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politica social Cap.3

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Capítulo 111
Abordagens teóricos sobre o Estado em suo relação
com o sociedade e com o político social
1. Situando um enigma
Um fato que chama a atenção no estudo da relação entre Estado e
sociedade é o tardio interesse teórico para com o Estado em ação, isto é,
para com aquele tipo de Estado dotado de obrigações positivas que inevi-
tavelmente o impelem a exercer regulações sociais por meio de políticas.
Tal fato não deixa de ser intrigante, pois, se do ponto de vista da
liberdade essa ingerência pode ser indesejável, do ponto de vista da aqui-
ição de condições básicas para o exercício dessa liberdade, ela é neces-
ária. Ademais, ao se privilegiar a igualdade substantiva (e não mera-
mente formal), a ingerência do Estado faz-se imprescindível. Afinal, não
s persegue a igualdade sem o protagonismo estatal na aplicação de
m didas sociais que reponham perdas moralmente injustificadas. Da
m sma forma, não se consubstanciam direitos sociais sem políticas pú-
licasque os concretizem e liberem indivíduos e grupos tanto da condi-
- de necessidade quanto do estigma produzido por atendimentos so-
l i~i d scomprometidos com a cidadania. É o Estado, além disso, que,
.io m m tempo m qu limita a desimpedida ação individual pode
g li' I rir dir ito i I. I vi. t que a sociedade lhe confere poderes ex-
1111. iv . I' r 11 di'. 1 r nti . Na prática, a ingerência do Es-
POTYARA PEREIRA
100
tado na realidade social é tão antiga, que só quem não esteja disposto a
reconhecê-Ia, não a percebe, Mesmo nos regimes liberais mais ortodoxos,
expressamente avessos à intervenção estatal, o Estado sempre interveio
politicamente para atender demandas e necessidades, seja da esfera do
trabalho, seja da esfera do capital. A esse respeito Polanyí (1980: 144) é
certeiro na observação de que os chamados mercados livres jamais fo-
ram verdadeiramente livres, visto que eles não funcionariam se seguis-
sem o seu próprio curso, As indústrias e os comércios, diz ele, especial-
mente os mais importantes, sempre foram contemplados "com tarifas
protetoras, com exportações subsidiadas e com subsídios indiretos dos
salários" (p. 144). O próprio laíssez-jaíre, considerado um dogma do pen-
samento liberal, foi sustentado pelo Estado mediante farta legislação,
que "repelia regulamentações restritivas", e robusta burocracia estatal
aparelhada "para executar as tarefas estabelecidas pelos adeptos do li-
beralismo" (idem) ..
Não há, portanto, expÍicação fácil para o fato de o papel ativo do
Estado, imbricado à sociedade e mediado por políticas de intervenção
(sociais e econômicas), só recentemente vir merecendo tratamento ana-
lítico mais amplo e consistente - especialmente no que diz respeito ao
contexto social. Ao certo, sabe-se que esta tendência remonta a pensa-
dores sociais clássicos e que ela não é exclusiva de uma tradição teórica
particular, Pelo contrário, guardadas as devidas diferenças, tanto mar-
xistas (notórios críticos da regulação social do Estado) como não-marxis-
tas, deixaram, por muito tempo, no limbo essa instigante questão, como
será visto, a seguir, com o intuito de fornecer informações sobre as difi-
culdades teóricas que, desde os clássicos, o Estado Social enfrenta.
2. Resistências teóricas (clássicas e contemporâneas) ao
Estado social
s retroceder ao pensamento social d se \11)
1I ir tê tt I I it \ I r ri 1 to I' '111 I
POLíTICA SOCIAL 101
:m sua rel~ção com a sociedade. Isso decorria tanto do fato de, naquela
e?oca, a açao estatal ser socialmente restrita, quanto, implícita ou expli-
cItamen.te, haver reservas intelectuais a respeito da possibilidade de o
Estado mterferir nos assuntos da sociedade Além disso c, " ., omo sempre
soi acontecer, havia a pr~ocupação analítica de se centrar em fatos que
estava~ na or~e~ do dia, como as extraordinárias transformações e
e:pansa~. econorrucas - temporariamente interrompidas pelas revolu-
çoes políticas de 1848 - que constituíram a verdadeira mola propulsora
do capitalismo. Como observa Hobsbawm (2005' 21)" .ibit. ,a su 1 a, vasta e
aparentemente ilimitada expansão da economia capitalista mundial"
fav~~e:~u espetacularmente o surgimento de uma nova ordem social e
de idéias e credos" prontos a "legitimá-Ia e ratificá-Ia", Estabeleceu-se
co~ isso, o triunfo do liberalismo burguês sobre ideais socialistas o~
~oclal-democratas, embora "os homens que oficialmente presidiram os
mteresses da burguesia [fossem] profundamente reacionários" (Bismarck
n~ ~lema~a; Napoleão IlI, na França) - e usaram o Estado como co~
mitê ~X~CUhVOda classe dominante, como, em 1848, Marx e Engels de-
nun~Ianam: em seu famoso Manifesto do Partido Comunista. Não é de
admrr~r, pOlS, que entre eminentes pensadores sociais do século XIX -
como Emile Durkheim, Max Weber e Karl Marx, para citar os mais visi-
t~dos ~ um possível Estado Social representasse sério perigo ao exercí-
CIOda liberdade ou da emancipação dos indivíduos, grupos ou classes
subalternos.
. ?a ~~rte de Durkheim (1858-1917) - um dos criadores da sociolo-
g~a Cl~nhfIca, ou de uma ciência positiva da sociedade, e da teoria fun-
c~onahsta - é bastante conhecida a resistência em admitir a importân-
Cl~ ~a presença de uma organização estatal forte nas sociedades indus-
triais modernas, pelos perigos de controle autoritário que ela poderia
,x rcer. Para ele, o fato de o Estado não ser suficientemente capaz de
lidar com o problema da "anemia"! ou "pobreza da moralidade" na
I, en , 10 1\11 lu,I", 11110, I' rníz s gr gas (5 m lei) usado par teriI I ' a carac enzar comportamen-
\I n (J (1'1'11111111"111,1'111 I' ""Iplo). Jlo t ri rm nt o onc it ' ,I I ' 1o pass li a s r utilizado por ou-
111 \I' 10 \1 ,\11111111 11111'11r>. l! 'I 11111 1170) " 1'0 d Irrnor 0111 01'101 tos dcsvl . -, "" n n os VI nt m r lação
102 POTYARA PEREIRA
Europa moderna, exigia que se organizassem corporações profissionais,
que se opusessem à moral do progresso fundado no individualismo, e à
supremacia estatal. Nesse sentido, as corporações funcionariam como
órgãos intermediários entre o Estado e os "particulares" (os indivíduos).
Sua principal função seria a de corrigir "patologias" causadas pela espe-
cialização e pelo aperfeiçoamento crescentes requeridos pela sociedade
industrial. E isso só seria possível por meio da organização de um con-
junto articulado e solidário de maneiras de ser, agir e pensar (equivalen-
te ao das sociedades simples), relacionado aos quadros da vida econô-
mica e sobre ela exercendo poder moral. É tendo em vista essa finalida-
de que Durkheim julga as corporações como mediação imprescindível
para evitar possíveis abusos de poder do Estado. A serventia dessas
corporações consistiria não nos serviços econômicos que poderiam pres-
tar, mas na influência moral que poderiam exercer - posto que só esse
poder moral seria capaz de
úconter os egoísmosindividuais, de manter no coraçãodos trabalhadores
um mais vivo sentimento de solidariedade comum, de impedir que a lei
do mais forte se aplique tão brutalmente às relaçõesindustriais e~comer-
ciais (Durkheim, 1977:17).
Caracterizando-se, também, como versão pessimista a respeito da
intervenção social do Estado, o pensamento do alemão Max Weber (1864-
1920)- um dos nomes mais influentes no estudo do desenvolvimento
do capitalismo, da racionalização e da compreensão da ação humana
(inauguradora da sociologia compreensiva ou interpretativa, com base
em tipos ideais) - não privilegia, igualmente, a intervenção social do
Estado, embora não compartilhe da visão funcionalista de Durkheim.
Mas esse desprivilegiamento não se deve a um desconhecimento de sua
a finalidades e normas previstas por determinados grupos ou sociedades. Com outras conotações,
o conceito vem significando contestação, revolta, anarquismo, reformismoe até mesmo exclusão
sacia! que, segundo Gough (2000), atualmente resgata a sociologia de Durkheirn para explicar o
fenômeno da aparent excludência de indivfduo grupos d s v810r S, 11 rm A,01 rtunld d 5,
pol!tl llA dlrcttos pr ivnl , 11! R nos AOI 'dod '8 01 Itnllst'oH ont mp I' 11(1[18,
POLíTICA SOCIAL
103
parte da realização de políticas sociais na Alemanha - considerada ber-
ço dessa exp~riência sob a égide de Bismarck - mas a uma convicção
p~ssoal refletida no seu propósito intelectual de se ocupar do desenvol-
vIm~nto de ,teorias, deixando aos políticos a formulação e aplicação de
medidas práticas."
Eis porque a teoria de Weber sobre o Estado tem um cunho mais
conceitual e analítico, .coerentemente com sua postura científica de pro-
curar co~ecer a realidade por meio da apreensão do sentido que os
atores atnbuem às suas próprias ações. É daí que ele retira elementos
pa~a a construção de seus tipos ideais, conferindo ao seu método caráter
emmentemente analítico e generalizante.
Além disso, o desinteresse weberiano pela política social evidencia
uma ~oncepção de Estado (especialmente do Estado moderno) que o
asso~a a uma ~rganização política repressora, destinada a perpetuar
re~a~oesde dommação e sujeição por meio dos aparelhos militar e buro-
~rahco, tal como acontecia com o Estado prussiano de sua época. Por
I~SO,pa~~ ele, o ~~e diferenciava o Estado dos demais tipos de organiza-
ç~o SOCIaISe políticas, era um poder peculiar: o monopólio legal da uiolên-
Cl~. ~ra o e~ercício racional-legal desse monopólio - que, na verdade,
nao e.o ~elO normal, nem o único meio de que se vale o Estado _ que
constituí, segundo ele, o elemento definidor do poder estatal e garante o
domínio continuado de homens sobre homens em um dado território.
