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Teoria e prática do partido arquitetônico

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Teoria e prática do partido arquitetônico 
Mario Biselli 
●  
Nam June Paik 
Croquis de Mario Biselli 
 
Muitos autores acadêmicos têm se debruçado recentemente sobre temas e termos 
correntes da arquitetura na tentativa de compreender e explicar o processo de 
projetação. O aprofundamento recente destas pesquisas e reflexões tem produzido 
noções sempre mais didáticas e esclarecedoras, tanto para estudantes e professores 
como para arquitetos com interesses teóricos e mesmo para leigos e amantes da 
arquitetura. 
A história é rica em exemplos do interesse em resumir o projeto a um processo 
linear, possuidor de uma técnica de realização passo a passo, como montar uma 
máquina, como cultivar soja, primeiro isto, depois aquilo e aquilo outro, e assim 
por diante numa seqüência de procedimentos idêntica a tantas outras técnicas e 
disciplinas inventadas pelo homem. 
 
Escola Coreana 
Croquis de Mario Biselli 
Um aspecto interessante da atividade de projeto é justamente a quantidade de 
teorias, metodologias, manuais de procedimentos e técnicas as mais diversas da 
qual foi objeto historicamente. Mais interessante ainda é observar que, embora 
partes do processo de produção do projeto possam estar sujeitas a uma seqüência de 
procedimentos, o processo inteiro jamais poderá se enquadrar neste modelo, e, 
portanto, as metodologias não se sustentam enquanto sistemas universais, embora 
seja obrigatório conhecê­las, pois a nenhum arquiteto é permitida a ignorância 
sobre a experiência acumulada que compõe a história da arquitetura. 
O termo projetação tem sido pouco usado no Brasil, mas é o termo que define a 
produção do projeto de arquitetura como um processo. Este processo tem um momento 
crítico e imponderável que foge a qualquer metodologia, mesmo quando a projetação 
estava sujeita às regras da composição clássica. Este momento crítico é o momento 
que envolve as decisões relativas ao que conhecemos por ​partido arquitetônico​, 
termo que em outros lugares é também conhecido como ​estratégia​ ou ​conceito​. 
 
Bienal de Arte de SP 
Croquis de Mario Biselli 
Para efeito desta reflexão usarei o termo partido arquitetônico por ser o mais 
comum no Brasil e, creio, mais específico do campo da arquitetura do que 
estratégia ou conceito, os quais são muito comuns em outras áreas. Com base na 
experiência pode­se também dizer que “partido” é o termo comum à linguagem própria 
dos arquitetos, o assunto central, senão único, entre arquitetos no âmbito da 
produção, do julgamento de concursos de arquitetura, do ensino de projeto, das 
conversas informais. E não creio se tratar de um exagero cogitar a exclusividade 
do assunto, dado que em “partido” se compreende a discussão de aspectos como 
estratégia de implantação e distribuição do programa, estrutura e relações de 
espaço, todas elas questões centrais para os arquitetos. Outros temas relativos às 
atividades criativas – como composição, estilo, estética etc. – embora tenham sido 
objeto de interesse da teoria da arquitetura recentemente, são tratados no âmbito 
da prática com pudor e desinteresse, senão como meros epifenômenos. 
A definição de partido arquitetônico, portanto, e as reflexões sobre seu 
significado, dado o interesse geral, tem sido tarefa de vários autores e todas 
elas contêm aspectos novos e esclarecedores. O exame destas definições é um 
primeiro objeto de meu interesse. 
 
