Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

8
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ – UFPA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
LINHA: EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA E PROCESSOS ESPACIAIS
MÁRCIO OLIVEIRA MILÉO
O TERRITÓRIO E O ENSINO DA GEOGRAFIA NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: Um Estudo de Caso na Escola Comunitário Casa Familiar Rural Dorothy Stang em ANAPU-PA.
Palavras chaves: Educação do Campo, Transamazônica, Ensino Médio Técnico, Escola Comunitário Casa Familiar Rural 
Altamira-Pará 
Setembro/2024
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ – UFPA
INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA
LINHA: EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA E PROCESSOS ESPACIAIS
MÁRCIO OLIVEIRA MILÉO
1.1. O TERRITÓRIO E O ENSINO DA GEOGRAFIA NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA: Um Estudo de Caso na Escola Comunitário Casa Familiar Rural Dorothy Stang em ANAPU-PA.
Altamira-Pará 
 Setembro/2024
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CFRs CASAS FAMILIARES RURAIS
ECCFR	 ESCOLA COMUNITÁRIA CASA FAMILIAR RURAL DOROTY STANG
MPST	 MOVIMENTO PELA SOBREVIVÊNCIA DA TRANSAMAZÔNICA
ARCAFAR ASSOCIAÇÃO REGIONAL DAS CASAS FAMILIARES RURAIS DO PARÁ
FECAFAR FEDERAÇÃO DAS CASAS FAMILIARES RURAIS DO ESTADO DO PARÁ 
BNDS	 BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
STR	 SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS
IBGE	 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
LDB	 LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL
EFA	 ESCOLA FAMILIAR AGRÍCOLA
FVPP	 FUNDAÇÃO VIVER PRODUZIR E PRESERVAR
UFPA	 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ
SENAR SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM RURAL
SINTEPP SINDICATO DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO NO ESTADO 
DO PARÁ
PMA PREFEITURA MUNICIPAL DE ANAPU
SEMED SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO - ANAPU
2. INTRODUÇÃO 
A pedagogia da alternância surgiu na França em, 1935 como Casa Familiar Rural no povoado de Lot et Garonne. A iniciativa partiu de um grupo de pais agricultores que buscavam solucionar dois grandes problemas. De um lado, as questões relacionadas ao ensino regular que, por ser direcionado para as atividades urbanas, levava os adolescentes campesinos a abandonarem a terra. 
A necessidade de fazer chegar ao campo à evolução tecnológica de que precisavam. Criaram então à primeira “Casa Familiar Rural”, lá chamada de Maison Familiale Rurale, onde os jovens passavam duas semanas recebendo conhecimentos gerais e técnicos voltados para a realidade agrícola regional e duas semanas nas propriedades rurais, aplicando os conhecimentos recebidos, tal prática foi chamada de “Pedagogia da Alternância” (GIMONET, 2007). 
A Pedagogia da Alternância é uma metodologia de organização do ensino escolar que agrega diferentes experiências formativas difundidas ao longo de tempos e ambientes distintos, seu intuito é uma formação profissional (TEIXEIRA et al., 2008). Trata-se de uma proposta pedagógica, ainda pouco difundida no Brasil. Ela foi criada em decorrência da observação de alguns agricultores franceses, perante a rejeição e desmotivação de seus filhos, em face da pedagogia desenvolvida nas escolas urbanas que freqüentavam (QUEIROZ et al., 2006). 
Tendo como metodologia base os processos educativos alternados, que ocorrem nos viveres e saberes difundidos entre tempo-escola e tempo-comunidade, as escolas conhecem e adotam a alternância como potencialização do processo educativo. Uma vez que, é uma pedagogia que não nega a autonomia do sujeito, e que tem como objetivo o desenvolvimento do jovem do campo de forma integral tanto no aspecto profissional quanto intelectual (QUEIROZ et al., 2006). 
O desenvolvimento dessa pedagogia visa atender especificamente os adolescentes do meio rural. Assim ressalta-se no adolescente o senso de responsabilidade, a criatividade individual, a valorização do trabalho em equipe além de incentivar responsabilidade, cooperação e solidariedade (QUEIROZ et al., 2006). 
