênin queria.
Aliás, como perguntou Barbara Simpson, apresentadora de um talk-
show de grande sucesso, onde estava o zelo pró-cristão desses �scais
quando um cruci�xo imerso em urina foi premiado como arte? Onde
estava quando uma imagem da Virgem coberta de cocô de elefante foi
celebrada como obra de gênio? Onde estava quando �lmes incensados
pela mídia mostravam um Cristo homossexual ou promíscuo?
Não há sinceridade nem honradez numa campanha que, alegando
zelo e amizade, exige que as igrejas cristãs se prosternem ante a
opinião mundana.
Tenho sido, na mídia brasileira, o único colunista persistentemente
pró-judeu, o que já me valeu ser chamado até de “agente do Mossad”.
Mas tudo tem um limite. Estou com Israel, mas não estou com a srta.
Bernard, o rabino Boteach, o dr. Goldberg e sua quadrilha de
intrigantes empenhados em humilhar a Igreja sob o manto da falsa
amizade. Sua afetação de zelo judaico também não me convence. Na
mesma semana em que se reuniam para destruir um inocente, o
beautiful people de Hollywood prestava homenagem a Leni
Refensthal, cineasta o�cial do Terceiro Reich, e eles não disseram uma
palavra contra. Por quê? Porque o beautiful people não é cristão, e
aqueles zelotes não têm coragem bastante para comprar uma briga
contra o secularismo moderno. Mais prudente, no entender deles, era
voltar a ira da assembléia contra o cristão Mel Gibson.
O que não mediram foi o preço de colocar em risco, por uma suspeita
�ngida, a aliança entre cristãos e judeus, da qual depende hoje a
segurança do mundo.
Bravo!, 10 de março de 2004
C
Duas semanas atrás, escrevi aqui que nada, exceto mudanças
imprevisíveis do quadro internacional ou uma intervenção da vontade
divina, abalaria o poder do . Nos dias seguintes, a eclosão do
escândalo Waldomiro pareceu desmentir minhas palavras, mas,
passadas duas semanas, revelou ser a mais cabal con�rmação que elas
poderiam esperar. Se algo esse acontecimento demonstrou, foi que: 1º)
o partido governante não tem a menor intenção de curvar-se às
exigências morais e legais das quais se serviu durante uma década para
destruir reputações, afastar obstáculos, chantagear a opinião pública e
conquistar a hegemonia; 2º) denúncias e acusações não têm a mínima
condição de obrigá-lo a isso, porque não há força organizada para
transformá-las em armas políticas como o  fez com as denúncias
contra Collor, Magalhães, Maluf e tutti quanti; 3º) se por um motivo
qualquer o  cair em total descrédito e não tiver mais condições de
governar, entrará em ação o Plano : suicidar o governo alegando que
falhou porque estava muito “à direita” e aproveitar-se da oportunidade
para acelerar a transformação revolucionária do país, seja
radicalizando a política o�cial, seja reciclando o partido dominante
por meio de expurgos e autocríticas, seja transferindo sua militância
para outra e mais agressiva organização de esquerda.
Os condutores do processo terão nisso a colaboração servil e sonsa
das oposições “de direita”, que, hipnotizadas pela ilusão de
normalidade constitucional que criaram para se proteger do medo da
realidade, ainda insistem em imaginar o adversário apenas como uma
legenda partidária e não como uma estratégia revolucionária
abrangente.
Na verdade, não é nem exato dizer que “o ” está no poder. Quem
está no poder é o “Foro de São Paulo”, entidade tentacular da qual o
partido do sr. José Dirceu é apenas um dos braços. Os demais estão
espalhados em outros partidos, incluindo  e . O mais certo,
para �ns de diagnóstico, seria reconhecer logo a unidade estratégica
por trás de tudo isso — o que não é nada difícil, basta ler as atas do
Foro — e chamaro conjunto por um nome uni�cado, que pode ser o
do velho , Partido Comunista Brasileiro, ou qualquer outro.
Esse partido tem um exército de militantes, formados ao longo de
quatro décadas de arregimentação, doutrinação e organização,
treinados e prontos para, num instante, promover agitações em
qualquer ponto do país, simulando mobilização espontânea da opinião
pública ao ponto de a própria opinião pública acreditar nisso. Tem um
segundo exército de reserva, constituído pelas massas de agitadores do
, dispostos a matar e morrer para destruir os inimigos da
revolução socialista. Tem uma vasta rede de espiões in�ltrados em
todos os escalões da administração estatal, bem como na mídia e em
empresas privadas. Tem o apoio internacional armado das , a
mais poderosa organização militar da América Latina, e de outras
entidades similares, todas ligadas de perto ou de longe ao banditismo
organizado local. Tem uma rede de contatos na mídia européia e
americana para lhe dar respaldo em qualquer campanha que mova
contra quem quer que seja, tornando o infeliz, aos olhos do mundo,
um virtual inimigo da espécie humana. Tem uma rede de ’s
milionárias, subsidiadas do Exterior, para dar um e�ciente simulacro
de legitimidade moral e respaldo social a qualquer palavra de ordem
emanada do comando partidário. Tem uma fonte ilimitada de
dinheiro, constituída pelo artifício do “dízimo” dado em troca de
cargos públicos. E tem, agora, o controle da máquina �scal e policial
do Estado.
Perto disso, que são os partidos “de oposição”, senão castelos de
geléia, trêmulos e prontos a desabar ao primeiro sopro do lobo petista?
Por não levar em conta esse estado de coisas, as opiniões que
circulam na mídia sobre a atual situação brasileira são de uma
irrealidade a toda prova. Treinados para lidar com as pequenas intrigas
da política constitucional corriqueira, nossos “comentaristas”,
“especialistas” e “politólogos” de plantão �cam inermes ante uma
estratégia revolucionária continental que transcende in�nitamente o
seu horizonte de consciência. Exceto, é claro, aqueles que ajudaram a
formular essa estratégia e têm interesse em evitar que ela seja objeto de
exame. Por isso o chamado “debate nacional” é apenas uma troca de
idéias fúteis entre a inconsciência e a desconversa.
Jornal da Tarde, 11 de março de 2004
O  
Poder moderador é aquela instância suprema que paira acima das
disputas de partidos, grupos, seitas, idéias e indivíduos. Tivemos um
na pessoa do imperador. Pedro  não era liberal nem conservador,
nem progressista nem reacionário. Era o molde pelo qual se recortava
a sociedade, tanto nos seus limites externos quanto nas suas
diferenciações internas. Era o ponto arquimédico da coincidentia
oppositorum, a medida de todas as coisas, o primeiro motor imóvel do
microcosmo nacional.
Destronado, foi substituído por uma oligarquia que tentou copiar sua
imobilidade olímpica mas fracassou pela impotência de controlar seus
con�itos internos.
Getúlio Vargas, que a derrubou, soube assumir o lugar de Pedro ,
apenas variando o método. Onde o imperador se mantivera como eixo
da roda por meio de um distanciamento aristocrático que raiava a
indiferença, Getúlio se conservava no centro pela sua habilidade de ir
simultaneamente em todas as direções, de se meter em tudo sem se
comprometer com nada, chegando a criar ao mesmo tempo um
partido trabalhista e um conservador, e fazendo en�m, como notou
José Ortega y Gasset, “política de esquerda com a mão direita e política
de direita com a mão esquerda”.
Esgotadas as possibilidades desse leque de arranjos, a mesma
entidade que derruba o ditador — a força armada — assume as
funções de poder moderador. De início, mantém-se num discreto
segundo plano, mas impondo de longe o padrão e a medida, aparando
excessos e desequilíbrios de um lado e de outro, demarcando
sutilmente — às vezes não tão sutilmente — a fronteira entre o
proibido e o permitido. A classe política se agita, berra, esbraveja, mas
sabe que, sem o “nihil obstat” dos generais, nada se fará. Daí a intensa
necessidade de persuadi-los, de conquistá-los, ou então de usurpar a
base mesma do seu poder: a liderança da tropa. Ao �m de duas
décadas de sedução, de envolvimento, de in�ltração, as dissensões que
minam o corpo da sociedade vazam para dentro dos quartéis. Tropas
rebelam-se, o�ciais alinham-se com este ou aquele partido, o poder
moderador naufraga.
O fracasso da vigilância discreta deságua no movimento de março de
1964, quando a elite militar assume diretamente o comando do
processo. Mas assume-o querendo conservar, ao mesmo tempo, suas
prerrogativas morais de casta nobre superior às contingências da
“mera política”. Para a “política” criam-se dois partidos, mas, como o
poder moderador já não controla somente o Estado e sim também o
governo, a “política” se esgota em dar ou tirar legitimação simbólica às
decisões da autoridade suprema. Numa curiosa inversão da ordem
monárquica, é a classe política que reina mas não governa.
Como isso não podia durar, não durou. De 1988 a 2002, as Forças
Armadas retiram-se para uma posição cada vez mais recolhida, mais
humilhante, lutando para conservar seu sentimento de honra sob as
cusparadas da mídia, o corte drástico de recursos, o desmantelamento
da indústria bélica e a perda das cadeiras militares no ministério. A
ascensão da classe política faz-se sob a forma de uma proliferação
cancerosa de entidades partidárias das quais só uma tem programa a
longo prazo, estratégia abrangente, vasta militância organizada e apoio
externo — numa gama que vai desde a grande mídia internacional até
um feixe de organizações terroristas e narcoterroristas. Será de
estranhar que essa entidade, subindo ao poder, não queira se
comportar como um partido entre outros, ocupante ocasional e cíclico
do executivo, mas tenda a elevar-se ao estatuto de novo poder
moderador, remoldando o cenário político à sua imagem e semelhança
e reduzindo os demais partidos à condição de forças auxiliares ou de
oposições consentidas, cingidas à discussão de picuinhas sem o menor
alcance estratégico?
O Brasil jamais viveu — parece que não sabe viver — sem um poder
moderador. Destronado o imperador, esvaziada a oligarquia, caído o
ditador, subjugadas as Forças Armadas, quem poderia ocupar o posto,
senão aquele partido que aprendeu em Gramsci a só operar dentro do
sistema para engoli-lo e tornar-se ele próprio o sistema?
O Globo, 13 de março de 2004
R  
Tenho estudado bastante a questão do anti-semitismo; algumas
entidades judaicas já me ouviram falar a respeito e sabem que não sou,
no assunto, nenhum novato, nenhum ingênuo, nenhum palpiteiro
leviano. Quem dedica longo tempo a um problema acaba por levantar
perguntas que não ocorreriam ao recém-chegado — e às vezes
encontra respostas que parecem incompreensíveis e chocantes a quem
não fez sequer as perguntas.
Em maio de 2002, quando a mídia esquerdista fazia alarde da ameaça
anti-semita personi�cada no sr. Le Pen, escrevi:
Por que os judeus haveriam de con�ar em quem os adverte contra
um inimigo desarmado ao mesmo tempo que ajuda o inimigo
armado? Por que a esquerda mundial estaria tão ansiosa para
protegê-los contra um perigo futuro e hipotético na França, quando
se esforça para entregá-los às garras de um perigo real e imediato na
sua própria terra?
Mas o anti-semitismo de Le Pen, por desarmado que fosse, ao menos
era explícito e inegável. Já Mel Gibson proclama que os judeus não
foram mais culpados do que ele próprio pelo assassinato de Cristo, e
no entanto, segundo a mídia iluminada, há motivos para temê-lo
como se fosse a Inquisição rediviva.
Deixarei para analisar mais tarde o �lme que deu pretexto à celeuma.
Por enquanto só quero chamar a atenção para um detalhe: vocês não
notaram nada de estranho no súbito acesso de �lojudaísmo que se
apossou da intelligentzia esquerdista mundial? Aqueles mesmos que
endossaram a farsa do “massacre de Jenin”, aqueles mesmos que
comparavam Ariel Sharon a Adolf Hitler aparecem hoje como coração
transbordante de zelos fraternais, vendendo ao povo judeu proteção
contra o temível genocida Mel Gibson. Vocês vão cair nessa? O Papa,
que sempre foi seu amigo leal, diz que não há perigo, que A Paixão de
Cristo não infunde sentimentos anti-semitas em ninguém (recentes
sondagens do Institute for Jewish Research mostram que não infunde
mesmo), e vocês hão de preferir dar ouvidos àqueles sujeitos que na
conferência de Durban tramaram para condenar o sionismo como
“ideologia racista”? O próprio Abraham Foxman já reconheceu que o
�lme em si não é anti-semita, intelectuais sionistas como David
Horowitz asseguram que Gibson é inocente, e vocês hão de dar mais
crédito àquelas lindas criaturas que, contra a intervenção no Iraque,
saíram gritando pelas ruas de Nova York de mãos dadas com Louis
Farrakhan e David Duke? Hão de se precaver contra uma hipótese
rebuscada enquanto se expõem ao perigo manifesto de aceitar os
serviços de advogados indignos de crédito, entre os quais, no Brasil,
gente bem articulada com o Foro de São Paulo e, através dele, com o
terrorismo islâmico? Hão de se deixar manipular como os eleitores
espanhóis e, ludibriados pelos inimigos, voltar-se contra os amigos?
Algo no meu íntimo diz que não, que essa tragédia postiça não
chegará ao medonho desenlace planejado.
Mas a mídia esquerdista sabe combinar a supressão dos fatos com a
produção de factóides. O pronunciamento o�cial do Papa em favor do
�lme foi omitido ou abafado em quase todos os jornais brasileiros. As
opiniões de judeus americanos pró-Gibson foram totalmente
excluídas, para criar a falsa impressão de unanimidade hostil. Em
compensação, publicou-se uma longa entrevista com o líder de um
grupo ultramontano em São Paulo, que endossa a culpabilidade
hereditária “dos” judeus. Vocês lêem e vêem aí a prova de que “os”
católicos conservadores são mesmo anti-semitas. O que ninguém lhes
informa é que o referido é um tipo isolado, detestado igualmente na
, na Sociedade de São Pio  e em todos os meios tradicionalistas
que ele ali parece representar.
Meu recado aos judeus é simples: nenhum mal lhes virá pelo lado
cristão. Os inimigos de Israel são hoje os inimigos da cristandade. Se
vocês querem mesmo saber de onde vem o perigo, leiam o livro do
rabino Marvin S. Antelman, To Eliminate the Opiate,4 e acordem. Não
precisam endossar o diagnóstico em detalhes. Mas verão que, em
linhas gerais, ele está na pista certa — e essa pista passa a muitas léguas
de Mel Gibson.
O Globo, 18 de março de 2004
N 
As duas notícias mais importantes da semana foram omitidas, uma
pela totalidade dos jornais brasileiros, outra pela quase totalidade.
Primeira: a prova de que os atentados de Madri foram planejados para
eleger os socialistas. Segunda: o pronunciamento — agora o�cial — do
Vaticano sobre o �lme A Paixão de Cristo.
“O governo espanhol não agüentará mais dois golpes, três no
máximo”, diz uma mensagem interna de Al-Qaeda, escrita em
dezembro e agora divulgada pela : depois disso, prossegue o
comunicado, “a vitória do Partido Socialista estará quase garantida, e
com ela a retirada das tropas”.
A idéia de que os terroristas manipularam as eleições é, portanto, a
simples expressão de um fato. Mas, no entender de muitos dos nossos
jornalistas, talvez seja melhor o leitor brasileiro não saber disso.
Tanto mais que, segundo as últimas sondagens, publicadas no ,
56% dos iraquianos (contra 18%) acham que o país melhorou graças à
invasão americana. Só 15% querem a saída imediata das tropas, e 71%
(contra 6%) acreditam que, com americanos e tudo, a vida no Iraque
estará ainda melhor daqui a um ano. A campanha dos Kerrys e
Zapateros contra a presença americana é, portanto, fundada apenas no
ódio aos  e não em qualquer zelo sincero pelo bem do povo
iraquiano.
Quanto à Paixão de Cristo, o Vaticano é taxativo: ali não há anti-
semitismo nenhum, o �lme segue �elmente o relato evangélico, atacá-
lo é atacar o Evangelho, proibi-lo é proibir o Evangelho. Quem quiser
doravante falar mal do trabalho de Mel Gibson deve fazê-lo em nome
do anticristianismo explícito ou decretar-se, de uma vez, mais teólogo
que o Papa.
Vi o �lme. O único tipo grotesco e repugnante que aparece é
Herodes, assassino de crianças judias. Caifás, o sumo-sacerdote que
condena Cristo, é mostrado como juiz criterioso, embora de
mentalidade estreita, que ralha contra acusações sem provas e só se
enfurece quando o próprio acusado repete uma declaração que,
tomada literalmente, parecia mesmo blasfematória. As mulheres judias
choram e gritam de pena do condenado que os romanos espancam. E
o único personagem que vem a ser chamado de “judeu” em tom
depreciativo é Simão, o jovem corajoso que ajuda Cristo a carregar a
cruz. Se isso é anti-semitismo, eu sou o Emir Sader em pessoa.
Não me espanta que o grosso da tagarelice anti-Gibson na mídia
venha dos mesmos intelectuais iluminados que endossaram a farsa do
“Massacre de Jenin” e compararam a cerca de Sharon ao muro de
Berlim. Para desviar as atenções do perigo real que eles próprios
representam para Israel, esses crápulas tentam vender à comunidade
judaica uma proteção �ctícia contra o temibilíssimo Mel Gibson.
Querem jogar os judeus contra a Igreja como os espanhóis foram
jogados contra os .
***
Circulou pela internet um protesto ridículo contra o que escrevi aqui
sobre John Kerry. Alegação: nada daquilo pode ser verdade, porque se
fosse teria chegado ao conhecimento da Casa Branca e seria usado
contra o candidato democrata. Que estupidez! Os  não são o
Brasil, onde o governo pode tudo nas eleições. As informações que dei
circulam livremente em publicações importantes como WorldNetDaily
(dois milhões de leitores por dia), e foram obtidas de comissões de
inquérito do Congresso. Na verdade, Kerry é bem pior do que o
descrevi. Se houver espaço, voltarei ao assunto.
Zero Hora, 21 de março de 2004
E 
Creio já ter mencionado a lição de Lênin, que, quali�cando os atos
terroristas de “propaganda armada”, acrescentava serem eles inúteis
quando não acompanhados da correspondente “propaganda
desarmada” incumbida de tirar proveito político do crime. Uma
organização terrorista, pois, não se compõe só das equipes
combatentes, mas também da rede de “agentes de in�uência”
espalhados pela mídia e pela sociedade civil, que, protegidos sob uma
aparência inofensiva de meros observadores jornalísticos ou de
militantes dos partidos legais, são na verdade as peças decisivas na
engenharia do pânico.
A lição é novamente ilustrada pelos atentados de Madri. O
encadeamento dos fatos tem aí a ordem e a nitidez de uma
exempli�cação didática:
1. Em dezembro de 2003, uma mensagem interna de Al-Qaeda,
divulgada pela  após o atentado, a�rmava: “O governo espanhol
não agüentará mais dois golpes, três no máximo”. Depois disso,
prosseguia o comunicado, “a vitória do Partido Socialista estará quase
garantida, e com ela a retirada das tropas espanholas do Iraque”. O
objetivo da operação era, portanto, bem nítido: desacreditar o governo
espanhol e eleger os socialistas.
2. Vinte e quatro horas depois das explosões, uma multidão de
manifestantes acorreu às ruas, não anarquicamente, mas organizada,
portando cartazes e berrando slogans que atribuíam ao governo Aznar
e à aliança com os  a responsabilidade moral pelo acontecido. Uma
reunião espontânea de milhões de pessoas simplesmente não acontece
da noite para o dia. Muito menos acontece que já venham com um
discurso pronto, coerente, uniforme e, por mera coincidência,
convergente com os objetivos de uma operação terrorista. É evidente
que, com antecedência, a rede de ’s solidárias com o terrorismo já
estava pronta para acionar a massa de militantes, simpatizantes e
idiotas úteis, a “sociedade civil organizada”, para — como diria Karl
Marx — completar com as armas da retórica o trabalho iniciado pela
retórica das armas.
3. No dia 11 o governo espanhol, embora apostando na hipótese ,
divulgava pistas que incriminavam os terroristas islâmicos. Nodia
seguinte, novo indício, mais eloqüente: o video tape gravado por um
colaborador de Bin Laden, que assumia a autoria do atentado.
4. Poucas horas antes da eleição, os manifestantes voltaram às ruas,
acrescentando em seus cartazes e refrões mais uma acusação a Aznar:
a de ter ludibriado o povo, levando-o a supor que o ataque fora obra
do  e não dos terroristas islâmicos. Novamente, a rapidez e
uniformidade da reação não podem ter sido coincidências. Tanto mais
que o apelo dos slogans era rebuscado e postiço: um governo que
quisesse incriminar unilateralmente o  não teria, é claro, divulgado
e sim ocultado as provas contra Al-Qaeda.
5. Transcorridas as eleições, alcançado o objetivo político do
atentado, a mensagem que mencionei acima não havia ainda sido
divulgada pela  (até agora, aliás, não saiu na mídia brasileira).
Mesmo assim não escapou a ninguém, por ser óbvia demais, a
conexão ao menos psicológica entre a pressão terrorista e os resultados
da votação. Que outra conclusão se poderia tirar dos acontecimentos
senão que o eleitorado espanhol se rendera ante uma chantagem
brutal?
6. No intuito de neutralizar essa impressão, uma nova campanha de
propaganda foi desencadeada imediatamente em escala mundial,
proclamando que os espanhóis não votaram no Partido Socialista pela
razão alegada, mas sim porque estavam revoltados com o fato de
Aznar, por motivos eleitoreiros, haver tentado induzi-los a crer na
culpabilidade do .
7. Como os espanhóis poderiam ter interpretado as coisas assim
depois de o governo ter divulgado provas que incriminavam Al-
Qaeda, ninguém explica. Em vez disso, repete-se o discurso uniforme,
espalhado às pressas por milhares de agentes de in�uência: os
espanhóis não votaram sob o impacto de uma emoção perturbadora,
não foram manipulados pela articulação de propaganda armada e
desarmada. Ao contrário, escolheram com serenidade e sabedoria,
rejeitando um governante mentiroso.
Essa versão será repetida obsessivamente nos jornais, nas revistas e
na , até que o público se esqueça dos fatos que a invalidam e só lhe
reste na memória o chavão: “A vitória socialista na Espanha, exemplo
de maturidade política”. Exemplo? Sim, exemplo, mas não de
maturidade política. Exemplo da teoria de Lênin.
Jornal da Tarde, 25 de março de 2004
D 
No site www.ternuma.com.br, o leitor encontrará uma lista de 120
brasileiros mortos pelos terroristas nos anos 60–70. As vítimas não
identi�cadas somam por volta de oitenta. O terrorismo de esquerda
não matou menos de duzentas pessoas neste país.
Ao contrário dos terroristas mortos e vivos, essas pessoas não são
homenageadas nos livros de História, não são pranteadas em
reportagens de , não são sequer lembradas. Seus familiares não
mereceram indenizações, não mereceram sequer um pedido de
desculpas dos assassinos remanescentes que, hoje, brilham em altos
postos do governo e repartem com seus cúmplices, num festival de
interbajulação ma�osa, o dinheiro público transformado em prêmio
do crime.
Cada um desses criminosos foi armado, adestrado, protegido e
subsidiado pelo governo cubano, servindo-o devotadamente como
agente informal ou funcionário do serviço secreto. Até hoje alegam,
para quem deseje acreditar, que, se ajudaram a consolidar um regime
que havia encarcerado cem mil pessoas e fuzilado dezessete mil, foi
por amor à democracia e à liberdade. Se aderiram ao frio
maquiavelismo da estratégia comunista, foi por amor cristão e
sentimentalidade romântica.
Quem note aí alguma falta de lógica ainda não viu nada. Nas escolas,
nossas crianças estão sendo adestradas para acreditar que a
intervenção armada de Cuba no Brasil, tendo começado em 1961, foi
uma justa reação aos acontecimentos de março de 1964.
Para os adultos há uma lição parecida. A historiogra�a superior, após
ter registrado que nesse mês de março de 1964 Luiz Carlos Prestes,
secretário-geral do , proclamava com feroz alegria: “Estamos no
poder!”, ensina que a iminência da tomada do Estado pelos comunistas
foi uma invenção retroativa da “direita” para justi�car o golpe que
eclodiu logo depois.
Mais coerente ainda que a história o�cial, porém, é a Presidência da
República, quando expressa horror ante os atentados da Espanha ao
mesmo tempo que remunera com dinheiro, festinhas e cargos públicos
os atos similares praticados em terra brasilis. No entender dos nossos
governantes, bomba na estação ferroviária de Madri é crime hediondo;
no aeroporto de Guararapes é obra de caridade. Os pedaços das
vítimas, colados às paredes, não atinaram até hoje com essa sutil
distinção. Não creio que tivessem a �nura dialética para compreendê-
la.
“Dialética”, aliás, é aqui a palavra-chave. Se o leitor se espanta com
esses aparentes contra-sensos, mostra apenas sua falta de prática
dialética. Para o militante esquerdista, ter duas línguas, das quais uma
diz “sim” enquanto a outra diz “não”, é mais que um direito: é
obrigação. Hegel, pai espiritual do marxismo, ensina que todo conceito
traz dentro de si o seu contrário, o qual, do choque com o primeiro,
gera um terceiro que, sem ser um nem o outro, e aliás nem ambos ao
mesmo tempo, é a sua “superação dialética”, um treco in�nitamente
melhor. Por exemplo, quando Jesus fundou a Igreja Católica, ela trazia
no ventre seu adversário Lutero, o qual veio a nascer após uma breve
gestação de quinze séculos. Do con�ito emergiu então Georg W. F.
Hegel em pessoa, o qual, sem ser Lutero nem Jesus e nem mesmo a
soma dos dois, era um sujeito ainda mais importante porque os
“superava dialeticamente”. É claro que Hegel usa desse esquema com
muita argúcia e delicadeza, camu�ando a enormidade do que está
dizendo. Mas, quando passa pelas simpli�cações requeridas para se
adaptar ao  dos militantes, a dialética de Hegel volta a mostrar
aquilo que era no fundo: a arte de proferir enormidades com uma
expressão de fulgurante inteligência. Daí derivam algumas artes
secundárias: a de cometer crimes para fomentar a justiça, a de
construir prisões e campos de concentração para instaurar a liberdade,
a de condenar o terrorismo dando-lhe prêmios etc. etc. Só um profano
vê aí contradições insanáveis. Para o dialético, tudo se converte no seu
contrário e, quando isso acontece, �ca provado que o contrário era a
mesma coisa. Quando não acontece, ele faz uma forcinha para que
aconteça, e em seguida arranja uma explicação dialética absolutamente
formidável.
O Globo, 27 de março de 2004
P  
“A História me absolverá”, dizia Fidel Castro. A con�ança do ogro
caribenho no tribunal do futuro já deveria alertar-nos para uma
realidade elementar: se a história-fato é feita por homens, a história-
narrativa não é escrita por deuses. A conquista da verdade sobre o
passado não é nunca um benefício automático trazido pelo decurso do
tempo: é um prêmio que cada geração tem de reconquistar na luta
contra o esquecimento e a falsi�cação.
Essa luta veio a tornar-se ainda mais premente na modernidade,
quando — simultaneamente e em concorrência desleal com a
constituição da história como ciência — se disseminou entre os guias
�losó�cos da multidão um modus ratiocinandi que chamo de
“messiânico”, o qual consiste em inventar um futuro para depois
remoldar à imagem dele a visão do passado e do presente. Maquiavel,
Hobbes, os enciclopedistas, Comte, Karl Marx, todos erguem sua
concepção da realidade não sobre a análise da experiência efetiva, mas
sobre suposições pseudoproféticas que encobrem essa experiência e
terminam por torná-la inacessível.
Mesmo dentro de culturas ricas e pujantes a luta contra a
remoldagem ideológica do passado é limitada e di�cultosa, pois o
ofício de historiador não se exerce no ar e sim entre as malhas de uma
rede de organizações pro�ssionais facilmente dominadas por
movimentos políticos. Nos últimos 150 anos, praticamente um único
desses movimentos se empenhou de maneira contínua e sistemática na
conquista da hegemonia sobre as instituições culturais, não
encontrando senão resistências parciais e temporárias. Foi assimque,
como o descreve Harvey Klehr no recém-publicado In Denial, a
Organização de Historiadores Americanos () se tornou uma
central de desinformação comunista, mais e�ciente até do que suas
equivalentes estatais soviéticas. A história da “guerra fria” ainda é, nas
universidades americanas, um feudo intelectual comunista, só agora
ameaçado pelos protestos de estudantes conservadores que exigem a
divulgação de documentos longamente ocultados, como por exemplo
a lista dos agentes soviéticos in�ltrados no governo americano na
década de 50, bem maior do que aquela cuja revelação pelo senador
Joe McCarthy deu a este último a fama de acusador leviano e
perseguidor de inocentes.
Se isso é assim nos , imaginem quanto mais facilidade uma classe
acadêmica organizada em militância da falsi�cação não terá para
impor a um país culturalmente raquítico como o Brasil um recorte
histórico ideologicamente interesseiro, baseado na supressão
sistemática de fatos e documentos.
Por exemplo, a famosa “intervenção americana” no movimento de
1964 ainda é aceita como verdade consagrada, duas décadas depois de
o espião tcheco Ladislav Bittman ter confessado que ele e seus
assessores inventaram essa lenda, forjando documentos e
distribuindo-os à mídia local.
Quem tem esse dom de reinventar o passado pode com ainda maior
facilidade alterar a �sionomia do presente. Nada mais previsível, nesse
sentido, do que a destreza com que o governo petista se salvou de
acusações de corrupção, jogando sobre os acusadores a suspeita de
tramarem um golpe de Estado, na mesma semana em que dava uma
recompensa em dinheiro ao  por sua promessa de abrir as portas
do inferno. Se alguém achava que investigando Waldomiros podia
abalar no que quer que fosse o esquema de poder que nos governa, foi
simplesmente porque não mediu bem as forças em jogo e, na verdade,
não entendeu coisa nenhuma do que se passou neste país nos últimos
vinte anos. Os políticos de oposição têm de ser prodigiosamente
sonsos para crer que podem acuar o governo com denúncias de
corrupção no mesmo instante em que, desamparados, apelam à
piedade dele contra as ameaças do . Há duas décadas nossas
lideranças políticas e empresariais não fazem senão deixar-se
intoxicar-se passivamente de cultura esquerdista, endossar a versão
esquerdista da história, contemplar com indiferença ou simpatia a
ocupação de espaços e a conquista da hegemonia. Que pretendem,
depois disso? Desa�ar o ídolo que construíram, ao mesmo tempo que
imploram por sua proteção?
O Globo, 3 de abril de 2004
A J K
Como andaram reclamando dos fatos que contei sobre John Kerry, vou
contar mais um.
O candidato democrata, ex-combatente no Vietnã e participante ativo
nos movimentos anti- da década de 70, diz que na primeira dessas
condições teve uma carreira honrosa e na segunda não fez nada de
especialmente impatriótico. Em �agrante contraste com essas
alegações, no entanto, ele tem oposto obstinada resistência à
divulgação dos documentos sobre sua atividade naquele período, vinte
mil páginas arquivadas no .
Gerald Nicosia, conhecido historiador da guerra do Vietnã, comprou
em 1999 uma cópia integral desses documentos. Durante a semana
passada, três mil das vinte mil páginas do arquivo foram roubadas da
casa dele em San Francisco.
A parte ín�ma divulgada antes disso dá uma idéia do conteúdo
explosivo do restante. Em 1971 o grupo ativista “Veteranos Contra a
Guerra” reuniu-se para tramar o assassinato de sete senadores
republicanos. Kerry negou com veemência ter participado do
encontro, mas foi obrigado a voltar atrás quando a prova de que ele
estava lá apareceu no meio dos papéis de Gerald Nicosia. Poucos dias
depois, a casa do historiador foi arrombada. Segundo a polícia de San
Francisco, a invasão foi obra de pro�ssionais que, além de ter
suprimido dos arquivos só páginas selecionadas, nem mexeram em
outros bens valiosos que havia no local.
A notícia foi dada pela , que não pode ser acusada de simpatias
pela candidatura Bush.
***
A maioria dos iraquianos acha que a invasão americana melhorou o
país. Mas que importam os iraquianos? A população brasileira em
peso, ecoando os discursos de Kerry e Zapatero, acredita que a
operação foi uma violência e um fracasso, que os americanos são
exploradores imperialistas, que George Bush é Adolf Hitler em pessoa
e que Saddam Hussein tinha todo o direito de governar o Iraque à sua
maneira.
Em nenhum país do mundo o ódio aos  é tão intenso, tão geral,
tão profundo e tão imotivado quanto no Brasil.
A destruição da cidade de Torres é uma pequena amostra material do
preço que este país está disposto a pagar pelo prazer de cultivar
suspeitas psicóticas contra os americanos. Depois que meio mundo
acreditou na lenda do mapa amazônico cortado pela metade, nada
mais lógico que desacreditar de informações cientí�cas �dedignas
vindas do “Grande Satã”.
***
Não uso a esmo a palavra “psicóticas”. A politização radical da visão do
mundo é de fato uma psicose. Desde os estudos clássicos de Joseph
Gabel (A falsa consciência e As ideologias e a corrupção do
pensamento), não pode mais haver muita dúvida a esse respeito.
Vejam por exemplo a reação dos nossos comentaristas internacionais
às eleições espanholas. Se dizemos que os atentados de Madri foram
planejados com antecedência para dar a vitória aos socialistas,
acusam-nos de “teóricos da conspiração”. Em contrapartida, querem
nos fazer crer que, nas vinte e quatro horas que se seguiram ao
morticínio, José Camón Aznar armou, de improviso, toda uma
conspiração maquiavélica para enganar o povo espanhol e, no último
instante, foi desmascarado pela mídia salvadora. Todo o senso das
proporções, toda a lógica das ações humanas, todos os padrões
normais de verossimilhança são aí brutalmente invertidos. Mas, se
você se atreve a apontar nisso algum sinal de fanatismo psicótico, ai da
sua boa reputação entre as pessoas decentes!
Zero Hora, 3 de abril de 2004
D  
O projeto do ministro da Educação, de empurrar goela abaixo das
universidades privadas uma quota anual de humilhados e ofendidos,
vem sendo discutido somente desde o ponto de vista econômico e
jurídico. Esse aspecto da questão existe, sem dúvida, mas a
concentração exclusiva nele re�ete a própria degradação mental
brasileira.
Desde que, num teste de compreensão de leitura entre alunos do
ensino médio de 32 países, os nossos tiraram o último lugar (resultado
que seria indiscutivelmente o mesmo entre universitários), nenhum
educador deveria ser maldoso o bastante para pensar em submeter
ainda mais vítimas ao tratamento que produziu esse efeito. Nem uma
vaga a mais deveria ser aberta antes de um sério exame de consciência
quanto ao conteúdo da educação nacional.
Mas no Brasil é sempre assim. A quantidade antes de tudo, a
qualidade só num futuro hipotético sempre adiado. Primeiro é preciso
distribuir a todos; só depois — ou nunca — perguntar o que, a�nal, se
distribuiu. Assim torna-se fácil ser um benfeitor dos pobres: basta
democratizar a ignorância e em seguida imprimir uma estatística
impressionante em cartazes de propaganda eleitoral.
O que me pergunto é se, submetido a teste entre ministros da
Educação de 32 países, o nosso não �caria também em último lugar.
***
É claro que, em graus variados, idêntico fenômeno de degradação se
observa um pouco por toda parte. A democratização do ensino é a
fraude constitutiva do mundo moderno. Ela prometia distribuir a um
número cada vez maior de pessoas as criações mais elevadas do
espírito humano, mas, pelo menos desde o estudo de Richard Hogarth,
e Uses of Litteracy (1961), está provado que ela não faz nada disso e
sim exatamente o contrário. A cada sucessiva ampliação do público
atingido, ela cria uma nova onda de produtos culturais nivelados às
capacidades de uma platéia de inteligência mais baixa e interesses
limitados, de modo que, quanto mais gente tem acesso ao ensino, mais
a cultura elevada se torna inacessível sob densas camadas de lixo
substitutivo.
A democratização doensino criou uma elitização sem precedentes da
verdadeira cultura superior, hoje só acessível a um círculo cada vez
mais estreito de privilegiados da sorte que, no matagal da subcultura,
tenham imaginação bastante para buscar os atalhos discretos, se não
secretos, que levam a coisa melhor.
Qualquer camponês da Idade Média sabia onde estavam os centros
de cultura superior. Se fosse diretamente a eles, entraria em cheio no
núcleo vivo onde germinavam as melhores idéias. A sociedade estava
tão preparada para amparar os pobres vocacionalmente dotados
quanto a universidade para distingui-los dos ineptos, de modo que
nem o acesso ao conhecimento era difícil nem a atmosfera dos debates
mais sérios era poluída por uma avalanche anual de arrivistas,
necessitados de alimento intelectual cada vez mais ralo.
Se tivesse sido possível ampliar quantitativamente a rede de ensino
assim constituída, sem quebra da exigência qualitativa, a
democratização teria sido uma bênção para a humanidade. Em vez
disso, foi um �agelo. Por quê? Porque a educação não foi só expandida
quantitativamente e sim transmutada: passou a atender a necessidades
novas e completamente diversas, que terminaram por abolir suas
�nalidades próprias.
Fornecer mão-de-obra para a burocracia estatal e a indústria em
expansão, distribuir às classes a�uentes os novos emblemas
convencionais da ascensão social, forjar e impor novos padrões de
conduta adequados aos valores políticos do momento, adestrar massas
de eleitores e militantes — são alguns dos novos objetivos a que a
educação teve de se adaptar. Mais recentemente, as escolas tornaram-
se uma rede auxiliar da distribuição de comida e assistência médica e
um mercado privilegiado para o comércio de drogas.
Tão longínquas se tornaram as �nalidades próprias da educação, que,
tentando descrever o que eram as universidades medievais,5 o cientista
político Kenneth Minogue teve de admitir a di�culdade quase
intransponível de explicar ao público de hoje que pudesse ter havido
algum dia uma instituição fundada no amor ao conhecimento. A
degradação cultural re�ete-se também numa progressiva incapacidade
de compreender o passado.
Jornal da Tarde, 8 de abril de 2004
T  
Quando Boris Yeltsin abriu ao público os arquivos do Instituto de
Marxismo-Leninismo do Partido Comunista Soviético, em 1992, dois
pesquisadores americanos, John Earl Haynes e Harvey Klehr,
recolheram dali milhares de páginas de documentos que
comprovavam a in�ltração de mais de trezentos agentes soviéticos no
governo dos  durante a Guerra Fria — uma acusação que durante
décadas tinha sido sistematicamente impugnada como “calúnia
direitista” pelo establishment acadêmico e jornalístico americano.
Esses documentos foram publicados em vários volumes na série
“Annals of Communism” da Yale University Press. Nenhum
pesquisador ou jornalista brasileiro — com a imperdoável exceção
deste que lhes fala — deu até hoje o menor sinal de ter tomado
conhecimento desse material ou de desejar falar a respeito. O motivo
da omissão é mais que evidente: as dimensões mastodônticas e a
durabilidade da mentira esquerdista na história da Guerra Fria, se
chegassem ao conhecimento do nosso público, poderiam instilar no
seu coração o desejo pecaminoso de esboçar comparações e fazer
perguntas — uma catástrofe que tem de ser evitada a todo preço. A
versão o�cial da história deste país nas últimas quatro décadas é tão
uniforme, tão linear, tão isenta de dúvidas e problemas, que sem a
menor di�culdade foi possível registrá-la em milhares de livros que se
con�rmam uns aos outros e repassá-la aos jornais, aos programas de
 e aos manuais escolares, de modo a fazer dela o patrimônio comum
e inquestionado de todos os brasileiros de oito a oitenta anos. Seria
realmente uma impiedade, um crime perturbar a harmonia da
memória coletiva exibindo-lhe fatos que não cabem na perfeição
geométrica de um edifício tão lindamente construído.
Ninguém que leia os documentos de Haynes e Klehr deixará de
conjeturar, por exemplo, como foi possível que a ação clandestina
soviética, tão onipresente nos altos escalões federais americanos, se
abstivesse por completo de dar uma mãozinha ao governo pró-
comunista do sr. João Goulart que, naquela mesma ocasião, abria
rachaduras formidáveis na hegemonia continental dos . E quem
quer que faça essa pergunta, contemplando a imensidão da bibliogra�a
existente sobre o período, não pode deixar de se perguntar como foi
possível escrever tanta coisa sem usar jamais as três letras ,  e .
Tanto mais que outras três letras, ,  e , aí comparecem praticamente
em cada página. Levado por uma curiosidade malsã, talvez o leitor
então salte desse detalhe para outro ainda mais espantoso: das
bibliotecas inteiras que se escreveram para ensinar que naquela época
o Brasil estava superlotado de agentes da  em permanente
conspiração, não consta um só documento americano que forneça o
nome de algum desses agentes; ao passo que um alto funcionário da
inexistente espionagem soviética no Brasil já confessou publicamente
ter tido a seu serviço, na ocasião, pelo menos duzentos jornalistas
brasileiros, pagos como agentes de in�uência. Depois que alguém se
deu conta disso, é difícil persuadi-lo de que aquele problema das
letrinhas faltantes e sobrantes é apenas uma anomalia ortográ�ca sem
maior signi�cação histórica. Por isso é que neste país reina completo
silêncio sobre a mais importante descoberta historiográ�ca dos
últimos cinqüenta anos. Se você �car sabendo o que se passou nos
, pode querer saber o que se passou no Brasil. E então já não
aceitará com passividade bovina — ou “cidadã” — a mentira-padrão
imposta a um país inteiro por obra e graça de toda uma geração de
historiadores, jornalistas e memorialistas.
***
Este artigo estava pronto quando recebi a notícia de que a História oral
da Revolução de 1964, impressionante coleção de depoimentos recém-
publicada pela Bibliex, tinha sido retirada de circulação por ordem do
ministro do Exército. Entenderam bem? Ninguém, seja civil ou milico,
está autorizado a sacri�car a meros fatos a coerência estética da
história o�cial.
O Globo, 10 de abril de 2004
V 
Já mencionei aqui a norma leninista segundo a qual a polêmica contra
o adversário direitista, cristão, sionista etc. “não visa a argumentar
com ele, ou a refutar os seus erros, mas a destruí-lo”.
A tradução disso na prática aparece — para citar um exemplo entre
milhares — no “Manual de Organização” escrito por J. Peters,
dirigente do Partido Comunista Americano, publicado em 1935, no
qual várias gerações de militantes encontraram guiamento para a luta
partidária e a conduta na vida. Uma das regras típicas que nele se
encontram diz respeito ao modo de lidar com os inimigos do Partido:
“Mobilizem contra ele as mulheres e as crianças. Tornem a vida dele
miserável. Façam as crianças boicotarem os �lhos dele. Escrevam na
porta da casa dele: Aqui mora o espião fulano de tal”.
Que estado de alma é necessário para um ser humano se permitir
usar de expedientes tão baixos, tão sujos, sem sentir a mínima
vergonha, o mínimo repuxão na consciência, e até imaginando que
haja algo de meritório no seu procedimento?
O ódio, é claro, não o explica. Uma alma pode odiar sem aviltar-se. A
demonização do adversário também não basta. Para ter repulsa ao
demônio não é preciso endemoninhar-se.
O aviltamento consentido a que o militante revolucionário se
submete com paradoxal orgulho tem raiz mais funda. Re�ete uma
deformação estrutural da consciência, uma perversão dos critérios
subjacentes aos mais espontâneos julgamentos morais. Aí o bem e o
mal, o justo e o injusto, o sublime e o abjeto já não se manifestam na
realidade concreta das ações presentes, mas na alegação de um futuro
hipotético ao qual, também hipoteticamente, devem concorrer.
Quando Luís Carlos Prestes manda estrangular uma menor de idade,
isso é o bem, porque concorre para o advento do socialismo. Se
mandasse fuzilar dezessete mil pessoas e encarcerasse cem mil, comotirocínio hermenêutico do sr. Negri,
para grande surpresa de seus predecessores que se imaginavam
marxistas. Longe de ser uma religião dogmática apegada à letra da
revelação, o marxismo é um �uxo esotérico de símbolos em
movimento perpétuo cujo sentido só vai se revelando ex post facto,
cada nova geração provando que os ídolos revolucionários de ontem
não eram revolucionários e sim traidores, como numa Igreja auto-
imunizante em que a primeira obrigação de cada novo Papa fosse
excomungar o antecessor. Compreende-se o risco temível de discutir
com marxistas. Você tem um trabalho medonho para vencê-los, só
para depois aparecer alguém alegando que, da derrota deles, o
marxismo saiu não somente incólume, mas engrandecido.