Escola Cáritas 
Croquis de Mario Biselli 
Desde o período acadêmico até as primeiras definições modernas, o projeto de 
arquitetura tem sido descrito como resultado de um raciocínio lógico. Em ​Teoria e 
projeto na primeira era da máquina​, Banham compara Guadet, para quem a composição 
era o tema perene, e Choisy, que enfatiza a construção, ambos teóricos da 
composição arquitetural, para quem a natureza lógica da concepção constitui o tema 
mais destacado: 
“a forma como conseqüência lógica da técnica – que torna a arte da arquitetura 
sempre e em toda parte a mesma. 
[Para Choisy] a essência da arquitetura foi sempre a construção, a função do 
arquiteto sempre foi esta: fazer uma avaliação correta do problema com que se 
deparava, após a qual a forma do edifício seguir­se­ia logicamente dos meios 
técnicos a seu dispor” (1). 
Autores modernos, como Carlos Lemos, também propõem definições fazendo uso dos 
termos “conseqüência” e “resultado”, nos quais uma idéia de lógica permanece 
implícita: 
“A mencionada definição é a seguinte: Arquitetura seria, então, toda e 
qualquer intervenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com 
determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas ou a 
expectativas programadas, e caracterizada por aquilo que chamamos de partido. 
Partido seria uma conseqüência formal derivada de uma série de condicionantes 
ou de determinantes; seria o resultado físico da intervenção sugerida. Os 
principais determinantes, ou condicionadores, do partido seriam: 
a. a técnica construtiva, segundo os recursos locais, tanto humanos, como 
materiais, que inclui aquela intenção plástica, às vezes, subordinada aos 
estilos arquitetônicos. 
b. o clima. 
c. AS condições físicas e topográficas do sítio onde se intervém. 
d. o programa das necessidades, segundo os usos, costumes populares ou 
conveniências do empreendedor. 
e. as condições financeiras do empreendedor dentro do quadro econômico da 
sociedade. 
f. a legislação regulamentadora e/ou as normas sociais e/ou as regras da 
funcionalidade” (2). 
É certo que todo arquiteto defende seu projeto como um produto da aplicação da 
lógica face aos dados fornecidos para sua elaboração. Mas, em arquitetura parece 
que temos uma lógica para cada projetista, pois se dependêssemos meramente da 
lógica, o processo seria universal e já não caberia qualquer preocupação sobre o 
assunto. Talvez, neste caso, a ação de projetar e construir já teriam sido 
integralmente resolvidos pela indústria, através de seus computadores e máquinas. 
E o que se vê é justamente o contrário, há um claro incômodo a respeito – “Esa 
incómoda situación del partido”, afirma Corona­Martinez (3) –​,​sempre surgem novas 
explicações e teorias, como se sempre mais estivéssemos interessados em desvendar 
um mistério, perscrutar as mentes criadoras para pôr às claras algo nebuloso, 
abrir uma “caixa preta”: 
“Le Corbusier enfatizou ainda mais o uso da lógica matemática de Descartes ao 
dizer que o início do processo de criação é a definição da planta 
arquitetônica, que por sua vez é a representação do programa arquitetônico 
(função da edificação). Assim, a projeção vertical da planta resultaria, 
segundo ele, nas paredes que por sua vez se tornariam volumes: linhas que se 
transformam em planos que se transformam em volumes; é a seqüência linear e 
crescente do raciocínio cartesiano. 
Embora se saiba que Descartes ainda é apreciado nas escolas de arquitetura do 
Brasil para o ensino­aprendizagem do projeto arquitetônico, sabe­se também que 
em algum momento do processo de criação surge algo estranho que parece não 
caber na lógica cartesiana: é a caixa preta; um conceito usualmente utilizado 
pelos arquitetos para significar o momento em que a subjetividade psicológica 
do arquiteto define, por meio de um rabisco (croqui) o partido do projeto. 
Apesar dos arquitetos conhecerem esse processo, ninguém até hoje explicou o 
que acontece dentro dessa caixa preta, dizem que é inexplicável” (4). 
Duas publicações recentes abordam estes temas, suas reflexões são a base para uma 
compreensão e críticas contemporâneas desta problemática. São elas ​Adoção do 
partido em arquitetura​, de Laert Pedreira Neves e​Composição, partido e programa – 
uma revisão de conceitos em mutação​, de Anna Paula Canez e Cairo Albuquerque da 
Silva, este último se tratando de uma coletânea de ensaios de vários autores. 
 