A solidificação Pedagogia da Alternância e sua utilização, sobretudo por escolas do e no campo tem provocado profundos debates nos últimos tempos. Esse modelo de pedagogia propõe uma formação que parte de um processo de construção do conhecimento entre os diversos atores da comunidade escolar, o jovem/aluno, a família e o monitor (OLIVEIRA, 2013). 
O monitor geralmente é um profissional das Ciências Agrárias que acompanha o processo educacional do jovem durante os três anos de formação, realizando visitas na unidade-família, estabelecendo uma relação de confiança, disciplina e respeito, cabe a ele nortear o jovem, influenciá-lo e inserir a unidade-família no processo de formação do jovem. Aqui os componentes curriculares são elaborados de acordo com a realidade do educando, facilitando o aprimoramento da qualidade da produção agrícola (OLIVEIRA, 2013).
Ao longo do século XX essa experiência foi produzida e desenvolvida em outros lugares da Europa, como na Itália. No Brasil as primeiras escolas com essa pedagogia surgiram no Estado do Espírito Santo, em 1969, por meio da ação de Padres italianos da Companhia de Jesus vindos da cidade de Padova. Esses padres eram liderados por Umberto Pietogrande, pedagogo e religioso. 
Ao chegarem às cidades do interior do estado encontraram uma realidade que não lhes era estranha, o abandono no campo, falta de escolas e o êxodo rural, que naquele momento era provocado especialmente pela instalação de empresas multinacionais na região. Além disso, em 1969 o Brasil vivia o primeiro período da ditadura militar, marcada pela opressão e pela violência, por aqui, como em outros lugares a religião funcionou como uma capa de defesa para esse projeto.
A organização de Pietogrande, seus padres, a comunidade rural local e políticos da região aceitaram a proposta de criação de escolas no campo baseadas na Pedagogia da Alternância. Nesse contexto foi criado na cidade de Anchieta o Movimento Promocional de Educação do Espírito Santo – MEPES, entidade mantenedora das Escolas Famílias Agrícola - EFA (NOSELLA, 2012). 
A primeira EFA foi fundada na cidade de Olivânia, inspiradas nela, outras escolas foram criadas no Estado, as Escolas Famílias começaram a ganhar o sentido de um movimento que reivindicava escolas e educação de qualidade no espaço onde viviam as famílias dos jovens e adolescentes do campo. As origens da pedagogia da alternância no Brasil estão diretamente vinculadas à luta dos trabalhadores e trabalhadoras rurais pelo direito à educação e a permanência em suas terras e ainda uma forte participação da igreja católica.
O movimento da Pedagogia da Alternância no Brasil está dividido em dois momentos distintos: de um lado, o movimento das EFAs, influenciado pelas experiências italianas, de outro lado o movimento que reúne as Casas Familiares Rurais (CFRs) (ESTEVAM, 2003). Embora as EFAs, desenvolvam suas metodologias a partir da Pedagogia da Alternância, há uma diferença quanto a organização do tempo/escola e tempo/família dos jovens em relação às CFRs. 
Na primeira CFR os alunos ficam quinze dias na escola e quinze dias na propriedade, com a família. Já na segunda o educando permanece uma semana na escola e duas semanas com a família. 
O processo de implantação das CFRs no Brasil se deu por outro viés histórico. No final da década de 1970, uma equipe governamental do Ministério da Educação ficou conhecendo a experiência numa viagem realizada à França. Após conhecerem o funcionamento das CFRs iniciaram as discussões para a implantação de uma unidade no Brasil (OLIVEIRA, 2013). 
A primeira região a receber uma CFR, foi o Nordeste no estado de Alagoas, mais precisamente, o município de Arapiraca, na década de 1980. Mas por conta de uma série de problemas políticos daquele município, a instituição foi fechada. Contudo, outras regiões brasileiras também se interessaram pela proposta de ensino por alternância.
A Casa Familiar Rural (CFR) queé um projeto de educação básica do campo foi implantada como experiência piloto na região da Transamazônica em 1995. Sua principal matriz propositiva, o movimento social local, mas, principalmente, as organizações camponesas, estiveram representadas através do Movimento pela Sobrevivência da Transamazônica (MPST). 
