Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
O V i s í V e l e O i n V i s í V e l Programas de Fi lmes e Vídeos C u ra d o r i a B e r t a S i c h e l T h e V i s i b l e a n d T h e i n V i s i b l e Fi lm and v ideo programs C u ra t o r B e r t a S i c h e l � o visível e o invisível o v i s í v e l e o i n v i s í v e l Programas de Fi lmes e Vídeos C u ra d o r i a B e r t a S i c h e l T h e v i s i b l e a n d T h e i n v i s i b l e Fi lm and v ideo programs C u ra t o r B e r t a S i c h e l São Paulo 2008 � > � o visível e o invisível � o visível e o invisível 38 > once in The XX cenTury Deimantas Narkevicius 46 > crédiTos | crediTs 39 > on TranslaTion: Miedo/Jauf Antoni Muntadas 40 > PlaneT of The arabs Jackie Reem Salloum 41 > sahara chronicle Ursula Biemann 4� > suicide Shelly Silver 43 > The PerverT’s Guide To cineMa Sophie Fiennes 44 > The secreTary of The invisible Marine Hugonnier 45 > TranscriPT Jenny Perlin i n T r o d u ç ã o | i n T r o d u c T i o n 06 > o visível e o invisível, Berta Sichel The visible and The invisible, Berta Sichel f i l M e s e v í d e o s | f i l M s a n d v i d e o s �9 > a laPse of MeMorya laPse of MeMory Fiona Tan 31 > filM isT. 7-�2 (conquesT/MeMory and docuMenT) Gustav Deutsch 3� > folklore ii Patricia Esquivias 33 > hunTinG Grounds Erik SchmidtErik Schmidt 34 > là-bas Chantal Akerman 35 > lonely PlaneT Julian Rosefeldt 36 > lovely andrea Hito Steyerl 37 > MeTroPolis/rePorT froM china Maya Schweizer & Clemens von Wedemeyer 30 > casio, seiko, sheraTon, ToyoTa, Mars Sean Snyder 48 > ProGraMação | ProGraM o v i s í v e l e o i n v i s í v e l Programas de f i lmes e v ídeos C u ra d o r i a B e r t a S i c h e l T h e v i s i b l e a n d T h e i n v i s i b l e Fi lm and v ideo programs C u ra t o r B e r t a S i c h e l 4 > � o visível e o invisível � o visível e o invisível O Visível e o Invisível apresenta uma seleção de 17 trabalhos representantes da mais recente produção de filmes e vídeos realizados por artistas contemporâneos. Com curadoria de Berta Sichel (diretora do Departamento de Audiovisual do Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madri), a mostra reúne trabalhos experimentais cujos temas e conceitos extrapolam a definição de gênero. Afinal, esses filmes são documentários ou ficções? É ver para crer. The Visible and the Invisible presents a selection of seventeen works representing the most recent production of films and videos made by contemporary artists. Curated by Berta Sichel (director of the Audiovisual Department at the Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía, Madrid), the exhibition gather experimental works whose subjects and concepts go beyond the very definition of genre. After all, are these films documentaries or fiction? Come and see with your own eyes. 4 > � o visível e o invisível 6 > 7 o visível e o invisível 7 o visível e o invisível Cinema, filme e televisão – a cultura de massa em geral – exerceram uma influência inigualável durante o século XX, igualmente documentando e construindo nossa realidade e transformando a percepção. A expansão das capacidades de processo de informação, armazenamento e restauração também contribuiu para as mudanças acima citadas, assim como levou a inovação e a descoberta. Como conseqüência, novas maneiras de fazer as coisas – certamente diferentes daquilo que já estava colocado e aceito – entraram em cena. As mudanças estavam em todos os lugares e entender a extensão de como isso afetou os artistas e seu trabalho continua a ser uma tarefa incompleta para os historiadores da arte. De acordo com o acadêmico Andreas Huyssen, os anos de 1970 foram a década na qual os “artistas se aproximaram progressivamente das formas e dos gêneros de cultura popular e de massa, revestindo-os com estratégias modernistas e/ou vanguardistas”. Essa questão já tinha sido levantada nos anos 1960 com o pop e alguns filmes documentários e, apesar do fato de que nem todo trabalho dos anos 1970 tenha sido um impressionante sucesso, houve uma rajada de criatividade e experimentação que adicionou uma nova dimensão à crítica do alto modernismo e à emergência de formas de arte alternativas. O Visível e o Invisível trata de como nas duas últimas décadas o crescente campo do cinema experimental e da arte dos meios de comunicação passou por uma mudança drástica e extensa na forma e no conteúdo. A intensidade foi ainda maior do que a ocorrida no início The moving picture, film, and television—the mass culture in general—have exerted an unmatched influence throughout the 20th century, equally documenting and constructing our reality and transforming perception. The expanded capacities of information processing, storage, and retrieve have also contributed to the above-cited changes, as well as having led to innovation and novelty. As a consequence new ways to do things—certainly different from what was already in place and accepted—came into play. The changes were everywhere and understanding the extension of how this affected artists and their work remains an uncompleted task for art historians. According to scholar Andreas Huyssen, the 1970s were the decade that “artists increasingly drew on popular and mass-culture forms and genres, overlaying them with modernist and/or avantgardist strategies.” This issue was already raised in the 1960s with pop and some documentary films and, despite the fact that not every work from the 1970s was a stunning success, there was a blast of creativity and experimentation which added a new dimension to the critique of high modernism and to the emergence of alternative art forms. The Visible and the Invisible addresses how over the last two decades, the expanded field of experimental film and media art has gone through a drastic and far- reaching change in form and content. The intensity was even greater to the one which occurred in the early 20th century when the film industry synchronized sound and image. Yet, in those contemporary o visível e o invisível Berta Sichel The visible and The invisible Berta Sichel i n T r o d u ç ã o | i n T r o d u c T i o n 6 > 7 o visível e o invisívelmairaconde Realce mairaconde Realce 8 > � o visível e o invisível � o visível e o invisível deve ser vista fora do reconhecido circuito do cinema comercial, em locais que operam circuitos paralelos e separados daqueles de distribuição regular. Reclassificados como “arte contemporânea”, os referidos trabalhos geralmente caem nas mãos das galerias de arte, que em muitos casos ainda estão aprendendo como inseri-los na estrutura. Ademais, se artistas e produtores independentes aspiram seguir caminhos de experimentação fora da estreita estrutura do patrocínio elitista e do turismo cultural respaldado pelo Estado, devem desenvolver discursos críticos que forneçam outros critérios de julgamento para a distribuição de recursos, além de “gosto” e estatísticas de bilheteria. A mostra inclui filmes de um grupo de artistas internacionais que trabalham com a imagem em movimento, muitas vezes mais próxima da idéia de documentário, mas visando à situação e à história bem como à própria trajetória do cinema. Dentro desse contexto, pode parecer irreverente perguntar hoje o que é um filme-documentário. Mas, pensando sobre a expansão do conceito de cinema em geral, e do documentário em particular, essa é uma questão com um sentido de urgência, já que não é uma questão simples e desperta outras, como: podem os filmes- documentários, experimentais e ficcionais ainda ser considerados gêneros distintos? É possível apresentar fatos objetivamente como antes foi ensinado ou como os produtores do cinéma vérité defenderam? O que os curadores de mídia chamam de “cinema” pode ser incluído sob a rubrica expandida de filme- documentário? Os documentários simplesmente observam o mundo “real”? A quais funções – social, cultural e política – os documentários serviram no decorrer do tempo, e quais produções recentes, que vão além do documento, estão dividindo a representação e a narração enquanto constroem novas experiências cinematográficas? insert them into the framework. Furthermore, if artists and independent filmmakers aspire to follow paths of experimentation outside the narrow frameworks of elite patronage and state-backed cultural tourism, they must develop critical discourses that provide other criteria of judgment for the distribution of resources, beyond “taste” and box-office statistics. The series The Visible and the Invisible includes works by a group of international artists working with moving image many times closer to the idea of documentary, yet looking to the state of affairs and history as well as to cinema’s own trajectory. Within this context, it might seem irreverent to ask today what a documentary film is. Yet, thinking about the expansion of the concept of cinema in general, and documentary in particular, this is a question with a sense of urgency since it is not a simple one and triggers others, such as: Can documentary, experimental, and fictional films still be considered distinct genres? Is it possible to present facts