Nessa linha, o sr. Negri a�rma que “uma crítica muito radical do
direito e do Estado tinha se desenvolvido no curso do processo
revolucionário e tinha sido reprimida nas codi�cações e constituições
da União Soviética e do ‘socialismo real’”. Num estalar de dedos, a
máxima realização histórica do movimento socialista se torna o seu
contrário: a repressão do socialismo. Mas, com a mesma desenvoltura
com que se isenta de responsabilidade por suas ações, a “prática
revolucionária” atribui a si própria os méritos de seus inimigos: na
perspectiva do sr. Negri, o “conjunto de lutas pela libertação que os
proletários desenvolveram contra o trabalho capitalista, suas leis e seu
Estado” abrange “desde o levante de Paris em 1789 até... a queda do
muro de Berlim”. A leitura esotérica transmuta a derrocada do
comunismo em rebelião anticapitalista.
Como raciocínio �losó�co, cientí�co, dogmático ou mesmo
ideológico, não faz o menor sentido. Como argumento retórico, é
ridículo. Como trapaça, é pueril demais. Mas, como operação de
emergência para a salvação da unidade cultural ameaçada, faz todo o
sentido do mundo. As culturas são a base da construção da
personalidade de seus membros, que desmorona junto com elas. A
defesa da cultura é uma urgência psicológica absoluta, que justi�ca o
apelo a medidas desesperadas.
Jornal da Tarde, 1º de janeiro de 2004
L 
Se Homero tinha razão ao dizer que os moinhos dos deuses moem
lentamente, o cérebro nacional deve ser divino, pois é in�nita a
lentidão com que processa as mais óbvias informações. O �lósofo
Raymond Abellio, que nos conhecia bem, observava que nesta parte
do universo a germinação das idéias não segue o ritmo histórico, mas
o tempo geológico. Nada o ilustra melhor do que a renitente
ignorância das elites brasileiras em torno da questão do governo
mundial. Nossos líderes empresariais e políticos ainda vivem na época
em que toda menção ao assunto podia ser tranqüilamente rejeitada,
com um sorriso de desdém, como “teoria da conspiração”. No entanto,
há pelo menos dez anos a  já declarou o�cialmente sua intenção
de consolidar-se como administração planetária: “Os problemas da
humanidade já não podem ser resolvidos pelos governos nacionais. O
que é preciso é um Governo Mundial. A melhor maneira de realizá-lo
é fortalecendo as Nações Unidas”.1
A autoridade avassaladora desse projeto constitui hoje a fonte única e
central de onde jorram sobre toda a população terráquea legislações
uniformes em matéria de indústria, comércio, ecologia, saúde,
educação, quotas raciais, desarmamento civil, etc. A docilidade com
que até nações poderosas como a Inglaterra se vergam às suas
exigências — embora nenhuma com o entusiástico servilismo
brasileiro — deve-se em parte à natureza informal, sutil e tácita do
processo, que vai se implantando em doses homeopáticas,
delicadamente, sem assumir sua existência de conjunto, transferindo
para o recinto fechado das comissões técnicas as decisões rotuladas
complexas demais para a competência da opinião pública e
antecipando, assim, o fato consumado à mera possibilidade da
discussão aberta.
As únicas resistências que tem encontrado vêm dos  e de Israel.
Mas os  permanecem num constante vaivém entre o desejo de
a�rmar sua independência contra as pretensões do globalismo e a
tentação de tomar as rédeas do processo para conduzi-lo a seu modo.
Assumir a liderança da uniformização mundial, arriscando perder a
soberania e desarmar-se contra agressões letais, ou então
entrincheirar-se numa auto-a�rmação nacionalista com o risco de
desmantelar a aparente “ordem internacional” e suportar a hostilidade
conseqüente, eis as opções que se oferecem aos . A primeira dessas
tendências predominou no governo Clinton. O resultado foi que os
americanos, de concessão em concessão, consentiram em se
enfraquecer militarmente e em curvar-se à intromissão estrangeira em
campos vitais como ecologia, educação e imigração, ao mesmo tempo
que, envergando a máscara de líderes e bene�ciários maiores da
globalização, se tornavam o bode expiatório do próprio mal que os
debilitava. Com o governo Bush, a orientação girou 180 graus. A
virada veio em 2001, com a rejeição do Protocolo de Kyoto e a decisão
de reagir ao 11 de setembro sem o beneplácito da .
O projeto do governo mundial é originariamente comunista,2 e os
grupos econômicos ocidentais que se deixaram seduzir pela idéia,
esperando tirar proveito dela, sempre acabaram �nanciando
movimentos comunistas ao mesmo tempo que expandiam
globalmente seus próprios negócios. As fundações Ford e Rockefeller
são os exemplos mais notórios. Nesses como em outros casos, a
contradição entre o interesse econômico envolvido e as ambições
políticas de longo prazo é origem de inumeráveis ambigüidades que
desorientam o observador e, se ele é preguiçoso, o induzem a não
pensar mais no assunto.
Uma coisa é certa: nos anos 70 e 80, a globalização parecia favorecer
os , mas na década seguinte ela tomou o rumo bem claro de uma
articulação mundial antiamericana e, por tabela, antiisraelense. A
eleição de George W. Bush e a política de a�rmação nacional que ele
tem seguido são as respostas lógicas a essa nova situação.
Como isso afeta o Brasil?
O sr. Luís Inácio da Silva foi posto no poder com o apoio da rede
global de partidos e organizações tecida em torno da . Essa rede
constitui o núcleo do governo mundial em avançada fase de
implantação. A exorbitância de aplausos internacionais que saudaram
a eleição do candidato petista não veio do nada: foi a expressão natural
de júbilo do criador ante o sucesso da criatura. Se a própria escolha do
Brasil como sede do Fórum Social Mundial poucos meses antes das
eleições já não fosse prova su�ciente da articulação planetária
montada para esse �m, bastaria como con�rmação ex post facto a
pressa obscena com que a rede se mobilizou para tentar dar ao cidadão
um Prêmio Nobel pelo “Fome Zero” antes que uma só colherada de
feijão estatal chegasse à boca de algum faminto. O primeiro Nobel-a-
crédito da História não chegou a ser conferido, mas é revelador.
Nesse quadro, a mobilização contra o “império americano” é hoje
apenas uma vasta operação diversionista para camu�ar a implantação
do verdadeiro império e para colocar a serviço dele as veleidades
nacionalistas de povos pouco esclarecidos, mais propensos a
esbofetear espantalhos convencionais do que a identi�car e enfrentar
as verdadeiras fontes das limitações que os oprimem. Lutando contra a
mera possibilidade teórica de um domínio mundial americano, as
nações de cretinos tudo cedem ante uma ditadura global já
praticamente vitoriosa no presente.
O Globo, 3 de janeiro de 2004
D 
Caracterizado o marxismo como cultura, é necessário dar mais
precisão ao diagnóstico por meio de algumas diferenças especí�cas.
O marxismo não é um processo cultural autônomo, mas uma
transmutação ocorrida no seio do movimento revolucionário mundial,
que àquela altura já tinha uma tradição centenária e uma identidade
cultural de�nida, ao ponto de ser popularmente designado pela
simples expressão “o movimento” ou “a causa”, malgrado a
coexistência, nele, de uma in�nidade de correntes e subcorrentes em
disputa.
O Manifesto comunista de 1848 apresenta-se como superação e
absorção desse movimento desordenadoFidel Castro, faria um bem ainda maior, acelerando o motor da
História. Mas, se um direitista socorre um doente, ampara um
aleijado, dá de comer a um mendigo, isso é o mal, porque ajuda a
eternizar o “status quo”.
Todo ser humano normal sabe que os motivos alegados para
legitimar um ato só são válidos se a ligação deste com eles é direta e
evidente. Mas a distância entre um crime e seus supostos benefícios
sociais futuros é tão imensa, tão inumeráveis e imprevisíveis os fatores
coadjuvantes que devem somar-se ao ato para assegurar a produção do
resultado prometido, que ninguém, de boa intenção, se permitiria
jamais apostar tão alto na dignidade vindoura da baixeza presente.
A conclusão é óbvia: ninguém jamais se tornou militante
revolucionário por boa intenção. Quem quer que entre nisso, entra em
busca de um salvo-conduto para a prática do mal. Entra para livrar-se
do peso da consciência moral pessoal, substituída por uma
indulgência plenária assinada pela autoridade do partido e sustentada
pela aprovação calorosa dos “companheiros”.
Tudo isso já seria perverso o bastante, se limitado aos quadros
partidários. Mas, com a “revolução cultural” gramsciana, a ética
comunista, dissolvida sua identidade própria, se espalhou por toda a
sociedade. O que era instrução aos militantes tornou-se padrão geral
de conduta entre meros esquerdistas informais que nenhum
compromisso partidário obriga. Não conheço neste país um só
articulista de esquerda, com ou sem partido, que, ao falar de seus
desafetos ideológicos, não se permita gostosamente aplicar-lhes o
tratamento Lênin–Peters, acusando-os de “agentes a soldo de
interesses inconfessáveis”, de nazistas, de racistas ou de qualquer outra
coisa que os des�gure e os torne odiosos ao público, especialmente
juvenil, de modo que este se recuse a ouvi-los e pre�ra dá-los como
condenados a priori. E não conheço um só que, ao fazer isso, não sinta
o reconforto moral de ser aprovado por milhões de almas-gêmeas,
unidas pela mesma crença redentora nas graças salví�cas do “futuro
mais justo”. Repetida a operação um certo número de vezes, o sujeito
adquire nisso até mesmo uma certa unção sacerdotal, e espalha
veneno contra os inocentes como quem vertesse água benta sobre os
pecadores.
O Globo, 17 de abril de 2004
A   A
O tom em que um autor escreve é o cartão de visita com que ele exibe
sua identidade social e mostra a fonte da autoridade em que se apóia.
A impessoalidade neutra denota o pro�ssional que fala em nome da
ciência ou da técnica. Um estilo indignado e veemente, o tribuno que
aspira a ser porta-voz da moralidade pública. A solenidade
aristocrática revela o estadista, o magistrado, encarnação das leis e do
poder. O deboche, o sincerismo espalhafatoso assinalam o “artista” que
pretende passar por superior às convenções sociais embora ele próprio
seja o tipo mais convencional hoje em dia.
Um escritor autêntico foge dessas poses e não descansa até acertar
seu tom pessoal, em que sinta falar com sua própria voz. Escrever
assim tem um preço: você aí não personi�ca nenhuma autoridade
exceto aquela inerente ao conteúdo mesmo do que diz. Oferece suas
idéias ao julgamento direto do público, sem a proteção de uma
embalagem grupal.
Por incrível que pareça, esse tom tem uma força própria que às vezes
se sobrepõe à das várias autoridades, reais ou �ngidas, em disputa
pelas atenções do público. Mas o que ele dá sobretudo a seu praticante
é a habilidade de reconhecer, pelo contraste, os vários estilos
padronizados e o uso perverso que deles se faz. Pois eles não servem
só para exibir identidades sociais genuínas, e sim sobretudo para
investir o falante de uma autoridade falsa.
Conheço, por exemplo, um jornalista que há vinte anos não faz senão
cortejar militares e, de vez em quando, ainda tem a cara-de-pau de
lançar sobre alguém a pecha de “vivandeira de quartel”. Quem o ouve,
tem a impressão de estar diante de um antimilitarista in�amado, sem
notar que ele está apenas fazendo uso da receita leninista para o trato
com os inimigos: “Xingue--os do que você é”.
Mas ninguém supera nessa prática o tal “Frei Betto” (entre aspas
porque é frei como os fazendeiros do Nordeste eram coronéis). Nos
seus escritos, o tom homilético e o apelo convencional aos bons
sentimentos — “fraternidade”, “paz”, “amor” — denotam seu intuito de
ser ouvido como autoridade sacerdotal. A encenação é reforçada pelo
apelido, que o público iludido toma como emblema de uma condição
eclesiástica ao menos informal. Mas o sr. Betto não é sacerdote, não é
frade, não é sequer um membro leigo da Igreja. Cortesão de Fidel
Castro, co-redator da constituição cubana, um dos responsáveis pela
longevidade de uma ditadura anticristã, ele incorreu na penalidade de
excomunhão automática destinada aos colaboradores de regimes
comunistas por um decreto assinado sucessivamente por dois Papas,
Pio  e João . Está, literalmente, fora da Igreja. Continuar a
assinar-se “Frei”, depois disso, é sobrepor aos mandamentos de Cristo
uma presunção vaidosa (ou publicitária) cuja origem na hubris
demoníaca não poderia ser mais evidente. Leitor e discípulo de
Antonio Gramsci, o sujeito levou ao pé da letra a lição do mestre que
ensinava a não combater a Igreja Católica, mas a verter fora o seu
conteúdo espiritual e utilizar-lhe a casca vazia como canal para a
propaganda comunista. Ele fez literalmente isso ao encenar um
arremedo de missa no Palácio do Planalto, lavando os pés de um
militante do , proclamando Lula uma encarnação de Jesus e
igualando a farsa estelionatária do “Fome Zero” ao milagre da
multiplicação dos pães. Não é preciso entender de teologia para
perceber aí a macaqueação satânica em estado puro. Basta o senso
estético que distingue entre o sublime e o grotesco.
Não é de estranhar que esse militante do Anticristo busque seduzir
não só os católicos, mas os �éis de outras religiões. Sua recente
investida anti-Gibson poderia até torná-lo simpático aos judeus, se
eles fossem idiotas o bastante para aceitar proteção de um cúmplice de
Yasser Arafat.
Zero Hora, 18 de abril de 2004
D 
Tão logo a existência da desinformação soviética foi divulgada no
Ocidente, a intelectualidade esquerdista mobilizou-se em escala
mundial para diluir o sentido técnico da palavra e atribuir a governos
ocidentais a prática costumeira de desinformação, como se algum
deles tivesse um controle da mídia similar àquele de que desfrutavam
os governos comunistas, controle absolutamente indispensável ao
exercício da desinformátsia.
Hoje a palavra é usada predominantemente no segundo sentido. No
Brasil, não há um só leitor de jornais que não jure que George W. Bush
manipulou a mídia na guerra do Iraque. E não há um só que perceba a
simples impossibilidade física do que está dizendo.
Quem quer que conheça algo da mídia dos  sabe de duas coisas:
(a) todos os canais de  e jornais de grande porte, com as únicas
exceções da Fox e do Washington Times — o menor entre os grandes
— são maciçamente pró-esquerdistas, anti-Israel e até antiamericanos;
(b) a base de apoio a George W. Bush está nas estações de rádio —
especialmente nos talkshows —, numa multidão inabarcável de
pequenos jornais conservadores e sobretudo no jornalismo eletrônico.
Dessas duas observações pode-se obter a compreensão de uma
terceira: das duas correntes de opinião predominantes nos , só
uma tem repercussão no exterior. No Brasil, a visão que se tem da
atualidade americana é moldada pelo material reproduzido do New
York Times, do Washington Post, da  etc. Aqui não chega nada do
que um americano diga em favor do seu próprio país. Mesmo sem
contar as contribuições da esquerda tupiniquim (praticamente a
totalidade da classe jornalística local), só isso já basta para explicar por
que 90% dos brasileiros são contra os . E o ódio que sentem é tão
intenso que, no instante mesmo em que ecoam servilmente o discurso
anti-Bush da grande mídia americana, acreditam piamente que essa
mídia é... um instrumento de propaganda a serviço doimperialismo
ianque!
O público brasileiro está sendo treinado para não perceber nem as
fontes e nem o sentido de suas próprias opiniões. A mídia tornou-se
aqui um instrumento perfeito de embotamento da consciência.
A�nal, a desinformação não seria desinformação se não conseguisse
camu�ar sua própria existência. Mas a camu�agem total requer a
onipresença. Só um adversário desprovido por completo de meios de
expressão pode ser acusado verossimilmente de todos os crimes, até o
de monopolizar os meios de expressão. É o milagre da “hegemonia”,
como de�nido por Antonio Gramsci: invisível por onipresença, a
ideologia dominante dirige todos os ódios contra um inimigo cuja
ausência mesma é usada como prova de uma onipresença
dominadora, misteriosa e por isso mesmo supremamente abominável.
O brasileiro de hoje odeia tanto mais a “propaganda americana”
quanto menos enxerga sinais dela.
De todos os feitos da desinformação nacional, porém, nenhum se
iguala à exploração da revolta nacionalista contra a “ocupação da
Amazônia”. Essa ocupação existe, mas o noticiário a respeito é
invertido. Quem está metendo as patas na Amazônia são entidades
pró-comunistas como o Conselho Mundial de Igrejas, as ’s
indigenistas protegidas pela , etc., cujos objetivos estratégicos no
continente são pelo menos tão antiamericanos quanto os das .
Jornalistas cúmplices da operação conseguem camu�á-la por meio de
arremedos de denúncias que, ressaltando a gravidade da invasão,
ocultam a identidade de seus autores, fazendo-os passar por
“imperialistas americanos”.
Semelhante inversão só se conseguiu em outros países por pouco
tempo e com objetivos limitados. O exemplo mais clássico foi a
Ofensiva do Tet, na guerra do Vietnã. Os vietcongues lançaram um
ataque em massa e se deram muito mal. Suas tropas foram arrasadas.
Perderam 50 mil homens e todos os objetivos conquistados. Só
obtiveram sucesso num único lugar: invadiram a embaixada
americana em Saigon durante algumas horas. O noticiário, porém,
concentrou-se nesse detalhe visualmente impressionante, omitindo
todo o resto e dando a impressão de que os vietcongues tinham
vencido a guerra. A opinião pública acreditou, a popularidade do
presidente Johnson despencou e a impressão de derrota dos  foi
o�cializada como derrota autêntica. O próprio general Giap admitiu
que sua principal arma na guerra foi a mídia americana.
Jornal da Tarde, 22 de abril de 2004
O   
“A desinformação vem da profusão da informação, de seu
encantamento, de sua repetição em círculos”, diz Jean Baudrillard,
citado pelo meu caro Merval Pereira no dia 21. A descrição é exata,
mas, como seria de se esperar num autor que é hoje a encarnação mais
completa da impostura intelectual na França, ele só enuncia uma
verdade genérica para poder lhe dar em seguida uma aplicação
particular monstruosamente falsa. Pois o homem pretende — nada
mais, nada menos — que haja no mundo um processo de
desinformação em marcha... para justi�car a invasão americana do
Iraque.
Alan Sokal, em Imposturas intelectuais, já mostrou que um dos
procedimentos argumentativos mais constantes no autor de Le
Système des Objets é o blefe. Pela milésima vez, Baudrillard joga o
peso de uma sentença ex cathedra contra fatos objetivamente
veri�cáveis, e não perde a aposta. Embora todos os leitores estejam
conscientes do maciço antiamericanismo da grande mídia na Europa e
nos , o mestre mandou acreditar que ela está a serviço de George
W. Bush, e muitos deles dizem amém, por medo de entrar em combate
com um luminar da ciência munidos tão-somente de armas acessíveis
ao cidadão comum. A premissa subjacente é a de que você pode ter
lido muitas notícias, mas o professor deve ter lido mais, caso contrário
não diria o que está dizendo. A tentação de averiguar só passa pela
cabeça de dois ou três importunos que podem ser descartados a priori
como fanáticos de direita ou, em último caso, como caipiras incultos
que em plena moda de desconstrucionismo e relativismo ainda
acreditam em verdade objetiva. Baudrillard, consciente disso, pode
proclamar tranqüilamente que a Terra é cúbica, que dois mais dois são
cinco ou que a mídia fala bem do presidente americano. Ninguém o
contestará, exceto eu, que, como ninguém o ignora, sou neonazista e
agente do Mossad, além de caipira inculto autonomeado �lósofo entre
aspas.
Mas essa vil exploração da covardia intelectual do público não
funcionaria sem as raízes que a sustentam no sólido chão de um hábito
milenar. Nosso Senhor ordenou furar o olho que nos escandaliza, e ao
longo de vinte séculos os crentes se acostumaram a refugiar-se na
autoridade da tradição contra o assédio de pretensos fatos que
pareçam desmentir a sua fé. A partir do momento em que a classe dos
“intelectuais” tomou o lugar do clero na condução moral e mental das
multidões e fez do ódio revolucionário o Ersatz o�cial da caridade
cristã, nada mais lógico do que ela apelar a um re�exo condicionado
que a sedimentação do tempo tornou infalível, ordenando ao público
que fure os olhos para não enxergar o que está em todos os noticiários
de .
Há uma diferença, é claro. No cristianismo, nem todos os �éis se
contentam com a obediência ingênua. Alguns querem argumentos e
provas, e, começando com discussões banais sobre milagres e virtudes,
podem ingressar numa escalada intelectual que reforçará sua fé na
medida em que aumente e consolide o seu acervo de conhecimentos.
A�nal, dizia Einstein, um pouco de estudo nos afasta da religião,
muito estudo nos aproxima dela. Já com o prestígio da intelectualidade
ativista sucede o contrário. Se você estuda muito, acaba descobrindo o
que Sokal descobriu: que os Baudrillards são apenas charlatães
desprezíveis. Por isso a autoridade deles se sustenta no blefe: apostam
que a maioria semiculta se absterá de conferir o que dizem — e, por
um efeito estatístico bem previsível, acabam vencendo na maioria dos
casos.
É assim que, esvaziada de seu sentido técnico que pressupõe o
controle estatal ou partidário dos meios de comunicação, a palavra
“desinformação” pode ser usada para camu�ar a desinformação
efetiva, atribuindo poderes desinformantes a quem não os desfruta de
maneira alguma e ocultando o exercício deles por aqueles que os
detêm e os usam numa alucinada “repetição em círculos” de um
discurso antiamericano obsessivo e onipresente.
Baudrillard é o equivalente europeu de Noam Chomsky: nada do que
ele diz — seja nas suas obras acadêmicas, seja nos seus palpites
jornalísticos — resiste a um exame atento.
O Globo, 24 de abril de 2004
F 
Os críticos têm sido injustos com o nosso presidente. Com base nas
suas promessas de candidato, acusam-no de omisso, sem ter em conta
que essas promessas não representam todo o seu programa de
governo, mas só uma parte. A outra parte está nos compromissos
�rmados no Foro de São Paulo. Se ela não permanecesse ignorada do
público, o critério de julgamento do desempenho presidencial seria
bem outro.
O programa do Foro é resgatar na América Latina o que o
movimento comunista perdeu na , mas isso não signi�ca
implantar o socialismo por decreto, da noite para o dia, e sim preparar
o quadro estratégico, institucional e psico-social para que, no
momento apropriado, a via socialista apareça como a única possível.
Vistas sob esse ângulo, muitas atitudes do governo, que aferidas pelas
promessas nominais de campanha parecem provas de omissão e
incompetência, revelam-se, isto sim, passos muito �rmes, muito
precisos, dados na direção de objetivos discretos e de longo prazo, com
os quais Lula e seu partido estão a�nados mais profundamente do que
com os slogans criados pelo sr. Duda Mendonça.
A aparente omissão ante a criminalidade, por exemplo, é incoerente
com esses slogans, mas não com a linha geral de uma estratégia
esquerdista já consagrada: apadrinhar o banditismo para usá-lo como
instrumento de demolição da sociedade e ao mesmo tempo lançar na
conta da “barbárie capitalista” o prejuízo decorrente.
Meses antes da eleição eu já anunciava, nestacoluna, que um
presidente petista nada faria contra o crime organizado, por não poder
tocar nele sem trazer dano às , portanto ao Foro de São Paulo.
Que ninguém prestasse atenção a isso, na época, já era uma obstinação
indecente, mas perdoável. A única prova em favor da minha tese eram
os papéis do Foro, que a mídia não mostrava. Mas agora, diante do
fato consumado, explicar o estado de coisas por omissões gratuitas e
despropositadas, sem buscar para ele alguma causa mais razoável, é,
francamente, levar longe demais o desejo de não entender nada.
A licença para usar da violência contra invasores, informalmente
concedida aos índios, também só é omissão em aparência. Trata-se de
dar a esses servidores do globalismo esquerdista os meios de ação que,
no mesmo instante, se sonegam aos “inimigos de classe”, os
fazendeiros.
Outra falsa omissão é aquela que se imputa ao presidente perante os
desmandos do . Pois, a�nal, o partido governante tem ou não tem
um acordo estratégico com essa entidade? E esse acordo é ou não é o
mesmo que ambos juraram cumprir para a consecução das metas do
Foro de São Paulo? Por que continuar �ngindo que a conivência astuta
é mera abstenção preguiçosa?
A resposta é simples: tanto na mídia quanto na classe política, quem
não é cúmplice ativo da mentira geral está inibido pela �delidade
residual às obrigações esquerdistas acumuladas durante a luta contra o
regime militar. Reconhecer que há uma revolução continental em
marcha, que nela se articulam numa estratégia consistente todas as
aparentes irracionalidades e omissões, é algo que, nesses meios, surge
com a imagem abominável de uma tentação pecaminosa. Seria —
dizem — “voltar à Guerra Fria”. A recusa de fazer isso é confortável
para todos. Sobre a astúcia comunista, ela estende o manto protetor da
invisibilidade. Aos não-comunistas, ela fornece um pretexto edi�cante
para fazer do desmantelamento revolucionário do país uma ocasião de
proveito oportunista.
***
Percorrendo as páginas do volume coletivo O pensamento e a obra de
Pinharanda Gomes, publicado pela Fundação Lusíada de Lisboa,
avalio a profundidade do abismo que se cavou entre o Brasil e os
debates intelectuais do mundo civilizado, mesmo aqueles que se
travam na nossa própria língua. Não sei se um dia voltaremos a ser
capazes de dialogar com um intelecto portentoso como o do �lósofo e
historiador português Jesué Pinharanda Gomes. Por enquanto,
limitamo-nos a desconhecê-lo. Encerrados num provincianismo
compressivo, o que quer que esteja acima da careca do sr. José
Saramago já se tornou, para nós, inalcançável.
O Globo, 1º de maio de 2004
M    
O Fórum da Liberdade é a única arena de debates verdadeiramente
democrática que existe neste país — muito diferente dos festivais de
autopropaganda esquerdista que o dinheiro público espalhou por toda
parte.
O décimo-sétimo, do qual participei em abril na  de Porto Alegre,
foi o maior e o melhor de todos, talvez por ter sido realizado em
ambiente universitário, tradicional feudo esquerdista que pela
primeira vez teve a oportunidade de ver liberais e conservadores em
pessoa e não pelas lentes deformantes do preconceito estabelecido.
Ao longo de quase trinta anos de ininterrupta “ocupação de espaços”,
sem defrontar-se com a mínima resistência, a esquerda conseguiu até
mesmo o prodígio de inventar uma direita para seu uso próprio,
constituída de banqueiros vorazes e velhos políticos corruptos,
oportunistas e sem nenhuma crença política identi�cável, mas dotados
do physique de rôle apropriado para encobrir, com suas panças
grotescas, o rosto da direita autêntica, hoje quase desprovida de porta-
vozes políticos e constituída tão-somente de intelectuais
marginalizados pelo patrulhamento gramsciano, estudantes oprimidos
pela inquisição “politicamente correta” e empresários estrangulados
pelo �sco. Tão grande é a força hipnótica dos estereótipos, que nem o
fato mesmo de aqueles banqueiros e políticos constituírem um dos
mais fortes esteios do establishment petista impede que a opinião
pública, bem amestrada pelo jogo pavloviano da propaganda o�cial,
continue a encará-los como a personi�cação mesma do capitalismo,
assim facilmente associado ao mal. É nessa condição que eles vêm
servindo de Judas em sábado de aleluia, desviando para sua própria
testa as pauladas destinadas ao governo e babando-se de prazer no
desempenho desse ofício abjeto.
Para desmontar essa farsa, nada melhor do que a direita subir ao
palco e mostrar-se ao público, desalojando os fantoches pré-fabricados
que a astúcia esquerdista pôs no seu lugar para desmoralizá-la.
Não há quem, ouvindo um Eduardo Gianetti da Fonseca, um Denis
Rosen�eld, uma Ruth Richardson, um Daniel Piza, não perceba de
imediato três realidades que vêm sendo sistematicamente ocultadas:
(1) que o pensamento pró-capitalista é, do ponto de vista intelectual,
esmagadoramente superior ao esquerdismo estabelecido; (2) que o
liberalismo nada tem a ver com o estereótipo “neoliberal” que a
esquerda inventou para encenar vitórias fáceis sobre um adversário
�ctício; (3) que ser conservador é lutar pela conservação de valores
morais e da liberdade, não de privilégios e mamatas — um
“conservadorismo” típico, isto sim, das marionetes a serviço do
governo federal.
É para tornar essas realidades patentes que existe o Fórum da
Liberdade. Ele cumpre esse papel com honra e brilho incomuns, e para
mim tem sido uma alegria poder contribuir de algum modo para o seu
sucesso.
Se algo fosse possível fazer para torná-lo melhor ainda, eu sugeriria
duas coisas.
Primeira, o Fórum tem de ser levado para outros estados da
federação. O mérito do empreendimento é gaúcho, mas seus
benefícios devem estender-se a todos os brasileiros.
Segunda: que o temário, ainda bastante concentrado nos tópicos
econômico-administrativos, seja estendido para abranger a estratégia
de dominação esquerdista nos seus aspectos político, cultural e
criminal. Sei que isso é explosivo, mas a insistência nos assuntos
econômico-administrativos pode legitimar uma impressão de
normalidade da situação político-social, contribuindo
involuntariamente para dar credibilidade à mentira esquerdista
imperante. Expor e denunciar a ação revolucionária do “Foro de São
Paulo”, coordenação do movimento comunista no continente,
responsável por todos os descalabros que hoje atormentam este país, é
obrigação de todos os que a conheçam. Ainda há tempo de fazer isso.
Mas há cada vez menos tempo.
Zero Hora, 2 de maio de 2004
E  
As discussões correntes sobre evolucionismo e criacionismo, ciência e
fé, espiritualismo e materialismo, são em geral bem pobres de
compreensão �losó�ca, em comparação com a riqueza de dados e
argumentos que põem em jogo. Se eu metesse minha colher no
assunto, seria apenas no intuito de chamar a atenção para algumas
precauções básicas que têm sido aí bastante negligenciadas.
É que o ser humano só tem três linguagens para dar forma ao que
apreende da realidade: o mito, que expressa compactamente
impressões de conjunto; a ciência experimental, que descreve e explica
grupos particulares  de fenômenos segundo um protocolo
convencional de métodos e aferições; a �loso�a, que faz a transição
entre as duas anteriores. Qualquer conhecimento satisfatório das
origens escapa necessariamente às possibilidades da ciência, já que a
descoberta delas seria apenas mais um capítulo do mesmo processo
cósmico que se pretende explicar e não um miraculoso arrebatamento
da mente cientí�ca para fora e para cima do processo. Um
evolucionismo conseqüente teria de explicar-se a si mesmo como
etapa da evolução, mas para isso seria forçado a abdicar da pretensão
de veracidade literal e consentir em ser apenas mais um símbolo
provisório depois de tantos, sujeito, como todos eles, a converter-se no
seu contrário mais dia menos dia. A única verdade do evolucionismo é
a de uma contrapartida dialética do criacionismo, assim como
nenhum criacionismo pode existir sem deixar aberta alguma brecha
evolucionista.
A inteligênciahumana tende na direção de um conhecimento
explicativo das origens e dos �ns e sente por ele uma atração que é
elemento constitutivo e essencial da sua estrutura; mas uma tendência
não é e não será jamais uma realização. O ideal da ciência como
conhecimento universal apodíctico é ao mesmo tempo uma miragem
inalcançável e o princípio efetivo que dá estrutura e validade ao
esforço cientí�co. É algo simultaneamente real e irreal — exatamente
como o signi�cado dos mitos, que brilha na distância mas se furta a
uma decifração cabal. Toda ciência, nesse sentido, é ritual: contínua
reencarnação cênica de um sentido inaugural (e ao mesmo tempo
último) que nem pode desaparecer por completo do cenário visível
nem manifestar-se por inteiro dentro dele, pela simples razão de que o
abarca e transcende. “Nele vivemos, nos movemos e somos”, dizia o
Apóstolo.
Por isso a busca incoercível e insaciável do conhecimento apodíctico,
tal como o conhecimento potencial que nela já se insinua, só é
apropriadamente expressa na linguagem mitológica, e isso é tanto mais
verdade quanto mais essa tendência se amplia para abarcar a
“totalidade”. Toda teoria cientí�ca ou especulação �losó�ca das origens
desemboca, em última instância, no mito, e acusá-la de mito não é,
por isso, uma objeção séria. Tanto o evolucionismo quanto o
criacionismo são mitos, isto é, narrativas analógicas, insinuações
�nitas de um conteúdo in�nito, separadas do seu sentido por um hiato
tão imensurável quanto esse mesmo sentido.
Todos os mitos giram em torno de dois modelos básicos: o
criacionismo bíblico e o casualismo epicuriano. Entre esses dois, não
se trata de escolher o mais “cientí�co”, o que seria apenas uma
confusão de planos, uma “metábasis eis allo guénos” (troca de
gêneros), e sim de averiguar qual o mais apropriado à expressão da
estrutura da realidade existencial e portanto ao adequado
posicionamento do homem no processo cósmico. Como esta estrutura
é observada desde dois pontos de vista — a con�ança dos crentes num
Deus bondoso e o sentimento gnóstico de abandono —, sem que um
possa suprimir o outro, de vez que ambos constituem elementos
estruturais da mesma condição humana que se desejaria expressar, o
debate deve ser transferido do terreno das pretensões cientí�cas para o
da adequação existencial. É no autoconhecimento, e não em
especulações cosmológicas despropositadas, que se descobre, quando
se pode, a e�cácia maior e a maior legitimidade intelectual do
criacionismo, o que não nos dá evidentemente os meios de “refutar” o
casualismo, mas apenas o de desmascará-lo como mentira existencial.
Mentira existencial porque, não podendo explicar-se a si mesmo como
etapa do processo, não reconhece essa sua impotência constitutiva e
em vez disso se refugia num arremedo de transcendência, a pretensão
de certeza cientí�ca �nal habilitada a exorcizar para sempre todos os
mitos.
Jornal da Tarde, 6 de maio de 2004
S  
“A releitura do que se publicou na imprensa no período eleitoral
deveria ser matéria obrigatória em todas as faculdades de jornalismo”,
a�rma o colunista Diogo Mainardi na última revista Veja. Ele diz isso
com razão, e é sem medo nem falsa modéstia que ofereço meus artigos
de 2002 ao julgamento do tempo, sabendo que tudo o que anunciei ali
foi con�rmado, ponto por ponto, pelo desenrolar dos acontecimentos.
Mas quantos jornalistas, hoje, denunciam o presente estado de coisas
sem por um só instante lembrar que eles próprios o criaram,
consentindo em fazer-se de ajudantes voluntários do sr. Duda
Mendonça?
Com a mesma afetação de superioridade olímpica, com a mesma
desenvoltura irresponsável com que então fomentaram a embriaguez
de messianismo lulista, jogam pedras no presidente da República
como se ele fosse um malefício vindo de fora e não a encarnação de
uma vontade nacional da qual eles próprios foram os mais ruidosos e
entusiásticos porta-vozes.
É escandaloso e imoral em toda a linha, mas não é caso isolado. Com
as raras, honrosas e inevitáveis exceções de sempre, os jornalistas
brasileiros tornaram-se especialistas em errar sem nunca dar o braço a
torcer.
Mas isso não veio do nada.
Desde a faculdade, os estudantes de jornalismo não são ensinados a
observar o mundo mas a “transformá-lo” como preconizava Karl
Marx. Não querem ser testemunhas da História, e sim “agentes de
mudança social”. Vacinados contra a idéia de realidade objetiva por
meio de teorias tão pretensiosas quanto obtusas, primam em não dizer
o que vêem, mas o que querem que o povo acredite. Arrogantes,
intolerantes, monstruosamente incultos, quando julgam e condenam o
que está acima de sua compreensão não o fazem somente de narizinho
empinado; fazem-no com a ilusão de estar combatendo o
autoritarismo e a prepotência, o que já é a apoteose da cegueira
vaidosa.
Veja-se por exemplo o que �zeram com a correspondência, recém-
divulgada, entre Lincoln Gordon e o governo de Washington. De um
comunicado de 29 de março de 1964, em que o embaixador,
con�rmando a iminência da queda do presidente, insistia para que
seus superiores dessem algum respaldo ao movimento que se
preparava, tiraram a brilhante conclusão de que aí estava — en�m! —
a prova, tão antecipadamente alardeada pela esquerda nacional
durante quarenta anos, de que os americanos haviam tramado o golpe
ou ao menos tomado parte no seu planejamento. A minha conclusão,
ao contrário, é que esses jornalistas não sabem ler ou não quiseram
enxergar a data do documento. Na ocasião do comunicado, fazia mais
de um ano que líderes civis e militares locais vinham tramando a
derrubada de Jango. Se dois dias antes da eclosão do movimento o
governo americano era convocado às pressas para fazer alguma coisa,
o que isso prova é evidentemente o contrário do que a esquerda
sempre alegou. Ninguém prepara um golpe com dois dias de
antecedência. Os americanos acompanhavam a coisa de longe e,
quarenta e oito horas antes de o general Mourão Filho colocar a tropa
na rua, ainda estavam tentando decidir o que fazer. Acabaram, é claro,
por não fazer nada.
Veja-se também a credibilidade instantânea, a recepção calorosa que
a nossa mídia dá a qualquer intriga anti-Bush, mesmo quando
fundada em provas tão suspeitas quanto as fotos de “torturas”
alegadamente praticadas no Iraque pelas tropas de ocupação. Vários
especialistas europeus puseram em dúvida a autenticidade do material,
e poucos dias atrás já se revelou que outra série de fotogra�as
publicadas pela imprensa esquerdista, com soldados americanos
estuprando pobres mulheres muçulmanas, era uma fraude preparada
com imagens extraídas de sites pornográ�cos. Quem quer que tenha
lido La Désinformation par l’Image de Vladimir Volkoff (Paris, 2001)
sabe que ninguém, no mundo, é contumaz na montagem dessas
patifarias como russos e chineses. Mas, se amanhã ou depois �car
provada a falsidade das acusações, qual jornal ou revista, após tê-las
usado para reforçar com manchetes escandalosas a onda de
antiamericanismo, publicará com o mesmo destaque a advertência:
“Mentimos”?
O Globo, 8 de maio de 2004
D 
Há diferenças substantivas entre o modo americano e o iraquiano de
tratar prisioneiros de guerra. Os americanos os despem, os humilham,
gritam com eles e às vezes lhes dão uns sopapos. Os iraquianos os
esfolam, os queimam vivos ou os degolam.
Há também uma diferença nas reações que despertam entre as
autoridades de seus países. Os americanos são presos e submetidos à
corte marcial. Os iraquianos são aplaudidos e incentivados a caprichar
um pouco mais da próxima vez, por exemplo cortando os pênis dos
malditos imperialistas como sugerido por um jornal islâmico.
Há por �m uma diferença no modo como essas condutas repercutem
na mídia. Os feitos iraquianos são mostrados de maneira fria, discreta
e sem comentários, como rotinas normais de guerra. Os americanos
viram manchete, são alardeados como crimes contra a humanidade,
despertam campanhas de protesto em todos os quadrantes da Terra e
ameaçam dar motivo ao impeachment de um secretário da Defesa.
O leitorpode averiguar por si mesmo esses três pontos.
O contraste é tão óbvio, tão gritante, tão mal disfarçado e tão
uniforme, que, tendo em vista as duas primeiras diferenças, explicar a
terceira pela mera coincidência, ou mesmo por um acordo espontâneo
de preconceitos antiamericanos, seria uma ingenuidade quase
patológica.
Trata-se do uso premeditado e generalizado da mídia como arma de
guerra, acionada por meio da organização revolucionária em “redes”,
que hoje permite espalhar de modo quase instantâneo, a todas as
redações de jornais, rádios e ’s do planeta, uma palavra de ordem
que será seguida ao pé da letra, com feroz entusiasmo, pelas massas de
militantes e “companheiros de viagem” aí instalados como usuários
monopolísticos e senhores quase absolutos dos canais de
comunicação.
Ao longo de quase meio século de ensaios e adaptações, os dois
conceitos estratégicos fundamentais da doutrina bélica antiocidental, a
“guerra assimétrica” e a “guerra informática” ou netwar, acabaram se
articulando numa coerência sinfônica infernal que ecoa, sem
descompassos nem desa�nos, de Pequim a Assunción, de Tashkent a
San Francisco.
Guerra assimétrica: inspirada na Arte da guerra de Sun-Tzu, consiste
em dar a um dos lados combatentes o direito de usar de todos os
meios de ação, por mais cruéis e desonestos, explorando ao mesmo
tempo como arma estratégica os compromissos morais, legais e sociais
que amarram as mãos do adversário.
Guerra informática: uso maciço da mídia como instrumento de
combate, posto a serviço das forças revolucionárias por meio da
antecipada “ocupação de espaços” em todos os canais de comunicação,
desalojando os inimigos potenciais e subjugando os recalcitrantes.
Some as duas e terá a descrição exata do que vê na mídia todos os
dias.
O fenômeno já foi bastante estudado pelos estrategistas militares, e a
bibliogra�a a respeito é tão vasta que não há nenhuma desculpa para
quem ainda tente alegar que estou inventando coisas.
Sobre a guerra assimétrica, o estudo mais atualizado é o do analista
estratégico suíço Jacques Baud, La guerre asymétrique ou la défaite du
vainqueur.6 Sobre a netwar, a obra-padrão é e Advent of Netwar, de
John Arquilla e David F. Ronfeldt, publicado pela Rand Corporation,
que pode ser descarregado pelo site
http://www.rand.org/publications/MR/MR789/.
A e�cácia do uso convergente das duas técnicas é variável e ambígua,
mas seu efeito mercadológico é, este sim, comprovado e inequívoco, ao
menos nos . Ao longo dos últimos quinze anos, a credibilidade da
grande mídia norte-americana — o que é o mesmo que dizer: da
grande mídia antiamericana — caiu vertiginosamente. Uma vasta
pesquisa feita pelo “Project for Excellence in Journalism”, da Columbia
University, mostra que a con�ança nos jornais baixou de oitenta por
cento para vinte por cento. Hoje, só um entre cinco americanos
acredita nas notícias que lê. A credibilidade do presidente George W.
Bush, dos militares ou do clero protestante é incomparavelmente
superior: o empenho jornalístico em desacreditá-los funciona às
avessas.
O Globo, 15 de maio de 2004
O  
Outro dia fui procurado por um professor de faculdade que pedia
informações sobre o movimento conservador nos  para uma tese
de relações internacionais. Ele tinha vasculhado as principais
bibliotecas universitárias do país, sem encontrar mais que cinco ou
seis títulos. Isso dá a medida de quanto o Brasil, mergulhado há duas
décadas num poço de ilusões solipsísticas, foi parar longe da realidade
do mundo.
Analisar o atual governo americano sem conhecer sua retaguarda
doutrinal e ideológica é como seria, na década de 40, ponti�car sobre
Stálin sem nunca ter ouvido falar de Marx ou de Lênin. Nossos
comentaristas de mídia e professores universitários fazem isso com a
maior sem-cerimônia, parecendo acreditar-se detentores de uma
ciência infusa que prescinde de todo contato com os fatos e os textos.
Anos atrás, denunciei a fraude de um Dicionário crítico do
pensamento da direita, elaborado com dinheiro público por uma
centena de acadêmicos. Prometendo um panorama cientí�co de uma
importante corrente política mundial, a obra omitia todos os
principais escritores e �lósofos conservadores e colocava em lugar
deles pan�etários de quinta categoria, premeditadamente escolhidos
para criar uma impressão de miséria intelectual e fanatismo selvagem.
Pela amostragem numericamente signi�cativa dos signatários da
empulhação, era obrigatório concluir que o establishment
universitário brasileiro havia perdido os últimos escrúpulos de
seriedade, consentido em tornar-se instrumento consciente da
exploração da ignorância popular.
Como movimento intelectual assumido, o conservadorismo anglo-
saxônico começou em 1945, e a ele estão associados os nomes de
alguns dos maiores pensadores do século , como Leo Strauss, Eric
Voegelin, omas Molnar, Friedrich Hayek, Ludwig von Mises, James
Burnham, Roger Scruton, Irving Kristol, omas Sowell. Se esses e
tantos outros do mesmo nível estão excluídos das bibliotecas
universitárias e das prateleiras de livrarias brasileiras, não há nisso
nada de surpreendente: nenhum esforço ativo de desinformação pode
prosperar sem a prévia supressão das fontes que o desmintam. É
preciso tornar essas leituras inacessíveis, antes de tudo, em razão da
força intelectual que delas irradia, capaz de contaminar perigosamente
uma juventude que só a virgindade mental conserva presa na jaula do
obscurantismo esquerdista. A riqueza e a abrangência crescentes do
debate cultural e político norte-americano, especialmente na ala
conservadora, já o tornaram tão inacessível à imaginação brasileira
que esta prefere refugiar-se na confortadora ilusão de que ele não
existe.
