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MÓDULO 11: FUNDAMENTOS DA EDUCAÇÃO E DA APRENDIZAGEM #1 - Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar #2 - História e História da Educação #3 - Por uma sociologia crítica da educação #4 - Educação e cultura: aspectos conceituais Apresentação Refletir sobre diversidade cultural é pensar em sociedade e também em ação e mudanças, nas relações entre pessoas, considerando o grupo, a história e o povo e indo além de um único comportamento padrão. Assim sendo, as mudanças históricas, com o decorrer do tempo, mudam a realidade cultural, na medida em que a globalização possibilita que culturas, tradições e expressões se misturem transformando os indivíduos conforme a interação de cada um. As diferenças culturais são as mais variadas e estão em todos os lugares, com várias cores, sons, sabores, crenças e outros modos de expressão. Na educação, essas diferenças fazem-se presentes cada vez com maior força e desafiam visões e práticas profundamente enraizadas no cotidiano escolar. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai ver as diversas culturas que perpassam o cotidiano escolar e a importância de práticas pedagógicas que promovam a cultura do educando. Além disso, as práticas culturais criativas também serão foco desta unidade, pois oportunizarão uma reflexão sobre a escola e o trabalho desenvolvido no interior desse espaço. Bons estudos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: · Reconhecer as diferenças culturais no cotidiano escolar. · Identificar o valor da prática pedagógica cultural para o educando. · Analisar práticas culturais criativas no interior da escola. Desafio As religiões de matrizes africanas sofreram, e ainda sofrem, perseguições que parecem demandar uma falta de conhecimento ou um conceito negativo, outrora introduzido no imaginário social como "verdade", a qual a escola precisa desmistificar para atender a uma pluralidade religiosa existente nesse espaço. Entre as possíveis obrigações do professor que trabalha esse assunto, pode-se citar as seguintes como as principais: - Esclarecer que uma educação pluralista, que se fundamenta em uma relação de respeito, tolerância e reconhecimento da diversidade cultural, abre um leque de possibilidades para a discussão de questões sociais e pouco "toleradas" pela sociedade, sendo as religiões afro-brasileiras algumas delas. - Mostrar que imagens negativas criadas sobre as religiões de base africana, como sendo uma religião de diabos e demônios, causam medos e intolerância e acabam produzindo tabus e formas desrespeitosas ao falar dessas religiões. - Explicar que falar com respeito das religiões não implica aderi-las ou delas pactuar, apenas consiste em ser democrático e pluralista, respeitando todas as formas de valores religiosos presentes na sociedade. Com essas ações em mente, imagine o seguinte contexto: um professor está iniciando um trabalho com o quinto ano de uma escola pública municipal. Na comunidade onde está situada a escola, existe uma igreja da assembleia de Deus, uma igreja evangélica e cinco casas de umbanda. Portanto, muitos alunos frequentam essas casas da comunidade. Ao iniciar a aula, os alunos logo começam a se pronunciar: Considerando que você é o professor em questão no contexto trazido anteriormente, pense em como trabalhar esse tema desmistificando e esclarecendo sobre as religiões afros que fazem parte do universo cultural e que provocam preconceitos em relação aos costumes. Agora, responda: que ações podem ser realizadas na sala de aula? Padrão de resposta esperado 1. Pesquisar sobre as religiões. 2. Fazer com que os alunos tragam experiências e apresentem aos colegas. 3. Organizar com os alunos uma manifestação religiosa ecumênica para que todos possam conhecer a prática de cada ritual. 4. Visitar os estabelecimentos religiosos. 5. Organizar um seminário em que cada aluno deverá convidar uma pessoa da sua religião para conversar com os colegas. Infográfico A sala de aula deve ser vista como um espaço social não só de interação de professores e alunos, mas também de produção científico-cultural e de desenvolvimento do saber. Como tal, ela deve ser remodelada e replanejada de acordo com as necessidades do momento educacional da criança e do adolescente, bem como favorecer a dinâmica da colaboração coletiva e da responsabilidade para com o próximo. Cabe ao educador conduzir esse espaço na direção correta, permitindo, todavia, a autonomia e a participação dos alunos nesse processo. Veja no Infográfico as ações de mudança que podem ser feitas na sala de aula. Conteúdo do Livro O campo de atuação do pedagogo vai além da escola, pois abrange diversos espaços sociais e espaços escolares e não escolares. No capítulo A prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar, da obra Estudos culturais em educação, que serve como base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai ver mais sobre esse assunto e a integração da cultura, que se faz tão essencial no cotidiano do ensino. Boa leitura. Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer as diferenças culturais no cotidiano escolar. Identi car o valor da prática pedagógica cultural para o educando. Analisar práticas culturais criativas no interior da escola. Introdução As diferenças culturais são muito variadas e estão em todos os lugares, com várias cores, sons, sabores, crenças e outros modos de expressão. Na educação, fazem-se presentes cada vez com maior força e desafiam visões e práticas profundamente enraizadas no cotidiano escolar. Neste capítulo, você reconhecerá as diversas culturas que perpassam o cotidiano escolar e a importância de práticas pedagógicas que promovam a cultura do educando. Além disso, estudará as práticas culturais criativas, que oportunizarão uma reflexão sobre a escola e o trabalho desenvolvido no interior desse espaço. As diferenças culturais no cotidiano escolar Segundo o Dicionário Aurélio (FERREIRA, 2005, p. 264), cultura é “[...] o ato, efeito ou modo de cultivar [...]” – essa ideia originária de fazer brotar, crescer e desenvolver apresenta-se relacionada à vida. Desse modo, com relação ao conceito de cultura, Pelto (1979) afi rma que a característica que torna o homem Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 53 19/01/2018 17:37:06 e a mulher tão diferentes dos outros animais é o fato de que o seu padrão de vida está baseado na cultura, isto é, em padrões de comportamento aprendidos no meio social, baseados em processos simbólicos. Outros animais podem ter rudimentos de cultura, mas, para o homem e a mulher, todo comportamento é cultural. Antes, os padrões de comportamentos apreendidos na escola trazem à tona a discriminação, em diversas óticas, o que, infelizmente, acaba por influenciar a sociedade. Assim, tornou-se natural tratar a cultura apenas numa perspectiva de discriminação, correndo o risco de se esquecer de que ela vai além do preconceito. Já Kroeper (apud LAPLATINE, 1988) diz que a cultura é o conjunto dos comportamentos, saberes e saber-fazer característicos de um grupo humano ou de uma sociedade, sendo essas atividades adquiridas a partir de um conjunto de aprendizagem e transmitidas ao conjunto de seus membros. Nessa referência, percebe-se a cultura como um conjunto de conduta e comportamento de determinado grupo e que, a partir dela, tem-se a padronização de costumes e comportamentos. Ao complementar o conceito de cultura, Laplatine (1988) contribui, defendendo que diferenças significativas, decorrentes da cultura à qual pertencemos, também podem ser encontradas nos menores detalhes dos nossos comportamentos mais cotidianos. Assim, traçando um paralelo entre o termo cultura e educação, ressalta-se que ambas estão interligadas e que não é possível afastá-las por ser evidente que o entendimento de cultura se ancora, justamente, nos comportamentos desenvolvidos e aprendidos por determinada sociedade. Esse é o fundamental papel da educação inovadora,o princípio de percepção e de avaliação de toda experiência posterior, mesmo que seja realizada em condições muito diferentes. Vivendo em um contexto social determinado, cada indivíduo se vê dotado – com o passar das experiências da primeira infância e da juventude marcadas pelos gostos e pelo estilo de vida familiar – de um habitus específico que, em último caso, dará conta da maneira como ele assimilará, na forma de aspirações e de modos de agir, todas suas experiências posteriores. Conseqüentemente, como Bourdieu (1972, p. 188-189) o precisará, as experiências se integram na unidade de uma biografia sistemática que se organiza a partir da situação originária de classe, sentida em um determinado tipo de estrutura familiar [...]. O estilo “pessoal”, isto é, essa marca que trazem todos os produtos de um mesmo habitus, práticas ou hábitos, não passa nunca de um intervalo, ele mesmo regulado e às vezes até codificado, em relação ao estilo próprio de uma época ou de uma classe. O habitus, a partir daí, pode ser apreendido como um princípio de retradução e de transformação, que produz continuamente metáforas práticas em função do contexto onde age. As diferentes manifestações do habitus de um mesmo indivíduo oferecem um caráter analógico: assim ocorre com a escritura que permanece a mesma qualquer que seja o instrumento (lápis, pluma ou feltro), e qualquer que seja o suporte (ardósia, papel ou quadro-negro). É a sistematicidade do opus operandi, diz Bourdieu, que confere sua sistematicidade ao opus operatum. Quanto ao habitus de classe que funda a classe, é o princípio de uma “orquestração sem maestro” que vai trazer regularidade, unidade e sistematicidade às práticas dessa classe. É a mola de um acordo perfeito, como o dos dois relógios de Leibniz, concebidos com tanta arte e justeza que não têm como não estarem perfeitamente em conformidade. E se as práticas dos membros do mesmo grupo ou da mesma classe estão sempre mais e melhor em conformidade do que supõem ou querem os agentes, é porque, como diz ainda Leibniz, seguindo apenas suas próprias leis cada um entra em conformidade com o outro (Bourdieu, 1972, p. 181). Sociologia da educação 27 O habitus está na junção do passado que incorpora e do futuro que engendra; lemos em O sentido prático: ele garante a presença ativa das experiências passadas que, depositadas em cada organismo na forma de esquemas de percepção, de pensamento e de ação, tendem, mais seguramente que todas as regras formais e todas as normas explícitas, garantir a conformidade das práticas e sua constância através do tempo (Bourdieu, 1980a, p. 91). Lembrando com Durkheim que em cada um de nós há o homem de ontem, que esse homem de ontem é predominante em nós, mesmo que não o sintamos, Bourdieu afirma que o inconsciente não passa do esquecimento da história. Assim como a consciência coletiva só pode ocupar consciências individuais enquanto é mais do que estas, o habitus só pode ocupar os indivíduos enquanto cristaliza as aquisições da história coletiva. Conseqüentemente, a visão dualista que só quer conhecer o ato de consciência transparente a si mesmo ou a coisa determinada em exterioridade, é preciso opor, portanto, a lógica real da ação que coloca em presença duas objetivações da história, a objetivação nas instituições ou, o que dá no mesmo, dois estados do capital, objetivado e incorporado, pelos quais se instaura uma distância em relação à necessidade e a suas urgências (Bourdieu, 1980a, p. 95). Confrontado com a acusação de determinismo, obrigado a se situar no debate que opõe objetivismo e subjetivismo, Bourdieu quer se defender tanto de um quanto de outro, rejeitando a escolha exclusiva do realismo da estrutura, à qual leva o primeiro, e a da ignorância das necessidades, à qual leva o segundo. De forma densa, ele expressa em um texto retomado em Coisas ditas o projeto que sempre teria sido seu, qual seja, passar da oposição objetivismo-subjetivismo: De um lado, as estruturas objetivas que o sociólogo constrói no momento objetivista, afastando as representações subjetivas dos agentes, são o fundamento das representações subjetivas e constituem os limites estruturais que pesam nessas interações; mas, de outro, essas representações também devem ser retidas caso se queira dar conta especialmente das lutas cotidianas, individuais ou coletivas que visam transformar ou conservar essas estruturas (Bourdieu, 1987, p. 150). Os dois momentos inscrevem-se em uma relação dialética; mas é preciso salientar que, nessa ótica, os pontos de vista subjetivos são interpretados transferindo-os para o lugar ocupado pelos agentes correspondentes na estrutura social, o que distingue claramente, nas palavras do 28 Anne Van Haecht próprio autor, o momento subjetivista do olhar etnometodológico ou interacionista. É preciso acrescentar, ainda, a respeito do habitus, conceito primordial desde A reprodução, que Bourdieu designa como uma lógica prática: a tendência que os indivíduos manifestam em agir de maneira regular em razão do “sistema de disposições à prática” que os caracteriza não é relacionável a uma regra ou a uma lei explícita e, então, é o que faz com que as condutas engendradas pelo habitus não tenham a bela regularidade das condutas deduzidas de um princípio legislativo: o habitus está relacionado com o flexível e o vago. Espontaneidade geradora que se afirma na confrontação improvisada com situações sempre renovadas, ele obedece a uma lógica prática, do flexível, do “mais-ou-menos”, que define a relação comum com o mundo (Bourdieu, 1987, p. 96). Para qualificar essa lógica prática engendrada pelo habitus, Bourdieu evoca uma lógica do jogo e sugere a metáfora do jogador de tênis. As outras proposições teóricas do Livro I de A reprodução dizem respeito diretamente ao sistema de ensino, uma das formas de autoridade pedagógica entre as mais importantes em nosso tipo de sociedade. De fato, Bourdieu dirá, em O sentido prático, que é preciso salientar a oposição entre os universos sociais em que as relações de dominação se estabelecem e se desfazem em interações pessoais, e os universos sociais onde essas relações permanecem opacas, pois mediatizadas por mecanismos objetivos e institucionalizados, como o mercado auto-regulado, o aparelho jurídico ou o sistema de ensino. Em uma formação social como a nossa, paradoxalmente, é a existência de áreas relativamente autônomas, que funcionam segundo mecanismos rigorosos e capazes de impor aos agentes sua necessidade, que faz com que os detentores dos meios, para dominar esses mecanismos e se apropriarem dos benefícios