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16 Geologia do Brasil A TERRA É AZUL... E MUITO ATIVA Os átomos que compõem nossos corpos não foram criados, evidentemente, quando fomos concebidos, mas pouco tempo depois do nascimento do próprio Universo. (...) Du- rante os primeiros milhões de anos de expansão após o Big Bang, o Universo se resfriou desde 100 bilhões de graus Kelvin (...) até cerca de 3.000 K, o ponto no qual um simples elétron e um próton poderiam se juntar para criar hidrogênio, o mais simples e abundante elemento do Universo. O hidrogênio co- alesceu para formar supernovas (...). Sob a força pura da gra- vidade os núcleos de supernovas tornaram-se tão quentes que reações termonucleares desencadearam-se, criando, a partir de hidrogênio e várias partículas subatômicas dispersas, todos os elementos mais pesados do Universo que conhecemos hoje. A riqueza de hidrogênio permanece ainda em nossos corpos – nós contemos mais átomos de hidrogênio do que qualquer outro tipo – primariamente em água. Nossos corpos de hidro- gênio espelham um Universo de hidrogênio (Margulis e Sagan 1986) No primeiro voo tripulado em órbita da Terra, o cosmonauta soviético Yuri A. Gagarin, ao olhar o planeta do espaço, em abril de 1961, exclamou: “A Terra é azul!”. Nem sempre nos atentamos para o significado dessa ob- servação pioneira, feita há pouco mais de 50 anos. Re- cebemos hoje com naturalidade as incontáveis imagens orbitais, que nos oferecem, a qualquer hora, detalhes im- pressionantes e magníficos da Terra (Fig. 1). Que transformações ocorreram quando o homem pôde ver a Terra toda? A mudança de perspectiva foi ra- dical. Até aquele momento, o homem somente observara a Terra a partir do chão, do alto de montanhas ou, na melhor das hipóteses, de aviões. São alternativas muito distantes da escala de observação feita por Gagarin. Passou-se AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM: O CICLO DAS ROCHAS Celso Dal Ré Carneiro do acesso a observações fragmentadas da morfologia do planeta, como cordilheiras de montanhas ou deltas de grandes rios, para a visão dos componentes de um com- plexo e integrado sistema. Modernos aparatos de obser- vação revelam que, em graus variáveis, as esferas materiais do planeta participam de múltiplas interações: atmosfera, hidrosfera, litosfera, manto, núcleo e biosfera. O sistema evolui ao longo de uma história de 4,5 bilhões de anos. Nos últimos milhares de anos, uma novo personagem, muito ativa, somou-se a tais agentes: a humanidade, que compõe a chamada esfera humana ou social. Mudanças cíclicas acontecem permanentemente na Terra, por meio de transformações lentas ou rápidas. As rochas não podem ser consideradas eternas, porque são afetadas por diversos graus de reciclagem, assim como todos os minerais que as constituem e os demais objetos encontrados na Terra. As escalas de tempo das mudanças são extremamente variáveis. A imagem de um planeta composto por terras emersas (continentes) separadas por oceanos e mares tornou-se insuficiente para interpretar a realidade, de modo que devemos, hoje, “olhar” para a Terra como um sistema integrado. É imprescindível considerar a história geológica do planeta para entender a complexidade e as interações dos processos naturais e humanos e antever pos- síveis consequências. Os ciclos das rochas e dos supercon- tinentes fazem parte desse contexto dinâmico; são trans- formações, mais rápidas ou mais lentas, que interferem nos demais ciclos naturais e determinam alterações nos ciclos evolutivos de montanhas e oceanos. O estudo das modifi- cações da matéria do reino mineral permite realizar previ- sões de acontecimentos futuros em relação à agricultura, ao solo, ao clima, aos oceanos, e à disponibilidade de recursos minerais. Ilustraremos neste capítulo alguns aspectos fun- damentais dessa intrincada cadeia de interações. willian Zone de texte In: HASUI, Y.; CARNEIRO, C.D.R.; ALMEIDA, F.F.M.de.; BARTORELLI, A. Geologia do Brasil. Editora Beca, 2012. 900 p. 17 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM ESFERAS TERRESTRES Para compreender as interações terrestres, classifi- camos os materiais e os processos típicos que os afetam em grandes domínios, chamados de geoesferas. Diferentes autores oferecem classificações variadas, mas, em linhas gerais, existe certa congruência na grande maioria delas. A diferença é às vezes baseada em algum interesse parti- cular de um determinado campo científico especializado. É comum a todas as definições o pressuposto de que o pla- neta é um todo unificado: o que acontece em uma esfera interfere nas demais. Atmosfera: engloba os gases que compõem os ma- teriais terrestres. Entre os processos que acontecem