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CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” (ESPECIALIZAÇÃO) A DISTÂNCIA BOVINOCULTURA LEITEIRA: MANEJO, MERCADO E TECNOLOGIAS QUALIDADE E PROCESSAMENTO DO LEITE LUIZ RONALDO DE ABREU Universidade Federal de Lavras - UFLA Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - FAEPE Lavras - MG 2009 Parceria Universidade Federal de Lavras - UFLA Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão - FAEPE Reitor da UFLA Antônio Nazareno Guimarães Mendes Vice-Reitor da UFLA Elias Tadeu Fialho Diretor da Editora Renato Paiva Pró-Reitor de Pós-Graduação Mozar José de Brito Pró-Reitor Adjunto de Pós-Graduação “Lato Sensu” Paulo Henrique de Souza Bermejo Coordenadora do Curso Nadja Gomes Alves Presidente do Conselho Deliberativo da FAEPE Nadiel Massahud Editoração Centro de Editoração/FAEPE Impressão Gráfica Universitária/UFLA Ficha Catalográfica preparada pela Divisão de Processos Técnicos da Biblioteca Central da UFLA Abreu, Luiz Ronaldo Qualidade e processamento do leite/ Luiz Ronaldo de Abreu - Lavras: UFLA/FAEPE, 2009 – 1ª Ed. 86p. il. – Curso de Pós-graduação “Lato Sensu” (Especialização) a distância: Bovinocultura Leiteria: Manejo, Mercado e Tecnologias. Bibliografia: 1. Leite. 2. Qualidade. 3. Processamento. I. Universidade Federal de Lavras. II. Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão. III. Título. CDD – 637.1 Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida, por qualquer meio ou forma, sem a prévia autorização da FAEPE. S U M Á R I O PARCERIA.......................................................................................................................6 REITOR DA UFLA...........................................................................................................6 VICE-REITOR DA UFLA.................................................................................................6 DIRETOR DA EDITORA.................................................................................................6 PRÓ-REITOR DE PÓS-GRADUAÇÃO...........................................................................6 COORDENADORA DO CURSO ....................................................................................6 PRESIDENTE DO CONSELHO DELIBERATIVO DA FAEPE .......................................6 EDITORAÇÃO.................................................................................................................6 INTRODUÇÃO............................................................................5 ASPECTO FÍSICO-QUÍMICO.....................................................7 2.1 COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA ............................................................................8 2.2 CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DOS LIPÍDEOS DO LEITE.................................10 ASPECTO MICROBIOLÓGICO...............................................18 3.1 RESFRIAMENTO DO LEITE................................................................................22 3.2 COLETA DE LEITE A GRANEL............................................................................23 CONTAGEM DE CÉLULAS SOMÁTICAS...............................25 DEFINIÇÕES DO LEITE...........................................................30 5.1 SOB PONTO DE VISTA FISIOLÓGICO.................................................................30 5.2 SOB PONTO DE VISTA FÍSICO-QUÍMICO .........................................................31 5.3 SOB PONTO DE VISTA HIGIÊNICO......................................................................31 5.4 ANÁLISE DOS CONCEITOS..................................................................................31 5.4.1 Produto íntegro.............................................................................................31 5.4.2 Ordenha total................................................................................................33 5.4.3 Ordenha sem interrupção.............................................................................34 5.4.4 Bom estado de saúde...................................................................................34 5.4.5 Bem alimentada............................................................................................35 5.4.6 Sem sofrer cansaço......................................................................................36 5.4.7 Sem colostro.................................................................................................36 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 5.4.8 Recolhido e manipulado em condição higiênica...........................................37 PRODUÇÃO HIGIÊNICA DO LEITE........................................38 6.1 OBJETIVOS DA OBTENÇÃO HIGIÊNICA..............................................................38 6.2 MÉTODO DE LAVAGEM........................................................................................41 6.3 A ORDENHA...........................................................................................................41 6.4 O TRANSPORTE....................................................................................................42 6.5 CUIDADOS GERAIS...............................................................................................42 TRATAMENTOS DO LEITE ....................................................43 7.1 FILTRAÇÃO............................................................................................................43 7.2 RESFRIAMENTO....................................................................................................43 7.2.1 Clarificação ..................................................................................................43 7.2.2 Homogeneização do leite.............................................................................45 7.3 PASTEURIZAÇÃO..................................................................................................51 7.3.1 Introdução e definição...................................................................................51 7.3.2 Pasteurização do leite...................................................................................51 7.3.3 Métodos de Pasteurização.........................................................................54 7.3.4 Tipos de Pasteurização Lenta.....................................................................54 TERMIZAÇÃO DO LEITE.........................................................60 8.1 O QUE É TERMIZAÇÃO?.......................................................................................61 8.1.1 Qual o seu objetivo?.....................................................................................61 8.1.2 Em que condições deve ser utilizada?.........................................................61 8.1.3 Qual tipo de leite? ........................................................................................62 8.1.4 Qual tipo de equipamento?...........................................................................62 8.1.5 Qual o padrão enzimático?...........................................................................62 8.1.6 Qual o tratamento complementar?...............................................................62 COLETA DE LEITE A GRANEL..............................................64 ANEXOS...................................................................................66 8 Aspecto Físico-Químico COLETA DE LEITE A GRANEL: TANQUE DE EXPANSÃO NÃO SUBSTITUI OS CUIDADOS...............................................................................81 HIGIÊNICOS............................................................................81 REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS.........................................889 1 INTRODUÇÃO Um conceito bem aceito para o termo qualidade, é aquele que o considera como “O conjunto de características que diferenciam as unidades individuais de um produto e que tem importância na determinação do grau de aceitabilidade daquela unidade pelo comprador/consumidor. A qualidade do leite e de seus derivados está de forma crescente ganhando importância em toda a cadeia produtiva dessa atividade, englobando também o consumidor, que está cada vez mais atento à qualidade dos produtos que adquire, qualidade esta que, juntamente com o preço, determinam à competitividade de um determinado produto no mercado. Até pouco tempo o sistema de pagamento do leite levava em consideração somente o volume recebido pelos laticínios e em alguns casos o seu teor de gordura; dessa forma o produtor de leite tinha de se preocupar quase que exclusivamente em ter seu leite aceito (leite não ácido) na plataforma de recepção. Nos últimos tempos, entretanto, o sistema de pagamento do leite levando em consideração alguns parâmetros de qualidade está se tornando uma realidade em muitas regiões brasileiras, sendo a expansão desse sistema um fato que está e continuará acontecendo, a despeito das tradições e realidades regionais. A importância da qualidade do leite tem como base dois aspectos fundamentais. O primeiro refere-se ao fato do leite ser um alimento de extrema importância, por possuir elementos nutricionais necessários à manutenção da saúde, especialmente para as pessoas em fase de desenvolvimento corporal. O segundo porque o