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Capítulo I jQ processo psicodiagnóstíco Caracterização. Objelivo.s. Momentos do Processo. Enquadramento. 4 - ^ Maria L. S. de Ocampo e Maria E. Garcia Arzenó A concepção do processo psicodiagnóstico, tal como o postulamos nesta obra, é relativamente nova. Tradicionalmente ei'a cojisiderado “ a partii' de fora” , corno uma situação em que o psicólogo ajDlica.um teste em alguém, e era nestes termos que se fazia o encaminiiamento. Em alguns casos especificava-se, inclusive, que teste, ou testes, se deve ria aplicar. A indicação era formulada então como “ fazer um Rorschach” ou “aplicar um desiderativo” em alguém. De outro ponto de vista, “ a partir de dentro” , o psicólogo tradicionátmente sentia sua tarefa conio o cumpjirnento de uma solicitação com as características de uma demanda a ser satisfeita seguindo os passos e utilizando os instrumentos indi cados por oiitros (psiquiatra, psicanalista, pediatra, neurolo gista, etc.). O objetivo fundamental de sen contato com o pa ciente era, então, a investigação do que este faz diante dos esü- mulos apresentados. Deste modo, o psicólogo aluava como al guém que aprendeu, o melhor qiie pôde, a aplicar um teste, p paciente, por seu lado, repi'esentava alguém cuja presença é imprescindível; alguém de quem se espera que colabore docil mente, mas que só interessa como objeto parcial, isto é, como “ aquele que deve fazer o Rorschacb ou. o Teste das Duas Pes soas” . Tudo que se desviasse deste propósito oü interferisse em seu sucesso era considerado como uma perturbação que afeta e complica o trabalho. Terminada a aplicação do último teste, em geral, despe di a-se o paciente e enviava-se ao remetente um informe elabo rado com enfoque atomizado, isto é, teste por teste, e com uma ampla gama de detalhes, a ponto de incluir, em alguns casos, 0 protocolo de registro dos testes aplicados, sem levar em conta que o profissional remetente não tinha conhecimentos especí ficos suficientes para extrair alguma informação útil de todo este material. Este tipo de informe psicológico funciona como nma prestação de contas do psicólogo ao outro profissional, que é sentido como um superego exigente e inquisidor. Atrás desse desejo de mostrar detalhadamente o que aconteceu entre seu paciente e ele, esconde-se uma grande insegurança, fruto de sua frágil identidade profissional. Surge, então, umã neces sidade imperiosa de justificar-se e provar (e provar para si) que procedeu corretamente, detalhando excessivamente o que acon teceu, por medo de não mostrar nada que seja essencial e cli nicamente útil. Esses infonnes psicológicos são, à luz de nos sos conlrecinienLos atuais, uma hia enumeração de dados, traços, fórmulas, etc., freqüentemente não integrados numa Gestalt que apreenda o essencial da personalidade do paciente e per mita evidenciá-lo. O psicólogo trabalhou durante muito tempo com um mo delo similar ao do médico clínico que, para proceder com efi ciência e objetividade, toma a maior distância possível em re lação a seu paciente a fira de estabelecer um vínculo afetivo que não lhe impeça de trabalhar com a franqüilidade e a obje tividade iiecessáiias. Em nossa opinião, o psicólogo freqüentemente agia assim - e ainda age - por carecer de uma identidade sólida que lhe pemiita saber quem é e qual é seu verdadeiro trabalho dentro das ocupações ligadas à saúde mental. Por isso tomou empres tado, passivamente, o modelo de trabalho do médico clínico (pe diatra, neurologista, etc.) que lhe dava um pseudo-alívio sob dois ^ ......... ........ .........0 processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas aspectos. Por um lado, tomou emprestada uma pseudo-identi- dade, negando as diferenças e não pensando para não disi:in- guir e ficaj-, de novo, desprotegido. O preço deste alívio, além da imposição externa, foi a submissão interior que o empobre cia sob todos os pontos de vista, ainda que ]Jie evitasse um questionamento sobre quem era e como deveria trabaíliar. A iião-indagação de tudo o que .se referia ao sistema comuníca- cionai dinâmico aumentava aTlistância entre o psicólogo e o paciente e diminuía a possibilidade de vivenciar a angústia que tal relação pode despertar. Assim, utilizavam-se os testes como se eles constituíssem em si mesmos o objetivo do psico- diagnóstico e como um escudo entre o profissional e o pacien te, para evitar pensamentos e sentimentos que mobilizassem afetos (pena, rejeição, compaixão, medo, etc.). Mas