na at- mosfera, destaca-se a função de distribuir energia solar e umidade em toda a superfície da Terra. Hidrosfera: envolve toda a água do planeta e os fe- nômenos relacionados à circulação desse fluido pelos con- tinentes e oceanos, tanto na forma líquida quanto gasosa (vapor) ou sólida. A esfera gelada do planeta é chamada criosfera. Geosfera: é o nome dado a toda a parte sólida da Terra, formada por camadas de distinta composição ma- terial, como a crosta, o manto e o núcleo, ou camadas cujo comportamento mecânico obedece a certos padrões, como a litosfera. Na geosfera é possível encontrar registros das principais mudanças ambientais que ocorreram e ocorrem na Terra. Crosta: é a camada externa da geosfera, cuja com- posição a distingue do manto e do núcleo; seu comporta- mento mecânico permite considerá-la parte da litosfera. As relações composicionais entre as esferas sólidas do pla- neta, as dificuldades de acesso à observação e os problemas de interpretação, bem como de estado físico e comporta- mento mecânico, são objeto do Capítulo 3 desta obra. Manto e núcleo: são as esferas rochosas internas do planeta. Embora sejam inacessíveis à observação direta pelo homem, sabe-se que são responsáveis por muitos fenômenos observados na superfície, como o magnetismo terrestre ou a contínua emissão de calor, desde o interior quente. Litosfera: é o envoltório sólido rochoso externo do planeta. Inclui a crosta (continental e oceânica) e a parte mais externa do manto superior. Os processos e transfor- mações na litosfera ocorrem lentamente, permitindo que ela funcione como um campo transitório, de uma perspec- tiva geológica, onde interagem os fenômenos da superfície e do interior do planeta. Biosfera: compreende todos os organismos vivos, dos reinos animal, vegetal, protista, bacteria e fungi. Po- demos subdividir a matéria viva de acordo com as formas peculiares de organização material e o domínio social. Antroposfera ou noosfera: a esfera social é for- mada pelas sociedades humanas e pelos processos super- ficiais que promovem. A ideia de interação no âmbito do Sistema Terra exige uma abordagem da noosfera inte- grada com as demais esferas, de modo a se visualizar a Terra como resultado de mútuas interações. Enquanto a biosfera se transforma a partir de mecanismos explicados pela teoria da evolução, a esfera social – da qual fazemos parte – modifica-se sobretudo por meio de instrumentos culturais, que podem ser compreendidos a partir da eco- nomia, política e formas de organização social. Figura 1. Topografia e batimetria externas da Terra. A imagem exibe depressões marinhas e extensas cadeias montanhosas, continentais e oceânicas. As plataformas continentais estão nas partes brancas. O relevo brasileiro apresenta variação de elevações, mas em geral apresenta cotas baixas e médias, menores que as das grandes cordilheiras espalhadas nas zonas ativas do globo. (Newman 2007. Disponível em: <http://geophysics.eas.gatech.edu/people/anewman/classes/geodynamics/misc/>) 18 Geologia do Brasil em locais que há muito tempo deixaram de ser desertos, como é o caso dos campos de dunas dosarenitos Botucatu, na América do Sul, que hoje encerram reservas subterrâ- neas importantíssimas de água doce, o chamado Aquífero Guarani. Os tipos de rochas, seu arranjo particular e sua composição revelam o ambiente desértico do passado. Para explicar como funciona o ciclo das rochas (Fig. 2) podemos começar pelo intemperismo, o processo de transformação ou modificação das rochas quando ex- postas à atmosfera e à hidrosfera. Alguns fatores determinam, ao longo do tempo, o tipo e a intensidade do intemperismo, a saber: o clima, de- vido ao calor do Sol e à umidade das intempéries (que por sinal lhe emprestam o nome); o crescimento de organismos (fauna e flora); e os acidentes de relevo, devido à infiltração e drenagem da água ou sua movimentação superficial, que pode ser mais ou menos rápida, dependendo da inclinação das encostas. O último fator essencial a ser considerado é o tempo, por duas razões: (a) algumas rochas, como o basalto, alteram-se em taxas muito mais rápidas do que outras, como um arenito ou um granito; (b) quanto mais longo o tempo em que a rocha fica exposta a esses agentes, mais intensas e profundas serão as transformações. O calor, a umidade, os organismos e o relevo deter- minam o grau de atuação de cada um dos três processos básicos de intemperismo: físico, químico e biológico. O intemperismo físico ou desagregação altera o tamanho ou a forma dos minerais sem mudar radicalmente a compo- sição mineralógica. Denominamo intemperismo químico, ou decomposição, toda ação que altera a composição quí- mica da rocha, transformando os minerais