Ou melhor, o Estado para Weber é a única fonte do direito à violência
sustenta~o .pelo .consentimento dos dominados e por um quadro jurídi~
co e.admImstrahv~ que lhe confere poder, racionalidade e legitimidade.
ASSIm,quanto mais desenvolvida e industrializada se torna uma socie-
dade mais ela tende a exigir o domínio racional-legal próprio do Estado
~. Segundo .Gabriel COM (1979, p. 72), Weber, no início do século XX e no auge do Estado
prussiano, participou da Associação de Política Social fundada pelos adeptos do chamado "S .
lis d Cát d· rr C . . OC1a-
.mo e are ~a. ontudo, posicionou-ss contra os objetivos principais dessa Associação que
eram d r aliz r pr mover ações para enfrentar grandes problemas sociais na Alemanha da
p CA, 11 S 'li V('I' (' IAHt)Ih u tou o afastamento da Associação _ esta deveria dedicar-se à
p sq~ilsn \'1(\111(("I 1'1111'1'II'II1HII'-H',O xarn mp(ric d probl fr' , .
dll'PI'o . mas sp I os para fins práticos
104 POTYARA PEREIRA
moderno, indicando que a razão estatal é histórica, a despeito da ten-
dência de se tornar cada vez mais burocratizada para evitar que a socie-
.dade seja manipulada por interesses pessoais.
Demonstrando também desconfiança em relação ao Estado, Marx
(1818-1883) e Engels (1820-1895) igualmente minimizaram a importân-
cia dessa Instituição e de sua capacidade de proporcionar bem-estar so-
cial- só que guiados por outros pressupostos. De acordo com a teoria
marxiana do Estado, este seria um elemento da superestrutura e, como
tal, um fenômeno transitório. Assim, da mesma forma como o Estado
não existiu nas sociedades primitivas, quando não se conhecia a divisão
do trabalho e a estrutura de classes, ele deixaria de existir numa socie-
dr-de comunista futura quando novamente estaria ausente a divisão de
classes sociais. Sendo assim, o Estado só seria necessário onde uma clas-
se dominante, possuidora dos meios de produção (proprietários de es-
cravos, senhores feudais e capitalistas) se apropriasse do produto do
trabalho da classe explorada (escravos, servos da gleba e proletários). Aí
o Estado funcionaria como um aparato coletivo e, portanto, um instru-
mento de reprodução das relações dominantes.
Implícita nessas postulações clássicas está, portanto, a idéia de que
a política social, associada a um Estado ativo, necessariamente não pro-
move e nem emancipa quem se encontra em posição socialmente desi-
gual. Pelo contrário, ela funciona como um meio para manter a desi-
gualdade e perpetuar a dominação do Estado como um instrumento
manejável pelos grupos no poder.
Entretanto, as transformações econômicas, sociais e políticas, rela-
cionadas ao avanço industrial, criaram condições objetivas para o com-
prometimento inadiável do Estado com os problemas resultantes das
desigualdades sociais. "Em certa medida" - salienta Gouldner (1970:
78) -"0 crescimento mesmo do Estado Benfeitor [Social] significa que o
problema tem se tomado tão grande e complexo que já não é possível
deixá-lo sob o controle do mercado e de outras instituições tradicionais".
Em vista disso, e diferente da assistência tradicional, cada v 7, n i a
traté ia d E tad c n i tiu m ptar nã p 1 i ] 111 1110 I, I I r A
POLÍTICA SOCIAL 105
das pessoas consideradas improdutivas, mas pela sua "reintegração" ao
processo produtivo. Afinal, "por baixo e em volta dos empresários capita-
listas, os 'trabalhadores pobres', descontentes e sem lugar, agitavam-se e
insurgiam-se" (Hobsbawm, 2005), no rastro das revoluções de 1848.3
Tal estratégia de inserção dos pobres no processo produtivo, em
atenção às reivindicações das massas, não se deu, porém, sem dificul-
dades; pois, se por um lado ela confirmava que a burguesia reconhecia
as desigualdades sociais como o resultado de contradições estruturais
do sistema capitalista, por outro despertava o temor liberal de esvazia-
mento de sua fundamentação teórica e ideológica e de seu processo de
acumulação via espoliação do trabalho. Afinal, transformar a área social
- que engloba a educação, a saúde, a habitação, a previdência social, a
assistência - em esfera de responsabilidade pública, significaria afron-
tar o mito do iaiseez-faire.
Isso conduziu a constantes reavaliações das teorias clássicas, que
se viram instadas a repensar seus postulados. Mas, enquanto às teorias
não-marxistas, especialmente as de corte funcional, era endereça da urna
pressão em busca de contribuições justificadoras da participação do Es-
tado na ordem social, às teorias marxistas abriram-se perspectivas de
reflexões críticas sobre os novos arranjos do capitalismo, incluindo o
Estado, para se manter dominante.
Mesmo assim, ambas as modernas reformulações (marxistas e não
marxistas) concederam ao Estado Social importância marginal. Autores
3. Conhecido como a "primavera dos povos", o período em que ecJodiram os movimentos
revolucionários de 1848 na Europa, a partir da França, teve como marca principal a revolta das
massas "prontas para transformar revoluções moderadamente liberais em revoluções sociais"
(Hobsbawm, p. 20). Com efeito, em meio à crise econômica, desemprego e insegurança social -
numa época em que o mundo se tornou efetivamente capitalista industrial - as reivindicações
revolucionárias francesas por sufrágio universal, democracia e direitos trabalhistas, deram a im-
pressão de ter chegado o momento da derrocada da velha ordem social européia e da ascensão de
um socialismo "potencialmente global" (Hobsbawm, p. 28). Afinal, os movimentos de 1848 se alas-
traram por v ri s paí 5 da Europa (Alemanha, Grécia, Hungria, Bélgica, Polônia, Itália) e esten-
d rarn s us t 'I I uloa, H 'HlInd H bsbawm até Pernambuco (Brasil), com a insurreição de 1848, e,
mais t rde, ol 1l111111.\ IIFln I n ta tarnb rn a informação de que foi com as revoluções euro-
I I H,I.I' I~II~, Ijlll 111\ 1\ 1I',llhllh idnr l rnou c 118 I 11 10 si em classe,
POTYARA PEREIRA
06
=uncionalistas como Parsons (1902-1979) e seu discípulo e colaborador
3melser - embora tenham incorporado em seus esquemas conceituais
2 analíticos elementos explicativos para dar conta de fatos sociais emer-
gentes _ demonstraram escassa preocupaçãocom a análise do be~-
.estar, ainda que Smelser tenha dado mais atenção a esse aspecto. Parti-
cularmente nesse autor percebe-se a disposição de aceitar e realçar o
n=>apelpreponderante do Estado na ordem social, em contraposição às
primeiras postulações parsonianas de que os sistemas sociais funciona-
::riam melhor se obedecessem à lógica da auto-regulação das relações
sociais em economias de mercado.
Contudo, em que pesem esses pequenos avanços teóricos e a pró-
pria revisão de Parsons de seus supostos funcional-sistêmicos, admitin-
do ~e a estabilidade social só poderia ser mantida por uma administr~-
ção oriunda do subsistema político e do governo, o que se tem em mate-
ria de análise funcionalista da política social é pequeno. E não poderia
ser de outra forma, já que o interesse teórico pela expansão do interven-
cionismo estatal, voltado para a correção e/ou redução de desigualda-
des sociais, significaria admitir a existência de desequihbrios intrínsecos
ao sistema e contradizer sua própria teoria.
Não obstante, é possível detectar no pensamento parsoniano algu-
mas inovações. Contra seus primeiros arranjos conceituais, que não con-
templavam o caráter impositivo da ação social intencional e desconfia-
vam do Estado Social que surgia nos Estados Unidos com as reformas
do New Deal, durante a Grande Depressão dos anos 1930, ele teve que
refletir sobre a realidade desse Estado. Mas o fez sempre privilegiando
aspectos sócio-culturais e conferindo a eles a responsabilidade pelo agra-
vamento dos problemas sociais. Assim, por exemplo, atribuía aos defei-
tos dos sistemas de socialização a proliferação desses problemas, dedu-
zindo que o seu ajustamento sístêmico exigia novos programas de edu-
cação e até medidas policiais ou castigos mais eficazes. Isso, certamente,
como lembra Gouldner (p. 317), impregnava o seu quadro explicativo
de tensões e impasses, já que ele não se "prestava ao manejo instrumen-
tal de populações adultas nas sociedades índustriai " m d mas. A -
sim, a me mo t mpo m qu a t oria par nian " li ) 1(\ t r-
POLíTICA SOCIAL 107
Estado Social", tornou-se difícil fazê-Ia dada a sua ênfase na manuten-
ção da ordem social (que teimava em mudar) por ajustamento.
A presença insofismável do Estado Social exigiu também reavalia-
ções na concepção marxista desse Estado, detectadas nas análises pio-
neiras de autores contemporâneos como [ohn Saville, James O'Connor e
o primeiro Claus Offe, dentre os mais diretamente envolvidos com a
temática da política social. Tais autores, em vez de se prenderem à no-
ção de Estado restrito, presente no pensamento marxiano do século XIX,
passaram a considerar um arco mais amplo de intervenção estatal, dan-
do importância ao seu caráter contraditório e a sua dimensão política
ativa. Um pensador marxista que pode ser considerado referência des-
sa nova abordagem (embora não ao estudo da política social) é Anto-
nio Gramsci, sobre quem recai o mérito de ter teorizado a respeito do
Estado ampliado e da autonomia relativa deste, no que foi seguido e
aperfeiçoado (em certos aspectos) por Nicos Poulantzas. Com isso, não
se quer dizer que esses estudiosos contemporâneos da relação entre
Estado Social e sociedade tenham rechaçado a perspectiva de "bem-
estar social" de Marx.' mas sim que, confrontados com fenômenos e
processos inusitados no século XX, passaram a atualizar e ampliar o
legado teórico marxista, mesmo não apresentando uma contribuição
homogênea.