Outra motivação interessante que favoreceu a aceitação pelo MPST por este tipo de projeto educativo manifestou-se pela identificação com seus fundamentos filosóficos, políticos e pedagógicos, principalmente quanto à proposição de incorporar as famílias no processo pedagógico e de gestão, além da adequação dos tempos, espaços e atividades educativas permitindo a manutenção dos laços e braços da família camponesa. 
Outra motivação ainda foi à elaboração de um diagnóstico, realizado em 1993 pelo LAET/MPST, cujo resultado identificou o desinteresse dos jovens do campo para com a agricultura e em permanecer residindo no lote. A ênfase do projeto CFR volta-se, desta maneira, à juventude do campo objetivando ampliar oportunidades para a nova geração e garantir o processo sucessório hereditário da agricultura familiar. 
Desta forma foram implantadas três escolas do projeto CFR na Transamazônica, nos respectivos municípios: Medicilândia e Uruará no lado Oeste e Pacajá no lado Leste (Ribeiro 2003).
Os processos de implantação ocorridos nestes locais seguiram trajetórias distintas. Neste trabalho, utilizou-se para a interpretação dos processos, a concepção teórico-metodológica inerente ao campo da ecologia política (COELHO, 2000), tendo como referência os fatores relacionados aos processos ecológicos, político-econômico-espaciais e sócio-culturais. Os fatores presentes nesta articulação permitiram buscar elementos explicativos da construção dos objetivos do projeto CFR
O objetivo formalizado com relação à CFR, se expressa, essencialmente, em sua ligação orgânica com o projeto de desenvolvimento proposto pelo movimento social. Este, inicialmente, esteve caracterizado como um projeto de retomada, em outras bases, do projeto de colonização oficial implantado durante a década de 1970 na Transamazônica. A questão da sobrevivência naquele território norteou toda a construção do projeto do MPST e, por isso, este movimento arvorou-se em se constituir como o porta-voz do Povo da Transamazônica. 
Durante toda a construção do projeto de desenvolvimento, as discussões sobre educação realizaram-se em conjunto entre as categorias dos trabalhadores rurais (STTR) e dos trabalhadores em educação pública (SINTEPP). Essa articulação permitiu que, antes mesmo da constituição formal do MPST, houvesse se constituído um Projeto Emergencial de Educação para a Transamazônica a ser negociado durante o Grande Acampamento de Altamira, em 1991 – a primeira mobilização de massa deste movimento.
Para Ribeiro (2003), o movimento social camponês é analisado como sendo a principal matriz do projeto educativo da CFR através da análise de sua organização e da construção do projeto camponês de desenvolvimento. Apreendido em sua totalidade, busca-se localizar os momentos e os lugares de discussão sobre a educação, seus problemas, propostas e conquistas. 
Esta trajetória é carregada de significados teóricos e conceituais que pouco a pouco vão tomando forma e se transformando em ações práticas. As contradições que envolvem a luta social e política do movimento não suprimem nem invalidam a identidade camponesa. Porém, para o estudo do caso proposto, tornam-se necessário confrontar o discurso com a prática social, a fim de validar ou não os objetivos inicialmente pensados com a estruturação da CFR. 
Verifica-se ainda a influência em toda a trajetória do Movimento, de fatores externos e internos a ele. Estes fatores por algumas vezes fortaleceram os objetivos traçados para a CFR, por outras, contribuíram para elencar outras prioridades. (Ribeiro 2003)
HISTÓRICO DA ESCOLA COMUNITÁRIA CASA FAMILIAR RURAL DE ANAPU
Escola Comunitária Casa Familiar Rural Dorothy Stang que é uma instituição que trabalha com a modalidade de ensino da Pedagogia da Alternância e é dirigida por uma Associação de Pais. Está localizada as margens da Rodovia Transamazônica km 380, zona rural de Anapu e fica a 12 quilômetros da zona urbana desse município
A associação de pais da ECCFR (Escola Comunitária Casa Familiar Rural) de Anapu é uma entidade sem fins lucrativos e que trabalha em parceria com outras instituições governamentais e não governamentais, visando proporcionar aos jovens do meio rural do município uma educação diferenciada, calçada na contextualização dos conteúdos programáticos a realidade desses estudantes.