primários da rocha em minerais secundários. A ação dos seres vivos contribui para acentuar o intemperismo físico ou químico, tanto mecânica quanto quimicamente, por meio de subs- tâncias produzidas pelos organismos, ou geradas a partir de sua decomposição. De uma região para outra da Terra, erosão recebe o nome de denudação. Pedosfera: é a esfera formada pelos solos e materiais de alteração das rochas. Corresponde à parte superficial da crosta, formada pela interação das rochas com o ar, a água e os seres vivos. Na pedosfera o deslocamento de partí- culas, íons dissolvidos e gases cria um ambiente rico em nutrientes para plantas e animais. No topo da pedosfera, onde a interação é mais intensa, forma-se o solo. A vida e a morte de organismos são essenciais para a formação do solo, que constitui a base da vida terrestre. RECICLAGEM PERMANENTE: CICLO DAS ROCHAS As rochas são uma espécie de memória inanimada do planeta, porque guardam registros das alterações e dos fenômenos ocorridos ao longo da história geológica. Por meio das rochas podemos deduzir as condições atuantes no Sistema Terra na época em que foram geradas. O ciclo das rochas (Fig. 2) representa sintetica- mente as inúmeras possibilidades pelas quais, ao longo do tempo geológico, um tipo de rocha pode transformar-se em outro. Podemos considerá-lo um conjunto de processos permanentes de reciclagem, uma vez que a quantidade de matéria do planeta é a mesma há milhões de anos. Pen- semos em alguns átomos de carbono: em milhões de anos, eles já podem ter feito parte de vários ciclos (do ar, da água, das rochas, dos seres vivos). Seguindo esse raciocínio, podemos imaginar que os próprios átomos que compõem o nosso corpo já foram muitas outras coisas, inclusive es- trelas e rochas (Margulis e Sagan 1986). Areias de deserto, por exemplo, são muito parti- culares. Seus grãos bem arredondados, acumulados em dunas, tornam-se foscos de tanto colidir uns com os ou- tros. Dessa maneira, podemos reconhecer climas do pas- sado muito distintos dos existentes hoje. Em vastas re- giões do Brasil os climas foram quentes e secos há cerca de 150 milhões de anos. Como sabemos isso? O registro geológico de desertos existentes no passado guarda muitos vestígios. A relação entre areia e rocha (arenito), no caso de um antigo deserto, pode ser estabelecida estudando- -se os processos atuantes no passado, como os mecanismos de colisão de partículas, que podem promover a formação de grãos foscos, ou os processos de soterramento e com- pressão causados pelo peso das camadas que se deposi- taram acima da areia ou por fluidos que cimentaram seus espaços vazios, até fazer com que a areia se transformasse em rocha. Muito tempo depois, a rocha pode aflorar ou ter sua cobertura removida pela ação da erosão1, muitas vezes 1 Erosão consiste na destruição do solo e de rochas decompostas e seu transporte por meio de águas da chuva, rios, mares, geleiras, vento e outros agentes superficiais; abrasão refere-se à pulverização ou redução do tamanho de rochas e minerais a partir do impacto e atrito de partículas em movimento (Cassetti 2001). O efeito da ação combinada e prolongada no tempo dos agentes de intemperismo e Figura 2. Esquema geral dos produtos (retângulos), processos (retângulos arredondados) e das principais transformações (setas azuis) envolvidas no ciclo das rochas 19 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM grandes volumes de argilas, siltes e areias todos os anos. Rios com grande volume de água e alta declividade pos- suem grande capacidade de transporte e movimentam partículas sedimentares de todos os tamanhos. Em tre- chos onde a declividade diminui, a velocidade das águas se reduz na mesma medida. Mesmo que o volume de água seja grande, a diminuição da velocidade reduz a compe- tência do fluxo e uma fração das partículas acaba sendo depositada. O gelo é outro agente de erosão que promove des- gaste nas rochas. Na erosão glacial, quando a capa de gelo é espessa, o movimento da geleira remove todo o material mole (solos ou sedimentos) do caminho. Os fragmentos riscam a superfície das rochas subjacentes, e realiza-se portanto uma “raspagem” superficial. O poder destrutivo do gelo não pode ser comparado a qualquer outro agente superficial. Por outro lado, na maior parte da história da Terra, os registros indicam que as áreas cobertas por ge- leiras são restritas (como se observa no presente). O vento, por sua vez, é capaz de selecionar cuidadosamente os se- dimentos e ao mesmo tempo remover partes menos resis- tentes da superfície das rochas, sobretudo em desertos e em zonas litorâneas. Onde a velocidade dos ventos é alta e o fluxo, relativamente contínuo, formam-se dunas e outras feições