objectively as they once were taught or as the Cinéma Vérité filmmakers asserted? Can what media curators call “screen cinema” be included under the expanded rubric of documentary film? Do documentaries simply observe the ‘real’ world? What social, cultural, and political functions have documentaries served over time, and what recent productions that go beyond the document are disrupting representation and narration while constructing new cinematic experiences? What cannot be disputed is that over recent decades, the definition of documentary has changed—as so many things in contemporary society. The emergence and consolidation of a mass-media society (in which television has played a major role), the development of a gamut of media technologies, together with the expansion of the concept of art—all these factors have altered our preconceptions. Conventional definitions of do século XX, quando a indústria do cinema sincronizou o som e a imagem. Ainda assim, nesses formatos experimentais contemporâneos – e em contraste com a história da fotografia – a ligação entre emoção e imagem na tentativa de captar o estado de espírito do espectador algumas vezes está ausente, ou não particularmente visível. No final dos anos 1980 e início dos 1990, a abertura do mundo das artes adicionou sabor e vida à criação desses novos vocabulários da forma, mais adequados para imaginar um mundo em transformação. A pressão política sobre a arte refletiu no expandido campo do cinema experimental, incluindo trabalhos que ultimamente têm sido reclassificados como arte, provocando uma revolução visual e formal. Isso envolveu uma mudança do puramente visual (ou seja, filmes abstratos dos anos 1960, ou explorações em vídeo da textura e da maleabilidade das imagens de Nam June Paik) para um paradigma verbal. De um modo estranho, a intensidade dessa mudança foi similar a outra ocorrida alguns anos antes, quando os filmes mudos sucumbiram ao cinema falado. Desde a mudança, filmes e videodocumentários foram bem-sucedidos ao estabelecer um nicho para si em museus de arte, centros culturais e universidades que podem acomodar o trabalho de artistas produtores de cinema interessados em antropologia, sociologia, estudos culturais e outras disciplinas relacionadas. Com o intuito de realocar para esses espaços de exibição não tradicionais, o artista/ produtor de cinema é forçado a negociar com formas tradicionais de arte cultural. Isso produz um conflito entre a força dominante da imagem parada e a agressiva proeminência da imagem em movimento e, portanto, certa fricção entre aqueles que queriam apenas preservar o existente e outros que favorecem a mudança e a inovação. No que diz respeito à distribuição, a maioria dos melhores filmes experimentais contemporâneos experimental formats—and in contrast with the history of photography—the bond between emotion and imagery attempting to grasp the viewer’s state of mind is sometimes missing, or not especially visible. By the late 1980s and early 1990s the openness of the art world was adding flavor and life to the creation of these novel vocabularies of form, more suitable for imagining a changing world. The political pressures upon art reverberated into the expanded field of experimental film, including works that have lately been reclassified as art, provoking a visual and formal revolution. This involved a shift from the purely visual (i.e., abstract films from the 1960s, or Nam June Paik’s video explorations of the texture and malleability of images) to a verbal paradigm. In a strange way, the intensity of this change was reminiscent of one occurring many years before, when silent movies gave way to the talkies. Since the shift, documentary-style films and videos have succeeded in making a niche for themselves in art museums, cultural centers, and universities that can accommodate the work of filmmaker-artists interested in anthropology, sociology, cultural studies, and other related disciplines. In order to relocate within these nontraditional exhibition spaces, the artist/filmmaker is forced to negotiate with traditional cultural art forms. This produces a conflict between the dominant power of the still image and the upstart pushiness of the moving image, and hence a certain friction between those who only want to preserve what exists and others favoring change and innovation. As regards distribution, most of the best contemporary experimental films must beviewed outside of the recognizable marketplaces of commercial cinema, in venues operating on circuits that are parallel to and separate from those of regular distribution. Reclassified as “contemporary art,” the works concerned often fall into the hands of art galleries that in many cases are still learning how to mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce 10 > �� o visível e o invisível �� o visível e o invisível limitações tecnológicas: as câmeras podiam suportar somente pedaços curtos de filme, e muitos dos primeiros filmes duravam um minuto ou menos. Em 1926, John Grierson usou a palavra “documentário” pela primeira vez, para distinguir particularmente o gênero documentário de outros filmes baseados em “matérias naturais”, tais como filmes sobre viagens e jornais cinematográficos1. Lembrado como o pai do filme-documentário, a sua declaração de que o documentário é “um tratamento criativo da realidade” permanece amplamente válida, mesmo quando a própria idéia de realidade está sob escrutínio. Ele era profundamente crítico a qualquer “acumulação servil de fatos”, de acordo com a historiadora de cinema Joanne Richardson2. Na retórica liberalista de Grierson, ela afirma, o documentário processa o documento bruto, elevando- o a uma perspectiva organizada e unificada capaz de transmitir um significado claro e sem ambigüidade. Portanto, o documentário não é tanto a apresentação do real mas a construção do real com o objetivo de criar um “efeito propagandístico” que certamente afasta grande parte do valor estético do filme. O contemporâneo russo Dziga Vertov também tratou o documentário como uma ferramenta educacional, mas o estilo vanguardista de Vertov e o uso de montagens comprovam uma forte preocupação estética com a imagem. Hoje, uma nova linhagem de filmes documentários com estilo próprio – talvez um cruzamento entre o filme puro e a arte das telas – apagou esse “efeito propagandístico” evocado por Richardson�. � A tradição de filmar outras culturas data dos diários de viagem feitos pelos irmãos Lumière e mais tarde por Robert Flaherty. � Joanne Richardson, em: www.artmargins.com/content/feature/richardson.html. � É importante saber que Grierson trabalhou nos Estados Unidos de 1924 a 1927. Ele ficou impressionado com a falta de educação do eleitorado e via o cinema como um instrumento educacional. Ver HAYWARD, Susan. Cinema studies: key concepts. Londres/Nova York: Routledge, 2000. coming under scrutiny. He was deeply critical of any “servile accumulation of fact,” according to the film historian Joanne Richardson.2 In Grierson’s liberalist rhetoric, she contends, the documentary processes the raw document, elevating it into an organized, unified perspective capable of conveying a clear and unambiguous meaning. Hence documentary is not so much the presentation of the real as the construction of the real with the aim of creating a ‘propagandistic effect’ which certainly takes away most of the aesthetic value of the film. Russian contemporary Dziga Vertov also treated documentary as an educational tool, but Vertov’s avant-garde style and use of montage testify to a strong aesthetic concern with the image. Today, a new strain of self-styled documentary films—perhaps a cross between straight film and screen art—has erased this ‘propagandistic effect’ evoked by Richardson.