A Escola Comunitária Casa Familiar Rural Dorothy Stang completou 16 anos de funcionamento no ano de 2024. A associação de Pais foi fundada no ano de 2001 para realizar as articulações iniciais, as atividades de ensino iniciaram efetivamente a partir do ano de 2008 com a primeira turma de Ensino Fundamental.
A estrutura da ECCFR foi conseguida através de um acordo entre a Associação das Casas Familiares Rurais do Pará (ARCAFAR) que hoje passou a ser chamada de (FERCAFAR) Federação das Casas Familiares Rurais do Estado do Pará e o Banco Nacional de Desenvolvimento Sustentável (BNDS) que financiou a construção do Prédio e a compra da mobília, equipamentos, veículos e materiais de instalação.
 A manutenção da escola depende da parceria de diversos atores, entre os quais a Prefeitura Municipal de Anapu (PMA), Secretaria Municipal de Educação do Anapu (SEMED), FERCAFAR, Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), Universidade Federal do Pará (UFPA), pais dos alunos e demais parceiros da sociedade.
O público alvo da Casa Familiar Rural de Anapu são os filhos de agricultores familiares, ribeirinhos, e posseiros que são moradores de área de difícil acesso, como os moradores dos Projetos de Desenvolvimento Sustentável, Projetos de Assentamento e demais vicinais do município de Anapu. Jovens e adolescentes que concluíram de 1ª a 4ª série ou que concluíram o Ensino Fundamental.
A ECCFR de Anapu tem suas ações educativas baseadas em um plano de formação (Currículo) elaborado por meio de uma pesquisa participativa, em que as famílias tem o direito de escolher os temas geradores a serem trabalhos no período dos três anos de curso (seja fundamental ou médio). 
Os jovens permanecem duas semanas na instituição e duas semanas em suas residências. Nas semanas que permanecem na Unidade Escolar é discutido o seu saber empírico, moldado com o saber científico ministrado na forma de diálogo entre os saberes (disciplinas da Base Nacional Comum e disciplinas da Base Técnica Profissional). Nas semanas que os jovens permanecem em suas propriedades os mesmos tentam estabelecer a relação entre a teoria e a prática do seu dia-a-dia.
A escola trabalha com o auxílio de vários instrumentos pedagógicos e ferramentas que orientam a rotina de trabalho de cada alternância. Começa com a elaboração do Plano de Estudo que é elaborado previamente e orienta a pesquisa sobre o Tema Gerador proposto, a colocação em comum que é o momento da socialização das pesquisas realizadas pelos jovens em suas comunidades, as fichas pedagógicas que são apostilhas referentes aos temas geradores.
 São realizadas palestras e intervenções externas, práticas de campo desenvolvidas na área da escola para a manutenção dos laboratórios de atividades agrícolas e pecuárias que servem para que os alunos ponham em práticas os conhecimentos adquiridos, visitas e viagens de estudo que servem para que os alunos conheçam experiências inovadoras na área agrícola ou pecuária visitas as famílias e comunidades para acompanhamento pedagógico e assessoria técnica.
São realizados estágios com a finalidade de aperfeiçoamento técnico dos jovens e o PPJ que é o trabalho final em que o jovem tem que elaborar um projeto para por em prática em sua propriedade. Esses instrumentos e ferramentas orientam todo o ciclo de formação na ECCFR que obedecem a uma rotina que começa na propriedade, vem ao centro de formação e volta para a propriedade.A Escola Comunitária da Casa Familiar Rural Doroty Stang funciona em regime de internato, onde os jovens permanecem na Casa por duas semanas (quinze dias) realizando os estudos técnico/teóricos propostos no Plano de Formação e por duas semanas em suas propriedades. O jovem traz o conhecimento empírico por meio do Plano de Estudo, que é uma ferramenta pedagógica adotada na ECCFR; esse conhecimento é moldado por meio da teoria durante as semanas de formação na ECCFR; e esse conhecimento volta para as comunidades de uma forma adaptável, ou seja, levando em consideração as condições econômicas, sociais e ambientais de cada local. 