nem todos os psicólogos agiram de acordo com esta descrição. Muitos experimentaram o desejo de uma aproxima ção autêntica com o paciente. Para pô-lo em piútica, tiveram de abandonar o modelo médico enfrentando por um lado a d.esproteção e, por outro, a sobrecarga afetiva pelos depósitos^' de que eram objeto, sem estarem preparados para isso. Podia acontecer então que atuassem de acordo com os papéis indu zidos pelo paciente: que se deixassem invadir, seduzir, que o superprotegessem, o abandonassem, etc. O resultado era uma contra-identificação projetiva conr o paciente, inconveniente porque interferia em seirtrabalho. Devemos levaj* em conta que é escassa a confiança que podemos ter em um diagnósti co em que tenha operado este mecanismo, sem. possibilidades de correção posterior. Devido à diliisão crescente da psicami- lise no âjnbito universitário e sua adoção co.mo ,ma]*co de refe rência, os psicólogos optaram por aceitá-la como modelo de trabalho, diante da necessidade de achar uma imagem de iden tificação que lhes peiaiiitisse crescer e se fortalecer. Esta aqui- 0 processapsicuc/iagiiósüco... ................. * Depositar será usado iiu seuliclo de colocar no oliü o e deixar. (N. do .ti.) i . u» sição significou ura progresso de valor inestimável, mas pro vocou, ao mesmo tempo, uma nova crise de identidade no psi cólogo. Tentou transferir a dinâmica do processo psicanalítico para o processo psicodiagnóstico, sem levar em conta as ca racterísticas específicas deste. Isto trouxe, paralelamente, uma distorção e um empobrecimento de caráter diferente dos da linha anterior. Enriqueceu-se a compreensão dinâmica do caso mas foram desvalorizados os instrimientos que não eram utili zados pelo psicanalista. A técnica de entrevista livre foi super- valorizada enquanto era relegado a um segundo plano o valor dos testes, embora fosse para isso que ele estivesse mais pre parado. Sua atitude em relação ao paciente eslava condiciona da por sua versão do modelo analítico e seu enquadramento específico: permitir a seu paciente desenvolver o tipo de con duta que surge espontaneamente em cada sessão, interpretar com base neste material contando com um tempo prolongado para conseguii' seu objetivo, podendo e devendo ser continen te de certas condutas do paciente, tais como recusa de falar ou brincar (caso trabalhasse com crianças), silêncios prolonga dos, faltas repetidas, atrasos, etc. Se o psicólogo deve fazer um psicodiagnpstico, o enqua dramento não pode ser esse: ele dispõe de um tempo limitado; a duração excessiva do processo torna-se prejudicial; se não se colocam limites às rejeições, bloqueios e atrasos, o trabalho fracassa, e este deve ser protegido por todos os meios. Em re lação à técnica de entrevista livre ou totalmente aberta, se ado tamos 0 modelo do psicanalista (que nem todos adotam), de vemos deixar que o paciente fale o que quiser e quando quiser, isto é, respeitaremos seu timing. Mas com isto cairemos numa confusão: não dispomos de tempo ilimitado. Em nosso contra to com o paciente falamos de "algumas entrevistas” e às vezes até se especifica mais ainda, esclarecendo que se trata de três ou quatro. Portanto, aceitar silêncios muito prolongados, lacu nas totais em temas fundamentais, insistência em um mesmo tema, etc., "porque é o que o paciente deu”, é ftincionar com uma ______ __ ______opwcesao paicodiagnósilco e as técnicas projetivas 0 processo psicodiagiiósiico___ identidade alheia (a do terapeuta) e romper o líróprio enqua dramento. Dai'emos um exemplo: se o paciente diega muito atrasado à sua sessà.o, o terapeuta interpretará em função do material com que conta, e esse atraso pode constituir para ele uma conduta saudável em certo momento da tej-apia, como, por exemplo, no caso,de ser o primeiro sinal de (ransíerência negativa em um paciente muito predisposto a idealizar seu v íiiC L ilô com ele. No caso dò psicólogo que deve realizar um diagnóstico, esses poucos .minutos qtie restam nao lhe servem para nada, já que, no máximo, poderá ajdicar algum teste grá fico mas sem ga,rantia de que possa ser concluído no mojnento preciso. Pode oCorrer enteão que prolongue a entrevista., rom pendo seu enquadramento, ou inteiTO,mpa o teste; tudo isto per turba 0 paciente e amiia seu trabalho, já que um teste não con cluído não tem validade. Esse mesmo atraso significa, nesse segundo caso, um ataque mais sério ao vínculo com o profis sional porque ataca diretamente o enquadi-amenl.o previamen- te estabelecido. Não