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JUVENTUDE RURAL E AGRICULTURA FAMILIAR: OS DETERMINANTES DOS PROCESSOS MIGRATÓRIOS E OS DESAFIOS PARA A PRESERVAÇÃO DA AGRICULTURA FAMILIAR1 José Ribeiro da Silva Zootecnista e Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local – POSMEX / UFRPE Paulo de Jesus Dr. em Ciências da Educação e Professor do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvimento Local – POSMEX / UFRPE Resumo Este estudo teve como objetivo analisar fatores determinantes da migração dos jovens na atualidade e desafios para a reprodução de uma nova geração de agricultores no Brasil. Trata-se de uma revisão bibliográfica, onde procurou-se ao debate elementos que determinam a migração juvenil e consequências deste processo para a preservação da agricultura familiar. De acordo com Carneiro (1999), o jovem vive uma dualidade entre o desejo de melhorar de vida e serem algo na vida, e o compromisso com a família e com a localidade de origem. Relacionada à migração é a pouca capacidade de multiplicação das propriedades, quando a mesma é partilhada por processo de herança e que não suporta a mão de obra de todos os membros da família (WANDERLEY, 2007, p.24). Quanto aos desafios para a formação de uma nova geração de agricultores diz, respeito ao perfil do agricultor, desenhado a partir dos novos processos produtivos e oportunidades de mercado. Nesta perspectiva, Carneiro (1999) revela que a atividade agrícola é vista como alternativa para as pessoas de baixa escolaridade, enquanto Abramovay (2005) complementa que em decorrência das necessidades da própria modernização da agricultura, o setor passa a exigir uma maior compreensão de habilidades gerenciais e administrativas. Nos debates, em torno da realidade do campo as questões de geração devem ser consideradas, pois não se permite que esta categoria seja excluída da participação tanto da gestão, desenvolvimento e resultados das atividades desenvolvidas pela família dentro da unidade produtiva, assim como da participação comunitária (SILIPRANDI, 2007, p. 845). Percebeu-se que um dos grandes desafios para que a agricultura familiar passe a fazer parte das opções profissionais do jovem, perpassa as questões de identidade e pertencimento, de acordo com Abramovay (2005), isto exige um esforço permanente e articulado entre os diversos agentes e instituições que atuam nesse meio, associando-se políticas agrícolas, fundiárias e de habitação com outras dirigidas para recuperação e melhoria do nível educacional e da formação profissional dos futuros agricultores. Palavras chave: Juventude rural. Agricultura Familiar. Desenvolvimento Local 1 Trabalho Apresentado ao VIII Congresso Latinoamericano de Sociologia Rural, Porto de Galinhas, 2010 Introdução As últimas décadas têm testemunhado profundas transformações sociais, econômicas e culturais, afetando as rotinas produtivas e as relações sociais, comerciais e trabalhistas em todo o mundo. Este atual contexto produziu novas desigualdades sociais que exigiram do campo das políticas públicas alternativas que enfrentassem o quadro de exclusão (BRASIL, 2006, p.06). É inquestionável a importância da agricultura familiar no processo de desenvolvimento rural. Seu potencial na atualidade vai além da produção de alimentos. Discute-se hoje o seu papel na oportunização de ocupação e renda nos espaços rurais, assim como a responsabilidade pela utilização sustentável dos recursos naturais. Dentro dessa perspectiva, devem ser ressaltados os recentes fenômenos que vêm acontecendo no meio rural brasileiro. “Novos espaços surgiram, permitindo que houvesse inúmeras manifestações sobre o papel da agricultura familiar e do próprio desenvolvimento rural” (FLORES, 2002, p.347). No entanto, um dos grandes desafios que se coloca para o meio rural de acordo com Mello et al (2003), é a formação de uma nova geração de agricultores, o que exige um esforço permanente e articulado entre os diversos agentes e instituições que atuam nesse meio, associando-se políticas agrícolas, fundiárias e de habitação com outras dirigidas para recuperação e melhoria do nível educacional e da formação profissional dos futuros agricultores. Complementando essa ideia, os debates em torno do desenvolvimento sustentável para o campo e para construção de um outro modelo através de experiências