características. A sedimentação é o processo de acumulação dos se- dimentos em depressões, chamadas bacias sedimentares, onde, dependendo das condições e da profundidade a que são submetidos, o peso dos sedimentos acumulados e a movimentação de fluidos provocam compactação e cimen- tação dos materiais. A transformação de um sedimento em rocha sedimentar é chamada diagênese. Os sedimentos dividem-se em três categorias gerais: detríticos, químicos e orgânicos. O fato de ter havido deslocamento é comum a todo tipo de sedimento, independentemente do tamanho das partículas envolvidas ou do agente de transporte: uma enxurrada, água do mar, água do rio, vento ou gelo. Sedimentos detríticos são “fragmentos” mecanica- mente removidos e transportados, formados a partir da erosão de rochas, cujas partículas são lentamente divididas e desmembradas pelos processos intempéricos (ação de águas e do calor ambiente) e depois transportadas. Os sedimentos químicos são formados a partir da precipitação de certos compostos especiais. Calcários, por exemplo, formam-se a partir da precipitação de carbonato de cálcio contido na água dos mares, por influência ou não de seres vivos, sendo portanto sedimentos químicos. O Brasil é rico em zonas onde predominam rochas calcárias antigas, no interior das quais formaram-se as inúmeras – e belíssimas – cavernas. Em locais onde as águas continentais são muito ricas em carbonatos, podem acontecer precipitações, como os calcáriosdolomíticos da Bacia do Paraná aproveitados em pedreiras da região de Rio Claro-Limeira (SP). dependendo das condições climáticas, de distribuição da vida e das formas de relevo, acima citadas, há predomínio de modificações físicas, químicas ou bioquímicas. A rocha, quando passa por processos intempéricos, forma camadas de materiais desagregados onde se formam os solos, processo que recebe o nome de pedogênese. O material solto torna possível desenvolver-se a vida de plantas e pequenos animais, que por sua vez contribuem para a decomposição ao formar o húmus. A moderna preocupação com a sustentabilidade da Terra levou as Geociências a migrar do conceito de solos como “materiais inertes e inconsolidados” utilizados na engenharia para a ideia dinâmica dos solos como a “pele viva do planeta”, ou “pedosfera”. Essa visão, mais próxima da dos ecologistas (Warshall 2000), reúne ainda as ideias de fertilidade, resis- tência à erosão e suporte físico, tão importantes para uma agricultura sustentável. Nessa concepção focalizam-se os quatro componentes do solo: (a) materiais inorgânicos re- sultantes do intemperismo dos minerais; (b) gases proce- dentes da atmosfera e da atividade química e biológica do solo; (c) líquidos na forma de soluções que participam de todos os processos; (d) materiais orgânicos representados por seres vivos e matéria orgânica morta. Além da matéria orgânica, cuja presença pode ser extremamente variável, deve-se levar em conta os gases e líquidos que compõem o solo, essenciais para sustentação da vida. O húmus nos solos, além de representar nutrientes armazenados de modo seguro para sustentar a vida, é também um modo de reter carbono na forma de moléculas complexas e de evitar seu retorno à atmosfera como um dos principais gases- -estufa. Quanto maior a quantidade de húmus, menor o risco de aquecimento global (Warshall 2000). A cadeia de processos de intemperismo pode atuar sobre qualquer rocha (ígnea, metamórfica, sedimentar) ex- posta à superfície da Terra. O intemperismo faz com que as rochas percam a coesão, fator que facilita o papel da erosão em promover desgaste desses materiais e seu transporte. Ao se deslocar, as partículas recebem o nome de se- dimentos. Estes são transportados e depositados em depres- sões do relevo ou levados até o fundo do mar. O principal agente de erosão é a água líquida, na forma de chuvas, rios e córregos que denudam os continentes. Na superfície da Terra, o impacto das gotas de chuva com o solo desprote- gido dá início ao processo de erosão. Os movimentos de massa são deslocamentos de grandes volumes de materiais, por efeito gravitacional. Outro tipo de deslocamento de encosta refere-se aos movimentos de partículas isoladas, levadas pela água da chuva e pelas enxurradas. Nos canais de rios, cujo tamanho depende do gradiente de inclinação e do volume de água disponível, movimentam-se sedi- mentos, muitas vezes sob grande turbulência. A capacidade de transporte dos rios pode ser muito grande, como é o caso do Amazonas, que leva até o mar 20 Geologia do Brasil Outro tipo de sedimentos químicos são os evapo- ritos, rochas formadas em ambientes restritos, nos quais progressivamente os sais solubilizados se enriquecem na água restante, uma vez