De qualquer modo, ainda que analisando o Estado Social de forma
incipiente, esses marxistas contemporâneos começaram a tecer conside-
rações teóricas sobre ele e não somente contra ele. Assim, partindo da
indefectível refutação ao pensamento social-democrata de que o bem-
estar social foi produto do movimento socialista e representou uma alte-
ração significativa no regime capitalista (Saville, principalmente), a lite-
ratura marxista foi se preocupando com questões mais densas. Passou a
pôr em relevo a autonomia relativa do Estado e as contradições - prin-
cipal e secundária - na relação entre Estado e Sociedade (a guisa de
4. Na verdade Marx postula um conceito global de bem-estar, contrapondo ao Estado de Bem-
Estar a Sociedade de Bem-Estar, ou seja, a sociedade pós-revolucionária onde seria alcançado o
verdadeiro igualitarismo ou a pa sag m d tado d n idad para o de liberdad igualitária.
108 POTYARA PEREIRA
Poulantzas); as contradições e crises fiscais do Estado (O'Connor) e os
mecanismos internos que garantem ao Estado o caráter de classe (Claus
Offe).Contudo, como será visto com mais detalhes neste capítulo, a con-
tribuição marxista para a política social carece de mergulhos mais fun-
dos na origem, desenvolvimento, versatilidade, institucionalidade, fi-
nanciamento, fiscalidade, ideologias e implicações econômicas e políti-
cas da política social - não obstante esforços denodados e amplamente
reconhecidos de autores, como Ian Gough que, nos anos 1970,fez uma
radiografia da economia política do Estado de Bem-estar europeu e es-
tudou a política social por um ângulo mais complexo. Não foi à toa que,
nos fins dos anos 1970,circulou na Europa, a partir da Inglaterra, o ter-
mo O'Goffe como um amálgama (acrossemia)" dos nomes O'Connor,
Cough e Offe para identificar" a "lenda" (O'Goffe's tale) neo-marxista
dominante no campo da política social.
Esta é a razão porque vale a pena falar separadamente, e com mais
informações, do conteúdo das abordagens não marxista e marxista do
Estado vis-à-vis a sociedade e a política social, retomando aos clássicos.
3. A abordagem não-marxista e a questão do Estado social
Como já foi dito, as abordagens não-marxistas, sejam funcionais,
sejam compreensivas, não se ocuparam diretamente de examinar o Es-
tado em ação, mormente na esfera social.
Retomando Durkheim, veremos que ele, apesar de fazer menções
ao Estado interventor e de se contrapor às idéias de outro pensador não
marxista - Herbert Spencer (1820-1903)- sobre esse tema, muito pou-
co avançou teoricamente.
5. Redução de palavras, nomes, expressões a letras ou sílabas iniciais para criar um. novo
termo composto.
6. Fato mencionado na aula inaugural proferida por Oath/UK, m
21 de jan ir d 1999.
POLíTICA SOCIAL 109
De fato, se se quiser encontrar na obra dos clássicos de inspiração
funcional maiores considerações sobre a questão do Estado, e de suas
implicações no âmbito do bem-estar social, será por Spencer que se de-
verá começar. Foi este quem, efetivamente, mais escreveu contra o inter-
vencionismo estatal, defendendo, segundo Mishra (1989),uma espécie
de política social do laissez-faire.
Embora não se pretenda enveredar por Spencer nesta reflexão, é
válido apresentar pontos-chave de seu discurso anti-social, pois alguns
deles encontram campo fértil no pensamento liberal contemporâneo.
Em sua opinião, os processos que se verificam na sociedade vin-
culam-se a ordenamentos sociais "espontâneos" que surgem de forma
"natural". Sendo assim, os homens não deveriam intervir intencional-
mente nesses processos, haja vista que existem na sociedade mecanis-
mos inatos de controle que os habilitam a selecionar, com acerto, os mais
aptos. Por essa perspectiva, qualquer medida adotada pelo Estado para
proteger aqueles que se revelam inferiores por estupidez, vício e ociosi-
dade, poderá produzir conseqüências desastrosas, já que só a natureza
possui uma lógica racional e detém o segredo do enigma de como flui o
progresso. Por isso, interferir nesse processo é violentar a evolução na-
tural. E dentre as atividades que, para ele, não deveriam ser realizadas
pelo Estado, incluem-se aquelas caracterizadas como áreas não produti-
vas como a educação e a saúde.
Todavia, os argumentos de Spencer, a despeito de pretenderem ser
uma justificação científica do princípio do laissez-jaire. fortalecendo o
ideário liberal-burguês, foram apresentados mais em tom de polêmica,envolvendo juízos de valor. Assim, empenhado em atacar a intervenção
do Estado e em ressaltar as virtudes do laiesez-faire, ele pouco explicou a
natureza das instituições de bem-estar.
No que concerne, porém, ao caráter e às funções do Estado, ele
forneceu um esquema explicativo, consoante com os princípios do
darwinismo, que, apesar de polêmico, marcou a sua presença no campo
d conhecimento ociológico. Para ele, o Estado, como aparelho regula-
r, t nd ria r r ir na medida em que a sua feição industrial se
110 POTYARA PEREIRA
distanciasse da sua feição militar, ficando as suas funções reduzidas à
mera administração da Justiça (Durkheim, p. 252). Tal pensamento está
. de acordo com a sua lei da evolução, segundo a qual o progresso resulta
da integração da matéria e de concomitante dissipação do movimento;
neste processo, a matéria passa de uma homogeneidade indefinida e
incoerente a uma heterogeneidade definida e coerente, e o movimento
retido sofre uma transformação paralela (Spencer, 1905). Em suma, a
evolução é a passagem do simples para o complexo, através de diferen-
ciações sucessivas (Spencer, 1896).
Foi com base nessa lógica que ele estabeleceu a distinção entre a
sociedade de "tipo militar" e a sociedade de "tipo industrial". A primei-
ra era caracterizada pelo poder absoluto dos superiores sobre os subor-c,
dinados; pelo império da lei baseada na religião e nas crenças coletivas;
pela centralização e ausência de liberdade e garantias individuais e, por-
tanto, pela submissão dos indivíduos ao Estado. Trata-se, como enfatiza
Durkheim, "de um despotismo organizado que aniquilaria os indiví-
duos" (p. 224). Em contraposição, na sociedade industrial predominaria
a descentralização, o governo representativo, a livre iniciativa e a liber-
dade contratual entre os homens, indicando que a vontade dos-indiví-
duos é soberana e que o Estado existe para servi-los. Neste caso,
a solidariedade socialnão seria (...) outra coisa senão o acordo de que os
contratos são expressãonatural. O tipo de relaçõessociaisseria a relação
econômica,desembaraçada de qualquer regulamentaçãoe tal qual como
resultasse da iniciativa inteiramente livre das partes. Numa palavra, a
sociedadenão seria senão o relacionarde indivíduos trocando os produ-
tos de seu trabalho, e sem que nenhuma açãopropriamente socialviesse
regular essa troca (Durkheim,p. 234-5).
Ora, é justamente contra a idéia evolutiva e ao individualismo exa-
cerbado de Spencer que Durkheim se posiciona. Se,em princípio - como
esclarece na Divisão do Trabalho Social - Durkheim admite, como
Spencer, que "o lugar do indivíduo na sociedade, inicialmente nulo, ia
aumentando com a civilização" (p. 224), em suas concJu õe opõ -
POLíTICA SOCIAL 111
frontalmente ao raciocínio spenceriano. Isso porque, em vez de atribuir
a anulação do indivíduo nas sociedades primitivas à dominação de uma
autoridade despótica - dado o constante estado de guerra em que se
encontram essas sociedades - Durkheim a explica pela completa au-
sência de qualquer centralização. Por esta ótica, o Estado resultaria" dos
próprios progressos da divisão do trabalho e da transformação que teve
como efeito fazer passar as sociedades do tipo segmentar ao tipo orga-
nizado" (p. 255). Essa passagem, segundo a lógica durkheimiana, ocor-
re da seguinte forma: quando a sociedade de tipo segmentar perde a
vitalidade em decorrência do desaparecimento progressivo da sua orga-
nização peculiar, ela é absorvida pelo órgão central. E isso é assim por-
que este órgão, ao não encontrar mais as resistências que freavam a sua
expansão, desenvolve-se e atrai para si funções antes desempenhadas
pelos órgãos locais. Desse modo, quanto mais vasta e diferenciada for a
sociedade, mais completa será esta fusão - o que, em outras palavras,
significa que o órgão central será mais volumoso quanto mais as socie-
dades forem avançadas. Todavia, diz Durkheim, "não queremos dizer
que normalmente o Estado absorve em si todos os órgãos reguladores
da sociedade, quaisquer que eles sejam, mas somente aqueles que são
da mesma natureza dos seus, isto é, que presidem a vida geral" (p. 256).
As funções econômicas, por exemplo, não estariam absorvidas no Esta-
do, embora possam estar submetidas à sua ação. Com isso ele queria
salientar que é possível a existência de um conjunto de funções distintas
e relativamente autônomas ao Estado, sem que a sua coerência seja des-
truída. A função do Estado estaria vinculada às normas jurídicas que
determinam a natureza e as relações das funções estratificadas, graças à
divisão do trabalho. O Estado seria "o 'órgão do pensamento social',
concentrado, deliberado e reflexivo, distinto da obscura consciência co-
letiva" (Durkheim, 1950:95), difundida por toda a sociedade.