Anualmente a ECCFR de Anapu realiza 10 (dez) períodos de formação, denominado de tempo escola e, 10 (dez) períodos na propriedade, denominado tempo comunidade. Assim, os jovens permanecem 02 (duas) semanas na sua propriedade com a sua família, onde desenvolvem suas atividades diárias, e na semana seguinte vai para a Unidade de Formação-Casa Familiar Rural onde permanecem 02 (duas) semanas em sistema de internato, onde ali desenvolvem seus conhecimentos junto aos saberes elaborados.
Ao longo da trajetória de atuação da Associação de Pais da CFR, já foi possível formar várias turmas de Ensino Fundamental com Formação Básica para a Agricultura. No ano de 2013 a escola também passou a oferecer o Ensino Médio Profissionalizante com o Curso Técnico Agropecuário integrado ao Ensino Médio e atualmente estudam na Escola Comunitária Casa Familiar Rural de Anapu 300 (trezentos) jovens que estão divididos em seis turmas de Ensino Fundamental e cinco turmas do Curso Técnico Agropecuário integrado ao Ensino Médio.
O escopo do modelo da Pedagogia da Alternância é oferecer aos jovens do meio rural uma formação integral adequada a sua realidade, que lhes permitam atuarem no futuro, como profissionais do meio rural capazes de agirem como agentes de desenvolvimento em suas comunidades. 
As Casas Familiares Rurais visam melhorar a qualidade de vida dos produtores, através da aplicação de conhecimentos técnicos científicos adequados a realidade das famílias associadas bem como das comunidades rurais onde os jovens estão inseridos. Os jovens são formados para ajudarem os pais e vizinhos a administrarem as suas unidades de produção com inovações tecnológicas que minimizem os impactos ambientais das atividades agrícolas e pecuárias bem como são incentivados a fazerem cursos de graduação dando continuidade aos estudos.
Para a manutenção da escola é primordial o estabelecimento de parcerias, tendo em vista que a permanência dos jovens durante as semanas de formação na escola requer grande quantidade de alimentos. Durante 15 dias os jovens estudam no período matutino, vespertino e noturno. 
Os mesmos acordam 6h00mim e se recolhem as 22h00mim. Trabalhamos com a manutenção dos laboratórios práticos da ECCFR como a horta, pocilga, aviário, aprisco, Jardim e plantios de culturas anuais e perenes com a compra de sementes, ferramentas, ração e remédios para os animais, adubos, transporte de esterco para a preparação de compostos orgânicos e transporte de outros materiais necessários como tábuas de refugo de serrarias utilizadas na construção dos canteiros hidráulicos e na própria construção, no tempo comunidade os monitores da escola também realizam visitas as famílias em suas respectivas propriedades para acompanhamento pedagógico e assessoria técnica. 
 Para a realização das práticas pedagógicas, a escola consegue atuar de forma eficiente por meio da parceria que estabelece com instituições e pessoas físicas, inclusive, os pais dos jovens.
Desde quando iniciaram as atividades, a escola vem contribuindo para a promoção do desenvolvimento local. Não somente porque trabalha com a educação do campo que tem um histórico de precariedade estrutural, mas porque defende um modelo de educação que se baseia numa construção social capaz de promover uma discussão ampla a respeito de vários temas recorrentes na sociedade tendo em vista o desenvolvimento regional baseado nos princípios da sustentabilidade.
Entre os anos de 2012 e 2017, trabalhei como instrutor do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), instituição que tem como missão levar cursos de Capacitação e Profissionalizante para agricultores, produtores rurais, a todos que residem no meio rural
 Com a formação em Técnico em Aquicultura trabalhava ministrando cursos de piscicultura na região da Transamazônica e Xingu. Aproveitando a oportunidade, tive a primeira experiência em trabalhar na Casa Familiar Rural no ano de 2012, no município de Medicilândia. Ministrando a disciplina Técnica em Piscicultura, conciliando a teoria com a prática. 
Nos anos seguintes tive o privilégio em trabalhar com essa mesma disciplina nas Casas Familiares Rurais dos municípios de Brasil Novo, Altamira, Senador José Porfírio e Anapu. Além de instrutor de piscicultura também fui orientador de PPJ (Projeto Profissional Jovem) e participei da comissão de avaliação desse mesmo projeto na Escola Comunitária Casa Familiar Rural Dorothy Stang.