que uma parte dela se evapora. Sabe-se que, durante a evaporação, apenas as moléculas de água são removidas do sistema e transferidas para a atmosfera, deixando de carregar os materiais dissolvidos. Estes acabam por se precipitar na base do corpo de água, dependendo de fatores como pressão, temperatura, so- lubilidade relativa dos sais, entre outros. Experimentos com a evaporação da água do mar revelam que, quando o volume de água cai aproximadamente para a metade, o carbonato de cálcio é precipitado; quando o volume de água cai para aproximadamente 1/5, o sulfato de cálcio se deposita até que o volume se reduza ainda mais. O cloreto de sódio, juntamente com o sulfato de mag- nésio e o cloreto de magnésio começam a se formar quando o volume se reduz a 1/10 do volume inicial. Embora no Brasil extensos depósitos de evaporitos sejam encontrados ao longo de bacias da margem continental, são relativamente poucas as ocorrências desse grupo de rochas marinhas entre Santa Catarina e Pernambuco. Em ambientes áridos, sob certas condições restritas, também podem ser formados evaporitos. Finalmente, os depósitos orgânicos são formados essencialmente pelos restos de plantas e animais cuja matéria orgânica é levada pelos agentes de transporte e depositada no fundo de lagos, rios ou mares. As mais co- muns são a turfa, o betume e os restos de seres marinhos formadores do petróleo. A turfa, o carvão, o petróleo e o gás natural são os produtos dessa longa cadeia de trans- formações. Além das rochas sedimentares, existem outros dois grandes grupos: as rochas ígneas, ou magmáticas, e as me- tamórficas. A distinção entre elas é feita de acordo com os processos geradores. Entretanto, variações nas condi- ções de formação de rochas com mesma origem genética podem resultar em diversos tipos de rochas em cada grupo. Quando as placas litosféricas se movimentam ao longo do tempo, as rochas podem ser levadas a ambientes muito diferentes daqueles sob os quais se formaram. Rochas enterradas a grandes profundidades e submetidas ao calor interno da Terra e a pressões dirigidas desen- volvem reorientação dos minerais, em um processo deno- minado metamorfismo. Qualquer rocha submetida a altas pressões e temperaturas e à percolação de fluidos sofre transformações dos minerais constituintes, além ter sua estrutura modificada. Rochas metamórficas são formadas por transformações na mineralogia, química e estrutura de rochas já existentes, devido a mudanças nos parâmetros físicos (principalmente pressão e temperatura) e químicos, diferentes das condições diagenéticas. As rochas resul- tantes do metamorfismo dependem do tipo de material original e sua composição mineralógica; as principais transformações são a recristalização de minerais e/ou a formação de novos minerais e deformações na estrutura das rochas (dobras, foliação, lineação etc.). Tomemos, por exemplo, um sedimento argiloso. O argilito, ou folhelho, é a rocha resultante da compactação desse tipo de sedimento. O metamorfismo progressivo do folhelho envolve transformações, no estado sólido, que podem formar, dependendo das condições de calor, pressão e presença de fluidos, uma sucessão determinada de rochas, que são: ardósia, filito, xisto e gnaisse. Se as condições de metamorfismo forem muito intensas, as rochas podem se fundir, parcial ou totalmente, e gerar magmas. Estes, ao se solidificar, dão origem a novas rochas ígneas. Somente rochas que tenham atingido alta temperatura, equivalente à dos gnaisses, podem atingir condições extremas, capazes de realizar a fusão parcial ou total do material. O magma assim formado, se for resfriado lentamente, dará origem a uma rocha plutônica; caso contrário, se extravasar na su- perfície da Terra, formará uma rocha vulcânica. Raríssimas vezes, sob condições naturais, um sedi- mento pode ser transformado, repentinamente, em ma- terial fundido. Quando ocorre o impacto de um corpo celeste de grande porte, pode haver fusão instantânea de rochas e materiais nas proximidades da área impactada, mas o fenômeno tem distribuição extremamente limitada na Terra. Quando ocorre intrusão de uma grande massa ígnea (magma), pode haver nos arredores da intrusão a fusão parcial do material adjacente. Mesmo sob tais condições extremas, um eventual sedimento acabaria por sofrer algum tipo de metamorfismo. As condições que determinam fusão de material durante o metamorfismo progressivo são o aumento de temperatura, a diminuição de pressão ou a introdução de água no sistema, que re- baixao ponto de fusão de diversos minerais silicáticos. O magma é um líquido parcial ou totalmente fundido, de alta temperatura, em torno de 700°C a 1.200°C, prove- niente do interior da Terra e resultante do