Assim, ao contrário do que propugnava Spencer, Durkheim enten-
dia o Estado como o órgão em relação ao qual, nas sociedades avança-
das, a situação de dependência do indivíduo vai aumentando, embora a
liberdade deste de crer, querer e agir, seja maior do que nas sociedades
impl . E i daria porque cada corpo de normas jurídicas, que cabe
112
POTYARA PEREIRA
ao Estado administrar, está acompanhado por um corpo de normas
morais. São estas que refreiam os apetites, regulam e conectam as espe-
cializações profissionais, fazendo com que os homens aceitem volunta-
riamente funções e recompensas desiguais. Está incluída aí a idéia de
primazia da consciência coletiva sobre a individual, mas agora configu-
rada na ação do Estado e no papel fundamental das crenças e sentimen-
tos coletivos, mormente da moral e da religião, o que demonstra que,
em se tratando do Estado, o conceito de consciência coletiva de Durkheim
foi sendo substituído pelo de representação coletiva. É esse conceito (li-
gado à concepção de que é pela representação que o grupo se concebe a
si mesmo em sua relação com os objetos que o afetam) que permitiria
distinguir melhor" entre crenças cognitivas e crenças morais, entre di-
Jferentes crenças e sentimentos e entre crenças e sentimentos associa-
dos a estágios diferentes do desenvolvimento de uma sociedade"
(Luckes, 1977: 18).
Vê-se, assim, que a principal discordância entre Spencer e Durkheim
não recai tanto na expansão do Estado, mas nas conseqüências dessa
expansão. No que diz respeito a este fato, sou inclinada a acreditar, com
Mishra, que Durkheim aí se posiciona de forma dilemática, pois se, como
filósofo, parecia não ver com bons olhos o aumento das atividades esta-
tais, confiando mais nas corporações (revelando uma nostalgia pelas
sociedades simples), como cientista social ele teria que reconhecer e ex-
plicar esse fato. E foi como cientista - mais precisamente, como sociólo-
go - que ele se contrapôs a Spencer. Rejeitando a visão contratual e
utilitária deste, referente à ordem social nas sociedades industriais, as-
sim como a sua noção do jogo livre dos interesses individuais, Durkheim
acredita que a regulação social efetuada por um órgão central modera-
dor constrangeria os indivíduos na defesa de interesses próprios. Con-
tudo, embora se subentenda do seu raciocínio que as sociedades moder-
nas poderiam executar a solidariedade sem atender à questão da desi-
gualdade social, ele pouco se deteve neste aspecto. Sua preocupação
principal residiu mais em descobrir os meios de restringir os desejos
dos homens e de seus apetites individuais do que pensar na formas do
atendimento de suas necessidades.
POLíTICA SOCIAL 113
Diferente de Durkheim, a preocupação de Weber volta-se para ou-
tra direção e envolve concepções distintas no que conceme aos valores
morais e à inserção dos indivíduos na cultura utilitária, própria do Esta-
do moderno. Destarte, ao destacar a importância das idéias em geral e
da ética religiosa em particular, como influências fundamentais sobre o
desenvolvimento do mundo ocidental, ressalta a importância e a auto-
nomia das idéias dos indivíduossobre a sociedade. Isso não só contra-
diz o pensamento de Durkheim - segundo o qual a ação social é expli-
cada pelas funções que desempenha no atendimento de certas necessi-
dades da sociedade - como se choca com a máxima de Marx de que a
consciência é determinada pela existência.
É com base nesses pressupostos que Weber, em vez de considerar
os valores morais como fatores restritivos dos apetites humanos - como
faz Durkheim - os vê como estimuladores dos esforços individuais
para alterar padrões sociais estabelecidos. Portanto, se a preocupação
de Durkheim com o desenvolvimento do Estado moderno, correspon-
dente ao crescimento da industrialização, era com a destruição da or-
dem social, a de Weber era com a rotinização da vida humana em decor-
rência do domínio da burocracia total. A este causava temor, não a pos-
sibilidade de desordem social, mas a predominância de uma ordem social
tão poderosa que inibisse o indivíduo de participar com paixão da sua
vida e do seu destino.
Em suma, ao mesmo tempo em que Weber confiava na importân-
cia da eficiência e da racionalidade da peculiar burocracia do Estado
moderno - já que isso garantiria o fortalecimento e autonomia da na-
ção - ele temia a sua supremacia sobre a vontade dos indivíduos.
A possibilidade de que isso viesse a acontecer se explica pela se-
guinte síntese do raciocínio weberiano: o quadro administrativo típico
da dominação racional-legal, ou seja, a burocracia, constitui um elemen-
to intermediário entre dominantes e dominados, tendo em vista assegu-
rar a adequada efetivação do mandato dos dominantes. Contudo, como
st burocracia nã x Ice a mediação entre os dois termos, no sentido
I' 'f 11 um a utro , m con eqüência, desapare-
114 POTYARA PEREIRA
cer, estabelece-se a possibilidade do instrumento apropriar-se da com-
petência e do poder daqueles que o usam e transformar-se de meio em
, fim. Neste caso, os dominantes perdem grande parte do controle exter-
no sobre a burocracia, ao mesmo tempo em que os dominados passam a
ser, em grande medida, submetidos aos seus desígnios. E isso, para um
intelectual que privilegiava a participação do indivíduo na história da
humanidade, não deixava de causar certo desencanto.
Percebe-se que as teorias até aqui apresentadas, apesar de terem
levado em conta o Estado, o seu crescimento e a sua complexidade, não
se ocuparam de suas políticas e institucionalidades, sobretudo daquelas
voltadas para proteção social. Dessa forma, tem-se a impressão de que,
nlo que tange a este particular, tais teorias são relevantes apenas como
marcos referenciais às formulações que condenam a intervenção estatal,
as quais reaparecem nas concepções contemporâneas tratadas a seguir.
Tomando Parsons como um expoente contemporâneo do pensa-
mento sociológico, no marco da análise não-marxista, constata-se que as
suas preocupações com o Welfare State só ocorreram a partir da década
de 1960.
Antes disso (fins da década de 1930), seu interesse teórico assenta-
va-se no propósito de criar um quadro conceitual geral para a análise da
ordem social, sem basear-se em evidências empíricas. Combinando o
voluntarismo, de inspiração weberiana, com a visão durkheimiana se-
gundo a qual os ordenamentos sociais são vistos como um sistema de
elementos inter-atuantes, Parsons concebeu um esquema explicativo do
caráter sistêmico da sociedade, sem relegar ao segundo plano os indiví-
duos. Desse modo, contrariando Durkheim, não privilegiou o social so-
bre o individual, nem a consciência comum sobre as orientações subjeti-
vas das pessoas. Mas, seguindo Weber, destacou o papel das idéias como
estimuladoras das ações, se bem que dentro de uma ótica mais otimista
acerca do potencial positivo dessas idéias.
Entretanto, como esclarece Gouldner (p. 134), depois da Segunda
Guerra Mundial, a teoria de Parsons, assim como, de modo geral, as
teorias vinculada à tradição d análi funcional, pa ou a v 1 riz r
-.-_------- --
POLíTICA SOCIAL
115
aspecto social." Tanto foi assim que, em o "Sistema Social", livro publi-
cado em 1951, Parsons deu ênfase à índole da interdependência sistêmi-
ca das f~rças estab.iliz~doras do sistema, bem como aos mecanismos que
o mantem em equilíbrio, tornando subsidiário o caráter estimulante dos
valore~ e idéias. Foi. a partir daí que ele destacou a existência de quatro
requerunentos funcionais necessários à sobrevivência de uma socieda-
de ou de qualquer sistema social: a manutenção de padrões, a obtenção de
metas, a adaptação e a integração.
À manutenção de padrões relaciona o sistema cultural já que este,
segundo. P~r~ons, s~ organiza em torno das características de comple-
xos de significado SImbólico, que contribuem para a continuidade dos
padrões de valores básicos.
. À obtenção de metas relaciona a personalidade dos indivíduos, pois
o SIstema de personalidade é a "agência primordial dos processos de
ação" (Parsons, 1974: 14).
Ao organismo conductual relaciona a adaptação, visto que se trata
de um subsistema que
inclui um conjunto de condições a que as ações devem adaptar-se e com-
preende o mecanismo primário de inter-relação com o ambiente físico,
sobretudo mediante a entrada e o processamento de informação no siste-
ma nervoso central e a atividade motora para enfrentar-se as exigências
do ambiente físico (Parsons, p. 15).
.~ integr~ção relaciona o sistema social, destacando-se neste pré-
requisito funcional a preocupação com a coordenação das unidades cons-
titutivas do sistema e com o estabelecimento da harmonia e cooperação
entre as partes.
~, "Mais ou men~s nessa mesma ~poca, também a versão do funcionalismo oferecida por
Robelt~. Merton marufestou uma tendencia a restaurar o utilitarismo social. Merton encarou as
~nentaçoes subjetivas das pessoas (o componente voluntarista) de uma maneira totalmente 'secula-
J'1zad~';ao Considerá~las como só um entre muitos fatores analíticos, desprovido de todo pathos
sp ia], adotou explicitamenta como pOI1tOde partida as conseqüências funcí . d di
• r ' lOnalS e lversasI outos 80 I IS' ( ouldn I~ p, 134).
--~==---------------------------------------------------~----
116 POTYARA PEREIRA
Analisadas por essa lógica, as instituições de bem-estar pertencem
ao subsistema integrativo, já que a sua principal função consiste em
. manter o conflito e a desarmonia social em níveis mais baixos possíveis.
Este é um raciocínio que permeia grande parte das análises atuais sobre
política social.