Como discente e logo depois me tornando Licenciado em Geografia pela Universidade Federal do Pará, passei a ter a curiosidade em saber como o Ensino da Geografia era realizado nas CFRs, a forma que os alunos absorviam os conhecimentos adquiridos e de que maneira eles relacionam ao seu cotidiano. 
Partindo desse desejo, resolvi investigar a forma que o Conceito de Território é trabalhado por esse profissional das humanas (Geografia) dentro desse espaço pedagógico e como os alunos da Casa Familiar Rural de Anapu o compreende, levando em consideração a importância que esse conceito traz ao relacionar a sociedade, o meio de produção capitalista e as relações de poder (Raffestin, 1993). 
3 - PROBLEMAS DE PESQUISA 
Ao situarmos a proposta de estudo em tela, precisamos entender a importância que a geografia tem enquanto ciência, a forma que ela contribui para a sociedade, nos fazendo compreender as relações sociais homem/natureza. Partindo desse princípio é necessário compreender que o território é um dos principais conceitos da geografia, pois nos mostra como ocorre às relações de poder em um determinado local, englobando a relação histórica, política, econômica e cultural. 
Precisamos levar em consideração que o acesso à escolarização e um direito subjetivo que não pode ser violado, de acordo com o preconizado no artigo 205 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), devendo ser ofertada com a premissa de um ensino de qualidade nas diferentes áreas da cidade e do campo, para os distintos grupos sociais que dela participam a constroem e a ressignificam, de modo a proporcionar oportunidades educacionais igualitárias. 
Essa compreensão implica “correlacionar dialeticamente sociedade e educação” (CURY, 2002, p.169), de modo a não ignorar o contexto de desigualdade socioeconômica existente no cenário brasileiro, sendo que “Essa desigualdade, [...], faz com que haja problemas na escola e que não são da escola e por isso mesmo não é desprezível o impacto desta situação de fato sobre o conjunto do sistema educacional” (CURY, 2002, p.179). 
Isso porque, quando compreendemos as instituições escolares enquanto territórios, não há como refutar que se trata de espaços que há uma relação de disputa de poder, de interesses, de ideologias; no próprio cotidiano escolar se manifestam diferentes disputas, não só por delimitação de território, mas por construção de identidades, de conhecimentos e saberes, que de acordo com Raffestin (1993), essa dinâmica se configura como produção de territórios, que podem igualmente se pode se produzir a partir do conhecimento, ou seja, “[...] qualquer projeto no espaço que é expresso por uma representação revela a imagem desejada de um território, de um local de relações. (RAFFESTIN, 1993, p.144).
Diante disso, pensar em como a cidade se organiza e em como sua população está distribuída no território pode nos levar a compreender como os planejamentos urbanos e rurais aliados às demais políticas sociais públicas,de modo especial, à política educacional, ditam a distribuição dos diferentes serviços às famílias, numa perspectiva de integração social. 
O problema de pesquisa aqui posto, busca refletir como a Casa Familiar Rural de Anapu desenvolve suas ações pedagógicas em relação ao Ensino da Geografia como os temas/questões que abrangem as transformações Socioespaciais e Territoriais que ocorreram nas comunidades campesinas próximas a essa escola técnica em Anapu- Pará?
Assim, temos como questões norteadoras: 
· De que modo a Casa Familiar Rural de Anapu desenvolve suas ações pedagógicas sobre o conceito de território? Sendo esse um dos principais conceitos da geografia.
· Como o profissional das ciências humanas (Geografia) aborda o conceito de território dentro da pedagogia da alternância?
· Quais estratégias o professor de Geografia adota para produzir/fortalecer no cotidiano escolar o sentimento de pertencimento socioespacial e identitário dos estudantes da Casa Familiar Rural de Anapu?
4. JUSTIFICATIVA
A justificativa para esta pesquisa situa-se na relevância sociocultural que a escola (CFR) ocupa nesse processo de territorialização, marcando a vida das famílias e os percursos formativos dos estudantes que residem nas áreas próximas da escola e que marcam as relações que o contexto espacial geográfico mantém com os processos educativos. 