aquecimento e da fusão de rochas a altas temperaturas, em determinadas condições e locais da litosfera ou astenosfera. Muitas vezes o magma carrega consigo metais valiosos e, portanto, ja- zidas de vários metais como ouro, platina, cobre e estanho podem associar-se a corpos de rochas ígneas. As rochas ígneas originam-se a partir do resfria- mento de magmas. O tamanho dos cristais geralmente é proporcional ao tempo de resfriamento: quanto mais lenta a cristalização, maiores os tamanhos dos cristais formados (Fig. 3). O magma pode migrar dos locais onde se originou para regiões da crosta terrestre onde a pressão seja menor, alojando-se como intrusão magmática. Existem três tipos comuns de rochas ígneas: plutônicas ou intrusivas, sub- vulcânicas ou intrusivas rasas e vulcânicas ou extrusivas. Uma intrusão pode variar em tamanho e forma; quando 21 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM Figura 3. Esquema geral das texturas típicas utilizadas na classificação de rochas ígneas. O tamanho e o arranjo geométrico dos cristais dependem do tempo disponível para a cristalização. (Motoki e Sichel 2006) observar determinados processos em plena atividade na natureza ou em criar modelos análogos em laboratório. Assim, definimos as relações espaciais e os parâmetros fí- sicos que controlam diferentes tipos de fenômenos, como temperatura e pressão, mas não temos como manipular a variável tempo. Os fenômenos que modificam a paisagem e que transportam solos e rochas de uma região para outra recebem o nome de erosão normal. Em geral, é muito difícil perceber seu desenvolvimento, já que são processos extre- mamente lentos, que podem demorar milhares de anos. Não se pode observar diretamente de que forma ocorre a erosão normal, mas podemos analisar muitos de seus efeitos. As bacias sedimentares são um deles. Muitos casos de erosão acelerada são familiares a todos nós, devido às notícias de escorregamentos, envol- vendo dolorosas perdas de vidas humanas, em boçorocas ou vales rapidamente abertos pelas águas das chuvas no solo desprotegido de zonas urbanas e rurais. Os fenô- menos erosivos provocam também perdas consideráveis de terras agrícolas. EMBASAMENTO E COBERTURA Para decifrar os eventos ocorridos no passado do planeta devemos estudar o registro geológico, cujos compo- nentes serão mencionados em diversas ocasiões ao longo deste livro, assim, é oportuno caracterizá-los de modo mais preciso. São eles: o embasamento, a cobertura, o regolito e a fisiografia (Merguerian 2002). O embasamento consiste em uma “capa” de rocha só- lida contínua, que forma a crosta continental. Esse imenso substrato constitui o alicerce do edifício geológico do país e reúne imensa variedade de rochas ígneas, sedimentares ou metamórficas, que podem se expor à superfície da Terra em afloramentos ou encontrar-se enterradas centenas ou milhares de metros abaixo da cobertura sedimentar ou vulcânica. Em cerca de metade do território brasileiro as atinge grandes proporções constitui uma câmara magmá- tica. Nessas condições o resfriamento lento do magma favorece o processo de cristalização dos minerais, dando origem a rochas ígneas plutônicas, como os granitos. As rochas ígneas vulcânicas, também conhecidas como efusivas, se formam quando a migração do magma alcança a superfície da Terra, por processos associados ao tipo de vulcanismo atuante. Nos vulcões, o magma atinge a superfície da crosta – então passa a ser chamado de lava – e se resfria rapidamente ao entrar em contato com a temperatura ambiente, com a consequente formação de rocha. Basaltos são as rochas vulcânicas mais comuns. Devido à solidificação praticamente instantânea (pro- cesso denominado consolidação), não há tempo para os cristais se desenvolverem; formam-se núcleos muito pe- quenos, invisíveis a olho nu (<<1mm). Em situações nas quais o magma se cristaliza no interior da crosta, próximo à superfície, mas com resfriamento um pouco mais lento que o das rochas vulcânicas, podem se formar cristais de tamanho pequeno (~1mm), visíveis a olho nu. Rochas desse tipo são denominadas rochas subvulcânicas, como o diabásio. Os termos extrusivo, vulcânico, subvulcânico, hipoabissal, intrusivo e plutônico podem ser utilizados nas descrições geológicas de corpos ígneos (Motoki e Sichel 2006), sendo inadequado, entretanto, assumir-se qualquer correlação direta entre o modo de ocorrência geológica e a profundidade de colocação de um corpo ígneo, porque muitas rochas ígneas formadas em profundidade podem ter se cristalizado mais rapidamente, apresentando assim textura fina (Fig. 3). O derradeiro processo que promove o apareci- mento das rochas na superfície resulta de movimentos verticais da litosfera. Quando