� Some historical remarks After World War II, young, financially strapped filmmakers such as Alain Resnais and Agnès Varda in France, and Ken Russell in England turned to making documentaries, most of them with political themes. Significant progress in this genre continued into the late 1950s and all through the 1960s with the emergence of Direct Cinema and Cinéma Vérité, which have historically constituted battlegrounds for the construction of documentary cinema. Television, the medium that fifty years ago rewrote the representation of reality, greatly influenced experimental film. Most Vérité films—or works of Direct Cinema, as the U.S. equivalent was called—were created for television, � Joanne Richardson, http://www.artmargins.com/content/feature/richardson.html. � It is important to know that Grierson worked in the USA in 1924–1927; he was impressed by the lack of education among the constituency and saw cinema as an educational tool. See Susan Hayward in Cinema Studies: Key Concepts (London, New York: Routledge, 2000). O que não pode ser contestado é que, durante as décadas recentes, a definição de documentário mudou – tal como muitas coisas na sociedade contemporânea. O surgimento e a consolidação da sociedade dos meios de comunicação de massa (na qual a televisão desempenhou o papel principal), o desenvolvimento de uma gama de tecnologias de mídia, juntamente com a expansão do conceito de arte – todos esses fatores alteraram nossas percepções. Definições convencionais do “que é real e não real” tornaram-se obsoletas devido, em grande parte, a novas descobertas científicas sobre a natureza e o universo. Essas podem parecer digressões do objeto deste ensaio, mas uma coisa leva à outra, descobertas científicas estimulam novas definições, e há uma necessidade de explicar o desconhecido. Nesse contexto, o filme-documentário não é mais um mero documento, e o seu escopo vai além da simples apresentação de fatos. Ainda rotulado como “não-ficção”, para marcar a sua diferença em relação ao cinema tradicional, algumas vezes temos dúvidas sobre a natureza e os limites desse gênero, que se manifesta de forma irregular, como a arquitetura de uma metrópole contemporânea. Tradicionalmente, a única característica comum a todos os filmes documentários é que pretendem ser factuais. Os franceses ainda usam o termo documentaire para designar qualquer filme de não-ficção, incluindo filmes sobre viagens e vídeos educativos. Os primeiros filmes de cinema – momentos capturados de um trem entrando em uma estação, de alguém tocando um piano, ou dos atarefados trabalhadores de uma fábrica – eram, por definição, documentários. A embrionária indústria cinematográfica pré-1900 era dominada pela empolgante inovação de retratar eventos. Chamados “atualidades”, esses filmes curtos faziam um relato, eram simples descrições. Poucas histórias foram produzidas antes da virada do século, devido principalmente às “what is real and not real” have become obsolete due, in large part, to new scientific discoveries about the nature of the universe. These may seem like digressions from the subject of this essay, but one thing leads to another, scientific discoveries prompt new definitions, and there is a need to explain the unknown. In this context, documentary film is no longer a mere document, and its scope reaches beyond the mere presentation of facts. Still labeled ‘nonfiction,’ to mark its difference from fictional cinema, sometimes we are unsure of the nature and boundaries of this genre, manifested in a staccato of irregular shapes like the architecture of a contemporary metropolis. Traditionally, the only characteristic common to all documentary films is that they are meant to be factual. The French still use the term documentaire to denote any nonfiction film, including travelogues and instructional videos. The earliest moving pictures— moments captured on film of a train entering a station, someone playing a piano, or a busy factory floor—were by definition documentary. The nascent, pre-1900 film industry was dominatedby the exciting novelty of reproducing events. Called ‘actualities’ these short films told one-line stories; they were simple descriptions. Very little actual storytelling took place before the turn of the century, due mostly to technological limitations: cameras could hold only short lengths of film, and many of the first films lasted a minute or less. In 1926 John Grierson used the word ‘documentary’ for the first time, to properly distinguish the documentary genre from other films reliant upon ‘natural materials,’ such as travelogues and newsreels.1 Remembered as the ‘father of documentary film,’ his statement that documentary is a “creative treatment of reality” remains broadly valid, even when the very idea of reality is � The tradition of filming other cultures dates back to the travelogues made by the Lumière Brothers and later by Robert Flaherty. mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce 1� > �� o visível e o invisível �� o visível e o invisível produção documental. Todavia, apesar das diferenças nacionais, ideológicas e conceituais, ambas as escolas adotaram uma mimética imperativa para melhor capturar a realidade. Insistindo na fidelidade do direct cinema ao real, Richard Leacock declarou: “Nós não trapaceamos”. Jean Rouch, porta-voz do cinéma vérité, declarou: “Eu não blefei”. Ambos recorreram a uma dupla negativa: “Eles não afirmam que dizem a verdade; eles negam a mentira”4. A relação entre televisão e cinema ainda é debatida hoje. Gilles Deleuze e Paul Virilio estão entre aqueles que têm visões discrepantes sobre o objeto. O primeiro considera que o cinema e a TV têm muito em comum; o segundo contesta isso. Entretanto, não há negação de que os artistas visuais e os produtores experimentais têm generosamente se apropriado de ambas as mídias por mais de �0 anos, e o efeito dessas mídias nos trabalhos contemporâneos nelas baseados já era, em 1970, um dos temas centrais em Expanded Cinema, de Gene Youngblood. Um profético, ainda assim relevante, e altamente influente estudo que inclui esta frase memorável: “O mundo não é um palco, é um documentário de TV”5. Ao mesmo tempo, Marshall McLuhan e Quentin Fiore estavam derrubando as idéias tradicionais sobre linearidade e continuidade: “Descobrimos que não há continuidade ou concatenação...”6. A noção de Youngblood de synaesthetic cinema “transcende as restrições da idéia de drama, história e trama” e conseqüentemente não pode ser chamado de “gênero”7. Esse é um modo muito contemporâneo de entender muitos dos trabalhos difíceis de categorizar incluídos em O Visível e o Invisível. � Disponível em: www.thestranger.com/2001-07-05 � YOUNGBLOOD, Gene. Expanded cinema. Nova York: Dutton, 1970, p. 72. � FIORE, Quentin; MCLUHAN, Marshall. War and peace in the global village. Nova York: Bantam Books, 1970, p. 1�. � Observar também que, nos anos 1970, o clima liberal da sociedade ocidental estimulou a criação de produções coletivas e levou produtores independentes, incluindo muitas mulheres, a fazer documentários desafiando a elite governante. years and the effect of these media on contemporary media-based works was already, in 1970, one of the central themes of Gene Youngblood’s Expanded Cinema. A prophetic, still relevant, and highly influential study, it includes this memorable phrase: “The world is not a stage, it’s a TV documentary.”5 At the same time, Marshall McLuhan and Quentin Fiore were overturning traditional ideas about linearity and continuity: “we discover that there is no continuity or connectedness...”6 Youngblood’s notion of synaesthetic cinema “transcends the idea restrictions of drama, story, and plot” and consequently cannot be called “a genre.”7 This is a very contemporary way to understand many of the hard-to-categorize works included in The Visible and the Invisible. Youngblood also makes a very singular distinction between Cinéma Vérité or Direct Cinema and his “synaesthetic cinema.” Whereas in Cinéma Vérité, the filmmaker/artist never interferes by directing the action or “in any way altering the events taking place,” synaesthetic cinema is “the only aesthetic language suited to the postindustrial, postliterate, man-made environment with its multidimensional simulsensory network of information sources. It’s the only aesthetic tool that even approaches the reality continuum of conscious existence in the nonuniform, nonlinear, nonconnected electronic atmosphere...”8 Youngblood’s definition of the synaesthetic is key to understanding the idea of postvérité—a name for some recent documentary-style films which build upon the legacy of Cinéma Vérité. These works are neither documentaries in the traditional sense, nor works of fiction per se. Incorporating on-screen or voice-over interventions by the filmmakers and footage borrowed � Gene Youngblood, Expanded Cinema (New York: Dutton, 1970), 72. � Marshall McLuhan and Quentin Fiore, War and Peace in the Global Village (New York: Bantam Books, 1970), 1�. � Also to note: in the 1970s, Western society’s liberal climate prompted the crea- tion of filmmaking collectives and led independent filmmakers, including a large number of women, to make documentaries challenging the establishment. � Youngblood, op. cit., 77. Algumas observações históricas Após a Segunda Guerra Mundial, jovens produtores sem dinheiro, tal como Alain Resnais e Agnès Varda, na França, e Ken Russell, na Inglaterra, começaram a produzir documentários, em sua maioria com temas políticos. Um progresso significativo nesse gênero teve continuidade no final dos anos 1950 e durante os anos 1960, com a emergência do direct cinema e do cinéma vérité, que historicamente constituíram o campo de batalha para a construção do cinema documentário. A televisão, mídia que há 50 anos reescreveu a representação da realidade, influenciou radicalmente o filme experimental. A maioria dos filmes vérité – ou trabalhos do direct cinema, como era chamado o equivalente americano – foi criada para a televisão, pelo menos naqueles países já dominados pela cultura de comunicação de massa. Esses trabalhos apresentavam pessoas reais em um mundo real, explorando os parâmetros do espaço público e privado e evitando as clássicas técnicas de Hollywood para a representação da emoção. O vídeo como forma de arte ainda estava em sua infância, com Nam June Paik usando uma câmera Portapak pela primeira