O principal motivo no qual me interessa em realizar essa pesquisa, é por ser professor da área de geografia na rede de ensino público de Altamira desde 2012, profissão que me permite entender melhor e assim, repassar para a sociedade em geral os benefícios que foram trazidos para a educação do Município de Anapu, em especial aos moradores das localidades próximas a ECCFR desse município. 
Entender o que de fato melhorou na vida desses estudantes; se a escola mais próxima de suas residências garante maior acessibilidade ao âmbito escolar e se tem conseguido reduzir as dificuldades no acesso, permanência e terminalidade dos estudos, principalmente por não precisarem mais enfrentar percursos longos; enfim, contribuir de certa forma com o processo de melhoria da educação desse município.
Desse modo, as pesquisas que tencionam o papel da escola em áreas que apresentam algumas vulnerabilidades, são importantes para analisar de que forma a instituição educativa pode fazer diferença na vida dos estudantes e no próprio desenvolvimento da localidade. Esse estudo pode contribuir na compreensão dos desafios que se colocam diante do processo de territorialização, dos impactos social, cultural e político na vida dessa população que reside em comunidades próximas a Casa Familiar Rural de Anapu.
Por oportunidade educacional entendem-se as chances de acesso à educação escolarizada, as condições que as instituições educativas possuem ao ofertar o processo de ensino e aprendizagem e, como dos profissionais da educação promovem a formação considerada adequada para cada etapa de escolaridade (RIBEIRO, 2005). 
Nessa direção, o fato de a escola, muitas vezes representar o único equipamento público nessas localidades mais distantes da cidade, pode dificultar o acesso das famílias aos serviços públicos, ou ainda, aos demais recursos culturais valorizados, ocasionando desigualdades educacionais, baixos desempenhos e baixos índices na média da escolaridade dos moradores locais.
5 – OBJETIVOS: 
OBJETIVO GERAL: 
• Analisar como a Casa Familiar Rural de Anapu aborda o Conceito de Território, sendo ele um dos principais conceitos da Geografia, pois engloba a relação social, cultural, política e econômica.
OBJETIVOS ESPECIFICOS 
• Investigar como a Casa Familiar Rural de Anapu desenvolve suas ações pedagógicas ao abordar o conceito de território, relacionando com o cotidiano dos seus alunos.
• Compreender como o profissional das Ciências Humanas (Geografia) trabalha dentro do conceito de território o espaço como um local construído/construtor, as suas relações de poder tanto no sentido social político-econômico e principalmente no simbólico-afetivo; 
• Averiguar como a escola investigada trabalha na área do ensino da geografia com conhecimentos que produza/fortaleça o sentimento de pertencimento dos estudantes em relação ao espaço social em residem atualmente;
7 - METODOLOGIA 
A pesquisa será realizada na rodovia Transamazônica km 380 zona rural, cerca de treze quilômetros do centro do urbano do município de Anapu, localizado à Sudoeste do estado do Pará e contará com a participação do professor (a) das Ciências Humanas (Geografia) e de alguns alunos do curso Técnico em Agropecuária integrado com o ensino médio e que estão estudando atualmente na Casa Familiar Rural de Anapu. 
Para a obtenção dos dados será adotada o instrumento da entrevista semi-estruturada por meio da aplicação de questionários com perguntas abertas e fechadas, com a utilização de gravadores, esta opção foi escolhida para que se possa ter mais precisão das informações recolhidas. 
Segundo MANZINI (1990), a entrevista semi-estruturada tem como foco o tema sobre o qual foi confeccionado o roteiro, neste roteiro devem constar as perguntas principais, complementadas por outras questões que se fizerem necessárias na circunstanciada entrevista.
Os dados obtidos serão tabulados através do Software MS Excel 2010, com utilização de filtros e tabelas dinâmicas, que resume uma grande quantidade de dados rapidamente combinados de tabelas diferentes. Além dos gráficos também serão utilizadas nesse trabalho registros fotográficos para facilitar uma melhor leitura por parte dos leitores. 
A pesquisa envolve um conjunto de procedimentos elaborados com a finalidade de decodificar a realidade e construir conhecimentos, com isso, as bases epistemológicas deste estudo fundamentam-se nos princípios da pesquisa qualitativa por essa abordagem permitir estudar as relações sociais na dinâmica real das esferas da vida, como observa Flick (2009). 