leite serve eficientemente como veículo de microrganismos patogênicos, muito dos quais causadores de doenças graves, como a tuberculose, brucelose, dentre outras. Junta-se a isso o maior rigor no controle de qualidade observado nos últimos tempos nas recepções dos laticínios. A não observação de certos pontos que interferem diretamente nessa qualidade, leva a maior ocorrência de rejeição do leite, causando prejuízos significativos para o produtor de leite. O conceito de qualidade do leite abrange o conjunto de atributos, os quais refletem tanto no leite fluido quanto em seus derivados, sendo que o consumidor diariamente avalia esses atributos; dessa forma não basta apenas ter no mercado EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite produtos de qualidade, mas também é necessário que esta qualidade seja constante, ou seja, é necessário que o produto tenha certo grau de padronização, pois o consumidor quando compra determinado produto, espera que da próxima vez esse produto possua a mesma qualidade. É importante ressaltar que os tratamentos dispensados ao leite, após a ordenha não podem melhorar sua qualidade, eles apenas têm o objetivo de mantê-la. Por outro lado, caso não se tome alguns cuidados, a tendência é uma perda considerável e constante da qualidade. Assim, a qualidade do leite é de responsabilidade, em primeiro lugar do produtor podendo ser reduzida por práticas inadequadas de ordenha, manipulação, alimentação, por adulteração, ausência de resfriamento imediatamente após a ordenha, etc. A responsabilidade da indústria é manter a qualidade do leite que chega à recepção, através de correta manipulação, estocagem, boas práticas de fabricação, além do controle de qualidade, cabendo ao distribuidor, a correta conservação dos produtos no mercado. Muitas vezes o produtor e a indústria fazem suas partes, mas quando chega ao mercado o produto é mantido de forma inadequada; não é raro o fato de estabelecimentos comerciais não exporem seus produtos em temperaturas adequadas, e alguns possuem a prática de desligar o “frio” das gôndolas durante a noite ou final de semana. O futuro da atividade leiteira depende em grande parte da capacidade dos órgãos governamentais em lidar com o setor, e da eficiência dos produtores, industriais e distribuidores, de produzir, industrializar e oferecer ao consumidor um produto de qualidade superior. A realidade brasileira pode trazer dúvidas quanto à aplicabilidade dessa almejada situação, entretanto com a abertura do mercado a produtos importados, a atividade somente sobreviverá com competitividade, quando os aspectos de qualidade forem realmente pensados como fatores integrantes e indispensáveis da atividade. Os especialistas na área de leite concordam que sua qualidade pode ser definida e medida levando em consideração cinco aspectos: • Composição química • Contagem total de bactérias • Contagem de células somáticas • Integridade (sem adição de água ou outras substâncias) • Aspecto estético (aparência). 6 2 ASPECTO FÍSICO-QUÍMICO Sendo o leite um alimento de alto valor nutritivo, principalmente para crianças, sua composição química é muito importante, pois a qualidade nutricional do leite depende da quantidade e distribuição de seus constituintes sólidos, sendo o teor de proteínas, lactose, gordura, sais minerais, etc., fundamental na determinação dessa qualidade. Além disso, o rendimento industrial do leite, ou seja, a quantidade de queijo, requeijão, doce de leite, leite em pó, etc., é diretamente dependente da riqueza do seu “Extrato seco total” (sólidos totais). Extrato Seco Total (E.S.T.) ou Sólidos Totais O E.S.T. Pode ser definido como sendo todos os componentes do leite menos a água. O teor de gordura é importante sob o aspecto nutricional, pois é fonte de energia e de ácidos graxos essenciais principalmente o linoléico. Entretanto, é causa de preocupação por alguns, visto que a própria energia é muitas vezes indesejável para pessoas que não querem engordar, associados ao fato da gordura do leite conter cerca de 0,3% de colesterol. No Brasil, o consumo de leite desnatado e semi-desnatado vem crescendo, devido principalmente aos problemas relacionados à gordura acima descrito. Consequentemente visa-se nesse caso o consumo dos constituintes existentes no Extrato Seco Desengordurado (Sólidos Desengordurados). Extrato Seco Desengordurado (E.S.D.) ou Sólido Desengordurado O E.S.D. é definido como sendo todos os componentes do leite menos a água e menos a gordura. Ou seja, o E.S.D. é o E.S.T. menos a gordura. Industrialmente a gordura possui uma grande importância, pois é a matéria prima para a elaboração da manteiga, além de entrar como um dos principais componentes de certos produtos como o queijo, requeijão, sorvete, doce de leite, iogurte, etc., embora alguns tipos desses produtos podem ser elaborados com leite desnatado. A gordura confere aos produtos sabor, aroma, untuosidade, melhora a consistência, a aparência geral, contribui com a coloração amarelada, etc. Sendo a gordura o componente do leite que mais varia em concentração e sendo fácil de ser retirada do leite, através de desnate, as indústrias se preocupam em analisar o leite recebido para verificar a sua concentração em gordura, pois quanto mais gordo for o leite, maior lucro ele vai dar, pois essa pode ser parcialmente ou totalmente removida e utilizada para a elaboração principalmente de manteiga. A composição química do leite não é um valor fixo, ao contrário, existe uma variação que pode ser devida a vários fatores, como a raça, diferenças entre indivíduos da mesma raça, ordem de parição, estágio de lactação, alimentação, estado de saúde do animal, primeira e segunda ordenha, regime de consumo de água, dentre vários outros. 2.1 COMPOSIÇÃO E ESTRUTURA A função do leite na natureza é a de nutrir e fornecer proteção imunológica para o mamífero na primeira fase de sua vida. O leite tem sido alimento para o ser humanodesde épocas remotas; desde o leite humano, de cabra, búfala, ovelha até o leite de vaca, hoje o mais consumido e processado em todo o mundo. É interessante observar que o leite e o mel são os únicos produtos cuja única função na natureza é a de servir como alimento. Sabidamente o leite possui um alto valor nutritivo, constituindo-se de um alimento complexo, com mais de 100.000 espécies moleculares já identificadas. Existe um grande número de fatores que afetam a composição do leite, tais como: espécie, raça, indivíduo, estágio de lactação, ordem de parição, manejo, alimentação, estações do ano, variações geográficas, primeira e segunda ordenha, estado de saúde da vaca, sistema de ingestão de água, dentre Aspecto Físico-Químico outros. Levando em consideração esses fatores de variação, a composição química do leite pode ser expressa somente em valores aproximados. Composição aproximada do leite de vaca. • 3.5 % de gordura (Variando de 2.4% - 5.5%) • 8.8% de sólidos desengordurados (7.9 - 10.0%): • Proteínas 3.25% • Caseína – 80% do total de proteínas • Proteínas solúveis (β-lactoglobulina e α-lactoalbumina) – 20% • lactose 4.9% • minerais 0.75% - Ca, P, citrato, Mg, K, Na, Zn, Cl, Fe, Cu, sulfato, bicarbonato, dentre outros • ácidos 0.14-0.18% - citrato, formato, acetato, lactato, oxalato • enzimas - peroxidase, catalase, phosphatase, lipase • gases - oxigênio, nitrogênio • vitaminas - A, C, D, thiamine, riboflavin, outras Lipídeos do leite O conteúdo de gordura do leite possui grande importância econômica, sendo o preço do leite, inclusive, determinado não só pelo seu volume mas, também, em relação ao seu teor de gordura. Os lipídeos se encontram no leite principalmente na forma de triglicerídeos (glicerol esterificado com três ácidos graxos). Os principais ácidos graxos do leite são: De cadeia longa • C14 – mirístico - 11% • C16 – palmítico - 26% • C18 – esteárico - 10% • C18:1 – oléico - 20% De cadeia curta (11%) • C4 - butírico • C6 - capróico • C8 - caprílico • C10 – cáprico O ácido butírico é característico da gordura do leite de ruminantes, sendo 9 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite responsável pelo aroma rançoso quando é ele é hidrolisado do glicerol, pela ação de lípases. Ácidos graxos saturados (sem dupla ligação), como o mirístico, palmítico e esteárico, correspondem a aproximadamente dois terços dos ácidos graxos do leite, sendo o ácido oléico (C18:1) é o mais abundante ácido graxo insaturado do leite. Na natureza a forma cis é o isômero geométrico quase que unicamente encontrado, entretanto, devido biohidrogenação que ocorre no nível de rúmen leva ao aparecimento de isômeros trans no leite de ruminantes, que podem perfazer um total de aproximadamente 5% de todas as duplas ligações. A gordura do leite é formada por aproximadamente 98% de triglicerídeos, os 2% restantes são formados por diglicerídeos, monoglicerídeos e ácidos graxos livres. A distribuição dos ácidos graxos no triglicerídeos, embora possa acontecer em centenas de combinações diferentes não acontece de forma aleatória. O tipo e a posição do ácido graxo esterificado ao glicerol são importantes para determinar as propriedades físicas desse lipídeo. Em geral, na posição SN1 do glicerol, está esterificado ácidos graxos de cadeia longa, ao passo que na posição SN3 esterificam na maioria das vezes ácidos graxos de cadeia curta ou insaturada. Por exemplo: • C4 - 97% estão esterificados na posição SN3 • C6 - 84% estão esterificados também na posição SN3 • C18 - 58% estão esterificados na posição SN1 A pequena concentração de monoglicerídeos diglicerídeos e ácidos graxos livres em leite fresco, pode ser devido a uma lipólise que acontece no leite ainda no úbere da vaca ou pode ser devido a uma síntese incompleta. Outras classes de lipídeos incluem os fosfolipídios (0,8%), que está associado principalmente com a membrana do glóbulo de gordura e o colesterol (0,3%) que está na sua maior parte localizado no centro do glóbulo. 