vez em 1964. Enquanto isso, a televisão estava florescendo como uma mídia popular desconectada do mundo da arte. Talvez seja devido a isso o fato de as críticas de arte dos – e sobre os – anos 1960 creditarem somente às artes pop, conceitual e minimalista a rejeição dos limites entre arte e vida, negligenciando toda essa mídia e sua influência sobre a emergente forma de arte conhecida como videoarte. Enquanto os sinais de TV entravam em milhões de lares, o american direct cinema aspirava à transparência, abolindo o máximo possível a mediação. O francês cinéma vérité inseriu a câmera e o produtor diretamente no espaço fílmico, e confirmou a natureza construída da at least in those countries already dominated by a mass- media culture. These works presented real people in a real world, exploring the parameters of private and public space and eschewing the classic Hollywood techniques for the representation of emotion. Video as an art form was still in its infancy, with Nam June Paik using a Portapak camera for the first time in 1964. Meanwhile, television was flourishingas a popular medium disconnected from the art world. Perhaps this is why the art critical writing of—and about—the 1960s only credited to pop, conceptual, and minimalist art the rejection of the boundaries between art and life, overlooking this entire medium and its influence over the emergent art form known as video art. While TV signals were entering millions of homes, American Direct Cinema aspired to total transparency by abolishing mediation as far as possible. French Cinéma Vérité inserted the camera and the filmmaker directly into the profilmic space, and acknowledged the constructed nature of documentary production. Yet, despite national, ideological, and conceptual differences, both schools adopted a mimetic imperative to better capture reality. Insisting on Direct Cinema’s fidelity to the real, Richard Leacock asserted, “We don’t cheat.” Jean Rouch, chief spokesperson for Cinéma Vérité, declared, “I didn’t fake it.” Both fell back upon a double negative: “they don’t affirm telling the truth; they deny lying.”4 The relationship between television and cinema is still debated today. Gilles Deleuze and Paul Virilio are among those who hold disparate views on the subject. The former reckons that cinema and TV have much in common; the latter disputes this. Yet there is no denying that visual artists and experimental filmmakers have been borrowing liberally from both media for over thirty � http://www.thestranger.com/2001-07-05/ mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce 14 > �� o visível e o invisível �� o visível e o invisível Outros escritores da década de 1970, muitos deles marcados pela nova disciplina de estudo do cinema, confrontaram o documentário contemporâneo e a sua relação com o mundo para desafiar o entendimento e as definições tradicionais do gênero. Eles apontaram para a inserção no documentário de componentes típicos de filmes de ficção, tais como efeitos animados por computação e canções populares cujas letras tomavam o lugar de diálogos e intensificavam o impacto emocional. Em termos de recursos técnicos, outros exemplos vêm à mente: o uso de ângulos de câmera altos ou baixos (cujos efeitos têm sido codificados por filmes de longa-metragem e pela televisão); close-ups que trocam a integridade espacial pela ressonância emocional; o uso de lentes de grande abertura angular que comprimem ou distorcem o espaço; e o uso da edição para contrair, expandir ou tornar o tempo ritmado9. As informações desses escritores são essenciais para entender idéias tais como postverité e suas predecessoras (cinéma vérité, direct cinema, synergetic cinema) e, de modo engraçado, o cinqüentenário “mito do cinema total”, implantado por André Bazin. Bazin retratou a história do cinema como uma luta progressiva por: “(...) uma representação total e completa da realidade (...) a reconstrução de uma ilusão perfeita do mundo externo em som, cor e contraste (...) uma recriação do mundo em sua própria imagem, uma imagem abrandada pela liberdade de interpretação do artista ou pela irreversibilidade do tempo.”10 Ele considerava esse objetivo “um mito” porque, no fundo, tinha consciência da percepção do produtor por trás da câmera, ou da ação performativa do produtor. � RENOV, Michael. (Ed.). Theorizing documentary. Los Angeles: AFI, 1999, p. �. �0 Disponível em: www.thestranger.com/2001-07-05/periphery.html. Bazin portrayed the history of film as a progressive striving for: “... total and complete representation of reality ... the reconstruction of a perfect illusion of the outside world in sound, color, and relief ... a recreation of the world in its own image, an image unburdened by the freedom of interpretation of the artist or the irreversibility of time.”10 He considered this goal a ‘myth’ because, at heart, he was aware of the filmmaker’s perception behind the camera, or the filmmaker’s performative action. He knew that pure perception, freed from the conditions of time and place, is an unattainable illusion. No class of image is “unburdened by the freedom of interpretation of the artist” because not even photography can achieve its desire to be a copy of nature. Neither can cinema fulfill the time-honored dream of capturing reality as a whole—one of art’s aspirations ever since the days of classical science. Half a century after Bazin formulated the myth of total cinema, it has come closer than ever to realization. He thought that movies were seeking to reproduce a real world, instead, it is reality that is aping the movies. Interestingly, Bazin also regarded the advances of image technology as the driving force behind his illusion of “total cinema.” Maybe he was a technological determinist, but his “obsession with the uncanny power of images” endorsed the advances of image making. Movies, he said, were not created by Edison and Lumière, but are rather the brainchild of a group of now-forgotten dreamers: the fanatics and the disinterested pioneers. �0 http://www.thestranger.com/2001-07-05/periphery.html. Youngblood também faz uma distinção muito particular entre o cinéma vérité ou direct cinema e o seu synaesthetic cinema. Enquanto que no cinéma vérité o produtor/ artista nunca interfere dirigindo a ação ou “de qualquer modo alterando os eventos correntes”, o synaesthetic cinema é “a única linguagem estética adequada ao ambiente pós-industrial, pós-literato e artificial, com sua rede de fontes de informação multidimensional simultaneamente sensorial. É a única ferramenta estética que ainda aproxima a realidade contínua da existência consciente na atmosfera eletrônica não-uniforme, não- linear, não-conectada...”8. A definição de Youngblood de synaesthetic é a chave para entender a idéia de postverité – um nome para alguns filmes recentes tipo documentário que foram construídos sobre o legado do cinéma vérité. Esses trabalhos não são documentários no sentido tradicional, e tampouco trabalhos de ficção por si. Incorporando intervenções na tela ou superposição de voz dos produtores e seqüências emprestadas de outras fontes, eles ostentam um selo autoral. De fato, a maioria dos filmes de não-ficção hoje contém grande quantidade de elementos-momentos “fictícios” nos quais, na maioria das vezes, a representação objetiva do mundo se depara com a necessidade de alguma intervenção criativa. Entre os filmes selecionados para O Visível e o Invisível, o da artista francesa Marine Hugonnier é um exemplo perfeito de trabalho cinematográfico contemporâneo influenciado pelo direct cinema. É uma homenagem a Jean Rouch, o antropologista e produtor de filmes francês cujo filme Les Maîtres Fous, de 1955, também levou ao colapso a distância que separa a contemplação apreendida (a câmera) de seu objeto (o outro). � YOUNGBLOOD, op. cit., p. 77. from other sources, they bear an authorial stamp. Indeed, most nonfiction films today contain any number of “fictional” elements—moments at which, most commonly, the objective representation of the world encounters the necessity of some creative intervention. In the selected films for The Visible and the Invisible, the film by French artist Marine Hugonnier is a perfect example of contemporary cinematic works that are influenced by “direct cinema.” A homage to Jean Rouch, the French anthropologist and filmmaker whose 1955 film Les Maîtres Fous [The Mad Masters] also sets out to collapse the distance that separates the apprehending gaze (thecamera) from its subject (the other). Other writers in the 1970s, many of them marked by the new discipline of film studies, confronted the contemporary documentary and its relationship with the world to challenge the traditional understanding and definitions of the genre. They pointed to the insertion in documentary of typical components of fiction films such as computer-animated effects and popular songs whose lyrics replaced dialogue and heightened the emotional impact. In terms of technical resources, other examples come to mind: the use of high or low camera angles (whose effects have been codified by feature films