Escola CáritasCroquis de Mario Biselli 
Destes textos emergem duas idéias principais. Em primeiro lugar, a de que o 
partido é a idéia inicial de um projeto e em segundo, que esta idéia é uma criação 
autoral e inventiva, e artística na medida em que faz uso da composição. Vemos em 
Neves as definições nesta seqüência. Em primeiro lugar: 
“Denomina­se Partido Arquitetônico a idéia preliminar do edifício projetado. 
Idealizar um projeto requer, pelo menos, dois procedimentos: um em que o 
projetista toma a resolução de escolha dentre inúmeras alternativas, de uma 
idéia que deverá servir de base ao projeto do edifício do tema proposto; e 
outro em que a idéia escolhida é desenvolvida para resultar no projeto. É do 
primeiro procedimento, o da escolha da idéia, que resulta o partido, a 
concepção inicial do projeto do edifício, a feitura do seu esboço” (5). 
Antes, no texto introdutório: 
“É importante ressaltar que projetar um edifício é, na essência, o ato de 
criação que nasce na mente do projetista. É fruto da imaginação criadora, da 
sensibilidade do autor, de sua percepção e intuição próprias. É resultado do 
trabalho do pensamento. Sendo assim, constitui­se em algo de difícil controle, 
interferência e ordenamento” (6). 
Em ​Composição, partido e programa – uma revisão de conceitos em mutação​, o texto 
de Rogério de Castro Oliveira faz uso de uma linguagem mais complexa, mas de 
conteúdo similar e complementar. Primeiramente uma argumentação genérica: 
“Em suma, no projeto de arquitetura, a concepção do partido arquitetônico 
pressupõe a proposição de configurações que descobrem, ou inventam, relações 
espaciais e programáticas a partir de uma dispersão inicial, indeterminada, de 
possibilidades projetuais. A coerência de tais construções deriva, antes, de 
um progressivo fechamento interno do que de determinação externa. O partido é, 
por hipótese, uma prefiguração do objeto, que o projetista elege como ponto de 
partida e fio condutor: cabe à investigação epistemológica construir contextos 
de explicitação das razões que asseguram pertinência e validade a essas 
arquiteturas projetadas” (7). 
 
Escola Cáritas 
Croquis de Mario Biselli 
Ainda no mesmo texto, quando se dedica a uma comparação entre os projetos de Le 
Corbusier e Lúcio Costa para a Cidade Universitária do Rio de Janeiro em 1939: 
“Para Lúcio Costa... ao contrário, tomar partido implica dar início a um 
percurso inventivo que se traça sobre um campo de relações em constante 
formação e renovação, ainda que aos tateios e sujeito a inúmeros e 
imprevisíveis retornos e desvios. Tais relações simultaneamente externas e 
internas ao objeto projetado implicam a construção de correspondências entre 
formas e conteúdos, organizando­se progressivamente em esquemas que conectam 
partes antes separadas. Este dinamismo atribui à construção do partido um 
sentido eminentemente operativo, antecipador das configurações compositivas 
que conduzirão à finalização do projeto” (8). 
Todas estas definições, desde as mais simples como as de Neves, às mais 
sofisticadas, como as de Rogério de Castro Oliveira, procuram sempre mais 
elucidar, ilustrar e compreender o projeto de arquitetura e o momento de adoção do 
partido arquitetônico. Nota­se que no âmbito da experiência prática no Brasil, e 
em face da maneira como o tema tem sido abordado tradicionalmente, que cada autor, 
cada arquiteto poderia igualmente descrever a projetação de maneira muito similar, 
alterando a ênfase neste ou naquele aspecto, simplificando ou elaborando mais e 
mais o texto, mantendo, contudo a sua essência. 
Deste modo pode­se concluir, a partir destes teóricos brasileiros, que o Partido 
Arquitetônico é a idéia inicial de um projeto, que a sua formulação é uma criação 
autoral e inventiva com base na coerência e na lógica funcional, e que, o partido, 
sendo uma prefiguração do projeto, faz da projetação um processo que vai do todo 
em direção à parte. 
 