2.2 CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DOS LIPÍDEOS DO LEITE Podem-se resumir as características físicas dos lipídeos do leite da seguinte maneira: • densidade a 15° C: 0,930 índice refratométrico (589 nm); • 1.462 o qual diminui com o aumento de temperatura solubilidade de água em gordura: 0.14% (p/p) a 20° C aumentando com a elevação da temperatura; 10 Aspecto Físico-Químico • condutividade térmica: cerca de 0.17 J m(-1) s(-1) K(-1) a 20° C; • calor específico a 40° C: cerca de 2.1 kJ kg(-1) K(-1); • condutividade elétrica: <10(-12) ohm(-1) cm(-1); • constante dielétrica: cerca de 3.1. À temperatura ambiente os lipídeos são sólidos, portanto, são atualmente conhecidos como “gordura” ao contrário dos “óleos” que são líquidos à temperatura ambiente. A temperatura final de liquifação é 37C. Esta temperatura é importante, pois a temperatura da vaca mantém a gordura em seu estado líquido. O glóbulo de gordura Mais de 95% do total dos lipídeos do leite estão na forma de um glóbulo, que varia de tamanho de 0,1 a 15 µM de diâmetro. A gordura é dessa forma envolvida por uma fina membrana de espessura entre 8 e 10 nm. Essa membrana do glóbulo de gordura tem sua origem na parte apical da membrana da célula epitelial lactígena (célula secretora) e sendo de origem celular é formada, basicamente, de proteínas e fosfolipídeos. Essa membrana evita que os glóbulos se floculem com facilidade e protege a gordura em seu interior contra o ataque de enzimas lipolíticas. O leite quando em repouso, principalmente quando refrigerado, permite a ascensão de uma camada de gordura, que é conhecida como nata. Isso acontece mais facilmente com o leite resfriado, pois a IgM, uma imunoglobulina do leite forma um complexo com lipoproteínas, complexo este conhecido como crioglobulina ou crioproteína o qual precipita sobre a membrana do glóbulo facilitando sua floculação (ajuntamento de glóbulos), formando uma camada de nata bem visível entre 20 a 30 minutos em leite refrigerado. A homogeneização do leite, evita a formação da nata, por diminuir o diâmetro desses glóbulos, e promove também a inclusão de proteínas na membrana, aumentando consequentemente sua densidade. Proteínas do leite O conteúdo de proteína do leite varia entre 2,65 a 4,25% em média. As proteínas do leite podem ser classificadas em: Caseína (80%), proteínas do soro (20%) e nitrogênio não protéico que corresponde a cerca de 6% do total do nitrogênio do leite. A concentração média das proteínas do leite pode ser visualizada na Tabela 1. 11 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite Tabela 1 Concentração das proteínas do leite gramas/ litro % da proteína total Proteína total 33 100 Caseína total 26 79.5 alfa s1 10 30. beta 9.3 28.4 kapa 3.3 10.1 Proteínas totais do soro 6.3 19.3 alfa lactalbumina 1.2 3.7 beta lactoglobulina 3.2 9.8 BSA 0.4 1.2 Immunoglobulinas 0.7 2.1 Proteose peptone 0.8 2.4 Caseínas A caseína é a proteína mais importante do leite, principalmente no que se refere à fabricação de queijos. Suas principais frações são: alfa-s1, alfa-s2, beta e kapa caseínas. Para manter a solubilidade dessa caseína no leite, ela se encontra na forma de micela, onde cada fração constitui uma sub-micela estabilizadas por grupos fosfatos os quais estão esterificados a resíduos de serina. Esse fosfato une, através de cálcio as submicelas, mantendo a integridade da micela. alfa (s1)-caseína: Possui duas regiões hidrofóbicas, separadas por uma região hidrofílica. É uma caseína muito sensívelao cálcio (precipita facilmente) e como conseqüência é muito facilmente precipitada quando da coagulação do leite para a elaboração de queijos. alfa (s2)-caseína: Tem suas cargas negativas concentradas nas proximidades do N-terminal a as positivas nas do C-terminal. Pode também ser precipitada com baixas concentrações de cálcio. ß -caseína: Essa caseína possui duas regiões bem distintas. Na região próxima ao N- terminal é muito hidrofílica, sendo muito hidrofóbica na região C-terminal. É consequentemente uma proteína muito anfipática. Ela é menos sensível ao cálcio e 12 Aspecto Físico-Químico às temperaturas próximas de 4°C sai totalmente ou parcialmente da micela, retornando à sua posição original quando o leite é novamente aquecido e mantido a temperaturas mais altas por um certo período de tempo. kapa-caseina: É uma caseína muito resistente ao cálcio, não precipitando na presença deste. Ela tem a função principal de proteger as caseínas internas da micela contra a ação do cálcio que se encontra solúvel no leite. Entretanto, quando de adiciona enzimas (coalho) ao leite, este rompe a ligação entre os amino ácidos Phe105-Met106 eliminando a proteção contra o cálcio, permitindo que este combine com as outras caseínas, formando uma rede, a qual aprisiona a água, lactose, gordura, etc., transformando o leite líquido em uma coalhada. Esse tipo de coagulação do leite é utilizado para a elaboração da maioria dos tipos de queijos conhecidos. A micela de caseína A grande maioria das caseínas se encontra no leite na forma de partículas coloidais conhecidas como micela de caseína, estabilizadas por fosfato de cálcio. Essa micela contém também citrato, íons menores, lípase e plasmina, contendo ainda certa quantidade de soro. Figura 1 Esquema da micela e sub-micela de caseína 13 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite A micela de caseína contém um centro hidrofóbico envolvido pelo menos parcialmente pela parte polar da k-caseína, ficando a parte polar da k-caseína projetada para o exterior na micela, formando estrutura semelhante a pelos. Esses pelos, de pelo menos 7 nm de comprimento, impede a agregação das micelas por repulsão esteárica. O Fosfato de cálcio coloidal: O fcc age como um cimento entre as sub-micelas que formam a micela de caseína. A ligação é normalmente covalente, mas podendo algumas vezes ser eletrostática. Mais de 90% do conteúdo de cálcio do leite desnatado está associado de algum modo com a micela de caseína. Proteínas do soro As proteínas no supernadante do leite após precipitação a pH 4,6, são coletivamente conhecidas como proteínas do soro. Essas proteínas globulares são mais solúveis em água que a caseína e são sujeitas à desnaturação térmica. As principais proteínas do soro são a β-lactoglobulinas, α-lactalbuminas, albumina do soro bovino (BSA), e imunoglobulinas (Ig). • β -Lactoglobulinas: (PM - 18,000) Esse grupo corresponde aproximadamente metade das proteínas do soro. Possui número ímpar de cisteína e consequentemente no processo de formação de cistina (2 cisteínas) sobra uma cisteína, que quando o leite é muito aquecido libera radicais -SH que causa o cheiro e gosto de queimado ao leite. • α-Lactalbuminas: (PM- 14,00) Essas proteínas possuem número par (8) de cisteína, todos envolvidos em pontes dissulfeto internas. Enzimas Enzimas é um grupo de proteínas que tem a habilidade de catalizar reações químicas e a velocidade dessas reações. O leite contém enzimas endógenas e exógenas. As exógenas consistem principalmente daquelas produzidas por bactérias psicrotróficas (lípases e proteáses) que são termorresistentes. Existem muitas enzimas endógenas no leite, sendo as mais, o grupo das hirolases o mais significante. Dentre essas podem-se citar: Lipoproteínas, plasmina, fosfatase alcalina. Lactose 14 Aspecto Físico-Químico A lactose é um dissacarídeo (2 monossacarídeos) constituído por uma molécula de galactose e outra de glicose unidas entre si por uma ligação glicosídica β-1,4. Figura 2 Fórmula estrutural da molécula de lactose A lactose se encontra no leite em concentrações entre 4.8 a 5.2%, correspondendo a 52% dos sólidos desengordurados do leite, e 70% dos sólidos do soro. A lactose possui um poder edulcorante 6 vezes menor que a sacarose, característica importante quando se deseja utilizar a lactose como ingrediente em certos produtos, com isso ela pode aumentar a viscosidade do material sem adoçar muito o produto. Uma das características mais importantes da lactose e a de ser substrato para fermentações. As bactérias láticas produzem ácidos a partir da lactose, sendo essa fermentação indesejável para o leite de consumo, mas necessária na elaboração de produtos lácteos, como os leites fermentados e queijos. Vitaminas Vitaminas são substâncias essenciais para muitos processos que ocorrem nos organismos vivos. O leite possui em quantidades consideráveis as vitaminas lipossolúveis A, D, E, e K. A Vitamina A é derivada do is retinol e β -caroteno. O leite é integral é uma importante fonte dessa vitamina e como o consumo de leite desnatado vem aumentando consideravelmente faz-se necessário criar mecanismos de incentivo à adição dessa vitamina A a esse leite. O leite é também uma importante fonte de vitaminas hidrossolúveis, como as vitaminas B1 (tiamina), B2 (riboflavina), B6 (piridoxina), B12 (cianocobalamina), niacina e ácido pantatênico. Existe ainda uma pequena quantidade de vitamina C (ácido ascórbico) no leite cru, mas essa é termolábil sendo parte destruída pela 15 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite pasteurização e esterilização. O conteúdo de vitaminas em leite fresco é dado a seguir: Tabela 2 Conteúdo médio de vitaminas do leite de vaca Vitamina Quantidade por litro A (ug RE) 400 D (IU) 40 E (ug) 1000 K (ug) 50 B1 (ug) 450 B2 (ug) 1750 Niacin (ug) 900 B6 (ug) 500 Pantothenic acid (ug) 3500 Biotin (ug) 35 Folic acid (ug) 55 B12 (ug) 4.5 C (mg) 20 Minerais Todos os 22 minerais considerados e essenciais à dieta do ser humano estão presentes no leite. Estes estão incluídos em três grupos de sais: 1. Sódio (Na), Potássio (K) e cloro (Cl): Estes íons livres estão inversamente correlacionados com a lactose para manter o equilíbrio osmótico entre o sangue da vaca e o seu leite, equilíbrio este necessário fisiologicamente para a produção de leite. 