and television), close-ups which trade spatial integrity for emotional resonance, the use of wide-angle lenses which compress or distort space, and the use of editing to make time contract, expand, or become rhythmic.9 These writers’ input is essential to understanding ideas such as postvérité and its predecessors (cinéma vérité, direct cinema, synergetic cinema) and in a funny way, the fifty-year-old “myth of total cinema” implanted by André Bazin. � Michael Renov, ed., Theorizing Documentary (Los Angeles: AFI, 1999), �. mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce 16 > �7 o visível e o invisível �7 o visível e o invisível da realidade”11, o resultado da ubiqüidade da TV e do vídeo na vida cotidiana. Há centenas de canais de TV a cabo e milhares de filmes disponíveis em VHS, disco laser e DVD; câmeras de vigilância estão por todos os lados, assim como jogos de computador e videogames hiper-realistas e de movimentos rápidos. Fontes on-line, webcams, e videostreaming estão proliferando. Cineastas e produtores de vídeo experimentais agora têm acesso a câmeras que proporcionam ao vídeo uma qualidade cinematográfica, e a computadores que permitem que qualquer um alegremente edite e reedite as imagens. A internet e as videocâmeras apareceram como um novo modo de representar a si mesmo, forçando as idéias convencionais de “experimentação” e “documentação” a se adaptarem à realidade contemporânea de não-ficção. Por um lado, revoluções em tecnologia de imagens devem ser compreendidas como a principal força condutora de tais desafios estéticos e de estratégias artísticas inovadoras. Por outro, os principais detonadores da nova condição (além da dispersão da arte e da permeabilidade fluida entre imagem e texto) foram os pensamentos pós-modernos e pós-coloniais e a sociedade de comunicação de massa na qual vivemos. Essa nova opção estética para reconstruir e recriar um mundo modificado está diretamente ligada a idéias que visionaram e analisaram a sociedade contemporânea de uma perspectiva diferente. Não somente essas idéias aumentaram o interesse na cultura visual, incluindo a visualização da vida cotidiana, mas também deram voz a grupos sub-representados e marginalizados, conferindo novas estruturas de interpretação e representação. Por mais problemática que possa ser em alguns aspectos, a própria noção de pós-colonial é vital para pensar além do conhecimento convencional sobre globalização. �� Ibidem. media society we live in. This new aesthetic option for reconstructing and recreating a changed world is directly linked to ideas that envisioned and analyzed contemporary society from a different perspective. Not only did these ideas increase the interest in visual culture, including the visualization of daily life, but they also gave a voice to underrepresented and marginalized groups, entailing new frameworks of interpretation and representation. However problematic it may be in some respects, the very notion of the postcolonial is vital for thinking beyond the conventional wisdom on globalization. Looking forward Decades after Bazin, Youngblood, McLuhan, and others published their farsighted views on the movies, the media, and reality, now that we are in the 21st century, theoretical writings on the subject abound. Scholars have argued over the nature of documentary with very dissimilar assumptions and reasonings. They wrangle about truth and objectivity, photographic representation, and the ideological consequences of the diverse film and media techniques that have changed the rhetoric of the image. All this has been further complicated by rapid changes in documentary production, distribution, and reception. These include transformations brought about by the advent of digital imagery, by the proliferation of nonfiction cable and broadcast television programming, and by the sudden welcome extended to this kind of work by museums and art galleries. Documentary film theory enjoyed a renaissance in the 1990s as major volumes and essays by such writers as Noël Carroll, Bill Nichols, Catherine Russell, Carl Plantinga, Michael Renov, and Brian Winston raised the bar of conceptual debate to new levels of sophistication—and Ele sabia que a percepção pura, livre das condições de tempo e lugar é uma ilusão inatingível. Nenhum tipo de imagem é “abrandada pela liberdade de interpretação do artista” porque nem mesmo a fotografia pode atingir seu desejo de ser uma cópia da natureza. Tampouco o cinema pode realizar o consagrado sonho de capturar a realidade como um todo – uma das aspirações da arte desde os tempos da ciência clássica. Meio século depois que Bazin formulou o mito do cinema total, este está mais perto do que nunca da realização. Ele achava que os filmes procuravam reproduzir um mundo real; em vez disso, é a realidade que está imitando o cinema. De maneira interessante, Bazin também viu os avanços da tecnologia de imagem como a força motriz por trás da sua ilusão do “cinema total”. Talvez ele fosse um determinista tecnológico, mas sua “obsessão pela estranha força das imagens” endossou os avanços da criação de imagem. O cinema, disse ele, não foi criado por Edison e Lumière, mas é a idéia original de um grupo de sonhadores agora esquecidos: os pioneiros fanáticos e desinteressados. Fanáticos ou pioneiros, a eles se uniram na criação do nosso ambiente de mídia contemporâneo os pesquisadores de mercado e os inventores de produto movidos pelo lucro. As imagens saturam a sociedade a tal ponto que estão mudando a natureza da própria realidade. Nada existe independentemente da TV e do cinema. Conduzidas principalmente para a câmera, as campanhas políticas e os esportes profissionais, por exemplo, raramente existem à parte da televisão. Reality shows como Survivor vão mais além, ao colocar “pessoas reais” em situações que somente existem como construções arbitrárias na mente de algum produtor. Hiper-realidade ou pós-modernismo, chame do que quiser: nosso mundo midiático contemporâneo vem a ser parecido com “uma representação total e completa Fanatics or pioneers they all have been joined by profit- driven market researchers and product developers in creating our contemporary media environment. Images saturate society to such an extent that they are changing the nature of reality itself. Nothing exists independently from TV and the movies. Conducted mainly for the camera, political campaigns and professional sports, for instance, scarcely exist apart from television. Reality shows like Survivor go even further, by putting “real people” into situations that only exist as arbitrary constructions in the mind of some producer. Hyperreality or postmodernism, call it what you will: our contemporary mediatized world has come to resemble “a total and completerepresentation of reality,”11 the result of the ubiquity of TV and video in everyday life. There are hundreds of cable TV channels and thousands of movies available on VHS, laser disc, and DVD; surveillance cameras are everywhere, as are hyperrealistic, fast-moving video and computer games. Online, Webcams, and video-streaming sources are proliferating. Experimental film and video makers now have access to cameras that lend the medium of video a cinematic quality, and to computers allowing anyone to blithely replay, and play with, images. The Internet and camcorders appeared as new ways to represent the self, forcing conventional ideas of “experimentation” and “documentation” to adapt to contemporary nonfiction reality. On the one hand, revolutions in image technology must be acknowledged as the major force driving such aesthetic challenges and novel artistic strategies. On the other, the chief detonators of the new environment (over and above the dispersion of art, and the fluid permeability between image and text) were postmodern/postcolonial thinking and the mass- �� Ibid. mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce 18 > �� o visível e o invisível �� o visível e o invisível litania de importações teóricas. Apesar das suas incompatibilidades mútuas, estas se tornaram mais ou menos colapsadas em uma única entidade conhecida na academia – tanto em cinema como em outras disciplinas – simplesmente como “teoria”. As diferenças dessas posições teóricas têm sido objeto de persistentes debates em estudos de cinema, história da arte e estudos culturais e de mídia nos últimos �0 anos. Interdisciplinaridade tornou-se uma palavra-chave, especialmente no pós-modernismo. O fluxo constante de teorias e opiniões, tudo exaustivamente comentado, nos estimulou a repensar a paisagem midiática na qual as imagens constituem formas de interação e comunicação. Esse corpo teórico abordou e atacou o vasto assunto do documentário por todos os lados (incluindo temas relacionados a lugar, verdade etc.), de tal forma que não é mais possível falar da “construção social de significado e de mensagens sem referir-se às imagens como um local de comunicação, não comunicação, meditação e inteligência”1�. Como aponta Raymond Williams, um antigo pioneiro no campo dos estudos culturais, o desafio crucial não está tanto