Mas não é somente às idéias que o acesso está bloqueado. É também
aos fatos. Por falta de fontes, ninguém neste país sabe nada do que os
historiadores ocidentais descobriram nos Arquivos de Moscou desde
1990 sobre a história do comunismo, retaguarda indispensável à
compreensão do estado atual desse movimento, que vai dominando a
América Latina ante os olhos cegos de milhões de paspalhos que o
imaginam morto e inexistente.
Não há precedente histórico de uma privação de informações tão
vasta, tão profunda, tão duradoura. Nem muito menos de um povo
que, com o despreocupado conformismo dos inconseqüentes, se
acomodasse tão deleitosamente à ignorância imposta.
Essa indolência mental, esse desprezo pela busca do conhecimento,
concomitante à orgulhosa a�rmação de certezas arbitrárias, produz
fatalmente um desajuste na ordem prática, que se traduz,
retoricamente, no ufanismo patético dos derrotados e dos impotentes.
Não é verdade que todo povo tem o governo que merece. Mas o
brasileiro, sem dúvida alguma, tem.
Zero Hora, 16 de maio de 2004
A  
Desde a guerra da Argélia (1954–1962), a idéia de “guerra assimétrica”
tornou-se o princípio orientador da estratégia antiocidental. Inspirado
no “combate indireto” de Sun Tzu, cuja Arte da guerra já circulava em
edições o�ciais na  e nos países-satélites nos anos 50, o conceito é,
em essência, o de uma luta em que um dos lados não admite freios de
espécie nenhuma: pode fazer o que bem entender e ainda explorar
como arma os compromissos morais, jurídicos e sociais que amarram
as mãos do adversário.
A guerra assimétrica é a sistematização militar da máxima enunciada
em 1792 pelo deputado Collot d’Herbois, na Convenção francesa:
“Tudo é permitido a quem age a favor da revolução”.
Um analista estratégico canadense, o capitão de fragata Hugues
Letourneau, assinala que a Frente de Libertação Nacional argelina
recorria corriqueiramente a
greves gerais, emboscadas, terrorismo praticado contra sua própria
população e contra outras organizações argelinas de libertação,
assassinatos, torturas, mutilações, subtração de grandes somas de
dinheiro da população civil, sabotagem industrial e agrícola,
destruição de bens públicos, intimidação e morte de presumidos
colaboracionistas, campanhas de desinformação etc.
Enquanto isso, qualquermínimo ato ilegal das forças de ocupação era
usado pela intelectualidade ativista de Paris como instrumento de
chantagem moral para manter o governo francês paralisado pelo medo
do escândalo.
Para surtir efeito, a assimetria deve se impregnar profundamente nos
hábitos de julgamento da opinião pública, de modo que esta não
perceba a imoralidade intrínseca das cobranças pretensamente morais
que faz a um dos contendores enquanto concede ao outro o benefício
da indiferença ou do silêncio cúmplice. Um exemplo é o desnível de
tratamento dado às ocupações do Iraque e do Tibete, orientado de
modo a instilar no público a impressão de que uma operação militar
temporária, calculada como nenhuma outra antes para evitar danos à
população civil, é um crime mais grave do que a ocupação contínua, a
destruição premeditada de uma cultura milenar e o genocídio
permanente que já fez um milhão de vítimas.
A assimetria, aí, consagrou-se de tal modo como direito natural
inerente a um dos antagonistas que a simples sugestão de comparar a
atuação americana à chinesa já soa como extemporânea, de mau gosto
e suspeita de cumplicidade venal com “interesses inconfessáveis a
soldo de Wall Street” (este mesmo artigo, é claro, entrará nessa
classi�cação). Do mesmo modo, meia dúzia de abusos sangrentos
cometidos pelos soldados americanos no Iraque — inevitáveis em toda
guerra, por mais que as autoridades policiem suas tropas — já
aparecem na mídia como crueldades mais odiosas do que a prática
habitual da tortura e dos assassinatos políticos em tempo de paz,
comuns em tantos países islâmicos, sem contar as perseguições
religiosas (jamais noticiadas no Brasil), que ali já mataram mais de
dois milhões de cristãos nas últimas décadas.
A guerra assimétrica é mais facilmente praticada por organizações
revolucionárias, isentas dos compromissos que pesam sobre os Estados
constituídos. Mas alguns Estados que dão respaldo discreto a esses
movimentos podem também utilizar-se da mesma estratégia. Um livro
recente de dois coronéis chineses, A guerra para além das regras,
publicado em 1999, mostra que o governo da China está
profundamente envolvido na guerra assimétrica antiamericana. E essa
guerra não seria assimétrica se, tão logo o seu conceito se tornou de
domínio público, a responsabilidade pelo uso maciço da técnica
perversa não fosse jogada sobre as costas, justamente, da sua principal
vítima.
Poucos dias depois do 11 de setembro, o Le Monde Diplomatique
referia-se, com notável cara-de-pau, à “estratégia o�cial americana da
guerra assimétrica”. Não explicavam, evidentemente, como os 
poderiam fazer guerra assimétrica sendo, no mundo, o Estado mais
exposto ao julgamento da opinião pública e não possuindo na mídia
internacional — aliás, nem mesmo na americana — uma rede
organizada de colaboradores como aquela de que dispõem os
movimentos antiamericanos, hoje capacitados a impor a toda a
população mundial, em poucas horas, a sua própria versão dos
acontecimentos, simulando convergência espontânea.
Mais e�ciente ainda é a operação quando realizada em terreno
previamente preparado pela “ocupação de espaços” gramsciana, que,
bloqueando e selecionando as fontes de informação, predispõe o
público a aceitar como naturais e inocentes as mais arti�ciosas
manipulações ideológicas do noticiário.
No Brasil, por exemplo, está proibido há pelo menos três décadas o
acesso à opinião dos conservadores americanos. Seus livros —
milhares de títulos, muitos deles clássicos do pensamento político —
nunca são traduzidos nem constam de nenhuma biblioteca
universitária. Suas idéias só chegam ao conhecimento do público
nacional por meio da versão comunista o�cial, monstruosamente
distorcida, criada em 1971 pelo historiador soviético V. Nikitin no
livro e Ultras in the  e até hoje repassada servilmente de geração
a geração, nas escolas e nos jornais, por uns quantos espertalhões
conscientes e milhares de idiotas úteis que não têm idéia da origem
remota de suas opiniões.
Quem, criado nesse meio, pode suspeitar que há algo de errado no
bombardeio de notícias que fazem de George W. Bush uma espécie de
Stálin de direita? Furar o bloqueio é desa�o que só estudiosos
aplicados podem vencer, mediante esforços de pesquisa que não estão
ao alcance do cidadão médio. E a voz desses estudiosos soa
ridiculamente inaudível quando tentam alertar a população para essa
realidade temível: desde o advento da estratégia assimétrica, a
desinformação, no sentido técnico e literal do termo, a desinformação
como arma de guerra, tornou-se a ocupação mais constante e regular
da grande mídia, suplantando de longe a incumbência nominal que
um dia foi a do jornalismo.
O perigo a que isso expõe a população é monstruoso e não diminuirá
enquanto a sociedade civil não instituir a “�scalização externa” da
mídia, submetendo a processo judicial por propaganda enganosa os
órgãos que se recusarem a transmitir de maneira �dedigna e
quantitativamente equilibrada as informações e opiniões provenientes
de fontes opostas entre si.
Folha de São Paulo, 20 de maio de 2004
I 
Ninguém ignora que o signatário desta coluna se mantém à distância
de toda �liação política, que suas idéias não se alinham com as de
nenhum partido, grupo organizado, lobby, sociedade secreta ou coisa
do gênero.
Não obstante, é ele, e não os porta-vozes dessas entidades — mesmo
quando militantes de carteirinha ou notórios agentes de in�uência
pro�ssionais —, quem recebe o rótulo de opinador ideologicamente
comprometido, que como tal deve ser ouvido com toda a suspicácia
necessária para descontar, do que ele diz, a quota presumidamente
enorme de obliqüidade partidária deformante.
O cineasta que faz a apologia devota de Che Guevara, o pretenso
sacerdote que macaqueia o ritual da missa para igualar Lula a Jesus
Cristo, o repórter que inventa crimes impossíveis para sujar a
reputação das Forças Armadas, o colunista que não passa um dia sem
dar sua cuspida ritual na imagem satanizada de George Bush, esses
não são nunca suspeitos de viés ideológico: são as personi�cações
mesmas do sadio realismo, da normalidade, do justo meio-termo.
Por isso nenhum deles vem citado na mídia como “escritor de
esquerda”, “artista de esquerda”, “jornalista de esquerda” ou coisa
assim. Cada um é “escritor”, “pensador”, “artista” tout court, tornando
claro que fala em nome de toda a sua classe e não de uma parcela
atípica e extravagante. O privilégio de ter o nome da sua ocupação
associado sempre a um carimbo ideológico restritivo pertence à
direita: “pensador de direita”, “escritor de direita”, etc. Assim
distinguem-se o todo e a parte, a norma e o desvio, o certo e o
duvidoso. Assim institui-se a discriminação como prática
consuetudinária que, pela sua própria constância abrangente, já nem
parece discriminação.
Mais disseminada ainda é a quanti�cação que realça a anormalidade
do desvio: qualquer coisa que esteja à direita da fronteira tucana é
“extrema” direita, é “ultradireita”. Mas estar à esquerda da mesma linha
divisória não é de maneira alguma ser de “extrema esquerda” ou
“ultra-esquerda”. Mesmo quem faça causa comum com as , com
Fidel Castro e com Hugo Chávez não será jamais de “extrema
esquerda”.
Tal é o uso lingüístico consolidado, nascido em jornalecos e pan�etos
de partido, mas hoje incorporado aos hábitos da grande mídia, da
mídia pro�ssional. Escrever assim, hoje, é ser idôneo e
suprapartidário. Recusar-se a fazê-lo é extremismo de direita.
Se, observando a generalidade desse fenômeno, noto que coincide
milimetricamente com a de�nição gramsciana da onipotência
ideológica invisível, é, naturalmente, porque sou um extremista, e não
porque essas coisas estejam realmente acontecendo. O fato de que elas
possam ser comprovadas empiricamente pela estatística dos giros
semânticos nada signi�ca. E, se lembro ao interlocutor que na teoria
de Gramsci a referida onipotência inclui o poder de neutralizar como
“aberração” a denúncia da sua própria existência, isso não é porque
estudei Gramsci e sei o que ele diz:é porque eu próprio sou, no estrito
sentido gramsciano, uma aberração.
Não, não é a opinião pública que, levada pela lenta e sutil
manipulação do vocabulário, vai cada vez mais para a esquerda
imaginando continuar no centro, como o bebê que acredita ver, da
janela do ônibus, o mundo correr para trás enquanto ele permanece
imóvel no colo de sua mãe. Sou eu que exorbito, indo cada vez mais
para a direita — para a extrema-direita — e vendo, em meus delírios, o
centro ir para a esquerda.
Agora mesmo, o colunista Arnaldo Bloch acaba de me rotular de
proclamador de absurdos, porque eu disse que o partido governante
tem uma aliança política com as  e o  chileno. O fato de que
essa aliança tenha sido reiterada em dez anos de atas e resoluções do
Foro de São Paulo, assinadas pelo seu fundador e presidente Luís
Inácio Lula da Silva junto com os representantes daquelas entidades,
só prova, portanto, que ela jamais aconteceu. De que valem a�nal
montanhas de documentos, quando contrariam uma crença subjetiva
nascida do completo vácuo de informações e alardeada em tom de
certeza auto-evidente?
O Globo, 22 de maio de 2004
O   
Entre as organizações que denunciaram o tratamento vexatório dado a
alguns prisioneiros de guerra iraquianos estava a Freedom House, de
Nova York. Mas ninguém, ali, teve a menor ilusão de estar lidando
com fatos de gravidade equiparável aos que se passam diariamente nos
países comunistas e muçulmanos. Digo isso não só porque a diferença
entre humilhar prisioneiros e torturá-los �sicamente é visível com os
olhos da cara — exceto se for uma cara-de-pau como a de tantos
jornalistas brasileiros —, mas porque pouco antes dos acontecimentos
de Abu-Ghraib aquela  havia publicado seu relatório e Worst of
the Worst: e World’s Most Repressive Societies [Os piores dos
piores: as sociedades mais repressivas do mundo], e basta lê-lo para
notar que não há comparação possível entre a conduta dos americanos
e a de seus mais in�amados críticos.
Prisões arbitrárias em massa, exclusão do direito de defesa, privação
de comida e uma dose formidável de espancamentos, choques
elétricos e mutilações são a ração usual oferecida aos prisioneiros
políticos de Burma, China, Cuba, Guiné Equatorial, Eritréia, Laos,
Coréia do Norte, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Síria,
Turcomenistão, Usbequistão, Vietnã, Marrocos, Rússia e Tibete.
Desses dezessete recordistas da maldade o�cial, seis são socialistas,
seis islâmicos, os restantes têm regimes ditatoriais estatistas. Nenhum
padece os horrores do capitalismo liberal, nenhum está sob o domínio
do imperialismo americano nem da conspiração sionista
internacional. Que alívio, não é mesmo?
Em pelo menos quatro deles — China, Sudão, Vietnã, Tibete —,
quem está fora da cadeia pode ser morto a qualquer momento nas
operações genocidas que de tempos em tempos, em geral para �ns de
repressão religiosa, os governos respectivos empreendem contra suas
próprias populações, exceto no caso do Tibete onde o serviço é feito
pelas tropas chinesas de ocupação, as quais ali se encontram no
exercício de um direito que o nosso presidente da República julga
inquestionável. O total de vítimas, nas últimas três décadas, é
calculado em pelo menos quatro milhões de pessoas — miudeza
desprezível em comparação com os sessenta milhões de chineses
liquidados por um regime cujos apologistas impenitentes ainda se
encontram às pencas no parlamento brasileiro, onde uma vez por
semana nos brindam com discursos moralizantes sobre as virtudes da
democracia.
Desses dezessete infernos terrestres, diariamente chegam aos jornais
e ’s apelos desesperados em favor de prisioneiros submetidos a
torturas corporais, os quais apelos vão diretamente para a lata de lixo
para não tomar o espaço consagrado à denúncia daqueles cruéis
soldados americanos que, no Iraque, �lmam prisioneiros de guerra
pelados sem tocar num único �o de cabelo das suas cabeças. Pois,
a�nal, tortura não é aquilo que os dicionários de�nem como tal e sim
qualquer abuso menor que possa ser explorado como propaganda
anti-Bush.
Será que digo essas coisas por ser um fanático direitista, e não porque
existe realmente aí alguma desproporção acessível à pura razão
humana, ao puro sentimento instintivo de justiça? A quase totalidade
dos jornalistas do eixo – lhe assegurará que sim, caro leitor.
Muitos deles sabem que estão mentindo, mas, como diria Goethe, não
podem abdicar do erro porque devem a ele a sua subsistência. Outros
se encontram tão dani�cados intelectualmente por quatro décadas de
privação de informações essenciais, que sentirão uma indignação
sincera diante do que lhes parecerá uma sórdida calúnia encomendada
pelo capitalismo ianque e, naturalmente, paga a peso de ouro. E tão
avassalador será o impacto dessa emoção nas suas almas, que a simples
hipótese de tentar conferir jornalisticamente a veracidade ou falsidade
das minhas alegações lhes soará como uma tentação abominável, da
qual buscarão refúgio no exercício redobrado de suas devoções
costumeiras e na rea�rmação dogmática de uma honestidade
pro�ssional imune a qualquer suspeita. Feito isso, dormirão em paz,
sonhando com o futuro socialista no qual, prometia Antonio Gramsci,
“tudo será mais belo”.
O Globo, 29 de maio de 2004
G, C   
Deixemos John Kerry em paz. Depois que um médico militar
informou ter conseguido curar com um simples band-aid os épicos
ferimentos de combate que ele alardeia nos palanques, esse vigarista de
subúrbio só engana a quem quer ser enganado. Há tipos mais
interessantes no palco político americano.
Albert Gore Jr., que acaba de acusar o presidente Bush de “genocídio”
por conta de 37 prisioneiros de guerra no Iraque cuja morte não foi
constatada por ninguém, é acionista majoritário da Occidental
Petroleum, fundada por Armand Hammer, o qual subsidiou toda a
carreira política de Gore pai e dizia tê-lo, por isso, “no bolso do colete”.
Hammer granjeou fama como capitalista apolítico que, por mera
coincidência, teve negócios na Rússia no tempo de Lênin e enriqueceu
com eles. Documentos encontrados nos Arquivos de Moscou
mostraram, porém, que ele foi membro ativo do serviço de �nanças do
Comintern e que suas empresas eram uma rede de lavagem de
dinheiro para o �nanciamento de movimentos revolucionários no
Ocidente. Dos mesmos arquivos já tinha vindo, através do escritor
Vladimir Bukovski,7 a prova de que a  �nanciava maciçamente a
mídia esquerdista soi disant “moderada” da Europa ocidental. A raiva
que essa mídia vem fazendo desabar em cima de Bush desde que este
derrotou Gore nas eleições é portanto bastante explicável: sabem lá o
que é perder, por uns poucos votos, a oportunidade de colocar na
presidência dos  um fantoche controlado pela espionagem
comunista? Oh, dor atroz!
Essa história, documentada para além do que poderiam exigir os
mais céticos, está em Dossier: e Secret History of Armand Hammer,
de Edward Jay Epstein, publicado em Nova York pela Random House.
O livro é de oito anos atrás, mas os fatos que relata permanecem fora
do alcance do público brasileiro, ao qual a mídia continua vendendo
uma imagem de Gore perfeitamente asséptica e lisonjeira.
Mais patife que Gore, só Bill Clinton. O fracasso dos serviços de
inteligência norte-americanos em prever o 11 de setembro teve uma só
causa: Clinton havia centralizado na Casa Branca o controle direto de
todos os órgãos de segurança e bloqueado propositadamente as
comunicações entre eles. A , o  e outras agências estavam então
conduzindo investigações paralelas sobre as verbas ilegais de
campanha dadas ao candidato Clinton pelo exército da China e os
subseqüentes favores que, uma vez eleito, o gratíssimo presidente
prestou aos serviços de espionagem chineses. Sem intercâmbio de
informações, os investigadores não puderam, na época, juntar os �os
da trama. Pior: a assessora encarregada da operação-bloqueio, Jamie
Gorelick, agora faz parte da comissão parlamentar encarregada de
“investigar” as falhas de segurança que possibilitaramo atentado. Pior
ainda: entre os favores prestados pelo governo Clinton à China, estava
a permissão dada a uma subsidiária da General Electric (da qual
Gorelick tinha sido advogada) para vender ao exército chinês
equipamentos que, segundo se revelou depois, serviam para a
fabricação de mísseis intercontinentais direcionados ao território
norte-americano.
Essa história não saiu nem jamais sairá na mídia nacional fora desta
coluna. Leia a coisa inteira em
http://www.frontpagemag.com/Articles/ReadArticle.asp?ID=13516.
Mas vá depressa, antes que o governo brasileiro imite o exemplo da
sua adorada China e comece a controlar o acesso do público aos sites
estrangeiros.
Aproveite para tomar conhecimento de duas outras notícias que, a
bem da campanha anti-Bush, seu compromisso pro�ssional máximo,
os jornalistas brasileiros teimam em ocultar: já foi encontrada a prova
cabal da ligação entre Saddam Hussein e Al-Qaeda8 e comprovada
para além de qualquer dúvida razoável a presença de armas químicas
no arsenal iraquiano.9
Zero Hora, 30 de maio de 2004
C 
“A opinião pública vem se �rmando como ator capaz de redirecionar o
cenário político”, a�rma a escritora Rosiska Darcy de Oliveira em
artigo recentemente publicado, no qual tenta induzir os brasileiros a
pressionar o eleitorado americano para que vote em John Kerry, o
candidato preferido da Coréia do Norte, do Vietnã, do Hamas, da Al-
Qaeda e dos militares chineses. O exemplo que ela aponta aos nossos
compatriotas vem da Espanha. Não da Espanha heróica e
desbravadora do século . Nem mesmo da Espanha nobremente
suicida da Guerra Civil. Vem daquela outra Espanha passiva,
acovardada, sonsa e desprezível — súbita reencarnação da “España
miserable” de Antonio Machado —, que, hipnotizada pela articulação
sinistra das bombas assassinas com uma bem planejada blitzkrieg
midiática, se lançou de joelhos ante a voz de comando do terrorismo
internacional. “Nas eleições espanholas após o atentado terrorista de
Madri, em vinte quatro horas, usando celulares e a rede da internet, os
eleitores falaram entre si, desmontaram a farsa o�cial veiculada pela
grande mídia e tiraram do poder o primeiro-ministro que enganara a
nação”.
É um dos parágrafos mais cínicos e mentirosos que tenho lido na
imprensa nacional. Dona Rosiska pretende fazer-nos crer que a rede
de ’s bilionárias, muitas delas comprovadamente associadas com a
estratégia terrorista, que planejam e direcionam o �uxo de
informações na mídia internacional, não existe, não age, não
in�uencia coisa nenhuma. Em lugar dela, aparece o personagem
anônimo e impessoal chamado “opinião pública” ou “os eleitores”, o
qual, miraculosamente, se arregimenta, se articula, se organiza por
iniciativa espontânea e, em vinte e quatro horas, está pronto para a
ação unitária destinada a mudar o curso dos acontecimentos. Se essa
mudança ocorre no sentido desejado e planejado pelos terroristas, se
ela realiza milimetricamente o projeto exposto com meses de
antecedência em comunicados internos da Al-Qaeda, isto é apenas
mais uma coincidência que vem se somar à inocente conjunção de
acasos. E, se essas duas linhas de força convergem por sua vez para
engrossar a corrente de vociferações antiamericanas dominante na
grande mídia de Madri, de Paris, de Berlim e de Nova York, isto não só
acontece igualmente sem premeditação alguma, mas também não
constitui objeção a que Dona Rosiska pinte o empreendimento todo
como uma heróica reação de cidadãos independentes e inermes contra
a onipotência do “sistema” organizado e rico.
Como se o “sistema” não consistisse precisamente na parceria dos
organismos internacionais com a grande mídia e a organização da
militância radical na cerrada malha de ’s ativistas que cobre todo o
planeta e num instante faz ecoar suas palavras-de-ordem em todas as
redações, segura da uniformidade das opiniões no dia seguinte.
Como se a mesma mídia que Dona Rosiska �nge denunciar não
tivesse tido um papel de destaque na condução “espontânea” das
massas para a genu�exa rendição à prepotência dos terroristas.
Como se a existência e funcionamento das “redes” fossem totalmente
desconhecidos, como se não fossem objetos de uma detalhada
bibliogra�a acadêmica, como se na mesma internet não circulasse
desde 1996 uma obra como e Advent of Netwar, de John Arquilla e
David F. Ronfeldt.10
Como se o oceano de dinheiro público e privado que engorda essa
máquina infernal de propaganda pudesse ser ocultado dos leitores e já
não estivesse bem exposto aos olhos de todos em sites como
http://www.activistcash.com.
Como se a própria Dona Rosiska, desde os tempos em que servia ao
mestre manipulador Paulo Freire até a época mais recente em que
passou a brilhar nos altos círculos do beautiful people nacional e
internacional, não tivesse feito toda a sua carreira dentro e sob a
generosa proteção desse sistema, ignorando portanto candidamente a
existência dele e não tendo, pobrezinha, outra maneira de explicar os
resultados espetaculares de suas ações globais senão o apelo pueril a
uma hipótese mágica.
Nunca a realidade foi tão simetricamente invertida, nunca a astúcia
sagaz dos manipuladores se camu�ou sob tão cândida inocência.
Compreendo que Dona Rosiska faça tanto sucesso hoje em dia. Seu
discurso é um resumo vivo do modelo brasileiro de honestidade
intelectual.
Jornal da Tarde, 3 de junho de 2004
M 
Há dez anos o jornalismo produzido por intelectuais de esquerda neste
país tem um pauteiro secreto: eu. Basta eu dizer alguma coisa da qual
desconheçam tudo, e no dia seguinte lá estão eles ponti�cando a
respeito, omitindo — é claro — a citação da fonte e fazendo o diabo
para dar a impressão de que são veteranos no assunto.
O problema é que esse pessoal não estuda nada, só lê jornal. E lêem
jornal apenas para absorver de volta suas próprias opiniões, ali
reproduzidas por seus correligionários sob uma encantadora
multiplicidade de formas e pretextos que lhes dá até a sensação de
estar lendo coisa nova. Mas, como cãezinhos que lambem o próprio
vômito, acabam aprendendo o gosto e enjoando do cardápio. Então
vêm à minha coluna e, após alguns momentos de indignada
perplexidade, tratam de recobrar o “aplomb” e ensaiar aquela pose de
quem já sabia de tudo. Isso até que é bem fácil, dada a bicentenária
tradição de macaquice que permeia a cultura nacional.
A di�culdade não reside em macaquear, mas em macaquear
negativamente, isto é, em dar a aparência de que a novidade
indigerível lida na véspera é apenas alguma velha mentira já mil vezes
impugnada. As habilidades teatrais requeridas para isso não são nada
desprezíveis. Daí a compulsão irrefreável de substituir minhas
a�rmações por algum chavão bem bocó que com elas se pareça desde
o ponto de vista da completa ignorância e, refutando facilmente este
último, dar-se os ares triunfantes de quem tivesse esmagado aquelas.
O conceito de “estratégia revolucionária continental”, por exemplo,
refere-se a um fenômeno bem preciso, documentado nas atas do Foro
de São Paulo e nos escritos de centenas de teóricos gramscianos.
Refutar a existência objetiva do fenômeno é tarefa superior à força
humana. A solução, num caso desesperado como esse, é trocar o
mencionado conceito pelo de “teoria da conspiração” e, partindo da
certeza a priori de que todas as teorias da conspiração são pura
maluquice, dar o assunto por encerrado.
Outro exemplo: a existência de um governo mundial não-declarado,
manifestada na imposição de legislações sociais, culturais, econômicas,
militares e criminais uniformes em todo o planeta e na conseqüente
abolição das soberanias nacionais, é um dado empírico incontornável
— com a condição de que você tenha estudado essas legislações e suas
fontes, como eu, modestamente, venho fazendo há anos. Se você não
quer fazer isso, não custa nada apelar ao “Project for a New American
Century” e apresentá-lo como se fosse o plano mesmo da dominação
mundial e não uma tardia reação defensiva do país mais visado pelas
ambições globalistas, o qual ali opõe a estasúltimas a proposta bem
mais sóbria de uma simples “liderança global” que aliás já lhe
pertence. Com um pouco de imaginação leviana, pode-se até
equipará-lo ao Mein Kampf e instilar nos leitores mais umas gotas de
paranóia antiamericana, fazendo deles instrumentos inconscientes do
poder global em seu empenho de corroer o último baluarte de
resistência, a soberania do país mais forte.
Entre a macaquice e a parasitagem, pode-se também apelar ao
expediente de diluir o sentido das palavras. “Desinformação”, por
exemplo, aparece nos meus artigos em sentido técnico, tal como usada
na bibliogra�a especializada. Nesse sentido, é óbvio que toda operação
de desinformação subentende uma organizada rede de militantes e
colaboradores espalhados na mídia, prontos a ecoar palavras-de-
ordem. Só os movimentos antiamericanos possuem hoje em dia uma
rede como essas, só eles têm os meios de praticar desinformação. Mas
as palavras não resistem à deformação semântica. No Brasil, na Europa
ou em toda a América Latina — e mesmo na grande mídia norte-
americana — algo como uma “desinformação pró-Bush” é uma
simples impossibilidade material, mas, desde que a massa de
jornalistas ativistas aprendeu a chupar o termo nos meus artigos e
regurgitá-lo com signi�cado alterado, a crença geral na existência
desse fenômeno impossível tornou-se um dogma da religião política
nacional.
O Globo, 5 de junho de 2004
D 
Como já escrevi tempos atrás, o maior obstáculo à formação superior
da inteligência não está em fatores de ordem econômica, social, racial
ou familiar, mas de ordem moral. Está naquilo que os gregos
chamavam apeirokalia: a falta de experiência das coisas mais belas. A
alma que, desde tenra idade, não seja exposta à visão de exemplos
concretos de beleza natural, artística, intelectual, espiritual e moral,
torna-se incapaz de conceber qualquer realidade mais alta que o topo
das suas percepções corriqueiras. Como o sapo do fundo do poço, se
lhe perguntamos: “Que é o céu?”, responde: “É um buraquinho no teto
da minha casa”.
Esse é o mal crônico da cultura nacional, sempre devota do
irrelevante e cheia de despeito por tudo o que esteja acima da sua
precária capacidade de compreensão.
Um exame dos principais romances brasileiros já revela: não há
literatura, no mundo, mais rica em personagens fúteis, medíocres,
desprovidos de qualquer profundidade de alma ou de espírito. É um
mundo de pequenos funcionários, atormentados, na mais nobre das
hipóteses, pelo orçamento exíguo, pela libido insatisfeita ou por
alguma cólica intestinal. A literatura de �cção é ao mesmo tempo
retrato e sintoma: se nosso cosmos �ccional é assim, não é só porque a
sociedade é assim, mas porque assim também são os escritores. Sua
única diferença é que têm algum dom de observação crítica para
descrever a mediocridade geral, mas não para superá-la. A prova é
que, quando analisam a situação, tratam logo de atribuí-la a causas
econômicas, raciocinando por sua vez como pequenos funcionários e
anestesiando-se para não enxergar sua própria miséria interior.
Nos últimos tempos, e com estímulo o�cial, a mesquinharia nacional
tornou-se ainda mais tacanha e empedernida ao adornar-se de
pretextos sociais edi�cantes. A indolência mental virou sinal de amor
ao povo, a incultura uma prova de altos ideais, a mediocridade pétrea
uma aura de santidade em torno da cabeça oca de um candidato
presidencial.
A jaula de sentimentos ruins e ilusões jactanciosas em que se fechou
o povo brasileiro acaba por separá-lo tão completamente do universo,
que ele já não concebe o belo e o sublime senão como produtos
enganosos da astúcia publicitária de algum Duda Mendonça.
Daí a imagem que se pintou, na nossa mídia, do recém-falecido
presidente americano Ronald Reagan.
Nos , o colunista Jack Wheeler escreveu:
Ronald Reagan foi o maior dos americanos — não apenas dos
presidentes americanos. Mais que qualquer outro, ele personi�cou o
ideal moral descrito por Aristóteles como Megalopsiquia, o Homem
de Grande Alma. O Homem de Grande Alma tem um caráter de
tanta integridade indissolvida e de tanta realização no mundo real,
que sua alma expressava, para Aristóteles, o Kálon, a beleza moral.
Essa é mais ou menos a opinião que têm de Reagan até alguns de seus
mais belicosos adversários políticos.
Um homem dessa envergadura pode ser amado, temido ou odiado,
nunca desprezado. A afetação de desprezo olímpico com que a mídia
brasileira escreveu sobre ele é apenas o disfarce convencional do mais
vil dos sentimentos: a inveja rancorosa, insanável e desesperadora que
as almas miúdas têm das grandes.
Nunca uma camu�agem neurótica foi tão transparente, nem tão
dolorida a consciência de inferioridade a�orando à casca da
superioridade �ngida.
Mais que amostra de uma situação cultural e política deprimente, a
mídia brasileira tornou-se um sintoma psiquiátrico em sentido estrito.
***
Depois de ajudar por baixo do pano uma sucessão de invasões de
terras e assassinatos de fazendeiros, o governo do Zimbábue
�nalmente anunciou que vai eliminar a propriedade privada no
campo, estatizando todas as fazendas produtivas do país. É a vitória
de�nitiva do equivalente local do , encabeçado por um sujeito
chamado Hitler Zunzi. O nome é inspirador, e nem toda semelhança é
mera coincidência. Zunzi diz: “Todas as revoluções exigem violência.
Sou como Napoleão Bonaparte, Che Guevara e Adolf Hitler”. O
governo do Zimbábue é fortemente apoiado pela China, tão querida
do empresariado brasileiro.
O Globo, 12 de junho de 2004
É  
O heróico e patriótico governo federal decidiu restabelecer o imposto
sobre a importação de livros. A medida terá o efeito de um genocídio
cultural, mas este nem será notado pela população, já que os leitores
de livros importados são uma minoria de estudiosos especializados, e
o conhecimento, na ética dominante, é um luxo burguês perfeitamente
dispensável.
A indústria editorial local, devotada à produção de lixo escolar e de
futilidades elegantemente impressas, nada ganhará com a eliminação
da concorrência estrangeira, pois os livros que vêm de fora são de
tipos que não interessam a nenhum editor brasileiro. Eu, por exemplo,
acabo de receber, pelo correio, History of Japanese ought, de Hajime
Nakamura; Aristotle’s Modal Logic, de Richard Patterson; Gnostic
Return in Modernity, de Cyril O’Regan; e Dynamics of Aristotelian
Natural Philosophy from Antiquity to the Seventeenth Century, de
Cees Leijenhorst. Quem, no Brasil, é louco de publicar essas coisas que
não terão três leitores? Doravante, os três leitores não vão lê-las nem
em português nem em língua nenhuma.
Há outras obras estrangeiras, de interesse bem mais geral, que
poderiam até fazer algum sucesso em tradução. Mas essas é que
nenhum editor nacional jamais ousará colocar na praça, expondo-se à
perda de subsídios estatais, ao boicote da mídia ou a outros danos
mais substantivos.
Re�ro-me aos livros — milhares deles — que atualizam o mundo
civilizado quanto à história do movimento comunista e à sua estratégia
atual. Divulgado esse material, ninguém mais neste país continuaria
acreditando na balela de que o comunismo acabou. Pior: alertado para
o fato de que o movimento comunista cresceu e está muito bem
articulado com o terrorismo islâmico, com os organismos
internacionais, com a grande mídia ocidental e com vários governos
europeus, o público poderia juntar os pontos de uma �gura que agora
lhe parece informe e caótica e tirar uma conclusão que, para o restante
da espécie humana, é simplesmente óbvia: que a América Latina está
hoje mais próxima do comunismo do que jamais esteve. Por enquanto,
a pétrea ignorância geral garante, a quem quer que enuncie essa
conclusão em voz alta, o diagnóstico infalível de mitômano paranóico.
Para vocês fazerem uma idéia, porém, de como estamos atrasados
nessa área, basta notar que até hoje não saiu neste país um só livro ou
reportagem sobre algo que a população dos  sabe desde 11 de julho
de 1995. Nesse dia foram divulgadas pelo  as decodi�caçõesde
telegramas passados pelo serviço secreto da  a seus agentes nos
 nos anos 40–50. Cinco décadas de negações indignadas chegaram
aí ao mais patético dos desenlaces: todos os supostos inocentes que o
famigerado senador Joe McCarthy acusara de espiões soviéticos, com
uma única exceção, eram mesmo espiões soviéticos. McCarthy havia
calculado que eram 57. Eram mais de trezentos. Os livros sobre isso
são hoje abundantes, e as débeis tentativas remanescentes de negar os
fatos já foram totalmente desmoralizadas.
Os brasileiros, imunizados contra essas informações pelo descaso
proposital da mídia e do mercado editorial, agora estão ainda mais
protegidos delas pelo novo imposto. Ninguém aqui lerá, no original ou
em tradução, e Venona Secrets, de Herbert Rommerstein e Eric
Breindel; In Denial, de John Earl Haynes e Harvey Klehr; Treason, de
Ann Coulter; Dossier: e Secret History of Armand Hammer, de
Edward Jay Epstein, ou qualquer de seus inumeráveis similares. Muito
menos terá acesso aos “Annals of Communism” da Universidade de
Yale, que documentam, em fac-símile, oitenta anos de traições
gentilmente encobertas pelo New York Times, pela , pelos
Clintons, pelos Gores, pelos Kerrys, por toda a esquerda chique. Aqui,
a lenda que apresenta o “macartismo” como uma longa noite de terror
que se abateu sobre pobres inocentes continua e continuará um dogma
inabalável “in aeternum”.
Zero Hora, 13 de junho de 2004
H   
Desmantelado o império, as igrejas disseminadas pelo território
tornaram-se os sucedâneos da esfrangalhada administração romana.
Na confusão geral, enquanto as formas de uma nova época mal se
deixavam vislumbrar entre as névoas do provisório, os padres
tornaram-se cartorários, ouvidores e alcaides. As sementes da futura
aristocracia européia germinaram no campo de batalha, na luta contra
o invasor bárbaro. Em cada vila e paróquia, os líderes comunitários
que se destacaram no esforço de defesa foram premiados pelo povo
com terras, animais e moedas, pela Igreja com títulos de nobreza e a
unção legitimadora da sua autoridade. Tornaram-se grandes
fazendeiros, e condes, e duques, e príncipes, e reis.
A propriedade agrária não foi nunca o fundamento nem a origem,
mas o fruto do seu poder. Poder militar. Poder de uma casta feroz e
altiva, enriquecida pela espada e não pelo arado, ciosa de não se
misturar às outras, de não se dedicar portanto nem ao cultivo da
inteligência, bom somente para padres e mulheres, nem ao da terra,
incumbência de servos e arrendatários, nem ao dos negócios,
ocupação de burgueses e judeus.
Durante mais de um milênio governou a Europa pela força das
armas, apoiada no tripé da legitimação eclesiástica e cultural, da
obediência popular traduzida em trabalho e impostos, do suporte
�nanceiro obtido ou extorquido aos comerciantes e banqueiros nas
horas de crise e guerra.
Sua ascensão culmina e seu declínio começa com a fundação das
monarquias absolutistas e o advento do Estado nacional. Culmina
porque essas novas formações encarnam o poder da casta guerreira
em estado puro, fonte de si mesmo por delegação direta de Deus, sem
a intermediação do sacerdócio, reduzido à condição subalterna de
cúmplice forçado e recalcitrante. Mas já é o começo do declínio,
porque o monarca absoluto, vindo da aristocracia, dela se destaca e
tem de buscar contra ela — e contra a Igreja — o apoio do Terceiro
Estado, o qual com isso acaba por tornar-se força política
independente, capaz de intimidar juntos o rei, o clero e a nobreza.
Se o sistema medieval havia durado dez séculos, o absolutismo não
durou mais de três. Menos ainda durará o reinado da burguesia liberal.
Um século de liberdade econômica e política é su�ciente para tornar
alguns capitalistas tão formidavelmente ricos que eles já não querem
submeter-se às veleidades do mercado que os enriqueceu. Querem
controlá-lo, e os instrumentos para isso são três: o domínio do Estado,
para a implantação das políticas estatistas necessárias à eternização do
oligopólio; o estímulo aos movimentos socialistas e comunistas que
invariavelmente favorecem o crescimento do poder estatal; e a
arregimentação de um exército de intelectuais que preparem a opinião
pública para dizer adeus às liberdades burguesas e entrar alegremente
num mundo de repressão onipresente e obsediante (estendendo-se até
aos últimos detalhes da vida privada e da linguagem cotidiana),
apresentado como um paraíso adornado ao mesmo tempo com a
abundância do capitalismo e a “justiça social” do comunismo. Nesse
novo mundo, a liberdade econômica indispensável ao funcionamento
do sistema é preservada na estrita medida necessária para que possa
subsidiar a extinção da liberdade nos domínios político, social, moral,
educacional, cultural e religioso.
Com isso, os megacapitalistas mudam a base mesma do seu poder. Já
não se apóiam na riqueza enquanto tal, mas no controle do processo
político-social. Controle que, libertando-os da exposição aventurosa às
�utuações do mercado, faz deles um poder dinástico durável, uma
neo-aristocracia capaz de atravessar incólume as variações da fortuna
e a sucessão das gerações, abrigada no castelo-forte do Estado e dos
organismos internacionais. Já não são megacapitalistas: são
metacapitalistas — a classe que transcendeu o capitalismo e o
transformou no único socialismo que algum dia existiu ou existirá: o
socialismo dos grão-senhores e dos engenheiros sociais a seu serviço.
Essa nova aristocracia não nasce, como a anterior, do heroísmo
militar premiado pelo povo e abençoado pela Igreja. Nasce da
premeditação maquiavélica fundada no interesse próprio e, através de
um clero postiço de intelectuais subsidiados, se abençoa a si mesma.
Resta saber que tipo de sociedade essa aristocracia auto-inventada
poderá criar — e quanto tempo uma estrutura tão obviamente baseada
na mentira poderá durar.
Jornal da Tarde, 17 de junho de 2004
O   G
Em 15 de dezembro de 1987, em plena Perestroika, Mikhail
Gorbachov anunciou um dos pontos fundamentais do seu plano para
um novo mundo de paz e liberdade: “Não pode haver trégua na luta
contra a religião. Enquanto existir religião, o comunismo não
prevalecerá. Devemos intensi�car a destruição de todas as religiões
onde quer que elas sejam praticadas ou ensinadas”.
Gorbachov era e é um marxista puro-sangue, mas, àquela altura, já
não pensava em implantar em escala planetária o comunismo
ortodoxo, cuja inviabilidade saltava aos olhos. O que ele tinha em
mente era a “convergência” dos regimes, um socialismo meia-bomba
no qual, preservada alguma liberdade econômica indispensável à
sobrevivência do sistema, todas as demais liberdades fossem
esmagadas sob uma portentosa engenharia de dispositivos jurídicos,
sociais e culturais, já não sob a direção ostensiva do partido único, mas
de um pool de organizações esquerdistas concordes no essencial. O
livre mercado seria mantido, mas como instrumento para subsidiar a
destruição da “democracia burguesa”. O empresariado sonso cederia
de bom grado em tudo para preservar o seu querido direito de
enriquecer, sem se dar conta de que na nova regra do jogo a riqueza
seria cada vez menos uma fonte de poder e sim um handicap,
calculado para subjugar seu detentor às exigências do Estado.
Encapsulada na vitória temporária do capitalismo, a ascensão do
socialismo já não se faria por meio da revolução e sim do acúmulo
progressivo e indolor de controles burocráticos, exigidos por
“movimentos populares” arti�cialmente criados para esse �m e
subsidiados, a seu turno, por uma horda de novos e antigos ricos,
movidos pela esperança insensata de aplacar com generosidades
obscenas de donzela oferecida a voracidade do Estado-papão.
Inspirada em Gramsci e no socialismo fabiano cujo gradualismo
anestésico tinha por símbolo uma tartaruga, a estratégia permanecia
�el à máxima leninista de usar o imediatismo da burguesia como
instrumento para desprovê-la de seus meios de defesa.
Esse sistema já está em avançado estado de implantação em todo o
mundo. A administraçãonuma totalidade superior.
Daí por diante, as relações entre o marxismo e as demais correntes
revolucionárias foram as do patrão com seus empregados, que a seu
capricho ele convoca, demite, expulsa ou chama de volta.
Foi assim que ele pôde condenar como revolta pequeno-burguesa os
protestos existenciais de ordem sexual ou impugnar o nacionalismo
como o pior inimigo da revolução proletária, e logo em seguida
convocar um e outro para que servissem sob suas �leiras. Sua
capacidade de absorção e expulsão é ilimitada, já que ele não tem de
dar satisfações senão à prioridade única, que é a sua própria
subsistência e expansão, toda consideração de veracidade ou
moralidade sendo rebaixada, pragmaticamente, à condição de ancilla
revolutionis. Oportunismo levado às últimas conseqüências, seu total
descompromisso com a verdade pode ser medido pela constância com
que o movimento comunista anuncia sua vitória próxima contra as
nações capitalistas e, ao mesmo tempo, jura que nem sequer existe
materialmente, denunciando como paranóia e “teoria da conspiração”
qualquer tentativa de identi�car sua rede de organizações e seus
modos de ação. Aqui também a comparação com as religiões
dogmáticas é inadequada. Nenhum fanatismo religioso produziu esse
tipo de sociopatia em massa.
A diferença fundamental entre o marxismo e as demais culturas é que
para estas últimas o teste decisivo é a adaptação ao ambiente natural, a
organização da economia. Qualquer cultura que fracasse neste ponto
está condenada a desaparecer. O marxismo, ao contrário, cujo
completo fracasso econômico em todas as nações que dominou são
notórios (valendo lembrar que nenhuma organização econômica
jamais conseguiu matar de fome dez milhões de pessoas de uma só
vez, como o “Grande Salto para a Frente” da agricultura chinesa),
parece tirar desse resultado as mais extraordinárias vantagens,
crescendo em prestígio e força política quanto mais se torna frágil e
dependente da ajuda dos países capitalistas.