resta a menor dúvida de que a teona e a técnica psi- canalíticas deram ao psicólogo um marco de referência im prescindível que 0 ajudou a entender co:rretainente o que acon tecia em seu contato com o paciente. Mas, assim como uma vez teve de se rebelar contra sua própria tendência a ser um apUcador de testes, submetido a um modelo de trabalho frio, desumanizado, atojnizado e superdetalhista, (:ambé.rn chegou, um momento (e diriamos que estamos vivendo este momento) em que teve de definir suas semelhanças e diferenças em rela ção ao terapeuta psicanalítico. Todo este processo se deu, entre outras razões, pelo falo de ser uma profissão nova, pela forma ção recebida (pró ou anúpsicanalítica) e fatores pessoai.s. Do nosso ponto de vista, até a inclusão da teoria e da técnica psi- canalíticas, a tarefa psicodiagnóstica carecia de um marco de referência que ihe desse consistência e utilidade clínica, espe cialmente quando o diagnóstico e o prognóstico eram realiza dos era liiiição de uma possível terapia, A aproximação entre 10 _0 processo psicocliagnósficv e as tècmcas piojelivas a tarefa psicodiagnóslica e a teoria e a técnica psicaiialíticas rea lizou-se por Lini esfoi-ço mútuo. Se o psicólogo trabalha com seu próprio jnarco de referência, o psicanalista deposita mais confiança e esperanças na correção e na utilidade da informa ção que recebe dele. O psicanalista se abriu mais à informação proporcionada pelo psicólogo, e este, por seu lado, ao sentir-se mais bem recebido, redobrou seus esforços para dcvr algo cada vez melhor. Até há pouco tempo, o lato de o informe psicológi co incluir a enumeração dos mecanismos defensivos utilizados pelo paciente constituía uma informação importante. No estado atual das coisas, consideramos que dizer que o paciente utiliza a dissociação, a identificação projetiva e a idealização é dar uma informação até certo ponto útil mas insuficiente. Possivelmente, todo ser humano apela para todas as defesas conliecidas de acor do cora a situação interna que deve enfrentar. Por isso, pensamos que o mais útil é descrever as situações que pÕein em jogo‘essas defesas, a sua intensidade e as probabilidades de que sejam efi cazes. Consideramos que o terapeuta extrairá tuna informação mais útil de um informe dessa natureza. O psicólogo teve de percorrer as mesmas etapas que um indivíduo percorre em seu crescimento. Buscou figuras boas para se identificar, aderiu ingênua e dogmaticamente a certa ideo logia e identificou-se introjetivaraente com outros profissio nais que flincionaram como imagens parentais, até que pôde questionar-se, às vezes com crueldade excessiva (como ado lescentes em crise), sobre a possibilidade de não ser como eles. Pensamos que o psicólogo entrou num período de maturidade ao perceber que utilizava uma “pseudo” identidade que, fosse qual fosse, distorcia sua identidade real, Para perceber esta últi ma, teve de tomar uma certa distância, pensar criticamente no que era dado como inquestionável, avaliar o que era positivo e digno de ser incorporado e o que era negativo ou completamen te alheio à sua atividade, ao que teve de renunciar. Cojiseguiu assim uma maior autonomia de pensamento e prática, com a qual não só se distinguirá e fortalecerá sua identidade própria, 0 processo psicodiagnóslico n como também poderá pensar mais e melhor em si mesmo, contribuindo para o enriquecimento da teoria e da prática psi cológica inerente a seu campo de ação. Cavactenzaçào do prçcesso [meodiagnóstico Institucionalmente, o processo psicodiagnóstico configu ra uma situação com papéis bem definidos e com um contrato no qual uma pessoa (o paciente) pede que a ajudem, e outra (o psicólogo) aceita o pedido e se compromete a satisfazê-lo na medida de suas possibilidades. É uma situação bipessoal (psi- cólogo-paciente ou psicólogo-grupo familiar), de duração limi tada, cujo objetivo'é conseguir uma descrição e compreensão, 0 mais profunda e completa possível, da personalidade total do paciente ou do grupo familiar. Bnfatiza também a investigação de algum aspecto em particular, segundo a sintomatologia e as características da indicação (se houver). Abrange os aspectos passados, presentes (diagnóstico) e futuros (iDrognóstico) desta pei‘Sonalidade, utilizando pai‘a alcançar tais objetivos certas téc nicas (entrevista semidirigida, técnicas projetivas, ení.revisía de devolução). Objetivos Em nossa caracterização do processo psicodiagnóstico adiantamos algo a respeito de seu objetivo. Vejamo-lo