Mas a intervenção social institucionalizada, com vista ao bem-
estar, é um fato que entrou posteriormente nas elaborações teóricas de
Parsons e, mesmo assim, de forma tangencial. Na verdade, tal assunto
só veio a merecer maiores considerações na obra de seu discípulo
Smelser.
u Consoante com o esquema sistêmico parsoniano, pode-se deduzir
que o bem-estar assumido pelo Estado trata-se de um evento relaciona-
do às mudanças nos arranjos institucionais prevalecentes e, como tal,
algo que deve ser explicado dentro do processo de diferenciação social,
responsável pela maior especialização das funções de integração. Essa
explicação conduz, necessariamente, a se procurar relacionar a teoria
parsoniana com a realidade histórica do Estado Socialnos Estados Uni-
dos, pois, se esta teoria relutava em reconhecer relevância ao Welfare
State - que ganhava corpo na própria pátria de Parsons -- é interessan-
te saber o que o levou, posteriormente, a mudar de idéia.
Sabe-se que na década de 1930,durante a Grande Depressão eco-
nômica, a teoria de Parsons quase nada tinha a ver com os requeri-
mentos exigidos por um incipiente Estado Social. "Como não acredita-
va ser possível resolver a crise com os intentos da ajuda social do New
Deal, a sociologia voluntarista de Parsons se orientou a determinar que
era necessário integrar a sociedade apesar das privações gerais"
(Gouldner, p. 137).
Contudo, as marcas da Grande Depressão continuaram nosEsta-
dos Unidos, mesmo após a Segunda Guerra Mundial, no início dos anos
1940,e a conseqüente prosperidade econômica americana. "A legislação
do New Deal havia promovido novas expectativas e novos interesses
criados entre os profissionais da classe média, assim como da class
operária que havia captado um vislumbre do que o t d podia faz r
POLíTICA SOCIAL
117
por ela" (Gouldner, p. 136).Foi aí que o Estado social ganhou visibilida-
de nos Estados Unidos e se impôs como fato social aos cientistas sociais.
Em vista disso, o enfoque sistêmico de Parsons teve de incorporar
novos elementos, até então não estudados de forma sistemática, tais
como: o poder, o governo e sua relação com os direitos de cidadania. Nesta
fase aparece de maneira mais clara a sua disposição de privilegiar o sis-
tem~sobre os indivíduos, em vista de sua manutenção, apoiado no con-
sentImento de seus integrantes.
Essa visão da solidariedade societal correspondia ao interesse prático do
Estado Bem-Feitor em achar maneiras de obter lealdade e conformidade
e a sua premissa operativa segundo a qual a estabilidade da sociedade se
reforça mediante a conformidade às expectativas "legítimas" de estratos
sociais despossuídos, dos quais se espera, por sua vez, que aceitem vo-
luntariamente a ética convencional (Gouldner, op. cit., p. 138).
Esta é a razão porque, só depois da Segunda Guerra Mundial,
Parsons se interessou por teorias como a do inglês T.H. Marshall, que
incluía nos direitos de cidadania os direitos sociais, reconhecendo, da
mesma forma que o autor inglês, serem estes alvo de atenção pública.
Além disso, admite ser necessária a existência de um governo mais forte
do que os tradicionalmente existentes e a confiança nele depositada pelo
povo (Parsons, 1960).
Iss~, sem dúvida, representou uma mudança significativa nos pon-
tos de VIstade Parsons, embora não indique uma reestruturação de seu
esquema teórico. Na verdade, mesmo admitindo novas categorias ana-
líticas, os seus quatro pré-requisitos funcionais permaneceram os mes-
mos para todas as sociedades, em qualquer momento histórico. O que
mudou foram as suas explicações dos arranjos institucionais por meio
dos quais novas e diferentes funções seriam executadas, como pode ser
at stado na sua análise sobre poder.
!\í,
Ib 1st 'I
u xame girou em torno do sistema político, como um
t rica m nt rr pond nt ao da conomia, dando gran-
POTYARA PEREIRA
118
de ênfase à comparabilidade entre o conceito econômico de mediação
(no sentido de distribuição) e o de poder político. Neste particular tem-se
a impressão de que ele pretendeu solucionar o velho dilema referente à
natureza do poder, que é o de definir se ele é um fenômeno de coerção ou
de consenso. Na sua ótica, entretanto, o poder seria as duas coisas, já
que, em sua estrutura lógica, é um meio generalizado do processo polí-
tico, tal como o dinheiro é um meio generalizado do processo econômi-
co. Sendo assim, o· poder é por ele considerado um meio simbólico ge-
neralizado que circula e opera no processo de interação social, não lhe
interessando saber quem é dominante e dominado, qual o grau de poder
do d9minante, ou que conseqüências decorrem dessa polarização. O que
mais lhe interessa demonstrar é que o poder, como o dinheiro, é um
insumo (input) que pode ser combinado com outros elementos para pro-
duzir certos tipos de produtos (outputs) funcionais (Gouldner).
Percebe-se, assim, que mesmo sofisticando a sua análise a respeito
do poder, a íntegração social continua sendo uma necessidade imperio-
sa em sua teoria, à qual devem estar submetidos todos os fatos sociais
emergentes, inclusive o bem-estar.
Demonstrando maior preocupação com a análise do bem-estar,
Smelser desenvolveu um raciocínio que, embora continue privilegian-
do a integração social, encara o desenvolvimento como uma relação con-
flituosa entre diferenciação e integração, redundando na união entre
estruturas diferenciadas de sociedades, sobre novas bases.
Assim, para Smelser, a mudança da indústria doméstica para a da
produção fabril, por exemplo, criou problemas de integração. Os meca-
nismos integradores que funcionavam no âmbito doméstico, mediados
por parentes, vizinhos e conjuntos pré-modernos de relações, tornaram-
se obsoletos ante o desenvolvimento industrial. Contudo, esse processo
deu nascimento a várias instituições e organizações que, embora dife-
rentes das anteriores, cumpriram função integradora tão eficaz quanto à
exercida por aquelas. É o caso das Agências de Recrutamento e Inter-
câmbio, dos Sindicatos, da regulação do governo por meio de políticas
_ in lu iv a ia] -, da 5 i dad d o p raçã (Mi hra. 1 ).
POLíTICA SOCIAL 119
Implícita nessa visão de mudança, via processo de diferenciação e
recomposição da integração sobre novas bases, está a análise do bem-
estar como mecanismo integrador nas sociedades complexas, mas em
interdependência com as demais funções básicas do sistema. Desse modo,
nas sociedades industrializadas, diferentes instituições desenvolvem o
bem-estar como reforço adicional à família e aos grupos de parentesco,
que ainda permanecem como uma estrutura importante de suporte aos
indivíduos. Esta é a razão porque várias organizações formais e infor-
mais, de cunho religioso ou laico, oferecem resposta às necessidades
que, nas sociedades primitivas, dada a ausência de especialização, eram
supridas pela comunidade e pelo parentesco. Nesse estágio de desen-
volvimento, a religião, segundo Smelser, assumia um papel importante
no processo de integração, pois é justamente ela - como organização e
conjunto de crenças - que simboliza e articula a idéia de comunidade.
Nessa fase, portanto, ela apresenta funções diferentes das que exercia
nas sociedades simples, nas quais era vista mais como conjunto de cren-
ças do que organização preocupada com o bem-estar (Mishra).
Todavia, na sociedade industrial, conforme salienta Smelser, novas
modificações foram introduzidas. Aumentou a especialização no traba-
lho ao tempo em que se intensificaram a complexidade social, a mobili-
dade espacial e ocupacional, fazendo com que a família, a comunidade e
a própria igreja se enfraquecessem como organizações integradoras. Em
compensação, novas estruturas especializa das e institucionalizadas sur-
giram e se ocuparam do bem-estar, vinculadas não só ao Estado, mas
também à empresa e a várias associações voluntárias. Foi nesse estágio
que se destacou a intervenção do Estado Social, acompanhada da ação
assistencial de organizações particulares como o mecanismo integrador
por excelência da sociedade industrializada.
Esta é a visão funcional mais divulgada do papel do Estado Social,
chegando a influenciar análises que, mesmo se auto denominando de
antifuncionais, enredaram-se nas malhas do raciocínio linear e evolutivo ,
.t ra d senvolvido por significativa parcela dos mais atuais esfor-
ri
POTYARA PEREIRA
120
4. Abordagem marxista e a questão do Estado social
Alicerçada em outros pressupostos, a teoria aqui chamada de m~r-
xista coincide, pelo menos num ponto, com as teorias tratadas na seçao
anterior: seu pequeno interesse pela análise do Estado Social.
Mas, antes de se apreciar a contribuição que essa teoria, ainda que
indiretamente, legou ao estudo da política social, convém fazer um es-
clarecimento a respeito do que se está denominando de abordagem
marxista. Trata-se, sem dúvida, do próprio pensamento de Marx e da-
queles autores que, mesmo introduzindo em seus estudos novas cate-
gorias::deanálise, mantêm suas idéias básicas alicerçadas no pensamen-
to marxiano."
Partindo de Marx, tem-se que a discussão a respeito do bem-estar
desloca-se do âmbito do Estado para o da sociedade. Isso porque, pre-
vendo a extinção do Estado, Marx não vê como se daria o bem-estar ~o
marco das atividades estatais. O Estado, para ele, tem o mesmo efeito
dominador em qualquer regime, não importam as formas~e g~vemo
que venha a apresentar: é sempre um instrumento de domm:çao e de
manutenção da estrutura de classes. Assim, somente quando o Estad~
for superado e substituído por uma sociedade sem classes, conhecer-se-a
o bem-estar.
Entretanto, além de suas convicções intelectuais e políticas contra o
Estado e, conseqüentemente, contra o capitalismo, um outro fato deve
ter contribuído para o desinteresse de Marx pela análise do Esta~o ~o-
cial: em sua época, tanto as instituições de bem-estar quanto as propn~s
políticas sociais eram escassamente desenvolvidas, a~esar da.,expressao
que a intervenção estatal vinha ganhando desde os fins do seculo XIX.