fundadas na agricultura familiar, Siliprandi (2007) ressalta a necessidade de se contemplar o máximo de elementos que girem em torno da realidade do campo. Nesse sentido, no que diz respeito às questões de gênero e geração devem ser priorizados, pois não se permite que estas categorias sejam excluídas da participação tanto da gestão, desenvolvimento e resultados das atividades desenvolvidas pela família dentro da unidade produtiva, quanto da participação comunitária. Por outro lado, percebe-se que a juventude rural, não tem recebido a atenção merecida. Sua participação nos processos de gestão e execução das atividades familiares é, na maioria dos casos, desconsiderada com a justificativa de imaturidade e de irresponsabilidade. As políticas públicas direcionadas ao campo, parecem não atender os anseios e necessidades desses jovens, contribuindo para a inviabilidade de sua permanência no meio rural. Nesse sentido, é recente a inclusão desta temática na agenda política do Brasil e no âmbito internacional. As políticas públicas passaram a incluir as questões relacionadas à juventude, de forma mais consistente, por motivos emergenciais, já que os jovens são os mais atingidos pelas transformações no mundo do trabalho e pelas distintas formas de violência física e simbólica que caracterizam o século XXI (BRASIL, 2006, p. 06). Do exposto, parece poder afirmar-se que a juventude rural é a categoria “[...] afetada pelas mudanças e crises recentes do mundo rural e como essa realidade é reelaborada na formulação dos projetos individuais e familiares em contextos sociais e econômicos distintos” (CARNEIRO, 1999, p.2). Nesse sentido, os debates sobre a realidade e as tendências da agricultura familiar deixam dúvidas sobre a possibilidade de que os jovens rurais de hoje possam representar os possíveis agricultores do futuro. Percebe- se que este público, afasta-se cada vez mais das atividades agropecuárias desenvolvidas por seus pais, o que implica na busca de oportunidades de ocupação e renda fora da realidade rural. Sendo assim, essa reflexão tornou-se o ponto de partida desse estudo norteado pelos seguintes questionamentos: que fatores colaboram para que jovens filhos de agricultores familiares busquem nos centros urbanos as alternativas de trabalho e renda? Quais os desafios desse processo para a consolidação de uma nova geração de agricultores familiares dentro dos novos contextos do cenário rural na atualidade? Nesse sentido, este estudo teve por objetivo analisar fatores determinantes da migração dos jovens na atualidade e desafios para a reprodução de uma nova geração de agricultores no Brasil. Trata-se de uma revisão bibliográfica, onde procurou-se ao debate elementos que determinam a migração juvenil e as consequências deste processo para a preservação da agricultura familiar no Brasil. A dinâmica do espaço rural na atualidade: desafios e perspectivas para a reprodução da agricultura familiar A agricultura familiar sobrevive ocupando pequenas extensões de terra, utilizando tecnologias rudimentares e destinando a produção, em grande parte, para o consumo familiar. De acordo com Peixoto (1998) o segmento também desempenha as funções de produtora de alimentos e de reservatório de mão- de-obra para os latifúndios. As limitações tecnológicas que, caracterizam os produtores familiares, levaram à formulação do conceito de produção para o autoconsumo, em que, praticamente, não se observa a geração de excedentes.De acordo com Kwitko (2005), “ainda que a maioria dos agricultores viva em condições de pobreza, continuam responsáveis por expressiva parcela da produção de alimentos e matérias-primas, sobretudo em regiões como o Nordeste”. A eles se somam os trabalhadores sem-terra, inúmeras famílias que perderam suas terras ou seus empregos em atividades agrícolas e lutam para retornar a elas. Para Carneiro (1999), a visão da agricultura familiar como “atrasada” mais com “potencialidade” tem colaborado com a priorização dos agricultores considerados “viáveis”, ainda a respeito disso, a autora reforça: Uma visão naturalizada da agricultura familiar como “atrasada” mas com “potencialidade” tem levado a formulação de propostas políticas que se limitam a modernização tecnológica e ao acesso à informação sobre o mercado e formas “modernas” de produção. Partindo da premissa de