partes das cadeias de mon- tanhas são erodidas, o alívio de peso da parte superior da crosta faz com que ocorra um “empuxo” da parte inferior e a superfície da crosta seja soerguida. Os processos erosivos revigoram sua atuação e o ciclo das rochas é realimentado. Os continentes se desenvolveram ao longo do tempo geológico, sendo muitas vezes receptores de ma- teriais menos densos do manto, graças à atividade mag- mática, que os transfere para a superfície da Terra. O ciclo das rochas, idealizado pelo naturalista James Hutton, re- presenta o conjunto de processos cíclicos que atuam na geração e transformação de rochas, bem como suas re- lações com os processos de soerguimento e exposição de rochas na crosta, a partir da ação de esforços internos. EROSÃO E SEDIMENTAÇÃO Se escolhêssemos uma dada paisagem e pudés- semos fazer, a partir de hoje, uma fotografia anual da área ao longo de dez ou vinte anos, talvez não fosse possível perceber qualquer indício de mudança. Somos hábeis em 22 Geologia do Brasil rochas metamórficas e ígneas antigas estão cobertas por capas de rochas sedimentares, que constituem a chamada cobertura (Fig. 4). No caso das camadas magnificamente expostas na região da Chapada Diamantina, em Lençóis (BA) (Fig. 4), a singular fisiografia regional é dada por formas originadas pela erosão, que incluem escarpas verticais e feições ta- bulares. Podemos visualizar rochas de embasamento e de cobertura, assim como descontinuidades, que nesse caso são chamadas discordâncias. Na Figura 4, a unidade 4 (Grupo Paraguaçu) constitui o embasamento, formado de rochas metamórficas antigas. Acima das unidades 2 (For- mação Caboclo) e 3 (Formação Tombador), existe uma discordância no contato com a cobertura, representada pelas camadas horizontais da unidade 1 (Grupo Una). O Anticlinal do Pai Inácio resulta da deformação das ca- madas 2, 3 e 4 durante o Proterozoico (Kegel 1959 apud Pedreira e Bomfim 2002). Os estratos de sedimentos, sob o ponto de vista geológico, constituem acumulações de materiais que são deslocados de um lugar para outro pelos agentes do ciclo das rochas, em certas épocas do passado terrestre. Zonas deprimidas da crosta que estavam em situação favorável acabaram recebendo camadas posteriormente preservadas. Independentemente da etapa da história do planeta em que se formou, toda cobertura é mais jovem que o emba- samento sobre o qual se implanta. REGOLITO E FISIOGRAFIA DA PAISAGEM Na maior parte do país, as rochas do embasamento (e as da cobertura também) apresentam-se recobertas por um manto de materiais inconsolidados que compõem o regolito, especialmente bem desenvolvido nas regiões tro- picais do Brasil (Fig. 4). Regolito é a designação dada ao material inconsoli- dado, esfarelável e fragmentável que recobre rochas do emba- samento e da cobertura (Fig. 5a). A parte superiordo regolito pode conter componentes orgânicos que ajudam a suportar o crescimento de plantas, sendo então denominada solo. O regolito forma-se sobretudo por meio da acumulação de re- síduos de processos extremamente lentos, que constituem o intemperismo das rochas – o regolito residual –, ou como produto de movimentações rápidas de materiais que frag- mentam e deslocam rochas em escarpas, como nas avalan- ches e/ou deslizamentos de diversos tipos de materiais – o re- golito transportado, como os depósitos de tálus (Figs. 4 e 5b). Capas espessas de regolito podem atingir profun- didades da ordem de centenas de metros. Nessas áreas não aparecem afloramentos naturais, pois o regolito esconde as unidades de embasamento ou cobertura. Dadas algumas condições mínimas, um regolito pode se formar sobre qualquer tipo de rocha, seja aquelas mais resistentes, seja as mais tenras, como sedimentos inconsolidados, lavas ou cinzas vulcânicas (Merguerian 2002). Figura 4. Na Chapada Diamantina, BA. Os solos, desenvolvidos sobre corpos de tálus, fixam a vegetação da base das escarpas que, por sua vez, delimitam rochas da cobertura.(Foto: R. Linsker). O perfil geológico contém as seguintes unidades: (1) Grupo Una, (2) Formação Caboclo, (3) Formação Tombador, (4) Grupo Paraguaçu. No perfil, o regolito somente pode ser indicado, com certo exagero, por uma linha. (Modif. de Kegel 1959 apud Pedreira e Bomfim 2002) 23 1AS ESFERAS TERRESTRES SE RECICLAM dos processos intempéricos, erosivos e de sedimentação, por outro lado, o reconhecimento da fonte dos processos internos do planeta não foi uma tarefa tão simples assim. Admitindo a influência do calor interno da Terra, Hutton introduziu o conceito de plutonismo (de Plutão, deus do fogo na mitologia greco-romana) a partir de observações do metamorfismo de contato entre rochas ígneas e sedimentares, bem como detalhadas