Sua incapacidade de explorar e�cazmente um território, comparada à
brutal e�ciência no expandir-se dentro do território alheio, mostra que
o marxismo não existe como cultura em sentido pleno, capaz de
a�rmar seu valor contra a resistência do ambiente material, mas
apenas como subcultura parasita incrustada numa sociedade que ele
não criou e com a qual não pode competir.
Subcultura parasita da cultura ocidental moderna, o marxismo não é
capaz de substituí-la, mas é capaz de enfraquecê-la e levá-la à morte. O
parasita, porém, não pode subsistir fora do corpo que explora, e a
debilitação do organismo hospedeiro dá margem à ascensão de uma
outra cultura concorrente, a islâmica — esta sim cultura em sentido
pleno —, a cujo combate antiocidental o marxismo acaba servindo de
força auxiliar enquanto procura utilizar-se dele para seus próprios �ns.
A adesão islâmica de importantes pensadores marxistas como Roger
Garaudy e a “aliança antiimperialista” de comunistas e muçulmanos
são símbolos de um processo muito mais profundo de absorção do
marxismo, que alguns teóricos islâmicos descrevem assim: a luta pelo
socialismo é a etapa inicial e inferior de um processo revolucionário
mais vasto que acrescentará à “libertação material” dos povos a sua
“libertação espiritual” pela conversão mundial ao Islam. Ao mesmo
tempo, os marxistas acreditam dirigir o processo e utilizar-se da
rebelião islâmica como em outra época usaram de variados
movimentos nacionalistas, sufocando-os em seguida.
Se os marxistas são a tropa-de-choque da revolução islâmica ou os
muçulmanos a ponta-de-lança do movimento comunista, eis a questão
mais interessante para quem deseje saber para onde irá o mundo nas
próximas décadas.
Jornal da Tarde, 8 de janeiro de 2004
A   
O �chamento de turistas nos  visa a controlar a avalanche de
imigrantes ilegais e a entrada de possíveis suspeitos de terrorismo. Os
dois males estão interligados, pois a imigração ilícita tem sido o meio
mais fácil de contrabandear terroristas, além de ser usada, de maneira
muito deliberada e consciente pelos radicais islâmicos, como
instrumento de guerra cultural para desarmar psicologicamente a
população contra a propaganda antiamericana interna e externa. Até
que ponto ambas essas operações têm cúmplices poderosos entre os
próprios americanos, elevando o risco ao nível de alerta máximo, é
algo que pode ser avaliado por uma comparação bem simples. Tomem,
de um lado, o fenômeno crescente da repressão anticristã que descrevi
no artigo “Natal proibido”. De outro, �quem sabendo que a
multibilionária Fundação Ford introduziu em seus programas
educacionais a sugestão de modi�car a Constituição Americana para
que proíba a “blasfêmia contra Allah”, categoria que abrange
praticamente toda e qualquer manifestação verbal antiislâmica. Um
país cujos universitários são induzidos a admitir tranqüilamente a
possibilidade de conceder privilégios especiais a uma comunidade
religiosa recém-chegada, ao mesmo tempo que as religiões locais
tradicionais são cada vez mais marginalizadas e perseguidas pelo
establishment, é evidentemente um país que está sendo adestrado para
imolar sua cultura no altar de seus inimigos. Entre a preparação
psicológica de uma geração de estudantes e a mudança constitucional
visada, o caminho é longo, mas não muito. Todo o “multiculturalismo”
universitário que predispôs a população americana à passividade
diante da perseguição anticristã começou, quatro décadas atrás, em
programas semelhantes a esse da Ford. As armas da guerra cultural são
sutis, suas ações deliberadamente lentas. Mas nunca isoladas. O
antiamericanismo chique da Ford converge com a intriga corrente
entre políticos europeus — os bons e velhos amigos da  — de que
é um perigo mortal para uma democracia moderna ter um presidente
cristão.
Isso sugere aliás outra comparação elucidativa.
O panorama da guerra cultural nos  é complexo, assustador e,
como não poderia deixar de ser, totalmente ignorado pelos brasileiros.
Mas, mesmo sem levá-lo em conta, a ameaça física do terrorismo, os
constantes anúncios de novos ataques e a articulação internacional em
favor dos terroristas — da qual o Brasil não está de todo inocente —
bastam para mostrar que nenhuma precaução de segurança nos
aeroportos americanos, por mais constrangedora que seja, pode ser
considerada excessiva, absurda ou insultuosa à dignidade humana.
No Brasil, em contrapartida, não há avalanche de imigrantes ilegais,
muito menos provenientes dos , nem qualquer organização
terrorista em atividade, já que a única que poderia ser assim
quali�cada — as  — está em boas relações com o nosso governo e
só joga bombas na Colômbia, limitando suas atividades no território
brasileiro à circunspecta distribuição de algumas centenas de
toneladas de cocaína por ano, uma bobagenzinha incapaz de perturbar
o sono de nossas autoridades.
Qual o motivo, então para �char os americanos que entram no
Brasil? O motivo é um só: eles são americanos, e o juiz Julier Sebastião
da Silva está cego de raiva contra o país de onde eles provêm. Tão cego,
que perdeu totalmente o senso das proporções, chamando de nazista a
�scalização nos aeroportos de lá e não vendo nazismo nem racismo
nenhum na ostensiva discriminação de viajantes legais contra os quais
nada se tem a alegar exceto sua nacionalidade.
Mas decerto não é só o magistrado quem está cego. O alinhamento
do Brasil com o antiamericanismo internacional, a aliança com Hugo
Chávez e Fidel Castro, o cumprimento meticuloso, en�m, do
programa do Foro de São Paulo, que ainda um ano atrás os guias
iluminados da nossa opinião pública ridicularizavam como paranóias
do sr. Constantine Menges, já são hoje fatos consumados — e suas
conseqüências para o destino do país arriscam ser as mais
devastadoras. Diante disso, que faz a mídia? Desvia as atenções do
público para as semelhanças entre os governos Lula e  — as quais
existem, sem dúvida, mas não têm no quadro presente senão uma
função puramente diversionista — e amortece o impacto de notícias
quecentral do planeta, sediada em organismos
internacionais como a  e a União Européia, que o próprio
Gorbachov quali�cou de “novo Comintern”, já não controla somente a
atividade econômica e trabalhista das nações, nem somente a
estratégia militar e geopolítica — fazendo da “soberania” uma
curiosidade museológica —, mas cada detalhe da educação, da prática
médica, da vida cultural e até das condutas pessoais, submetidas cada
vez mais a regulamentações sufocantes que a sociedade civil,
estupidi�cada pela tagarelice de ’s histéricas, celebra como
conquistas da liberdade e dos direitos humanos.
Nesse quadro, a luta contra a religião só se empreende pelo antigo
método da repressão direta nas regiões mais distantes da atenção da
mídia: Sudão, Vietnã, Coréia do Norte, boa parte da China. No mundo
ocidental, são usadas para isso a militância “politicamente correta” e a
própria mídia, que, com notável sucesso, vêm expelindo a religião da
vida pública, do sistema educacional e da cultura superior, sob o
pretexto risível dos “direitos das minorias”, como se, eliminada com a
fé predominante a idéia mesma de religião, fosse sobrar para os cultos
minoritários um espaço maior na sociedade e não um lugarzinho
apertado no sepulcro geral das devoções extintas.
Resistência séria ao neo-socialismo mundial só há em dois países:
 e Israel. Daí que uma campanha mundial de desinformação
busque apresentá-los com imagem invertida, como se fossem os
centros de comando e não os principais alvos do ataque global às
soberanias. A quantidade de recursos mobilizada para esse �m é tão
gigantesca, tão vasta e complexa a constelação de artifícios usada para
ludibriar a opinião pública, que atinar com o curso efetivo dos
acontecimentos está acima da capacidade do cidadão médio e mesmo
do “intelectual” médio. Di�cilmente a presente geração chegará a
perceber a realidade da situação histórica que viveu. O mundo de
Gorbachov é o mundo da inconsciência plani�cada.
O Globo, 19 de junho de 2004
I 
Em declaração à revista Veja, o biólogo evolucionista Richard Dawkins
a�rmou que o mundo teria mais paz se todas as religiões fossem
abolidas. Responsabilizando-as pela ocorrência de morticínios sem
�m, ele disse que o Islam está um pouco mais violento hoje, mas que o
judaísmo e o cristianismo são, em essência, igualmente destrutivos.
Não sei julgar o trabalho cientí�co do sr. Dawkins, se bem que sua
máxima realização nesse campo pareça ter sido inventar �guras
computadorizadas e tomá-las como criaturas vivas, sob a
enternecedora alegação de que são “quase biológicas” (sic). A
autoridade cientí�ca que essa bobagem lhe deu pode não ser muito
impressionante para os estudiosos — e Richard Milton a reduz a
praticamente nada em Shattering the Myths of Darwinism (1997). Mas
ela basta para que a mídia con�ra a seu autor o estatuto de guru em
áreas do conhecimento nas quais ele não produziu nem mesmo
alguma bobagem pitoresca. E a luta contra a religião é uma causa tão
vital para o establishment politicamente bonitinho, que este não pode
recusar o auxílio de nenhum prestígio acadêmico por mais postiço e
deslocado que seja.
Mas um darwinista clamando contra a violência das religiões é a
imagem mais completa e perfeita da impostura intelectual.
O evolucionismo foi o pai do comunismo e do nazismo. Todas as
guerras de religião desde o começo do mundo, somadas, não mataram
senão uma fração minúscula do número de vítimas que esses regimes
�zeram em poucas décadas. Mesmo levando em conta a diferença
populacional entre as épocas, a desproporção é assustadora.
E não há entre as duas ideologias e o darwinismo apenas uma
a�nidade de conteúdo, revelada ex post facto por uma leitura sutil. Há
uma continuidade consciente e declarada. Karl Marx citou
repetidamente Darwin como uma das suas fontes principais, e a quota
de evolucionismo nas teorias nazistas de Alfred Rosenberg é bem
conhecida.
Com a doutrina da “seleção dos mais aptos”, o darwinismo deu aos
regimes totalitários um poderoso argumento em favor da eliminação
dos inconvenientes, restando apenas decidir se o critério de seleção
seria racial ou econômico. Mas mesmo esta diferença nunca foi
importante. Karl Marx, que costumava referir-se a seu genro Paul
Lafargue como “negro pernóstico”, festejava a “liquidação de uns
quantos povos inferiores” (sic) como condição essencial para o
advento do socialismo, ao passo que os nazistas nunca se limitaram à
propaganda racial, mas, como bons socialistas que eram, fomentavam
igualmente a revolta popular contra a “exploração burguesa”.
A contribuição darwinista aos genocídios do século  não se deu
somente no campo das teorias. Foi mais direta. A leitura de A origem
das espécies despertou a vocação revolucionária de Hitler e Stálin.
Ambos deixaram depoimentos comovidos sobre o impacto da teoria
de Darwin nas suas almas juvenis, que ela imbuiu da missão de tornar-
se instrumentos conscientes da evolução das espécies.
O ideal anti-religioso do sr. Dawkins já foi aliás posto em prática
tanto pelo nazismo quanto pelo comunismo, em ambos os casos
superlotando as valas comuns com cadáveres de padres, rabinos,
pastores e uma legião de devotos. Leiam Marx and Satan de Richard
Wurmbrand e Le Siècle des Camps de Joël Kotek e Pierre Rigoulot, e
verão o tipo de mundo melhor que a ideologia darwiniana nos
promete.
Mesmo nas democracias ela não deixou de dar sua ajudinha à
marginalização dos importunos. Quando em 1925 um único professor
americano foi ameaçado de perder seu emprego por ensinar o
evolucionismo, o episódio despertou uma tempestade mundial de
protestos que não se aplacou até hoje. Mas os cientistas e professores
antievolucionistas demitidos pela inquisição darwiniana nos  e na
Europa nas últimas décadas já se contam aos milhares, e dizer uma só
palavrinha em favor deles, como acabo de fazer, é considerado na
mídia uma tremenda falta de educação.
Com esse curriculum vitae, como pode o darwinismo ainda posar de
defensor da moral, da liberdade, dos direitos humanos? A cara de pau
desse sr. Dawkins chega a ser admirável.
O Globo, 26 de junho de 2004
P  
Após ter fechado suas seções de Curitiba, Belo Horizonte e São Paulo,
o Instituto Liberal encerra suas atividades também em Brasília — tal
como nos outros casos, por falta de dinheiro. Como ele era a única
entidade que, em escala nacional, se empenhava na defesa da
democracia capitalista, sua liquidação é a prova mais eloqüente da
rendição ideológica do empresariado, prelúdio à destruição completa
do seu poder de classe.
Esse poder, a rigor, já não existe. O que impede muitos empresários
de enxergar — ou admitir — uma coisa tão óbvia é que por enquanto
estão ganhando dinheiro e se imaginam protegidos pelo súbito
“neoliberalismo” de certas políticas o�ciais.
Mas medidas econômicas de apoio à livre iniciativa, se
desacompanhadas de uma política liberalizante nas áreas �scal,
judiciária, administrativa, educacional e cultural, já constituem um
monstrengo esquisito o bastante para que nenhum observador de bom
senso o confunda com capitalismo liberal genuíno. Se, mais ainda, elas
vêm associadas ao estrangulamento �scal crescente, à progressiva
criminalização do capitalismo na esfera judicial, à rápida fusão de
Estado e Partido, à completa ocupação de espaços culturais pela
intelectualidade socialista, à gradual e irreversível estatização do
ensino e ao uso maciço das escolas como veículos de doutrinação
revolucionária anticapitalista, então obviamente não constituem
liberalismo nenhum. São a aplicação exata da estratégia de transição
revolucionária descrita nas obras de Lênin, de Gramsci e dos
socialistas fabianos. Esgotar os últimos recursos do capitalismo,
obrigando-o a prosperar para alimentar a máquina do anticapitalismo
— essa é a de�nição mesma de uma revolução comunista, conduzida
segundo os cânones marxistas mais rigorosos e estritos.
Se os empresários brasileiros não enxergam isso, não é só porque não
leram aquelas obras (eles só lêem livros de administraçãoe auto-
ajuda): é precisamente porque são uma classe em extinção. Corroído
seu envoltório ideológico por três décadas de “agressão molecular”
gramsciana, já se alienaram completamente dos valores morais,
culturais, religiosos e políticos que davam sentido e legitimidade ao
seu poder de classe. Deixaram que sua visão do capitalismo se
reduzisse, de esquecimento em esquecimento, à pura mecânica do
sistema, à lógica seca e dura do lucro imediatista. Como esta é
desprovida de uma justi�cativa própria, não lhes resta alternativa
senão assumir o cinismo do “tudo é business” ou macaquear
suicidariamente o discurso socialista, �ngindo não perceber que é
dirigido contra eles próprios. Assim fazendo ao longo dos últimos
anos, deram ao adversário o monopólio da moralidade, do direito, da
cultura e, sobretudo, da ação histórica. Deram força de realidade à
profecia auto-realizável do socialismo, consentindo em encarnar ante a
platéia o papel estereotípico de uma classe de sanguessugas, de
delinqüentes virtuais, de hipócritas aproveitadores e desprezíveis.
Tornaram-se fáceis de odiar, fáceis de inculpar, fáceis de punir, fáceis
de destruir. O que quer que se diga contra eles na mídia tem hoje
credibilidade imediata. O que quer que se alegue contra eles nos
tribunais parece justo. São mais odiados que narcotra�cantes,
assassinos e estupradores. Têm cada vez mais dinheiro e cada vez
menos meios de defesa. Sua riqueza já não é uma fonte de poder: é um
calcanhar-de-Aquiles. Estão marcados para morrer.
Se aos olhos do leitor gaúcho o panorama aí descrito parece
exagerado, é porque neste Estado as coisas ainda não chegaram a esse
ponto. Aqui e só aqui restam alguns empresários conscientes do
capitalismo como valor ético e cultural que não pode transigir com a
mentira socialista. O futuro do Brasil depende de que a voz desses
empresários seja ouvida nos outros Estados e se sobreponha à
tagarelice histérica do beautiful people socialista.
Zero Hora, 27 de junho de 2004
T  
Duas dúzias de iraquianos sem roupas, embolados no chão em pose
grotesca, um deles se borrando de medo de um cão amarrado, todos
por �m devolvidos às suas famílias sem um único dano corporal — eis
aí cenas tão revoltantes quanto mãos e braços cortados, soldados e
civis decapitados diante das câmeras, terroristas exibindo festivamente
pedaços de carne de vítimas israelenses, dezenas de milhares de
cadáveres de presos políticos exumados de cemitérios clandestinos,
hordas de crianças emergindo, pálidas e trêmulas, das sombrias
prisões de Saddam Hussein.
Tal é o critério de julgamento moral que o lobby anti-Bush — o mais
rico e poderoso da história humana — vem impondo à opinião
pública mundial.
Os vídeos recentes de Abu Ghraib são repetidos ad nauseam,
sublinhados por clamores de indignação destinados a dar ares de
atrocidade nazista a grosserias �sicamente inofensivas, exempli�cando
à risca a de�nição de  formulada por Guy Debord: “A imagem —
mais o comentário que a desmente”. Se, em vez disso, você quer saber o
que é tortura de verdade, tal como se praticava em massa na mesma
prisão no tempo de Saddam Hussein e ainda se pratica na Coréia do
Norte, tem de ciscar na internet. As imagens estão lá — e não precisam
de nenhum comentário. Um iraquiano com calcinha na cabeça,
obrigado a sentar-se em posição incômoda durante um interrogatório,
precisa da ajuda de muitos comentaristas para �car parecendo uma
vítima do dr. Mengele. Mas homens ganindo de dor, retorcendo-se em
convulsões após ter dedos ou braços amputados a machadadas, não
necessitam de nenhum reforço oratório. Suas imagens falam por si.
Por isso mesmo a mídia as sonega ao público. Porque são de uma
monstruosidade tal que, depois de vê-las, qualquer um entende que o
simples uso de uma mesma palavra — “tortura” — para designar essas
duas séries de fenômenos tão heterogêneos já é um crime: o crime de
atenuar propositadamente diferenças imensuráveis, para dar aos
terroristas o benefício da equivalência moral com as tropas
americanas.
Se isso não é colaborar com o terrorismo, então não há nada de pró-
nazista em dizer que Churchill foi tão ruim quanto Hitler. Se não é
crime, também não o é equiparar os carrascos de Auschwitz aos
soldados do exército americano de libertação. Pois estes também não
trataram os alemães com os primores de delicadeza que hoje seriam
necessários para escapar da acusação de “tortura”. Ao contrário:
gritaram com eles, jogaram-nos pelados em celas frias, aterrorizaram-
nos com ameaças brutais, humilharam-nos com insultos. Só não os
mandavam para câmaras de gás, não os espancavam até à morte, não
os usavam como ratos de laboratório. Nem lhes amputavam dedos,
mãos e braços. Nem os decapitavam, �lmando tudo para ensinar às
criancinhas como se faz. Mas essas diferenças, segundo a moral dos
bem-pensantes, são desprezíveis. “Tortura é tortura”, ponti�cam eles
no tom de quem enuncia um princípio lógico elementar. Sim, uma vez
imposto o uso do mesmo termo para designar coisas radicalmente
diferentes, a identidade do nome vale como prova da identidade da
coisa. Depois disso, torna-se fácil estender a acusação de tortura a
virtualmente qualquer representante do governo americano, por
exemplo um deputado como aqueles dois que imaginaram
ingenuamente poder transitar em segurança pelo território brasileiro.
Os trombadões comunistas da  que ameaçaram decapitá-los não
�zeram senão tirar uma conseqüência lógica daquilo que lêem nos
jornais e ouvem de seus professores todos os dias: se “tortura é
tortura”, nada mais razoável do que eliminar o crime hediondo
suprimindo os agentes do governo que o pratica. Por isso, até os
comentaristas que condenam a malta de agitadores enragés não ousam
chamá-la pelo que é: comunista. Chamam- -na de fascista, porque
“fascista”, na nova semântica nacional, é sinônimo de americano — e
assim é possível falar contra a violência sem manchar a ideologia que a
inspira, com a vantagem adicional de deixar no ar a impressão de que
o único pecado dos atacantes foi o de serem quase, quase tão maus
quanto suas vítimas.
O Globo, 3 de julho de 2004
M   
Menti, sim, menti para os leitores. Escrevi que não podia julgar a obra
cientí�ca do sr. Richard Dawkins, e no entanto é claro que podia.
Podia e posso. Menti apenas para não estragar uma surpresa: estou
reservando para esse indivíduo um capítulo inteiro do meu estudo
sobre a “paralaxe cognitiva”, fenômeno que nele alcança proporções
inauditas.
A paralaxe, se vocês recordam,11 é o deslocamento, na obra de um
pensador, entre o eixo da especulação teórica e o da experiência
concreta que ele tem da realidade. É o resultado de um esforço de
abstração mal dirigido, que acaba por tomar como separados
efetivamente os elementos que tinham sido apenas afastados em
imaginação, por facilidade de método.
Nicolau Maquiavel, por exemplo, cria uma fórmula de governo sem
notar que, se aplicada, ela teria como primeira conseqüência previsível
o assassinato de Nicolau Maquiavel como colaborador principal do
“Príncipe” e, portanto, segundo ele mesmo, virtual suspeito número
um de traição. Descartes diz que vai narrar um experimento
psicológico real no instante mesmo em que coloca como sujeito desse
experimento um “eu” abstrato, isolado das condições de tempo e
espaço que lhe dariam alguma consistência narrativa. Meu livrinho
está cheio desses homens de duas cabeças, mas nenhum deles se
compara ao sr. Dawkins, cuja dualidade mental chega a ser quase
física. Em todos os demais casos, o hiato que aparece é entre um foco
intelectual determinado e o campo mais geral da experiência humana
do indivíduo pensante. No sr. Dawkins, em vez disso, o abismo abre-se
entre a teoria que ele está tentando provar e a circunstância concreta,
imediata, da experiência mesma concebida para prová-la.
É o seguinte. Em favor da sua tese da inexistência de causas �nais na
origem dos seres vivos, ele argumenta que unidades de informação
randomicamente combinadas podem gerar seqüências signi�cativas
(mais oumenos como os átomos de Epicuro, movendo-se a esmo no
espaço, formavam uma vaca por pura sorte). Para demonstrar essa
possibilidade, ele concebeu um experimento informático que não sei
se é tocante na sua candura ou revoltante na dose de candura que
espera do público. Ele toma uma frase de Hamlet, “Methinks it is like a
weasel” (“Acho que é como uma doninha”), e, num programa de
computador criado para esse �m, vai produzindo milhares de
combinações de letras até que, de repente, aparece de novo na tela:
“Methinks it is like a weasel”. Nesse instante o sr. Dawkins exclama
algo como: “A-ha! Quod erat demonstrandum!” e se curva com
exemplar modéstia ante os aplausos da platéia.
Werner Gitt, diretor do Instituto Federal Alemão de Ciências da
Informação, fez a respeito uma observação singela e acachapante: as
letras e espaços da frase não são unidades de informação anárquicas.
São, precisamente, os sinais necessários para escrever “Methinks it is
like a weasel” — seqüência que não se formou por si mesma mas foi
escolhida pelo sr. Dawkins. A informação, portanto, não foi “gerada”
pelas transformações, mas colocada lá antecipadamente para gerá-las.
Em segundo lugar, noto eu que as letras na combinação não signi�cam
nada “em si mesmas”, mas só dentro do sistema, previamente dado, da
língua inglesa — uma chave que também não foi gerada pelas
transformações e sim admitida previamente como código da sua
interpretação.
Pensadores que, na hora de examinar um assunto especí�co, faziam
abstração de outras coisas que sabiam de si mesmos, e que assim
acabavam por chegar inadvertidamente a conclusões que desmentiam
a sua própria existência, já eram tipos esquisitos o bastante para
justi�car a imagem popular dos �lósofos como sujeitos que vivem no
mundo da Lua. Mas um cientista que, no ato mesmo de demonstrar
sua tese, inventa um experimento que a torna impossível, este é sem
dúvida o Prêmio Nobel da paralaxe cognitiva, é a antiinformação
encarnada, é a entropia em forma humana. Deve ser por isso que o sr.
Dawkins tem tantos admiradores. Eles se multiplicam entropicamente.
O Globo, 10 de julho de 2004
D 
Outro dia assisti a uma conversa entre o sr. Alberto Dines e um grupo
de jovens jornalistas paranaenses. Como falassem da autocensura, que
o diretor do “Observatório da Imprensa” dizia considerar a mais
tenebrosa doença do jornalismo, notei que nem ele nem seus
interlocutores mencionavam aquele que é, numa escala estritamente
objetiva, o mais duradouro e mais vasto fenômeno de ocultação de
informações essenciais já registrado na história da mídia ocidental.
Re�ro-me, é claro, ao Foro de São Paulo. Uma entidade existente há
quatorze anos, fundada por dois pop stars do esquerdismo mundial —
Lula e Fidel Castro — e integrada por mais de oitenta partidos e
movimentos, já é, só por essas características, a mais importante
organização política do continente. Quando, porém, a leitura de suas
resoluções nos revela que têm poder decisório, que coordenam numa
estratégia uni�cada as ações de todas as entidades �liadas e que entre
estas últimas se contam partidos legais como o  ou o , quadrilhas
de narcotra�cantes como as  ou de seqüestradores como o 
chileno e até entidades juridicamente inde�níveis como o , então
se torna claro que estamos diante de um poder descomunal, cuja
atuação de conjunto, permanecendo totalmente desconhecida do
público e de seus eventuais adversários, só pode se defrontar com
resistências avulsas, esfareladas, cegas e, é claro, miseravelmente
impotentes para fazer face a um desa�o dessas dimensões. O tamanho
do monstro e o privilégio da invisibilidade que a mídia lhe garante
fazem de toda a política continental e especialmente nacional um jogo
de cartas marcadas, com resultado previsto e inescapável.
Em outros países da , a informação circula e vai-se formando, aos
poucos, alguma consciência da situação. No Brasil, fora desta coluna e
de alguns sites da internet, só o jornalista Boris Casoy tocou no
assunto, fazendo ao então candidato presidencial Luís Inácio Lula da
Silva uma pergunta sobre as ligações –, a qual foi respondida
com uma solicitação gentil de que calasse a boca. A mídia nacional
inteira atendeu e continua atendendo. Quando até mesmo
pro�ssionais soi disant preocupados com a liberdade de imprensa
conservam ritualmente um silêncio obsequioso, preferindo brincar de
Poliana com as virtudes róseas da democracia brasileira ou desviar as
atenções dos leitores para abusos miúdos e laterais, então é que já se
passou da mera “autocensura”, inibição forçada pelo medo, à
cumplicidade ativa, ao colaboracionismo voluntário, à desinformação
consciente.
Se, entre os jornalistas, nenhum se queixa de não poder falar do Foro
de São Paulo, é porque, de fato, nenhum deseja fazê-lo. A completa
ocultação do estado de coisas ao conhecimento da opinião pública não
é, para eles, uma situação constrangedora, mas o exercício normal do
que entendem por liberdade de imprensa: a liberdade de usar a
imprensa, sem obstáculos nem contestações, como instrumento de
desinformação a serviço da estratégia esquerdista de dominação
continental. Dominação que, é claro, sendo exercida em parceria por
eles próprios, não lhes pesa em nada e não lhes parece nem um pouco
antidemocrática.
Ao longo de quatro décadas, foram preparados para isso,
dessensibilizados moralmente, padronizados intelectualmente e
adestrados na técnica do auto-engano em faculdades de jornalismo
que não admitiam outra ciência senão a dos Bourdieus, dos Foucaults,
dos Gramscis e da Escola de Frankfurt.
Renegar o pacto de cumplicidade geral, devolver à imprensa a sua
missão de informar o público, está acima de suas possibilidades.
Nenhum ser humano deseja a verdade, quando ela se volta contra toda
a cultura que o criou e que é, para ele, a matriz mesma da sua
hominidade. O instinto de autodefesa tribal exige a abdicação
completa da consciência moral pessoal, oferecendo em troca um
reconfortante sentimento de “participação”.
Zero Hora, 11 de julho de 2004
D, . M
Quando o analista estratégico americano Constantine C. Menges, em
2002, escreveu no Weekly Standard que a eleição de Lula resultaria na
criação de um eixo Brasil-Venezuela--Cuba, os jornalistas brasileiros
sabiam que era verdade. Se o desmentiram da maneira mais
insultuosa, foi porque temiam que a notícia causasse alarma em
Washington e abortasse a realização da profecia, na qual depositavam
suas mais belas esperanças. Eleger Lula abria para eles uma perspectiva
tão atraente, que muitos, na ansiedade da espera, perderam a cabeça,
alardeando no candidato virtudes que raiavam o sublime. Um deles
chegou a escrever que Lula era o salvador da pátria anunciado na
profecia de São João Bosco.
Uma classe jornalística intoxicada ideologicamente pode constituir,
para a difusão da verdade, um obstáculo ainda mais temível que a
censura o�cial.
Nada, na história universal da empulhação, se compara ao trabalho
de conjunto feito pela mídia brasileira para ocultar do eleitorado as
conexões que ligavam Lula não só a Hugo Chávez e a Fidel Castro, mas
a todos os movimentos revolucionários do continente — incluindo
organizações criminosas como as  e o  chileno —, obedientes
às diretrizes do Foro de São Paulo, fundado e dirigido por ele.
Às vésperas da eleição, o esforço geral de embelezar a imagem do
messias recebeu um poderoso reforço da embaixadora Donna Hrinak,
que declarou ser o candidato “a encarnação do sonho americano”. E fez
isso sem que um único patriota de plantão se sentisse ferido nos seus
brios por essa obscena ingerência estrangeira nas nossas eleições.
Claro: algumas ingerências, como alguns bichos, são mais iguais que as
outras.
Estava tudo indo bem, quando Menges, o estraga-prazeres, disse a
obviedade proibida. A reação dos nossos jornalistas foi instantânea.
Embora jamais tivessem ouvido falar do articulista, carimbaram-no
como agente golpista da , incumbido de bloquear as eleições
brasileiras. Sem perceber quese desmentiam, atacaram também na
direção oposta. Explorando a casualidade de que o artigo desse
colaborador do New York Times, do Washington Post e de
Commentary fora reproduzido também no Washington Times,
aproveitaram para fabricar uma ligação entre o intelectual highbrow e
os negócios mal explicados do reverendo Moon, proprietário desse
jornal, insinuando que tudo não passara de uma tramóia do guru
coreano para escapar do inquérito que corria contra ele no Brasil.
Esquecida fazia anos numa gaveta da Polícia Federal, a denúncia
voltou aos jornais, como se fosse de uma atualidade impressionante,
até abafar por completo o assunto “Foro de São Paulo”.
Qual a con�abilidade pro�ssional de jornalistas capazes de uma
tapeação dessas proporções? Eu, da minha parte, cumpri o que seria a
obrigação de todos: escrevi ao dr. Menges pedindo mais informações.
Descobri que o homem sabia mil vezes mais do que havia escrito. Ele
falava com base, era um estudioso sério achincalhado por uma troupe
de palhaços e charlatães.
Hoje, o eixo que ele anunciou e todos negaram é um fato consumado.
O suado dinheiro do trabalhador brasileiro, extorquido em impostos,
jorra em Havana e em Caracas para amparar uma ditadura em
declínio e dar força a uma ditadura em ascensão. E até agora os
eleitores não sabem que foram ludibriados precisamente para esse �m.
Mas não é só por isso que é tarde para voltar atrás: é tarde, também,
porque Constantine C. Menges morreu na manhã do dia 11, de câncer
na bexiga.
Filho de refugiados do nazismo, ele dedicou sua vida e sua
formidável inteligência à defesa da liberdade, seja na luta pelos direitos
civis dos negros ou contra a opressão comunista. Professor de várias
universidades, escreveu livros importantes. E todo o noticiário de
América Latina publicado neste país na última década não vale um
único dos boletins de análises que ele distribuía mensalmente a um
círculo de amigos e admiradores, entre os quais tive a honra de me
incluir, embora como último da �la.
Adeus, dr. Menges. E, ainda que tarde, aceite minhas desculpas pela
mesquinharia de meus compatriotas. Eles não sabem o que fazem.
O Globo, 17 de julho de 2004
A   N
Quando pessoas supostamente ofendidas pelas palavras de um
articulista se reúnem para mover um processo contra ele, pode ser que
tenham intenção legítima. Quando, porém, se reúnem para planejar a
instauração simultânea de milhares de processos separados, então o
intuito, claramente, é o de arruinar a vida do réu, paralisar pelo terror
quem pense como ele e, sobretudo, pressionar a opinião pública. No
caso do bombardeio de ações judiciais arquitetado pelo movimento
gay contra Dom Eugênio de Araújo Sales, a Defensoria Homossexual
de São Paulo não esconde seu propósito de utilizar a justiça como
instrumento de coação. “Na Argentina esse procedimento funcionou
muito”, a�rma um dos promotores da iniciativa: “Os grupos escolhiam
cerca de cinco inimigos (julgados ‘homofóbicos’) e abriam processos
dizendo-se pessoalmente ofendidos. Isso fez o Legislativo enxergar a
comunidade como um grupo muito bem articulado para prejudicar a
imagem dos políticos e do país”. Não se trata, pois, de uma legítima
reparação de danos, e sim de um ato publicitário destinado a
chantagear um terceiro.
Mas isso não é tudo.
O que Dom Eugênio escreve é o que está na Bíblia, é o que a Igreja
vem repetindo há dois mil anos e o judaísmo há cinco mil. São idéias
que educaram a espécie humana e criaram civilizações inteiras. Ele
não inventou nada disso e não aderiu a isso por diversão nem cobiça.
Aderiu porque acreditava que as lições da Bíblia eram para o bem da
humanidade, que justi�cavam uma vida de esforços ascéticos e o
supremo sacrifício do celibato.
Já seus detratores falam em nome do quê? Do homossexualismo. Que
é homossexualismo? É uma “opção”, como eles mesmos dizem, um
modo entre outros de obter grati�cação sexual. Afeição entre
indivíduos do mesmo sexo não con�gura homossexualismo. Este só
entra em cena quando ao menos um dos envolvidos vê o corpo do
outro como objeto de desejo e sonha em entregar-se com ele a práticas
homoeróticas. Mesmo supondo-se que essas práticas sejam
perfeitamente decentes, ninguém pode alegar que se dedica a elas por
abnegação, por idealismo ou por qualquer outra razão meritória.
Ninguém faz essas coisas para dar de comer aos pobres, amparar os
a�itos, socorrer os doentes ou dar aos moribundos a esperança da
ressurreição — ninguém as faz por aquelas razões que levam um ser
humano a tornar-se padre, rabino, pastor. Faz porque acha gostoso, e
ponto �nal. E toda escolha de gosto implica, como corolário
incontornável, a liberdade de não gostar. A liberdade de achar ruim,
feio e repugnante aquilo que os homossexuais acham bom e lindo e
delicioso. Por de�nição, o que é objeto de desejo para um pode ser
motivo de repulsa para outro. Querem ver?
“Um nojo. Uma aberração. Me dá vômito. Por que não vão fazer isso
em outro lugar? Não vim aqui para ver uma coisa dessas”. Se você
dissesse isso de dois barbudos vistos aos beijos e afagos num shopping
center, diante de velhinhas e crianças, não escaparia de ser denunciado
como criminoso. No caso citado, não há perigo de que isso aconteça:
colhi essas palavras num site de homossexuais, proferidas contra as
travestis e transexuais que pretendiam — audácia! — ser admitidas no
recinto sacrossanto das saunas gays, ofendendo a delicada
sensibilidade visual dos homossexuais ortodoxos. Comentando a
disputa, o sr. Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia, a�rma que ambos os
lados são “igualmente respeitáveis”. A expressão de repulsa, como se
vê, é uma atitude decente quando brota da preferência sexual. Se vem
de convicções morais ou do amor a Deus, é um crime.
Por absurda que seja essa situação, ela não é uma novidade na
História. No tempo de Nero e Calígula, as práticas homossexuais dos
imperadores estavam sob a proteção da lei, enquanto o cristianismo e
o judaísmo mal eram tolerados.
Esse padrão de julgamento ainda não é instituição no Brasil, mas o
critério moral que o inspira já é dominante na nossa cultura. Quando
uma nova moral se dissemina entre as classes letradas, tornar-se lei é
apenas questão de tempo. Ainda viveremos sob a justiça de Nero.
O Globo, 24 de julho de 2004
P 
A comissão parlamentar que investiga o 11 de setembro chegou à
conclusão de que “guerra contra o terrorismo” é um conceito vago
demais para poder orientar uma política exterior conseqüente. É a
coisa mais óbvia do mundo: “terrorismo” não é o nome de um
inimigo, mas de um instrumento. E decerto não é o único
instrumento. Seus usuários lançam mão também de espionagem,
in�ltração, diplomacia, guerra cultural, propaganda. Sobretudo
propaganda. Nenhum ataque terrorista teria a menor e�cácia se não
estivesse articulado com uma campanha midiática destinada a tirar
dele um proveito político preciso. O exemplo mais �agrante é o
próprio 11 de setembro: poucas semanas após os atentados, a opinião
pública, refeita do choque inicial, já era induzida pela mídia a jogar a
culpa na vítima, para bloquear toda reação desta última e submetê-la a
organismos internacionais profundamente comprometidos, se não
com o “terrorismo” enquanto tal, ao menos com a causa antiamericana
e antiisraelense que ele defende. E esse esforço seria vão se não
contasse com forte apoio interno nos  e em Israel. A propaganda
antiamericana dentro dos  é tão intensa quanto no exterior, e no
próprio parlamento israelense (para não falar da comunidade judaica
internacional) não faltam vozes que prefeririam antes abdicar do
sonho de eodor Herzl do que permitir que Israel levantasse sua
cabeça acima da prepotência dos organismos internacionais. Entre as
armas coadjuvantes do terrorismo, a traição é a mais e�caz.
A guerra, a�nal, é contra quem? Para identi�car o inimigo, seria
preciso apreender a unidade estratégica por trás de toda essa
desnorteante variedade de ações e táticas. O método para isso é duplo:
de um lado, seguir as pistas, já por si abstrusas e muito bemcamu�adas, que ligam às organizações terroristas os seus
colaboradores diretos e indiretos na política, na mídia, na cultura, na
diplomacia, nas �nanças. De outro lado, é preciso rearticular os
conceitos básicos da análise estratégica, hoje demasiado presos à
tradição inaugurada por Hans Morgenthau, que via nos “Estados” os
agentes essenciais da política internacional. Nunca, como hoje, o mapa
das forças políticas coincidiu tão pouco com as fronteiras dos Estados.
Sem recorrer a conceitos totalmente alheios a essa tradição — como
por exemplo os de “movimento revolucionário mundial”, “centrais
globalistas”, “redes”, etc. —, será certamente impossível captar a
unidade substantiva do “inimigo” que hoje busca não só a destruição
dos  e de Israel, mas a instauração de um novo padrão civilizatório
fundado no secularismo extremado, na abolição de todos os valores da
civilização ocidental, numa economia fortemente centralizada (em
escala mundial) e no controle burocrático da cultura e da vida privada.
Mesmo supondo-se que o governo americano tenha o conhecimento
exato de toda a articulação, poderá ele dizer em público o nome do
inimigo e declarar o�cialmente guerra contra ele? É claro que não. Pois
o inimigo está profundamente in�ltrado nesse mesmo governo,
controla a facção dominante do Partido Democrático e uma parte do
Republicano, além de estar fortemente encastelado nas elites
�nanceiras (v. George Soros e similares), na grande mídia e nos
organismos internacionais. Como inculpar, de uma vez, toda essa
gente? Como fazer guerra a um inimigo onipresente, sem rosto por
trás da multidão de caras que representam, cada uma, um aspecto
diverso e aparentemente inconexo do todo? Na própria comissão
parlamentar, a presença da assessora de Clinton, Jamie Gorelick,
suspeita como o próprio ex-presidente de ligações remotas com a
espionagem chinesa e provável culpada maior do fracasso dos serviços
de inteligência em prever os atentados, é indício de que talvez o
inimigo já esteja tão próximo do presidente Bush que pode se dar o
luxo de passar-lhe pitos, como um ladrão que ralhasse com a vítima
por sua inabilidade em defender-se dele.
Zero Hora, 25 de julho de 2004
N  
Em entrevista à IstoÉ, o delegado Mauro Marcelo de Lima e Silva,
novo chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), a�rma que
sob o seu comando os agentes não serão jamais in�ltrados em
“movimentos sociais”, mas poderão sê-lo “em empresas”. Entenderam?
Uma entidade como o , mesmo envolvida em delitos notórios e
ligada às  através do Foro de São Paulo, estará a priori imunizada
contra os arapongas o�ciais, que em vez disso voltarão seus olhares
indiscretos para entidades dedicadas à atividade capitalista, esta sim
verdadeiramente suspeita. Mas só um louco como eu pensaria em ver
nisso alguma coisa de comunista, não é mesmo?
***
Enquanto o Estado se empenha em desarmar os cidadãos honestos,
um depósito inteiro de armas ilegais das  é localizado no
Amazonas, e o partido o�cial nem em sonhos pensa em renegar as
boas relações que, no Foro de São Paulo, mantém com a
narcoguerrilha colombiana.
***
Como doravante só policiais, militares e demais funcionários
autorizados podem portar armas, a pergunta que se segue
automaticamente é: devem usá-las somente em serviço ou podem
também recorrer a elas para sua defesa pessoal?
Na primeira alternativa, o policial armado que seja ele próprio vítima
de assalto fora do expediente está proibido de reagir: deve render-se
imediatamente e entregar ao assaltante uma arma de propriedade do
Estado.
Na segunda, a defesa própria torna-se um privilégio de classe, ferindo
o princípio da igualdade de direitos e as regras mais elementares da
moralidade.
Nas duas hipóteses o desarmamento civil é absurdo, insultuoso e
inconstitucional. Não há terceira hipótese. Nem por isso ele deixará de
ser aplicado à risca, como se fosse a coisa mais normal do mundo.
***
Recebi notícia de que o sr. Frei Betto anda em busca do meu endereço
residencial — não sei para quê. Mandei responder que me enviasse um
e-mail e seria atendido imediatamente. Como ele não escreveu, tentei
localizá-lo através da internet, mas a Assessoria Especial que ele ocupa
não tem sequer um site, e no da própria Presidência da República é
impossível entrar: a Microso responde que a página não tem registro
de autorização. Se clicamos no Google o nome “Frei Betto”, aparecem
centenas de sites, nenhum dos quais é dele, mas todos de terceiros que
não sabemos se são seus representantes ou simples admiradores.
Como é que vou dar meu endereço a uma criatura tão evanescente?
Para cúmulo, um dos links existentes, frei-betto.vipx61.biz, vai dar
numa página de... pornogra�a! É a situação mais dadaísta que já vi:
um alto funcionário invisível, com seu nome impunemente usado por
espertalhões para �ns imorais. É o símbolo em miniatura da anarquia
imperante.
***
Numa de suas apostilas, o célebre pedagogo judeu-romeno Reuven
Feuerstein assinala as de�ciências básicas de inteligência humana
responsáveis pelo fracasso nos estudos. Algumas delas são a falta de
precisão ao captar os dados, a inabilidade de distinguir entre o
essencial e o acessório, a apreensão episódica ou fortuita da realidade,
a incompetência para conceber hipóteses, a incapacidade de lidar
simultaneamente com várias fontes de informação, e, como resultado,
os julgamentos impulsivos, deslocados da situação. Corrigindo esses
defeitos, o dr. Feuerstein vem obtendo resultados formidáveis até
mesmo com crianças antes consideradas de�cientes mentais
incuráveis.
O que ele não sabe é que, no Brasil letrado, nenhuma dessas falhas de
apreensão e processamento da realidade é considerada uma
de�ciência. Todas são modos normais e até obrigatórios de atividade
intelectual entre as classes falantes. Pode-se observá-las diariamente
em artigos de jornal, entrevistas de celebridades, discursos no
parlamento, leis e decretos, sentenças judiciais e teses universitárias,
sem falar de algumas cartas de leitores.
Incapaz de, no breve espaço desta coluna, concorrer com o dr.
Feuerstein e infundir capacidades nos meus interlocutores, colocarei
no meu site, www.olavodecarvalho.org, segunda-feira que vem,
algumas novas observações sobre o caso dos gays contra D. Eugênio
Sales.
O Globo, 31 de julho de 2004
B 
Numa de suas apostilas, o pedagogo judeu-romeno Reuven Feuerstein,
que vem obtendo resultados formidáveis na recuperação de crianças
com problemas de aprendizado, assinala as de�ciências básicas de
inteligência humana responsáveis pelo fracasso nos estudos. A maioria
delas — por exemplo a falta de precisão ao captar os dados, a
inabilidade de distinguir entre o essencial e o acessório, a apreensão
episódica ou fortuita da realidade, e, como resultado, os julgamentos
impulsivos, carregados de emoções deslocadas da situação — pode ser
observada correntemente, não em crianças problemáticas, mas em
membros normais e ilustres das classes falantes deste país: líderes,
intelectuais, jornalistas, formadores de opinião.