Aeroporto de Florianópolis 
Croquis de Mario Biselli 
Este conceito de Partido Arquitetônico parece ser um dos traços mais 
característicos da herança corbusiana no Brasil: 
“Le Corbusier abordava o programa de arquitetura partindo de princípios de 
ordem geral, adaptando­os em seguida à situação real. O projeto era definido 
pelo partido que se organizava do geral para o particular. [...] A casa Baeta 
projetada por Vilanova Artigas em 1956, segundo o conceito de partido de Le 
Corbusier, define­se pelas empenas das fachadas da frente e dos fundos e pelas 
aberturas das fachadas laterais, é organizada em meios níveis” (9). 
Também empiricamente, em cada situação específica baseada na prática de concursos 
e avaliações no âmbito universitário, é possível identificar a preponderância 
deste conceito nas discussões entre arquitetos, professores e membros das 
comissões julgadoras, sendo esta a característica fundamental que acaba por se 
estabelecer como um invariante, uma estrutura de pensamento que, pode­se supor, 
continua válida como aspecto central da teoria de projeto e da projetação no 
Brasil, teoria tributária também dos princípios acadêmicos e modernos herdados 
pelos grandes mestres modernos brasileiros tanto cariocas quando paulistas, em 
face do seu carisma e de sua longevidade, para além dos fatores conjunturais 
históricos, resumidos por Futagawa desta maneira: 
"Durante os períodos antes e depois da Segunda Guerra Mundial, a arquitetura 
brasileira passou por desenvolvimento específico através das obras criativas 
dos arquitetos pioneiros como Lucio Costa, Afonso Reidy, Oscar Niemeyer, 
Vilanova Artigas e Lina Bo Bardi. Os princípios do modernismo foram aplicados 
e adaptados às condições locais do contexto brasileiro, como se a idéia do 
modernismo simpatizasse com o clima tropical do Brasil e da cultura das 
pessoas que lá vivem. Mais tarde, veio à luz uma forma única e original de 
arquitetura, que só existe no Brasil, e que vai além do movimento modernista 
original. 
O regime militar instalado no Brasil em 1964 provocou vinte anos de estagnação 
cultural, mas, ao mesmo tempo, também isolou a área de arquitetura do 
movimento pós­moderno que envolvia todo o mundo naquela época. Portanto, o 
Brasil se tornou um dos raros países que conta com sucessores legítimos do 
movimento modernista, e esse pano de fundo influencia fortemente a produção 
dos jovens arquitetos atuais, seguindo o princípio do modernismo entre as 
novas gerações" (10). 
Quero propor a seguir algumas reflexões sobre estes temas acima citados em busca 
dos novos significados e usos destas terminologias, bem como uma compreensão 
contemporânea a respeito destes mesmos processos. 
 
Ginásio Barueri 
Croquis de Mario Biselli 
Em primeiro lugar, sobre o que é partido arquitetônico. 
Quando se usa a expressão “adoção do partido”, deve­se observar o fato de que esta 
afirmação pode pressupor uma biblioteca de partidos adotáveis, como se estivessem 
todas as possibilidades já dadas e catalogadas. Convenhamos, analogamente, que 
adotar um filho é muito diferente de conceber um filho”. 
A afirmação de que o partido é a idéia preliminar do edifício a ser construído, ou 
uma prefiguração do objeto, que o projetista elege como ponto de partida e fio 
condutor, não abrange a totalidade dos modos de projetar, portanto não é 
universal, como também não o é o movimento do todo em direção à parte. Um claro 
exemplo disto são os projetos que envolvem tecnologias de pré fabricação de 
componentes para aplicação em série, invertendo, portanto, o raciocínio, a parte 
precede o todo (projetos de James Stirling, tais como para o Andrew Melville Hall, 
1968, e University of St. Andrews Student Residence, 1967). 
Proponho aqui pensar sob o pressuposto de que o modo como cada arquiteto projeta é 
menos relevante do que o resultado final do seu trabalho. A sua metodologia, que é 
sempreparticular, tem um interesse menor neste momento. 
Considerando, portanto, o cenário contemporâneo de grande diversidade 
arquitetônica, o partido arquitetônico é compreendido como a idéia que subjaz ao 
projeto, aquela identificada como idéia principal ou central, quando o projeto já 
se apresenta concluído, não importando quando esta idéia surgiu. É a idéia que o 
projeto é capaz de veicular ou expressar, o conteúdo intelectual de um edifício ou 
projeto enquanto manifestação, mediada por uma linguagem. É da avaliação destas 
idéias que se ocupam as comissões julgadoras em concursos, professores em 
avaliação etc. 
 