materiais ou simbólicos produzidos por seu funcionamento, possam fazer a economia das estratégias orientadas direta e expressamente para a dominação das pessoas (Bourdieu, 1980a, p. 226). A partir daí – isso será o assunto do próximo item –, as relações de poder e de dependência se objetivam em títulos socialmente valorizados e em postos socialmente definidos. O campo escolar, como instituição legitimadora, contribui para a produção e para a distribuição desses atributos sociais ao longo das gerações. UMA TEORIA DO SISTEMA DE ENSINO Para Bourdieu e Passeron, a estrutura e o funcionamento de qualquer sistema de ensino institucionalizado devem estar relacionados di- Sociologia da educação 29 retamente com a dupla missão que lhe é atribuída: em primeiro lugar, a função própria de inculcação; em segundo, a função de reprodução de um arbitrário cultural, do qual não é produtor. A instituição deve conseguir garantir sua auto-reprodução cuidando da conservação das condições que lhe permitem exercer essa dupla missão: a primeira acerca da auto-reprodução, a segunda acerca da reprodução das relações entre os grupos ou as classes, isto é, de uma tarefa de perpetuação das estruturas sociais. Lembremos que, segundo Durkheim, é preciso considerar a universidade medieval como fundadora do campo escolar ocidental: ela impôs a avaliação, juridicamente sancionada, dos resultados da inculcação e, ao mesmo tempo, a profissionalização da especialidade. A questãoé importante: Se podemos indiferentemente compreender as características estruturais relacionadas aos interesses de um corpo de especialistas que progridem para um monopólio dessa prática ou vice-versa, é porque esses processos representam duas manifestações indissociáveis da autonomização de uma prática, isto é, de sua constituição enquanto tal (...) (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 72). A autonomia relativa do sistema de ensino definida dessa forma pela independência profissional aparente de seus agentes é a chave que permite compreender por que esse sistema só cumpre bem sua função externa de reprodução social quando parece buscar objetivos que garantem a possibilidade de sua função própria de inculcação. Na medida em que ele afirma a especificidade dessa função e pretende exercê-la de maneira monopolística, o sistema de ensino deve garantir a produção e a reprodução, por meios próprios, das condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que realiza, em outras palavras, do reconhecimento de sua legitimidade enquanto instituição pedagógica. A última proposição do Livro I constitui a síntese da teoria do sistema de ensino proposta por Bourdieu e Passeron. Nesse caso, também, é necessário retomar o essencial. Em uma determinada formação social, dizem os autores, o sistema de ensino pode designar o trabalho pedagógico dominante como trabalho escolar, com a garantia de ver os mecanismos de desconhecimento da violência simbólica atuarem, pois: 1. Ele produz e reproduz, pelos próprios meios da instituição, as condições necessárias do exercício de sua função interna de inculcação que são, ao mesmo tempo, as condições suficientes da realização de sua função externa de reprodução da cultura legítima e de sua contribuição correlativa à reprodução das relações de força. 30 Anne Van Haecht Mas também porquê: 2. Somente por existir e subsistir como instituição, ele implica as condições institucionais do desconhecimento da violência simbólica que exerce, isto é, porque os meios institucionais dos quais dispõe enquanto instituição relativamente autônoma, detentora do monopólio do exercício legítimo da violência simbólica, são predispostos a servir como complementação, portanto sob a aparência da neutralidade, aos grupos ou classes dos quais reproduz o arbitrário cultural (dependência pela independência) (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 83-84). Concluindo, dessa forma, a parte teórica, o Livro 2 de A reprodução pode, então, ser lido como uma aplicação a um caso histórico particular de princípios cuja abrangência é bem mais geral. Partindo de resultados de pesquisas prévias sobre a variação das aptidões das diferentes categorias de estudantes de letras na área da competência lingüística, bem como do desempenho diferencial desses estudantes conforme o sexo, a origem social, ou mesmo a origem geográfica (Paris ou o interior), os autores pretendem tratar da relação pedagógica enquanto relação de comunicação da qual se pode medir o rendimento em função das características sociais e escolares dos receptores. Construindo o sistema de relações que existem entre a escola, instituição de reprodução da cultura legítima, e as classes sociais caracterizadas por distâncias desiguais em relação à cultura escolar e por disposições diferentes a serem apreendidas e dominadas, é preciso, segundo eles, ultrapassar a apreensão sincrônica das relações que se estabelecem em um dado nível do curso entre as características dos diferentes grupos e seu grau de desempenho, e construir, portanto, um modelo diacrônico das carreiras escolares. Apoiando-se em dados empíricos que valiam para aquela época, mostram que o fenômeno de sobre-seleção dos estudantes provenientes das classes mais afastadas da língua escolar deve ser levado em conta para compreender as variações da competência lingüística em função da origem social, pois, do contrário, fica-se privado de interpretar a anulação ou a inversão do elo existente entre a posse de um capital cultural (via profissão do pai) e o grau de desempenho, tal como pôde ser observado em níveis de preparação para o curso. Quanto ao uso escolar da língua escolar, os estudantes rigorosamente selecionados oriundos dos meios culturalmente pouco favorecidos terminam por se revelar, no mínimo, tão Sociologia da educação 31 bons quanto aqueles dos meios culturalmente mais bem favorecidos, selecionados de maneira menos rigorosa, e melhores que os estudantes dos meios intermediários, tão fracos quanto eles nesse sentido, mas selecionados de maneira menos severa.2 É preciso notar que esse fenômeno de sobre-seleção se enfraqueceu muito hoje em dia. Julgando a relação pedagógica como uma relação de comunicação da qual constatam o baixo rendimento, Bourdieu e Passeron chegam então à análise das “condições sociais que permitem à relação pedagógica se perpetuar, na inconsciência feliz daqueles que estão envolvidos com ela, mesmo quando ela falha completamente também em sua finalidade aparentemente mais específica [...]” (Bourdieu, 1970, p. 134). Seria a autoridade estatutária conferida ao discurso professoral que permitiria ocultar a questão do rendimento informativo da comunicação. Atribuindo ao professor o benefício da legitimidade da instituição, permite-se a ele conduzir, em seu próprio proveito, essa autoridade e, portanto, creditar à coisa comunicada o prestígio que sua forma pessoal de comunicar (jogo com adjuvantes, como a acrobacia verbal, a alusão hermética ou mesmo a dissimulação das fontes, etc.) confere-lhe inicialmente a si mesmo. Assim, vê-se sustentado um carisma professoral que tem suas melhores possibilidades de expressão em um sistema universitário que atribui a primazia à “função social da cultura” sobre “a função técnica da competência”. Entre os piores obstáculos, a uma real democratização dos estudos, Bourdieu e Passeron estigmatizam essa pedagogia elitista que alimenta os mal-entendidos lingüísticos e que supõe que a maneira de dizer (que tem a ver com a linguagem) e a maneira de fazer (hexis corporal) são mais importantes do que é dito ou feito. Na realidade, a duplicidade do sistema de ensino é dupla: 1. enquanto ele não dá explicitamente o que exige, o sistema de ensino pretende avaliar da mesma forma, em todos os estudantes, uma competência que ele não lhes oferece, na medida em que ela não passa de uma relação com a cultura, produto de um modo de inculcação relacionado às classes dominantes; 2. o mesmo sistema se satisfaz em dar uma informação e uma formação que só podem ser assimiladas plenamente por aqueles que já contam com uma formação que o próprio sistema não dá. 32 Anne Van Haecht E os autores acrescentam com certa ironia: “É a verdade por trás de sua dependência em relação às relações de classe que o sistema de ensino trai quando desvaloriza as maneiras muito escolares daqueles que lhe devem suas maneiras, negando, assim, sua maneira própria de produzir maneiras e admitindo, ao mesmo tempo, sua impotência em afirmar a autonomia de um modo propriamente escolar de seleção” (Bourdieu, Passeron, 1970, p. 163). No entanto, a instituição se afirma completamente autônoma em suas modalidades de seleção: o exame, tão característico da vida universitária, não garante a eqüidade da sanção? Para além do entusiasmo tipicamente francês pelos concursos, poder-se-ia ver na multiplicação desse tipo de provas uma tendência geral da sociedade ocidental cuja burocratização não parou de acentuar. Tratar-se-ia de uma resposta às demandas técnicas que provêm das empresas privadas e públicas, na medida em que a ascensão social ou a simples conservação do estatuto tornaram-se cada vez menos independentes do nível de instrução. Mas se poderia ver aí também a sobrevivência da tradição da competição pela competição herdada dos colégios jesuítas:3 o sistema de ensino francês teria encontrado, assim, na demanda externa de produtos de série intercambiáveis, a possibilidade de perpetuá-la, colocando-a a serviço de outras classes sociais. Mais profundamente, apoiando-se em uma comparação entre ossistemas da França moderna e da China mandarina, Bourdieu e Passeron (1970, p. 176) formulam a hipótese de que esses dois sistemas apresentam orientações comuns, pois “têm em comum o fato de fazer de uma demanda de seleção social (seria a demanda de uma burocracia tradicional, em um caso, e de uma economia capitalista, no outro) a oportunidade de expressar completamente a tendência propriamente professoral em maximizar o valor social das qualidades humanas e das qualificações profissionais que eles produzem, controlam e consagram”. O que significa dizer que o sistema francês não deveria unicamente suas características à obrigação de responder a demandas econômicas externas, mas também a sua própria tendência à autonomização que o leva a retraduzir tais demandas de acordo com normas oriundas de sua própria história institucional. Certamente, o sistema mandarim podia impor sua hierarquia de valores como princípio oficial de qualquer hierarquia social, o que não é o caso do sistema de ensino francês. Acontece que a adesão aos valores escolares, remetendo à ideologia meritocrática, será ainda mais forte à medida que se tratar de categorias sociais que devem sua posição social sobretudo a sua certificação escolar (classes médias e parte intelectual da grande burguesia). A partir daí, a tendência à autonomização ou, ainda, à autoperpetuação, com base nas tendências jesuítas, Sociologia da educação 33 encontrou as condições para sua plena realização à medida que veio ao encontro dos interesses da pequena burguesia e dos segmentos intelectuais da burguesia que encontravam na ideologia jacobina da igualdade formal de oportunidades o reforço de sua impaciência exacerbada por todas as espécies de ‘favoritismo’ ou de ‘nepotismo’, e também à medida que ela pôde se apoiar na estrutura centralizada da burocracia estatal que [...] oferecia à instituição escolar a melhor oportunidade de se fazer reconhecer o monopólio da produção e da imposição de uma hierarquia unitária ou, no mínimo, de hierarquias redutíveis ao mesmo princípio (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 181-183). O “livre jogo” da instituição é preservado em troca de uma servidão implícita: “a legitimidade da reprodução das hierarquias sociais pela transmutação das hierarquias sociais em hierarquias escolares” (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 186). Por outro lado, se o exame ou o concurso podem ser apresentados como as garantias de uma independência ilusória, não se deve esquecer o número daqueles que se sacrificam com o autodesprezo ou com a autoeliminação sem mesmo investir em tais provas, ajustando, assim, suas esperanças subjetivas às chances objetivas de desempenhos específicos de sua categoria social. A ideologia do dom chega a ponto de convencer os eleitos da idéia de que eles só devem essa graça a seus méritos verdadeiros. A escola, desde a pré-escola até a universidade, é o caldeirão onde se opera a transformação do capital social em capital cultural institucionalizado, que permite à hereditariedade social se realizar com toda a legitimidade: Instrumento privilegiado supremo de não aparecer como privilégios, ela (a escola) consegue ainda mais facilmente convencer os deserdados de que devem seu destino escolar e social à falta de dons ou de méritos à medida que, em matéria de cultura, a privação absoluta exclui a consciência da privação (Bourdieu e Passeron, 1970, p. 253). Compreende, assim, que a especificidade da teoria da reprodução contém em seu axioma primeiro o da violência como constitutiva do social. Todo processo de socialização só pode, portanto, proceder daí, tratese da educação familiar, escolar, religiosa, profissional, militar, ou de qualquer outra. Se a família é, por excelência, o lugar de construção do habitus primário, a escola é um dos lugares onde se testa a eficácia desse habitus na perpetuação das relações sociais. Em outras palavras: das relações de dominação. Nesse sentido, Bourdieu mostrará uma verdadeira constância argumentativa, evitando ser pouco ou muito funcionalista. Assim, em seus textos dedicados às grandes escolas francesas, dirá que falar de mecanismos escolares 34 Anne Van Haecht é somente lembrar, por uma maneira de estenografia, que todas as ações e as reações individuais, cujo resultado é a seleção dessas partículas desigualmente carregadas de energia social que os indivíduos constituem ao entrar no sistema escolar, são realizadas sob condicionante estrutural. [...] Na verdade, a distribuição dos alunos conforme a origem social e o capital escolar entre as diferentes escolas, tal como se pode observar, é a resultante das incontáveis “escolhas” que se instauram na relação entre os habitus estruturados dos “selecionadores” e dos “selecionados” e a estrutura do campo das instituições escolares, cujos efeitos mais fortes e mais bem escondidos acontecem a favor da homologia que a une às estruturas fundamentais do espaço social, e especialmente do campo do poder (Bourdieu e Saint-Martin, 1987, p. 