2. Cálcio (Ca), Magnésio (Mg), fósforo inorgânico [P(i)], e Citratos: Este grupo consiste de 2/3 do Ca do leite, 1/3 do Mg, 1/2 do P(i), e menos de 1/10 de citrato coloidal (não solúvel) que está presente na micela de caseína. 3. Sais solúveis de Ca, Mg, citrato, and Ca++, and HPO42-: Estes sais são muito pH dependentes e contribuem para o equilíbrio ácido-básico geral do leite. O conteúdo de minerais do leite fresco pode ser observado na Tabela 3. 16 Aspecto Físico-Químico Tabela 3 Conteúdo de alguns minerais do leite de vaca Mineral Conteúdo por litro Sódio (mg) 350-900 Potássio (mg) 1100-1700 Cloro (mg) 900-1100 Cálcio (mg) 1100-1300 Magnésio (mg) 90-140 Fósforo (mg) 900-1000 Ferro (µg) 300-600 Zinco (µg) 2000-6000 Cobre (µg) 100-600 Manganês (µg) 20-50 Iodo (µg) 260 Flúor (µg) 30-220 Selênio (µg) 5-67 Cobalto (µg) 0.5-1.3 Molibdênio (µg) 18-120 Níquel (µg) 0-50 Vanádio (µg) tr-310 17 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 3 ASPECTO MICROBIOLÓGICO O leite que a vaca forma em suas células secretoras é isento de bactérias. Entretanto, sabe-seque o leite, mesmo ordenhado sob as mais rigorosas condições de higiene, possui certa quantidade de bactérias, que tem seu número elevado quando em contato com o exterior. A contaminação do leite pode ser dividida em endógena e exógena e sua intensidade depende de vários fatores. Contaminação endógena Essa contaminação ocorre dentro do úbere da vaca. Nesse caso os microrganismos já se encontram no leite quando o mesmo sai pelo canal do teto, por ocasião da ordenha. Alguns fatores contribuem para a maior ou menor contagem de bactérias que saem do úbere da vaca juntamente com o leite, sendo que doenças do úbere e permanência de leite residual (da ordenha anterior) são os mais importantes. Contaminação exógena Essa contaminação ocorre após o leite sair do úbere da vaca. Pode ser proveniente do exterior da vaca (cauda, pêlos, etc.), do ordenhador, do vasilhame, do equipamento, do ambiente, etc. Em resumo, pode-se afirmar que a qualidade higiênica do leite é influenciada principalmente pelo estado sanitário do rebanho, manejo dos animais e dos equipamentos durante a ordenha, e a presença de microrganismos, resíduos de drogas e odores estranhos. Do ponto-de-vista higiênico, o leite deve ter as seguintes características e propriedades: 18 Aspecto Físico-químico • Agradável (com preservação das suas propriedades de sabor, cor, odor, viscosidade); • Limpo (livre de sujeiras, microrganismos e resíduos); • Íntegro (composição correta e conservação adequada); Ausência de patógenos, Ausência de toxinas microbianas (micotoxinas, enterotoxinas, etc.). No processo de produção do leite devem-se observar os seguintes fatores, para que o leite atenda aos requisitos de qualidade microbiológica: a) a vaca leiteira deve possuir perfeito estado de saúde, deve ser bem alimentada, deve ser manejada de forma a não sofrer estresse. Principalmente no momento da ordenha a vaca deve estar calma e tranquila, pois uma vaca estressada tem sua produção diminuída e a qualidade do leite prejudicada, devido a uma série de toxinas que a vaca libera no leite. O leite pode ser considerado o “espelho” da vaca, pois qualquer alteração no estado de saúde desta, reflete diretamente na qualidade do leite, algumas doenças da vaca leiteira são inclusive diagnosticada através do seu leite; b) o equipamento e vasilhame utilizado deve ser de uso exclusivo da ordenha e manipulação do leite. Deve ser feito com material adequado (aço inoxidável, plástico, alumínio, ferro estanhado ou outro material aprovado pela legislação). Esse material deve ter formato próprio, sem ângulos vivos, para facilitar o processo de limpeza. Quando a ordenha é manual, recomenda-se o uso de balde de boca estreita (3/4 fechada). Alguns trabalhos têm demonstrado sua eficiência na diminuição da contagem de bactérias do leite; c) o ordenhador deve estar em bom estado de saúde, ter hábitos higiênicos, paciência na lida com os animais e ter consciência de que ele é a peça mais importante em todo o processo. Ter mãos limpas e usar roupas limpas no momento da ordenha; d) manter o local da ordenha limpo, seco, arejado porém, sem ventos fortes, deve ser construído em nível elevado e possuir um ligeiro declive para facilitar o escoamento de água. Deve ser coberto, cercado lateralmente a meia altura e possuir piso firme. Deve ser isolado de currais, pocilga, aviários, etc. Deve ser coberto, cercado lateralmente a meia altura e ser de piso firme. Tem que ser necessariamente de uso exclusivo da ordenha e mantido limpo; 19 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite e) a ordenha, deve ser feita a fundo e contínua, o animal deve estar com o úbere limpo, sem pelos longos, no caso de ordenha manual deve-se prender a cauda e ordenhar em diagonal. Secar as tetas com papel toalha descartável; os primeiros jatos de leite devem ser ordenhado em uma caneca de fundo preto ou telada, para, além de eliminar esse primeiro leite (que fica na cisterna do teto) que tem uma contagem de bactérias muito elevado, ajuda ainda a fazer diagnóstico de mastite clínica (grumos no leite). O leite, deve ser coado em coadores próprios (nunca deve usado o pano, caso não se dispõe de coadores é melhor não coar o leite. Anotar a produção, pois assim o produtor consegue fazer uma avaliação individual das vacas; muitas vezes consegue-se detectar problemas de saúde da vaca pela brusca variação da produção de leite. Resfriar o leite imediatamente após a ordenha; o resfriamento do leite será tratado com mais detalhes em item próprio; f) o transporte do leite é um ponto dos mais importantes da atividade leiteira, tendo nos últimos tempos recebido especial atenção dos produtores, industriais de laticínios, órgãos governamentais etc. Quando utilizado o sistema tradicional de latões, alguns pontos devem ser observados: o leite deve ser entregue na plataforma de recepção o mais rápido possível; evitar a incidência de raios solares nos latões, para isso, os caminhões devem ser equipados com toldos; os latões devem, se possível estar completamente cheios, pois durante o transporte, principalmente em estradas ruins há uma formação de manteiga devido à “bateção” da gordura do leite, isso causa uma diminuição significativa do teor de gordura do leite. O sistema de coleta de leite a granel está gradativamente sendo implantado no Brasil, o que tem trazido muitos benefícios para a melhoria da qualidade do leite. Esse tema será discutido em item específico; g) alguns cuidados gerais devem ser tomados para diminuir a contaminação do leite. Dentre muitos podemos destacar: Evitar espirros de urina e fezes no leite; evitar ou pelo menos diminuir a incidência de mosquitos nos locais de ordenha e manipulação do leite; evitar poeira no estábulo, no local de ordenha e manipulação de leite; fazer a limpeza periódica dos currais; guardar os latões em estrado de madeira ou plástico (já disponível no mercado); manter os latões à sombra e verificar periodicamente sua limpeza; afastar os latões defeituosos ou reformá-los; não usar os latões para outros fins; não arear o vasilhame; evitar grande número de transvase (passar o leite de um vasilhame para outro). 20 Aspecto Físico-químico Sequência recomendada para lavar os latões, baldes, etc.: • água à temperatura ambiente; • água quente mais detergente; • enxágüe com água de boa qualidade e em abundância; • fazer a sanificação com solução de cloro (ou vapor); • colocar o vasilhame de boca para baixo para secar. Observações • a primeira água de lavagem tem a função de eliminar o resíduo de leite do vasilhame, ela é empregada sozinha para economizar detergente. Essa água não deve ser nem muito quente, nem muito fria, pelas seguintes razões: (a) água muito quente: Irá coagular o leite, caso esse esteja com acidez elevada e b) água muito fria: irá solidificar a gordura, dificultando sua posterior remoção; • o detergente utilizado deve ser de boa qualidade. Uma questão importante é: ele deve ser alcalino, neutro ou ácido? Essa é uma pergunta difícil de ser respondida, vai depender muito de vários fatores. Normalmente, quando a pessoa tem um bom conhecimento do que está fazendo, as empresas fornecem detergentes ácido e alcalino sendo necessário seguir rigorosamente as instruções do fornecedor, que via de regra recomenda lavagens alternadas (alcalino – ácido), principalmente no sistema de ordenha mecânica. Entretanto, principalmente na ordenha manual e quando não se tem absoluta certeza que o programade lavagem irá ser conduzido de forma correta, o melhor é recomendar o uso de detergente neutro, pois caso fique resíduo no vasilhame, irá causar problema no leite, mas em menor intensidade que um detergente ácido ou alcalino; • após o enxágüe e/ou sanificação, não se deve de hipótese alguma usar pano para enxugar o vasilhame. Deve-se coloca-lo de boca para baixo em um local limpo e seco; • o tempo de contato do detergente ou desinfetante com a superfície dos utensílios não pode ser inferior a 30 segundos; • o mesmo cuidado dispensado ao vasilhame deve ser dispensado às tampas. 