8. Tal ressalva justifica-se dada a multiplicidade de tendências ma~xistas que se desenvolve-
ram através dos tempos _ cada uma delas julgando-se a vercladcira intérprete de Mar~ ~ a pont~
de o marxismo se constituir, hoje em dia, em campo de disputas entre correntes ~ompetltJ.vas. É. por
. o ciente de que a escolha dos autores que irei analisar não esteja unune a críticas,
ISSO que, mesm .. - d f'd
acredito que a convergência de postulados básicos é o melhor critério de id ntificaçã a 1111 a-
d s ntr fundad r s s gllidor s d 88 para ligrn .
POLíTICA SOCIAL 121
Com efeito, se se quiser detectar o interesse de Marx por algum
aspecto relacionado à ação interventora do Estado, no campo social, será
na legislação fabril que se deverá deter (Mishra). Aí ele parece ter sido
ímpar, dentre os principais teóricos clássicos, no empenho em analisar
com detalhes os Atos de Fábrica e retirar frutíferas ilações a respeito das
possibilidades de desenvolvimento do bem-estar nas sociedades capita-
listas. Foi nesse trabalho, caracterizado como uma espécie de estudo de
caso, que Marx dá a impressão de reconhecer na legislação fabril um
passo positivo em direção a reformas sociais no capitalismo. Para ele, de
fato, a legislação fabril foi a primeira reação consciente e sistemática dos
trabalhadores contra as condições espoliadoras de vida e de trabalho a
que estavam subjugados (Marx, 1975a: 402), não importa que outros
grupos e classes sociais tenham apoiado (estrategicamente) tal legisla-
ção - como foi o caso da aristocracia agrária. O significativo para ele foi
a ação da classe trabalhadora na conquista dessa legislação.
No entanto, essa postura de Marx em relação ao caráter reformista
da legislação fabril constitui um ponto polêmico quando a comparamos
com as suas propostas de mudança revolucionária." Como diz Mishra,
um exame menos atento, neste particular, parece indicar que Marx pos-
sui duas visões de mudança: uma, revolucionária, resultante do con-
fronto entre forças produtivas e relações de produção (com superação
desta) e, outra, reformista que, no caso da legislação fabril, parece indi-
car um processo desenvolvimentista em que as mudanças se dariam
gradualmente, mediante a ação da classe trabalhadora dentro da pró-
pria lógica do sistema capitalista.
De fato, Marx encara com otimismo as reivindicações dos trabalha-
dores contra o Estado, no século XIX,para que este criasse medidas
9. "Por reformismo entende-se (...) uma corrente política dentro do movimento operário que
nega a necessidad d luta de classe, da revolução socialista e da ditadura do proletariado e pensa
que pode cons gulr o socialismo unicamente com reformas, em colaboração com outras classes
( ... ). 01110 X rnplu ~I H 11'II1Wli'(1~ OIT·nt s reformistas, têm-se, entre outras, a dos bernsteinianos
\ I nutsktanos, no i\h\lllilllhll; u ilt'onol1'\lstas os 111 nch viques na Rússia: e os austromarxístas, na
Ali ll'll1" (I<. \1'1\11111, I 1/7 11)
122 POTYARA PEREIRA
limitadoras dos abusos nas relações de trabalho da época, mas o faz com
reservas. Para ele, tal mobilização trabalhista representou um passo ini-
cial para a explicitação de contradições no capitalismo, cujo enfrenta-
mento era considerado um caminho histórico importante para a disso-
lução dessa forma de produção e estruturação de uma nova forma (Mar x,
. p. 90). Com isso, toma-se evidente que, na visão de Marx, a legislação
por si só não traria a justiça almejada pelos trabalhadores, já que ela
seria administrada por frações da burguesia que fazem parte do próprio
Estado como seu comitê executivo. Daí as denúncias por ele feitas ao
descumprimento das leis com a complacência do Estado, bem como das
manipulações e das formas capciosas de se apurar irregularidades, pra-
ticadas pelas autoridades parlamentares, em detrimento dos interesses
dos trabalhadores.
c
Disso resultou o seu ceticismo não só a respeito da eficácia da legis-
lação fabril, mas de toda e qualquer medida de bem-estar realizada numa
sociedade de classes, porque, neste tipo de sociedade, a ausência de pro-
teção social efetiva das massas, ou mesmo dos trabalhadores, constitui
um fenômeno próprio do modo de produção capitalista. Por isso, neste
sistema, haverá sempre pobres, não obstante a utopia das reformas das
condições burguesas de exploração. Seguridade para todos, no seu pon-
to de vista, só ocorrerá quando existir a propriedade coletiva dos meios
de produção, o que significa que, do produto total do trabalho se obte-
nham os meios para o sustento dos incapazes de trabalhar e para a ma-
nutenção de instituições como escolas e hospitais (Marx, 1975b).
Contudo, ao mesmo tempo em que ressalta o poder do Estado so-
bre a classe trabalhadora e o controle que aquele exerce sobre esta, por
meio de medidas reguladoras de reprodução social, Marx deixa claro na
sua análise sobre o Estado que este é necessário ao movimento histórico
que conduzirá a uma sociedade sem classes. Em outros termos, coeren-
te com a sua idéia central de que a passagem para o socialismo se daria
quando se concretizassem todas as etapas do processo de formação do
capitalismo, ele vê a existência do Estado burguês - resultante da rela-
ção entre forças econômicas e formas políticas - C011'1O uma up I' tru-
tura imp rt nt que, a gOl!' ntir r pr li. d. ) ~it I
POLíTICA SOCIAL 123
acumulação, acentua as contradições do sistema capitalista, contribuin-
do para a sua deterioração. E mais, que nesse contexto relacional entre
estrutura e superestrutura, o Estado não se constitui um fato supérfluo
e separado da sociedade civil.
Na verdade, a sociedade civil, isto é, as relações econômicas, vivem no
quadro de um Estado determinado, na medida em que o Estado garante
aquelas relações econômicas. Pode-se dizer que o Estado é parte essen-
cial da estrutura econômica, é um elemento essencial da estrutura econô-
mica, justamente porque a garante (Gruppi, 1987:27).
Há, portanto, na dinâmica do funcionamento do Estado capitalista,
a existência de contradições, assim configuradas: a máquina estatal ser-
ve amplamente aos interesses da classe dominante, mas a sua própria
universalização exige que ele dê atenção à sociedade como um todo.
Assim, da mesma forma que ele ajuda a explorar os trabalhadores, tem
de atender as suas reivindicações.
Está implícita neste raciocínio a idéia da existência de dois níveis
de contradições que vão ser exploradas pelos seus seguidores, especial-
mente Poulantzas (1981): o das contradições principais, resultantes da luta
entre classes antagônicas, e o das contradições secundárias, resultantes das
relações contraditórias entre classes e frações de classes no próprio seio
do Estado. Estas contradições são aguçadas pelas principais que, por sua
vez, são as responsáveis reais pelas mudanças revolucionárias que de-
verão ocorrer no sistema capitalista, redundando na sua extinção. E foi a
este tipo de contradição que Marx deu maior atenção.
Vê-se, então, que a idéia de revolução em Marx é a pedra angular de
sua teoria e está presente, de forma coerente, em toda a sua obra, in-
cluindo os escritos de sua juventude.
Tal idéia parte do princípio da crítica desenvolvido pela esquerda
h geliana, mas tomado por Marx em sentido mais amplo e dentro dap r p tiva mat rialista. Para Marx, o poder material deve ser destruí-
I p r m t ri I, viabilizando-s tal destruição pela "práxis revo-
I I i /1. I'i li, Gi, I )1' lU I no nt vi t , a r v lução precisa de
124 POTYARA PEHIIKI\
um protagonista que seja capaz de empreender o ato da auto-realização
do homem. Esse protagonista é o proletariado que, por ser injustiçado,
converte-se em libertador dos oprimidos, depois de superada a sua auto-
alienação.
Nessa postura humanística do jovemMarx, detectável em suas obras
A Questão Judaica e a Crítica à Filosofia do Direito de Hegel, já se vislumbra
o princípio da luta de classes que, posteriormente, vai constituir um dos
fundamentos de sua postura revolucionária. Mas, nessa postura perce-
be-se, também, ao lado da perspectiva objetiva da revolução, um rasgo
subjetivo, haja vista que, no seu entender, a revolução é determinada
por condições materiais, porém reforçada por elementos imateriais en-
tre os quais a vontade. Esta é uma outra questão polêmica em torno de
Marx, já que a sua referência à vontade no processo revolucionário tem
sido alvo das mais diferentes interpretações.
Porém, o que é nítido e pacífico em sua obra é a concepção de que
a revolução é o resultado de um processo histórico que se desenvolve
dialeticamente, graças ao choque entre forças produtivas e relações de
produção, sem descartar o papel das forças vivas no movimento da his-
tória. Disso se conclui que a história e a vontade são dois elementos
presentes na teoria revolucionária de Marx e do marxismo, podendo ser
detectados, juntos ou não, em várias passagens do pensamento do mes-
tre e de seus seguidores, o que afasta qualquer laivo de mecanicismo
nestes autores. Assim, na polêmica travada com Proudhon em A Miséria
da Filosofia, Marx fala da oposição entre proletariado e burguesia como a
luta de classe contra classe que, levada a sua mais alta expressão, signi-
fica a revolução total na qual aparece o choque do "homem contra o
homem como última solução". E no prólogo de O Capital, ele fala da lei
econômica do movimento da moderna sociedade como uma tendência
que não comporta saltos nem variações fora das fases naturais de seu
desenvolvimento.
Com Engels, Marx refere-se à revolução como um processo com-
posto de elementos econômicos, culturais e políticos que s influenciam
mutuamente, t ndo, porém, no econômico, o det rmii < t prin ipal.