17). Se a palavra escolha é colocada entre aspas, é para salientar que não se deve ver nela a “escolha consciente de um sujeito racional, mas a escolha da operação, freqüentemente obscura para si mesma, de um sentido da colocação”. Enquanto antes a escola era analisada como uma instituição natural e que contribuía, assim, para a reprodução dos saberes e dos saber-fazer exigidos pela divisão do trabalho, a sociologia crítica da educação, da qual Bourdieu é um dos principais pensadores, termina com a tranqüilidade desse esquema, redefinindo-a como o instrumento de produção/reprodução das relações de força, isto é, da sociedade em sua própria essência. Assim, Bourdieu (1987, p. 18) persiste nessa análise quase 20 anos após A reprodução: [...] o sistema escolar age como um algoritmo de classificação objetivado: distribui os indivíduos que lhe são propostos em classes tão homogêneas quanto possível e, ao mesmo tempo, tão diferentes entre si quanto possível do ponto de vista de um certo número de critérios determinantes. Dessa forma, contribui para reproduzir e para legitimar o conjunto das diferenças que constitui, em cada momento, a estrutura social, contrariando a tendência à entropia niveladora que uma real independência estatística das posições no espaço escolar implicaria em relação às posições no espaço social. DEPOIS DE A REPRODUÇÃO: A METÁFORA ECONÔMICA Após a publicação de A reprodução, Bourdieu continua explorando a temática da autonomia relativa das relações simbólicas no que diz respeito às relações de força. Assim, em A distinção (1979), depois em O sentido prático (1980), desenvolve, além de uma reflexão sobre os modos de dominação em que intervêm as estratégias de excelência e de conformidade Dica do Professor Você sabe do que se trata o esquema de reprodução escolar? Como ele se perpetua na escola atual? Assista ao vídeo para descobrir! Exercícios Na prática Uma educação transformadora busca por princípios críticos, inovadores e emancipatórios dos alunos. A aprendizagem é construída, a partir das relações e interações entre os alunos e deles com os professores. Na educação transformadora, o professor assume o papel de mediador do conhecimento, fazendo com que os alunos saibam lidar com as exigências da sociedade contemporânea. O ideal é que este contexto não seja esquecido, mas sempre lembrado para que não seja repetido, pois busca-se uma prática educacional transformadora, que faça a mediação de saberes para a emancipação cidadã do aluno. Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Pink Floyd - Another brick in the wall (part II) Acompanhe a letra desta música do grupo de rock Pink Fliyd o questionamento que a canção trás ao mundo capitalista e a até que ponto a educação agrega na construção da sociedade de fato, segundo a visão do Grupo de rock. Acesse Super Sociologia - Durkheim e a farda escolar Assista A presença/ausência da (nova) sociologia da educação nas dissertações sobre o ensino de sociologia na educação básica Ler mais Referênciase créditos Apresentação O termo "educação", ao longo da história da humanidade, assumiu diferentes significados. Em que pese suas particularidades em cada época, da Antiguidade ao tempo presente, a educação tem sido considerada um caminho para o desenvolvimento pessoal, a assimilação de normas, condutas, comportamentos éticos, mas também uma importante via de socialização e integração do indivíduo com a coletividade. Por outro lado, o conceito de cultura também é polissêmico, e inúmeros intelectuais têm dedicado esforços para decifrar os padrões e as particularidades culturais de grupos e comunidades ao redor do mundo. De um modo geral, concebe-se a cultura como representativa dos valores, das crenças e das expressões humanas no tempo. Educação e cultura são dois elementos-chave para a interpretação dos comportamentos e das experiências humanas em sociedade. Não há como pensar, por exemplo, na educação brasileira ou de qualquer outra região do planeta sem considerar seus aspectos culturais — que envolvem elementos políticos, sociais, econômicos, entre outros –, preponderantes para questões como a qualidade educacional e as perspectivas de futuro. Nesta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar o conceito de educação, bem como o de cultura, relacionando-os entre si e refletindo sobre a importância de ambos no interior das escolas e das comunidades. Com mais ênfase ao conceito de cultura, o ensino de crianças, adolescentes, jovens e adultos pode ser mais adequadamente vinculado às experiências culturais e sociais das comunidades em que os estudantes estão inseridos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: · Construir o conceito de educação. · Reconhecer o conceito de cultura. · Identificar a relação entre educação e cultura. Desafio A escola, seja em seu ambiente físico, seja em seus processos de aprendizagens, constitui um espaço privilegiado para que estudantes — crianças, jovens e adultos — possam criar diferentes relações com os saberes (ciência) e com os demais indivíduos. É fundamental que a escola seja um espaço do reconhecimento de que os estudantes — embora com perfis, características e formas de pensamentos diferentes uns dos outros — são pertencentes à sociedade e, ao mesmo tempo, construtores dela (por meio de suas ideias, opiniões, ações e reflexões críticas). A partir disso, analise a situação a seguir: Padrão de resposta esperado a) Os estudantes do ensino fundamental I e II correspondem a uma faixa etária dos 6 aos 15 anos. Nesse sentido, a linguagem utilizada seria a mais didática possível e de uma forma lúdica, com exemplificações mais próximas ao cotidiano dos alunos. Iniciando pela temática do racismo, começaria abordando o significado do termo, que, atualmente, corresponde a rechaçar ou menosprezar as pessoas que têm diferentes etnias, sobretudo os descendentes de africanos, os afro-brasileiros ou os indígenas. Sobre tal questão, poderia elencar os recentes casos, em nível internacional, como o do jogador de futebol do clube Real Madrid (Espanha) que foi atacado publicamente, durante uma partida, por grande parte do estádio que o chamava de "macaco", ou em nível nacional, como o caso de pessoas negras que são tratadas como criminosas ou suspeitas em shoppings centers e supermercados apenas por não serem brancas. Poderia comentar que tais atitudes são desprezíveis e que, no Brasil, o racismo é crime. Em termos de violência de gênero, comentaria que, na agenda da Organização das Nações Unidas, um dos objetivos centrais é atingir a igualdade de gênero até o ano de 2030, e o Brasil é um dos que assumiram tal compromisso. Nesse sentido, comentaria que, diariamente, ocorrem inúmeros tipos de violências de gênero e que tal meta ainda está longe de ser alcançada. Por exemplo, é comum aparecerem em noticiários na TV ou na internet casos de homens que agridem física e verbalmente mulheres e cometem feminicídio. São comuns também notícias sobre agressões (de variadas formas) a pessoas da comunidade LGBTQIA+, que, muitas vezes, estão em situação de vulnerabilidade devido a sua sexualidade. Por fim, abordaria a noção de bullying e como ele está presente nas inúmeras atitudes entre colegas de classe e de escola, como, por exemplo, das agressões verbais, apelidos sem o consentimento, agressões físicas, chacotas, piadas em relação à cor de pele, à religião, à orientação sexual e a valores culturais. b) Em relação à exposição com a turma, a proposta é fazer uma discussão interna, em sala de aula, dividindo a turma em grupos e solicitando que os estudantes realizem pesquisas sobre as temáticas, com uso de exemplos, gráficos e porcentagens. Em um segundo momento, pode-se solicitar que os estudantes produzam cartazes ou apresentações em aplicativos ou Power Point e apresentem à comunidade escolar em forma de seminários ou rodas de conversas em grupos menores. Essa é uma potente forma de metodologia ativa, pois coloca os estudantes da turma em ação, em processos de pesquisas e levantamento de dados e exposição das informações investigadas. Infográfico A partir da perspectiva da associação entre escola e cultura, é possível notar relações intimamente ligadas ao universo educacional. A discussão das relações entre escola e cultura é inerente a todo processo educativo. Não se pode conceber uma experiência educacional sem que existam práticas culturais, sejam de professores, sejam de estudantes. A escola, como instituição, é cultural em sua essência. De maneira mais específica, Jean-Claude Forquin (1993), uma das referências no assunto sobre educação e cultura, aponta que a cultura é conteúdo substancial da educação. É pela, e na, educação que a cultura se perpetua e se transmite. Trata-se, segundo o autor, de uma relação complexa, uma vez que a escola seleciona e valoriza determinados elementos da cultura, que são didatizados e passam a compor a chamada cultura escolar. Neste Infográfico, você vai conferir as colaborações teóricas em torno do conceito de cultura escolar e a relevância de considerar esse conceito nas práticas pedagógicas. Conteúdo do Livro As palavras "educação" e "cultura" oscilam, no entendimento geral, entre a identificação e a radical diferenciação. Nos discursos, principalmente nos de caráter político, a educação é identificada com a escola ou a escolaridade, e a cultura, com a erudição ou o volume de informação. No capítulo Educação e cultura: aspectos conceituais, base teórica desta Unidade de Aprendizagem, você vai estudar o conceito de educação, iniciando com uma breve localização histórica. Logo após, vai aprender a definição de cultura e como ela se dá na prática e no convívio dos indivíduos com seu meio, seguindo para a reflexão sobre a relação da educação versus cultura, discutida por alguns autores. Boa leitura. Educação e cultura: aspectos conceituais Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Construir o conceito de educação. Reconhecer o conceito de cultura. Identi car a relação entre educação e cultura. Introdução A aproximação entre cultura e educação é estratégica para a qualificação da educação brasileira e para o desenvolvimento do país. Com mais atenção ao conceito de cultura, o ensino de crianças, adolescentes, jovens e adultos pode ser mais adequadamente vinculado às experiências culturais e artísticas das comunidades em que os alunos vivem. Neste capítulo, você vai estudar o conceito de educação, bem como o de cultura, relacionando-os entre si e refletindo sobre sua importância no interior das escolas e de suas comunidades. O conceito de educação Educação (do latim education) é a forma nominalizada do verbo educar. Aproveitando a contribuição de Romanelli (1960), diremos que educação veio do verbo latino educare. Nele, temos o prevérbio e- e o verbo ducare, dúcere. No itálico, donde proveio o latim, dúcerese prende à raiz indo-europeia DUK-, grau zero da raiz DEUK-, cuja acepção primitiva Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 11 19/01/201816:58:14 era levar, conduzir, guiar. Educare, no latim, era um verbo que tinha o sentido de “criar (uma criança), nutrir, fazer crescer”. Etimologicamente, poderíamos afi rmar que educação, do verbo educar, signifi ca “trazer à luz a ideia” ou, fi losofi camente, fazer a criança passar da potência ao ato, da virtualidade à realidade. Possivelmente, esse vocábulo deu entrada na língua no século XVII. Para Libâneo (2002), educar, que advém do latim educare, é conduzir de um estado a outro, é modificar numa certa direção o que é suscetível de educação. O ato pedagógico pode, então, ser definido como uma atividade sistemática de interação entre os seres sociais, tanto no nível do intrapessoal como no nível da influência do meio. Essa interação se configura numa ação exercida sobre sujeitos ou grupos de sujeitos, visando a provocar neles mudanças tão eficazes que os tornem elementos ativos dessa própria ação exercida (LIBÂNEO, 2002). Segundo Saviani (1991), a educação é concebida como produção do saber, pois o sujeito é capaz de elaborar ideias, possíveis atitudes e uma diversidade de conceitos. O ensino como parte da ação educativa é visto como processo, no qual o professor é o “produtor” do saber e o aluno é o “consumidor” do saber. A aula seria produzida pelo professor e consumida pelo aluno. O professor, por ter competência técnica, é o responsável pela transmissão e socialização do saber escolar, cabendo ao aluno aprender os conteúdos para ultrapassar o saber espontâneo, caracterizando o ensino formal. Segundo Gimeno Sacristán (2001), a educação contribuiu consideravelmente para fundamentar e para manter a ideia de progresso como processo de marcha ascendente na História. Assim, ajudou a sustentar a esperança em alguns indivíduos, em uma sociedade, em um mundo e em um porvir melhores. O autor diz que a fé na educação se nutre da crença de que esta possa melhorar a qualidade de vida, a racionalidade, o desenvolvimento da sensibilidade, a compreensão entre os seres humanos, o decréscimo da agressividade, o desenvolvimento econômico ou o domínio da fatalidade e da natureza hostil pelo progresso das ciências e da tecnologia propagadas e incrementadas pela educação. Conforme Libâneo (2002), em várias esferas da sociedade surge a necessidade de disseminação e internalização de saberes e modos de ação, levando a práticas pedagógicas. Mesmo no 12 Educação e cultura: aspectos conceituais Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 12 19/01/2018 16:58:14 âmbito da vida privada, diversas práticas educativas levam inevitavelmente a atividades de cunho pedagógico na cidade, na família nos pequenos grupos, nas relações de vizinhança, trazendo à tona o ensino informal. Já Brandão (1986) diz que educação é todo conhecimento adquirido com a vivência em sociedade, seja ela qual for. Sendo assim, o ato educacional ocorre no ônibus, em casa, na igreja e na família e todos nós fazemos parte desse processo. Ademais, a educação formalizada não substitui a educação informal, que permeia o tempo todo as relações entre os homens e as mulheres. A educação não é, porém, a simples transmissão da herança de antepassados, mas o processo pelo qual também se torna possível a gestação do novo e a ruptura com o velho. Manacorda (2006), no seu estudo sobre a história da educação, traz a compreensão de que a escola passa a ser não mais uma instituição específica da educação, mas, sim, uma instituição indispensável e lugar de vida das crianças e adolescentes do novo milênio. Assim, para defender a escola como uma instituição que atenda