uma maior eficiência produtiva dessa forma de produção que não desenvolveu toda a sua potencialidade, orienta-se as propostas políticas ao segmento que apresenta melhores condições (materiais e subjetivas) de superar esse atraso (CARNEIRO, 1999, p.331). A autora também argumenta que esta abordagem pressupõe a integração dessas unidades de produção limitada apenas à economia de mercado, tendo como consequência duas implicações: Primeiro, exclui da participação na economia e na sociedade todo um segmento de pequenos agricultores considerados “sem potencialidades para o progresso”. Segundo, associa a competitividade dos demais (os viáveis) à natureza intrínseca da agricultura familiar na medida em que esta forma de produção não incorporaria nem a renda da terra nem os lucros da produção (CARNEIRO, 1999, p.332). Segundo Mussoi (2006), a agricultura familiar, pelas suas características “(como produtora de alimentos básicos baratos, como reserva de mão-de-obra, como consumidora de insumos industriais, e como geradora de um movimento econômico considerável) é, ao mesmo tempo, importante para o modelo geral, e gradativamente excluída dele”. Mesmo diante dos desafios atuais, a agricultura familiar é forte contribuindo significativamente para o desenvolvimento do país. De acordo com Lima e Figueiredo (2006), “Mesmo que não seja este o desenvolvimento que se almeje e nem a agricultura que se busca, de base ecológica. Mais no conjunto e no processo contraditório e dialético que se estabelece em uma sociedade de classe, a agricultura familiar tem um papel e tem importância”. Schneider (2005) afirma que desde a primeira metade dos anos 90, está surgindo uma legitimação e proeminência da agricultura familiar, que busca nos espaços políticos firmar-se como categoria social estratégica no processo de desenvolvimento rural sustentável. Um fenômeno que emerge, justamente nesse período, dando um suporte a sustentabilidade das atividades dentro dos espaços rurais são as atividades não agrícolas. Nessa perspectiva, Grossi e Silva (2002) acrescentam que o despertar de atividades antes consideradas como “hobbies” que começaram a assumir importância econômica no cenário da agricultura familiar. Os autores também denominam este fenômeno de Novo Rural que no Brasil também é conhecido por novo rural brasileiro. Dentro dessa lógica, o espaço rural brasileiro não pode mais ser reduzido a sua dimensão agrícola ou agrária. As tradicionais atividades produtivas não conseguem justificar a dinâmica do emprego rural do país. De acordo com Silva (1996), é necessário que sejam envolvidas as atividades rurais não-agrícolas decorrentes das novas demandas da urbanização do meio rural. Assim, são recorrentes as atividades relacionadas ao turismo, lazer, criação de animais e plantas exóticas e outros serviços rurais. Apesar de receber a denominação de “novas” de acordo com Grossi e Silva (2002) essas atividades são seculares, mais não tinham, até pouco tempo, importância econômica. “Eram atividades de „fundo de quintal‟, hobbies pessoais ou pequenos negócios agropecuários intensivos”. Segundo os mesmos autores, essa valorização não se limitou apenas as atividades agrícolas, passou a incluir também as atividades não agrícola derivadas do processo de urbanização do meio rural como a prestação de serviços de moradia, turismo, lazer; e com as atividades decorrentes da preservação ambiental (GROSSI e SILVA, 2002, p. 06). Além disso, os autores acrescentam que: [...] o meio rural brasileiro já se converteu também num lugar de residência dissociado do local de trabalho, ou ainda, de que os espaços rurais não são mais apenas espaços privatizados e locais de trabalho; e que as pessoas residentes no meio rural não estão necessariamente ocupadas, nem, muito menos, ocupadas em atividades agrícolas (GROSSI e SILVA, 2002, p.13). Junto ao avanço tecnológico e a modernização da agricultura surge também à preocupação com o equilíbrio ecológico. O processo de produção capitalista tem colaborado com a degradação de ecossistemas, com a extinção de plantas e animais e mais recentemente os novos estudos sobre clima que explicam as catástrofes ecológicas que tem ocorrido em todo o mundo. Refletindo sobre a importância da agricultura familiar, Mussoi (2006), diz que esse tipo de agricultura “é incompatível com a o modelo