Algumas respostas indignadas ao meu artigo “A justiça de Nero”
ilustram isso de maneira alarmante, mas nenhuma como a do sr.
Nelson Feitosa, publicada, por incrível que pareça, neste mesmo
jornal.
O assunto mesmo do meu artigo parece ter escapado ao seu crítico.
Da denúncia de um procedimento judicial prepotente e fascista usado
contra D. Eugênio de Araújo Sales, ele se desvia para o tema da sua
preferência, isto é, as virtudes excelsas do homossexualismo e a
maldade imperdoável dos que o rejeitam. A ênfase emocional que ele
põe nisso é tanto mais deslocada porque a ilegitimidade da tática
judicial que condenei independe por completo das motivações
políticas (quanto mais das sexuais!) que levaram um grupo a adotá-la.
O assédio judicial seria mais decente se empreendido por mil
religiosos contra um gay? É claro que não. Incapaz de defender essa
tática vil e covarde usada pelo seu grupo para destruir um adversário,
ele se faz de desentendido e encena mágoascontra críticas que jamais
lhe �z — a ele ou a qualquer outro homossexual.
Para isso, tem de transformar em insulto a simples de�nição do
homossexualismo que se encontra em todos os dicionários. Ante a
minha observação de que o amor de homem a homem ou de mulher a
mulher não con�gura o homossexualismo, o qual só entra em cena
quando aparece o desejo sexual, ele protesta contra a “redução” e
brada, encolerizado, que “o fato de amar pessoas do mesmo sexo [é
que] de�ne o homossexual, e não a contingência de transar com elas”.
O protesto indica apenas incapacidade de lidar com relações entre
conjuntos — um caso para o dr. Feuerstein. O conjunto “amor entre
pessoas do mesmo sexo” abrange uma in�nidade de ligações não-
homossexuais, como por exemplo entre amigo e amigo, pai e �lho,
professor e aluno. Já o conjunto “relações homossexuais” abrange tanto
as ligações verdadeiramente amorosas — como espero que o sr. Feitosa
desfrute com o seu namorado — quanto relações episódicas sem amor
nenhum, como as bolinações a esmo numa sauna, a prostituição etc.
Os dois conjuntos têm uma área de interseção mas obviamente não
são idênticos. Qualquer criança de oito anos está habilitada a deduzir
daí que o simples amor a pessoas do mesmo sexo não de�ne o
homossexualismo. Qualquer criança, mas não adultos intoxicados de
ódio militante camu�ado numa afetação de lindos sentimentos.
Meu artigo assinalava, de passagem, a desproporção de valor entre o
sacrifício religioso e o desejo sexual (homo ou hétero), e mencionava
ainda o fato histórico inegável de que nem sempre os gays foram
inocentes perseguidos como gostam de se alardear, e sim às vezes
perseguidores cruéis, como o foram no tempo de Nero e Calígula e
como parecem querer tornar-se novamente agora. E aludia à
duplicidade da moral gay que não admite críticas à sua conduta mas
acha “respeitável” (sic) discriminar travestis numa sauna.
Nada disso comporta uma crítica, por mínima que seja, ao
homossexualismo em si, crítica que nunca �z, quando menos porque
acho indecente usar de um debate público para censurar condutas
íntimas. Se algo no que eu disse ofendeu o sr. Feitosa, é simplesmente
porque eram verdades óbvias, que ele nem tem inteligência para
apreender nem honestidade para admitir.
O Globo, 31 de julho de 2004
C  
O economista Armando M. Lago, presidente da Câmara Ibero--
Americana de Comércio e consultor do Stanford Research Institute,
que há anos vem fazendo um recenseamento das vítimas da ditadura
castrista, acaba de anunciar a conclusão de suas investigações. Os
números, que abrangem o período de 1959 até hoje, serão publicados
em breve sob o título “Livro Negro da Revolução Cubana”. São os
seguintes:
Fuzilados: 5.621. Assassinados extrajudicialmente: 1.163. Presos
políticos mortos no cárcere por maus-tratos, falta de assistência
médica ou causas naturais: 1.081. Guerrilheiros anticastristas mortos
em combate: 1.258. Soldados cubanos mortos em missões no exterior:
14.160. Mortos ou desaparecidos em tentativas de fuga do país: 77.824.
Civis mortos em ataques químicos em Mavinga, Angola: 5.000.
Guerrilheiros da Unita mortos em combate contra tropas cubanas:
9.380. Total: 115.127 (não inclui mortes causadas por atividades
subversivas no exterior).
A ditadura militar brasileira, segundo fontes esquerdistas, matou
trezentas pessoas. Fulgêncio Batista, três mil. Pinochet, três mil. Some
tudo, multiplique por vinte e obterá a medida aproximada dos
elevados ideais humanitários do regime cubano. À luz desses números,
torna-se evidente a boa-fé, a honradez daqueles heróis da liberdade
que, indignados com o golpe de 1964, foram buscar em Fidel Castro a
ajuda e a inspiração para restaurar a democracia e os direitos humanos
no Brasil. Nada mais justo do que alimentar essas pessoas com fartura
de dinheiro público até o �m de seus dias. Digo isso principalmente
porque algumas delas, pro�ssionalizadas na ocasião como o�ciais do
serviço secreto militar cubano, podem ter di�culdades para receber
seu soldo por via bancária sem atrair a atenção da Receita Federal.
Quanto aos dados reproduzidos acima, não adianta procurá-los na
mídia brasileira, que, paralisada por um excesso de escrupulosidade
pro�ssional, há anos hesita entre ocultar por completo as atrocidades
cubanas ou divulgar de vez em quando algumas das menores para não
tocar nas maiores. Encontrei-os no site www.netforcuba.org, um dos
mais ricos em informações indesejáveis sobre o regime cubano. Não
sei como existe gente capaz de publicar essas indecências.
Outro site, malvado o bastante para divulgar até mesmo apelos
lancinantes de presos políticos cubanos torturados, como se a delicada
sensibilidade do público brasileiro não fosse avessa a essas coisas, é
http://notalatina.blogspot.com. Eu, da minha parte, jamais o leio. Só
acredito no Michael Moore.
***
Há pelo menos quinze anos venho dizendo: “Querem saber o que é
entreguismo? Esperem o  chegar ao poder”. Mais rápido do que eu
imaginava, o governo petista já fala em entregar a Amazônia ao
controle de ’s internacionais, tentáculos do imperialismo global da
. Quanto tempo ainda o encéfalo pátrio levará para completar o
silogismo, percebendo que o belo discurso da esquerda nacional
contra o “imperialismo de George W. Bush” nunca foi senão um
truque diversionista usado para encobrir a penetração de um poder
imperialista mais temível que dez mil Bushs? O �lósofo Raymond
Abellio, que nos conhecia bem, dizia que nesta parte do mundo a
marcha da inteligência não segue o ritmo da História, mas o tempo
geológico.
***
Meu artigo “A justiça de Nero” denunciava a artimanha judicial
prepotente e fascista usada pelo movimento gay para calar um inimigo
e chantagear as autoridades mediante ameaça velada de difamações em
massa. Nada podendo responder a isso, articulistas e missivistas
a�nados com o movimento preferiram desviar a conversa para as
belezas do amor homossexual — das quais ou contra as quais eu não
havia dito nem pensado absolutamente nada — e as invectivas de
praxe contra os horrores da moral judaico-cristã, nazista como ela só.
Desconversar, admito, é um dos direitos humanos fundamentais. Mas
�ca a pergunta: a tática do assédio jurídico coletivo mobilizada contra
D. Eugênio Sales se tornaria mais digna se usada por mil religiosos
contra um gay?
O Globo, 7 de agosto de 2004
L P
Alguns leitores pedem-me umas dicas sobre como estudar a República
de Platão. Creio que a resposta pode ser útil também para todos os
demais.
O conselho que tenho a dar é simples e direto: não leiam esse livro
como se fosse uma “utopia”, a proposta de uma sociedade ideal a ser
construída num futuro próximo ou distante, determinado ou
indeterminado. Ao contrário do que acontece com as utopias
modernas, a “República”, de�nitivamente, não é uma proposta política
nem um mito destinado a atiçar as ambições de partidos
revolucionários. É uma investigação �losó�ca em sentido estrito, e
uma das mais sérias que alguém já empreendeu. Para tirar proveito do
seu estudo é preciso situá-la no lugar exato que ocupa no edifício da
ciência platônica. Essa ciência compõe-se de uma diferenciação muito
�na entre os diversos níveis, planos ou camadas da realidade. Quando
você divide um quadrado na diagonal e obtém dois triângulos
isósceles, este resultado não pode ser explicado pelo exame dos
processos cerebrais mediante os quais você o obteve. As propriedades
das �guras geométricas e a �siologia cerebral permanecem
irredutivelmente independentes entre si, embora de algum modo
misterioso as duas se toquem no instante em que você estuda
geometria. Elas residem em “planos de realidade” distintos. No
conjunto da existência, Platão discerne um certo número desses
planos, e num deles ele situa o ser humano — uma realidade especí�ca
que não pode ser explicada totalmente nem pela ordem geral do
cosmos (a lei divina ou “Bem Supremo”), nem pelas propriedades que
tem em comum com os demais habitantes do planeta Terra, animais,
plantas ou minerais. Dessa situação peculiardo homem na estrutura
do universo, Platão extrai uma descrição analítica da natureza humana
como a de um ser intermediário, que vive da “participação” (metaxy)
simultânea e instável em dois planos de realidade, sem poder
absorver-se por completo em nenhum deles: mal instalado no
ambiente terrestre, ao qual busca adaptar-se por meio de engenhosos
artifícios, não consegue também elevar-se à contemplação da ordem
suprema, da beatitude divina, senão por instantes fugazes que
enfatizam ainda mais a sua dependência do meio físico imediato.
Platão resume isso dizendo que o homem é um tipo intermediário
entre os animais e os deuses.
Uma vez delineada assim a natureza humana, Platão coloca em
seguida o problema de quais seriam as condições sociais e políticas
mais adequadas ao desenvolvimento do homem segundo as exigências
dessa natureza. É a essa investigação que ele consagra A República.
Não se trata, pois, de uma proposta política, mas da construção de um
conjunto de hipóteses. Como estas hipóteses estão sujeitas à avaliação
crítica segundo os princípios anteriormente colocados e segundo a
experiência de cada estudante (o próprio Platão fará mais tarde uma
parte desse exame crítico, no livro das Leis), está claro que se trata de
uma investigação cientí�ca no sentido mais rigoroso do termo.
É assim que deve ser lida a República.
A beleza da �loso�a clássica de Platão e Aristóteles está na
transparência com que ergue os princípios do conhecimento racional e
em seguida se oferece para ser julgada por eles. Na entrada da
modernidade, que paradoxalmente alardeia ter inaugurado o estudo
cientí�co da sociedade humana, essa transparência se perde e é
substituída por um emaranhado de premissas implícitas, inconscientes
ou mal confessadas, obrigando o estudioso a uma complexa e
arriscada especulação das intenções subjetivas do autor antes de ter a
certeza de que compreendeu Maquiavel ou Rousseau o bastante para
poder julgar se têm razão.
A grande tarefa da �loso�a política hoje em dia é recuperar o ideal
clássico de transparência e racionalidade, sem o qual o nome de
“ciência” se torna apenas um rótulo publicitário colado em cima de
uma massa obscura de preconceitos bárbaros e rancores fúteis.
Zero Hora, 8 de agosto de 2004
Q 
Não é só o governo federal que está promovendo o estrangulamento
da classe jornalística. É ela própria que, através da sua Federação
Nacional, oferece o pescoço ao garrote, tão gentilmente quanto vem
ocultando há anos as centenas de páginas das atas do Foro de São
Paulo, a matança geral de cristãos em países islâmicos e comunistas, os
apelos desesperados de presos políticos torturados em Cuba, a corrida
armamentista na China e a ajuda que lhe prestou Bill Clinton, o
contínuo genocídio cultural no Tibete, a repressão ao cristianismo nos
 e na Europa, a disputa feroz entre globalistas e nacionalistas
norte-americanos, a colaboração cada vez mais intensa do terrorismo
islâmico com as  e Hugo Chávez12 e, en�m, tudo o que o leitor
precisaria saber para se dar conta de que a realidade das coisas não
corresponde exatamente aos belos discursos do Fórum Social
Mundial.
O recorte que sai na nossa mídia é tão �ctício que chega a induzir o
público brasileiro — militar inclusive — a acreditar que o perigo para
a soberania nacional na Amazônia vem dos  e não da , o 
do antiamericanismo universal.
A ditadura, com um censor em cada redação, conseguiu suprimir
menos fatos essenciais do que aqueles que o �ltro mental de uma
classe culturalmente pré-moldada não tenha talvez chegado nem
mesmo a enxergar. Se a autocensura é pior do que a censura, pior
ainda é a autocensura automatizada, integrada nas rotinas
inconscientes, que o jornalista obedece com a docilidade de uma
ovelha no instante mesmo em que se imagina um leão rugindo em
defesa da liberdade de imprensa. Era precisamente a esse fenômeno
que Gramsci se referia ao anunciar que um dia o Partido-Príncipe
viria a ter sobre a sociedade pensante “a autoridade onipresente e
invisível de um decreto divino”. A liberdade de opinião, a�nal,
pressupõe a liberdade da mente, sem a qual não passa de um rótulo
enganoso colado sobre o “centralismo democrático” leninista.
As honrosas exceções de sempre — um Denis Rosen�eld, um Ali
Kamel e mais meia dúzia — não modi�cam em nada o estado de
coisas. Ao reclamar contra o projeto de controle o�cial, nossa mídia
está apenas exigindo seu direito de calar a boca por iniciativa própria.
O projeto “Adeus, Lênin”, como bem a propósito o chamou Míriam
Leitão, é mesmo um luxo desnecessário. Esta semana, o ministro Amir
Lando não precisou de nada disso para investir contra o jornalista e
economista Ubiratan Iorio, de Polícia Federal em punho, intimando-o
a “prestar declarações” sobre um artigo publicado em março no Jornal
do Brasil com críticas ao aumento das contribuições previdenciárias.
Terá sido com objetivo análogo que o sr. Frei Betto, consultor
metafísico da presidência, andou sondando meu endereço residencial?
Não sei. Mas sei que, na mesma semana, uma nota do jornalista
Cláudio Humberto, com denúncias graves contra o prefeito petista do
Recife, desapareceu misteriosamente da sua coluna no Jornal do
Commercio, sendo publicada só em sites da internet e em alguns
outros jornais.
O dilema do jornalismo brasileiro é escolher entre a mordaça
explícita e o silêncio obsequioso.
***
Quando o governo vetou a divulgação da História oral do Exército:
1964, 31 de março, dei aqui a notícia. O que é justo é justo: liberados,
os dez volumes, com depoimentos importantíssimos de testemunhas
oculares, estão em circulação e podem ser adquiridos na Biblioteca do
Exército (bibliex@ism.com.br).
***
Andaram-me pedindo que indicasse algum livro do prof. J.
Pinharanda Gomes, o notável �lósofo português a que me referi aqui
meses atrás. Recomendo enfaticamente a originalíssima História da
�loso�a portuguesa (Ed. Lello), organizada não pela ordem
cronológica mas segundo as três correntes de pensamento que
formaram a mentalidade ibérica: cristã, judaica e muçulmana. Numa
época em que o diálogo ecumênico desperta possibilidades de
compreensão antes di�cilmente imagináveis, essa obra torna-se leitura
obrigatória para os estudiosos de religiões comparadas.
O Globo, 14 de agosto de 2004
I  
Na galeria das doenças do espírito humano, a mais repugnante é a
duplicidade de consciência, que faz um homem chafurdar na mentira
ao mesmo tempo — e no mesmo ato — em que seu coração bate forte
de indignação contra a perfídia do mundo. Para os que não
conheceram por dentro os meios esquerdistas, a existência dessa
síndrome pode parecer inverossímil e até inconcebível. Não acreditam
que alguém possa ser falso ao ponto de imaginar-se sincero, bondoso e
santo ao ludibriar os demais. Mas às vezes o fenômeno se torna tão
patente, que mesmo a incredulidade sonsa já não consegue negá-lo. A
denúncia do caso Ibsen Pinheiro é um exemplo espalhafatoso. Co-
autor e testemunha da destruição jornalística de um inocente, o sr.
Luís Costa Pinto calou-se durante anos, esperando para ter sua crise
de consciência no momento exato em que ela favorecia os criminosos
em vez de prejudicá-los. Quem será estúpido de imaginar que foi pura
coincidência o timing perfeito, a denúncia do “mau jornalismo” saindo
pela boca de um assessor petista em uníssono com a investida do
governo contra a liberdade de imprensa? Resultado de uma trama
montada entre petistas para eliminar um virtual concorrente de Lula
na corrida presidencial, a calúnia contra o ex-deputado é usada agora
como pretexto para fazer do partido caluniador o juiz em vez de réu
do processo. A raposa exibe as galinhas destripadas como argumento
para reivindicar o posto de guarda do galinheiro. Costa Pinto e seus
cúmplices, a começar por Paulo Moreira Leite, acusado de autorizar a
publicação da mentira consciente, estão fora de perigo. O delito
prescreveu e a vítima anunciou que não quer nem indenizações. Quem
vai pagar pelo crime? Nós outros, os “maus jornalistas”,condenados
por um júri de Costas Pintos e Moreiras Leites.
Desde o momento em que este país reconheceu no esquerdismo
chique a autoridade suprema em matéria de ética, era inevitável que
chegássemos a isso. Foi o que previ e anunciei, em vão, desde a ignóbil
“Campanha pela Ética na Política”, calculada para prostituir a
linguagem da moralidade no leito do maquiavelismo petista.
Graças a essa prodigiosa conjunção de artimanhas, a total confusão
nos critérios de julgamento arraigou-se fundo na alma nacional.
Muitas gerações passarão antes que saia de lá, se um dia sair. Uma
coisa é corromper a classe política, outra é perverter o senso de
moralidade de todo um povo, instaurando a indiscernibilidade
estrutural e endêmica do bem e do mal.
A condição prévia para isso, na ordem intelectual, veio com o
prestígio alcançado nas nossas universidades pelo pensamento
desconstrucionista e “pós-moderno”, que, em nome da di�culdade de
encontrar um critério universalmente racional para a arbitragem das
diferenças, consagra a manipulação emocional, o engodo e a mentira
como meios normais de persuasão.
Duas gerações de estudantes brasileiros foram estragadas pelos porta-
vozes locais de Derrida, Lyotard, Deleuze e Foucault. Nos anos 90,
esses estudantes chegaram à linha de frente da mídia. Sabiam
perfeitamente que o apelo à “ética”, que então lançaram à nação, era
apenas um ardil para colocar a serviço da estratégia esquerdista o
tradicional moralismo da classe média. Nada corrompe mais que a
instrumentalização da moral. E nunca essa instrumentalização foi tão
consciente, tão deliberada e tão geral como se tornou desde então.
Repelida no mundo acadêmico como “antidemocrática”, a busca da
verdade só poderia subsistir, na mídia, como paródia de si mesma e
instrumento para a otimização da fraude.
“As idéias têm conseqüências”: é a lição imortal de Richard Weaver.
Toda deterioração social e política começa na esfera intelectual.
Comentando a degradação do pensamento acadêmico de seu país e
referindo-se de passagem à imitação dela pela universidade brasileira,
o jovem �lósofo francês Jean-Yves Béziau despede-se do assunto em
uma linha: “Pouparemos ao leitor o conhecimento dos resultados da
macaqueação de um modelo degenerado”. Mas ele se referia ao leitor
europeu. Nós, brasileiros, não somos poupados de enxergar esses
resultados todos os dias.
O Globo, 21 de agosto de 2004
R  
Longe de mim chamar de incoerentes as pessoas maravilhosas que
assinaram o manifesto em favor de Hugo Chávez e, uma semana
depois, aparecem posando de baluartes da liberdade de imprensa,
gritando horrorizadas ante a ameaça de introdução do chavismo no
Brasil.
Incoerência só pode haver em homens de idéias, cuja unidade de
consciência se manifesta no plano do discurso. A chave da
congruência vital daquelas criaturas encontra-se mais embaixo: é a
linha perfeitamente contínua de uma “carreira”, que, sob as
contradições aparentes do discurso, segue incansavelmente a busca de
seus objetivos pro�ssionais, sociais e �nanceiros por todos os meios
disponíveis, adaptando-se às ondulações das circunstâncias sem
perder o �o da meada, o equivalente dialético e brasileiro da retidão.
Assinaram aquela porcaria só porque sabem que sem essas
genu�exões rituais ninguém neste país pode aspirar a ser alguém nas
artes, nas letras ou no jornalismo.
Já era assim no tempo da ditadura. Só a fantasia de adolescentes,
amputada do conhecimento do passado histórico por uma devotada
geração de castradores pedagógicos, pode imaginar que naquela época
a hegemonia cultural tenha cedido, ou mudado de mãos. Mesmo os
generais-presidentes não se furtavam às reverências de praxe ante o
esquerdismo chique. Sem isso, em vão esmolariam um olhar de afeição
das grandes damas da mídia e do show business. Nada me tira da
cabeça que foi o desejo secreto de ser amado por essa gente que
impeliu Geisel a dar a Fidel Castro o dinheiro e a ajuda técnica para
invadir Angola. De Paris, Glauber Rocha acenava para o general com a
tentadora oferta de fazer dele um ídolo das esquerdas. Falhou, e o
próprio Glauber terminou abandonado pela patota. Mas, nesse
ínterim, quinze mil angolanos morreram vítimas de um �erte.
***
Também não há incoerência no epíteto de “covardes” lançado pelo
presidente da República contra os jornalistas mal ajustados ao sistema.
Ele fala como se, em vez de resistir à sua política, eles estivessem
ansiosos para obedecê-la, só lhes faltando para isso a ousadia de dizer
adeus à última aparência de escrúpulos. Ele não se dirige a eles como a
adversários, mas a empregados recalcitrantes. Quem ousará negar que,
estatisticamente ao menos, ele está certo? A classe jornalística não
votou maciçamente nele? Não abdicou da alma e da consciência para
embelezar sua imagem eleitoral, ocultando as ligações políticas dele
com as , cuja divulgação teria abortado sua candidatura? Não
encobriu de silêncio a perseguição movida pelo governo do sr. Olívio
Dutra contra três dezenas de jornalistas gaúchos? Não colaborou tão
prestativamente, nas ’s, para dar ao partido presidencial o
monopólio do acusar, do investigar e do punir, colando em todos os
seus adversários o rótulo de criminosos virtuais e varrendo-os do
caminho para assegurar ao queridinho das classes falantes a chegada
triunfal ao objetivo sonhado? Então por que, de repente, essa
hesitação, essa teimosia, essa frescura? Em vez de acusá-los de traição,
palavra pesada demais, o presidente deu à conduta paradoxal de seus
servidores a mais generosa das explicações.
Observo, apenas, que ela não se aplica àqueles que desde o início se
recusaram a fazer o servicinho sujo. Para esses, é melhor o presidente
catar outro adjetivo no depósito da língua-de-pau petista. Chame-nos
de aberrações, de fascistas, de lacaios do imperialismo, do que quiser.
De covardes, não. Na escala da coragem, sr. presidente, o senhor não
tem cacife para nos julgar. O senhor jamais correu um risco sem
contar com o respaldo de um movimento de massas, de
“companheiros de viagem” milionários e da mídia internacional.
Nunca esteve sozinho, isolado, sem partido, sem alianças, sem
dinheiro, cercado do ódio de milhares de cães hidrófobos. Os únicos
perigos reais que o senhor já enfrentou sem ajuda foram um torno
mecânico e uma banheira de hidromassagem aérea. Não queremos
suas lições de valentia.
Zero Hora, 22 de agosto de 2004
E 
Poucos meses depois de lançada a campanha de entrega das armas,
sem que nenhum efeito objetivo tenha vindo legitimar suas pretensões
de abrandar a sanha dos criminosos, o governo já se apressa não só em
alardear seus bons resultados, mas em estender a área de sua aplicação,
levando-a da cidade para o campo.
Como até agora não se viu nenhum ladrão, narcotra�cante ou
homicida notório comparecer às �las repletas de velhinhas devotas e
honrados trabalhadores, o único resultado a que a autoridade pode
estar-se referindo com isso é o sucesso que obteve em desarmar
possíveis vítimas, não seus virtuais assaltantes, agressores e assassinos.
Os prometidos efeitos apaziguantes a ser extraídos dessa vitória do
governo sobre o povo são ainda demasiado imaginários para poderem
justi�car, por si, a extensão da campanha à zona rural. Restaria o
argumento da prioridade: quando o caso é extremo, há quem ache
lícito arriscar um remédio mal testado, não testado de maneira alguma
ou mesmo reprovado nos testes como o desarmamento civil já o foi
em outras nações que o aplicaram.
Mas, no caso, o apelo a esse argumento é ainda mais estapafúrdio.
Num país onde, pelos cálculos da , morrem a tiros 40 mil pessoas
por ano, a contribuição da zona rural à taxa anual de mortes cruentas
não passa de umas quarenta pessoas, segundo o governo federal, ou,
na matemática hiperbólica da Pastoral da Terra, 82. Em toda essa
formidável extensão de terras, habitada por 30% da população
brasileira, a quantidade de crimes de morte não corresponde a 30%, a
20%, a 10%, a 1% do total nacional. Corresponde — e usando na conta
os númerosin�ados da Pastoral — à quadringentésima nonagésima
parte desse total. Para cada homicídio na região rural, há 490 nas
cidades.
Em números absolutos, 83 mortes são muitas mortes, mas, na
comparação com outras áreas do país mais assassino do mundo, o
campo é uma zona de relativa paz e tranqüilidade.
Qual a urgência, então, de experimentar nela um remédio que ainda
nem passou pelo teste nas áreas mais violentas?
A urgência existe, mas é bem outra. Não tem nada a ver com a taxa
atual de crimes. Tem a ver com a correlação de forças num possível
confronto entre os sem-terra e os fazendeiros. Como observou o sr.
João Pedro Stedile, com ameaçadora exatidão, há dez mil sem-terra
para cada fazendeiro. Um fazendeiro, com cinqüenta auxiliares
equipados de armas automáticas, pode repelir uma invasão de mil,
cinco mil ou até dez mil militantes do  armados de facões, foices e
uma ou outra carabina de caça. Suprimidas as armas de fogo, a
vantagem se inverte: no combate com armas brancas, prevalece a
quantidade de braços. Nenhuma fazenda pode sustentar o contingente
apto a fazer frente, com faca, porrete ou machado, a um assalto maciço
de milhares de sem-terras. Implantado o desarmamento civil no
campo, a disputa estará decidida. O governo alega o intuito de
“eliminar a tensão”, mas, obviamente, não se trata de acalmar ânimos:
trata-se de abolir a tensão desativando um dos seus pólos: a
propriedade particular da terra, no Brasil, está com os dias contados.
Se os proprietários em pessoa morrerão ou não com ela, depende.
Depende de tentarem um corpo-a-corpo de um contra dez mil, ou, ao
contrário, correrem para buscar abrigo sob as asas do Incra, o qual não
lhes garante nenhuma proteção contra invasões, mas promete a
devolução das terras invadidas se e quando, após os devidos trâmites
burocráticos, elas se demonstrarem produtivas. Em suma: eles só não
morrerão como os do Zimbábue e da África do Sul se consentirem em
ceder suas terras ao primeiro invasor que as exija e depois con�ar-se
docilmente à benevolência das autoridades — aquelas mesmas
autoridades que os desarmaram para obrigá-los a esse vexame.
Espremidos entre uma massa de comunistas armados de facões e uma
elite de comunistas armados de canetas, a opção dos ruralistas é
morrer de vez nas mãos dos primeiros ou de�nhar aos poucos nas
mãos dos últimos. São, com toda a evidência, uma classe em vias de
extinção.
O Globo, 28 de agosto de 2004
P   
Não há discussão possível sem o acesso dos interlocutores a um
mesmo conjunto de dados. Os dados do presente artigo estão nos
livros eir Blood Cries Out: e Untold Story of Persecution Against
Christians in the Modern World, de Paul A. Marshall e Lela Gilbert
(Word Publishing, 1997) e Persecution: How Liberals Are Waging War
Against Christianity, de David Limbaugh (Regnery, 2003), e nos sites
http://www.religioustolerance.org/rt_overv.htm,
http://freedomhouse.org,
http://www.markswatson.com/Persecution.html e
http://www.persecution.org/newsite/.
Dessas fontes, a primeira demonstra acima de qualquer dúvida
razoável que está acontecendo em países islâmicos e comunistas um
morticínio organizado de cristãos, sem outro motivo que não o de
serem cristãos, alcançando já um total de mais de dois milhões de
vítimas desde a última década.
A segunda mostra, com idêntica riqueza de evidências, um tipo
diferente de perseguição que se observa no outro lado do mundo: o
genocídio cultural anticristão nos . Sob a pressão do lobby
politicamente correto que domina as classes superiores e a mídia, os
cristãos americanos vêm sendo expulsos, deliberada e
sistematicamente, das instituições de ensino e cultura, proibidos de
rezar em voz alta nas escolas, nos quartéis, nas repartições públicas e
em muitas empresas privadas. Estudantes são punidos porque
entraram em classe com um cruci�xo ou uma Bíblia. Associações
cristãs de caridade são ostensivamente desfavorecidas na distribuição
de verbas o�ciais, candidatos cristãos a cargos públicos são vetados
por conta de sua religião. Enquanto um �uxo ininterrupto de
propaganda anticristã inunda as livrarias, os jornais e os cinemas (O
corpo e O Código da Vinci são só dois dos exemplos mais populares),
alguns Estados tornaram obrigatório o ensino do islamismo e das
religiões dos índios americanos nas escolas, punindo qualquer
preferência cristã ostensiva com estágios obrigatórios de “reeducação
da sensibilidade” que incluem horas de recitações corânicas ou prática
de ritos indígenas. Desde a lei dos direitos civis, jamais alguma
comunidade minoritária americana sofreu discriminação tão ampla,
tão prepotente e tão mal disfarçada como aquela que hoje vem sendo
imposta à maioria cristã.
As demais fontes mencionadas fornecem con�rmações às duas
primeiras, em dose superior ao que poderiam exigir as mentes mais
lerdas e recalcitrantes.
Embora se passem em hemisférios opostos, os dois fenômenos estão
interligados. A indústria cultural que usa de todo o seu poder para
fomentar o preconceito contra o povo cristão dentro da própria
América não haveria de querer alertá-lo, ao mesmo tempo, para o
perigo de morte que ronda os seus correligionários na Ásia e na
África: ele poderia ver nisso uma antecipação do destino que o
aguarda, já que todo genocídio vem sempre antecedido da destruição
das defesas culturais da vítima. A conexão, assim, torna-se óbvia: sem
a cumplicidade ativa ou passiva, barulhenta ou silenciosa do
establishment anticristão do Ocidente, nunca os ditadores da China,
do Sudão, do Vietnã e da Coréia do Norte poderiam continuar
matando cristãos sem ser incomodados. O discurso da mídia em favor
de “minorias” hoje privilegiadas, que nos  nunca sofreram uma
parte ín�ma do sofrimento imposto aos cristãos no mundo —
discurso sempre acompanhado da inculpação ao menos implícita do
cristianismo —, é ele mesmo um meio e�caz de dessensibilizar o
público para a perseguição anticristã.
O pesadelo de povos inteiros trucidados ante o olhar indiferente do
mundo e os sorrisos sarcásticos dos bem-pensantes repete-se,
igualzinho ao dos anos 30.
Oito milhões de ucranianos ameaçados por Stálin poderiam ter
sobrevivido se o New York Times não assegurasse que estavam em
boas mãos. Seis milhões de judeus poderiam ter sido poupados, se na
Inglaterra o sr. Chamberlain, nos  os comunistas comprados pelo
pacto Ribbentropp-Molotov e na França uma esquerda católica podre,
sob a liderança do açucarado Emmanuel Mounier, não garantissem
que Adolf Hitler era da paz. A credibilidade dos apaziguadores é uma
arma letal a serviço dos genocidas. Mas hoje não é preciso nem
mesmo desmentir o horror. Ninguém sabe que ele existe. O mundo
estreitou-se às dimensões de uma telinha de , de uma manchete de
jornal. O que não cabe nelas está fora do universo. A mídia elegante
tornou-se o maior instrumento de controle e manipulação jamais
concebido pelos supremos tiranos. Joseph Goebbels e Willi
Munzenberg eram apenas amadores. Acreditavam em propaganda
ostensiva, quando hoje se sabe que a simples alteração discreta do
�uxo de notícias basta para gerar nas massas uma con�ança ilimitada
nos manipuladores e o ódio feroz a bodes expiatórios, sem que
ninguém pareça tê-las induzido a isso. O tempo das mentiras repetidas
está superado. Entramos na era da inversão total.
Por isso mesmo, dizê-lo é inútil. Conheço bem a classe letrada
brasileira. Sei que nela, sobretudo entre os jornalistas, são muitos os
que, à simples leitura deste artigo, sem a mínima tentação de consultar
as fontes, negarão tudo a priori mediante um risinho de desprezo
cético e o recurso infalível ao estereótipo pejorativo da “teoria da
conspiração”. Serão ouvidos com aprovação como se fossem as
supremas autoridades no assunto, e eu passarei por louco. Um mundo
em que trejeitos afetados convencem mais que toneladas de provas
está abaixo da possibilidade de ser descrito até mesmo pelos
instrumentos mais contundentes da arte da sátira. George Orwell, Karl
Kraus, Eugène Ionesco, Franz Kaa e até mesmo Alexandre Zinoviev,
professor delógica matemática que usou os instrumentos da sua
disciplina para forjar uma linguagem apta a representar literariamente
a incongruência total da vida soviética, prefeririam calar-se. A sátira
existe, a�nal, para retratar seres humanos. Ela paira acima da estupidez
satânica, incapaz de descer o bastante para poder descrevê-la.
Folha de São Paulo, 31 de agosto de 2004
D    
É cômico o esforço que materialistas militantes dispendem para
provar, por meios matemáticos, que a vida se formou por acaso tão
logo certos fatores se combinaram nas proporções adequadas para
produzi-la, sem que nenhuma causa inteligente os impelisse a tanto.
Quanto mais a�rmam isso, mais proclamam, sem percebê-lo ou sem
admitir que o percebem, que o composto só adquiriu força geradora
de vida graças, justamente, às proporções, à razão matemática entre
seus elementos; e que esta proporção, se teve o dom de produzir esse
efeito no instante em que esses elementos se encontraram — mesmo
admitindo-se que se encontraram fortuitamente —, já o possuía desde
muito antes desse instante, já o possuía desde toda a eternidade. E
basta saber o que signi�ca razão ou proporção — ratio, proportio,
eidos, logos — para entender que nenhuma proporção pode valer
sozinha e isoladamente, fora da ordem matemática integral. Se
determinada combinação de elementos materiais (cada um deles aliás
dotado de sua própria forma ou proporção interna) pôde num certo
instante gerar determinado efeito, é porque o sistema inteiro das
relações e proporções matemáticas que moldavam e determinavam
essa possibilidade preexistia eternamente a esse instante. No princípio
era o Logos, e não há nada que o apelo ao acaso possa fazer contra
isso.
O mesmo aplica-se à origem do cosmos na sua totalidade, muito
antes do surgimento da “vida”. O mais ín�mo fenômeno da ordem
subatômica já aparece como realização de uma proporção matemática
que o antecede na ordem do tempo e o transcende na ordem
ontológica.
A Bíblia expõe isso da maneira mais simples, ao dizer que o espírito
de Deus pairava sobre as águas. A ordem das possibilidades de�nidas,
ou forma interna da onipotência, prevalece sobre a desordem das
possibilidades inde�nidas, as quais só podem se manifestar,
precisamente, ao sair do inde�nido para o de�nido, ou, em linguagem
bíblica, das trevas para a luz. A estrutura interna do primeiro
acontecimento cósmico, qualquer que seja ele, é sempre a
manifestação de uma forma ou proporção que, como tal, é
supratemporal e independente de qualquer acontecimento.
Se a causa e�ciente que acionou essa passagem e determinou o início
do processo cósmico operou por sua vez fortuitamente ou segundo a
ordem, é questão que já está respondida na sua própria formulação, de
vez que a noção mesma de uma conexão de causa e efeito só pode ser
concebida como forma lógica de�nida, portanto como expressão da
ordem. Mesmo se  quisermos imaginar essa causa como puramente
fortuita, a forma interna do nexo causal in genere tem de haver-lhe
preexistido desde sempre e não pode ser concebida como fortuita, já
que é precisamente o contrário disso.
Para alegar que não foi assim, seria preciso demonstrar que todas as
formas e proporções são, em si e eternamente, caóticas e indiferentes,
isto é, que a ordem lógico-matemática não existe de maneira alguma,
nem no cosmos manifestado nem como mera estrutura da
possibilidade em geral. Porém depois disso seria grotesco apelar a
instrumentos lógico-matemáticos para provar o que quer que fosse.
Para provar até mesmo o império do acaso.
Tudo isso é arquievidente, e negá-lo é impugnar qualquer
possibilidade de conhecimento cientí�co, mesmo puramente
instrumental e convencional.
Mas é inútil esperar que jumentos adestrados como o prof. Richard
Dawkins e seus admiradores se elevem ao grau de abstração requerido
para tomar consciência disso. Um alto grau de domínio operacional
das ferramentas lógico-matemáticas — ou, mais ainda, dos métodos
rotineiros da investigação cientí�ca — pode coexistir com uma visão
puerilmente concretista da realidade, onde a noção de “causa” é
reduzida à imagem de uma “força” ou “gatilho” operando �sicamente
sobre um “objeto”, como as bolas de bilhar do célebre exemplo de
Hume. Mas o supra-sumo do concretismo talvez tenha sido a metáfora
renascentista do “relojoeiro” que construiu o mundo. Tudo residia em
saber se depois de construir o relógio do mundo ele lhe dava corda
todos os dias ou se o �zera de uma vez por todas, indo dormir e
deixando a máquina por conta das leis mecânicas de Galileu e
Newton. Todas as teorias cientí�cas, sem exceção, nascem de analogias
e metáforas que, mesmo depois de esquecidas, balizam as
possibilidades de discussão racional dessas teorias.13 Uma péssima
metáfora traz um dano incalculável à inteligência teorética. O deus-
relojoeiro ainda assombra a imaginação dos nossos contemporâneos,
que discutem se ele montou as peças do engenho com um propósito
ou às cegas.
No mínimo, uma discussão assim concebida reduz a investigação das
origens ao universo material existente, impedindo-a de erguer-se ao
nível da ontologia geral, que é o único apropriado. Deus não se ocupa
de relógios: Ele instaura o tempo e o espaço a partir da estrutura da
possibilidade universal, e deixa os relógios e relojoeiros por conta do
prof. Dawkins & adversários.
O velho Aristóteles sorriria com benevolência paternal ante meninos
que se engal�nhassem numa disputa entre as causas �nais e as causas
e�cientes sem ter a mínima idéia da causa formal que as antecede e as
determina implacavelmente.
Os criacionistas têm ao menos a desculpa de que acreditam na Bíblia.
É bem melhor, de fato, um sujeito admitir por fé uma verdade que não
compreende do que meter-se a discutir o que está acima da sua
capacidade. Mas, tanto quanto os evolucionistas, eles continuam
hipnotizados pela metáfora do relojoeiro. Não concebem que muito
antes de Deus criar “este” mundo Ele criou a luz, isto é, a ordem da
inteligibilidade universal, da qual dependem todas as ciências e que
não pode ser revogada por nenhuma delas. Quando aceitam discutir
com o sr. Dawkins nos termos dele, querem provar a veracidade de
uma religião degradada, materializada, sem espírito. O deus-relojoeiro
é um falso deus, tanto quanto o deus-acaso do prof. Dawkins.
Bravo, setembro de 2004
Q   
Desde que o sr. Frei Betto tentou obter da administração do Globo o
meu endereço pessoal, um assistente meu tem recebido misteriosas
ligações, com número bloqueado, de alguém que diz ter urgência de
me encontrar mas, solicitado a declarar seu nome e a cidade de onde
fala, desliga o telefone.
Não sei se os dois fatos têm alguma ligação entre si. Mas uma coisa é
certa: o consultor da presidência para assuntos celestes e infernais
preferiu fazer-se de surdo ante a minha oferta de enviar-lhe
pessoalmente meu endereço caso o pedisse por e-mail, e essa reação só
pode ser interpretada de duas maneiras: ou ele desistiu de obter por
via simples o que tentara obter por via complicada, ou prefere colher
suas informações sem dar na vista.
Por que um ministro de Estado agiria assim?
Tudo isso é muito esquisito, sobretudo porque não só continua no ar
o site pornográ�co com o nome dele, que encontrei na internet, mas
ainda apareceram mais dois: www.sex-11.biz/frei-betto e www.frei-
betto.lubiezaea.com. São páginas comerciais, pagas, e uma delas
anuncia: “All about Frei Betto. See this now”.
Que palhaçada é essa? Por que o sr. Frei Betto não manda investigar
isso, em vez de �car sondando, pelas costas, a vida de quem sempre lhe
disse a verdade com toda a franqueza?
Que é que está acontecendo nesse governo, a�nal? Que tipo de gente
é essa a quem o país se entregou com cega con�ança? Alguém sabe, ao
certo, quem são esses homens? Ou, ao contrário, ninguém quer saber?
Quem sabe, por exemplo, se o sr. José Dirceu se desligou da
inteligência militar cubana ou continua a seu serviço na Casa Civil da
Presidência?
Quem sabe se o sr. Luís Inácio Lula da Silva, após ter-se sentadorevelam a aposta brasileira numa articulação mundial cujo
resultado, a médio ou longo prazo, só pode ser um: a guerra.
Meses atrás, um famoso jornalista brasileiro expressava seu obsceno
entusiasmo diante do antiamericanismo de alguns militares
brasileiros, enaltecendo-os porque achavam lindo treinar soldados
para matar marines na �oresta amazônica. Ora, ninguém se alegra
com preparativos militares se não pretende entrar em guerra. Mas por
que logo contra os marines, se a única ameaça à nossa soberania na
Amazônia vem de ’s associadas ao globalismo antiamericano da
? O erro de alvo, segundo parece, não é nada acidental. Fichando
americanos nos aeroportos, subsidiando as revoluções falidas de
Chávez e Fidel, acobertando as , debitando na conta dos  os
crimes de seus inimigos ou afagando o ego dos regimes sudanês e
norte-coreano, o Brasil parece já ter incorporado perfeitamente o
papel que estrategistas internacionais insanos lhe destinaram: o de
peão sonso num jogo que não pode terminar bem.
O Globo, 10 de janeiro de 2004
C  
A mídia nacional já adotou o costume de designar o  governante
como “direita”, para que D. Heloísa Helena e o sr. João Pedro Stedile
posem como representantes da única “esquerda” autêntica. É um
truque sujo e seu efeito é óbvio: a parcela do público que teme
mudanças bruscas corre para dar apoio ao governo, na esperança de
que contenha os “radicais”, enquanto a insatisfação do restante com os
erros do governo é canalizada em favor da “esquerda da esquerda”, sem
risco de que venha a ser capitalizada pela oposição liberal ou
conservadora.
Todo movimento revolucionário tem dentro de si uma direita e uma
esquerda. Esta forceja por ampliar a área de atuação do movimento e
radicalizar as transformações revolucionárias a todo preço, pouco se
importando de perder o controle da situação ou, melhor ainda,
imaginando que o melhor controle é a perfeita confusão. A “direita”,
por seu lado, tenta consolidar as vitórias obtidas e manter um estrito
controle estratégico e tático do movimento, mesmo à custa de
desacelerar o processo e ter de cortar na própria carne, livrando-se da
indisciplina “esquerdista” por meio de expurgos e de punições
variadas.
Isso foi assim em todas as revoluções comunistas. O detalhe
diferencial é que na revolução brasileira está sendo tentada pela
primeira vez em grande escala uma transição “indolor” baseada na
estratégia de Antonio Gramsci. Isto faz com que, aos olhos dos
ignorantes, a revolução não pareça uma revolução e as mudanças mais
desastrosas sejam aceitas, insensivelmente, como detalhes de rotina.
Não que o gramscismo seja paci�sta. Apenas, ele não admite violência
antes do momento certo, isto é, quando a opinião pública estiver
madura para aprovar ao menos por indiferença a eliminação cruenta
dos poucos adversários restantes. O gramscismo é como a aranha, que
anestesia a vítima antes de matá-la.