às necessidades desses sujeitos, para a educação do ser humano omnilateral, há que se realizar esforço coletivo, em que o caminho do futuro seja aquele que o passado nunca soube percorrer. O que é especificamente pedagógico está na imbricação entre a mensagem e o educando, propiciada pelo agente educador. Como instância mediadora, a ação pedagógica torna possível a relação de reciprocidade entre o indivíduo e a sociedade. Segundo Ponce (2005), o sistema educacional constituiu-se a partir do momento em que a sociedade se estruturou em classes sociais antagônicas, com o fim da chamada sociedade primitiva. Os interesses e as necessidades da classe social dominante passaram a delimitar o campo da educação na medida em que passou a servir para a dominação social de poucos sobre muitos. O referido autor, ao analisar a gênese da escola, entende que essa instituição surgiu a partir do fato de que as dominações militar e política não surtiam mais os efeitos desejados em uma sociedade, que se tornava cada vez mais complexa e multifacetada. Sendo assim, a necessidade de se construir um aparato de dominação ideológica e intelectual encontrou, na escola e no sistema educacional em geral, seu ponto de apoio (Figura 1) Com isso, vemos o sistema educacional, como fruto de um processo histórico, configurando-se no bojo das relações sociais e de produção, que dividiram e ainda dividem a sociedade em grupos distintos e, ainda mais, estabelecem uma relação entre classes sociais antagônicas. Durante muito tempo, a educação como instrução formal foi privilégio de poucos que dispunham de tempo e dinheiro para investir. Os séculos anteriores à invenção da imprensa foram marcados pela educação restrita apenas aos mais ricos ou a membros privilegiados de certos grupos sociais, como o clero. A educação não está à margem da história. Dessa forma, é impossível separar a educação da questão do poder: afinal, a educação não é processo neutro, mas se acha comprometida com a economia e a política de seu tempo. Conceito de cultura O conceito de cultura é um dos principais nas ciências humanas, a ponto de a antropologia se constituir como campo do conhecimento em torno desse 14 Educação e cultura: aspectos conceituais Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 14 19/01/2018 16:58:15 conceito. Na verdade, os antropólogos, desde o século XIX, procuram defi nir os limites de sua área por meio da defi nição de cultura. O resultado é que os conceitos de cultura são múltiplos e, às vezes, contraditórios. O signifi cado mais simples dessa palavra afi rma que cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo (BOAS, 2010). Ou seja, em outras palavras, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideais e crenças. Cultura é todo complexo de conhecimentos e toda habilidade humana empregada socialmente. Complementando a discussão sobre o conceito feita na antropologia, a linguística traz interessantes contribuições. Um exemplo é o estudioso brasileiro Alfredo Bosi (1996), que, em “Dialética da colonização”, define cultura a partir da linguística e da etimologia da palavra: cultura, assim como culto e colonização, viria do verbo latino colo, que significa “eu ocupo a terra”. Cultura, dessa forma, seria o futuro de tal verbo, significando o que se vai trabalhar, o que se quer cultivar, e não apenas em termos de agricultura, mas também de transmissão de valores e conhecimentos para as próximas gerações (LARAIA, 2001). Nesse sentido, Bosi (1996) afirma que cultura é o conjunto de práticas, de técnicas, de símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações para garantir a convivência social. Assim sendo, nessa perspectiva, cultura seria aquilo que um povo ensina aos seus descendentes para garantir sua sobrevivência. Tal definição dá à cultura um significado muito próximo do ato de educar. Em todo universo cultural, há regras que possibilitam aos indivíduos viver em sociedade; nessa perspectiva, cultura envolve todo o cotidiano dos indivíduos. Assim, os seres humanos só vivem em sociedade devido à cultura. Além disso, toda sociedade humana tem cultura. A função da cultura, dessa forma, é, entre outras coisas, permitir a adaptação do indivíduo ao meio social e natural em que vive. E é por meio da herança cultural que os indivíduos podem se comunicar uns com os outros, não apenas por meio da linguagem, mas também por formas de comportamento.Isso significa que as pessoas compreendem quais os sentimentos e as intenções das outras porque conhecem as regras culturais de comportamento em sua sociedade (Figura 2) Por exemplo, gestos como rir, falar mal, cumprimentar, assim como os modos de vestir ou comer indicam, para outras pessoas do grupo, tanto a posição social de um indivíduo quanto seus sentimentos, mas apenas porque quem interpreta seus gestos e sua fala tem os mesmos códigos culturais. É por isso que, ao nos depararmos com uma pessoa de cultura diferente da nossa, podem acontecer confusões e mal-entendidos, como um cumprimento ser considerado rude ou uma roupa ser considerada imprópria. O desentendimento provém do choque cultural, do contato entre duas culturas distintas. Isso pode 16 Educação e cultura: aspectos conceituais Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 16 19/01/2018 16:58:16 acontecer entre indivíduos ou entre sociedades inteiras, nesse caso, provocando transformações em ambas as sociedades. A relação entre educação e cultura Analisar a educação como espaço sociocultural signifi ca compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar detalhado, que leva em conta o dinamismo do fazer cotidiano, levado e feito por homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfi m, alunos e professores, que desse espaço são sujeitos, sociais e históricos. Falar da escola como espaço sociocultural implica, assim, desvelar o papel dos sujeitos na trama social que a constitui enquanto instituição. A discussão das relações entre escola e cultura é inerente a todo processo educativo. Não há educação que não esteja envolvida na cultura da humanidade e, particularmente, no momento histórico em que se situa. Não se pode conceber uma experiência pedagógica “desculturizada”, em que a referência cultural não esteja presente. As relações entre escola e cultura não podem ser concebidas como entre dois polos independentes, mas, sim, como universos entrelaçados, como uma teia criada no cotidiano e com fios e nós profundamente articulados (MOREIRA; CANDAU, 2003). A interculturalidade orienta processos que têm por base o reconhecimento do direito à diferença e a luta contra todas as formas de discriminação e desigualdade social. Tenta promover relações dialógicas e igualitárias entre pessoas e grupos que pertencem a universos culturais diferentes, trabalhando os conflitos inerentes a essa realidade. Não ignora as relações de poder presentes nas relações sociais e interpessoais. Reconhece e assume os conflitos, procurando as estratégias mais adequadas para enfrentá-los (CANDAU, 2002). A partir da perspectiva da associação entre escola e cultura, vemos suas relações intimamente ligadas ao universo educacional. Cabe questionar por que, hoje, essa constatação parece se revestir de novidade, sendo mesmo vista por vários autores como especialmente desafiadora para as práticas educativas. Educação e cultura: aspectos conceituais 17 Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 17 19/01/2018 16:58:16 A educação, sendo mais que a transmissora da cultura, da “verdadeira cultura”, passa a ser concebida como um espaço de cruzamento, conflitos e diálogo entre diferentes culturas. Pérez Gómez (1998) propõe que entendamos, hoje, a escola como um espaço de “cruzamento de culturas” (Figura 3). Tal perspectiva exige que desenvolvamos um novo olhar, uma nova postura, e que sejamos capazes de identificar as diferentes culturas que se entrelaçam no universo escolar, bem como de reinventar a escola, reconhecendo o que a especifica, identifica e distingue de outros espaços de socialização: a “mediação reflexiva” que realiza sobre as interações e o impacto que as diferentes culturas exercem continuamente em seu universo e seus atores. Conforme Pérez Gómez (1998), a vida escolar traz um intercâmbio cultural. Os alunos aprendem na sua vida escolar, pois há cruzamento de culturas que se produz na escola entre as propostas da cultura crítica, que se situa nas disciplinas científicas, artística e filosófica; as determinações da cultura acadêmica, que se refletem no currículo; as influências da cultura social, constituídas pelos valores hegemônicos do cenário social; as pressões cotidianas da cultura institucional, presentes em papéis, normas, rotinas e ritos próprios da escola como instituição social específica; e as 18 Educação e cultura: aspectos conceituais Cap_1_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 18 19/01/2018 16:58:16 características da cultura experiencial, adquirida por cada aluno por meio da experiência dos intercâmbios espontâneos com seu entorno. Nesse sentido, a cultura se moderniza e se traduz em linguagens reatualizadas que são comuns aos diversos sujeitos alunos. Além disso, a escola aparece como um espaço privilegiado de práticas coletivas, sociabilidades, representações, símbolos e rituais que os jovens buscam para demarcar uma identidade (Figura 4) Dica do Professor A escola pode contribuir imensamente para o respeito às diversidades, desenvolvendo um trabalho sério e consciente. Porém, para que isso aconteça, a preparação e o diálogo são imprescindíveis. Nesta Dica do Professor, você vai ver como pode ser desenvolvido um trabalho no interior das salas de aulas. Exercícios Na prática O reconhecimento da multiculturalidade da sociedade leva à constatação da diversidade de raízes culturais que fazem parte de um contexto educativo, como uma sala de aula. Confira, Na Prática, um projeto em que a arte e a educação puderam se encontrar em uma escola de São Paulo. Isso foi possível misturando boa vontade, carinho, organização, presença e participação da comunidade. Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Educação e a construção do conhecimento Neste livro, você vai conferir que o autor fornece um quadro, a partir de suas investigações, sobre as diferentes formas de construção do conhecimento, com ênfase na abordagem construtivista e seus impactos para a sala de aula. Ler mais Educação escolar e cultura(s): construindo caminhos Neste artigo, você vai ver uma abordagem sobre a importância de considerar a pluralidade cultural na sociedade e na educação. Ler mais Cultura escolar e ensino de história: concepções e reflexões Neste artigo, você vai conferir que os autores apresentam um levantamento de diferentes trabalhos e referências bibliográficas que abordam o conceito de cultura escolar a partir da temática do ensino de história. A leitura é relevante para compreender como ocorre, na prática, o desenvolvimento da cultura escolar. Ler mais Referências e créditos image6.png image7.png image8.png image9.png image10.jpeg image11.png image12.png image13.png image14.png image15.png image16.png image17.png image18.png image19.png image20.png image21.png image22.png image23.jpeg image24.png image25.png image26.png image27.png image28.png image29.png image30.jpeg image31.png image32.png image33.png image34.png image1.png image35.png image36.png image2.jpeg image3.jpeg image4.png image5.pngtrabalhar com os valores dos indivíduos e sua cultura, desenvolvendo um trabalho direcionado para a inserção social dos alunos, desprendidos de preconceitos étnicos e identitários. Nesse processo, a escola desempenha um papel fundamental na formação dos valores éticos e culturais, baseados no respeito às diferenças, promovendo uma transcendência entre cultura e educação. Por conseguinte, entende-se que o indivíduo precisa ser educado para a cidadania democrática, de modo que a escola precisa refletir sobre a diversidade cultural, pensar em sociedade e também em ação e mudanças, nas relações entre pessoas, considerando o grupo, a história o povo, e isso vai além de um único comportamento padrão. 54 Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 54 19/01/2018 17:37:06 Assim sendo, as mudanças históricas, com o decorrer do tempo, mudam a realidade cultural, na medida em que a globalização possibilita que culturas, tradições e expressões se misturem e entrem em todos os espaços, transformando os indivíduos conforme a interação de cada um (Figura 1) O conflito das diferenças culturais deve ser trabalhado na escola e o professor tem a função de mediar o conhecimento, considerando que sempre tem algo a aprender com o educando, pois o conhecimento vai além do ensino- -aprendizagem em sala de aula – ele também surge pela convivência e pela troca de experiência com o outro. A escola deve ser um espaço de socialização, onde são trabalhadas questões como respeito, valores e atitudes. O pedagogo não pode se conduzir por uma cultura viciada e oprimida, isto é, com um olhar sensível, uma vez que desempenha um importante papel na escola de promover uma Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar 55 Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 55 19/01/2018 17:37:06 política de igualdade e respeito à individualidade e à diversidade. Portanto, o profissional da educação deve analisar a realidade onde está inserido e refletir criticidade sobre suas vivências em sala de aula para que, assim, possa intervir de maneira significativa nas questões que dizem respeito à aceitação das diferenças. Para isso, é necessário ter profissionais sensíveis à vida, comprometidos e dispostos a formar uma sociedade justa e igualitária, com atenção às questões relativas à pluralidade de ideias, à diversidade sociocultural e à coletividade. O pedagogo deve saber que o seu papel vai além da metodologia de repassar conhecimentos; cabe a ele fortalecer o conhecimento do outro, facilitar as relações de maneira democrática, criar na escola um ambiente solidário, onde a igualdade é valorizada, e que possibilite a construção de novas concepções por meio de seu compromisso com a valorização da diversidade. No espaço cotidiano da escola, deve-se analisar a realidade e refletir criticamente sobre suas vivências em sala de aula para que, assim, possa intervir de maneira significativa nas questões que dizem respeito à aprendizagem com as diferenças (BARBOSA, 2014). Para tal, é necessário ter profissionais sensíveis à vida, comprometidos e dispostos a formar uma sociedade justa e igualitária, com atenção às questões relativas à