de desenvolvimento econômico atual” e acrescenta que “O futuro deste tipo de agricultura, passa por uma revisão profunda do paradigma do desenvolvimento que, sem dúvidas, indica para as dimensões da agroecologia e da sustentabilidade como fatores fundamentais de viabilização de um novo modelo agrário e de sociedade, ambientalmente são e com justiça social”. A necessidade de uma outra lógica na produção e a revitalização dos espaços rurais no âmbito da sustentabilidade e da solidariedade a agroecologia é apontada como a principal alternativa. De acordo com Caporal e Costabeber (2007), nos últimos anos a agroecologia têm sido referência principalmente como expressão sócio-política. Em anos mais recentes, a referência constante à Agroecologia, que se constitui em mais uma expressão sócio-política do processo de ecologização, tem sido bastante positiva, pois nos faz lembrar de estilos de agricultura menos agressivos ao meio ambiente, que promovem a inclusão social e proporcionam melhores condições econômicas aos agricultores (CAPORAL E COSTABEBER, 2007, p.06). Percebe-se também que a concepção de agroecologia vai além de uma abordagem econômica, seu campo é muito mais amplo, pois envolve uma racionalidade em torno de todos os fenômenos que afetam o meio rural como um todo. [...] por se tratar de um processo social, isto é, por depender da intervenção humana, a transição agroecológica implica não somente na busca de uma maior racionalização econômica-produtiva, com base nas especificidades biofísicas de cada agroecossistema, mas também numa mudança nas atitudes e valores dos atores sociais em relação ao manejo e conservação dos recursos naturais (CAPORAL E COSTABEBER, 2007, p.12). Nesta perspectivas novas oportunidades de mercado surgem como potencial a ser explorado pela agricultura familiar, de acordo com Flores (2002), “Os produtos tradicionais provenientes da agricultura familiar têm condições de ocupar maiores espaços no mercado local, nacional e internacional, beneficiando-se de valores que sejam agregados aos produtos, [...]” (FLORES, 2002, p.352). De acordo com este mesmo autor, esses produtos são: produtos para alimentação humana com maior menor carga de riscos à saúde; produtos cujo processo de produção reduz danos ao meio ambiente; produtos para alimentação animal com maior menor carga de riscos a saúde; produtos naturais para industria têxtil, fitoterápicos, corantes etc.; e produtos com valor cultural agregado. Com base nas discussões sobre o processo histórico de constituição e contexto em que a agricultura familiar no Brasil está inserida,assim como a importância do papel da agricultura familiar e as novas demandas produtivas, surge também a preocupação com a reprodução da categoria dentro do cenário produtivo do país. Um dos problemas dessa reprodução diz respeito aos futuros agricultores, quem serão e em que condições. Espera-se que surja nesse cenário a participação dos jovens como atores do desenvolvimento, com a perspectiva de tornarem-se os futuros agricultores que darão continuidade as tradições camponesas dentro da lógica nas novas demandas de mercado. Juventude rural: alguns argumentos a respeito da migração do rural para o urbano O enfoque atual sobre os processos migratórios “sugere que os indivíduos migrariam em busca de trabalho, melhores oportunidades e salários, realizando um cálculo racional-econômico para a escolha do destino”. Por outro lado, “a abordagem histórico-estruturalista indica que a formação dos fluxos de migrantes decorreria das necessidades e ditames do desenvolvimento econômico capitalista no país” (OLIVEIRA e JANUZZI, 2005, p. 34). Segundo os mesmos autores, qualquer que seja o ponto de vista os motivos da migração empreendida, pessoal ou compulsoriamente, seriam os relacionados ao trabalho e os protagonistas do processo, jovens em pleno potencial produtivo. Esse fato, de acordo com Abramovay (2005), pode ser justificado por ser a juventude um grupo etário que tem como características típicas a alta tendência de mobilidade e o desejo de viver novas aventuras. A situação em que se expressa a agricultura familiar na atualidade, assim como os fenômenos relacionados, é resultado de um processo histórico iniciado a partir da colonização, sendo influenciada principalmente pelos acontecimentos políticos, econômicos e