Igreja Tamboré 
Croquis de Mario Biselli 
De fato, a idéia central de um projeto pode nascer no início do processo ou 
durante o processo ­ tal como descrito nos textos anteriormente citados – ou pode 
mesmo anteceder ao processo, como é o caso dos arquitetos teóricos, cujas 
reflexões oportunamente se aplicarão na prática. Analisemos alguns exemplos de 
definições enunciadas por arquitetos que questionaram a teoria do projeto, 
revisando as tradicionais concepções da coerência e lógica, funcional e 
construtiva, do modernismo. É possível observar também que em seus projetos há 
sempre uma idéia central, não obstante a diferença de abordagem. 
Robert Venturi propõe o abrigo decorado, um caixa funcional inexpressiva acrescida 
de uma fachada bidimensional ornamentada e comunicativa segundo a natureza do 
edifício. 
"Venturi prefere os abrigos decorados, porque ele afirma que a sua comunicação 
é mais eficaz, embora os arquitetos modernos tenham se dedicado durante muito 
tempo a projetar 'patos'. O pato é, em termos semióticos, um signo icônico, 
porque o significante (forma) tem certos aspectos em comum com o significado 
(conteúdo). O abrigo decorado depende de outros significados – a escrita ou a 
decoração – que são signos ​simbólicos​" (11). 
Aldo Rossi propõe: a forma fica, a função muda. Por que então a função deve 
determinar a forma? A forma deve ser determinada pelo ‘lugar’. 
“A primeira grande crítica de Rossi foi ao que denominou de funcionalismo 
ingênuo do movimento moderno, que ao priorizar a explicação da cidade apenas 
pela função, deixava de entendê­la pelo que tinha mais significativo: o 
conhecimento da arquitetura pelo mundo de suas formas. A função era de uma 
circunstância que fazia uso da forma como um ato social. Ela nunca ia além de 
seu tempo, enquanto a forma permanecia” (12). 
Peter Eisenman sobrepõe à realidade do projeto – função, programa, lugar, 
topografia – disciplinas ou conceitos sobre os quais explorar ou deconstruir a 
forma, tal como assim se define: 
“Os conceitos, nos quatro projetos, transitam, se justapõe, interagem em ato. 
Malhas, escalas, rastros e dobras são freqüentemente concomitantes. Na 
exposição foram pensados como detonadores de pensamento, como balizas para a 
percepção e inteligibilidade da obra de Peter Eisenman. Mas a concomitância 
entre inteligibilidade e percepção, este movimento duplo parece ser recorrente 
e indissociável na reflexão e produção da arte” (13). 
 