21 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 3.1 RESFRIAMENTO DO LEITE O resfriamento do leite imediatamente após a ordenha é o fator individual mais importante na manutenção da qualidade microbiológica do leite. O leite deve ser resfriado a temperatura de 4°C ou menos (sem atingir o ponto de congelamento), sendo importante que o leite seja mantido a essa temperatura, nos sistemas de resfriamento nas propriedades rurais, durante o transporte, na indústria antes do processamento, durante o transporte do leite pasteurizado e não menos importantes nos locais de distribuição no mercado. Após a aquisição o consumidor também tem a função de levar esse leite o mais rápido possível para casa e mantê-lo refrigerado até o consumo. Muitos proprietários de laticínios reclamam que seus produtos, embora elaborados e manipulados corretamente não são conservados adequadamente no comércio, sendo que muitos estabelecimentos comerciais, por questão de economia, têm o hábito de desligar a energia elétrica durante a noite e final de semana, trazendo com isso enormes prejuízos aos produtos que necessitam ser conservados a baixa temperatura, especialmente o leite pasteurizado. É sabido que para cada 18° F na elevação da temperatura, a taxa de bactérias do leite é dobrada. Entretanto, a despeito de todas as vantagens e benefícios que a refrigeração do leite traz para a manutenção de sua qualidade, o produtor não pode ver nesse processo um fator isolado e milagroso. É importante ter em mente que nenhum processamento melhora a qualidade do leite, eles simplesmente impedem ou retardam sua deterioração. Dessa forma, se um leite de alta contagem bacteriana for resfriado, isso irá apenas impedir ou diminuir o aumento dessa contagem. Um outro fator importante, é que existem certos tipos de bactérias, denominadas psicrotróficas, pseudomonas, principalmente a P. fluorescens; Achromobacter; Acinetobacter; Bacillus; Clostridiu; Alcaligenes; Flavobacterium; sãos os principais psicrotróficos contaminantes do leite. Como não utilizam a lactose como principal fonte de energia, eles não acidificam o leite, entretanto produzem enzimas, principalmente proteases e lipases, que causam prejuízos à qualidade do leite e principalmente dos produtos elaborados, principalmente queijos. Essas bactérias são destruídas pelo processo de pasteurização, entretanto suas enzimas são termo-resistentes, permanecendo ativas, mesmo quando submetidas a temperaturas bastante elevadas, tendo suas atividades, consequentemente, mantidas após a pasteurização do leite. Os problemas que essas enzimas causam ao leite dependem de sua concentração. Dessa forma, deve-se produzir, manipular, conservar o leite de forma adequada para diminuir ao máximo a presença de bactérias psicrotróficas no leite. Pseudomonas fluorescens é a que ocorre com maior freqüência e abundância no leite, e quando seu número ultrapassa 106 unidades formadoras de colônias UFC/ml, 22 Aspecto Físico-químico número não difícil de ser alcançado quando as condições de produção do leite não são adequadas, causa grandes prejuízos econômicos e na qualidade dos produtos. As proteases são as enzimas que causam maiores prejuízos econômicos e para a qualidade do leite e produtos, pois elas atuam sobre a proteína do leite (principalmente sobre a K- e β-caseínas), causando diminuição no rendimento do leite em queijos, sabor amargo no leite e seus produtos, gelificação do leite esterilizado (longa vida). As lipases, atuam sobre a gordura do leite, liberando ácidos graxos, que livres no leite (não esterificados ao glicerol) causam um sabor de ranço no leite e seus derivados, principalmente em queijos de maturação, onde causam um sabor de “sabão” nesses produtos. Essas lipases não possuem especificidade, liberando nesses produtos ácidos graxos de cadeias de vários tamanhos, sendo os de cadeia longa os principais geradores desses sabores desagradáveis nos queijos. Esse defeito é agravado quando o leite é submetido a agitações severas, pois nesses casos a gordura é “quebrada” em glóbulos menores, facilitando a atuação dessa enzima. O resfriamento imediato de um leite de vacas sadias, ordenhado e manipulado de forma higiênica, a manutenção dessa temperatura durante todo o processo de armazenamento, transporte e distribuição é juntamente com as boas práticas de fabricação fatores indispensáveis para a qualidade do leite. Psicrotróficas São bactérias que se multiplicam em temperaturas de refrigeração, embora possuam temperaturas ótimas de desenvolvimento mais elevadas (normalmente entre 20 e 30°C) Lipases São enzimas que hidrolizam ligação ester liberando ácidos graxos. Proteases São enzimas capazes de hidrolizar proteínas, com intensidade variável, dependendo de diversos fatores (temperatura, substrato, pH, acesso físico à proteína, etc.). 3.2 COLETA DE LEITE A GRANEL A implantação do sistema de coleta de leite a granel no Brasil já é uma realidade em muitas regiões. Várias vantagens podem ser apontadas para esse sistema, dentre elas pode-se citar: menor custo de transporte e mão de obra; menor perda de leite pela acidez; possibilidade de coleta em dias alternados; qualidade do leite avaliada na propriedade antes de longos percursos, característicos do sistema 23 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite de coleta em latões; menor perda de resíduos de leite nos latões; ordenha podendo ser feita em horas mais convenientes. Entretanto, a maior vantagem do sistema é a obrigatoriedade do resfriamento do leite logo após a ordenha. 24 4 CONTAGEM DE CÉLULAS SOMÁTICAS A contagem de células somáticas (CCS) é um dos parâmetros mais eficientes para se medir a qualidade do leite. Células somáticas são células do organismo animal presentes em baixos níveis no leite de vacas sem problemas no úbere. Porém, quando o número dessas células se eleva de forma considerável, é uma indicação eficiente de infecção intramamária (mastite). A maioria das células somáticas é formada por leucócitos (células brancas do sangue) e em menor número por células epiteliais (células de descamação do úbere). As células epiteliais fazem parte do processo normal das funções dos organismos e são eliminadas e renovadas num processo normal de renovação celular da glândula mamária. Por outro lado, os leucócitos têm função no mecanismo de defesa celular de combater doenças (infecção) e auxiliar na reparação de tecidos danificados. Leite com alta CCS apresenta mais ou menos o mesmo teor de proteínas totais, entretanto o conteúdo em caseína é reduzido e o de proteínas do soro é elevado; esse desbalanceamento protéico resulta necessariamente em um menor rendimento desse leite em queijos, além de conferir sabores estranhos no produto. Uma outra conseqüência de alta CCSS é a diminuição da vida de prateleira e o aparecimento de “flavor”adverso no leite. O principal fator que causa elevação na CCS é a infecção da glândula mamária; essa contagem pode ser de um único quarto, do leite total de uma vaca, de uma única propriedade ou do leite de conjunto (de vários produtores). A contagem de células somáticas é o meio mais eficiente para avaliar a saúde da glândula mamária. A contagem normal de células somáticas está geralmente abaixo de 200.000 por ml de leite, mas pode estar abaixo de 100.000 em rebanhos muito bem manejado; uma EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite contagem acima de 250.000-300.000 pode ser uma indicação de infecção bacteriana do úbere. Os organismos mais comuns relacionados com infecção mamária podem ser classificados em dois grupos: • Contagiosos, patogênicos • Patogênicos relacionados com o meio ambiente. Os patogênicos contagiosos (Staplylococcus aureos, Streptococcus agalactiae) geralmente causam os maiores aumentos na CCS; outros Streptococcus, Corynebacterium bovis e Staphylococcus coagulase negativa, normalmente causam menor elevação na CCS. Outros fatores, além de infecção, podem também alterar de forma normal a CCS do leite, dentre esses pode-se citar: 1 Estágio de lactação avançada Elevada CCS pode ser observada em vacas no final da lactação, principalmente em vacas em estágio de gestação avançada. Essa elevação parece ser parte do sistema de resposta imune do animal para aumentar os mecanismos de defesa da glândula mamária imediatamente após o parto. Entretanto, quartos sem infecção, geralmente, tem uma brusca diminuição na CCS dentro de poucos dias após o parto. 2 Idade do animal Vacas com idade avançada tende a produzir leite com CCS mais elevada. 