sociais dos últimos séculos e principalmente das últimas décadas. A respeito disso Lamarche, disserta que “Evidentemente a exploração familiar tem passado também por profundas transformações nestas últimas décadas, todavia foi bastante afetada pelo caráter “conservador” da modernização agrícola: discriminatório, parcial e incompleto” (LAMARCHE, 1997, p.184). Esses acontecimentos devem ser considerados, quando analisado o comportamento migratório existente nas comunidades rurais. De acordo com Grossi e Silva (2002), as transformações começaram a ser destacadas na década de 50, a partir da instalação, no Brasil, de indústrias produtoras de insumos para a agricultura (máquinas, adubos químicos e agrotóxicos), o Governo montou inúmeros aparatos para incentivar o uso dessas tecnologias. Surge a partir daí a “revolução verde” modelo que preconizava a modernização da agricultura que só veio a se efetivar nos anos 60. Grossi e Silva (2002) ainda afirmam que a partir dos anos 80, o apoio do governo às estatais começa a ser sufocado pelas medidas de combate a inflação, apesar de não comprometer o desenvolvimento tecnológico. Na década de 90 surgem os primeiros resultados do apoio às pesquisas iniciadas na década de 70, acrescentando novas tecnologias no processo tendo como características o fortalecimento das pesquisas em biotecnologia. Este modelo, parece não ter sido suficiente para resolver os principais problemas da agricultura, se por um lado a modernização aumentou a produção agrícola gerando divisas econômicas a partir da exportação, por outro, deixou a margem milhares de agricultores que por vários aspectos, não conseguiram adequar-se ao modelo capitalista de produção. A respeito disso, Lamarche implementa: Uma parcela importante da chamada “pequena produção” é excluída do processo de modernização, conservando muitas de suas características tradicionais: a dependência em ralação à grande propriedade, a precariedade do acesso aos meios de trabalho, a pobreza dos agricultores e sua extrema mobilidade social. Por outro lado, os produtores familiares que se modernizam devem continuar a assumir a propriedade fundiária e a dependência penosa e ambígua do trabalho assalariado, que se constitui geralmente de um ordenado pago à força de trabalho local e somente em alguns raríssimos casos indica uma mudança qualitativa do ponto de vista estrutural (LAMARCHE, 1997, p.184) Nesse sentido, a partir de observações em torno dos fenômenos que ocorrem no cenário rural, tem-se percebido um desinteresse por parte dos jovens rurais em dar continuidade à profissão de seus pais. Esse fato pode estar relacionado com a situação de abandono em que tem passado a agricultura familiar nos últimos anos e pela ausência de políticas públicas para o setor. De acordo com Wanderley (2007), “o compromisso dos jovens com a família é indispensável ao funcionamento e à reprodução da unidade produtiva e se expressa, especialmente, na sua participação no sistema de atividade familiar”. Esta autora, explica que a limitação no acesso a terra contribui para migração dos jovens. A estrutura de distribuição de terra é a responsável maior pelo bloqueio à reprodução social dos pequenos agricultores, [...] na medida em que impõem profundas restrições à capacidade produtiva do estabelecimento, inibe as possibilidades de ocupação da força de trabalho dos próprios membros da família e, em conseqüência, provoca nos jovens a necessidade de migração. (WANDERLEY, 2007, p.24). Outro aspecto que envolve a juventude rural, segundo Carneiro (1999) é a dualidade que oscila entre o projeto de construírem vidas mais individualizadas, o que se expressa no desejo de melhorarem o padrão de vida, de serem algo na vida, e o compromisso com a família, que se confunde também com o sentimento de pertencimento à localidade de origem, já que a família é o espaço privilegiado de sociabilidade nas chamadas sociedades tradicionais. De acordo com Queiroz (2009), nos debates que envolvem a migração deve se pensar acerca das dificuldades enfrentadas por um jovem rural para conciliar a escolarização e o trabalho, afirmando ainda: Diante do dilema, muitos acabam optando pelo trabalho, pois, muitas vezes, precisam complementar a renda familiar e, além disso, estão imersos numa sociedade capitalista onde o ter torna-se uma premissa básica para