Igreja Tamboré 
Croquis de Mario Biselli 
Mais recentemente Herzog e de Meuron adotam modelos de exploração e geração de 
forma, caracterizado como um processo contínuo com auxílio do computador e sem 
final determinado, como no projeto para o Pavilhão Jinhua Structure II – Vertical 
Basilea (ver AV Proyectos 007 2005, p. 40). 
E numa postura contemporânea mais radical, no sentido de uma autonomia da forma, 
sobrepujando tudo o mais, destaca­se os projetos de Frank Owen Gehry (Guggenheim 
Bilbao, 1997, e Walt Disney Concert Hall, 2003) e Zaha Hadid (tais como 
Contemporary Arts Center, 2003, em Cincinatti e MAXXI Museo, 2010, em Roma). 
A idéia central (ou Partido) pode ser identificada mesmo em situações onde a 
configuração funcional é um dado, uma condicionante ou determinante, fato comum 
quando em projetos para estádios, ginásios esportivos, teatros e em alguns casos, 
aeroportos. Via de regra configurações funcionais rígidas por tradição ou quando o 
próprio cliente é a autoridade no que tange às funções, muito comum no ramo das 
indústrias. Em todos esses casos, a despeito dos limites, o arquiteto encontrará 
espaço para introduzir uma idéia, ora migrando da forma para a matéria (Herzog & 
de Meuron, Estádio Allianz Arena, 2005, na Alemanha, e Estádio Nacional "Ninho do 
Pássaro", 2008, na China), ora enfocando radicalmente o design (como em 
Massimiliano Fuksas, no projeto do Aeroporto Internacional Shenzhen na China, ver 
AV proyectos 026 2008, p. 46) ou a tecnologia construtiva (Renzo Piano, Estadio de 
Bari, 1990, na Itália, e Richard Rogers, Aeroporto de Barajas, 2006, Espanha), 
etc. 
Em segundo lugar, cabe indagar, o que é a “caixa preta”? 
O que ainda pode ser dito sobre a adoção/ invenção/ formulação do Partido 
Arquitetônico, o momento crítico imponderável, a caixa preta? 
 
Igreja Tamboré 
Croquis de Mario Biselli 
Vamos admitir que os arquitetos fazem projetos e isto é um fato; portanto, em 
algum momento um determinado conjunto de informações se torna uma idéia para um 
edifício. O campo das idéias em arquitetura implica em um vasto campo de estudo da 
teoria e da história, mas este não é o espaço para desenvolver esse tipo de 
exercício intelectual e acadêmico. Vamos apenas considerar, de maneira mais 
simples, que este fato se relaciona com um fenômeno humano de grande interesse das 
ciências humanas, por um lado, e da filosofia, passando no século XX pelo 
estruturalismo, semiologia e semiótica: o fenômeno da linguagem, compreendida como 
manifestação e processo intrínsecos às diversas mediações sígnicas. A capacidade 
humana de inventar linguagens, a possibilidade de inventar distintas linguagens – 
verbais e não verbais – e transitar e fazer transposições entre estas 
(transtextualidade) são os mecanismos do intelecto típicos da arte e da 
arquitetura. Compreendida em maior ou menor grau como linguagem, a arquitetura é 
uma atividade desta mesma natureza de ​mediação e manifestação da idéia​ (14). 
Assim procedem os artistas, um poeta descreve uma paisagem (transposição do ícone 
para o texto), um escritor descreve um personagem (ícone para texto), um 
desenhista produzindo um retrato falado (ícone para texto e de novo para ícone), e 
tantas outras atividades do homem, um artista pintando um retrato (ícone para 
ícone), um ator em cena (texto para texto mais imagem), sempre pressupondo 
interpretação de um conteúdo numa linguagem seguido de uma expressão em outra. 
O partido arquitetônico, neste contexto, se dá no momento em que o texto, 
compreendido como articulação semântica – pensamento e idéia ­ expressa na 
linguagem verbal, se transforma em ícone, transposição da linguagem verbal para a 
linguagem não verbal, ou de maneira mais precisa, a operação que faz o arquiteto é 
de texto e ícone para ícone, pois o programa é texto e o lugar é ícone. 
 