3 Estresse Vários tipos de estresse podem causar a elevação da CCS do leite. As contagens mais baixas são geralmente observadas em vacas que são mantidas em locais limpos, confortáveis. 4 Estação do ano As condições do tempo e o manejo são fatores importantes no controle da mastite. O aumento da incidência de mastite clínica no verão é geralmente devido às altas temperaturas e umidade, que aumentam o número de microrganismos patogênicos. 26 Aspecto Microbiológico Mastite Clínica É a inflamação do úbere que apresenta sinais visíveis. 27 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 5 Injúrias na glândula mamária As injúrias do tecido mamário, mesmo sem a presença de infecção, pode elevar temporariamente a CCS, que normalmente tem curta duração, voltando ao normal logo após a cicatrização. Entretanto, tecidos injuriados são muito susceptíveis à infecção. 6 Causas indiretas Ordenha conduzida de forma inadequada, principalmente a mecânica quando não se regula corretamente o vácuo ou não se retiram as teteiras após esgota completa da vaca, dentre várias outras. Tabela 4.1 Efeito da mastite na produção de leite. Dados baseados na produção média de 5.000quilos de leite de uma vaca sadia por ano Contagem de células do leite total do rebanho Redução na produção (kg/vaca/ano) Redução total na produção (%) < 250.000 - - 250.000 - 500.000 200 4 500.000 - 750.000 350 7 750.000 - 1.000.000 750 15 > 1.000.000 900 18 Fonte: KORHONEN, H. & KAARTINEN, L. 28 Aspecto Microbiológico Tabela 4.2 Alterações na composição do leite associadas à mastite subclínica (%) Componentes Leite normal Leite com altas contagens de células Sólidos desengordurados gordurosos 8,9 8,8 Gordura 3,5 3,2 Lactose 4,9 4,4 Proteína total 3,61 3,56 Caseína total 2,8 2,3 Proteínas do sangue 0,8 1,3 Soro-albumina 0,02 0,07 Lactoferrina 0,02 0,10 Imunoglobulinas 0,10 0,60 Sódio 0,057 0,105 Cloretos 0.091 0.147 Potássio 0.173 0,157 Cálcio 0,12 0,04 Fonte: Brito, M.A.V Tabela 4.3 Efeito do leite com altas contagens de células somáticas sobre os produtos lácteos Produto Problema Leite condensado Leite evaporado - estabilidade ao calor diminuída Leite em pó - gosto de queimado ou outros sabores estranhos Queijo - aumento do tempo de coagulação - diminuição da firmeza do coágulo - queda no rendimento Leite fluido - alteração do sabor na estocagem Produtos fermentados - inibição do crescimento das culturas lácteas Manteiga - diminuição do rendimento - aumento da rancificação Fonte: Brito, M.A.V 29 5 DEFINIÇÕES DO LEITE Sendo o leite um produto de alta complexidade, fica difícil estabelecer uma definição única e precisa. Várias definições já foram criadas e publicadas nos mais diversos meios de difusão de conhecimentos, entretanto, pode-se de maneira geral fazer a definição do leite tomando como base alguns “pontos de vista”, baseados, sobretudo, nos interesses daqueles que o tenta. Dessa forma, os químicos, fisiologistas, nutricionistas, zootecnistas, sanitaristas, etc., tendem a definir o leite de acordo com seus campos de atuação. Todavia, de uma maneira geral e didaticamente apropriada o leite pode ser definido segundo três pontos de vistas, que atendem à maior parte da área laticinista e daquelas áreas correlatas. 5.1 SOB PONTO DE VISTA FISIOLÓGICO Sob o ponto de vista fisiológico o leite pode ser definido como: “Leite é o produto de secreção das glândulas mamárias das fêmeas mamíferas, logo após o parto, com a finalidade de alimentar o recém nascido na primeira fase de sua vida” Fica claro nessa definição a função biológica do leite. A natureza fez com que a composição química do leite fosse variável entre as várias espécies, para atender as exigências nutricionais dos recém nascidos de cada uma. Dessa forma, o leite da própria espécie e o da própria mãe ainda é o melhor alimento para a cria. No caso particular do ser humano, o leite materno e o da própria mãe em particular é o melhor alimento, sendo capaz de nutrir sozinho, uma criança normal até os seis meses de vida, exceção se faz quando a criança nasce com peso abaixo do normal. O leite materno possui todos os elementos de forma balanceada e em quantidade suficiente, além de possuir com exclusividade alguns elementos muito importante para o desenvolvimento do recém nascido, como taurino, alguns Contagem de Células Somáticas oligossacarídeos dentre outros. O ato de amamentar cria também um vínculo entre o filho e a mãe, que hoje, acredita-se, ter influência importante no comportamento emocional durante toda a vida do indivíduo. 5.2 SOB PONTO DE VISTA FÍSICO-QUÍMICO “Leite é uma emulsão natural perfeita, na qual os glóbulos de gordura estão mantidos em suspensão, em um líquido salino açucarado, graças à presença de substâncias protéicas e minerais em estado coloidal”. 5.3 SOB PONTO DE VISTA HIGIÊNICO Embora as definições acima são importantes, o entendimento da definição do leite sob o ponto de vista higiênico é extremamente importante, pois na mesma estão embutidos todos os conceitos de qualidade do leite. Essa definição foi criada no primeiro Congresso Mundial de Laticínios, que aconteceu na Suíça em 1917. Baseando-se nos aspectos higiênicos o leite pode ser definido como se segue. “Leite é o produto íntegro da ordenha total e sem interrupção de uma fêmea leiteira em bom estado de saúde, bem alimentada e sem sofrer cansaço, isento de colostro, recolhido e manipulado em condições higiênicas”. Mais importante que memorizar a definição acima, é entender os vários conceitos embutidos nela. Segue abaixo uma descrição de cada um dos conceitos contido na definição, que se entendidos de maneira global, proporciona um entendimento fácil de todos os aspectos envolvidos na que se refere à qualidade do leite. 5.4 ANÁLISE DOS CONCEITOS 5.4.1Produto íntegro Entende-se por produto íntegro aquele no qual não foi adicionada nenhuma substância estranha e do qual não foi removido nenhum constituinte. Infelizmente, muitas pessoas, de forma fraudulenta e ilegal, adicionam certas substâncias ao leite, sendo as mais freqüentemente utilizadas a água, conservantes, neutralizantes e reconstituintes da densidade e crioscopia. 31 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite • Água A água, embora seja um constituinte natural do leite, é muitas vezes adicionada ao leite, de forma fraudulenta, com o objetivo principal de aumentar o volume do mesmo. Dessa forma um produtor que adiciona 20 litros de água em 100 litros de leite, passará a vender aos laticínios 120 litros de leite. Isso ocasiona dois problemas principais, o primeiro é a diminuição do valor nutricional do leite e isso é particularmente importante quando esse for comercializado na forma de produto fluido (pasteurizado, esterilizado), visto que o valor nutricional do leite está exclusivamente relacionado aos seus sólidos, totais e desengordurado. O segundo problema relacionado à aguagem do leite se refere à diminuição do seu rendimento industrial, sendo esse rendimento diretamente dependente do conteúdo de sólidos do leite. Secundariamente, a adição de água ao leite dilui sua acidez, proporcionalmente à quantidade adicionada. Junta-se a isso o fato de que a água adicionada pode estar contaminada, o que causa problemas na qualidade microbiológica do leite. Nunca é desnecessário salientar que essa prática é proibida, é uma fraude e deve ser combatida. • Conservantes Conservantes podem ser definidos como qualquer substância adicionada ao leite com o objetivo de matar os microrganismos ou diminuir seu desenvolvimento. Como o maior problema responsável pela rejeição de leite nas plataformas dos laticínios é a acidez elevada, a adição de substâncias bactericidas ou bacteriostáticas faz com que a desclassificação do leite seja diminuída ou eliminada, pois não havendo microrganismos no leite a fermentação não acontece. A adição de conservante ao leite é proibida por lei, entretanto mais importante que o aspecto legal é o fato de que a grande maioria dos conservantes são danosos à saúde. Além disso, a presença dessas substâncias é indicativo de que o produtor não dispensou os cuidados necessários para a produção de um leite de boa qualidade, tendo que lançar mão de métodos ilícitos e inescrupulosos para que seu produto seja aceito pelos laticínios. É importante ficar claro para o leitor, que o objetivo da inclusão desse tópico é única e exclusivamente para informar que é fraude, é ilegal, é inescrupuloso, a adição de quaisquer substâncias ao leite com a finalidade de mascarar defeitos, impedir sua acidificação ou tentar ludibriar a indústria com um produto de baixa Lactose Ácido lático microrganismos 32 Contagem de Células Somáticas qualidade. Os exemplos de conservantes não serão aqui citados, para evitar que algum leitor menos atento possa concluir que esse material está preconizando a adição de tais substâncias ao leite. Muito antes pelo contrário, esse material tem o objetivo de enfatizar que essa fraude existe e todos aqueles que trabalham na área deve ficar atendo para combater tal prática. • Neutralizantes Neutralizantes são substâncias alcalinas que combinam com o ácido lático formando sal mais água, diminuindo com isso a acidez do leite. Esses produtos não matam nem impedem o desenvolvimento microbiano, mas sim agem eliminando o produto de sua fermentação. É utilizado, também de forma fraudulenta, para corrigir defeitos do leite, nesse