No processo anestésico, Gramsci enfatiza o controle da mídia e,
portanto, do vocabulário. É essencial que a população se acostume a
usar as palavras no sentido desejado pelo Partido, para que, a cada
momento, pense o que o Partido deseja que pense. Isso nada tem a ver
com persuasão explícita: não visa a fazer com que o povo “concorde”
com as instruções partidárias, mas busca induzi-lo a comportar-se da
maneira desejada, mesmo quando imagina opor-se à autoridade
estabelecida.
No presente momento, quando a ascensão do Partido é ainda recente,
é importante garantir que ninguém, na sociedade, possa dar um
alarma geral e abortar o processo. Firmeza e discrição são essenciais.
É a hora do lobo, o lusco-fusco antes da aurora, quando o predador
espreita as redondezas, ainda sem saber se o que vai encontrar pela
frente é a presa ou o caçador.
Nesse momento, tudo na conduta do Partido é camu�agem e
�ngimento. Tudo o que é deve parecer outra coisa, nada pode ser
chamado pelo nome, todo raciocínio conclusivo deve ser neutralizado
por uma tempestade de desconversas, todo diagnóstico real da
situação deve ser contornado por meio de um intenso confusionismo
verbal. A própria identidade dos personagens deve ser esfumada, para
que ninguém possa distinguir o predador e a presa. Trabalhar para que
a “direita” e a “esquerda” do movimento revolucionário sejam tomadas
pelo público como a direita e a esquerda convencionais, de modo que
esta última ocupe todo o espaço político existente e uma transição
revolucionária passe como rotina normal da democracia, é o modo de
fazer com que a rã, que saltaria fora da panela se jogada na água
fervente, vá se adaptando à água aquecida devagar, até morrer sem
perceber que foi cozida.
Zero Hora, 11 de janeiro de 2004
N  , :   
Desde sua remota origem nos clubes de debates do século , a
comunidade dos revolucionários e progressistas, sempre alegando falar
em nome de todos os homens e romper as barreiras que os separam,
tem sido uma das mais excludentes e discriminatórias, ao ponto de
professar abertamente a dupla moral: uma para “nós”, outra para “eles”.
Lênin expõe o princípio, com seu cinismo costumeiro, neste
parágrafo das Selected Works (vol. , pp. 486 ss.):
“É errado escrever sobre companheiros de Partido numa linguagem
que sistematicamente dissemine entre as massas trabalhadoras o ódio,
a aversão e o desprezo àqueles que sustentam opiniões divergentes.
Mas pode-se e deve-se escrever nesse tom sobre organizações
dissidentes...”. Neste caso, prossegue Lênin, deve-se falar numa
linguagem “calculada para despertar contra o oponente os piores
pensamentos, as piores suspeitas; não para corrigir-lhe os erros, mas
para destruí-lo, para varrer sua organização da face da Terra”.
Ou seja: o direito a uma discussão honesta é privilégio dos �éis.
Contra inimigos e in�éis, vale tudo: não somente o militante despejará
em cima deles todo o arsenal de falácias erísticas que no debate
interno seriam cuidadosamente evitadas, mas ainda recorrerá à
calúnia, à difamação, à intimidação, ao boicote e à chantagem, com a
boa consciência de quem estivesse sendo até justo e bondoso demais
para com adversários que, em melhores circunstâncias, ele teria a
obrigação de matar.
Fora dos círculos dos eleitos, a polêmica de esquerda é nada mais que
homicídio adiado ou, na hipótese mais branda, sublimado.
Chega a ser fantástico que, nos meios cristãos, tanta gente nos anos
60 professasse acreditar na possibilidade de um diálogo franco com os
marxistas, quando o próprio Karl Marx já havia anunciado que as
“armas da crítica” se destinam apenas a aplanar o caminho para a
“crítica pelas armas”. Esse “diálogo” serviu apenas para desarmar os
cristãos ante os genocídios que se seguiram na China, no Camboja e
na Coréia do Norte, contra os quais a hierarquia católica, por medo de
ferir suscetibilidades comunistas, nada fez.
O princípio leninista da dupla moral foi repetido, sob diferentes
formas, por uma in�nidade de intelectuais ativistas, entre os quais me
vêm agora à memória Paulo Freire (“devemos ser tolerantes, mas não
com os nossos inimigos”) e Herbert Marcuse (“tolerância libertadora
signi�ca: toda tolerância para com a esquerda, nenhuma para com a
direita”).
Esse princípio vigora ainda não só em regimes como o de Cuba ou da
Coréia do Norte, mas em qualquer grupo ativista que tenha recebido a
in�uência do marxismo e, de modo geral, em todo o universo da
“esquerda”. Os procedimentos repressivos criados no início do século
 como técnicas partidárias para o domínio do Estado foram-se
disseminando por esse círculo mais amplo até tornar-se hábitos
culturais introjetados, que incluem a defesa automática contra o seu
próprio desmascaramento. Sob a inspiração de Antonio Gramsci, sua
aplicação, antes restrita ao domínio da luta política explícita, foi
estendida a todos os domínios da existência, de modo a fazer da
guerra cultural uma guerra total, na qual até sentimentos pessoais e
trejeitos de linguagem servem para identi�car amigos e inimigos e
facilitar a demarcação do território permitido a estesamigavelmente à mesa de conversações com as  durante dez anos,
não está aludindo veladamente a si próprio quando diz que o
banditismo organizado tem altos contatos na esfera política?
Quem sabe se o partido que alardeia antiimperialismo e ao mesmo
tempo quer entregar partes da Amazônia a ’s internacionais não
esteve nos enganando o tempo todo com um nacionalismo de
fachada?
Quem sabe se as relações entre os poderes globais e a esquerda
nacional não são muito mais complexas do que parecem ao simplismo
estereotipado dos bem-pensantes?
Ninguém sabe, ninguém quer saber. É proibido perguntar. Da
idolatria da “transparência” passamos ao culto de uma opacidade de
chumbo, e ninguém dá ao menos um sinal de ter percebido a
diferença.
No tempo de Collor, a conversa vagamente suspeita entreouvida por
um motorista indiscreto desencadeou a mais vasta investigação que já
se fez contra um presidente. Hoje em dia, seis testemunhas mortas no
caso Celso Daniel não abalam em nada a reputação de governantes
ungidos pelo dom da inatacabilidade intrínseca.
Na  do Orçamento, em 1993, o sr. José Dirceu sabia até os
números das cédulas dadas como propina por um político medíocre a
um funcionário insigni�cante. Na época, escrevi: “Pelo furor
investigativo com que os jornais e a  abrem as latrinas, destapam os
ralos, vasculham os esgotos da República, parece que o Brasil, dentre
todos os países, tem a imprensa mais ousada, mais independente, mais
empenhada em descobrir e revelar a verdade”.
É impossível não perceber, hoje, que tudo isso foi apenas um pretexto
para aplanar a estrada para o , colocá-lo no poder e nunca mais
fazer perguntas, aceitando dos novos patrões, com docilidade
incuriosa e muda, condutas muito mais suspeitas e extravagantes que
as de todos os seus antecessores. É como se, após um número
excessivo de desilusões, o país não suportasse mais uma. Anos atrás a
 francesa mostrou uma garota que, após ter fugido da família, caído
em devassidões indescritíveis e passado por mil e uma lavagens
cerebrais nas mãos de falsos gurus, voltara para casa com a
personalidade alterada e um ar de passividade estúpida no rosto: “Não,
eu não quero mais saber a verdade”, repetia ela ante as câmeras. Está
assim a alma esgotada do povo brasileiro. Usado e abusado pela
propaganda, ele já não se ofende de ser ludibriado, porque não tem
mais forças para querer saber a verdade.
O Globo, 4 de setembro de 2004
D  
Depois do artigo sobre Platão, vieram outras perguntas sobre o estudo
da �loso�a, a maioria delas na linha: o que ler e como ler?
A receita é: no começo, poucas leituras, muito bem selecionadas,
feitas lentamente, de lápis na mão, com um dicionário de �loso�a ao
lado para tirar cada dúvida, e repetidas tantas vezes quantas você
precise para tornar-se capaz de expor o argumento ainda mais
claramente do que o fez o autor. Busque muitos exemplos concretos
para dar maior visibilidade a cada idéia. Depois, aos poucos, vá
ampliando o círculo, abrangendo estudos eruditos sobre pontos
determinados, até conseguir dominar a história inteira das discussões
sobre cada tópico, por exemplo, o problema dos níveis de realidade em
Platão, os sentidos da palavra “ser” em Aristóteles, etc. Quando tiver
dominado o status quaestionis (o desenvolvimento até o estado
presente) de um só dentre inumeráveis pontos de discussão, aí você
perceberá quanto é miserável o debate intelectual neste país e quanto é
urgente formar aqui uma geração de estudantes sérios. Mais urgente
do que todos os “planos econômicos de emergência” com os quais se
gastam em vão tantos neurônios.
Quando digo “bem selecionadas”, re�ro-me aos clássicos
imprescindíveis: Platão, Aristóteles, Santo Tomás, Leibniz, Schelling e
tutti quanti. Mais tarde fornecerei uma lista.
Mas não escolha as leituras por autor, e sim por temas e problemas.
Compre um bom dicionário de �loso�a (o de José Ferrater Mora ainda
é imbatível, e saiu uma boa edição em quatro volumes pela Martins
Fontes), percorra os verbetes em busca das perguntas �losó�cas que
lhe interessam (porque se não lhe interessarem você nunca haverá de
compreendê-las), e, dos vários clássicos mencionados a respeito,
escolha um para leitura aprofundada. Decida-se a consagrar a essa
leitura alguns meses, como quem só tivesse um livro para ler até o �m
da vida. Fiz isso na juventude com vários diálogos de Platão, mais os
Tópicos e a Metafísica de Aristóteles, e me alimento dessas leituras
essenciais até hoje, a maioria das subseqüentes servindo apenas de
digestivo para a melhor assimilação delas.
Se quiser usar o método de leitura de Mortimer J. Adler (Como ler
um livro, editora UniverCidade), isso não lhe fará mal algum, mas
saiba desde já que nenhum método serve para todos os livros: cada um
exigirá uma estratégia diferente, que você mesmo irá descobrindo.
Tenha sempre à mão uma ou várias obras de história da �loso�a
(Frederick Copleston, em inglês, ou Guillermo de Fraile, em espanhol,
dão conta do recado) e não tema interromper a leitura principal para
vasculhá-las em busca de comparações, voltando àquela em seguida. A
mente humana nunca avança em linha reta: precisa de interrupções e
rodeios. Não force a atenção quando ela foge para outro assunto: vá
atrás do assunto que ela sugere, depois volte ao ponto onde estava. E
lembre sempre o conselho de Aristóteles: a inteligência deve ser
exercitada com moderação. No começo, não estude mais de duas horas
por dia. Quando chegar a cinco, será um grande erudito.
Vá dos clássicos para os modernos e contemporâneos, e não ao
contrário: é menos importante saber aquilo que Nietzsche pensou de
Platão do que tentar imaginar aquilo que Platão pensaria de Nietzsche.
Outra dica: desista de adquirir uma boa cultura �losó�ca lendo só em
português. Mas praticamente não há livro bom de �loso�a que não
tenha edições em inglês ou francês. É bom também ter um dicionário
de grego clássico para apreender melhor o sentido de muitos termos
que os autores modernos ainda preferem usar nessa língua.
E, se encontrar o livro de A. D. Sertillanges, A vida intelectual, decore
os conselhos dele e pratique-os. Você não imagina o bem que fazem.
Zero Hora, 5 de setembro de 2004
P  
Toda a história do século  — e a do começo deste  — já estava
contida, sinteticamente, no poema e Second Coming, publicado por
William Butler Yeats em 1919. O falcão que se desgarra do falcoeiro, o
eixo do mundo que oscila e não consegue conter o giro frenético dos
estilhaços subitamente dotados de vida independente, a luz demoníaca
do spiritus mundi que se levanta no horizonte ofuscando o olhar
humano para que não atine mais com a visão de Deus e, por �m, o
Anticristo que na forma de um bicho rasteja até Belém para nascer —
nunca a tragédia de uma civilização inteira foi resumida de maneira
tão nítida em tão poucas linhas, exatamente vinte e duas.
Mas o que mais me impressiona nesse compactado de profecias são
os versos: “e best lack all conviction, while the worst are full of
passionate intensity”: aos melhores falta toda convicção, enquanto os
piores estão cheios de intensidade apaixonada. É a psicologia completa
do homem contemporâneo, in�ado de entusiasmo moralista na defesa
do crime e da mentira, paralisado por doentia escrupulosidade cética
ante o apelo da razão e da verdade. Durante um século inteiro, as
grandes mobilizações de massas, com todo o seu cortejo de adornos
literários e musicais, foram em favor do que havia de pior:
comunismo, fascismo, a entrega do Vietnã e do Camboja a um
esquadrão de genocidas e, agora, a campanha mundial para destruir as
duas últimas democracias independentes,  e Israel, e submeter a
humanidade à tirania planetária dos engenheiros sociais. Tal como nos
casos anteriores, as hordas de imbecis fanatizados não sabem a quem
servem. Alardeiam lutar contra “o imperialismo global”, e mesmo o
fato patente de que suas marchas e suas ’s sejam subsidiadas pelas
grandes fortunas, gerenciadas pelos organismos de administração
mundial eincitadas pela mídia chique não basta para alertá-los quanto
à verdadeira natureza da causa pela qual gritam, matam e morrem. Do
outro lado, os que compreendem algo do estado de coisas �cam
inibidos pela complexidade do mal que os cerca e preferem calar-se,
fazendo de conta que não viram nada.
***
E, por falar em Yeats: quando escrevi O imbecil coletivo, julgava estar
descrevendo um estado de depravação intelectual raramente igualado
em qualquer outro país do Ocidente moderno. Nem em pesadelo
podia imaginar que em poucos anos o Brasil iria ainda mais fundo na
sua opção irreversível pela ignorância presunçosa. Mas é isso o que
vem acontecendo.
Um exemplo recente foi a entrevista de um ministro do  a um
apresentador de  que tem fama de culto, durante a qual S. Excia.,
com a manifesta aprovação do entrevistador, proclamou que os
grandes poetas são todos de esquerda, que o conservadorismo é
incompatível com a arte, e apontou como exceção quase inexplicável o
caso de Ezra Pound.
Bons tempos, aqueles em que só o dr. Emir Sader tinha a cara-de-pau
de dizer essas coisas. Agora elas estão praticamente o�cializadas.
Os nomes de William Butler Yeats, T. S. Eliot, Guillaume Apollinaire,
Karl Kraus, Paul Claudel, Boris Pasternak, Miguel de Unamuno, Hugo
von Hoffmansthal, Stefan George, Rainer Maria Rilke, Saint-John-
Perse, George Trakl, Konstantinos Kavaphis, Robert Penn Warren,
Jorge Luís Borges, Giuseppe Ungaretti, Jules Supervielle, Eugenio
Montale, Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, decerto, não dizem nada
ao sr. ministro. São quatro quintos da grande poesia do século . O
recuo conservador dos poetas numa época de “progressismo”
grosseiro é fato universalmente reconhecido pelos historiadores, mas a
“cultura nacional” vive num mundo à parte.
Também não perturbou a certeza do entrevistado o fato de que
Pound não fosse um conservador, mas um agitador fascista, autor de
discursos anticapitalistas ainda mais virulentos que os do Fórum
Social Mundial.
***
Nunca escrevi que o sr. Frei Betto me perseguia, mas que sondava meu
endereço pelas minhas costas. Também não “insinuei”, mas a�rmei, e
rea�rmo, que os sites pornográ�cos com o nome dele continuavam no
ar. Na resposta que enviou a O Globo, ele resmunga, mas, é claro, não
desmente nada.
O Globo, 11 de setembro de 2004
A 
Em artigo recém-publicado no Wall Street Journal, Mary Anastasia
O’Grady alerta que a China está preenchendo o vazio deixado na
América Latina pela política do Departamento de Estado. Herança
mórbida de Bill Clinton que George W. Bush largou inalterada para
concentrar-se nos problemas do Oriente Médio, essa política consiste
de: (1) apoio às intromissões do  na política econômica local, as
quais colocam os americanos numa posição antipática sem lhes trazer
benefício nenhum; (2) “combate às drogas” por meio de uma estratégia
suicida que só bene�cia as  e os cocaleros; (3) ajuda maciça a
’s esquerdistas empenhadas em fazer a caveira dos militares; (4)
ingênua complacência ante valentões tipo Hugo Chávez.
Desde o início esse cardápio parecia mesmo planejado para favorecer
a ascensão do esquerdismo e abrir as portas da  às ambições
chinesas. Nada mais natural, já que a esquerda aí ama Bill Clinton de
paixão e o governo da China o ajudou com dinheiro em campanhas
eleitorais. Mas, se a arraigada boa-fé dos eleitores americanos os
impediu de atinar com a lógica perversa por trás do esquema, hoje as
conseqüências da aplicação dele são tão vistosas quanto a onda
continental de antiamericanismo que as manifesta e as dissimula.
(Sobretudo dissimula: pois quem poderia suspeitar que a esquerda
triunfante deve seus louros ao governo americano, justamente no
momento em que mais esbraveja contra ele da boca para fora?).
A sra. O’Grady observa que aqueles quatro pontos não correspondem
em nada às convicções do atual presidente — o qual, com certeza, há
de suprimi-los tão logo um segundo mandato lhe dê forças para isso.
A ascensão das esquerdas na América Latina é um epifenômeno: uma
aparência super�cial gerada por um fato mais discreto e mais
profundo, originado nos . Suprimido o fato, a aparência se desfará
por si própria, como uma bolha de sabão. E os que apostaram nela
�carão, uma vez mais, com cara de tacho.
Daí o sentimento de urgência apocalíptica, a agitação obscena da
torcida latino-americana pró-Kerry. Agitação inútil: o candidato
democrata enrola-se cada vez mais em tentativas de manchar a
reputação de Bush, que retornam sobre a sua pessoa com força
multiplicada. Foi ele quem, ao fazer-se de herói de guerra e depreciar o
adversário como soldado relapso, chamou para fora do armário o
esquadrão de esqueletos que agora, com uniformes da Marinha, vêm
assombrá-lo em pesadelos. Foi ele quem, apelando ao expediente sujo
das imputações criminais, se expôs ao risco de investigações que
ameaçam trazer à luz a sua participação num complô de homicídio.
Resultado: segundo a Gallup e a Zogby, que sabem mais do que a
mídia brasileira, ele tem 42% das intenções de voto, contra os 55% de
Bush. O problema da candidatura Kerry é John Kerry.
É preciso alguém estar mesmo muito desesperado, para chegar a
apostar tudo num clone geneticamente defeituoso de Bill Clinton.
***
Com Das casernas à redação: a era de turbulências, publicado esta
semana pela Editora UniverCidade, Paulo Mercadante nos dá mais
uma prova de seu talento para apreender a unidade de sentido por trás
de acontecimentos heterogêneos. É, antes de tudo, a história de um
grande jornal — este mesmo jornal em que tenho a honra de escrever
—, contada com foco nos três personagens que lhe deram vida: Irineu,
Roberto e Rogério Marinho. Mas O Globo não aparece aí apenas como
empresa jornalística, e sim como expressão de um movimento político
decisivo, o tenentismo, desde suas origens no começo do século  até
seu declínio na era Geisel. Não creio que algum dia a trajetória de uma
publicação brasileira tenha sido delineada sobre um fundo histórico
tão vasto, nem com uma visão tão aguda das ligações entre jornalismo,
política e cultura.
Sempre �co sem jeito para elogiar Paulo Mercadante, porque temo
que a minha admiração ilimitada pareça devoção boboca. Mas como
poderia a amizade que lhe tenho amortecer minha inteligência crítica,
se tudo o que leio dele revigora essa inteligência mais do que qualquer
outro produto da farmacopéia cultural brasileira?
O Globo, 18 de setembro de 2004
D Z  
No último des�le de 7 de setembro, esposas de soldados e o�ciais
ostentavam um cartaz com o aviso: “Militar é patriota, não idiota”.
Aludiam ao aumento ridículo dado ao soldo de seus maridos, mas as
palavras que usaram têm um sentido mais geral. Podem aplicar-se
literalmente a outras atitudes o�ciais que têm como único fundamento
possível a presunção da idiotice congênita dos homens de farda.
O chefe da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, Nilmário
Miranda, por exemplo, espera que eles acreditem na história contada
pelo ex-soldado Valdete Batista, o qual diz ter enterrado no terreno da
Polícia Federal em Brasília, por ordem de seus superiores, um maço de
documentos que incriminam o Exército em delitos de tortura de
presos políticos.
O jornal Correio Braziliense endossa a narrativa, sem querer dar-se
conta de dois detalhes:
Primeiro, ela corresponde a um esquema repetível, �xo, que há dez
anos é reeditado ciclicamente como novidade espetacular, trocando-se
apenas o ator incumbido do papel de testemunha heróica, sempre um
joão-ninguém que, após brilhar nas manchetes por umas semanas,
volta à obscuridade banal como se nada tivesse acontecido.
Segundo: exatamente como nos casos anteriores, a historieta
apresenta logo de cara tantas contradições, que mesmo um fanático
empenhado em fazer a caveira dos militares por todos os meios lícitos
e ilícitos tem de caprichar bastante na performance para conseguir dar
a impressão de que leva a coisa a sério.
Já mencionei aqui uma acusação extravagante levantada pelo repórter
Caco Barcelos contra o Exército, a qual,mesmo depois de provada a
falsidade documental e até a impossibilidade física das alegações,
ganhou dois prêmios jornalísticos, como se a impostura do conteúdo
fosse detalhe inócuo na avaliação da qualidade de uma reportagem.
Mas o caso Valdete não perde na comparação. Vejam só:
1) O soldado conta que entrou no Exército em 1981 (o jornal diz
1982, sem perceber que o desmente). Poucas semanas depois já tinha
carteirinha da Polícia Federal e desempenhava nos serviços de
repressão uma impressionante multiplicidade de tarefas: seguir
suspeitos de subversão, tirar fotogra�as, redigir relatórios, pesquisar
nos arquivos, vigiar os presos, bater neles e torturá-los. Saltando direto
da �la do alistamento militar para as altas responsabilidades do serviço
secreto, sem nenhum intervalo para treinamento, a carreira do
personagem ilustra a memorável trans�guração do Recruta Zero em
Agente 86.
2) Quando da debandada geral dos torturadores, já no governo
Collor, o temível araponga, fotógrafo, burocrata, carcereiro e
torturador interino foi, segundo diz, encarregado de queimar cinco
sacos de lixo repletos de documentos incriminadores, mas “não deu
tempo”. Na urgência, não dispondo de trinta segundos para acender
uma fogueira, o engenhoso recruta preferiu cavar um fosso de um
metro de profundidade por meio metro de largura, coisa que um
cavouqueiro treinado não faria em menos de meia hora, e enterrar lá
as provas do crime.
3) Se depois de duas décadas ele decidiu botar a boca no mundo, foi
por motivos elevados, mas também sumamente práticos. De um lado,
teve uma onda de escrúpulos retroativos, dando-se conta de que era
muito feio bater em honestos pais de família que só queriam o bem do
país. De outro lado, ele explica que estava mesmo na pior, morando de
favor, e resolveu contar tudo para ver se com isso obtinha — como
direi? — algum.
Não é uma história comovente? O dr. Nilmário, pelo menos, parece
ter-se condoído ao ponto de não só acreditar nela mas esperar que os
militares também acreditem. Se acreditassem, provavelmente
repudiariam a instituição a que servem e passariam a colaborar com o
programa da Secretaria: indenizar terroristas fracassados e demonizar
as Forças Armadas que os impediram de realizar seus nobres ideais.
Mas parece que essa esperança do secretário não vai se cumprir. As
esposas dos militares, no des�le de 7 de setembro, já deram a ele uma
resposta bem clara.
Zero Hora, 19 de setembro de 2004
B, . 
O sr. Luís Inácio da Silva preside um país que mata três vezes mais
gente por ano, em tempo de paz, do que os tiros e bombas mataram no
Iraque desde o começo da guerra.
Sua política econômica criou menos empregos para seus
compatriotas do que o governo dos  criou para os iraquianos.
Seus programas sociais �zeram menos pelos brasileiros pobres do
que os americanos �zeram pela melhoria das condições sociais num
país inimigo.
Contra o crime e a violência, suas vitórias são nulas, sobretudo se
comparadas às dos americanos no Iraque. Hoje em dia é mais seguro
andar pelas ruas de Bagdá do que no Rio de Janeiro, em São Paulo ou
no Recife, pertinho da cidade natal do nosso presidente.
Foi com essa folha de realizações que ele se sentiu investido de
autoridade para ir à  dar lições a George W. Bush.
Não espanta que o aplauso dado à performance viesse sobretudo dos
representantes daqueles países que prosperaram à custa da miséria e
do terror implantados por Saddam Hussein. Essas pessoas �caram
revoltadíssimas com o �m da mamata e, compreensivelmente, acusam
os americanos de haver entrado no Iraque com um intuito que, na
mais depreciativa das hipóteses, foi igual ao delas. Ironicamente, elas
mesmas deram a esse intuito um rótulo infamante — “Trocar sangue
por petróleo” —, sem perceber que carimbavam a própria testa.
Quanto aos americanos, talvez também tenham trocado sangue por
petróleo. Mas, mesmo omitindo que até agora nem um único dólar de
petróleo iraquiano foi para o bolso deles, sendo tudo reinvestido em
benefício do Iraque, ainda resta uma diferença: eles deram na troca o
seu próprio sangue e o dos torcionários de Saddam. Franceses e
alemães deram o de trezentos mil prisioneiros políticos iraquianos.
Não derramaram uma só gota do seu próprio sangue nem investiram
um único euro em programas sociais no Iraque.
O presidente brasileiro foi aplaudido, sim, mas por uma assembléia
de ladrões e espoliadores cínicos, tal como durante doze anos foi
aplaudido, nas reuniões do Foro de São Paulo, por uma platéia de
terroristas, narcotra�cantes e seqüestradores — o pessoal das , do
 chileno, do Movimento Revolucionário Tupac Amaru.
Não direi que esse é o público que ele merece, mas, sem dúvida, é o
que ele escolheu. Se perguntarem por que fez isso, direi que não teve
alternativa: um pobretão do Terceiro Mundo, quando entra na política
pelas mãos de patronos internacionais tão sujos quanto a Comunidade
Européia, a , Fidel Castro e a Fundação Ford, tem de passar o resto
da vida desempenhando o papel de palhaço para o qual o designaram.
E o aspecto mais pitoresco desse papel é que, servindo de
instrumento à implantação de uma tirania burocrática em escala
global, o ator tem de representá-lo dando a impressão de que faz
exatamente o contrário, isto é, de que luta pela soberania nacional e
pela autodeterminação dos povos. Tem de proclamar aos quatro
ventos, com ares de profunda e sincera emoção, aquilo que sabe ser o
inverso da verdade. Isso dói, não dói?
Provavelmente não é justo acusar o sr. Luís Inácio de bêbado. Mas eu,
se estivesse no lugar dele, não �caria sóbrio um minuto sequer.
Ninguém pode forçar tanto a consciência sem alguma anestesia. Fica
pois aqui o meu conselho para o presidente: se o senhor não bebia,
beba. Beba sem medo de ser feliz ao menos fora das horas de
espetáculo. Não ligue para o Larry Rother. Ele não entende o seu
problema.
***
A universidade brasileira é inimiga inconciliável dos militares e
colaboradora do establishment globalista na destruição das nossas
Forças Armadas. Sua recusa de cumprir a lei que garante vaga a
soldados e o�ciais transferidos é um ato de rebelião ao mesmo tempo
criminoso e pueril, bem característico de uma instituição ridícula, cuja
contribuição ao progresso do conhecimento é torrar dinheiro público
para imbecilizar as novas gerações por meio de uma propaganda
política abaixo de ginasiana. Mais uma vez me alegro de haver optado,
na juventude, por levar minha vida de estudos bem longe desse templo
da estupidez humana.
O Globo, 25 de setembro de 2004
C   
Um amigo, vítima recente da bandidagem carioca, me escreve que a
desordem reinante ultrapassou os limites do tolerável e que é preciso a
população tomar alguma atitude, só restando saber qual. Enviei a ele a
seguinte resposta:
“A vida da sociedade, como a dos indivíduos, vai para onde vai o
pensamento humano. ‘Tal como o pensardes, assim o será’, diz a Bíblia.
Na sociedade, a função do pensamento corresponde aos intelectuais,
aos formadores de opinião, à classe das pessoas que falam, escrevem,
ensinam e moldam a mentalidade das gerações. No Brasil, há quarenta
anos os intelectuais, in�uenciados pelo ‘marxismo cultural’, vêm
inoculando nas classes dirigentes, nos legisladores, nas autoridades e
na opinião pública a crença de que os bandidos são bons e a ordem
legal é ruim. Eles sabem perfeitamente que não é assim, mas
aprenderam que os delinqüentes são uma poderosa força corrosiva
que deve ser usada para minar as instituições e abrir o caminho para o
socialismo. Começaram por favorecer os bandidos na literatura e no
cinema, depois nos jornais e nos noticiários de , nos debates
públicos em geral, nas escolas e, por �m, nas leis. Leis que
criminalizam a polícia e protegem os bandidos. Leis que desarmam os
homens honestos e dão aos delinqüentes o monopólio do uso da força.
É absolutamente impossível que, numa sociedade in�uenciada
hegemonicamente por essas idéias, situações como a que você
vivenciou não se tornem a experiência diária da populaçãoe que,
nessas condições, a vida de todos não se torne um inferno. De todos,
exceto os marginais e seus protetores, a classe dos intelectuais ativistas,
cada vez mais poderosa, mais rodeada de prestígio, mais subsidiada
pelo Estado e mais arrogante nas suas pretensões. E, justamente
quando a vida se torna um inferno, esses charlatães ainda tiram novo
proveito da situação, explicando tudo como produto de ‘causas sociais’
impessoais, e exigindo, na alegada intenção de corrigi-las, leis que
tornem o cidadão ainda mais impotente e os bandidos ainda mais
e�cientes.
“A culpa única e exclusiva do presente estado de coisas cabe aos
intelectuais ativistas. Quando ouvir um sociólogo, um professor, um
artista, um jornalista ponti�cando sobre as causas sociais e
econômicas da criminalidade, lançando as culpas sobre ‘a sociedade’,
saiba que está diante do culpado em pessoa; diante de um criminoso
ainda pior do que aqueles que, nas ruas, transformam em ação os
pensamentos dele. Os apóstolos de ‘um mundo mais justo’, os
adocicados pregadores de ‘uma sociedade mais fraterna’, são os gurus
do crime. É contra eles que deve ser dirigido o esforço dos cidadãos
honestos que não exigem uma sociedade paradisíaca, mas querem
apenas sossego para trabalhar, liberdade para andar nas ruas,
segurança para criar seus �lhos”.
O que está dito aí não é novidade nenhuma. Todo mundo só hesita
em admitir essas coisas porque a aposta nacional na idoneidade do
beautiful people das artes e letras foi alta demais. Descobrir uma
intenção perversa em tantas “pessoas maravilhosas” seria traumático.
Por isso, sempre que queremos pôr ordem no galinheiro, a primeira
idéia que nos ocorre é solicitar o parecer técnico da raposa.
***
Mas não é só no Brasil que isso acontece. Em artigo recente, o
jornalista Steven Plaut denuncia a diferença de tratamento dado pela
mídia aos agitadores de direita e de esquerda israelenses. Enquanto os
primeiros são mantidos sob vigilância cerrada, os segundos
conservam seu status de cidadãos acima de qualquer suspeita, por
mais que façam contra Israel. No último Yom Kippur, eles pintaram
slogans obscenos e pró-terroristas na Grande Sinagoga de Jerusalém e
divulgaram os lugares onde os virtuais assassinos políticos podem
encontrar seus alvos prediletos, Sharon e Netanyahu. O episódio foi
noticiado como mero “protesto” e não como crime.
Se até o povo mais durão do universo fraqueja ante a chantagem
moral esquerdista, por que nós, brasileiros, haveríamos de reagir
melhor?
Mas, lá como cá, um dia isso vai ter de acabar — ou com a demissão
da raposa, ou com a morte da última galinha.
O Globo, 2 de outubro de 2004
B 
Mais que ódio às Forças Armadas, o fuzuê criado pela associação dos
reitores (Andifes) contra a garantia de vagas para os militares nas
universidades denota o analfabetismo funcional de Suas Excelências.
A lei que suscitou a indignação da entidade busca impedir que o
militar estudante �que em desvantagem ante seus colegas civis, e que
sofra essa injustiça em razão do próprio serviço que presta a um
Estado investido do direito de mudá-lo constantemente de cidade. Um
desequilíbrio constitutivo da condição de soldado é aí corrigido,
restaurando a igualdade de oportunidades entre alunos de farda e à
paisana, estes, aliás, quase sempre de classe mais rica.
Interpretar isso como “privilégio” é inverter o sentido dos termos, da
relação lógica entre eles e da realidade que lhes corresponde. Esse não
é um ponto que dependa de opiniões, de valores, de escolha pessoal. É
simples questão de compreender um texto — e isto parece estar acima
da capacidade dos senhores reitores.
Não o digo para atacá-los, mas para defendê-los. Excetuada a inépcia,
a única hipótese restante para explicar sua atitude seria a
incompreensão deliberada, maldosa, empenhada em torcer o sentido
da lei para fomentar criminosamente o preconceito antimilitar e gerar
uma crise institucional. Pois a Lei 9.536, de 1997, oferece a mesma
garantia aos militares e aos funcionários civis, mas a Andifes protesta
exclusivamente contra sua aplicação àqueles, não a estes. É confusão
ou malícia? Na primeira hipótese, aquela assembléia de sábios inverte
o sentido da palavra “privilégio” simplesmente porque não o
compreende. Na segunda, utiliza-se maquiavelicamente de uma
inversão proposital para instigar as ambições de uma classe em
detrimento da outra, esfregando as mãos de contentamento por haver
conseguido explorar com astúcia as contradições de interesses dentro
da estrutura do Estado. Ou os senhores reitores são muito burrinhos,
ou são intrigantes revolucionários. Não sendo da minha natureza
atribuir más intenções a ninguém, escolho resolutamente a primeira
alternativa. Resta, é claro, a possibilidade de que haja nas suas cabeças
um misto de ambos os componentes, mas aí sua psicologia já se torna
complexa demais para ser analisada num artigo de jornal.
Qualquer que seja o caso, a incapacidade é um fator presente, e por si
já é grave o bastante.
A inépcia da elite universitária é a causa mais imediata e geral dos
males que acometem este país, e a complacência, se não afeição
masoquista da sociedade para com essa classe de mentecaptos
subsidiados já ultrapassou, de há muito, o limite de segurança para
além do qual uma nação arrisca perder, junto com a consciência
intelectual, a capacidade de sobrevivência.
Mas a arrogância da Andifes contra as Forças Armadas torna-se
ainda despropositada quando se sabe pelos resultados do Provão que,
das instituições superiores de ensino, praticamente só as militares
honram a educação brasileira. As outras — públicas e privadas — são
em geral nada mais que tubos digestivos, onde por um lado entra o
dinheiro do povo em impostos ou mensalidades, pelo outro sai
anualmente uma enxurrada de incapazes.
Excetuadas as glórias da nossa engenharia aeronáutica, mérito de
militares, a contribuição dos universitários brasileiros ao progresso do
conhecimento humano é praticamente nula. Imensurável, em
contrapartida, é sua contribuição ao incremento do ódio
revolucionário e da crença messiânica no futuro da estupidez
socialista. Os dois fatores estão interligados: a demagogia esquerdista,
Ersatz consagrado dos estudos sérios, é uma via preferencial para subir
na vida sem fazer força, com a ajuda do corporativismo predatório e
de interesses partidários infames.
“Tolerância zero” para com a impostura acadêmica é a condição
prévia para qualquer esperança de um Brasil melhor. É insensato
pretender que um povo possa primeiro resolver seus problemas para
só depois tratar de aprender o que tem de aprender.
***
.. – A liminar concedida quinta-feira pelo juiz federal Aroldo José
Washington, da 4ª Vara Federal Cível de São Paulo, em favor das
pretensões da Andifes, suspendeu apenas o parecer da Advocacia
Geral da União que garantia as vagas para os militares, mas não a lei nº
9.536, fundamento dessa garantia, que continua em vigor.
Zero Hora, 3 de outubro de 2004
F 
Quanto à in�uência da �loso�a universitária francesa no
Brasil, pouparemos ao leitor a descrição dos efeitos da
macaqueação de um modelo degenerado.
— Jean-Yves Béziau
A , Associação Nacional de Pós-Graduação em Filoso�a, vai
realizar de 12 a 22 de outubro, em Salvador/, o seu  Encontro
Nacional de Filoso�a. Se eu fosse um saudosista doente, iria correndo
me inscrever, para ter acesso às últimas descobertas do pensamento
brasileiro... da década de 60.
Lendo o programa, tenho a nítida sensação de estar de volta aos
tempos da Rua Maria Antônia, quando a estrela de Sartre ainda
brilhava, Deleuze e Foucault surgiam como esquisitices sedutoras e o
pessimismo corrosivo da Escola de Frankfurt parecia o último recurso
para salvar in extremis a reputação declinante do marxismo europeu.
A releitura de Platão e dos pré-socráticos com os olhos de Nietzsche e
Heidegger enobrecia com um verniz de erudição clássica a esperança
de harmonizar o legado grego com um niilismo que, apolítico ou
mesmo um tanto reacionário em si, era útilde algum modo ao
propósito frankfurteano de demolir a civilização do Ocidente. Alguma
atenção periférica sobrava para os últimos rebentos da escola analítica,
incumbidos de corroer as resistências espirituais do inimigo desde
dentro do seu próprio campo. E não faltavam as homenagens de praxe
a Descartes e a Kant por terem criado, ainda que involuntariamente, as
condições culturais para o restante da brincadeira. No conjunto, o
Partido Comunista orquestrava tudo, hábil na arte gramsciana de
aproveitar para �ns hegemônicos a variedade de correntes de ação e
pensamento mesmo apenas vagamente compatíveis com esse �m.
À margem do processo, os católicos ainda não conquistados para o
teilhardismo ou para o culto dominicano de Che Guevara entoavam
suas litanias habituais ao tomismo diet de Maritain, só interrompidos
pelo retorno de Tarcísio Padilha que trazia da França sua tese sobre a
ontologia de Louis Lavelle, uma lufada de ar logo dispersa na mesmice
geral. Os esquisitões e incatalogáveis — Vilém Flusser, Renato Cirell
Czerna, Romano Galeffi — prosseguiam sua batalha inglória,
amontoados na trincheira do Instituto Brasileiro de Filoso�a, aberta
por Miguel Reale para dar espaço a estilos de �loso�a rejeitados numa
universidade que marginalizava seu próprio reitor.
O grosso da corrente seguia o molde uspiano. Em 1968, morria,
ignorado pela totalidade dos pigmeus, o único autêntico gigante da
�loso�a brasileira, Mário Ferreira dos Santos.
Desde então, nada mudou. O Partido — ou pelo menos seu nome —
desapareceu, mas a orientação que imprimiu aos estudos �losó�cos
neste país continua �rme e inabalável, graças à obediência passiva das
gerações subseqüentes, que nem sabem quem compôs a música que
tocam. Dentre os trabalhos inscritos para o evento baiano, o marxismo
domina amplamente o leque de temas, com 73 apresentações. Kant e
Nietzsche vêm em seguida, com 56 e 53 respectivamente, logo
acompanhados pelos desconstrucionistas, com 52. No quarto lugar,
Heidegger (35) empata com Platão, ou melhor, com Platão lido por
Heidegger. O restante distribui-se entre Freud, os clássicos, os
analíticos e outros temas usuais. Aristóteles, que amargou trinta anos
de exílio e voltou após o meu Aristóteles em nova perspectiva
(publicado em 1996 e jamais citado nesses ambientes castos), é objeto
de 26 comunicações. Hegel merece vinte, e Merleau-Ponty, o
apologista de Stálin, dez. De tudo o que aconteceu na �loso�a mundial
no último meio século, minutos preciosos são esfarelados com
pensadores de importância episódica, como John Rawls, Robert
Brandom ou Gianni Vattimo. Os �lósofos criadores mais poderosos
das últimas seis décadas, Bernard Lonergan, Xavier Zubiri, Leo
Strauss, Frithjof Schuon, Seyyed Hossein Nasr, Eric Voegelin, Ken
Wilber, Wolfgang Smith, continuam perfeitamente ignorados, com as
possíveis e meritórias exceções de uma comunicação sobre o
pensamento iraniano, onde Nasr deve aparecer ao menos como
referência, de outra sobre integração da consciência que talvez
mencione Wilber e de uma terceira com o título altamente
signi�cativo “A novidade da �loso�a de Xavier Zubiri”. Novidade que
nos anos 50 já era objeto de longos estudos de Julián Marías.
É um festival retrô em toda a linha. Mas, ali dentro, ninguém sabe
disso. Garantidos pela autoridade de Dona Marilena Chauí, mentora
do evento, os participantes acreditam estar na vanguarda dos tempos.
As rodas da história mental, no Brasil, continuam girando com uma
defasagem regulamentar de cinqüenta anos em relação ao mundo
civilizado, mas quem vai se dar conta disso, se a percepção média
acompanha o passo da elite acadêmica? O positivismo chegou aqui
quando os ossos de Augusto Comte se esfarelavam. O marxismo,
quando sua credibilidade sofria violentos abalos com a revelação do
genocídio soviético. O estruturalismo-desconstrucionismo continua
em voga, dez anos depois de o episódio Sokal ter evidenciado a
charlatanice de seus próceres e vinte depois de Malcolm Bradbury os
ter exposto ao ridículo na sátira My Quest for Mensonge, biogra�a do
�lósofo inexistente Henri Mensonge, que, �delíssimo ao espírito da
coisa, se desconstruíra a si mesmo, desaparecendo por completo desde
antes do nascimento. Mas o apego dos brasileiros às suas antigas
afeições é tanto, que chega a inverter a ordem dos tempos, como nos
amores espíritas de além-túmulo. De quando em quando, ainda
aparece algum jovem universitário, de dedo em riste, dizendo que sou
um monstro antediluviano, que só chegarei à atualidade da evolução
animal quando ler Les Mots et les Choses (1966). Assim caminha a
brasilidade.
Mas isso não abala a consciência de ninguém. De Cruz Costa a Paulo
Arantes, a ortodoxia uspiana sempre trouxe consigo a autovacina
contra constatações deprimentes, explicando a própria inépcia pelo
subdesenvolvimento econômico (a�nal, quem �losofa sem uma boa
conta bancária?) e este último é, claro, pela “teoria da dependência”.
Logo, ninguém precisa se acusar de nada. É tudo culpa do George W.
Bush.
Folha de São Paulo, 6 de outubro 2004
M  
Os jornalistas brasileiros, com raríssimas exceções, guiam-se muito
pela grande mídia dos , maciçamente pró-Kerry, acreditando ou
�ngindo acreditar que assim estão bem informados. O New York
Times, o Washington Post, a , a  servem-lhes de gabarito para
medir a importância dos fatos, a credibilidade das fontes, a in�uência
de uma idéia, a reputação de um escritor, o valor de uma teoria.
Enganam-se a si próprios e ao público. Nenhum jornal ou canal de
 americano desfruta de autoridade comparável à de seus similares
brasileiros. Estes são poucos e dominam facilmente a opinião pública,
criando e destruindo reis com a presteza do mago Merlin. A mídia
regional é dependente deles ou desaparece na comparação.
Nos , os meios de in�uenciar o povo estão muito mais repartidos.
Nenhuma organização tem hegemonia, e a soma das grandes se retrai
no confronto com a multiplicidade das pequenas. Jornalistas
individuais, distribuindo seus artigos a centenas de jornais e estações
de rádio do interior, podem ter platéias maiores que a de Ted Turner.
Para vocês fazerem uma idéia, o New York Times vende em média
1.600.000 exemplares no domingo, 1.100.000 em dias de semana. A
, no primeiro debate eleitoral, alcançou cinco milhões de
telespectadores. Mas o radialista Rush Limbaugh, republicano roxo, é
ouvido diariamente por 38 milhões de americanos. E a internet
bagunçou tudo, na luta pela atenção pública. Hoje, mesmo a modesta
agência de jornalismo eletrônico WorldNetDaily (www.wnd.com)
mete medo nos maiorais. As sucessivas denúncias de fraudes
jornalísticas mudaram toda a hierarquia de credibilidade. Passou o
tempo em que o New York Times podia ocultar impunemente,
durante sete anos, o genocídio pela fome na Ucrânia. Foi a iniciativa
espontânea de milhares de internautas que estourou a farsa montada
pela  contra George W. Bush.