o reconhecimento social enquanto sujeito. Diante disso, muitos abandonam a escola, antes mesmo de concluir o Ensino Fundamental, e migram para o espaço urbano em busca de trabalho (QUEIROZ, 2009, p. 4). Referindo-se também a educação, Vanda Silva (2002) revela que mesmo que o jovem busque nos estudos o caminho para um emprego nos centros urbanos, se depara com uma competição injusta, pois as iniciativas governamentais, por meio de projetos educacionais que visem a minimizar problemas tão arraigados como o analfabetismo e a evasão escolar, acabam muito mais por corroborar a falta de perspectivas destes jovens. Sobretudo, porque oferecem uma aprendizagem escolar que não lhes possibilita concorrer com igualdade, tanto nos estudos (ensino universitário, por exemplo) como no campo profissional. De acordo com Carneiro (1999), os jovens rurais são cada vez mais atraídos pela tecnologia, pela busca de melhores condições de vida, trabalho assalariado e menos cansativo, pois estes jovens “[...] vêem sua auto-imagem refletidas no espelho da cultura „urbana‟, „moderna‟, que lhes surge como uma referência para a construção de seus projetos para o futuro, geralmente orientados pelo desejo de inserção no mundo moderno” (CARNEIRO, 1999, p.3), que na maioria das vezes não encontra em seu local de origem, as comunidades rurais, tendendo a buscar esses ideais nos centros urbanos. Ligado a isso, o fato do jovem sair do campo para morar na cidade em busca de realizações dos objetivos nem sempre é bem sucedido, “muitos são submetidos a morarem nas regiões periféricas das cidades, enfrentando trabalhos em condições subumanas, com exigência de muito esforço físico além de má remuneração” permanecendo sempre em estado demarginalização e exclusão nos espaços urbanos (QUEIROZ, 2009, p. 4). Carneiro (1999) reforça a idéia de que a situação de agricultor para os jovens rurais é vista como uma fase transitória, na qual poderiam juntar algum dinheiro e montar um negócio ou buscar outras profissões que lhes garantam maior retorno econômico. Por outro lado, a atividade agrícola é vista como alternativa para as pessoas de baixa escolaridade, mas mesmo assim, em decorrência das necessidades da própria modernização da agricultura, que passa a exigir familiaridade com cálculos eficientes, à comercialização do produto, ao crédito, juros e investimentos, registra-se o esforço dos pais para que o filho-sucessor conclua o segundo Grau. Algumas considerações sobre as possibilidades da atuação dos jovens como futuros agricultores ou como protagonistas do desenvolvimento É possível afirmar que a juventude rural apesar de estar inserida também na cultura urbana e estar conectada as tecnologias da informação moderna, necessita de um olhar diferenciado, quando se pensa em políticas públicas, não só para a própria juventude, mas para o rural como um todo. De acordo com Mello et al (2003), a reorganização da produção familiar para sua inserção nas novas oportunidades de mercado, certamente ficará facilitada se houver melhoria na educação formal da nova geração de agricultores. Afirma ainda que a educação formal não apenas aumenta os conhecimentos básicos de leitura e escrita, de operações matemáticas, mas também influencia atitudes como acreditar na capacidade de organização e na importância das inovações (DIRVEN, 2000 apud MELLO et al, 2003, p. 12). A educação parece se tornar ainda mais importante quando se trata do desenvolvimento de atividades rurais não-agrícolas, consideradas ocupações dinâmicas que respondem a uma demanda dinâmica e geram rendas maiores que as rendas médias agrícolas. Aponta ainda que a educação de grande parte dos que tem como primeira atividade uma ocupação não-agrícola é maior do que aqueles que trabalham na agricultura, sendo que esta diferença é ainda mais acentuada entre as mulheres (MELLO et al, 2003, p.12). De acordo com Abramovay (2005), para que a propensão dos jovens à inovação se realize, entretanto, é necessário um ambiente social que estimule o conhecimento e favoreça que as novas idéias tenham chance de se tornar empreendimentos. Um dos maiores problemas de nosso tempo está exatamente na incapacidade de as sociedades contemporâneas oferecerem perspectivas para que a inovação se concretize em projetos - privados ou sociais - construtivos. O autor ainda propõe elementos