Casa LPVM, Guaecá 
Croquis de Mario Biselli 
As transposições entre linguagens podem inicialmente sugerir a idéia de tradução, 
mas as tentativas empreendidas no sentido de estudar a arquitetura ­ tanto como 
história como prática projetual ­ a partir das estruturas da língua de forma 
automática – como tradução literal ­ apenas exacerbaram as diferenças estruturais 
entre estas linguagens, diferenças que implicam, para a arquitetura, num grau 
superior de liberdade no nível da expressão, dada a ausência de vínculos com as 
regras e convenções a que está sujeita a linguagem fala/texto: 
“O que se deve evitar nessa análise é a aplicação mecânica do modelo da 
linguagem à arquitetura, como fizeram diversos estudos semióticos. A aplicação 
mecânica de um modelo especificamente desenvolvido para a linguagem em outros 
sistemas semióticos, como a arquitetura, apenas permite reconhecer o que é 
semelhanteà linguagem no nível da ideologia, mas não define as ​diferenças​ de 
estrutura interna entre a linguagem e, outros sistemas semióticos. Mesmo que 
seja possível conceber a linguagem como um sistema complexo de regras 
subjacentes, e, portanto, que seja viável compará­la com os sistemas 
explícitos e implícitos de regras da arquitetura, as regras arquitetônicas são 
definidas por uma determinada facção de uma determinada classe social, ao 
passo que a língua não é propriedade de ninguém, nem em geral nem em 
particular.. Os sistemas de regras arquitetônicas não exibem nenhuma das 
propriedades da ​langue​ – não são finitos, não tem uma organização simples nem 
determinam a manifestação do sistema. Ademais, as regras arquitetônicas estão 
em constante fluxo e mudam radicalmente. 
A aplicação mecânica do modelo da língua/fala à arquitetura ocidental 
fortalece a ideologia arquitetônica, porque nega as diferenças entre a 
arquitetura e a língua e ignora o lugar da linguagem natural na arquitetura. 
Além disso, o fato mais importante talvez seja que essa aplicação automática 
nega a presença de “algo” que define uma importante diferença entre a 
arquitetura e a linguagem – o aspecto criativo da arquitetura. Na língua, o 
indivíduo pode usar, mas não modificar o sistema da linguagem (​langue​). O 
arquiteto, ao contrário, pode e faz modificações no sistema, que é inventado a 
partir de um sistema de convenções” (15). 
 
Teatro de Natal 
Croquis de Mario Biselli 
E mesmo o referido sistema de convenções, ou contrato social, compreendido como 
base da linguagem, constitui um elemento limitador para a expressão em 
arquitetura: 
“Não havia nenhuma razão especial para que os ingleses designassem um animal 
de ​Bull​, os franceses o chamassem de ​boeuf​e os alemães de ​Ochs​. [...] Mas 
porque​ a relação entre significante e significado era arbitrária, devia ser 
respeitada por todos. Ninguém pode mudar isso unilateralmente; há um contrato 
social entre todas as pessoas que falam inglês de que elas devem usar a 
palavra ​bull​ toda a vez que quiserem se referir a esse animal específico. Se 
alguém usar outra palavra, ou inventar uma nova palavra para esse fim, ninguém 
o compreenderá; ele terá quebrado o contrato social. Note­se de passagem que, 
com poucas exceções, não existe um contrato social para o significado da 
arquitetura, e esta é uma diferença fundamental entre a arquitetura e a 
linguagem” (16). 
O homem de início pensou sobre as coisas, depois começou a pensar sobre o próprio 
pensamento, principalmente depois de Descartes, que levou tudo para dentro do 
intelecto (“je pense, donc je suis” – ​Discours de la Méthode​, 1637). Com os 
arquitetos não haveria de ser diferente. Em meio a dificuldades de solução para um 
projeto o arquiteto freqüentemente se interroga sobre seu pensamento, seu método 
(que em projetos anteriores funcionara tão bem!). 
Mas o projeto de arquitetura, embora circundado de problemas técnicos e 
profundamente vinculado ao uso, é por natureza um processo criativo avesso a 
enquadramentos, formatações, metodologias ou fórmulas. Permanece, portanto, e como 
desde sempre, aberto à infinita inovação, ao espírito dos tempos, à antecipação de 
tendências, à revisão de paradigmas, e, no pólo oposto, a novas visitas e 
itinerários interpretativos pelas tradições do passado. 
 
Torres Empresariais na Rua Afonso Brás 
Croquis de Mario Biselli

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