em determinar o grau no qual uma representação cultural é real, mas se há uma base adequada para examinar a relação entre um filme e seu contexto. O contexto afeta a mensagem: cinema documentário não pode ser puramente definido em termos de seu conteúdo ou simplesmente como uma função da intenção determinada por seu produtor. O fetiche do visível, a equação do visível com o real levou a um cinema que supostamente tinha encontrado uma fórmula perfeita para comunicar o significado claramente e sem ambigüidade. A falácia �� BURNETT, Ron. How images think. Cambridge/Massachusetts/Londres: The MIT Press, 2004, p. 58. cinema cannot be defined purely in terms of its content or simply as a function of its maker’s stated intention. The fetish of the visible, the equation of the visible with the real, led to a cinema which presumed that it had found a foolproof formula for communicating meaning clearly and unambiguously. The fallacy of this assumption was persuasively argued by the American film historian and critic Bill Nichols and his British counterpart Stella Bruzzi. From different angles, they discussed the impossibility of achieving total objectivity in film, citing the “performative” function of filmmakers and their subjects/actors—and indeed of the documentaries themselves. Nichols sees the work itself as performative, in the sense that it is constitutive, bringing about a social- subjective understanding, whereas Bruzzi uses the term “performance” to denote artificiality, self-consciousness, or acting—very much like the “reflexive” mode which Nichols considers the immediate predecessor of the performative mode of documentary.14 In the thirty years since Youngblood published his book, the boundaries between nations, races, classes, and cultures have grown less distinct, and the desire to claim the real has changed. Today we have an ‘emergent fiction’ which is not so much fiction as a deconstruction of reality, or a dialectical understanding capable of producing something new and personal. Though since its invention in 1895, film has always been closely linked with art, in the realm of critical thinking the confluence between cinema and art is more recent, as is its reappraisal by a new generation of artists helping to develop some level of wider acceptance of a hybrid and cross-disciplinary art form. This art form is achieved by means of cuts, juxtapositions, and the temporal trajectories of images. �� See Lorna Scott Fox, “Performatividades,” in Postvérité, edited by Centro Párraga, Murcia, 200�. Olhando para a frente Décadas após Bazin, Youngblood, McLuhan e outros publicarem suas visões de futuro sobre o cinema, a mídia e a realidade, escritos teóricos sobre o tema aparecem em abundância agora que estamos no século XXI. Acadêmicos argumentam sobre a natureza do documentário com suposições e raciocínios muito heterogêneos. Eles discutem sobre a verdade e a objetividade, a representação fotográfica e as conseqüências ideológicas das diferentes técnicas de cinema e de mídia que mudaram a retórica da imagem. Tudo isso ficou ainda mais complexo com as rápidas mudanças de produção, distribuição e recepção de documentários. Isso inclui tranformações ocasionadas pelo advento da imagem digital, pela proliferação da programação de não-ficção das TVs a cabo e de sinal aberto, e pelo repentino acolhimento estendido a esse tipo de trabalho pelos museus e galerias de arte. A teoria do filme-documentário desfrutou um renascimento nos anos 1990, na medida em que grandes livros e ensaios feitos por escritores como Noël Carroll, Bill Nichols, Catherine Russell, Carl Plantinga, Michael Renov e Brian Winston elevaram a barreira do debate conceitual a novos níveis de sofisticação – e beligerância12. Antes disso, como apontou o teórico do cinema William Rothman, o estudo do cinema, que surgiu no final dos anos 1960 como uma importante matéria nas universidades americanas, foi transformado por uma sucessão de teorias e metodologias: feitas por Althusser, por Derrida, além da psicanálise lacaniana, do estruturalismo, da sociologia, do marxismo, do desconstrucionismo e o restante da agora familiar �� Apenas alguns exemplos dessa literatura: The impossible documentary (Jonathan Rosenbaum), Counter-documentary (Joanne Richardson), Paradocumentary (Akira Mizuta Lippit), Tabloid documentary (Paul Arthur), Postverité (Michael Renov), Representing reality (Bill Nichols) e Beyond document (Charles Warren). belligerence.12 Before this, as the film theorist William Rothman has pointed out, the study of film, which emerged in the late 1960s as a major discipline in U.S. universities, was transformed by a succession of theories and methodologies: structuralism, sociology, Althusser, Marxism, Lacanian psychoanalysis, Derrida, deconstructionism, and the rest of the now familiar litany of theoretical imports. Despite their mutual incompatibilities, these have become more or less collapsed into a single entity known within academia— both in film and other disciplines—simplyas “theory.” The differences in these theoretical positions have been persistent subjects of debate in film studies, art history, and cultural and media studies for the past thirty years. Interdisciplinary has become a key word, especially within postmodernism. The constant flow of theories and opinions, all exhaustively footnoted, has prompted us to rethink a mediascape in which images constitute forms of interaction and communication. This body of theory has approached and assaulted the vast subject of documentary from all sides (including themes related to notions of place, truth, and so on) to such an extent that it is no longer possible to speak of the “social construction of meaning and messages without reference to images as a site of communication, miscommunication, meditation, and intelligence.”1� As Raymond Williams, an early pioneer in the field of cultural studies, points out, the crucial challenge lays not so much in determining the degree to which a cultural representation is real, but whether there is an adequate basis for examining the relationship between a film and its context. Context affects message: documentary �� Just some examples of this literature: The Impossible Documentary (Jonathan Rosenbaum), Counter-Documentary (Joanne Richardson), Paradocumentary (Akira Mizuta Lippit), Tabloid Documentary (Paul Arthur), Post-Vérité (Michael Renov), Representing Reality (Bill Nichols), and Beyond Document (Charles Warren). �� Ron Burnett, How Images Think (Cambridge, Massachusetts, London: The MIT Press), 58. mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce �0 > 2� o visível e o invisível 2� o visível e o invisível aqueles com tramas codificadas que mal nos permitem vislumbrar “o autêntico traço”15 que conecta o filme com a sua referência real. De acordo com várias teorias contemporâneas sobre cinema, o filme-documentário é um dos “discursos de sobriedade” que incluem ciência, economia, política e história – discursos que reivindicam descrever o real, dizer a verdade. E isso a despeito do fato de que, de modo mais notável que a história, dizem, o filme-documentário transpõe as categorias de fato e ficção, arte e documento, entretenimento e conhecimento. Além disso, as linguagens visuais com as quais opera exercem efeitos relativamente diferentes daquelas de um texto escrito. Essas transformações envolveram pessoas em todos os lugares, muitas delas outrora habitantes “estrangeiras” de antigas colônias européias, ou membros de várias diásporas que estão se incorporando a grandes cidades. Juntos criam um panorama de eventos que são relativamente desconhecidos e desconsiderados pela maioria cultural dominante, enquanto que, ao mesmo tempo, desenvolvem métodos sem precedentes de representação visual e novos léxicos de forma. Nesse contexto, também discernimos um novo processo de “reinterpretação da palavra imaginação”. De acordo com o acadêmico e curador alemão Söke Dinkla, “a imaginação não é mais a realização criativa de um indivíduo privilegiado. É ao usuário, nem tanto ao artista, a quem se solicita que realize o ato imaginativo”16. Talvez uma das poucas certezas nesse crescente, complexo e de rápida transformação campo dos “estudos culturais/cinema” é que percorremos um longo caminho desde 1922, quando Robert Flaherty fez, segundo o consenso geral, o primeiro filme- �� NICHOLS, Bill. Representing reality. Bloomington: Indiana University Press, 1999, p. 56. �� DINKLA, Söke. The art of narrative – Towards the floating work of art. In: RIESER, Martin; ZAPP, Andrea (Ed.). New screen media-cinema and narrative. Londres: British Film Institute, 2002, p. �7. is that we have come a long way since 1922, when Robert Flaherty made what is generally agreed to be the first documentary film: Nanook of the North, about the Inuit way of life.17 The works selected for The Visible and the Invisible by Jenny Perlin, Gustav Deutsch, Deimantas Narkevicius, or Fiona Tan—only citing some of them—strongly support the claim of English film historian Catherine Russell: “a new critical vocabulary is desperately