Se não fosse por essas coisas, o sucesso local do presidente americano
seria inexplicável, pois toda a grande mídia, com exceção da Fox, está
contra ele. E o ódio que se despeja sobre ele de todos os quadrantes
explica-se em parte pelo fato de que em muitos países os canais
básicos de informação sobre os  são os mesmos que chegam até
aqui.
O resultado é um descompasso total entre o que os americanos
sabem de si mesmos e o que o restante do mundo — a começar pelo
Brasil — imagina que eles pensam. Ninguém põe em dúvida que o
destino da humanidade se decide nos . Seria ótimo se as províncias
em torno tivessem uma idéia mais real do que se passa na capital do
planeta. Mas, para isso, seria preciso perder a ilusão de que o prestígio
internacional de um canal de mídia faz dele uma autoridade para os
americanos.
Enquanto essa ilusão não passa, �ca difícil para o pessoal da
província entender, por exemplo, que John Kerry não é o representante
de uma política mais bondosa em oposição ao “imperialismo” de
George W. Bush, e sim o agente do imperialismo mais avassalador que
já existiu, o de uma burocracia internacionalque dia após dia vai se
autoconstituindo em governo do mundo sem a menor consulta às
preferências da espécie humana. Todos os eleitores de Bush sabem
disso, mas no Brasil a coisa ainda soa inverossímil como uma “teoria
da conspiração”. Também não é segredo para aqueles eleitores, mas um
tabu entre nós, o fato de que estão com Kerry e não com Bush, além da
mídia chique, os interesses petrolíferos que lucraram com a ditadura
de Saddam Hussein, as megacorporações que subsidiam movimentos
de esquerda no Terceiro Mundo, os bancos internacionais que
sustentam a falsa prosperidade chinesa e as organizações
narcotra�cantes ansiosas para tornar-se legalmente um comércio
monopolístico global. Ainda mais impensável parece aqui a idéia de
que entre esse gigantesco esquema de poder e o terrorismo islâmico
possa haver alguma ligação. Por isso, quando se revela que a 
emprega gente do Hamas, ou que funcionários desse organismo foram
presos em Israel por envolvimento direto com grupos terroristas, o
brasileiro reage com a típica autodefesa caipira: faz de conta que não
viu nada.
O Globo, 9 de outubro de 2004
O   B
As pesquisas de opinião mostram que, se as eleições americanas
fossem no Brasil, John Kerry obteria quase 100% dos votos, mas, se
fossem no Iraque, Bush venceria sem di�culdade. A conclusão é óbvia:
os pobres iraquianos estão sendo manipulados por uma sórdida
campanha de publicidade. Que bom viver no Brasil, onde a mídia é
honesta e equilibrada.
Vejam vocês: todos os cinemas brasileiros que exibiram o �lme de
Michael Moore contra George W. Bush projetaram também o
documentário dos veteranos de guerra contra John Kerry. Nas
livrarias, encontram-se, em número igual, reportagens investigativas,
con�áveis ou não, com mirabolantes histórias secretas dos dois
candidatos. Nos comentários de , cada palavra dita contra Bush é
contrabalançada por uma contra Kerry.
Se os brasileiros optaram por Kerry, foi portanto com plena
consciência. Eles não foram privados de nenhuma informação
essencial que pudesse afetar suas preferências.
Ninguém neste país ignora, por exemplo, que um dos principais
agentes �nanceiros da campanha de Kerry, o banqueiro iraniano
Hassan Nemazee, tem altos negócios com o governo de Teerã. Nem
que Kerry, portanto, tem boas razões para proclamar que o melhor a
fazer com os aiatolás é abastecê-los de combustível nuclear americano,
mesmo depois de o presidente do Irã anunciar que em quatro meses
seu país terá uma bomba atômica.
Nenhum brasileiro foi privado de acesso à con�ssão do ex-
comandante do serviço secreto romeno, Ion Mihai Pacepa, de que as
declarações de Kerry ante o Senado, em 12 de abril de 1971, nas quais
ele acusou os soldados americanos de cortar a esmo orelhas, pernas e
cabeças de civis no Vietnã, se originaram em desinformação plantada
pelo próprio Pacepa entre as organizações “paci�stas” da época.
Nenhum brasileiro foi impedido de ouvir a entrevista do médico
militar que tratou de Kerry no Vietnã, segundo o qual as famosas
feridas de guerra que deram uma condecoração ao herói foram
curadas com um simples band-aid.
Nenhum brasileiro foi mantido na ignorância de que Teresa Heinz
Kerry subsidia 57 movimentos radicais, muitos deles ligados a
organizações terroristas islâmicas.
Nenhum brasileiro deixou de saber que George Soros, o
mega�nanciador de Kerry, não é só um empresário subitamente
interessado em política, mas um tarimbado orquestrador de golpes e
revoluções.
Nenhum brasileiro desconhece que a campanha mundial anti-Bush é
dirigida pelos mesmos interesses petrolíferos que se alimentaram da
ditadura sangrenta de Saddam Hussein.
Nenhum brasileiro deixou de ser informado de que, dos virtuais
eleitores de Kerry, só 40% gostam dele; o restante votaria em qualquer
coisa que fosse contra Bush.
Nenhum brasileiro �cou sem saber que a justiça americana descobriu
uma inundação de títulos eleitorais falsos, espalhados pelo Partido
Democrata.
Todas essas notícias foram amplamente divulgadas e comentadas,
com exemplar idoneidade, pela mídia nacional.
Mas como não haveria de ser assim? Por que o nosso jornalismo seria
menos isento e objetivo com as eleições americanas de 2004 do que o
foi com as brasileiras de 2002? Por acaso algum brasileiro votou sem
saber que participava de uma encenação destinada a reduzir o leque
das opções políticas à escolha entre variados tipos de socialismo?
Alguém votou sem saber das ligações políticas de pelo menos três dos
partidos concorrentes com organizações de terroristas,
narcotra�cantes e seqüestradores no quadro do Foro de São Paulo?
É claro que não. O país, informadíssimo, votou consciente, na eleição
proclamada pela mídia “a mais transparente da nossa história”. É com
semelhante conhecimento de causa que ele agora, quase
unanimemente, torce por John Kerry.
O melhor do Brasil são mesmo os brasileiros. Principalmente os
jornalistas.
***
Terça-feira, dia 19, às 18h, no Teatro da Cidade (Av. Epitácio Pessoa,
1664), Paulo Mercadante fará o lançamento de seu livro Das casernas à
redação. É a história deste jornal — a melhor história que já se
escreveu de um jornal brasileiro.
O Globo, 16 de outubro de 2004
Q  
Toda �loso�a nasce de um impulso originário — infantil, se quiserem
— de entender a realidade da experiência. Mas, entre esse impulso e a
“�loso�a” como atividade curricular acadêmica, a distância é às vezes
tão grande que ele desaparece por completo.
As desculpas para isso são sempre as mais respeitáveis. Antes de
responder às perguntas da infância é preciso adquirir os instrumentos
intelectuais do saber adulto, o que inclui o estudo das obras dos
�lósofos; este estudo supõe o domínio da interpretação de textos; e a
interpretação de textos pode ser tão interessante que se torna um pólo
de atração independente. Eis-nos então nos píncaros do saber
�losó�co acadêmico, ao menos no sentido franco-uspiano do termo, e
imunizados para sempre às perguntas que nos levaram, pela primeira
vez, ao estudo da �loso�a. Na  dos anos 60, que não parece ter
mudado muito desde então, qualquer tentativa de enfrentar essas
perguntas em vez de ocupar-se da nobre tarefa da análise de textos era
desprezada como amadorismo, beletrismo, ensaísmo. Quando o prof.
José Arthur Gianotti, no auge da sua maturidade intelectual, de�ne a
�loso�a como uma ocupação com textos, ele não faz senão expressar
sua experiência de algo que, no ambiente da sua formação, recebia o
nome de “�loso�a”, mas que jamais seria reconhecido como tal por
Sócrates e Platão.
Platão — ou Sócrates — mostrava um caminho para a �loso�a que
jamais poderia ser encontrado num texto. Ele falava de uma
anamnesis, de um mergulho na memória pessoal em busca do instante
do nascimento da consciência �losó�ca. A consciência �losó�ca era a
antevisão das formas universais eternas. Essas formas transcendiam
in�nitamente a esfera da experiência corporal, portanto também da
memória sensível, mas, em algum momento esquecido do tempo,
haviam se entremostrado nela e despertado, na alma do indivíduo
carnal, a aspiração do Bem supremo. No curso posterior da vida, a
maioria dos homens se esquecia desse momento para sempre. Em
outros, a ocultação era parcial. Se o objeto experienciado desaparecia
da consciência, a aspiração a que ele dera nascimento permanecia viva.
Viva, mas buscando satisfação a esmo em objetos impróprios, errando
entre símbolos e simulacros até atinar — ou não — com o caminho de
volta. O encontro do aprendiz com o �lósofo maduro era um
momento decisivo dessa busca. O �lósofo atraía os discípulos porque
algo, nele, evocava o Bem supremo. O �lósofo era um símbolo. O
discípulo podia agarrar-se a ele como a qualquer outro símbolo,
adorando-o ao ponto de desejar possuí-lo carnalmente. É o que
Alcebíades, após a noitada do Banquete, confessa a Sócrates. Mas
Sócrates lhe explica que ele está buscando na direção errada. O que
move a alma do discípulo é o desejo de um bem espiritual esquecido,
que a carne de Sócrates não pode satisfazer. O �lósofo é um símbolodo Bem e não o próprio Bem. Nesse sentido, ele não é diferente de
qualquer outro símbolo. Mas ele não é apenas símbolo. Ele não se
limita a representar exteriormente o Bem, como a beleza material o
representa sem saber o que faz. Ele é um registro consciente daquele
Bem que ele próprio simboliza. Ele é o homem que realizou a
anamnesis e descobriu na própria alma a abertura para o Bem. Por
isso ele pode ensinar a Alcebíades o caminho de volta, mostrar que
esse caminho não se encontra no corpo de Sócrates, e sim na alma de
Alcebíades. Ele convida o discípulo à metanóia, ao giro da direção da
atenção desde fora para dentro, desde a atualidade dos sinais sensíveis
para a escuridão da memória, em cujo fundo brilha, escondida, a
recordação da abertura primordial para a experiência do Bem e das
formas eternas.
A análise in�ndável de textos é uma longa deleitação viciosa no corpo
dos símbolos, um derivativo carnal que afasta para sempre da
recordação do Bem ao mesmo tempo que crê piamente “fazer
�loso�a”. Foi isso que ensinaram ao prof. Gianotti com o nome de
“�loso�a”. Mas não era isso o que Sócrates e Platão ensinavam.
Zero Hora, 17 de outubro de 2004
É  
Desta vez a farsa durou pouco. Mas terá o leitor reparado na pressa
obscena com que a quase totalidade da grande mídia nacional, de
posse de umas fotos bem duvidosas, saiu alardeando mais uma de suas
rotineiras vitórias morais sobre uma direita militar já praticamente
extinta? Terá notado que o enredo do espetáculo corresponde ponto
por ponto a um script repetível, periodicamente reencenado ante
todos os holofotes, para a glória dos mártires esquerdistas e a desonra
dos homens de farda?
Há sempre um ex-cabo, ex-soldado, ex-agente que aparece do nada,
com revelações estapafúrdias e contraditórias, vendidas ao público
como verdades auto-evidentes e aterradoras. Passadas umas semanas,
nada se prova, é claro, mas a reputação das Forças Armadas sai um
pouco mais suja.
Nos dois casos imediatamente anteriores, um morto despertava para
frear um carro, escapando ao constrangimento de morrer duas vezes, e
um agente especial, em fuga das investigações de tortura, não
dispondo de cinco minutos para obedecer à ordem de queimar
documentos comprometedores, passava horas cavando um buraco
para escondê-los...
O grotesco da invencionice não tem limites. Mas quem ousará
duvidar da autoridade moral dos campeões de tantas belas campanhas
pela ética, pela paz, pelo desarmamento? Contra a inteligência do
público, o jornalismo blefa — e ganha. O bom senso popular, retraído,
cede lugar à credulidade servil que se rende ante a voz unânime dos
bem-pensantes.
Desta vez a farsa durou pouco. Mas quando serão tiradas a limpo as
anteriores? Resposta: quando a verdade dos fatos se tornar mais
importante que a celebração ritual da santidade esquerdista.
O vexame desta semana apressará a mudança? Não creio.
“Dar voz aos dois lados” é o mandamento mais banal da pro�ssão,
mas ele não pode ser cumprido quando o objetivo é enaltecer um deles
e humilhar o outro. Esse objetivo tornou-se cláusula pétrea do
jornalismo nacional. Rompê-la é atrair o ódio de uma classe cuja
solidariedade interna se identi�ca consubstancialmente à unidade
histórica do ethos esquerdista.
Nos combates da era militar, o placar das mortes foi bem equitativo.
Os esquerdistas mataram duzentos e perderam trezentos. Se,
respeitando as proporções, a memória jornalística publicasse duas
fotos dos primeiros para cada três dos segundos, duas declarações dos
familiares daqueles para cada três dos descendentes destes, a imagem
pública dos acontecimentos seria bem diversa do que é. Mas, se os
trezentos são pranteados a cada momento como heróis e mártires, os
duzentos não merecem senão o silêncio cheio de desprezo que se
consagra a um detalhe irrisório. É injusto, inumano e supremamente
cínico.
Se para cada três imagens de esquerdistas mortos saísse nos jornais
ao menos uma do tenente Mendes Júnior, assassinado a coronhadas,
amarrado, pelo valente Carlos Lamarca, ou de Márcio Toledo,
militante “justiçado” sob acusação de deslealdade à causa, ninguém
acreditaria na lenda de que a luta foi de bravos e leais idealistas contra
torturadores covardes e cruéis.
Pior. Se as vítimas da repressão fossem comparadas às do terrorismo,
logo se tornaria visível uma diferença: as primeiras foram, todas, gente
envolvida no con�ito. Entre as segundas houve um número
considerável de civis inocentes, con�gurando a prática fria e
persistente de um crime hediondo nem um pouco mais perdoável que
o de tortura.
Aí já não seria possível à nossa mídia — ou governo — continuar
condenando da boca para fora os atos de terrorismo em Nova York ou
Madri ao mesmo tempo que os louva quando voltados contra
brasileiros.
Se as ligações políticas dos terroristas fossem descritas com
veracidade, todo mundo saberia que eles combatiam uma ditadura
culpada de trezentas mortes, mas o faziam como cúmplices de outra
ditadura, culpada de mais de cem mil.
Por isso as comparações têm de ser evitadas. A função do jornalismo
neste país é bem clara, e, com as honrosas exceções de sempre, ele a
cumpre com notável diligência. Não se trata de retratar a realidade do
mundo, mas de transformá-la. E é preciso começar pela transformação
do passado.
O Globo, 23 de outubro de 2004
R  
Um clássico é, por de�nição, um tesouro que nunca se esgota. Cada
geração extrai dele o que precisa, e o que ela extrai não o diminui, mas
se acrescenta a ele, aumentando ainda mais o seu valor para a geração
seguinte. Não há talvez livro que tenha sido mais estudado ao longo
dos tempos do que o Organon de Aristóteles. E não há outro que nas
últimas décadas, 2.400 anos depois de publicado, tenha atraído tanto a
atenção dos estudiosos de metodologia da ciência, principalmente nas
áreas de biologia e física.
Não é bem um livro, mas um conjunto de livros. Desde o século ,
todas as edições incluem nele os seguintes títulos: As categorias, Da
interpretação, Analítica , Analítica , Tópicos e Refutações sofísticas.
O conjunto não chega a quatrocentas páginas. Expliquei no meu
estudo Aristóteles em nova perspectiva (Rio: Topbooks, 1998) por que
acho que a Poética e a Retórica devem entrar também na lista, e logo
no começo, imediatamente depois de Categorias e Da interpretação.
A ordem certa da leitura �ca portanto assim: primeiro, Categorias e
Da interpretação, que são investigações gerais sobre a estrutura do
conhecimento e a compreensão da linguagem. Em seguida, a Poética e
a Retórica, que investigam respectivamente a ação da palavra sobre a
imaginação humana e sobre a ação social e política. Depois, os Tópicos
e as Refutações sofísticas, que fazem o upgrade do mero pensamento
imaginativo e persuasivo para a autêntica investigação da verdade. Por
�m, as duas Analíticas, que expõem as condições do conhecimento
cientí�co.
Lido nessa ordem, o Organon é o manual prático mais e�ciente que
já se escreveu para a transformação do bichinho fantasioso chamado
homem numa criatura capaz de conhecer a verdade. A transição não é
fácil, e o maior motivo de fracasso na tentativa é a passagem rápida
demais para as formas cientí�cas e matematizáveis de pensamento,
sem o exame su�cientemente demorado da linguagem imaginativa e
“irracional” do poeta e do político.
“Se o homem não fosse animal fantástico, não seria também animal
lógico”, dizia Benedetto Croce. Aristóteles ensinava que o discurso dos
poetas age não somente na alma, mas no corpo dos ouvintes, por suas
propriedades musicais que acrescentam ao sentido explícito das
palavras uma forte incitação emocional e onírica na qual reside, por
vezes, todo o valor desse signi�cado. A poesia, neste sentido, está bem
próxima da percepção sensível. Todo conhecimento, segundo
Aristóteles, sobe das percepções ao pensamento abstrato, através de
uma série de mediações operadas na memória e na fantasia. É, pois,
uma ingenuidade supor que as idéias abstratas da ciência e da �loso�a
estejam isentas dessa carga fantástica.Elas a carregam dentro de si, e
só a consciência desse resíduo, continuamente aprimorada por novos
exames críticos pode garantir que o �lósofo e o cientista sabem
realmente do que estão falando. Uma segunda camada de
transformações do material percebido ocorre no nível da vontade e das
escolhas morais, que é abrangido pelo discurso retórico. Tudo o que se
escreveu nos dois últimos séculos sobre o fenômeno do viés ideológico
em discursos intencionadamente neutros vale menos do que uma boa
releitura das páginas da Retórica sobre a psicologia dos vários tipos de
públicos e a tendência de cada um a interpretar o que ouve segundo
seus desejos e expectativas.
Os discursos poético e retórico formam a atmosfera verbal da
sociedade, onde valores, símbolos, estereótipos e crenças circulam
pelas almas e se impregnam profundamente nas consciências. É em
cima desse material que começa o trabalho do �lósofo. Esse trabalho
assume a forma da problematização dialética. Ele classi�ca as idéias
correntes, discerne os vários sentidos implícitos e transforma a
confusa tagarelice da sociedade num conjunto de hipóteses explícitas
que possam ser objeto de análise crítica e veri�cação. É só deste nível
para cima que se pode falar de uma “verdade”. Só então é que vêm
propriamente os problemas da expressão cientí�ca, objeto das duas
Analíticas.
O Organon de Aristóteles, que a cultura de almanaque imagina tratar
apenas da lógica formal, abrange todas as formas da racionalidade
humana, desde o sonho até as equações. Não conheço outro meio mais
e�caz de educação da mente do que um longo mergulho nas páginas
do Organon.
(artigo não publicado)
A  
Em janeiro de 1976, o jornal do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo,
Unidade, publicou uma edição especial com o abaixo-assinado no qual
467 membros da classe, contestando a versão o�cial da morte de
Vladimir Herzog, exigiam da Justiça Militar uma nova investigação. O
documento pode ser visto no site
http://www.partes.com.br/memoria08.html. Meu nome não somente
está na lista de signatários, mas é também o de um dos responsáveis
por aquela edição, o mais ousado protesto coletivo até então realizado
pelos jornalistas contra o regime imperante. Minha posição no caso foi
clara e inequívoca.
Nessas condições, não posso senão concordar com Milton Coelho da
Graça quando diz que anistia não é esquecimento, que a verdade
histórica não deve ser sufocada sob o pretexto de não reabrir feridas.
Apenas observo que é indecente querer reabrir só uma parte da
verdade para encobrir as restantes sob o fulgor hipnótico de revelações
unilaterais. Ora, isso é precisamente o que a nossa mídia vem
propondo.
A rapidez com que tantos comentaristas celebraram como “prova
de�nitiva” a publicação das fotos do suposto Vladimir Herzog só foi
superada pela presteza com que, falhada a operação, anunciaram que
a�nal não tinha a menor importância saber se as imagens eram ou não
do jornalista.
O importante, sim, era dobrar a espinha das Forças Armadas, e este
objetivo tinha sido plenamente alcançado. Parabenizado de início
como revelador da verdade, o Correio Braziliense pareceu ter ainda
mais méritos como cúmplice consciente ou inconsciente de uma
fraude bem-sucedida.
A avaliação dos fatos é a medula do jornalismo. Se um acontecimento
é da maior importância quando suja a reputação dos nossos inimigos
mas se torna repentinamente irrelevante quando ameaça enlamear a
nossa, o critério subentendido nesse julgamento é o do maquiavelismo
político, não o da honestidade.
O tal cabo Firmino, por exemplo, aparece do nada trazendo provas
falsas. Revelada a treta, como continuar acreditando que ele trabalhou
para os serviços de segurança? Por que não investigar se, ao contrário,
ele se in�ltrou no Exército a mando de organizações de esquerda, às
quais continua servindo agora em novas e evidentes funções?
Mais ainda, é óbvio que a verdadeira história dos “anos de chumbo”
jamais poderá ser esclarecida sem a plena elucidação das conexões
internacionais do terrorismo brasileiro. O sr. José Dirceu, por exemplo,
foi o�cial da inteligência militar cubana, cúmplice direto de uma
ditadura genocida que não matou menos de cem mil pessoas.
Acreditar que �zesse isso por amor aos direitos humanos é abusar do
direito à idiotice. Mas quantos outros brasileiros exerceram funções
análogas, antes e depois do fracasso das guerrilhas? Quantos
prisioneiros foram torturados e mortos nos cárceres de Havana, na
época, com a amável complacência daqueles apóstolos do bem,
protegidos de Fidel Castro? Podemos ter a certeza de que nenhum
“desaparecido” jaz num cemitério clandestino de Havana, “justiçado”
por traição à causa como Márcio Toledo? Quais as articulações da
guerrilha brasileira com a , Organização de Solidariedade Latino-
Americana, antecessora do Foro de São Paulo, e qual a ligação dela
com os governos soviético e chinês que nas décadas de 60 e 70 �zeram
pelo menos quatro milhões de vítimas em várias partes do mundo? É
ridículo imaginar que a opacidade dos tempos passados possa ser
removida sem a exaustiva investigação desses capítulos macabros.
Mesmo episódios anteriores da história da esquerda só recentemente
começam a ser esclarecidos. Nos Arquivos de Moscou, William Waack
descobriu que Olga Benário não tinha sido uma pobre idealista punida
por delito de consciência, mas a agente de um serviço secreto militar
que, na mesma ocasião, colaborava intensamente com o governo
nazista. Que é que o beautiful people esquerdista fez com essa
informação? Tratou de escondê-la sob o brilho de uma �cção
cinematográ�ca. Como acreditar que agora ele quer a verdade, nada
mais que a verdade? A mim me parece que ele quer mesmo é agitar a
lama para que ninguém enxergue o fundo do poço.
O Globo, 30 de outubro de 2004
C   
Quando membros do nosso governo federal admitem que Bush na
presidência dos  é melhor para o Brasil do que Kerry, por ser
menos protecionista, estão admitindo implicitamente que sabem
muito mais do que isso: sabem qual dos dois representa o
imperialismo globalista e qual a defesa de uma soberania nacional que
ele ameaça tanto quanto à nossa. Na verdade, qualquer pessoa
razoavelmente informada em relações internacionais sabe que Kerry
— ou, de modo geral, o Partido Democrata — é o instrumento de um
esquema de poder mundial encastelado na , na Comunidade
Européia e nos grandes bancos internacionais. Outro braço desse
esquema é a rede de partidos latino-americanos de esquerda,
fortemente incentivados pelo Departamento de Estado, desde o
governo Carter (um antepassado de Kerry), a demolir as Forças
Armadas de seus respectivos países para torná-los cada vez mais
vulneráveis às pressões internacionais do globalismo ecológico, dos
movimentos indigenistas que planejam desmembrá-los em pequenas
repúblicas “independentes” (isto é, agências da ), das burocracias
internacionais que ditam legislações a povos inteiros que não as
elegeram para isso, etc. etc. Bush, apoiado por grupos industriais mais
voltados para o mercado interno e por organizações religiosas
apegadas aos valores tradicionais da república americana, personi�ca a
resistência da nação mais poderosa do mundo a um neo-imperialismo
que, sugando desde dentro e minando desde fora as forças da
adversária, se torna dia a dia mais poderoso que ela, e cujas ambições
praticamente ilimitadas incluem a transferência da soberania
americana para os organismos internacionais.
Os homens do nosso governo estão bem conscientes disso, mas
justamente por essa razão sabem que é preciso manter a massa na
ignorância dessas coisas, canalizando seu sentimento nacionalista
contra os  para fazer dele um instrumento inconsciente a serviço
da destruição dos valores que imagina defender.
É preciso reconhecer que, na consecução desse intuito, vêm obtendo
um sucesso espetacular. O eleitorado brasileiro está maciçamente
persuadido de que os perigos para a nossa soberania vêm dos .
Defendendo-se assim de um perigo inexistente, permanece cego (só
paradar um exemplo entre muitos) ante a ocupação do território
amazônico por uma rede de ’s associadas à  e subsidiadas
pelas mesmas grandes fontes internacionais que alimentam
generosamente o Fórum Social Mundial, o  e, de modo geral,
todos os partidos brasileiros de esquerda (se é que ainda há algum que
não seja de esquerda). Mesmo quando o  no poder anuncia sua
intenção de entregar faixas imensas da Amazônia à administração
internacional, a mentalidade popular está tão hipnotizada por
estereótipos, que continua achando que os grandes inimigos da pátria
brasileira são George W. Bush e a “direita conservadora”.
A mídia nacional, que bebe nas mesmas fontes (intelectualmente e
economicamente), fez um trabalho incansável para deixar o povo
brasileiro cego e sonso, incapaz de atinar com a origem de seus males.
O senso de auto-identidade nacional constitui-se hoje de um sistema
de inversões psicóticas criadas por um prodigioso maquiavelismo de
esquerda, capaz de usar o ufanismo verde-amarelo como instrumento
da capitulação de�nitiva da nacionalidade. Quando a inconsciência de
um povo chegou a esse ponto, é praticamente impossível detê-lo na
sua corrida entusiástica para a derrota, o fracasso e a humilhação. Não
consigo contemplar esse estado de coisas sem recordar os versos que
Antonio Machado consagrou à sua Espanha ao vê-la estonteada como
cabra-cega no meio das manipulações internacionais que a
precipitaram no suicídio coletivo da guerra civil:
...Fue un tiempo de mentira, de infamia. A España toda, 
la malherida España, de carnaval vestida 
nos la pusieron, pobre y escuálida y beoda, 
para que no acertara la mano con la herida.
Zero Hora, 31 de outubro de 2004
A    -
Segundo a quase unanimidade da opinião brasileira, as eleições de
hoje nos  opõem o representante do império todo-poderoso ao
porta-voz das nações pobres e oprimidas, John Kerry. Que a
campanha deste último tenha consumido cinco vezes mais dinheiro
que a daquele; que o candidato democrata tenha o apoio da grande
mídia e, portanto, da elite �nanceira americana; que essa elite esteja
mais profundamente ligada ao globalismo antiamericano da  do
que aos interesses do seu país; e que, por �m, George W. Bush seja o
candidato preferido dos iraquianos cujos direitos o antibushismo
internacional alega defender — são fatos que não alteram em nada
aquela opinião, não só porque não é da índole nacional dar
importância a fatos, mas porque a mídia local vem tratando de ocultá-
los com uma constância e uma uniformidade admiráveis.
É absurdo imaginar que, com artigos de duas laudas, eu possa suprir
a falta nas nossas livrarias de centenas de obras essenciais sobre o
assunto, dar milhares de notícias omitidas, contrabalançar o efeito do
bombardeio midiático que impôs como verdade de evangelho uma
visão meticulosamente invertida da realidade mundial. Mas sei que
essa visão foi calculada para voltar contra bodes expiatórios a
indignação que um povo bem-informado faria despencar sobre o
único imperialismo genuíno existente no mundo, o dos mega-
organismos burocráticos — , Comunidade Européia, , etc. —
empenhados em impor-se como governo planetário e quebrar a
espinha de todas as soberanias nacionais, a começar pela dos países
mais capazes de lhe oferecer resistência:  e Israel.
O Brasil é hoje, entre as nações, talvez a mais obediente a esse
esquema. De uns anos para cá, nossas leis, nossos planos econômicos,
nossos programas de educação, nosso sistema de saúde, nossas
políticas de defesa, nossos padrões de julgamento moral — ou suas
traduções práticas respectivas, a criminalidade incontrolável, a
pobreza invencível, a incultura prodigiosa dos nossos estudantes, a
falência de nossos hospitais, o desmantelamento de nossas Forças
Armadas, a imoralidade transbordante —, tudo vem pronto em
receitas da burocracia internacional, despejadas sobre o nosso governo
como decretos divinos. Nós tudo aceitamos sem discussão, com
docilidade beócia, ao mesmo tempo que voltamos nosso ódio contra
os alvos apontados à nossa execração pela mesma divindade.
Maldizendo americanos e israelenses, batemos no peito com arroubos
de ufanismo nacionalista no instante mesmo em que rastejamos de
subserviência ante os novos donos do mundo.
É patético. E é quase inacreditável. Se eu não estivesse vendo o
fenômeno com meus próprios olhos, custaria a crer que um povo
pudesse, em tão pouco tempo, ser induzido a um estado de
inconsciência tão geral e profundo.
Embriagado pelas artes publicitárias de um delinqüente chinfrim,
esse povo votou em massa num partido ma�oso por acreditá-lo a
epítome das virtudes morais e teologais. Poucos meses depois,
desiludido com os santarrões, acredita ter-se livrado deles pelo simples
fato de eleger candidatos de outros partidos de esquerda, sem saber
que, comprometidos por alianças no quadro do Foro de São Paulo ou
no mínimo pelo parentesco ideológico, esses partidos, no poder,
jamais ousarão fazer qualquer dano substantivo à máquina de
dominação petista. Alienado, estonteado, feito de cabra-cega, mantido
na total ignorância da situação pela tagarelice uniforme da mídia, dos
intelectuais ativistas e do beautiful people teatral e cinematográ�co,
não há mentira em que esse povo não creia, não há tolice desastrosa
em que não aposte a bolsa, a vida, a alma e o futuro. Se pudesse, ele
faria a asneira �nal: votaria em John Kerry, cantando vitória contra o
imperialismo no ato mesmo de dar o pescoço à coleira global.
Se algo a comparação das campanhas eleitorais nos  e no Brasil
ensina, é que o poder da propaganda enganosa tem limites, quando
confrontado com uma autêntica variedade de fontes de informação,
mas é invencível quando exercido sobre um povo inculto, deixado à
mercê de uma pequena elite falante vaidosa, manipuladora e convicta
de sua própria infalibilidade. Lá, a informação sobre o imperialismo
global da  é abundante, ao menos em livros, na imprensa nanica e
em programas de rádio. Aqui, é o silêncio total, confrontado à
onipresença ruidosa da propaganda antiamericana e anti-Bush. Lá, a
superioridade �nanceira da campanha Kerry não produziu senão
resultados medíocres. Metade do eleitorado americano sabe quem é e
para quem trabalha John Kerry. A totalidade da população brasileira o
ignora, e por isso torce por ele. Mas como esperar que ela veja claro o
problema dos americanos, se há anos não enxerga os seus próprios?
***
Informações básicas:
http://www.frontpagemag.com/Articles/ReadArticle.asp?ID=15755;
http://www.wnd.com/news/article.asp?ARTICLE_ID=41194;
http://www.aim.org/aim_column/2071_0_3_0_C/;
http://iraqthemodel.blogspot.com/;
http://www.renewamerica.us/columns/voigt/041004;
http://www.stolenhonor.com/.
Folha de São Paulo, 2 de novembro de 2004
P   
O brasileiro rico é hoje um sujeito que explica a sociedade pela luta de
classes, odeia os , jura que a China é o futuro da humanidade, vota
nos candidatos do Foro de São Paulo, contribui para o  e sonha em
ser convidado para ir a Cuba numa comitiva presidencial — mas, se
lhe dizemos que há em tudo isso algo de comunista, lança-nos um
olhar de desprezo desde o alto da sua in�nita superioridade. Às vezes
tem um arroubo de piedade e nos explica paternalmente que a Guerra
Fria acabou, que um brilhante futuro capitalista resultará das invasões
de terras, do controle o�cial sobre os meios de comunicação, do
Fórum Social Mundial e da doutrinação anticapitalista da juventude
nas escolas. Se lhe perguntamos como se operará essa mágica,
responde que somos fanáticos de direita, e vai para casa com a alma
tranqüila de quem sabe tudo.
Tão profunda é a impregnação dos chavões comunistas na mente das
nossas classes altas, que elas já não os percebem como tais e os
entendem como opiniões equilibradas, até um tanto conservadoras. E
não encarariam com maus olhos a idéia de proibir toda contestação.
Estão longe de imaginar quanto os comunistas as desprezam por
deixar-se levar assim tão docilmente para a lata de lixoda História.
***
O novo livro de Paulo Mercadante terá decerto o mesmo destino do
anterior. A coerência das incertezas (É Realizações, 2003) não mereceu
da nossa grande mídia a atenção de uma notinha, ainda que logo
depois de lançado fosse objeto de um congresso acadêmico em
Portugal. Mas como esperar que alguém no nosso jornalismo cultural
estivesse habilitado a entender um livro que passa do gnosticismo à
física quântica, dos simbolismos templários à �loso�a de Eric
Voegelin?
Das casernas à redação (UniverCidade–Topbooks, 2004) não exige
tanta cabeça, mas é rejeitado por outro motivo. Conta a história de
gerações de brasileiros que tinham honra e coragem, duas coisas que
hoje em dia ofendem a delicada sensibilidade de muitos leitores. Para
estes, não há virtude maior do que a covardia ilusoriamente
oportunista, a acomodação aos estados de coisas mais aviltantes na
esperança louca de lucrar com a própria degradação. Chamam
maturidade e realismo a essa ética de trombadinhas, sem reparar que
trombadinhas, em geral, morrem antes de amadurecer.
Perto disso, os personagens de Das casernas à redação tornaram-se
esquisitos e impensáveis como ’s. Como entender hoje um Siqueira
Campos, um Juarez Távora, um Irineu Marinho, um Juracy
Magalhães, um Cordeiro de Farias? Não tinham uma ideologia, um
sistema, uma fórmula. Tinham um vago ideal sem tradução política
concreta. Tinham sentimentos morais, e em nome deles jogavam pela
janela interesses, cargos, comodidades, a vida mesma.
Esses sentimentos saíram da moda, tornaram-se objeto de chacota, se
não de escândalo. O que possa restar deles, mesmo entre os homens de
farda, a cultura dominante trata de eliminar o mais rápido possível. O
que se espera de um militar, hoje, é que seja um pequeno burocrata
cabisbaixo e intimidado, colocando as veleidades do partido
governante acima do Estado, da pátria, do próprio Deus. Seu mais alto
dever moral é espalhar mentiras contra as Forças Armadas em troca
de quinze minutos de aplauso dos bem-pensantes. Os heróis militares
dos novos tempos são Sérgio Macaco e o cabo Firmino.
Paulo Mercadante interrompe sua narrativa na era Geisel, marcada
pela dissolução do ideal tenentista. Faz bem. Não vale a pena contar os
capítulos seguintes. Mas, se alguém quiser escrevê-los, tenho uma
sugestão de epígrafe. É de Antonio Machado:
Cuán di�cil es
cuando todo baja,
no bajar también.
***
Contra George W. Bush armou-se a maior campanha mundial de
difamação que já se viu. Custou oceanos de dinheiro. Só a campanha
de Kerry gastou cinco vezes mais que a do adversário. E quantos
brasileiros não acreditam piamente que tudo isso foi uma
convergência espontânea de idealismos sublimes, uma revolta dos
pobres e oprimidos contra o poder dos tubarões imperialistas? Desisto
de explicar o que se passa na cabeça dessa gente. A inconsciência não
pode ser expressa em palavras.
O Globo, 5 de novembro de 2004
F 
Recebi de amigos uma coleção de matérias antiamericanas e anti-Bush
saídas na mídia nacional nos últimos meses. É um massacre total, de
uma virulência insana, empreendido com o espírito do mais fanático
unanimismo e absoluta exclusão da possibilidade de confronto,
mesmo desigual, com argumentos discordantes.
Não há mais como disfarçar: o jornalismo brasileiro na sua quase
totalidade tornou-se propaganda assumida, manipulação cínica,
ativismo político explícito.
Não tenho a mínima pretensão de, com artiguinhos semanais de duas
laudas, oferecer resistência e�caz à epidemia goebbelsiana. Limito-me
a anotar algum exemplo mais simples, para estimular os leitores a
buscar nas fontes estrangeiras as comparações que o jornalismo local
lhes nega. Aqui vai mais um.
A pesquisa do epidemiologista Les Roberts, segundo a qual a
mortalidade no Iraque teve um acréscimo de 98 mil pessoas desde o
começo da guerra, foi celebrada nesta parte do mundo como
descoberta cientí�ca idônea, tanto mais insuspeita por ter emergido da
Universidade Johns Hopkins (que um dos entusiastas da pesquisa
chega a alardear como “conservadora”, embora conhecendo-a tão bem
que grafa “Johns” sem o “s”) e publicada na respeitável revista médica
Lancet.
Jornalistas, professores e até acadêmicos de fardão, que deveriam ter
um pouco mais de compostura intelectual, festejaram a notícia como a
prova de�nitiva da maldade de George W. Bush.
Como sempre acontece nesses foguetórios instantâneos, é tudo
mentira grossa. No que diz respeito à credibilidade das fontes, a
pesquisa foi feita em associação com a Universidade de al-
Mustansiriya, uma das mais fanáticas do mundo islâmico. Les Roberts
é mais conhecido como ativista radical do que como homem de
ciência. E a Lancet, cujo prestígio vem sofrendo sucessivos abalos
desde que confessou ter recebido dinheiro de um grupo de advogados
para alardear falsamente que vacinas causavam autismo, acabou de
liquidar seu restinho de credibilidade ao admitir que publicara a
pesquisa de Roberts antecipadamente, saltando as consultas de praxe
ao conselho de redação, com o propósito deliberado de in�uenciar as
eleições americanas. Segundo o jornalista cientí�co Michael Fumento,
a revista tornou-se, com isso, a “al-Jazeera do Tâmisa”.
No conteúdo, a pesquisa está cheia de artimanhas metodológicas
calculadas para produzir o resultado escandaloso. Na época em que a
mídia pretendia culpar as sanções econômicas internacionais pela
desgraça do Iraque, a mortalidade média alegada mundialmente, com
base em dados da , era de oito para cada mil iraquianos por ano.
Na tabulação de Roberts, essa média foi baixada para cinco, sem
explicação, produzindo arti�cialmente a impressão de aumento
anormal no período seguinte.
Os resultados obtidos foram, mesmo assim, decepcionantemente
elásticos: dada a precariedade das informações, colhidas de entrevistas
com mil cidadãos iraquianos con�ados tão-somente na sua memória
pessoal dos óbitos, o cálculo �nal das mortes ocorridas desde o início
da guerra dava algo entre 8 mil e 194 mil. Não poderia haver incerteza
maior. Como sair dessa? Roberts e sua equipe não hesitaram: tiraram a
média e publicaram. Como observou o colunista Fred Kaplan na Slate,
“isso não é uma estimativa: é um jogo de dardo-ao-alvo”.
Um jornalismo decente teria dado espaço ao menos a algumas das
objeções feitas à pesquisa, todas de ordem cientí�co-matemática, que
saíram na mídia americana. Mas hoje em dia essa sugestão está
excluída a priori como inaceitável provocação direitista. Quem há de
querer cumprir a velha regra de “ouvir o outro lado”, sabendo que o
outro lado é o lado direito?
Para poupar os jornalistas brasileiros de semelhante humilhação, que
sua consciência pro�ssional jamais lhes perdoaria, o leitor pode
assumir o encargo de pesquisar por si mesmo. Eis algumas fontes:
http://techcentralstation.com/110104H.html;
http://www.weeklystandard.com/Content/Public/Articles/000/000/00
4/858gwbza.asp;
http://www.stats.org/record.jsp?type=news&ID=481;
http://www.slate.com/Default.aspx?id=2108887&;
http://techcentralstation.com/102904J.html.
O Globo, 13 de novembro de 2004
N    
Durante toda a campanha eleitoral americana, os conservadores
acusaram John Kerry de ter tido encontros secretos com terroristas
vietcongues. Tratada como invencionice pela grande mídia, a
denúncia, de fato, não tinha provas. A única prova possível era um
diário de guerra que o candidato democrata se recusava a divulgar,
alegando ter passado os direitos autorais do texto a seu biógrafo
Douglas Brinkely. Embora Brinkely informasse que não tinha direito
autoral nenhum, o episódio foi dado por encerrado.
Logo após as eleições, o documento apareceu �nalmente na
Newsweek, trazendo a comprovação integral da denúncia. Se a notícia
saísse apenas cinco dias antes, os votos de Kerry teriam encolhido
muito. Quando um culpado de crime de alta traição é poupado até
mesmo de danos à sua imagem eleitoral, é porque a lei e a própria
segurança nacional já não signi�cam nada para os que querem colocar
o traidor na presidência do seu país.
Umúltimos. Mais
recentemente, a dissolução do monolitismo partidário e a adoção da
organização mais �exível em “redes” permitiram que esses
mecanismos se tornassem ainda mais opressivos e e�cientes, já que
não são aplicados por iniciativa de uma cúpula partidária identi�cável,
mas se espalham entre os ativistas pela pressão anônima e
“democrática” dos seus iguais e adquirem com isso aquela
invisibilidade que os imuniza a toda crítica.
O efeito psicológico disso na conduta dos ativistas é assustador: eles
podem se sentir, com toda a sinceridade, uma minoria perseguida,
injustiçada e ameaçada justamente no momento em que dominam
tudo e têm os adversários subjugados a seus pés. A dupla moral in�a-
se aí em inversão psicótica da realidade, produzindo declarações como
esta do ator Antonio Abujamra à revista Top Magazine: “Pre�ro antes
a censura da polícia do que a censura dos intelectuais. Intelectuais de
direita são péssimos”. A realidade é que no tempo da ditadura os
intelectuais de direita — um Adonias Filho, um Gilberto Freyre, um
Antônio Olinto, um Roberto Marinho, um Júlio de Mesquita Filho,
um Sobral Pinto, um Miguel Reale e tantos outros — se arriscaram
para defender a liberdade de esquerdistas ameaçados, enquanto estes,
saídos do porão para a glória, não apenas se esquivam de retribuir a
amabilidade mas dão livre curso à urgência compulsiva de sufocar as
vozes de seus adversários. O próprio Abujamra, se usasse de seu
programa na  para dar a um deles a oportunidade de se explicar,
sentiria talvez a dor na consciência de quem houvesse, por fraqueza
humana, traído um mandamento sagrado. Ao acusar os intelectuais de
direita daquilo que nunca �zeram, daquilo precisamente que os
intelectuais de esquerda fazem com eles, Abujamra está não apenas
ilustrando em pessoa a dupla moral, mas pondo em prática um outro e
complementar preceito da retórica leninista, que resume às mil
maravilhas o tratamento que o ativista de esquerda deve dar aos
inimigos: “Acuse-os daquilo que você faz, xingue-os daquilo que você
é”.
O Globo, 17 de janeiro de 2004
A    
Alguns leitores — poucos, mas enfezados — acharam ruim o que
escrevi outro dia sobre a necessidade de cultivar primeiro o idioma, a
religião e a alta cultura para só depois esperar razoavelmente um
futuro de progresso e prosperidade.
Viram nisso uma prova do meu elitismo cruel e desumano, do meu
aristocrático desprezo pela sorte dos pobres e desvalidos. Contra a
minha doutrina, citaram uma abundância de frases sapientes, desde o
escolástico “primum vivere, deinde philosophari” até o grossíssimo
Bertolt Brecht: “Primeiro o meu estômago, depois a vossa moral”.
Muitas coisas podem ser respondidas a essas objeções. Desde logo, se
é verdade que a luta pelo sustento vem antes e a educação depois —
para raciocinar como os missivistas —, será preciso que os pais, em
vez de mandar suas crianças à escola para que um dia venham a
receber salários melhores que os deles, lhes recusem toda educação até
que elas comprovem altos ganhos mediante a exibição do
correspondente contracheque.