que devem ser considerados na elaboração de políticas públicas para a juventude rural. Uma verdadeira política de desenvolvimento rural deve associar a atribuição de ativos aos jovens - dos quais o mais importante é uma educação de qualidade - com o estímulo a um ambiente que estimule a formulação de projetos inovadores que façam do meio rural, para eles, não uma fatalidade, mas uma opção de vida. Seria interessante, no caso daqueles que pretendem estabelecer-se como agricultores, que sua implantação fosse acompanhada e mesmo condicionada à elaboração de um projeto técnico consistente, cujas chances de afirmação em mercados dinâmicos fossem altas. Mais importante do que o aprendizado de técnicas agronômicas, neste caso, são os conhecimentos de gestão, contabilidade e funcionamento de mercados (ABRAMOVAY, 2005, p.1-2). Continuando sua reflexão, o autor destaca que as políticas públicas devem considerar também jovens rurais que buscam na cidade oportunidade para obtenção de renda. A política deve contemplar igualmente os jovens rurais que não querem ser agricultores, mas gostariam de permanecer em suas regiões de origem, valorizando seus círculos de amizades, contribuindo para o surgimento de novas atividades e evitando, na prática, a falsa oposição entre a monotonia e a pobreza da vida interiorana e os conhecidos problemas das periferias das grandes cidades (ABRAMOVAY, 2005, p.2). Por outro lado “a agricultura é uma atividade que se transforma mais rapidamente e as novas oportunidades de renda que surgem no meio rural, [...] apontam para a necessidade dos agricultores possuírem um nível educacional mais elevado e terem uma formação profissional contínua” (MELLO et all. 2003, p.2). Conclusões O propósito desse estudo foi o de analisar fatores determinantes da migração dos jovens na atualidade e desafios para a reprodução de uma nova geração de agricultores no Brasil. O enfoque atual sobre os processos migratórios sugere que os indivíduos migram em busca de trabalho, melhores oportunidades e salários, realizando um cálculo racional-econômico para a escolha do destino. Por outro lado, a abordagem histórico-estruturalista indica que a formação dos fluxos de migrantes decorreria das necessidades e ditames do desenvolvimento econômico capitalista no país. Nesse sentido, são apontados alguns elementos que contribuem com a migração principalmente de jovens, dentre eles é possível apontar o processo de desenvolvimento tecnológico do meio rural, o que gerou a baixa competitividade das propriedades, a falta de acesso a terra e a baixa capacidade de reprodução da propriedade familiar. Por outro lado, em razão das poucas oportunidades de trabalho, assim como as condições desfavoráveis para sua realização, estes jovens visualizam a cidade como um local ideal para seu projeto de vida futura, com acesso a infraestrutura e bens de consumo, que possam adquirir melhorias na qualidade de vida. No entanto os ditames da própria modernidade proporcionaram uma nova dinâmica para a agricultura familiar, o que requer uma nova postura do agricultor. Essa dinâmica está relacionada tanto a necessidade de uma produção mais adequada do ponto de vista da sustentabilidade, quanto das novas demandas surgidas por produtos naturais e pela oferta de serviços especializados que na maioria dos casos só pode ser produzido e ofertado pela agricultura familiar. Estas novas demandas exigem do agricultor uma maior compreensão dos ecossistemas e de habilidades sobre instrumentos administrativos que possibilitem um tratamento mais empreendedor no desenvolvimento das atividades agrícolas e não agrícolas. Nesse sentido, pode-se afirmar que a juventude rural apresenta-se como um potencial a ser considerado quando se pensa na formação de uma nova geração de agricultores, pois estão abertos as transformações e podem atuar como protagonistas no processo de desenvolvimento da agricultura familiar no Brasil. Para que isso ocorra, é necessário um conjunto de políticas que promova a infra-estrutura básica, amplie as opções de lazer, ocupação e renda nas comunidades rurais, dando maiores condições para que o espaço rural seja mais uma opção para que os jovens possam construir seus projetos de vida no presente e no futuro. Referências: ABRAMOVAY , Ricardo. 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