caso, a acidificação. O desenvolvimento excessivo de microrganismos no leite leva a um aumento da acidez, que é facilmente detectado na plataforma dos laticínios, sendo esse teste inclusive, feito em todo o leite recebido, dessa forma, para ludibriar esse teste, alguns produtores adicionam, de forma inescrupulosa, substâncias redutoras da acidez do leite. Embora a acidez seja a causa mais evidente e facilmente detectável da fermentação do leite, o seu abaixamento, pela adição de neutralizantes, de forma alguma consegue corrigir ou melhorar a qualidade do leite, visto que durante o processo fermentativo, vários componentes do leite são degradados ou modificados e vários produtos, além do ácido lático, são formados, diminuindo em muito a qualidade do leite, tanto nutricional, como no rendimento do leite em produtos e na qualidade dos produtos com ele elaborados. • Reconstituíntes da densidade e crioscopia A densidade e a crioscopia são técnicas utilizadas para verificar a integridade do leite, principalmente com relação à água adicionada. Entretanto, alguns produtores, com o objetivo de mascarar os resultados, adicionam juntamente com a água, certas substâncias que possuem o poder de influenciar essas análises no sentido oposto ao da água. Assim a adição de água, juntamente com essas substâncias, pode, dependendo da quantidade de ambas, produzir um “leite” com densidade e crioscopia normais. 5.4.2 Ordenha total O termo “ordenha total” significa que deve-se esgotar por completo os quatro quartos da vaca, evitando o leite residual. Evidentemente quando a ordenha é feita com o bezerro ao pé, ele faz essa função. O leite residual causa sérios danos para a qualidade do leite, uma vez que, após a ordenha o canal do teto fica dilatado, 33 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite permitindo a entrada de microrganismos para a cisterna do teto. Com a presença de grande quantidade de leite residual haverá um aumento muito grande do número de microrganismos, o que irá comprometer a qualidade do leite da ordenha seguinte, mesmo que sejam desprezados os três primeiros jatos. Além disso, sabe-se que o teor de gordura do leite no final da ordenha é muito maior e caso esse não seja incorporado, o leite ordenhado possuirá consequentemente menor teor de gordura. Outro problema causado pelo leite residual diz respeito ao aparecimento de mamite. O leite que não foi retirado acumula-se com o da ordenha seguinte, aumentando o volume de leite no úbere e por conseqüência a pressão dentro do úbere. Isso facilita a formação de lesões, que, com a presença de grande número de microrganismos aumenta a possibilidade do aparecimento de infecção. No caso específico da ordenha mecânica, é importante salientar que após a retirada das teteiras, é recomendável fazer o “repasse” manualmente para retirar o leite que a ordenhadeira não conseguiu. 5.4.3 Ordenha sem interrupção O processo de “decida” do leite durante a ordenha é controlado por um hormônio denominado “ocitocina” que é produzido pela glândula hipófise e controlado por estímulo condicionado (massagem no úbere, pelo ambiente da ordenha, barulho da ordenhadeira, presença do bezerro, etc.). A liberação desse hormônio acontece em um período que varia de 6 a 8 minutos. A ordenha deve então ser realizada dentro desse período de tempo, caso contrário, ela ocorrerá quando a vaca já não mais estiver liberando a ocitocina, tendo consequentemente interrompido a descida do leite. Com isso a possibilidade de haver leite residual é muito grande, ocasionando todos aqueles problemas já citados no item anterior. Face a isso, fica claro que a ordenha deve ser conduzida de forma contínua, sem interrupção, para que o processo não seja demorado. Um outro ponto importante a ser considerado é que a interrupção na ordenha causa um estresse no animal, com produção do hormônio adrenalinapela glândula supra-renal. A ocitocina e a adrenalina são antagônicos, ou seja, com a produção de adrenalina cessa a produção de ocitocina e por via de conseqüência a decida do leite, levando à retenção de leite no úbere. 5.4.4 Bom estado de saúde O estado de saúde reflete: a) Na quantidade de leite produzida A produção de leite exige uma quantidade de energia muito grande. Quando a vaca está acometida de uma doença, ela consome menos alimento, tem seu 34 Contagem de Células Somáticas metabolismo modificado e desvia parte de suas energias para o combate à enfermidade. Com isso certamente a produção de leite será diminuída. b) Na qualidade desse leite Diz o ditado que “o leite é o espelho da vaca”. Qualquer alteração na saúde da vaca reflete diretamente na qualidade do seu leite. Leite sadio só de vaca sadia. Existem inclusive, algumas doenças da vaca que podem ser diagnosticas através da análise de seu leite. Além disso, muitas doenças do gado leiteiro podem ser transmitidas ao homem através do leite. ALGUMAS DOENÇAS TRANSMITIDAS PELO LEITE • Tuberculose • Brucelose • Leptospirose • Toxoplasmose • Escarlatina • Difteria • Yersiniose • Salmonelose • Listeriose • Intoxicação estafilacócica • Campilobacteriose • Febre Q • Hepatite A • Gastrenterites • Aftosa. 5.4.5 Bem alimentada A alimentação da vaca influência a produção de leite em dois aspectos: • Na qualidade de leite produzida; • Na qualidade desse leite. Sabe-se que para a vaca leiteira expressar todo seu potencial genético na forma de produção de leite, faz-se necessário que ela receba ração em quantidade 35 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite suficiente, devendo essa ser apropriadamente balanceada para o nível de produção do animal. Além disso, a alimentação tem influência direta na qualidade do leite produzido. Alguns alimentos modificam a composição química do leite e outros podem alterar seu sabor e seu aroma. 5.4.6 Sem sofrer cansaço É de conhecimento geral que durante a ordenha a vaca deve estar descansada, tranqüila, sendo que em muitas propriedades existe inclusive na sala de ordenha música ambiente. Como já comentado do item “c” uma vaca cansada, agitada, estressada, lança na corrente sangüínea uma quantidade muito elevada de adrenalina. Como a adrenalina é antagônica à ocitocina, que é o hormônio responsável pela decida do leite, isso levará à retenção de leite no úbere, ocasionando todos aqueles problemas mencionados no item “c”. Junta-se a isso o fato de que a vaca cansada, libera além da adrenalina, outros metabólitos no sangue que passarão para o leite diminuindo sua qualidade. Aqueles que trabalham com iogurte, sabem muito bem que quando esse produto é elaborado com leite de vacas cansadas, estressada, o processo de fermentação é prolongado, pois esses metabólitos prejudicam o desenvolvimento e a atuação do fermento. 5.4.7 Sem colostro O colostro é, sabidamente, de fundamental importância para o(a) bezerro(a) recém nascido. Entretanto, devido a diferença de composição, sua presença no leite, tanto de consumo quanto industrial, diminui sobremaneira sua qualidade. Comparação da composição do colostro com a do leite normal Componentes Colostro Leite normal Sólidos Totais (%) 23,90 12,90 Gordura (%) 6,70 4,00 Proteína (%) 14,00 3,10 Lactose (%) 2,70 5,00 Cinza (%) 1,11 0,74 A quantidade excessiva de proteínas solúveis do colostro, modifica a composição do leite normal, causando sabores desagradáveis ao leite de consumo e amargo nos produtos lácteos, principalmente queijos. Além disso, o colostro possui um aspecto viscoso, amarelado, que torna o leite de consumo repugnante. A presença do colostro em leites de indústria, causa sérios problemas no 36 Contagem de Células Somáticas processamento, uma vez que ele possui muitas substâncias anti microbianas que dificultam a atuação do fermento lático nas fabricações de queijos e iogurte. 5.4.8 Recolhido e manipulado em condição higiênica O termo “recolhido e manipulado em condições higiênicas” é também conhecido com a produção ou obtenção higiênica do leite. Embora está embutido dentro da definição do leite, esse item, devido a sua grande importância e facilidade de leitura será aquí tratado separadamente. 37 6 PRODUÇÃO HIGIÊNICA DO LEITE A produção higiênica, também denominada obtenção higiênica, abrange todos os cuidados necessários na produção de um leite de boa qualidade. 