needed, appropriate to filmmaking that is simultaneously ‘aesthetic’ and ‘ethnographic,’ work in which formal experimentation is brought to bear on social representation.”18 The Visible and the Invisible includes works that are not quite cinema, not quite television, but rather a new form of audiovisual discourse. Instead of projecting these pieces in an installation format, as many of them have been previously shown at international exhibitions, here the format is one of screenings. There are drawbacks to it, ranging from scheduling constraints to the exclusion of certain exemplary works (by Steve McQueen and William Kentridge, among others) conceived as installations. Nevertheless, the screening format reinforces the importance of appreciating audiovisual works from beginning to end rather than observing them in cursory fashion while strolling through an exhibition. The short attention span of the modern viewer allows neither the time to identify with the film, nor the predisposition to become an active producer of meaning for the work—a matter of considerable research conducted on reception theory. �� The first official documentary was Robert Flaherty’s Nanook of the North (1922), an ethnographic look at the harsh life of Canadian Inuit peoples living in the Arctic, although some of the film’s scenes of obsolete customs were staged. He also made the landmark film Moana (1926), about Samoan islanders. [The term ‘documentary’ was first used in a review of Flaherty’s 1926 film.] His first sound documentary feature film was Man of Aran (19�4), regarding the rugged Aran islanders/fishermen located west of Ireland’s Galway Bay. Flaherty’s fourth and last major feature documentary was his most controversial, Louisiana Story (1948), filmed on location in Louisiana’s wild bayou country. �� Catherine Russell, Experimental Ethnography: the Work of Film in the Age of Video (Durham and London: Duke University Press, 1999), �. dessa suposição foi discutida de modo persuasivo pelo historiador e crítico de cinema americano Bill Nichols e por sua colega britânica Stella Bruzzi. De diferentes ângulos, eles dicutiram a impossibilidade de atingir total objetividade no cinema, citando a função “performativa” do produtor e de seus temas/atores – e, sem dúvida, dos próprios documentários. Nichols vê o próprio trabalho como performativo, no sentido de que é constitutivo, que ocasiona um entendimento social- subjetivo, enquanto Bruzzi usa o termo “performance” para denotar artificialidade, autoconsciência ou atuação – muito parecido com o modo “reflexivo” que Nichols considera o predecessor imediato do modo performativo do documentário14. Nos �0 anos desde que Youngblood publicou seu livro, os limites entre nações, raças, classes e culturas se tornaram menos evidentes e o desejo de reivindicar o real mudou. Hoje temos uma “ficção emergente” que nem sequer é ficção como uma desconstrução da realidade, ou um entendimento dialético capaz de produzir algo novo e pessoal. Ainda que, desde a sua invenção em 1895, o cinema sempre tenha sido intimamente ligado à arte, na esfera do pensamento crítico a confluência entre cinema e arte é mais recente, bem como é sua reavaliação por uma nova geração de artistas, que ajudam a desenvolver certo nível de aceitação mais amplo de uma forma de arte híbrida e transdisciplinar. Essa forma de arte é obtidapor meio de cortes, justaposições e pelas trajetórias temporais das imagens. A “nova” história da arte, atualmente, foca na história, no contexto e na política da interpretação visual. O atual campo expandido do documentário abrange tudo, de filmes com estruturas narrativas tradicionais até �� Ver FOX, Lorna Scott. Performatividades. In: Postverité. Múrcia: Centro Párraga, 200�. The “new” art history is presently focusing upon the history, context, and politics of visual interpretation. Today’s expanded field of documentary encompasses everything from films with traditional narrative structures to those with encoded plots that barely allow us to glimpse “the authenticating trace”15 that connects the film with its real referent. According to many contemporary film theory, documentary film is one of the “discourses of sobriety” that include science, economics, politics, and history—discourses that claim to describe the real, to tell the truth. And this despite the fact that, more saliently than history, say, documentary film straddles the categories of fact and fiction, art and document, entertainment and knowledge. Furthermore, the visual languages with which it operates exert quite different effects from those of a written text. These transformations have engaged people everywhere, many of them erstwhile “outsiders,” inhabitants of former European colonies, or members of the various diasporas that are now grafting themselves onto major cities. Together they create a landscape of events that are relatively unfamiliar to, and underexamined by, the dominant cultural majority, while at the same time developing unprecedented methods of visual representation and fresh lexicons of form. In this context, we also discern a new process of “reinterpretation of the word imagination.” According to the German scholar and curator Söke Dinkla, “imagination is no longer the creative achievement of a privileged individual. It is the user, not so much the artist, who is required to perform the imaginative act.”16 Perhaps one of the few certainties in this growing, complex, and fast-changing field of “cultural/film studies” �� Bill Nichols, Representing Reality (Bloomington: Indiana University Press, 1999), 56. �� Söke Dinkla in New Screen Media-Cinema and Narrative, Martin Rieser/Andrea Zapp, eds. (London: British Film Institute, 2002), �7. mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce �� > 2� o visível e o invisível 2� o visível e o invisível questão de investigação considerável conduzida na teoria da recepção. Sentado em uma sala de projeção, o espectador exerce mais controle sobre o sentido; ele pode ler o texto fílmico em busca de prazer, e não meramente por uma experiência pseudo-estética. A estética cultural contemporânea desses trabalhos pode ser agrupada de dois modos: o modo da corrente principal e o modo oposicionista, uma classificação obtida da teórica de cinema Susan Hayward. Segundo ela, a diferença entre essas duas tendências dá-se da seguinte maneira: a principal corrente estética pós- moderna simplesmente reproduz os quatro grupos de conceitos inter-relacionados (similaridade, pré- fabricação, intertextualidade e bricolagem) que formam a base da nossa estética cultural contemporânea. O modo oposicionista experimenta com esses conceitos, e os renova ao subverter os códigos. Os códigos tradicionais subvertidos nos trabalhos selecionados por O Visível e o Invisível são aqueles habitualmente encontrados no documentário, um gênero tão antigo quanto o próprio cinema, que convencionalmente aspira à objetividade. Como vários dos autores têm uma formação em arte e não em cinema, eles também conceberam seus projetos como uma tentativa de “empurrar” a imagem, transformando-a em uma experiência visual completa, algumas vezes com as condições mínimas de representar um tema ou uma idéia. Ao contrário da noção tradicional que coloca o documentário como um meio de examinar e construir a individualidade, os autores apontaram a câmera para fora, atraindo para si a menor atenção possível em trabalhos etnográficos, políticos, simulados e poéticos. Apesar dos prognósticos obscuros de que os filmes de arte se tornariam extintos quando Hollywood e produtores independentes abraçassem a idéia de structures that have become democratized. In the face of such up-to-date cultural forms, any artist/filmmaker who chronicles “real” history, a political event, or, in this context, autobiography, in traditional terms, seems old-fashioned. There is an atypical aesthetic path and a nonconformist way to tell a story, in which imagery and plot can be situated outside the document, defying common assumptions about truth. Such films are ambiguous, experimental, and artificial, for in them, what may originate from an authentic source becomes altered by the vagaries of an improbable script. In order to build up so unpredictable a narrative, anything goes: found footage, appropriated images from commercial television, remakes of legendary Hollywood scenes, the recreation of facts, the simulation of events. Postproduction, state-of-the-art editing systems are often used to manipulate and recompose the images. Mix these elements together, and what we get is a brand-new form of authorship. Watching the works included in The Visible and the Invisible, it is impossible not to detect the presence of these seditious reworkings of the conventions. To minds of a conservative bent, they might appear deceitful. Indeed, this leads to a frustrating situation for many artist/filmmakers: art critics do not review their shows since they do not consider the works to be art, and film critics ignore them because they do not properly appear to be films. Even while this limbo affects so