1'01 III( A ~ IAL 125
Nesse sentido, são as modificações das forças produtivas que revolucio-
nariam o processo de trabalho, derivando daí repercussões sobre outras
instâncias. Todavia, essas modificações não são produtos de processos
naturais que se realizam independentemente da vontade; para que haja
t~ansformação das forças produtivas, é necessária a participação cons-
CIentedas classes subalternas. A mobilização das massas trabalhadoras,
imersas no progresso econômico, dá-se justamente pela tomada de cons-
ciência da miséria crescente do proletariado nessa situação de progres-
so. A necessária e crescente consciência do homem no processo de traba-
lho se converte na consciência do processo de trabalho. Daí que o cho-
que entre as forças produtivas e relações de produção se caracteriza tanto
como um processo revolucionário que se dá objetivamente como uma
ação subjetivamente conduzida.
_ Dessas colocações deduz-se que, para Marx, a pobreza e a riqueza
sao resultantes do modo de produção de uma dada sociedade e que, sob
a exploração capitalista, o bem-estar é sempre uma conquista da classe
trabalhadora. Isso porque, no sistema capitalista, a gestão da riqueza
deixada à mercê dos mecanismos impessoais do mercado, não leva em
conta as necessidades humanas e o princípio da cooperação. Pelo con-
trário, impera, sob tal regime, a coerção e a competição. Sendo assim, os
valores do bem-estar não podem fazer parte desse tipo de sociedade.
Para que haja prevalência desses valores torna-se necessário que a pro-
dução seja regida por um critério social e a distribuição pelos imperati-
v?s das necessidades humanas. Isso, por seu turno, requererá que o domí-
mo do mercado, da propriedade privada dos meios de produção e da
produção para o lucro seja extinto e haja o controle comunal sobre as
condições de trabalho e de vida. As condições para tal transformação,
segundo Marx, já estão presentes na própria sociedade capitalista, de-
vendo apenas ser acionadas. Esta deve ter sido a razão por que Marx
prestou pouca atenção às Poor Laws e às políticas de saúde, de educação
pública, e d habitação, realizadas no século XIX,preferindo, ao contrá-
rio, encar I' OS pr 1 mas que as ensejaram como peças de acusação con-
tra o L t n 11 H li t contra a plausibilidade das reformas sociais.
M" 11)( \I ('I, ( li! lu t I nt aí o mbrião de uma possível teoria
-------------------==-~-==========------------
126 POTY ARA PEREIRA
marxista da sociedade de bem-estar que, embora negadora do Estado,
encontra-se na base desta Instituição. Está aí também a explicação fun-
damental para que se possa entender os dilemas e as limitações da polí-
tica social no capitalismo, trabalhados mais profundamente pelos segui-
dores de Marx.
Pode-se dizer que foi a partir dos anos 1960 que houve no campo
marxista um despertar de interesse teórico pela intervenção social do
Estado e, conseqüentemente, pelo chamado Estado de Bem-Estar. Afi-
nal, as mudanças verificadas na estrutura e nas competências do Esta-
do, inexistentes na época de Marx, precisavam agora ser explica das,
dando-se ênfase aos aspectos políticos e sociais presentes no funciona-
mento do Estado capitalista. Assim, os desenvolvimentos teóricos mar-
xistas têm procurado compensar a falta de teorização acerca das insti-
tuições políticas com um debate que, não muito diferente das preocupa-
ções liberais a respeito da controvérsia entre elitismo versus pluralismo,
visualiza o Estado ora como um Estado capitalista tout court, ora como
um Estado na sociedade capitalista, rechaçando as duas principais pos-
turas hoje consideradas limitadas: a que considera a mudança política
como puro resultado' da ação das classes sociais; e a que vê o Estado
como o condutor de todo o processo de mudança porque as classes so-
ciais são débeis.
No cerne dessas preocupações está, sem dúvida, a postura teórica
e metodológica de, ao rechaçar as polaridades entre Estado e Sociedade,
ou a mera luta de classes contra classes, delinear o espaço ou as arenas
dentro das quais ocorrem relações contraditórias de poder, ou relações
de forças decorrentes das contradições principais e secundárias, a guisa
de Poulantzas (1981), bem como a maneira como se dão essas relações.
Por essa visão, não apenas deverá ser privilegiado o processo histórico
da intervenção do Estado - como já é usual nas análises mais recentes
do desenvolvimento político, por parte daqueles que começaram a ne-
gar a eficácia explicativa das teorias sistêmicas" - mas analisar as cone-
10.É o os d l luntlngt n, Apt 1',Barrlngto: Moor )1'., ntr LI!!' s,
POLíTICA SOCIAL 127
xões entre os que têm poder (dentro do aparato do Estado) e os que se
encontram alijados dele. Ou seja, interessa saber quais são e como se
dão os mecanismos específicos de poder no contexto do capitalismo
avançado.
A descoberta dos trabalhos de Gramsci foi, inegavelmente, o fator
decisivo para a adoção dessa postura analítica. Foi a partir dele que se
começou a questionar a validade de se pensar a esfera política como
uma dedução quase que automática da infra-estrutura econômica. Com
Gramsci foi possível conceber o Estado como uma esfera passível de
possuir autonomia, mesmo que relativa, colocando-se acima e além da
sociedade civil em situações de crise de hegemonia e, portanto, de insta-
bilidade. Mas, tal autonomia, ao mesmo tempo em que decorre da capa-
cidade organizacional do Estado frente às forças sociais conflitantes, re-
sulta também do apoio que este recebe dos estratos sociaismais impor-
tantes sediados no pacto de dominação. Sendo assim, tal autonomia não
pode ser vista dissociada da sociedade.
Foi com base nessas formulações que grande parte dos marxistas
preocupados com a questão do bem-estar desenvolveu as suas reflexões.
Uma das mais antigas análises marxistas sobre o welfare state é de
[ohn Saville (Mishra, 1982). Combatendo, como já comentado, a visão
social-democrata do welfare state do segundo pós-guerra, de que este
seria um produto do movimento socialista e que, no que tange à seguri-
dade e à igualdade, teria alcançado avanços significativos, apresenta
argumentos que contradizem essa visão. Para ele, o desenvolvimento
do Estado Social é o resultado da interação de três principais fatores: a
luta da classe trabalhadora contra a sua exploração; a necessidade do
capitalismo industrial em possuir uma força de trabalho cada vez mais
produtiva; e o reconhecimento da classe proprietária de que é necessá-
rio pagar um preço pela segurança política do regime. Eis porque, mes-
mo sendo um resultado da luta operária - fato que Saville, como mar-
xi ta, enfatiza - as políticas de bem-estar, a seu ver, não deixam de ser
um rranjo da burocracia estatal (e, portanto, da classe média que a com-
) rvi d a urnulação da estabilidade política. Sendo assim,
POTYARA PEREIRA
128
, . _ absolutamente, a estrutura de classe
além de tais polIt~ca~nao ~feta:;: oneram a classe trabalhadora, já que
da sociedade capitalIsta, e as ai (5 -U 1996).
_ de parte, financiadas por essa classe aVI e,
sao, em gran ff elegeram como
De forma semelhante, autores c~mo Ddo~~W' J:a~chegam à mes-
/1' texto norte-amencano 'foco de ana ise o con. _ d E t do inclusive na esfera social,
ma conclusão de que a mtervençao o s a, .'
visa à manutenção e à reprodução do sistema capitalIsta. .'
. torno do intervenClOnlSmO
C t do os argumentos marXIstas em
on u, ando-se mais complexos e passaram a incorporar ca-
estatal foram tom _ I' 'tas na teoria de Marx e/ . ar nao estarem exp lCI
tegorias analíticas que, P lvi t dessa teoria. É o caso de
- .d d s desenvo VImen os
Engels, sao const era a d d 'd/ gramsciana de autonomia relativa
Ia retoma a a 1 em dPou antzas, com f A •a às crises fiscais do Esta o
d O'C nnor com a sua re erenctdo Estado; e o, fl - sobre os mecanismos se-
Cl Off com a sua re exaobem-feitor; de auss e,. _ t 1 de Gough considerado por
d dommaçao esta a , e ,
letivos do processo, e lh b dagem marxista da economia
5aville (1996) o realizador da me or a or
política do Welfare State, nos fins dos anos 1970. O'C
Vejam-se, sucintamente, as contribuições de poulandtzasg:andeo:~~
. -:=J d rimeiroll Claus Offe - que eu
para, a segillr, falar-se o P d ( lhe garantem caráter de elas-
ção aos processos internos:od~:t~e:_~~:xistas europeus que, como já
se) - e de Ian Gough, u Off m grupo de críticos do sistema
.' f omO'Connore eu .
mdIcado, ormou ~ O'G ffe _ amálgama (acrossemia) das pn-
capitalista, conheCIdo como o A
meiras sílabas dos sobrenomes dos tres autores- . d
fIações marxianae e(1981' 91) extrapolando as ormupoulantzas ., t . 1 a'dID1'te-o em certos casos, tal
do é d to da base ma erra , 'que o Esta o e pro u . relativa Desse modo, argu-. dotado de autonomIa .como GramsCl, como , . . trumento de capitalis-
d - 'um utenslho ou um ms
menta que o Esta o nao e lh do Estado mas está compro-
..' param o apare o ,tas indIVIduaIs que ocu . te) com os interesses da classe
metido (mais política do que economlcamen
. Hoie ele defende um socialism que nã romp
11. Claus Offe identificado c.orn~:.:rx:::~~mo ~6s-industrial (v r tuu , I 8).
om a lógico 10 m r ado, d nomllla ' e
POLÍTICA SOCIAL
9
129
capitalista. Nesta perspectiva, o Estado capitalista expressa um caráter
de classe, possibilitando, dessa forma, a dominação política da burgue-
sia sobre a sociedade, já que esta seria incapaz de governar diretamente.
Em vista disso, a autonomia do Estado não se daria como algo externo
às classes representadas no bloco no poder, mas resultaria da dinâmica
interna do Estado ou das contradições secundárias presentes no seu in-
terior - que contrapõem frações de classes entre si.