6.1 OBJETIVOS DA OBTENÇÃO HIGIÊNICA Produção de leite limpo Leite limpo é aquele que não possui substâncias grosseiras, estranhas ao produto, como pedaços de silagem, feno, isento de poeira, carrapatos etc. Com baixa carga microbiana A produção de leite com a menor contagem microbiana possível é fator determinante na sua qualidade, uma vez que são os microrganismos os principais responsáveis pela sua deterioração. Microrganismos do leite Os microrganismos do leite podem ser classificados sob diversas formas: • Patogênicos: São aqueles capazes de causar doenças a quem vier a consumir leite, caso esse leite possua microrganismos viáveis. • Fermentativos: São microrganismos que fermentam componentes do leite (principalmente a lactose) causando deteriorações. • Saprófita: São microrganismos incidentais, que estão presentes no leite por acaso, não causando doenças nem deterioram o leite. Finalidades Quanto à finalidade os microrganismos que normalmente estão presentes, ou são propositadamente adicionados ao leite podem ser classificados em: Definições do Leite • Úteis: são aqueles adicionados ao leite para promoverem fermentações desejáveis. Como exemplo, pode-se citar aquele adicionado via fermento lático na produção de queijos leites fermentados, etc. • Prejudiciais: os microrganismos prejudiciais são aqueles que produzem fermentação indesejável ou são patogênicos • Sem importância: são os que não causam doenças e nem fermentam o leite de forma indesejável, podem ser denominados saprófitas. É importante ter em mente que um microrganismo pode ser útil para um certo fim e prejudicial a outro. Quando da elaboração do iogurte, é necessário à utilização de microrganismos para fermentar o leite, entretanto, esses mesmos microrganismos são prejudiciais quando se considera o leite de consumo. Origem Os microrganismos podem chegar ao leite de diversas formas, provenientes dos mais diversos lugares. Contaminação endógena É aquela que tem origem de dentro do úbere da vaca, ou seja, o leite quando sai do teto da vaca já sai com microrganismos, nesse caso diz-se que é uma contaminação endógena. Contaminação exógena A contaminação exógena é aquela que acontece após o leite sair do teto da vaca. Várias são as fontes da contaminação exógena. Origem da contaminação exógena • do animal • do ambiente • do homem • do utensílio • do vasilhame • da água. Para se obter um leite limpo e higiênico, é necessário que levemos em consideração os seguintes itens: 39 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 1 Afastar as fêmeas • Em estado de magreza extrema ou visivelmente esgotadas • Excessivamente infestadas por endo ou ectoparasitos • Suspeita ou declaradamente tuberculosas • Suspeita ou declaradamente brucélicas • Em estado febril • Com diarréia ou corrimento vaginal • Recém paridas • Com inflamação no úbere • Quando se diz “afastar as fêmeas” não se pretende querer eliminá-las, mas sim tomar cuidados especiais com as mesmas. 2 Os ordenhadores• Devem apresentar perfeita saúde e ter hábitos higiênicos • Usar roupas limpas durante a ordenha • Não fumar, cuspir ou escarrar no local de trabalho • Ter mãos e braços limpos na hora da ordenha e unhas aparadas. Os ordenhadores são peças fundamentais na produção de leite, pois são eles que irão ter contato direto com os animais, com o vasilhame e equipamentos e terá a responsabilidade de manipular o leite. 3 Local da ordenha O local da ordenha não necessita ser “luxuoso”, entretanto alguns requisitos não necessários para se produzir leite de boa qualidade, tais como: • Arejado, sem ventos fortes; • Seco e limpo, em nível elevado, ensolarado e com ligeiro declive; • Isolado de currais, pocilga e aviários; • Ser coberto, Cercado lateralmente a meia altura, piso firme; • De uso exclusivo da ordenha, mantido limpo. 4 Vasilhame É indispensável cuidado com o vasilhame, pois o leite terá contato direto com o mesmo, sendo que na prática observa-se ser esse um ponto de grande importância na produção de leite de boa qualidade. 40 Definições do Leite O vasilhame deve ser: • de uso exclusivo da ordenha; feito de alumínio, ferro estanhado, aço inoxidável ou plástico; • possuir formato próprio, sem ângulos vivos; • quando a ordenha é manual, recomenda-se o uso de balde de boca estreita (3/4 fechada). Alguns trabalhos têm demonstrado sua eficiência, sendo que uma redução na contagem total tem sido observa. Abaixo, estão apresentados os dados médios coletados em alguns deles. Boca Larga - 87.380 ufc/ml Boca Estreita - 29.262 ufc/ml 6.2 MÉTODO DE LAVAGEM Embora existam várias recomendações sobre os métodos de limpeza e sanitização de equipamento, eles seguem uma linha geral na seguinte ordem: • Água fria; • Água quente mais detergente; • Enxaguar; • Esterilizar (Vapor, cloro ou outro satitizante de comprovada eficiência); • Guardar em local limpo. 6.3 A ORDENHA No caso da ordenha manual, recomendam-se os seguintes cuidados que devem ser observados: • O animal deve estar com o úbere limpo e sem pêlos longos; • Prender a cauda da vaca; • Ordenhar em diagonal; • Feita a fundo e contínua; • Coar o leite; • Resfriar o leite; • Primeiros jatos em caneca telada; • Anotar a produção. 41 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite 6.4 O TRANSPORTE Embora o sistema de transporte de leite no Brasil está sofrendo grandes transformações, pela implantação do sistema de coleta a granel, deve-se observar no caso do transporte em latões que: • Seja feito mais o rápido possível; • Deve-se evitar que os raios solares incidam sobre os latões; • Quando possível os latões devem estar completamente cheios; • Se possível, à baixa temperatura. Obs. A coleta de leite a granel está gradativamente sendo implantada no Brasil, o que tem trazido muitos benefícios para a melhoria da qualidade do leite. 6.5 CUIDADOS GERAIS Alguns cuidados gerais devem ser tomados, os quais, embora não acarretando gastos econômicos, contribuem para a produção de leite de boa qualidade. Os cuidados gerais a serem tomados são: • Evitar espirros de urina e fezes; • Evitar mosquitos, carrapatos, pêlos; • Evitar poeira no estábulo; • Limpeza periódica do curral; • Latões em estrado de madeira; • Manter os latões à sombra e verificar periodicamente a limpeza; • Afastar os latões defeituosos ou reformá-los; • Não usar os latões para outros fins; • Não arear o vasilhame; • Limpar o úbere antes da ordenha; • Evitar grande número de transvase. 42 7 TRATAMENTOS DO LEITE 7.1 FILTRAÇÃO É a retirada, por processos mecânicos, das impurezas do leite, mediante centrifugação ou passagem em tecido filtrante próprio, sob pressão. Todo leite destinado ao consumo deve ser filtrado, antes de qualquer outra operação de beneficiamento. 7.2 RESFRIAMENTO O resfriamanto do leite tem o objetivo de criar um meio desfavorável ao desenvolvimento microbiano. A temperatura baixa diminui a taxa de multiplicação dos microrganismos e a atividade enzimática. O leite deve ser mantido refrigerado desde a ordenha. Entretanto deve-se ter em mente que muitas bactérias (psicrotróficas) desenvolvem a temperaturas baixas. Essas bactérias produzem enzimas (proteases e lipases) que embora não acidificando o leite (o que seria detectado facilmente) atuam sobre as proteínas e lipídeos, causando problemas, principalmente quando esse leite é utilizado na elaboração de queijos, onde produzem sabores desagradáveis (rançoso e de sabão) além de diminuir o rendimento industrial do leite. O resfriamento do leite logo após a ordenha é, talvez, o fator isolado mais importante na manutenção da qualidade o leite, entretanto esse tratamento não dispensa todos os cuidados higiênicos durante a produção. 7.2.1 Clarificação A Clarificação do leite é uma operação que contribui positivamente para a qualidade do leite. Para aumentar à eficiência do processo a clarificação deve ser conduzida antes da pasteurização e da homogeneização. EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite A clarificação remove: células epiteliais, leucócitos, eritrócitos, neutrófilos (células somáticas), sujidades de densidade maior que a do leite, esporos, etc. Além disso, a clarificação promove uma ruptura dos aglomerados de glóbulos de gordura, chegando mesmo a promover uma homogeneização parcial do leite. 44 Produção Higiênica do Leite Figura 3 Esquema geral de uma clarificadora 7.2.2 Homogeneização do leite Todos já observaram que quando o leite fica por algum tempo em repouso, uma camada de creme (nata) se forma na superfície. Isso é mais intenso quanto mais frio estiver o leite. Observamos também, que no caso de alguns tipos de leite, como o longa vida (UHT) não se forma essa nata, mesmo que o leite seja integral. Nesse último caso, o leite (normalmente aqueles comercializados em caixinhas) é homogeneizado, por isso não forma a camada de creme (nata). Para o entendimento do processo, necessita-se primeiro, conhecer a gordura do leite, sua formação e a forma com que se encontra no leite. Observem a Figura 4: 45 EDITORA – UFLA/FAEPE – Qualidade e Processamento do Leite Figura 4 Esquema de um quarto do úbere e um alvéolo Ela representa um esquema de um alvéolo, também conhecido como ácino glandular. Internamente o alvéolo é entapetado por um grupo de células, as células epiteliais lactígenas ou células secretoras. São essas células que produzem o leite, por incorporação de substâncias extraídas do sangue, as quais são metabolizadas e lançadas no lúmen na forma de leite. A maioria das substâncias, proteínas, lactose, minerais, possuem afinidade com a água, enquanto que a gordura não, ela é insolúvel em água. Como o conteúdo celular é basicamente aquoso, a gordura tem dificuldade em permanecer no seu interior. Assim ela tem de se associar a membranas internas, para fugir da água e, além disso, as gorduras formadas no interior da célula se ajuntam, formando uma gota relativamente grande, com isso diminui a superfície de contato com a água. A Figura 5 abaixo esquematicamente uma célula secretora. 46 Produção Higiênica do Leite Figura 5 Esquema de uma célula secretora Observe que as proteínas (dentro das vesículas secretoras – SV) são moléculas pequenas em comparação com a gota de gordura e são facilmente excretadas para o lúmen assim que são elaboradas, o mesmo acontece com a lactose, molécula bastante solúvel em água, muito pequenas, que passam facilmente pela membrana da célula (não vamos
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