many of us, works such as those included in this short selection of The Visible and the Invisible are indisputably forging a link between cinema and thought, treating film as a form of thinking in which thoughts are written between the lines—embedding their constructions of social reality between the frames, so to speak. From parody to pastiche of form as well as content, these works integrate strategies and concepts that recall Deleuze’s insight when he wrote that contemporary documentário, Nanook of the North, sobre o modo de vida inuíte17. Os trabalhos selecionados para esta mostra, de Jenny Perlin, Gustav Deutsch, Deimantas Narkevicius ou Fiona Tan – apenas para citar alguns deles –, sustentam fortemente a declaração da historiadora de cinema inglesa Catherine Russell: “Um novo vocabulário crítico se faz desesperadamente necessário, que seja apropriado para a produção de filmes simultaneamente ‘estéticos’ e ‘etnográficos’, trabalho no qual a experimentação formal recai na representação social”18. O Visível e o Invisível inclui trabalhos que não são exatamente cinema, não exatamente televisão, mas uma nova forma de discurso audiovisual. Em vez de projetar esses trabalhos em formato de instalação, como muitos deles foram mostrados anteriormente em exposições internacionais, aqui o formato é de exibição em uma sala de cinema convencional. Há desvantagens, desde restrição de horário até a exclusão de alguns trabalhos exemplares (como os criados por Steve McQueen e William Kentridge, entre outros) concebidos como instalações. Contudo, o formato de exibição reforça a importância de apreciar trabalhos audiovisuais do começo ao fim em vez de observá-los de modo superficial enquanto se passeia por uma exposição. O momento de curta atenção do espectador moderno não concede tempo para ele se identificar com o filme, tampouco há predisposição para se tornar um ativo gerador de significado para o trabalho – uma �� O primeiro documentário oficial foi Nanook of the North (1922), de Robert Flaherty, uma visão etnográfica da vida dura do povo inuíte canadense, que vive no Ártico, embora algumas das cenas do filme sobre costumes antigos tenham sido encenadas. Ele também fez o filme Moana (1926), um marco sobre os habitantes da Ilha de Samoa. (O termo “documentário” foi usado pela primeira vez em uma crítica de filme de Flaherty de 1926.) Seu primeiro documentário sonoro de longa-metragem foi Man of Aran (19�4), sobre os ásperos habitantes da ilha Aran, pescadores localizados no oeste de Galway Bay, na Irlanda. O quarto e último maior documentário de longa-metragem de Flaherty, Louisiana Story (1948), foi o mais controverso, filmado em locação em um braço de rio selvagem na área da Louisiana. �� RUSSELL, Catherine. Experimental ethnography: the work of film in the age of video. Durham/Londres: Duke University Press, 1999, p. �. Seated in a screening room, the spectator exerts more control over meaning; s/he can read the filmic text in pursuit of pleasure, and not merely for a pseudoaesthetic experience. The contemporary cultural aesthetic of these works can be subsumed under two modes: the mainstream mode and the oppositional mode, a classification borrowed from film theorist Susan Hayward. According to her, the difference between these two tendencies is as follows: the mainstream postmodern aesthetic simply replicates the four interrelated sets of concepts (simulation, prefabrication, intertextuality, and bricolage) that form the basis of our contemporary cultural aesthetic. The oppositional mode experiments with these concepts, and renovates them by subverting the codes. The traditional codes subverted in the works selected by The Visible and the Invisible are those customarily encountered in the documentary, a genre as old as cinema itself that has conventionally aspired to objectivity. Since many of the authors possess a degree in art rather than film, they also conceive their projects as attempts to “push” the image, transforming it into a complete visual experience, sometimes with the minimal conditions to represent a theme or an idea. Countering the traditional notion that posits documentary as a means for examining and constructing selfhood, the authors have pointed the camera outward, drawing as little attention to themselves as possible in ethnographic, political, simulative, and poetic works. Despite gloomy predictions that art films would become extinct once Hollywood and independent filmmakers embraced the idea of documentary, unconventional modes of filmmaking are not dying out, but blossoming. Mass-media culture and society have facilitated the distribution of these new forms by inventing cultural mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce mairaconde Realce �4 > 2� o visível e o invisível 2� o visível e o invisível entre cinema e pensamento, tratando o filme como uma forma de pensamento no qual as idéias são escritas nas entrelinhas – encaixando suas construções de realidade social entre as estruturas, por assim dizer. Da paródia ao pastiche da forma, bem como do conteúdo, esses trabalhos combinam estratégias e conceitos que revocam a percepção de Deleuze quando escreveu que trabalhos contemporâneos como esses empreendem uma “escrita cinematográfica como pensamento crítico” e sugerem uma perspectiva alternativa para aquelas narrações que sustentam a coerência das identidades individual e coletiva circunscritas. Assim, ampliando a definição do que conta como documentário, eles exploram a interseção do pessoal e do político, do público e do privado, avaliando questões de identidade, opressão e resiliência. Uma nova consciência social está nascendo na medida em que o indivíduo pós-moderno é continuamente lembrado de que pessoas diferentes têm conceitos completamente diferentes do que é o mundo. Como diz Walter Truett Anderson em Reality Isn’t What It Used to Be: “Antigos modos de crença estão em colapso em milhões de mentes. Todos nós nos tornamos consumidores da realidade e muitos de nós também nos tornamos criadores e mercadores da realidade”19. Em sua totalidade, estas 17 novas produções dão uma oportunidade de refletir sobre uma visão do crítico de mídia Lev Manovich: “Não pensamos mais na história do cinema como uma marcha linear em direção a uma única possível linguagem, ou como uma progressão em direção a uma verossimilhança cada vez mais exata. Mais precisamente, vimos sua história como uma sucessão de linguagens distintas e igualmente expressivas, cada uma com suas próprias variáveis estéticas, cada nova �� ANDERSON, Walter Truett. Reality isn’t what it used to be. São Francisco: Harpers & Row, Publishers, 1990, p. 9. documentário, os modos não convencionais de produção não estão se extinguindo, mas florescendo. A cultura e a sociedade de comunicação de massa facilitaram a distribuição dessas novas formas inventando estruturas culturais que se tornaram democratizadas. Diante de tais formas culturais atualizadas, qualquer artista/produtor que registre uma história “real”, um evento político ou, nesse contexto, uma autobiografia em termos tradicionais parece antiquado. Há um caminho estético atípico e um modo não-conformista de contar uma história, na qual a imagem e o enredo podem ser situados fora do documento, desfiando suposições comuns sobre a verdade. Tais filmes são ambíguos, experimentais e artificiais, porque, neles, o que pode originar de uma fonte autêntica se torna alterado pelas excentricidades de um roteiro improvável. Para desenvolver uma narrativa tão imprevisível, vale tudo: coletânea de cenas, imagens apropriadas da televisão comercial, refilmagens de cenas legendárias de Hollywood, recriação de fatos, simulação de eventos. Na pós- produção, sistemas de edição avançados geralmente são usados para manipular e recompor as imagens. Junte esses elementos e o que teremos é uma nova forma de autoria. Ao assistir aos trabalhos incluídos em O Visível e o Invisível, é impossível não detectar a presença dessas sediciosas reutilizações das convenções. Para as mentes de uma tendência conservadora, elas podem parecer enganosas. De fato, isso leva a uma situação frustrante para muitos artistas/produtores: críticos de arte não analisam suas exibições já que não consideram seu trabalho como arte, e críticos de cinema os ignoram porque não parecem ser particularmente filmes. Mesmo quando esse limbo afeta tantos de nós, trabalhos como esses incluídos nesta pequena seleção de O Visível e o Invisível estão incontestavelmente forjando uma ligação works like them attempt a “cinematic writing-as-critical- thought” and suggest an alternative perspective to those narrations that support the coherence of circumscribed individual and collective identities. Thus broadening the definition of what counts as documentary, they explore the intersection of the personal and the political, the public and the private, surveying issues of identity, oppression, and resilience. A new social consciousness is coming into being as the postmodern individual is continually reminded that different people have entirely different concepts
Compartilhar