pluralidade de ideias, à diversidade sociocultural e à coletividade. É indispensável instrumentalizar a escola para trabalhar com a diversidade, mas não com a diversidade negada, com a diversidade isolada ou a diversidade simplesmente tolerada. Também não se trata da diversidade assumida como um mal necessário ou celebrada como um bem em si mesmo, sem assumir seu próprio dramatismo. Transformar a diversidade conhecida e reconhecida em uma vantagem pedagógica parece ser o grande desafio do futuro (LERNER, 2007). O valor da prática pedagógica cultural para o educando O reconhecimento e a valorização das especifi cidades culturais do outro tem sido um postulado desafi ador para a escola, pois é preciso, diariamente, 56 Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 56 19/01/2018 17:37:07 desafi ar o preconceito, ser um palco onde desfi la a democracia e com um objetivo primordial, que é proporcionar o aprendizado ao aluno. Além disso, a sala de aula é um espaço repleto de variedades culturais, etnias e grupos. É preciso estar atento a essas questões de natureza discriminatória, principalmente aquelas remetidas às minorias raciais, às mulheres, aos indígenas, etc. É preciso perceber seus desafios contextuais e a forma como tais desafios podem ser trabalhados na escola, no sentido de que os alunos possam aprender a respeitar as diferenças. Segundo Canen e Oliveira (2002), o multiculturalismo é um termo polissêmico, que engloba desde visões mais liberais ou folclóricas, que tratam da valorização da pluralidade cultural, até visões mais críticas, cujo foco é o questionamento a racismos, sexismos e preconceitos de forma geral, buscando perspectivas transformadoras nos espaços culturais, sociais e organizacionais. A preocupação pela prática pedagógica cultural se justifica pelo fato de que desenvolver uma postura multicultural na sociedade contemporânea não é uma tarefa fácil. Por isso, os professores devem se subsidiar de conhecimentos para desenvolver uma nova identidade, uma nova postura, assim como “novos saberes, novos objetivos, novos conteúdos, novas estratégias e novas formas de avaliação” (MOREIRA; CANDAU, 2003). É necessário que o educador seja um questionador capaz de refletir e reformular o currículo e sua prática docente com vistas a diminuir a marginalização dos grupos subalternos. De acordo com Santomé (2004), é muito raro, no espaço das salas de aula, que os professores desafiem os alunos e as alunas a refletir e investigar as questões relacionadas com a vida e a cultura dos grupos mais próximos do contexto local a que pertencem. A partir disso, os materiais e o próprio currículo não oferecem qualquer elemento com o qual esses educandos possam se identificar; “[...] suas crenças, conhecimentos, destrezas e valores são ignorados [...]” (SANTOMÉ, 2004, p. 170). Em geral, o local é encarado como um estigma, algo que, dentro de uma prática colonizadora, é necessário ocultar ou, pelo menos, não problematizar. Portanto, é imprescindível um diálogo entre a cultura e a vida escolar do aluno, já que, muitas vezes, a cultura em que esse aluno está inserido fica fora da sala de aula (Figura 2) Como fazer acontecer a educação? Ao promover o desenvolvimento de visão de mundo, o professor, em contato com o aluno, “faz acontecer a educação” quando essa conexão é mediatizada pelo diálogo. Segundo Gadotti (1999), há três momentos interdisciplinarmente entrelaçados (método Paulo Freire): a investigação temática, pela qual aluno e professor buscam, no universo vocabular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua biografia; a tematização, pela qual eles codificam e decodificam esses temas – ambos buscam o seu significado social, tomando, assim, consciência do mundo vivido; e a problematização, na qual eles buscam superar uma primeira visão mágica por uma visão crítica, partindo para a transformação do contexto vivido. A partir da literatura, leitores podem ganhar um entendimento de questões e códigos que estruturam a vida social. Livros direcionados às crianças e aos adolescentes, em particular, têm o potencial de promover entendimento intercultural quando seu foco é em torno de questões que afetam essa população e que tratam de temas e mensagens universais. 58 Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 58 19/01/2018 17:37:07 Muitos professores utilizam textos curtos na sala de aula (como narrativas, crônicas, ensaios) como uma forma de introduzir conteúdos, promover discussão e complementar os temas apresentados nos livros que os estudantes leem. O uso da literatura multicultural também oportuniza uma reflexão sobre as atitudes e crenças com relação à diversidade. Os valores culturais são formados a partir de uma tradição histórica e representam aspectos da formaçãode um povo, elementos presentes na vida de uma população e que compõem e caracterizam uma sociedade. Valores culturais não são permanentes e podem sofrer adaptações com mudanças em fatores históricos, evolução social e econômica, contato com outros grupos e culturas, como, por exemplo, a vinda de imigrantes, que trazem consigo novos valores e elementos culturais, passando a destruir processos discriminatórios. Parte- -se da ideia de que nenhuma forma de discriminação ocorre no vácuo. Ao contrário, elas sempre se entrelaçam a outras formas de discriminação, bem como à maneira pela qual uma sociedade se organiza. A discriminação, nessa visão, apresenta-se sob as mais variadas formas, desde a intolerância manifestada no mais alto grau por meio de atos de violência, até as práticas mais sutis, de forma moral e social, que podem se dar mediante brincadeiras ou do isolamento do indivíduo na sociedade. A educação multicultural é capaz de desenvolver sensibilidade para a pluralidade de valores e culturas. Para tanto, é necessário resgatar valores culturais antes segregados, a fim de reduzir, ou quem sabe extinguir, os preconceitos. Esse é um desafio não só de quem sofre algum tipo de preconceito, mas sim de todo aquele que se indigna com atitudes de exclusão, seja ela étnica, cultural, racial, religiosa, social ou sexual. Práticas culturais criativas no interior da escola As práticas pedagógicas podem ser transformadas a partir do envolvimento do educador em oferecer um universo propício para o desenvolvimento integral do educando. Independentemente do lugar, suas ações fi cam registradas na vida de cada aluno, por todo o seu ciclo de vida. Surge, então, a proposta de executar práticas inovadoras, sendo oferecido um ambiente que provoque a autonomia e mudanças signifi cativas. Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar 59 Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 59 19/01/2018 17:37:07 As ações que acontecem no espaço educacional não oferecem apenas o conhecimento cognitivo, mas, certamente e fundamentalmente, as relações com as diversas culturas que ali habitam. O aluno aprende com a convivência, com a troca de valores e hábitos, valorizando e aceitando a diversidade, transformando, de forma participativa e crítica, as práticas propostas interdisciplinarmente e socialmente. Essa atitude colabora na sua formação intelectual e, principalmente, afetiva. Educar para a cidadania significa educar pessoas capazes de conviver, comunicar e dialogar num mundo interativo, dentro da perspectiva onde as pessoas reconhecem a interdependência dos processos individuais e dos processos coletivos (MARCELOS, 2009). A interação de um aluno no contexto escolar é necessária diante dos outros participantes desse meio. A relação das trocas de experiências por meio da comunicação do grande grupo e dos diálogos entre educador e educandos colabora no desenvolvimento intelectual, social e cultural. A construção cognitiva está ligada à afetividade, de modo que se deve oferecer ao educando espaços e convivências das diversas formas, explorar a expressão, a percepção, para que ele se identifique enquanto sujeito pertencente a um grupo, com características pessoais e, ao mesmo tempo, coletivas. Assim, a cultura se dá, resultando de todas as ações e criações do indivíduo. O homem, ao produzir cultura, produz-se a si mesmo, ou seja, ele se autoproduz. Portanto, conclui-se que a cultura só existe a partir dos feitos da humanidade; ela não somente envolve o homem, mas penetra-o. Sendo a escolarização um dos principais meios de socialização das sociedades ocidentais, cabe ao professor parcela de responsabilidade quanto ao incentivo ou bloqueio à manifestação criativa de sua turma (TORRANCE, 1987). A preponderância desse profissional no gerenciamento do talento criativo é apontada por Alencar e Oliveira (2012) em consideração aos estágios de criatividade que ganham expressão com o estímulo adequado. Isso vai ao encontro dos achados de Torrance (1987), que detectou influências importantes da estimulação criativa docente sobre comportamentos criativos inibidos. Segundo Ventura, Alves e Ventura (2010), atividades artísticas e culturais como música, além de serem prazerosas e criativas, estimulam áreas do cérebro que permitem o desenvolvimento de outras formas de linguagem. São atividades que aguçam a sensibilidade do aluno, melhoram sua capacidade de concentração e ainda sua memória. Gardner (1994), autor da Teoria das Inteligências Múltiplas, comprova a importância da música na formação do educando e alerta sobre a necessidade de estimular e desenvolver nos alunos a inteligência musical, além das outras 60 Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 60 19/01/2018 17:37:07 formas de Inteligência, já que o autor defende que a inteligência humana se manifesta de sete formas diferentes, a saber: linguística, sinestésica, lógico- -matemática, espacial, interpessoal, intrapessoal e musical. Outra atividade voltada à cultura, desenvolvida no interior do espaço escolar, é a decoração da sala de aula e da própria escola, que se torna relevante quanto à significação de como as diferenças estão sendo trabalhadas. O que se observa na decoração de sala de aula e nas paredes da escola é o reforço de estereótipos culturais. As figuras de crianças, pessoas, imagens e objetos que estão postas nas paredes trazem a exaltação dos padrões da cultura dominante. As figuras, geralmente, são de pessoas brancas, de objetos midiáticos que refletem a sociedade de consumo e da cultura católica dominante, com pouca ou nenhuma alusão a crianças morenas ou negras, estigmatizando e hierarquizando as diferenças culturais entre as crianças que, em sua maioria, pertencem a essas últimas categorias. Para mudar essas ações, ressalta-se o que pode ser chamado de coração da escola, a organização curricular. Construir uma nova forma de organização curricular e intervir nos currículos são um trabalho eminentemente coletivo, que envolve rever os conteúdos da docência e da ação educativa, escolher e planejar prioridades e atividades, reorganizar os conhecimentos e, acima de tudo, combater o preconceito, viabilizando atividades e reflexões que ressaltem o respeito às diferenças. A reprodução de estereótipos culturais pode também ser percebida quando da aplicação de um trabalho em equipe na sala de aula. O trabalho consiste na montagem de uma diretoria e quadro de funcionários de uma empresa. A classe fica dividida em cinco equipes, cada equipe com seis alunos(as), misturando em cada equipe ambos os sexos. A cada equipe é entregue uma cartolina na qual está escrita a palavra “EMPRESA”, com espaços para os cargos, nessa ordem: presidente, diretor(a), gerente, secretário(a), chefe de produção, auxiliar de produção, faxineiro(a) e servente. Juntamente com as cartolinas, são entregues figuras de jornais e revistas com pessoas de diversas etnias (indígena, negro, branco, etc.), do sexo masculino e feminino e de classes econômicas distintas. O objetivo do trabalho é que as crianças escolham qual seria a melhor pessoa para ocupar cada função na empresa, com o intuito de observar como as crianças representam quais classes ou etnias mereceriam estar em posição de comando e quais em posições subordinadas. Com base na análise desses trabalhos, pode-se trabalhar os estereótipos culturais e sociais existentes. Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar 61 Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 61 19/01/2018 17:37:07 O jogo dos privilégios também é uma atividade bastante interessante que pode ser realizada com um grupo de alunos, fazendo uma rotatividade para que todos participem. Os educandos recebem um número X de balões que serão denominados balões dos privilégios. A cada pergunta, o balão será furado ou o aluno poderá pegar de outro colega. As questões variam: estoure quem já sofreu preconceito, quem já foi seguido no supermercado pelo segurança, etc. O aluno pegará um balão quando for perguntado sobre quem já ganhou um carro deseus pais ou quem já estudou em faculdade particular. O resultado poderá ser surpreendente e trabalhará com o perfil social de quem tem mais privilégios e por quê. A discriminação de gênero, por sua vez, ocorre sempre que se observa, na prática, um tratamento diferenciado, da mulher ou do homem, em prejuízo dos direitos do outro. Acontece que, nas sociedades humanas, essa discriminação, na maioria das vezes, incide sobre a mulher e muito raramente sobre o homem. Nas mais variadas situações, no tempo e no espaço, tem havido discriminação contra a mulher: nos casos de violência praticada contra ela no seio da própria família, podemos falar em discriminação; se, em determinado grupo religioso, o sexo do crente é um referencial importante na hierarquia da instituição e se a mulher é relegada a posições subalternas pelo fato de ser mulher, não há dúvidas de que estamos diante de um caso de discriminação (TOSCANO, 2000). Hip hop é cultura O hip hop, como um elemento de dança, é um destes rituais que se expressa por meio de gestos e no qual o corpo reproduz o sentimento da letra e a entonação. É uma atividade bastante realizada dentro do espaço da escola, pois se identifica com os jovens pela letra impositiva e que busca falar ao mundo das injustiças e desamores. Esse gênero musical é um forte estruturador de movimentos pela valorização da identidade negra: a música, a dança e o estilo de vestir são por si sós produtores de significado. 62 Prática pedagógica em cultura e o cotidiano escolar Cap_4_Estudos_Culturais_em_Educacao.indd 62 19/01/2018 17:37:08 ALENCAR, E. M. L. S; OLIVEIRA, E.B. P. Importância da criatividade na escola e no trabalho docente segundo coordenadores pedagógicos. Estudos de Psicologia. Campinas, n. 29, p. 541-552, out-dez, 2012. BARBOSA, A. C. A. et al. Educação e diversidade. Londrina: Educacional, 2014. CANEN, A.; OLIVEIRA, A. M. A. Multiculturalismo e currículo em ação: um estudo de caso. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 21, p. 61-74, set./dez. 2002. FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. [S.l.]: Positivo, 2005. GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 1999. GARDNER, H. As estruturas da mente: inteligências múltiplas. 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Exercícios Na prática A atuação de um bom professor deve abranger também o papel de articulador e educador comunitário, estabelecendo as pontes entre oficineiros, parceiros e oportunidades educativas da comunidade com o corpo docente e a escola. Porém, se analisado por outro lado, o professor também deve ter o papel de aluno: deve aprender ao passo que ensina. O que mais seria coerente ser feito por esse profissional? Confira a seguir. É fundamental que todos – família, professores, estudantes e direção – mudem a concepção de que professores e estudantes são sempre ideais. É preciso "admitir" o mundo real e compreender o professor e o estudante como sujeitos que vivem nesse mundo com os próprios conflitos e dificuldades. O educador deve estar aberto a indagações, à curiosidade, às perguntas dos alunos, criando possibilidades para a própria produção e construção, pois ensinar não é transferir conhecimento. Nesse sentido, é preciso ter disponibilidade para o diálogo, para uma relação dialógica em que o sujeito se abre ao mundo. Por fim, a afetividade não se acha excluída da cognoscibilidade. A prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio técnico a serviço da mudança ou, lamentavelmente, da permanência do hoje. Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: A educação inovadora surge como um aperfeiçoamento do modelo tradicional. Confira mais sobre esse assunto no vídeo Evolução na educação: como o modelo tradicional pode mudar para melhor? Ler mais Confira no artigo A influência da música em nossas vidas a relação entre a psicologia e a música. Ler mais Veja mais sobre a transformação de crianças em protagonistas no site do projeto Criativos da Escola. Ler mais Acompanhe Como utilizar o Twitter em sala de aula para poder aproveitar essa ferramenta no trabalho com seus futuros alunos. Neste material, você também vai encontrar dicas de como elaborar atividades de diferentes áreas com o uso do Twitter. Ler mais Referências e créditos Apresentação Nesta Unidade de Aprendizagem, estudaremos a história da educação e as suas origens, desde o período colonial até a atualidade, em uma perspectiva analítica. Buscaremos identificar as influências do pensamento europeu na formação dos indivíduos e os efeitos e as permanências desse pensamento até os dias atuais no sistema educacional brasileiro. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: · Identificar o aspecto histórico, cultural e social da educação brasileira. · Avaliar o papel da educação como fator ideológico. · Reconhecer o papel social da educação. Desafio A crise da educação brasileira é cultural. Em 2013, conforme artigo da revista EXAME (2013), o Brasil atingiu o seu ápice nesse ano (referência 2013), no qual alcançou o penúltimo lugar no ranking mundial sobre educação. Foram 36 países pesquisados pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), e o Brasil alcançou a marca do 35º lugar nesse ranking, ficando à frente apenas do México. Esse instrumento de pesquisa sobre a educação, promovido pela OCDE, apresenta de forma consistente a fragilidade do ensino tanto no Brasil quanto em outros países. Ao que se refere ao Brasil, o problema parece ser cultural, uma vez que as estruturas políticas do ensino permanecem as mesmas do período colonial. Apesar das iniciativas positivas de várias frentes do Estado sobre a educação no país, problemas como a dicotomia do ensino (escola para rico e outra para pobre) permanecem. As verbas direcionadas ao ensino nacional de base têm sido reduzidas e, em muitos casos, redirecionadas para outros níveis da educação e ou ações do Estado (CASTRO, 2013). As manifestações e as greves de professores da rede pública de ensino têm se tornado recorrentes ano após ano. A parceria escola/família não tem se efetivado.As escolas têm assumido um papel para o qual não foram designadas: serem cuidadoras de crianças e adolescentes, dando a eles orientação básica de higiene, como, por exemplo, escovar os dentes, usar sabonete e tomar banho ou dando ensinamentos sobre como ser educado na sociedade, como dar bom dia ou boa noite, agradecer um favor, mastigar de boca fechada, etc. A falta de recursos mínimos para o exercício do magistério em sala de aula e a falta de uma boa infraestrutura escolar (prédios novos ou restaurados, salas equipadas, uma biblioteca com acervo adequado, quadras de esporte, merenda escolar saudável) são problemas que devem ser pensados e sanados diante da urgência e da fragilidade do nosso ensino. É diante desses problemas e outros tantos que se pode perceber o quanto a nossa educação está deficiente e carente de soluções reais capazes de atender de forma efetiva às demandas de boa educação. Vamos ao Desafio! Para realizar este Desafio, você deverá: 1. Identificar, no texto, pelo menos três problemas educacionais que ainda permanecem no nosso sistema escolar. 2. Comentar cada um dos itens identificados propondo sugestões possíveis de serem empreendidas no sistema educacional. 3. Buscar outras fontes, tais como Internet, livros e revistas, para elaborar a resposta. 4. Essas sugestões deverão ser apresentadas em tópicos separadamente. Escreva sua resposta no campo abaixo: Padrão de resposta esperado 1. Dentre os problemas que estão presentes em nossa educação, podemos citar: a) A má qualidade do ensino público no Brasil. b) A falta de investimentos na formação e na qualificação dos professores. c) A falta de infraestrutura escolar. 2. Sugestões de melhorias para o sistema de ensino público nacional: a) O Brasil deve desenvolver um programa próprio de educação, deixando de lado modelos que fogem à nossa realidade. Para tanto, deve buscar compreender e identificar “quem é o nosso aluno” e as suas carências pedagógicas, devendo considerar diferenças regionais e, a partir daí, desenvolver um programa de ensino capaz de estimular a participação e a criatividade dos estudantes. b) Para melhorar a educação, não basta apenas reformar prédios ou criar programas de ensino mais arrojados para os nossos alunos, é de suma importância que o professor, como agente transformador para o sucesso de qualquer iniciativa de melhoria educacional, seja também priorizado. Deve-se investir em sua formação continuada, além de melhorar os salários e as condições de trabalho. c) As escolas devem ter uma estrutura capaz de atender às demandas mínimas de seu público, ou seja, ter escadas, rampas, banheiros, salas arejadas e áreas de convivência adequadas aos alunos, aos professores e aos demais profissionais da escola. Para tanto, pode-se criar, diante da falta de verbas advindas do Estado, parcerias com entidades privadas que tenham interesse em apoiar tais iniciativas. Em contrapartida, esses investidores receberiam benefícios fiscais, projeção na sociedade como parceiros responsáveis pela educação, entre outros. Infográfico A história da educação no Brasil é algo dinâmico e constante. Esse caminho cronológico da nossa história educacional conflituosa permitiu que o Brasil fosse classificado, em 2013-2014, como o penúltimo país na escala de avaliação, o que representa que, dos 36 países analisados, o Brasil ficou em 35º lugar no ranking internacional da qualidade em educação, ficando bem atrás de muitos países analisados. Neste infográfico, você vai ver uma breve cronologia da história da educação com os principais marcos, as mudanças de pensamentos políticos e, consequentemente, do sistema educacional brasileiro. A seguir, que tal você testar parte desse conhecimento sobre o percurso histórico da educação brasileira em um quiz? No quiz a seguir, você vai encontrar questões sobre importantes reformas educacionais introduzidas no país ao longo dos anos. História da Educação :: Plataforma A História e história da educação Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os aspectos histórico, cultural e social da educação brasileira. Avaliar o papel da educação como fator ideológico. Reconhecer o papel social da educação. Introdução Neste capítulo, você vai estudar sobre a história da educação, com uma abordagem não somente dos fatos históricos do Brasil, mas também dos aspectos culturais, sociais e ideológicos da educação. Para isso, você vai ver um breve histórico da educação no Brasil entrelaçado com os aspectos culturais e sociais intrínsecos à história. Além disso, vai conhecer os fatores ideológicos que compõem a educação a partir do poder de propagação de princípios e valores dentro das escolas. Por fim, você vai reconhecer argumentos de teóricos da Sociologia sobre a forma como a educação exerce um papel fundamental para a formação do indivíduo em sociedade. Aspectos históricos, culturais e sociais da educação brasileira O Brasil, como colônia de uma nação europeia, Portugal, teve suas primeiras escolas estabelecidas por meio da Igreja Católica. Em 1549, a Ordem dos Jesuítas chega ao Brasil e se torna responsável por ensinar os preceitos da religião católica romana aos índios, com base na catequização, e também C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 1 13/04/2018 17:19:21 pela educação dos fi lhos dos colonizadores. A educação jesuíta plantou no país alguns aspectos sociais e culturais que marcaram a formação da sociedade brasileira. Sem a concorrência do protestantismo e com as injunções políticas e econômicas da condição colonial, a educação jesuítica reproduziu no Brasil o espírito da Idade Média, com o aprisionamento do homem ao dogma da tradição escolástica, a sua submissão à autoridade e à rígida ordenação social, avesso ao livre exame e à experimentação. Em contraste, portanto, ao homem de livre-pensamento, de visão igualitária e espírito associativo, confiante no conhecimento como instrumento de transformação do mundo natural (OLIVEIRA, 2004, p. 946). No entanto, apesar dos aspectos negativos do sistema de educação jesuítas, não se pode deixar de afirmar que eles construíram um sistema único de ensino no país, como a mesma língua, visão de mundo, religião, etc. – qualquer pessoa no Brasil tinha acesso à mesma educação. Esse cenário começa a mudar com as reformas nos âmbitos econômico, administrativo e educacional realizadas pelo primeiro ministro de Portugal, Marquês de Pombal, em 1759. Essas reformas pretendiam recuperar a economia de Portugal e modernizar a sua cultura, tomando como exemplo a Inglaterra. Por isso, uma das ações dessa reforma foi expulsar os jesuítas de todos os territórios portugueses; dessa forma, em 1760, os jesuítas foram expulsos do Brasil e o Estado assumiu o controle da educação no país (SECO; AMARAL, 2012). A expulsão dos jesuítas acarretou na destruição do sistema único de educação no Brasil e na implantação de um sistema de aulas isoladas. Esse sistema, no entanto, era desordenado e dividido e os professores que ministravam as aulas eram leigos e despreparados, o que fez com que a educação brasileira estagnasse. Quando o governo português percebeu essa estagnação ele tentou investir na educação através do subsídio literário, um imposto cujo os recursos eram destinados à educação, em 1772, mas os recursos ainda assim eram escassos (SECO; AMARAL, 2012). Essa reforma não significou uma modernização, mas sim um retrocesso na educação brasileira. Em Portugal, foi implementado o ensino de ciências naturais, das línguas e literaturas modernas, mas isso não chegou à colônia. Para piorar o cenário, os ideais jesuítas de submissão e não liberdade de criação e iniciativa ainda foram mantidos, pois os professores tinham formação jesuíta. A situação começa a mudar novamente somente com a chegada da família real ao Brasil em 1808, acontecimento que foi um novo marco de transfor2 História e história da educação C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 2 13/04/2018 17:19:22 mação na educação e na cultura. Com a coroa, vieram pessoasda nobreza portuguesa, como membros do alto clero, ministros, juízes e funcionários do Tesouro. Também chegaram ao Brasil obras de arte, objetos dos museus e a Biblioteca Real, com mais de 60 mil livros (NASCIMENTO, 2007, p. 194). Dom João IV realizou a abertura dos portos no Brasil e a implantação do ensino superior, aspectos que mudaram a realidade do país e que proporcionaram a criação do Museu Real, da Biblioteca Pública, da Imprensa Régia e do Jardim Botânico. Em 1834, o imperador descentralizou a administração da educação: a educação no Rio de Janeiro e a educação de nível superior ficaram restritas ao poder central, e a educação primária e média ficou incumbida às províncias. Contudo, como as províncias não tinham recursos para suprir toda a educação primária e média, boa parte da educação média passou a ser oferecida pelo sistema privado, por meio de instituições religiosas, e a educação primária ficou abandonada, o que acentuou as diferenças sociais (NASCIMENTO, 2007, p. 199). O saldo final do império para a educação foram algumas escolas primárias e liceus nas províncias e nas capitais, que basicamente são o que hoje conhecemos por ensino profissional, cursos normais, escolas privadas nas cidades mais importantes e as academias, que eram os cursos superiores. Mas em um país que pouco tinham acesso à educação primária, somente a elite conseguia chegar às academias, perpetuando, assim, a diferenças de classes. Em 1891, foi promulgada a primeira Constituição da República, que manteve a descentralização do ensino, acentuando a diferença entre as escolas primárias, às quais o povo tinha acesso, e as escolas da República e instituições privadas (LOPES, 2006). Além da pouca oferta da educação secundária pelos estados, pela falta de recursos para investir, essas escolas públicas cobravam taxas, selos e contribuições dos alunos, o que impedia ainda mais o acesso da maior parte da população a esse ensino. Já entre 1930 e 1960, o Brasil passou por importantes transformações econômicas, sociais e também no âmbito educacional. Uma nova ideologia surgiu, afirmando que era necessária uma reorganização no ensino, pois a escola tinha papel fundamental na reconstrução da sociedade brasileira. Em 1931, foi