Pode-se observar também que, ao contrário da educação tecno-
cientí�ca e pro�ssional, sempre onerosa, os três itens que apontei
como prioritários são os de aquisição mais barata que se pode
imaginar. Há um livro que resume os três de uma vez, e que foi a base
da educação de muitos grandes homens: a Bíblia. Quem a leia, por
exemplo, na tradução do Pe. Antonio Pereira de Figueiredo, terá,
juntos, a religião, os fundamentos da cultura ocidental e o idioma
português num de seus momentos de maior esplendor.
O meu caro Evando dos Santos, o pedreiro-educador que após
espalhar bibliotecas pelo Brasil já está enviando livros até para as
crianças de Angola, aprendeu a ler na Bíblia, já homem feito, e —
creiam-me — ele não teria se saído nada melhor se entregasse sua
formação aos cuidados do Ministério da Educação, dispendiosíssima
excrescência burocrática que deveria ser amputada sem perdão.
Eu próprio, meus amigos, só aprendi alguma coisa na vida porque me
ocorreu, em tempo, a feliz idéia de virar as costas ao establishment
educacional brasileiro e seguir por conta própria o programa de
Mortimer J. Adler (How to Read a Book, hoje circulando em tradução
de Luciano Trigo pela UniverCidade Editora), a auto-educação pela
leitura analítica dos clássicos, que pude perfazer à base de um livro por
mês, durante sete anos, com gasto bem inferior ao que faria numa
dessas usinas de jumentalização em massa que o Estado chama
“escolas”.
Mas, a�nal, para que argumentar, se o próprio livro que recomendei
já traz a resposta cabal a todas as objeções que me chegaram?
Está em João, no trecho em que Jesus visita a casa de Lázaro:
Tomando Maria uma libra de bálsamo de nardo puro, de grande
preço, ungiu os pés de Jesus e enxugou-os com os seus cabelos. A casa
encheu-se do perfume do bálsamo. Mas Judas Iscariotes, um dos seus
discípulos, aquele que o havia de trair, disse: “Por que não se vendeu
este bálsamo por trezentos denários e não se deu aos pobres?” (12, 3–
5).
O perfume representa os estados espirituais mais elevados, que a alma
alcança por meio da prece e da meditação mística, isto é, pelo uso da
língua e da alta cultura como instrumentos da religião. O simbolismo
dos cabelos e dos pés é auto-evidente: no ponto mais alto da sua
ascensão, a criatura toca a parte inferior do mundo divino que desce
em seu socorro sob a forma da misericórdia. O ser humano existe tão
somente para buscar esse encontro, a “única coisa necessária”, à qual
tudo o mais se segue por acréscimo. Nenhum povo jamais foi idiota o
bastante para furtar-se a essa lei, achando que se enchesse primeiro os
bolsos de dinheiro o Espírito Santo lhe seria dado por acréscimo.
Nenhum povo? Bem, quase nenhum. Sei de pelo menos um que
acredita exatamente nisso. Não direi qual, mas chamarei a atenção dos
leitores para uma lição extra contida nesses versículos: eles nos
informam, para além de qualquer dúvida razoável, quem foi o legítimo
inventor da teologia da libertaçãoibertação. Judas foi o primeiro a
subjugar os �ns espirituais às exigências do “social”, e ele teve muitos
sucessores. Um deles está agora mesmo, no Palácio do Planalto,
enchendo de minhocas a cabeça presidencial.
O Globo, 24 de janeiro de 2004
O   
Um relatório da , datado de 2000 e recém-revelado pelo jornal El
Tiempo, de Bogotá, mostra que antes de lançar o Plano Colômbia o
governo Clinton já estava avisado de que esse programa, de 3,2 bilhões
de dólares, não reduziria em nada a entrada de cocaína colombiana
nos .
O Plano esperava destruir de 50 a 80% das plantações de coca das
regiões de Caquetá e Putumayo. O relatório a�rma: “Ainda que esses
resultados conduzam a algumas mudanças no padrão do trá�co, não
alterarão o negócio de forma signi�cativa”, produzindo apenas um
aumento da importação de coca dos países vizinhos. Em entrevista
dada em Bogotá domingo passado, o embaixador americano na
Colômbia, William Wood, admitiu ao menos implicitamente que a
previsão estava certa.
Isso não quer dizer, evidentemente, que o Plano tenha sido inócuo.
Ele produziu, ao menos, as tais “mudanças no padrão do trá�co”. De
um lado, o crescimento da importação colombiana transformou
virtualmente a América Latina inteira numa espécie de Colômbia. De
outro, a proibição de politizar o combate às drogas por meio de um
ataque voltado seletivamente contra a guerrilha acabou transformando
as  (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) na herdeira
principal do patrimônio e das redes de distribuição deixadas pelo
caminho por alguns cartéis, menos poderosos, cujos negócios foram
arruinados pela destruição das plantações locais. Isso aconteceu
porque nenhum cartel tinha nem poderia ter jamais uma rede de
contatos internacionais comparável à das , investidas que estão do
privilégio de negociar ao mesmo tempo por baixo e por cima do pano,
na sua dupla e inseparável condição de organização criminosa e de
movimento político legitimado por muitosdos principais tópicos da agenda Kerry era submeter os  à
jurisdição do Tribunal Penal Internacional, o instrumento mais
devastador que já se inventou para suprimir toda veleidade de
independência das nações. Não perguntem como é possível que um
vasto esquema de poder mundial, empenhado num combate de vida e
morte contra a soberania de um país forte após ter suprimido as de
todos os fracos, seja apresentado como um front libertário dos pobres
e coitadinhos em luta contra um “império”. A explicação é a mesma do
episódio acima: mentira organizada, subsidiada pela maior
arregimentação �nanceira de todos os tempos, que tem a seus pés a
grande mídia e a seu serviço a totalidade da esquerda internacional.
As conexões internas do esquema não são visíveis ao cidadão
comum, mas algumas delas acabam se tornando impossíveis de
esconder. Ninguém duvida, por exemplo, de que o , Council of
Foreign Relations, é um destacado think tank do imperialismo global.
Pois bem, quem representa essa entidade no Brasil? É o , Centro
Brasileiro de Relações Internacionais, instituição que tem como
presidente o sr. Fernando Henrique Cardoso e como conselheiro o sr.
Marco Aurélio Garcia, um dos mais notórios mentores petistas da
revolução comunista no continente. Separadas localmente por
divergências oportunas, as forças personi�cadas por essas duas
criaturas trabalham em perfeita harmonia no plano da estratégia
global, colaborando gentilmente na implantação do Tribunal Penal
Internacional, do desarmamento civil, do abortismo generalizado, do
neo- -ecumenismo anticristão e de outras delícias do admirável
mundo novo — o mundo de John Kerry.
***
A mídia brasileira, com intensidade crescente nas últimas semanas,
transborda de autoglori�cação comunista, acompanhada da garantia
enfática de que nunca existiu nem existe agora nenhum comunismo
em ação. Em 1964, os comunistas não mandavam no governo, não
preparavam uma rebelião nos quartéis e Luís Carlos Prestes não havia
recebido nenhuma ordem de Mikhail Suslov para de�agrar uma
guerra civil. Hoje, não existe o Foro de São Paulo nem qualquer
articulação –-Castro–Chávez. A narcoguerrilha colombiana
não vende um único grama de cocaína neste país. Não há um só
terrorista na Tríplice Fronteira. A divisão do bolo eleitoral entre
comunistas e socialdemocratas, que anunciei com anos de
antecedência, agora fato consumado, não é em hipótese alguma uma
aplicação da estratégia leninista “das tesouras”. E, quando o povo, farto
de petistas, coloca em lugar deles candidatos de outros partidos
membros do Foro de São Paulo, sem ter a menor idéia de que apenas
substituiu o lobo pela raposa na guarda do galinheiro, isso não é de
maneira nenhuma o triunfo completo da hegemonia gramsciana,
fundada na aliança da onipresença com a invisibilidade. Em suma:
nada é o que é. Tudo é o que a mídia quer que seja.
***
Não deixem de ler o livro de Percival Puggina, Cuba: A tragédia da
utopia.14
Zero Hora, 14 de novembro de 2004
Q   
Meu livro O jardim das a�ições, uma história da idéia de império no
Ocidente, terminava com o surgimento das ambições imperiais no seio
da Revolução Americana e sua evolução subseqüente na forma de um
con�ito estrutural entre expansão imperial e identidade nacional. O
capítulo seguinte requereria todo um volume. Ninguém compreenderá
jamais os  se insistir em enfocá-los pelo estereótipo consagrado —
ou cacoete mental — que enxerga todo imperialismo como um
nacionalismo in�ado. O nacionalismo americano, fundado no
ensinamento dos Founding Fathers, em que o mais arrojado espírito
modernizante e o culto da independência individual convivem numa
tensão criadora com um arraigado tradicionalismo cristão, é
demasiado local e peculiar para poder servir de matriz a uma
ideologia imperialista. Traduziu-se, com mais freqüência, num desejo
de isolamento, empenhado em manter a síntese americana a salvo do
contágio das epidemias ideológicas européias.
A vertente imperialista, ao contrário, surge com uma mentalidade
cosmopolita, mais novaiorquina do que americana, ligada a crenças
progressistas e materialistas — pragmatismo, evolucionismo,
neopositivismo — profundamente hostis ao fundo cultural cristão e,
de fato, a todo autêntico espírito americano. Não é de espantar que,
longe de fugir das ideologias revolucionárias, essa corrente se deixasse
gostosamente contaminar por elas, seja no intuito de aproveitar-se
delas, seja por descobrir a a�nidade profunda que aproximava delas as
ambições do capitalismo monopolista através da concepção comum da
“sociedade planejada”. A cumplicidade de muitas grandes fortunas
americanas — Rockefeller ou Ford, para citar só as duas mais notórias
— com o fascismo, o nazismo e o comunismo explica-se pela sua
projeção futurológica que antevia, para além das convulsões
temporárias geradas por esses movimentos, a utopia de um mundo
uni�cado sob a égide do planejamento central global, para a qual, cada
um a seu modo, todos eles concorriam.
No plano interno, as megafortunas sempre apoiaram as políticas
intervencionistas e estatizantes como o “New Deal” de Roosevelt e a
“Grande Sociedade” de Lyndon Johnson. Na política externa,
favoreceram a acomodação com o comunismo, sempre alegando
razões de prudência mas sabendo perfeitamente que sacri�cavam os
interesses nacionais americanos a objetivos globalistas de longo prazo.
Episódios como o abandono da China aos comunistas, o boicote ao
general MacArthur, a recusa de ajuda à revolução húngara, que
pareceram na época erros monumentais, só foram erros desde o ponto
de vista nacional americano. Mas, evidentemente, o objetivo dessas
políticas transcendia in�nitamente o interesse americano. Foi só mais
recentemente, no entanto, que a contradição entre esse interesse e o
esquema imperialista global se tornou mais visível (embora ainda haja
quem não queira vê-la). A contradição formula-se assim: é impossível
criar desde os  uma administração planetária sem que os próprios
 tenham de submeter-se a essa administração.
Esse foi o ponto central da disputa Bush–Kerry. 70% das
contribuições ao Partido Democrata vêm de grandes fortunas, o resto
vem do povão; no Republicano é o inverso. Os democratas são
portanto o partido da burocracia global, o partido da , de George
Soros e do Tribunal Penal Internacional. Os republicanos representam
o patriotismo, a tradição americana, o apego incondicional à soberania
dos . O povo expressou isso dizendo que Bush personi�cava os
“valores morais”. Por baixo do con�ito moral e cultural, a briga é mais
feia: tratava-se — trata-se ainda — de decidir se os  querem ser
apenas o país mais poderoso, um primus inter pares, ou se querem
dissolver sua identidade e abjurar de sua soberania em troca de um
posto na administração planetária. A mídia brasileira, é claro, viu tudo
invertido, caindo no engodo do imperialismo global travestido de
antiimperialismo. Mas que importa a mídia brasileira? O mundo a
ignora tanto quanto ela ignora o mundo.
O Globo, 20 de novembro de 2004
S  
O novo best-seller de Bernard Goldberg, Arrogance: Rescuing
America from the Media Elite (Warner, 2004), será tão ignorado no
Brasil quanto o anterior, Bias: A cbs Insider Exposes How the Media
Distort the News (Regnery, 2002). Será tão ignorado quanto os cento e
tantos livros que documentaram, nos últimos anos, a transformação
da mídia americana numa máquina de propaganda esquerdista. Uma
diferença entre os  e o Brasil é que lá esse assunto pode ser
discutido, aqui não.
A denúncia das repetidas mentiras do New York Times, da  e do
beautiful people de Hollywood gerou uma poderosa reação popular
sob a forma da rede de blogs e programas de rádio que desmascararam
o farsante Dan Rather, furaram o balão de Michael Moore e
neutralizaram o efeito Soros na eleição presidencial.
No Brasil, até mesmo os sites tipo media watch, que deveriam
contrabalançar o esquerdismo dos jornais e da , são organizações
esquerdistas subsidiadas por organismos internacionais, ’sgovernos, entre os quais os
do Brasil, hoje dominado por amigos da guerrilha colombiana. Não
existe um “Foro de São Paulo” dos criminosos comuns, mas existe um
da bandidagem politizada. Se alguém podia ganhar algo com o Plano
Colômbia, eram as . E ganharam.
A  sabia disso, avisou Clinton, e Clinton nem ligou.
Os leitores têm aí uma pista para descobrir por que o ex-presidente
americano, hoje fortemente rejeitado em seu próprio país, recebe
tantos aplausos no Fórum Econômico de Davos, assim como na mídia
européia e especialmente na brasileira. William Jefferson Clinton pode
ser acusado de tudo, menos de ser pró-americano. A�nal, foi o homem
que, eleito com verbas de propaganda de uma estatal pequinense,
lançou o manto do silêncio protetor sobre a espionagem nuclear
chinesa, forneceu armas nucleares ao governo de Pequim, fez tudo
para ceder aos chineses o controle do Canal do Panamá, desmantelou
a  e cortou severamente as verbas militares americanas, ao mesmo
tempo que a China in�ava desmesuradamente as suas e colaborava
abertamente com as organizações terroristas que os  combatiam.
No ambiente de provincianismo mental brasileiro, a hipótese de que
um presidente americano possa estar a serviço da esquerda
internacional contra o país que o elegeu parece rebuscada demais,
porque contrasta com os estereótipos residuais das décadas de 60–80,
quando os nossos compatriotas ainda acompanhavam, pela mídia, as
manobras do movimento comunista mundial. Desde então o assunto
desapareceu dos nossos jornais, e como para o público bocó o que não
está nos jornais não está no mundo, William J. Clinton, para ser
odiado ou venerado, ainda posa ante a imaginação brasileira como a
encarnação viva do americanismo triunfante.
Zero Hora, 25 de janeiro de 2004
D   
A capacidade fundamental da inteligência humana, da qual dependem
todas as outras, é o dom de discernir o essencial do acidental, o
importante do irrelevante, o central do periférico.
Esse discernimento consiste num feliz ajuste entre o foco da atenção e
a estrutura do objeto considerado, seja ele uma coisa ou ente, um
problema, uma a�rmação ou um estado de coisas. O homem
inteligente vai direto ao nexo central que o objeto, por si mesmo,
oferece à sua visão, enquanto o sonso ou negligente �ca saltando em
vão de um ângulo a outro, ou, o que é pior, se apega ferozmente a
certas perspectivas costumeiras, deformando o objeto para que se
amolde a seus hábitos mentais e crendo apreender uma essência
quando não capta senão uma ilusão autoprojetiva.
Sem o discernimento do essencial, a inteligência humana não é
propriamente inteligência, é apenas um sistema de reações adquiridas
e cacoetes pavlovianos, não muito diferente do de um jacaré, galinha
ou peru.
O mais breve exame do desempenho nacional nos debates públicos,
ao longo dos últimos anos, permite a�rmar sem grande margem de
erro que a inteligência, em sentido estrito, desapareceu do cenário
brasileiro visível, sendo substituída por uma espécie de cambalache
verbal, o comércio de tolices convencionais e frivolidades pessoais.
Não que os homens inteligentes tenham todos morrido. Mas estão
fora dos debates públicos, seja porque não os suportam, seja porque
sua presença ali não é suportada. Por vergonha ou por medo,
recolheram-se às catacumbas.
Chegamos àquele ponto de embotamento senil em que os sambinhas
do sr. Ministro da Cultura ou as expressões de bom-mocismo do sr.
Marco Maciel são aceitos como gêneros culturais de primeira
necessidade. Talvez os senhores não percebam, mas isso já é estado de
calamidade.
O fenômeno tem múltiplas origens, mas uma delas me parece
especialmente relevante. É que um povo, como um indivíduo, pode
viver da dissimulação até um certo ponto. Ultrapassado o limite de
risco, ela se torna um desvio estrutural do foco de atenção, uma
incapacidade adquirida de enxergar as coisas como são, um sistema de
defesas automático contra a verdade em qualquer de suas formas.
Não é coincidência que o pináculo da estupidez geral seja alcançado
ao mesmo tempo que o cume da hipocrisia e do �ngimento. Toda a
conversação política nacional tornou-se pura dissimulação. Ninguém
declara o que vê, todo mundo se empenha com devoção em atenuar,
aparar e remoldar a descrição na esperança de, assim, modi�car as
coisas. Temem que os males, se nomeados, adquiram força, e esperam
exorcizá-los à custa de eufemismos, omissões, �oreios e lisonjas.
Nessa hora, a última coisa de que o cidadão precisa é inteligência.
Precisa, isto sim, do talento de �ngir-se de bobo com tal
verossimilhança, que acabe se tornando bobo mesmo, sem dar pela
transformação, acreditando que o estado �nal a que chega no processo
é não apenas o seu estado natural de sempre, mas o estado natural,
eterno e imutável da espécie humana.
Então o homem que persiste no exercício da inteligência começa a
parecer estranho, temível, indigno de con�ança ou, na melhor das
hipóteses, maluco.
Há dez anos, por exemplo, vejo repetir-se ciclicamente a onda dos
expurgos na classe política, sem que ela se torne nem um pouco mais
honesta por isso. O ritual é �xo e repetível até à náusea: primeiro um
político petista acusa alguém de alguma coisa, segue-se um
bombardeio de denúncias na mídia e por �m uma investigação em
que, em regra,, se não prova nada, ao menos arruína de�nitivamente a
reputação do elemento, de modo que este, se quer sobreviver
politicamente ao episódio, deve retirar-se para a esfera provinciana ou
dar provas cabais de docilidade ao partido dominante.
Foi assim que todas as lideranças capazes de oferecer risco para o 
foram destruídas ou reduzidas à mais abjeta submissão.
Nenhuma delas jamais denunciou o processo como aquilo que ele é:
uma ditadura policial informal, criada pela santa aliança de Partido,
Estado e Mídia.
Todas fazem questão estrita de disfarçar a gravidade da agressão que
sofreram, de posar ante as câmeras com um sorriso amarelo e alardear
que a democracia se aperfeiçoa, que o sr. Lula é um grande presidente
e que, pensando bem, gordo ele �ca lindo.
Quem, submetido a essa obsessiva dieta de dissimulações, pode
conservar o senso da verdade?
Jornal da Tarde, 29 de janeiro de 2004
A   
Karl Marx ensinava que, mesmo investida daquele poder absoluto que
só a violência armada garante, a esquerda revolucionária jamais
deveria se apressar em estatizar a propriedade dos meios de produção
da noite para o dia, arriscando  provocar a fuga de capitais  e
desmantelar a economia. O certo, dizia ele, era alongar o processo por
uma ou duas gerações, usando de preferência o expediente anestésico
da taxação progressiva. Ainda mais prudente e sorrateira ela deveria
ser, é claro, na hipótese de ter vencido pela via das eleições, que só
garantem um acesso limitado ao poder.
Lênin acrescentava que a própria classe capitalista, atraída pela isca
dos lucros imediatos oferecidos pelo Estado socialista e cega para as
correntes mais profundas da transformação revolucionária, haveria de
colaborar alegremente com a lenta e inexorável expropriação de seus
bens.
Antonio Gramsci completava o silogismo, concluindo que o Partido
não deveria arriscar nenhuma mudança mais drástica na estrutura
social antes de ter-se assegurado de três condições: (1) a completa
hegemonia sobre a cultura, o vocabulário público e os critérios morais
vigentes; (2) o estabelecimento de um unipartidarismo informal
através da supressão de toda oposição ideológica, reduzidos os demais
partidos, quase que voluntariamente, à tarefa subalterna de criticar
detalhes da administração; (3) a fusão de Partido e Estado através da
“ocupação de espaços”.
Por seguir �elmente a receita desses mestres, o  governante
adquiriu direitos e privilégios jamais sonhados por nenhum partido
comunista do mundo, como por exemplo: (1) o de jamais poder ser
chamado de comunista, mesmo quando efetua à plena luz do dia a
inserção do Brasil na estratégia comunista internacional; (2) o de
auto�nanciar-se com dinheiro público em doses crescentese
ilimitadas, através do embuste do “dízimo” que, utilizado por qualquer
outro partido, provocaria uma tempestade de denúncias e processos;
(3) o de agir em estreita parceria estratégica com organizações
terroristas e narcotra�cantes, como o  colombiano, as , o 
chileno e os tupamaros, sem jamais poder ser acusado de
cumplicidade com o terrorismo ou o narcotrá�co; (4) o de criar desde
dentro de suas próprias �leiras uma oposição histriônica, que o acusa
de “direitista” sem que o público maior atine com a acepção muito
especial, quase a de uma senha, que este termo tem nas discussões
internas da esquerda e, assim, camu�ando ainda mais o curso real do
processo político.
Nunca, em cinco séculos, a mentira e a dissimulação dominaram tão
completamente o panorama dos debates públicos neste país,
outorgando aos condutores do processo aquela “onipotência invisível”
a que se referia Gramsci e condenando todos os demais brasileiros à
menoridade mental e política.
Um dos instrumentos mais engenhosos utilizados para isso foi a
duplicação das vias de ação partidária, uma nacional e ostensiva,
denominada o�cialmente “” ou “governo”, a outra internacional e
discretíssima chamada “Foro de São Paulo”, o mais importante e
poderoso órgão político latino-americano, cuja mera existência a
classe jornalística em peso continua ocultando criminosamente —
repito: criminosamente — ao conhecimento de seus leitores. No
âmbito circunspecto do Foro, o  articula suas ações com as de outros
movimentos de esquerda continentais. Entre eles, evidentemente, o
. No plano nacional, isto é, diante dos olhos da opinião pública, 
e  aparecem como entidades separadas e inconexas. O partido
onipotente está, portanto, habilitado a promover a agitação no campo
através do seu braço invisível, ao mesmo tempo que, com o visível,
encena gestos de apaziguador dos ânimos e mantenedor da ordem.
Dentro do  há decerto muitas pessoas que têm consciência de tudo
isso, e é impossível que pelo menos algumas delas não se
envergonhem, em segredo, de colaborar com tanta perfídia e
ignomínia. Mas quando ousarão renegar em público a macabra
herança comunista que faz de seu partido um aliado e cúmplice de
Hugo Chávez, de Fidel Castro e de Kim Il Jong?
O Globo, 31 de janeiro de 2004
S 
Se algum de meus colegas de jornalismo ainda tiver a cara-de-pau de
negar os fatos que mencionei no artigo anterior, não me deixará
alternativa senão apelar ao tribunal dos leitores, remetendo-os ao site
http://www.nodo50.org/americalibre/consejo.htm para que vejam com
seus próprios olhos a obscena simbiose entre a narcoguerrilha
colombiana e a farsa petista que nos governa.
O endereço é de America Libre, versão jornalística do Foro de São
Paulo, fundada por (adivinhem) Frei Betto e hoje dirigida por (já
adivinharam) Emir Sader. A revista prega abertamente a guerra
revolucionária, a implantação do comunismo em toda a América
Latina. Seu mais recente editorial proclama: “O 11 de setembro dos
povos será, para a confraria da América Livre, um compromisso de
honra. Será um encontro com os sonhos e com o desejo”. Da primeira
à última página, a coisa respinga sangue e ódio, de mistura com a
velha retórica autodigni�cante que faz do genocídio comunista uma
apoteose do amor à humanidade, condenando como fascista quem
quer que veja nele algo de ruim.
Na mesa do seu Conselho Editorial, quem se senta ao lado do líder
das , comandante Manuel Marulanda Vélez, o famigerado “Tiro
Fijo”? Nada menos que o chefe de gabinete do sr. Lula, Gilberto
Carvalho. Está lá também o deputado Greenhalg, aquele que promete
eliminar a criminalidade pelo método de desarmar as vítimas, mas que
jamais propôs desarmar um só terrorista, seqüestrador ou
narcotra�cante que lhe parecesse politicamente lindo.
Se isso não é promiscuidade, se isso não é cumplicidade por baixo do
pano entre o nosso governo e o crime organizado, se isso não é uma
tramóia muito suja, digam-me então o que é, porque minha
imaginação tem limites.
Estão lá ainda o dr. Leonardo Boff, o compositor Chico Buarque de
Hollanda, a índia guatemalteca Rigoberta Menchú (aquela que
abocanhou um Prêmio Nobel por meio da mais notória fraude
literária do século) e o inefável prof. Antônio Cândido, em cuja alma
não se diria haver uma só gota de truculência socialista, porque a�nal
ele escreve naquele estilo tão polidinho, tão engomadinho, que tantos
acham o cúmulo do bom gosto mas no qual não consigo ver senão o
charme e a elegância de uma lombriga de sobrecasaca. Mas essas e
outras estrelas-padrão do beautiful people esquerdista são apenas o
adorno, a cereja do bolo cuja massa se compõe, segundo as últimas
contagens, da carne de cem milhões de seres humanos. Não servem
para nada, exceto para embelezar o produto aos olhos de quem seja
tolo o bastante para admirá-las.
Signi�cativa, sim, é a presença do braço direito (ou esquerdo) de Lula
nessa geringonça editorial. Quem pode con�ar num governo que
alardeia combater o narcotrá�co só porque mantém na cadeia o sr.
Fernandinho Beira-Mar e respectivo advogado, ao mesmo tempo que,
por intermédio de um de seus mais altos funcionários, bem como de
seu mais ilustre porta-voz na Câmara Federal, apóia campanhas
jornalísticas em favor dos maiores fornecedores de cocaína ao Brasil?
Menos con�ável ainda, no entanto, é a mídia quando abafa a
divulgação de fatos que, conhecidos do público, teriam inviabilizado a
eleição de Lula em 2001 e desmascarado, no mesmo ato, seus três
concorrentes de fachada, cúmplices da mais torpe mentira eleitoral de
todos os tempos. Não é à toa que o jornalismo brasileiro é hoje
reconhecido internacionalmente como um dos piores do mundo. Os
responsáveis por esse estado de coisas alimentam-se do dinheiro dos
leitores, dos anunciantes e dos acionistas, mas seria mais justo que
mensalmente enviassem a conta de seus serviços ao Foro de São Paulo,
que não tem os problemas de uma empresa jornalística comum
porque, em caso de aperto, pode contar com as verbas ilimitadas do
narcotrá�co e dos seqüestros. O que me pergunto é se esses jornalistas
já transcenderam de vez a mera ética pro�ssional, desprezando-a
como superfetação burguesa e adotando em lugar dela a ética
revolucionária, segundo a qual, nas palavras de Bertolt Brecht, a
mentira é tão boa quanto a verdade, desde que sirva à causa do
socialismo.
O Globo, 7 de fevereiro de 2004
P  
Se você �cou espantado com aquilo que contei de Bill Clinton, é
porque não imagina o que sei de John Kerry, virtual candidato
democrata à presidência dos . São coisas que jamais você lerá fora
desta coluna, pois a mídia brasileira beati�cou o Partido Democrático
na mesma medida em que demonizou os republicanos, e ela não
haverá de sacri�car a reles fatos a pureza da sua �delidade ideológica.
O principal �nanciador da campanha de Kerry — e, por tabela, da
próxima Convenção Nacional Democrática, marcada para julho em
Boston — é nada mais nada menos que o governo comunista do
Vietnã. A ajuda não veio do nada: é retribuição de gentilezas recebidas
anos atrás. Quando os  estavam rompidos com o Vietnã, o então
senador Kerry arranjou encontros discretos entre o tenente-coronel
Liu Chaoying, da inteligência vietnamita, e funcionários da Comissão
de Títulos e Câmbio dos . O governo do Vietnã, mais um regime
comunista falido, estava ansioso para entrar no mercado capitalista
mundial, mas isso era impossível sem o reatamento das relações
diplomáticas com os . O maior obstáculo eram os prisioneiros de
guerra americanos que permaneciam em território vietnamita, dos
quais o governo local não queria dar nenhuma informação. Kerry, que
é pela paz e pelo diálogo, não podia suportar essa situação desumana.
Então criou no Senado uma Comissão de Prisioneiros de Guerra, em
cuja che�a colocou a srta. Francis Zwenig. A boa moça logo arranjou
uma solução, sugerindo aos vietnamitas que simplesmente
inventassem histórias para explicar o destino dos prisioneiros
desaparecidos. Kerry foi surpreendido pelascâmeras quando
assegurava a seus queridos vietnamitas que não teriam nenhum
problema por isso. E ele tinha razão: o governo dos  acabou
engolindo as invencionices. As relações foram reatadas e os
vietnamitas puderam �nalmente abrir no território americano
empresas de fachada para comprar material bélico que em seguida
revendem à China.
Outro importante �nanciador de Kerry é Hassan Nemazee, um
iraniano que, para poder fazer doações de campanha ao Partido
Democrático, já falsi�cou sua identidade duas vezes, uma como
venezuelano, outra como indiano. Fundador do Iranian American
Political Action Committee (), Nemazee fez fortuna
enriquecendo os mulás e aiatolás que governam o Irã e outros países
notoriamente hospedeiros e protetores de organizações terroristas.
A Associated Press con�rma que pelo menos três vezes Kerry foi
pego recomendando para altos cargos em bancos federais pessoas das
quais tinha acabado de receber doações.
É por essas coisas que Kerry recebeu de seus inimigos o apelido de
Cash-and-Kerry, que soa exatamente “cash-and-carry”, pague e leve.
Mas não imaginem que Kerry só pensa em dinheiro. Ele confessou
que, na guerra do Vietnã, cometeu “as mesmas atrocidades que
milhares de outros cometeram”. Acrescentou ainda que “todos esses
atos eram contrários à convenção de Genebra, foram cometidos por
ordens escritas e os homens que os ordenaram são criminosos de
guerra”. Pungente con�ssão, não é mesmo? Ela seria uma prova de
honestidade, se não lhe faltasse um detalhe. Kerry, na ocasião dos
combates, não era soldado raso: era o�cial superior. Ele não recebia as
ordens, mas as assinava.
Pela primeira vez, um país que até uma década atrás se recusava a
votar em candidatos que não tivessem uma folha de serviços militares
no mínimo honrosa, corre o risco de aceitar como presidente um
criminoso de guerra confesso, além de picareta nato.
Zero Hora, 8 de fevereiro de 2004
A 
“ese opposed factions might be compared to two swords, of which
one had a gilded and ornamental hilt, but a blade formed of glass or
other brittle substance, while the brazen handle of the other
corresponded in strenght and coarseness to the steel of the weapon
itself ” (Walter Scott, a propósito dos constitucionalistas e dos
jacobinos na Revolução Francesa).
Quem quer que, a esta altura, ainda sonhe em “vencer o ”, seja nas
próximas eleições, seja ao longo das décadas vindouras, deve ser
considerado in limine um bobão incurável, indigno de atenção. O ,
como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros
partidos — muito menos com os da “direita” — segundo o rodízio
normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir
esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado,
trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o
que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for,
será de�nitivo e irrevogável. Não haverá retorno. O Brasil em que
vivemos é, já, o “novo Brasil” prometido pelo , e não tem a menor
perspectiva de virar outra coisa a médio ou longo prazo, exceto se
forçado a isso pela vontade divina ou por mudanças imprevisíveis do
quadro internacional.
A causa essencial desse fenômeno é a própria diferença de escala
entre a atuação do  e a de seus pretensos adversários. Estes sempre
limitaram suas ações e ambições à esfera político-eleitoral explícita,
enquanto o  segue há décadas uma estratégia abrangente que inclui
desde a completa hegemonia das modas culturais, gostos artísticos e
reações psicológicas da população, até à in�ltração nas Forças
Armadas e órgãos policiais, a “ocupação de espaços” em todos os
escalões da administração pública e o domínio sobre a mídia. Há mais
de uma década os partidos que lutam contra o petismo fazem-no
dentro de um quadro social, cultural e psicológico previamente
demarcado pelo , do qual não chegam sequer a ter consciência.
O , ademais, nunca agiu sozinho. Ele é apenas o rótulo mais visível
de um complexo muito bem articulado de entidades subservientes (em
vários graus) à estratégia do Foro de São Paulo, incluindo-se nisso
portanto, além do , da  e dos partidos menores de esquerda, a
quase totalidade das organizações autonomeadas “representantes da
sociedade civil”, numa gama que vai desde uma in�nidade de ’s
ecológicas, indigenistas e de “direitos humanos” até a , a , a
 e similares.
Para completar, o  esteve sempre bem articulado com a esquerda
internacional, tendo contatos e apoio em toda parte — na , na ,
na mídia européia e americana, nas organizações internacionais de
terroristas e narcotra�cantes e sobretudo em fundações como Ford e
Rockefeller, etc., senhoras da cornucópia global de onde jorra dinheiro
em quantidades ilimitadas para qualquer projeto cultural ou social que
contenha uma dose su�ciente de esquerdismo.
Perto disso, os partidos que poderiam encarnar mesmo remotamente
o antipetismo são apenas organizações provincianas, isoladas do
mundo, impotentes, limitadas à propaganda eleitoral corriqueira, às
intrigas de gabinete e à disputa das migalhas que caem da mesa do
banquete petista.
E não me venham falar em . É oposição biônica, dócil e castrada.
A articulação do  com o  é tão profunda, tão comprometedora,
que líderes tucanos e petistas já discutem abertamente a fusão de seus
partidos. E não convém esquecer que a mais prestimosa ajuda para
eleger o atual presidente veio do homem de papelão, José Serra, o qual,
sabendo das conexões políticas entre seu adversário, a narcoguerrilha
colombiana e a indústria internacional de seqüestros encabeçada pelo
 chileno, se omitiu de denunciá-las durante a campanha eleitoral,
dando a Lula a chance dourada de impingir à opinião pública uma
falsa imagem de candura e honestidade.
É deplorável ter de insistir numa coisa tão evidente, mas uma
estratégia de escala continental, escorada numa rede global de
organizações e no completo domínio da atmosfera cultural não pode
ser enfrentada por meio de resistências locais, de espertezas
provincianas, de críticas pontuais a erros econômico-administrativos
ou da aposta louca nas brigas internas da facção dominante, que só a
revigoram.
A desproporção de forças, aí, é tão brutal, tão avassaladora, que não
vale nem mais a pena insistir no assunto.
Jornal da Tarde, 12 de fevereiro de 2004
O  E
O sr. Nei Sroulevich tem espalhado pela mídia uns artigos em que
clama pela volta do Partido Comunista Brasileiro, o velho Partidão, e
assegura que Fidel Castro não matou nem a décima parte do que se lhe
atribui.
O problema com o primeiro item é que os partidos comunistas só
ocasionalmente se apresentaram com esse nome. O da Rússia
chamava-se Partido Socialdemocrático, o de Cuba, Partido Socialista
Popular, o dos  e o da Coréia do Norte, ambos “Workers Party” (já
ouvi esse nome em algum lugar). O Partidão não pode voltar à
existência porque jamais saiu dela, apenas se camu�ou sob uma
variedade de denominações provisórias que, por trás de sua inconexão
aparente, continuam muito bem articuladas no quadro do Foro de São
Paulo.
Quanto ao segundo ponto, a di�culdade é que o número de dezessete
mil vítimas não é uma conjetura estatística. De quase todas elas há
listas meticulosas, com seus nomes e as datas, locais e circunstâncias
de seu assassinato. Negar a existência desses cadáveres é tão inútil e
imoral quanto negar o Holocausto nazista.
Eu deveria talvez falar apenas das idéias do sr. Sroulevich, e não da
sua pessoa. Mas nunca vi uma idéia dele que não fosse de Fidel Castro,
e a única coisa interessante que sobra nele é sua identidade pessoal,
justamente porque não é uma identidade e sim uma diferença.
Ele assina seus artigos, de fato, com a quali�cação neutra de
“jornalista e produtor cultural”. Nesta última condição ele produziu
decerto uns �lmes, mas isso foi antigamente, e não posso acreditar que
tenha vivido todo esse tempo das minguadas bilheterias do chatíssimo
Joana, a francesa (1973) ou do amplamente ignoradoA queda (1976).
Na verdade, ele fez carreira importando charutos cubanos, vendendo
pacotes turístico-publicitários da estatal Cubatur, �lmando para a 
estatal de Cuba um roteiro pró-Fidel preparado em colaboração com o
chefe do serviço secreto cubano, intermediando um projeto de Oscar
Niemeyer para o governo cubano e, en�m, cuidando dos interesses
cubanos de tantas e tão variadas maneiras (aqui mencionei somente as
mais notórias), que acabou recebendo por isso menções elogiosas no
Granma e uma condecoração de Fidel Castro. Mas a recompensa de
seus esforços não foi puramente simbólica. A prosperidade de seus
negócios cubanos é tal que lhe permitiu custear a estada de sua esposa
em Havana por cinco anos, indo e vindo com os �lhos para visitá-la
não sei quantas vezes, e, ao término desse dispêndio monstro, ainda
botar a família para residir elegantemente numa mansão no Lago
Norte, em Brasília.
Que, depois de tudo isso, ele escreva doces palavras em louvor do
comunismo cubano, é compreensível. Também é compreensível que o
faça alegando apenas o estatuto de “jornalista”, pois, se declarasse
abertamente sua verdadeira condição de parceiro comercial, seus
argumentos perderiam, no ato, 99% de credibilidade. Mas também por
isso é que o rótulo escolhido só lhe cabe como eufemismo. Jornalista,
salvo engano, é o sujeito que é pago por uma empresa jornalística para
escrever o que viu, o que ouviu de fontes ou o que sua própria cabeça
concluiu daí. Aquele que recebe dinheiro de uma fonte para falar bem
dela não é jornalista: é, na melhor das hipóteses, publicitário. Na pior,
bem, digamos que eu monte uma lucrativa parceria com o governo da
Zâmbia e, como quem não quer nada, passe a usar o espaço desta
coluna para alardear que a Zâmbia é o Céu na Terra. Com carteirinha
da Fenaj e tudo, estarei fazendo com isso algo que mereça, ainda que
remotamente, o nome de “jornalismo”? Obviamente não. E de que é
que vocês me chamarão? Não sei, mas se chamarem exatamente disso
o sr. Sroulevich não estarão fazendo grande injustiça.
Injusto, sim, seria dizer que tudo o que ele publica é em proveito
exclusivo de Cuba e dele próprio. Ele também escreveu uma resenha
entusiasticamente elogiosa do livro de Cláudia Furiati, Fidel Castro,
uma Biogra�a Consentida, omitindo-se, com exemplar modéstia, de
informar ao público que a autora da obra era esposa do resenhista.
Com esse feito, ele tornou-se de�nitivamente o meu tipo
inesquecível. No meu coração, ele é e será sempre o camarada
Enrolevich.
12 de fevereiro de 2004
C 
Intelectualmente, o único sujeito respeitável no presente governo é o
ministro Viegas. O fato mesmo de ele ser tradutor de Eric Voegelin —
o pensador político mais importante da segunda metade do século ,
ainda maciçamente ignorado pelo establishment acadêmico
tupiniquim — já o coloca num patamar bem superior ao da média da
nossa classe falante e governante.
Por isso mesmo, tinha de ser ele o primeiro a reconhecer aquilo que o
universo inteiro já sabia, isto é, que as  são uma organização
terrorista.
Espero apenas que S. Excia. não se recuse a tirar dessa obviedade as
conseqüências lógicas que dela se seguem inapelavelmente:
1. Como fundador e dirigente máximo do Foro de São Paulo durante
uma década inteira, o sr. Luís Inácio Lula da Silva colaborou
estreitamente com essa organização colombiana na formulação de
uma estratégia continental em que se articulam, numa promiscuidade
indecente, partidos legais e pelo menos uma gangue de
narcoterroristas e seqüestradores.
2. Se ele o fez inocentemente, nada sabendo das atividades das ,
do  chileno, etc., então decerto ele é o mais presunçoso ignorante
que já se instalou num posto de liderança continental, arrogando-se
uma autoridade in�nitamente superior aos conhecimentos
elementares requeridos para exercê-lo.
3. Se, ao contrário, ele sabia com quem estava lidando, então aceitou
conscientemente ser cúmplice político — se não bene�ciário sob
outros aspectos, como sugeriu o deputado Alberto Fraga — de uma ou
mais organizações criminosas.
4. Qualquer autoridade competente que, sabendo dessas coisas, mude
de assunto e escamoteie a obrigação incontornável de investigar e tirar
a limpo as ligações – comete crime de prevaricação. Se todas as
autoridades competentes preferirem fazer de conta que não viram
nada, isto equivalerá a uma con�ssão geral de que não há neste país
mais ordem jurídica nenhuma, de que é tudo uma imensa pantomima
e de que o melhor para o cidadão honesto é mudar logo para a
Zâmbia, para Serra Leoa, para o Paraguai ou para qualquer outro lugar
onde possa esperar encontrar ao menos algum rudimento de
seriedade, ordem racional e civilização.
Não pensem que, ao dizer isso, eu esteja querendo pressionar o
ministro ou colocá-lo em situação constrangedora. Reconheço e louvo
abertamente sua coragem de admitir a verdade proibida. Apenas digo
que quem reconhece que 1 + 1 = 2 está moralmente obrigado a
admitir, em seguida, que 2 + 2 = 4, 3 + 3 = 6, e assim por diante, doa a
quem doer.
Bem sei — pois aprendi com a “Teoria do Medalhão” de Machado de
Assis e com a obra inteira de Lima Barreto — que a desconversa, a
dissimulação e a hipocrisia entram na composição dos nossos
costumes (da nossa “cultura”, no sentido puramente antropológico do
termo) em doses maiores do que as encontráveis, talvez, em qualquer
outro país do mundo. Sei também que o controle formal ou informal
das notícias de modo a favorecer as autoridades federais — o vício de
alternar a censura com a autocensura — é quase uma cláusula pétrea
da nossa organização mental, pelo menos desde os tempos do . Sei
ainda que, no Brasil, ser polido, inócuo, anestésico, tranqüilizante, é a
suprema virtude do cidadão, mesmo nos momentos em que o
exercício dela ameace expor a nação inteira, por indolência,
comodismo e medo da verdade, a perigos graves e inúteis.
Mas, a�nal, senhor ministro, hábitos são apenas hábitos, não deveres.
V. Excia. mostrou que não é indiferente ao dever e que tem energia
bastante para romper com o hábito. No seu lugar, eu não temeria fazer
o resto do serviço. A�nal, o único risco que V. Excia. correrá com isso
será o de sair do ministério para entrar na História. Duvido muito que,
para um homem da sua estatura, seja uma perda substantiva.
O Globo, 14 de fevereiro de 2004
A   
Como é possível que um partido repleto de ex-terroristas, associado
no Foro de São Paulo aos narcotra�cantes das  e aos
seqüestradores do  chileno, acusado de superfaturamento em obras
e na coleta de lixo em várias das capitais que governa, suspeito de
cumplicidade no assassinato de um prefeito, alimentado pelos dízimos
obrigatórios dos cargos públicos que ele mesmo distribui e, last not
least, inventor de uma “campanha contra a fome” que já tem 45% de
licitações irregulares, consiga fazer com que a denúncia de uma
negociata com bicheiros apareça como uma mancha esporádica na sua
reputação ilibada, como um ato isolado de “traição” a seus “altos
padrões éticos”, e não como a continuação normal e previsível de uma
longa carreira de delitos e mentiras?
“Hegemonia” é isso: acuada pela exibição de provas contundentes, a
facção dominante ainda tem força para transmutar a perda política em
vitória ideológica, fazendo com que a crença geral na bondade
intrínseca da esquerda saia imune e engrandecida da revelação de
qualquer sujeira. Em matéria de gerenciamento de danos, é um
prodígio.
É que os dois fenômenos — o envolvimento em crimes de magnitude
incomum e o controle sobre os critérios morais da opinião pública —
estão profundamente interligados. É impossível elucidar o caso
Waldomiro sem colocar em exame a estrutura interna do , que
herdou das organizações revolucionárias que a originaram a técnica de
articular legalidade e clandestinidade, miolo e fachada, realidade e
aparência.
O partido que mama o leite dos bicheiros é, a�nal, o mesmo que, com
os bons préstimos de uma rede de informantes espalhados em todos os
escalões da

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