mais detalhadamente. Dizemos que nossa investigação psicológica deve conseguir uma descrição e compreensão da personalidade do paciente. Mencionar seus elementos constitutivos não salis- làz nossas exigências. Além disso, é mister explicar a dinâmi ca do caso tal como aparece no material recolíiido, integran do-o num quadro global, Uma vez alcançado um panorama pre ciso e completo do caso, incluindo os aspectos patológicos e 12 0 procü.sso psicodiagnósíico e cf.s técnicas projetivas os adaptativos, trataremos de formular recomendações tera pêuticas adequadas (terapia breve e prolongada, individual, de casal, de grupo ou de grupo familiar; com que freqüência; se é recomendável um terapeuta homem ou mulher; se a terapia pode ser analítica ou de orientação analítica ou outro tipo de terapia; se o caso necessita de um tratamento medicamentoso paralelo, etc.). Momentos do processo psicodiagnôstico Segundo nosso enfoque, reconhecemos no processo psi- codiagnóstico os seguintes passos: If) Primeiro contato e entrevista inicial com o paciente. 2 *^) Aplicação de testes e técnicas projetivas. 3?) Encerramento do processo: devolução oral ao pacien te (e/oLi a seus pais). 4 f) Informe escrito para o remetente. No momento de abertura estabelecemos o primeiro con tato com 0 paciente, que pode ser direto (pessoalmente ou por telefone) ou por intermédio de outra pessoa. Também incluí mos aqui a primeira entrevista ou entrevista inicial, à qual nos referiremos detalhadamente no capítulo 11. O segundo momen to consiste na aplicação da bateria previamente selecionada e ordenada de acordo com o caso. Também incluímos aqui o tem po que o psicólogo deve dedicar ao estudo do material recolhi do. O terceiro e o quarto momentos sao integrados respectiva mente pela entrevista de devolução de informação ao paciente (e/ou aos pais) e pela redação do informe pertinente para o pro fissional que o encaminhou. Estes passos possibilitam infor mar o paciente acerca do que pensamos que se passa com ele e orientá-lo com relação à atitude inais recomendável a ser tomada ejnseu caso. Faz-se o mesmo em relação a quem enviou 0 caso para psicodiagnôstico. A forma e o conteiido do informe dependem de quem o solicitou e do que pediu que fosse investigado mais especificamente. J.Í0 processo psicodiagnósíicu Enquadramento Já nos referimos à necessidade de utilizar uni enquadra mento ao longo do processo psicodiagnôstico. Definiremos ago ra 0 que entendemos por enquadramento e esclareceremos alguns pontos a respeito disto^ Utilizar um enquadrameiilo significa, para nós, manter constantes certas variáveis que intervém no processo, a saber: . - Esclarecimento dos papéis respectivos (natureza e limi te da função que cada parte integrante do contrato de sempenha). - Lugares onde se realizarão as entrevistas. Horário e duração do processo (em termos aproxima dos, tendo 0 cuidado de não estabelecer uma duração nem muito CLU'ta nem muito longa). ~ Honorários (caso se trate de uma consulta particular ou de uma instituição paga). Não se pode definir o enquadramento com maior precisão porque seu conteúdo e seu modo de formulação dependem, em muÍI;os aspectos, das características do paciente e dos pais. Por isso recomendamos esclarecer desde o começo os ele mentos imprescindíveis do enquadramento, deixando os res tantes para o final da primeira entrevista. Perceber qual o en quadramento adequado pa^ ra o caso e poder mim tê-lo de ime diato é um elemento tão importante quanto difícil de aprender na tarefa psicodiagnóstica. O que nos parece mais recomendá vel é uma atitude permeável e aberta (tanto ]?ara com as neces sidades do paciente como para com as próprias) para não esta belecer condições quelogo se tornem insusientáveis (ínlta de limites ou limites muito rígidos, prolongamento do processo, delineamento confuso de sua. tarefa, etc.) e que prejudiquem especialmente o paciente. A plasticidade aparece como uma condição valiosa para o psicólogo quando esle a utiliza para se situar acertadamente diante do caso e manter o enquiidramen- to apropriado. Também o é quando sabe discriminar entre uma necessidade real de modificar o enquadramento prefixado e uma ruptura de enquadramento por atuação do psicólogo indu zida pelo paciente ou por seus pais. A contra-identificação pro jetiva com algum deles (paciente ou pai) pode induzir a tais erros. _______ ______0 processo psicodiagnósiico e as léaiicas projetivas
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