criado o Conselho Nacional de Educação e, em 1934, a nova Constituição afirmou que a educação era um direito de todos e que seu acesso deveria ser gratuito. Em 1946, foi publicada a Lei Orgânica do Ensino Primário, que regulava a participação do governo federal nesse ensino, com o intuito de fortalecer o História e história da educação 3 C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 3 13/04/2018 17:19:22 acesso e a qualidade do ensino primário. A União se tornou responsável por fixar diretrizes e alguns programas básicos para o ensino fundamental no país. Os estados ainda ficaram responsáveis pela administração, por prover uma parte do valor necessário para manter esse ensino, pela manutenção das construções das escolas, pela nomeação de professores e pela fiscalização das escolas privadas. Durante a ditadura militar, o governo procurou implementar um ensino técnico para atender a indústria na busca pelo desenvolvimento capitalista. As escolas também foram usadas para propagar os valores conservadores do regime, o que você pode perceber pela criação da obrigatoriedade da disciplina de moral e cívica (ABREU, 2008). A expansão do ensino fundamental foi uma das principais medidas na ditadura: o governo buscava a universalização desse ensino com o objetivo que qualificar a mão de obra. De fato, ocorreu uma significativa ampliação da rede de escolas de nível fundamental, mas essa ampliação não foi acompanhada pelo aumento dos investimentos na educação, o que foi comprovado em 1982, com um estudo do Banco Mundial que mostrou que o Brasil era o país da América Latina que menos investia em educação, levando em conta a proporção do seu PIB (MEMÓRIAS DA DITADURA, 2018). A piora na qualidade da educação pública brasileira estimulou o crescimento das escolas privadas. Esse espaço, que era historicamente da Igreja Católica romana, passou também a ser ocupado por empresários, o que fez com que as famílias brasileiras mais abastardas buscassem as escolas privadas para garantir a preparação para o vestibular e o acesso ao ensino superior de qualidade. Chegando aos tempos mais modernos, nos últimos anos, o governo federal criou programas para tentar ampliar o acesso ao ensino superior, principalmente das camadas mais populares. Em 2004, foi lançado o Programa Universidade para Todos (PROUNI) e, em 2007, foi criado o Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), ambos acompanhados pela ampliação do Financiamento Estudantil (FIES) (PROUNI, 2018). Essas políticas de fato aumentaram o acesso ao ensino superior: segundo o Ministério da Educação, entre 1995 e 2002, 2,4 milhões de pessoas concluíram o ensino superior no Brasil; entre 2003 e 2014, 9,2 milhões de pessoas adquiriram o diploma universitário, um aumento de 26,09% (BRASIL, 2016). O Brasil também vem apresentando melhoras na educação básica, mas ainda tem muito a evoluir. 4 História e história da educação C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 4 13/04/2018 17:19:22 Acesse o link a seguir para saber mais sobre os dados da educação básica no Brasil. https://goo.gl/RuKGii Segundo os dados do IBGE, em 2016, 11,8 milhões de brasileiros ainda eram analfabetos, ou seja, 7,2% da população com 15 anos de idade ou mais. A maioria da população com 25 anos ou mais, 51%, tem somente o ensino fundamental completo, e apenas 26,3% dessa população concluiu o ensino médio. Esses dados foram retirados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, divulgada em 2017 em referência aos dados de 2016 (FERREIRA, 2017). As diferenças sociais e culturais continuam e se acentuam ainda mais no Brasil pela falta de acesso à educação: apesar da universalização do ensino, muitas barreiras econômicas e sociais existem para que o aluno conclua seus estudos. O papel da educação como fator ideológico A palavra ideologia deriva das palavras gregas idea e logos, o que quer dizer “ciência das ideias”. O dicionário Priberam defi ne ideologia (2018) como o “Conjunto de ideias, convicções e princípios fi losófi cos, sociais, políticos que caracterizam o pensamento de um indivíduo, grupo, movimento, época, sociedade.” É importante que você considere que ideologia é a forma como alguém ou algum grupo vê e compreende o mundo e, a partir disso, define suas ações sociais, econômicas e políticas. A ideologia também pode ser entendida como uma doutrina, ou seja, um conjunto de princípios que serve como base para um entendimento. A ideologia pode esclarecer o porquê de as coisas serem de determinada forma ou, ainda, como as coisas deveriam realmente ser; envolve todos os aspectos da cultura, da ciência e da sociedade, é algo fundamental e funciona como intermediário entre as pessoas e o mundo. A família e a escola são os ambientes nos quais um indivíduo em formação mais convive, de maneira que contribuem grandemente para a formação da visão de mundo de uma pessoa. História e história da educação 5 C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 5 13/04/2018 17:19:22 Na escola, um indivíduo absorve informações, valores, princípios e ideias que irão compor sua forma de compreender o mundo. Claramente, isso não é colocado de maneira explícita, mas, intrinsecamente, um estudante consome e interioriza as ideologias que lhe são apresentadas, e, assim, constrói a sua subjetividade. Por isso, muitos autores asseguram que a escola é um aparelho utilizado pelo Estado para propagar a ideologia dominante na sociedade, como afirma Leite (1989, p. 18): As teorias (...) têm dominado o cenário acadêmico nos últimos anos, representadas por autores como Establet, Baudelot, Passeron e Bourdieu, destacando-se ainda Akhusser e Gramsci, que interpretam a Escola como aparelho ideológico do Estado, a partir do qual os setores dominantes tentam exercer seu poder hegemônico. Nesse sentido, o sistema educacional é visto como uminstrumento de transmissão ideológica, ou seja, da ideologia dominante, subjacente ao capitalismo, que tem por função levar os cidadãos a aceitarem passivamente as formas de produção, de organização e de reprodução do sistema. A Escola seria um dos instrumentos que o Estado utiliza para essa tarefa. De acordo com essas ideias, a escola é um mecanismo de domínio e manutenção do sistema social vigente, garantindo a lógica social e moldando a grande massa populacional. A educação é alienadora, repassando aos indivíduos a ideologia da classe dominante e contribuindo para a sustentação e para a continuidade do sistema de governo atual. A escola é produtora de células sociais, transformando cada indivíduo, cada possibilidade de uma subjetividade singular numa célula reprodutora da ideologia da máquina de produção. Podemos afirmar, assim, que mais fundamental e mais importante que as funções de camuflagem ou justificação e legitimação que a ideologia escolar sem dúvida tem, é a sua função material, produtora de indivíduos corretamente programados para o perfeito funcionamento social (GALLO, 1999, p. 196). Para mudar essa realidade, deve-se buscar uma educação transformadora, com um ensino isento da ideologia da classe dominante e do Estado, proporcionando a construção de uma ideologia própria produzida por estudantes e docentes, o que ainda está longe de acontecer no Brasil. No entanto, é importante ressaltar que, mesmo que seja um aparelho do Estado para repassar suas ideologias, a escola também exerce outras funções centrais e mais importantes para a sociedade, principalmente para a população de baixa renda. 6 História e história da educação C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 6 13/04/2018 17:19:22 O ambiente escolar é, muitas vezes, o único ambiente no qual diversos adolescentes e crianças marginalizadas podem construir sua cidadania. Cursar o ensino fundamental garante, para muitos jovens, o desenvolvimento da linguagem e do raciocínio lógico, contribuindo para a ampliação dos horizontes aos quais esse jovem pode chegar. A escolarização também é um instrumento de democratização, porque possibilita aos estudantes um desenvolvimento cognitivo que os torna capazes de compreender de forma adequada o mundo à sua volta e ter um pensamento crítico sobre ele. [...] se, por um lado, a Escola tem transmitido uma ideologia hegemônica, por outro, a escolarização tem desenvolvido o repertório básico que é fundamental para a formação da cidadania e, talvez, para a própria superação da condição de alienação. Obviamente, isto não significa que estamos defendendo a Escola tal qual se apresenta hoje, mas reconhecendo uma consequência da escolarização que até então não estava claramente colocada. Além disto, poder-se-ia imaginar que o papel da Escola poderia ser muito mais importante se ela estivesse planejada de acordo com as características e necessidades da população atendida; por exemplo, se os currículos e programas escolares fossem planejados, respeitando-se o repertório inicial da população, e direcionados numa perspectiva de formação do comportamento crítico, certamente teria um efeito de grande relevância para a formação da cidadania (LEITE, 1989, p. 19). Apesar do fator ideológico propagado nas escolas, a manutenção da classe dominante é reforçada ainda mais se as outras classes não tiverem o acesso à escola. O sistema escolar atual, por mais falhas que possa ter, garante um desenvolvimento intelectual melhor do que se a criança ou o adolescente não estivessem na escola; por isso, é extremamente importante garantir meios para a permanência dos estudantes na escola. Uma estudante de baixa renda, de escola pública, conseguiu estudar em uma universidade americana e voltou ao Brasil para colaborar com a mudança na educação brasileira. Veja essa história no link ou código a seguir. https://goo.gl/To568o História e história da educação 7 C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 7 13/04/2018 17:19:23 O papel social da educação A educação é, por natureza, um acontecimento coletivo: não há como falar nela sem pensar em duas pessoas, pelo menos, refl etindo sobre fenômenos naturais importantes, fatos notáveis ou signifi cados atribuídos a determinados símbolos. Além disso, sabe-se que a seleção dos conteúdos debatidos entre os sujeitos da educação não é feita de maneira espontânea ou aleatória, mas selecionada com base nos valores dominantes de um grupo, podendo, inclusive, como já foi dito, ser instrumento para a propagação de ideologias. Dessa forma, os efeitos da educação serão percebidos para além do que o universo professor-aluno possa alcançar e, também, para além da pequena comunidade local, podendo ser notado em escala ainda maior na sociedade como um todo. Logo, se a educação tem efeitos tão abrangentes, é necessário compreender seu papel no tecido social (LOPES, 2012). Para tanto, no final do século 19, um sociólogo francês chamado Émile Durkheim inicia seus estudos naquilo que seria chamado, posteriormente, de Sociologia da Educação. Segundo Durkheim, a educação fazia do homem um ser novo, pois, a partir dela, pode ser não mais um indivíduo avulso, mas um sujeito social: “[...] por via da educação, edifica, assim, cada um de nós, representa o que há de melhor em nós, o que há em nós de verdadeiramente humano. O homem, com efeito, só é um homem porque vive em sociedade” (DURKHEIM apud LOPES, 2012, p. 6). Esse ser novo, segundo Durkheim, teria especialmente três elementos, os quais, para ele, eram os pilares da educação: senso moral, respeito às autoridades constituídas e um ideário que o ligasse aos demais membros da sociedade, que chamava de cimento da coesão social. Entretanto, outra pessoa poderia notar que, se a educação se resume à formação de indivíduos que acreditem que a realidade social atual deve ser mantida de forma organizada e passivamente, logo, um dos papéis sociais dela é, também, de perpetuação das diferenças sociais. Foi essa conclusão que Max Weber, sociólogo alemão do século 19, teve sobre a educação, que contribui para a seleção social (LOPES, 2012). Podemos exemplificar o conceito de seleção social da seguinte maneira: um filho da classe dominante está mais preparado, pois teve acesso às melhores escolas e professores, enquanto o filho da classe dominada está menos preparado, pois recebeu educação de baixa qualidade. Imagine que ambos concluem o ensino médio e desejam ingressar no ensino superior, mas não há vaga para os dois – perceba que, pelo tipo de formação, eles não disputam a vaga com as mesmas armas. Sendo assim, o filho da classe dominante conquista a educação 8 História e história da educação C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 8 13/04/2018 17:19:23 superior, e o filho da classe dominada deve buscar empregos compatíveis com sua escolaridade, tudo sob o pretexto de que o mais competente terá maior recompensa financeira, quando, na verdade, trata-se da legitimação racional da desigualdade social. Dessa forma, Lopes (2012, p. 10) afirma que “[...] também para Weber, tal como para Durkheim, a educação é um processo de socialização permanente, constante (que, para além da escola, se consubstancia igualmente na família), de reprodução e manutenção social.” Propondo uma maneira de pensar diferente dessas ideias, Paulo Freire, educador mais moderno, compreende que a educação não necessariamente precisa propagar os padrões da sociedade previamente estabelecidos, mas pode ser um fator de transformação social: Sua pedagogia mostra um novo caminho para a relação entre educadores e educandos. Caminho que consolida uma proposta político pedagógica elegendo educador e educando como sujeitos do processo de construção do conhecimento mediatizados pelo mundo, visando à transformação social e à construção de uma sociedade justa, democrática e igualitária. (GONÇALVES, 2013, p. 60). A escola pode ser um ambiente libertador: com base no diálogo, pode educar o indivíduo para que ele consiga entender, reagir e solucionar os problemas da sociedade local e global. A educação é um recurso que pode ser utilizadopara transformar a realidade do homem e, consequentemente, a sociedade em que ele vive. Sendo assim, a escolarização é capaz de ser um instrumento para reequilibrar a sociedade, de modo que as classes que vivem à margem podem utilizar os conhecimentos adquiridos na escola para mudar a sua realidade, diminuindo as desigualdades sociais. Acesse os links a seguir para conhecer a biografia de grandes pensadores: Émile Durkheim: https://goo.gl/EtgAuc Max Weber: https://goo.gl/PBPsAV Paulo Freire: https://goo.gl/djnDe9 História e história da educação 9 C24_REALIDADE_Historia_educacao.indd 9 13/04/2018 17:19:23 ABREU, V. K. A educação moral e cívica: disciplina escolar e doutrina disciplinar – Minas Gerais (1969 – 1993). 