descrições de amostras examinadas ao microscópio. A relação dinâmica entre os agentes e as configurações da parte mais externa do planeta, interligados à tectônica global, constitui o motor do ciclo das rochas. INTER-RELAÇÕES ENTRE CICLOS O entendimento de conceitos subjacentes aos pro- cessos relacionados ao ciclo das rochas continua a desafiar a capacidade e a engenhosidade de investigação dos geo- cientistas. Ademais, há ligações bastante claras desse ciclo com outros, como os da água. Em paralelo ao ciclo das rochas, desenvolvem-se os ciclos de formação e destruição de montanhas (orogênese) e continentes (epirogênese). As rochas dos continentes e dos fundos dos oceanos cons- tituem registros das transformações relacionadas ao ciclo das rochas, que funcionam desde os primórdios da história geológica da Terra e acompanham a evolução do planeta. A existência de bens minerais úteis ao homem é uma con- sequência dos processos do ciclo das rochas. Eles também são responsáveis por desastres ambientais, relacionados às dinâmicas interna e externa do planeta. As relações envolvidas no ciclo das rochas são mais complexas do que a concepção simplificada dos modelos expostos. Diversos produtos não estão aqui representados, por exemplo, as variações de tipos de rochas formadas por precipitação química, as inúmeras possibilidades de com- posição mineralógica dos magmas (basáltico, granítico, al- calino etc.) e os variados tipos de rochas metamórficas que podem ser geradas de acordo com a natureza da rocha ori- ginal. Abordar em pormenores as amplas relações envol- vidas no ciclo das rochas requer conhecimentos geológicos específicos, que serão abordados ao longo dos próximos capítulos desta obra. As geleiras e os ventos são bem conhecidos pela ca- pacidade de transportar e acumular enormes quantidades de material solto sobre rocha firme. O impacto de corpos extraterrestres, como meteoritos ou cometas, pode criar um regolito, conhecido como ejecta. Em certos tipos de ativi- dade vulcânica, explosões podem criar grandes quantidades de um novo regolito “instantâneo”, que recobre enormes áreas superficiais (Merguerian 2002). O regolito vulcânico pode ser rapidamente convertido em solo (Fig. 5b). A fisiografia da superfície da Terra vem sendo es- culpida pela atuação incansável de processos distintos, como a erosão, da qual resultam formas de relevo: colinas, morros, escarpas, vales, cristas montanhosas, morros tes- temunhos, vales glaciais e planícies esculpidas pelo gelo em altas latitudes; e a sedimentação, que constrói inúmeras feições: os deltas e estuários na desembocadura de rios ou as planícies de inundação ao longo do percurso destes. Em função das quantidades variáveis de fluidos e sedi- mentos transportados, outras formas construtivas são as praias, lentamente acumuladas e deslocadas pelas ondas do mar, as planícies marinhas e zonas de mangue ao longo da costa, as dunas empurradas pelo vento no interior do continente ou na costa. Neste livro trataremos de incontáveis associações entre distintas unidades de rocha, regolitos e formas de relevo, conhecidas como as províncias fisiográficas bra- sileiras. A forma externa da superfície da Terra e seus componentes são interligados pela operação contínua do ciclo das rochas, que promove o soerguimento de grandes massas de rocha, formadas em profundidade, e as rearranja na superfície, podendo mais tarde enterrá-las novamente. O objetivo dos estudos geológicos é identificar feições diagnósticas de cada uma das etapas desses ciclos, decifrar a história implícita e, finalmente, descrever a origem e a evolução do planeta. O MOTOR DO CICLO DAS ROCHAS Para entender qual é o motor que realiza as trans- formações, é preciso tratar das fontes de energia dos processos terrestres. As fontes são essencialmente três: a energia proveniente do Sol, a energia (calor) proveniente Figura 5. Representação dos componentes do registro geológico: (a) embasamento e cobertura – (1) rochas cristalinas do embasamento, (2 a 8) rochas da cobertura, (9 e 10) estruturas; (b) perfil em maior detalhe, exibindo relações entre regolito e fisiografia. Neste caso a fisiografia inclui o tabuleiro e a escarpa, enquanto o regolito é formado por depósitos de tálus e solos. do interior do planeta e a ação da gra- vidade. O ciclo das rochas envolve as três fontes de energia mencionadas. Os materiais terrestres estão continuamente sob a ação de um ou mais agentes que provocam desequi- líbrios. As transformações, por sua vez, representam respostas a fluxos de energia na Terra. Se, por um lado, é bem aceita a constatação de que o Sol constitui a fonte primária de energia (a) (b)
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