Esta autonomia semanifesta concretamentepelas diversasmedidas con-
traditórias que cada uma dessas classese frações,pela estratégia especí-
fica de sua presença no Estado e pelo jogo de contradiçõesque resulta
disso, conseguem introduzir na política estatal, mesmo sob a forma de
medidas negativas: a saber,por meiode oposiçõese resistênciasà tomada
ou execuçãoefetivade medidas em favor de outras fraçõesno bloco do
poder (é, particularmenteo caso,hoje em dia, das resistênciasdo capital
nãomonopolistafrenteao capitalmonopolista).Essaautonomiado Esta-
do em relaçãoa tal ou qual fraçãodo blocono poder existe,pois, concre-
tamente comoautonomia relativa de tal ou qual setor, aparelho ou rede
do Estado em relaçãoaos outros (Poulantzas, p. 155-6).
Mais interessado em apontar as contradições e crises do Estado de
Bem-Estar, O'Connor (1977) argumenta qu~ as duas principais funções
por ele assumidas - a acumulação, visando o crescimento econômico
mais generalizado, e a legitimação, visando à criação de condições de
harmonia social- são mutuamente contraditórias. Isso porque, enquan-
to que os gastos do Estado relacionados às primeiras funções tendem a
crescer, as possibilidades de se levantar recursos adequados e suficien-
tes para arcar com esses gastos tendem a diminuir, já que o excedente
econômico continua sendo apropriado pelos grupos privados. Há, por-
tanto, uma tendência dos gastos públicos a crescer mais rapidamente
do que os meios para financiá-los, gerando crise fiscal. Tal crise, entre-
tanto, tende a exacerbar-se pela pressão de vários interesses específicos
br o orçamento público, visto que não só os pobres, os desemprega-
trabalhadores exigem participação nos gastos estatais, mas tam-
raç a indústrias. E desde que tais exigências são rea-
;0 POTYARA PEREIRA
.zadas por meio do sistema político (e não só do mercado) não há o
quilíbrio idealizado; há, sim, crise e instabilidade fiscal, ameaçando a
,iópria base produtiva.
Essa é, segundo Mishra (1989), uma das raras contribuições à eco-
iomia política do Estado Social, de corte marxista.
Offe, por sua vez, no intento de ir mais além das explanações ge-
"ais sobre o papel do Estado capitalista e das relações de poder tratadas
oor outros autores contemporâneos, construiu um modelo de análise da
estrutura interna do Estado e da sua racionalidade administrativa (Offe,
L972).
Este autor introduz a idéia da dominação estatal através de processos
seletivos, o que implica dizer que o Estado tem que extrair de interesses
muito limitados e específicos dos grupos dominantes um interesse de
classe geral, ao mesmo tempo em que assegura a exclusão de interesses
anticapitalistas - o 'segundo mecanismo seletivo (Boschi, 1979: 44).
Em outras palavras, esses mecanismos que envolvem uma ampla
gama de arranjos institucionais dentro do aparelho do Estado, op'~ram
em um sistema hierarquizado de filtro contendo quatro níveis (estrutu-
ra, ideologia, processo e repressão) cada um servindo para excluir os ele-
mentos não filtrados :f)elas instâncias anteriores. Assim, a estrutura de
cada sistema político constitui um espaço consolidado institucionalmente
onde coexistem formalmente premissas e bloqueios à ação institucional.
Dessa forma, ela inclui elementos como garantias constitucionais à pro-
priedade privada, excluindo, portanto, uma ampla variedade de políti-
cas anti-capitalistas da agenda do Estado.
Se, porém, algumas políticas escapam à estrutura, elas podem ser
controladas por mecanismos ideológicos caracterizados por normas ideo-
lógicas e culturais que restringem certas medidas sancionadas pela es-
trutura. Desse modo, "somente uma parte da política estruturalmente
possível pode ser atualizada, no contextodas restrições normativas vi-
gentes" (Offe, P: 15). Além disso, regras pr u i, u s ja, procedi-
m nto d t ma d d i ã P llti ti ri! I 01 II 'I) me i nt qus i
-- -----------------------
POLíTICA SOCIAL
131
é assegurad~ tratamento preferencial a certos temas e grupos de interes-
ses, e~ detrimento de outros. Relacionado a esse procedimento está o
conceIto de não-decisão, segundo o qual uma série de questões nunca
chega à arena decisória ~elevante, sendo, por isso, eliminada ou relega da
a segundo plano pelo SIstema político.
Finalmente, o aparelho repressivo entra em cena para excluir cer-
tas alte~nati~as que escapam ao controle dos demais níveis, por meio da
repressao direta realizada por órgãos policiais, exército ou justiça.
. Para da~ ~onta .desse tipo de explicação, Offe dá especial atenção ao
SIstema administrativo, embora não menospreze o sistema econômico e
o político. Resulta clara, assim, a sua ênfase no funcionamento do apa-
rel~o do Est~do corno uma forma de apreender os arranjos institucio-
nals. que estao por trás da definição de determinadas políticas. Nesse
sen~l~o, ele oferece também uma análise dos mecanismos de seleção
pOSItIVOSdo Estado caso essa seleção favoreça determinada classe. Con-
tudo, a seu ver, dadas às contradições internas ao Estado, é difícil o esta-
belecimento de um: política no in~eresse de todas as classes ou frações
~e classe ~ue co~poem o Estado. E por isso que o Estado tende a plane-
Jar com VIsta ao rnteresse do capitalismo como um todo, o que determi-
na a sua natureza de classe.
. Em que pese as dificuldades de demonstrar empiricamente o fun-
cionamenro desses mecanismos, em períodos não atravessados por cri-
ses, Offe mostra que tais mecanismos transformam o "Estado na socie-
dade capitalista" em um "Estado capitalista".
No que se refere ao Welfare State, Offe, assim como os demais auto-
res marxistas revisados, entende que, nas sociedades capitalistas avan-
çadas, (independentemente de elas serem Estados de Bem-Estar adian-
t~dos ou atrasados) há a coexistência contraditória da pobreza e da afluên-
CIa e, conseqü;n.temente, da lógica da produção industrial voltada para
o lucro, e da lógica das necessidades humanas, sem que a política social
resolv~ es:a contradição. ~fetivamente, se o desenvolvimento da políti-
ca ~lal nao pode ser explIcado, exclusivamente, a partir das necessida-
in] 1" d d ..man as SOCIaIS,mas pela transformação dessas exi-
132 POTYARA PEREIRA
gências em políticas, pela máquina estatal, resulta óbvio que tais políti-
cas não podem cumprir sua promessa de igualdade, de socialização dos
bens produzidos na sociedade e nem estimular sentimentos de confian-
ça, lealdade e esperança por parte dos despossuídos. Tal socialização,
quando há, tende a visar muito mais as empresas, o que, procedendo-se
uma avaliação de quem mais se beneficia com a política social, desco-
bre-se que o Welfare State é melhor definido" como o capitalismo para os
pobres e socialismo para os ricos" (p. 213).
Quanto a Gough (1979, edição inglesa; 1982, edição espanhola), sua
abordagem da economia política do bem-estar fez ressurgir, conforme
Cabrero (1982), estudos dessa natureza no âmbito da política social. Sua
grande contribuição consistiu em reorientar o predomínio da análise
marxista, de corte funcional, a respeito das origens, processamento e
conseqüências da chamada crise do Estado de Bem-Estar, nos fins dos
anos 1970, dando realce ao seguinte fato: de que o desenvolvimento do
Estado de Bem-Estar nas sociedades capitalistas avançadas reflete a na-
tureza da dinâmica dessas sociedades e de suas contradições. São essas
contradições, segundo ele, que permitem considerar o Estado de Bem-
Estar como um instrumento a serviço tanto dos interesses dos capitalis-
tas quanto das lutas políticas da classe trabalhadora organizada - rom-
pendo com a visão de que este Estado estaria apenas comprometido
com a burguesia. Nesse aspecto, Gough, à semelhança de O'Connor e
Offe, com os quais constituiu uma corrente de pensamento afim, confir-
ma o que sobre a sua produção se expressou Peter Leonard (1979):
todo trabalho marxista sensato e cuidadoso a respeito do Estado e da
economia tem que evitar cair tanto no funcionalismo quanto no volunta-
rismo, ou seja, tem que evitar contemplar o Estado de Bem-Estar como
totalmente opressivo ou como um bastião do socialismo dentro de uma
economia capitalista (p. 4).
Além disso, do ponto de vista metodológico, Gough demonstrou
que o estudo da política social imprescinde do conhecimento crítico da
relação entr conomia hi tóri ,a im m da c mpr li ~ t, I i
--------------------=-.
POLíTICA SOCiAL
133
do movim:nto do capital, por meio da qual o processo de constituição e
desenvolvImento dessas políticas - incluindo as lutas de classes - pode
ser adequadam~nte captado. Não foi à toa, pois, que este autor elegeu
como seu paradIgma de análise o materialismo histórico.
* * *
São estas, para efeitos de introdução à análise das teorias sociais
das políticas de bem-estar, as principais abordagens (marxistas e não-
marxistas) selecionadas, dada a sua presença, direta ou indireta, nas di-
ferentes tematizações dessa matéria ao longo do tempo. Mas, além des-
tas, outras aproximações teóricas, de cunho mais político, são compul-
sadas no estudo da relação contraditória entre Estado e sociedade, da
qual ~ecorre a política social como processo contraditoriamente estraté-
gico. E com o objetivo de abarcar um arco mais amplo de análise sobre
a~ preco~d~ções para o surgimento da política social que se desenvolve-
ra, no proximo capítulo, uma reflexão sobre o Estado versus Sociedade
pondo de relevo, igualmente, as principais análises clássicas e contem-
porâneas.
. E isso será feito com a intenção de fornecer explicações teóricas
mais amplas sobre um tema que, de regra, tem sido pensado e tratado
de forma pragmática.

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