2008. 102 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/ bitstream/123456789/13751/1/dis.pdf Acesso em: 6. jan 2018. BRASIL. Brasil teve aumento de 80% de concluintes do Ensino Superior em 12 anos. 12 abr. 2016. Disponível: . Acesso em: 07 jan. 2018. FERREIRA, P. Brasil ainda tem 11,8 milhões de analfabetos, segundo IBGE. O Globo, 21 dez. 2017. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018. GALLO, S. Educação, ideologia e a construção do sujeito. Perspectiva, Florianópolis, v.17, n. 32, p. 189- 207, jul./dez. 1999. Disponível em: . Acesso em: 02 jan. 2018. GONÇALVES, L. D. Concepções de educação e sociedade de Rousseau a Paulo Freire: a elaboração dos princípios de convivência. Revista da Faculdade de Educação (Univ. do Estado de Mato Grosso), v. 19, n.1, p. 57-70, jan./jun. 2013. Disponível em: . Acesso em: 07 jan. 2018. IDEOLOGIA. Priberam dicionário, 2018. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018. LEITE, S. 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As origens da educação no Brasil da hegemonia católica às primeiras tentativas de organização do ensino. Ensaio: avaliação e políticas públicas em Educação, Rio de Janeiro, v.12, n.45, p. 945-958, out./dez. 2004. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2018. PROUNI. O programa. 2018. Disponível em: . Acesso em: 07 jan. 2018. SECO, A. P.; AMARAL, T. C. I. Marquês de pombal e a reforma educacional brasileira. 2012. Disponível em: . Acesso em: 05 jan. 2018. Leituras recomendadas BRITO, S. H. A. A educação no projeto nacionalista do primeiro governo Vargas (1930-1945). 2006. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018. CALADO. A. J. F. Paulo Freire: sua visão de mundo, de homem e de sociedade. Caruaru: Fafica, 2001. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018. COSTA, D. D.; FERREIRA, N. I. B. O PROUNI na educação superior brasileira: indicadores de acesso e permanência. Avaliação, Campinas, v. 22, n.1, jan./abr. 2017. Disponível em: . Acesso em: 14 abr. 2018. DUARTE, M. A. V. Definições de Ideologia. 2016. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018. SILVA, E. B. Educação como prática da liberdade. Revista Brasileira de Educação, n. 14, maio/ago. 2000. Disponível em: . Acesso em: 12 abr. 2018 Dica do Professor Vamos, agora, a uma breve apresentação sobre o conceito de história da educação e a sua importância e contribuição no cenário educacional atual. Exercícios Na prática Os aspectos históricos, culturais, sociais e econômicos dos municípios possuem grande influência no IDEB - Índice de Desenvolvimento da Educação Básica. Criado em 2007 reúne informações acerca do fluxo escolar e das médias de desempenho nas avaliações. Calculado a partir dos dados sobre aprovação escolar, obtidos pelo Censo Escolar e pelas médias de desempenho do Sistema de Avaliação da Educação Básica. A partir do IDEB é possível identificar o desenvolvimento educacional dos municípios. Veja, Na pratica, o cenário real traduzido pelos principais indicadores da cidade de Teresina, capital do Piauí, que mesmo enfrentando diversos problemas socioeconômicos vem se destacando como a capital com o melhor índice do IDEB do Brasil. Saiba mais Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: A qualidade da educação: perspectivas e desafios Ler mais História da Educação (brasileira): Formação do campo, tendências e vertentes investigativas Ler mais Ensinar Exige Reconhecer que a Educação é Ideológica (Parte 1) Pedagogia da Autonomia Assista Referências e créditos Apresentação Você já ouviu falar sobre sociologia crítica? Nesta Unidade de Aprendizagem você vai estudar a visão da sociologia crítica sobre as questões educacionais e o sistema de reprodução. Essa temática auxiliará você a compreender a origem da crítica social ao sistema educacional. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: · Identificar a importância da sociologia da educação para o exercício da profissão docente. · Reconhecer a sociologia crítica da educação. · Desenvolver o pensamento crítico frente às críticas à reprodução escolar. Desafio Pink é um garoto em fase escolar. Ele questiona alguns comportamentos relacionados ao seu professor, que é extremamente autoritário. Para o jovem, o professor deve "deixá-lo em paz" para estudar, mas o conteúdo escolar é transmitido sem nenhum tipo de mediação ou relação com o seu cotidiano. O professor exige que Pink decore e memorize conceitos, sem que haja qualquer relação com a prática. Você provavelmente conhece esta história! Pink é o personagem principal do videoclipe de "Another brick in the wall", do grupo Pink Floyd. Procure lembrar se você já passou por alguma situação semelhante à de Pink. Com base nas atitudes do seu professor nessa ocasião e pensando nos conceitos fundamentais que Bourdieu trata em "A reprodução" (1970), procure relacioná-los e exemplificá-los. Considere como conceitos fundamentais da obra, para responder ao desafio, os seguintes elementos: - Poder de violência simbólica - Ação pedagógica - Autoridade pedagógica - Trabalho pedagógico - Habitus Disserte sobre esses elementos, relacionando-os com as práticas educacionais utilizadas hoje. Escreva sua resposta no campo abaixo: Padrão de resposta esperado Você deverá ser capaz de identificar, na prática do seu docente em questão, os elementos citados no desafio. Assim, estará construindo seu estudo de caso reflexivo, identificando os seguintes conceitos: - Poder de violência simbólica: todo poder que acaba por impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que as subjazem. - Ação pedagógica: constitui objetivamente a violência simbólica. É exercida por todos os membros educados por uma formação social ou de um grupo, pelos membros do grupo familiar ou pelos professores. - Autoridade pedagógica: necessariamente advinda da ação pedagógica, aparece como poder de violência simbólica na forma de um direito de imposição legítima. - Trabalho pedagógico: trabalho de inculcação que deve perdurar por um longo tempo, a fim de produzir uma formação durável e profunda: o habitus. - Habitus: produto da interiorização de um arbitrário cultural capaz de se perpetuar após o término da atividade pedagógica e, assim, perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário cultural. Conteúdo do Livro O esquema de reprodução defendido por Bourdieu e Passeron se baseia em conceitosfundamentais, como o poder de violência simbólica e a autoridade pedagógica, ambos presentes nas instituições sociais primordiais, como a família e a escola. Para aprofundar seus conhecimentos sobre o assunto, leia o trecho selecionado do livro Sociologia da educação: a escola posta à prova. Inicie seus estudos no tópico O esquema da reprodução: da escola ao sistema de classes sociais. Boa leitura. O esquema da reprodução: da escola ao sistema de classes sociais No mundo francófono, a teoria da reprodução de Bourdieu e Passeron é certamente a mais conhecida. Ela leva a uma teoria geral da cultura, ganhando sentido em uma sociologia das classes sociais mais sofisticada que aquela desenvolvida pelos sociólogos marxistas (Baudelot e Establet, 1971). Os trabalhos de Bourdieu e de Passeron inspiram-se em várias grandes tradições – durkheimiana – weberiana e marxista e tentam, senão conciliá-las, ao menos tirar de cada uma as contribuições essenciais. Aliás, aí está a dificuldade de criticar a sociologia desses autores que acertaram em mostrar que não subestimam nenhuma das contribuições importantes de cada uma dessas correntes de pesquisa. De maneira bastante sintética, podemos encontrar em Bourdieu e Passeron, para cada uma das três grandes tradições abordadas, as seguintes influências: – Tradição durkheimiana: ruptura com o senso comum, confronto da teoria com a empiria, afirmação de um método sociológico específico (para Durkheim: “é preciso tratar dos fatos sociais como coisas”, “o social explica-se pelo social”). – Tradição weberiana: importância do fato mental, reconhecimento de um método científico (explicar e compreender) como busca da verdade a partir de uma relação subjetiva com os valores (a do pensador), do ideal-tipo como instrumento heurístico, e, ainda, o questionamento sobre as modalidades da legitimação. – Tradição marxista: importância das determinações econômicas, da “situação” de classe no espaço das posições sociais, da determinação em “última instância” pela economia retomada em Althusser (“autonomia relativa” da superestrutura em relação à infra-estrutura), reconhecimento do papel importante da escola 24 Anne Van Haecht (aparelho ideológico do Estado em Althusser ainda) na reprodução das relações de força. O pensamento de Bourdieu, assim como o de Passeron, é evolutivo. A honestidade intelectual obriga a salientá-lo, pois, muito freqüentemente, seus detratores prendem-se a uma leitura de seus primeiros trabalhos. Em relação à área que nos diz respeito, Os herdeiros (1964) e A reprodução (1970) constituem a base da reflexão. Vejamos seus pontos essenciais, não sem já levar em conta alguns desenvolvimentos posteriores. ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS A reprodução, que representa o apanhado teórico de Os herdeiros baseia-se em uma teoria da violência simbólica da qual é preciso lembrar os principais elementos. O corpo de propostas que representa o Livro I desse estudo apóia-se em uma “estenografia de sistemas de relações lógicas”, cuja compreensão supõe que se compreendam previamente as seguintes definições: – poder de violência simbólica: todo poder que acaba por impor significações como legítimas, dissimulando as relações de força que as subjazem; – ação pedagógica: constitui objetivamente a violência simbólica. É exercida por todos os membros educados de uma formação social ou de um grupo, pelos membros do grupo familiar, pelos professores; – autoridade pedagógica: necessariamente implicada pela ação pedagógica, aparece como poder de violência simbólica, na forma de um direito de imposição legítima; – trabalho pedagógico: trabalho de inculcação que deve perdurar por um longo tempo, a fim de produzir uma formação durável e profunda: habitus; – habitus: produto da interiorização de um arbitrário cultural capaz de se perpetuar após o término da atividade pedagógica e, assim, perpetuar nas práticas os princípios do arbitrário cultural. O axioma fundador da teoria de Bourdieu e Passeron pode ser resumido da seguinte forma: todo poder de violência simbólica une sua própria força às relações de força que lhe permitiram se manifestar como tal. A violência em geral pode se expressar, com efeito, na forma da coação física ou na da coação moral. O poder que consegue se afirmar passando da primeira e utilizando-se da segunda beneficia-se de uma espécie de “mais-valia” simbólica, da legitimação do arbitrário que ele impõe. Em Sociologia da educação 25 outras palavras, a violência simbólica permite a institucionalização de relações de força desconhecidas, graças a ela, em sua nudez crua. No coração da ação pedagógica que todos os agentes investidos profissionalmente ou não de uma tarefa de socialização exercem se encontra uma dupla arbitrariedade: a do poder que instaura a relação pedagógica e a do conteúdo da mensagem transmitida. Determinações sociais especificam as relações entre os adultos e as crianças, mesmo no caso das relações de parentalidade biológica: a cada formação social suas instituições educativas, assim como suas estruturas familiares e seu modo de descendência (patrilinear ou matrilinear). E, ainda, a cada formação social uma autoridade pedagógica dominante, isto é, a que serve melhor, de forma mediata, aos interesses objetivos1 (materiais, simbólicos, etc., mais particularmente pedagógicos) dos grupos e classes dominantes. É preciso reconhecer também na mensagem imposta e inculcada a seleção arbitrária que um grupo ou uma classe realiza de forma objetiva em e por seu arbitrário cultural. Este constitui um sistema simbólico que não é dedutível de nenhum princípio geral, “natureza das coisas” ou “natureza humana”. Acontece que um patrimônio cultural particular, se é “arbitrário” em comparação à totalidade das culturas existentes ou que existiram, ou, mais amplamente ainda, de todas as culturas possíveis, torna-se “necessário” desde que seja colocado nessas condições sociais de produção e de perpetuação. A ação pedagógica, cujo poder de impor significações legítimas ancora-se nas relações de força que opõem os grupos ou as classes entre si, garante, por meio de sua função de reprodução cultural, uma função de reprodução social. Ao mesmo tempo em que se perpetua a dominação do arbitrário cultural dominante, reproduzem-se as relações de força que colocaram este em posição dominante. Bourdieu e Passeron (1970, p. 11) sugerem subsumir o conjunto dos atos marcados pelo duplo arbitrário da imposição simbólica em uma “teoria geral das ações de violência simbólica (que elas sejam exercidas pelo curador, bruxo, padre, profeta, propagandista, professor, psiquiatra ou psicanalista)”, que pertenceria, por sua vez, a uma “teoria geral da violência e da violência legítima, pertença testemunhada, diretamente, pela substituibilidade das diferentes formas de violência social e, indiretamente, pela homologia entre o monopólio escolar da violência simbólica legítima e o monopólio estatal do exercício legítimo da violência física”. Para dar conta dessa teoria geral, é preciso mencionar ainda alguns conceitos essenciais. Trata-se da autoridade pedagógica e da autonomia relativa da instância que é investida disso, que se pode definir como as condições sociais de exercício do poder de violência simbólica, ou como as fontes de sua legitimidade. Toda instância que exerce uma ação pedagógica só dispõe da autoridade pedagógica a título de mandatário dos grupos ou das classes para as quais impõe o arbitrário cultural. 26 Anne Van Haecht É como instância legítima de imposição que a ação pedagógica chega a produzir o desconhecimento de sua verdade objetiva de violência. Depois, o trabalho pedagógico, processo que deve durar por bastante tempo para consagrar irreversivelmente a autoridade pedagógica e produzir um habitus, análogo na ordem da cultura ao capital genético na ordem biológica, princípio gerador, portanto, de práticas consoantes ao arbitrário cultural. A ação pedagógica primária (primeira educação) vai estar na origem de um habitus primário, atributo de um grupo ou de uma classe, que se revelará