Ao mesmo tempo superaram os contornos dos métodos objetivistas e universais das pesquisas quantitativas, se colocando contrária a “[...] um padrão único porque admitem que a realidade é fluente e contraditória e os processos de investigação dependem também do pesquisador – sua concepção, seus valores, seus objetivos (CHIZZOTTI, 2008, p. 26). 
Desse modo, a adoção da pesquisa qualitativa possibilita ao pesquisador apreender e considerar os diferentes conhecimentos e práticas dos participantes dentro da multiplicidade de perspectivas e contextos sociais a eles relacionados, permitindo ainda a reflexidade da comunicação e interpretação do pesquisador em campo como parte explicita da produção do conhecimento. 
Ao buscar elaborar procedimentos coerentes com o objeto de estudo proposto neste projeto de pesquisa, propõem-se aqui uma abordagem da pesquisa qualitativa por corresponder ao caminho mais apropriado para o foco desta investigação, por ser um tipo de pesquisa que prima mais pelo processo do que simplesmente pelos resultados da investigação (BOGDAN; BIKLEN, 1994). 
Essa perspectiva ocorre porque os métodos qualitativos estão associados a um processo de investigação particular manifestada pelas formas específicas como seus objetos serão observados e descritos a partir de etapas não sequenciais segundo discute Flick (2005). 
Ao definir a abordagem qualitativa, sob a qual se debruçará a pesquisa proposta, destaca-se que não se trata de não se trata de um estudo comparativo, mas investigativo interpretativo, fundamentado na abordagem orientada pelo método da cartografia social, a partir da contribuição por Passos e Alvarez (2015). 
Essa estratégia de estudo se distingue por não antagonizar “teoria e prática, pesquisa e intervenção, produção de conhecimento e produção da realidade” (ALVAREZ; PASSOS, 2015, p. 131) e, ao deslocar nossas certezas, reverte o “[...] sentido tradicional de método: um hódos-meta, isto é, o método da cartografia dá primado ao caminho da investigação, ao seu processo, e não às metas preestabelecidas a serem alcançadas” (PASSOS; KASTRUP, 2016, p. 208-209, grifo dos autores).Desse modo, em busca de ampliar a compreensão e reflexão de como a Pedagogia da Alternância inserida na Casa Familiar Rural de Anapu, contribui com a educação desses jovens e lhes mostram a importância do Ensino da Geografia para o seu uso no dia a dia. 
A técnica de pesquisa a ser adotada, será as entrevistas coletivas com os sujeitos da pesquisa, no caso, professor da área das Ciências Humanas (Geografia) e estudantes do curso técnico em agropecuária integrado ao ensino médio na Casa familiar Rural de Anapu.
A pesquisa contará ainda com uma pesquisa documental tendo por base, a proposta pedagógica das Casas Familiares Rurais, o documento de criação e autorização de funcionamento das escolas rurais (CFRs) e demais informações que se fizerem necessárias no percurso da pesquisa. 
8. REFERENCIAL TEÓRICO-CONCEITUAL
Nas últimas décadas do século passado inúmeras transformações foram potencializadas no Brasil, destaca-se principalmente a metamorfose ocorrida no espaço rural. Processo significativamente dicotômico e excludente, característica comum no modelo capitalista. De um lado, avança a modernização da agricultura patrocinada especialmente pela Revolução Verde, com a inserção da tecnologia no campo, incentivando a modernização agrícola, sobretudo através do crédito subsidiado, tem-se talvez, o único indicador de crescimento da produção agrícola. Fator que torna o terreno fértil para a consolidação do agronegócio brasileiro (Souza e Garcia, 2021).
Na outra vertente, agricultores familiares, geralmente com áreas restritas para a produção, incapazes de competir com os latifúndios, eram obrigados a migrar para os centros urbanos e tornar-se assalariados em subempregos. Assim, nas palavras de Sader (2003, p. 20).
 O contexto rural brasileiro estruturou-se em “três camadas sucessivas de formas de organização da sociedade (que) produziram e reproduziram sucessivamente as desigualdades”: o latifúndio, a industrialização e a financeirização da economia.
	O avanço tecnológico no campo, do ponto de vista social potencializou as desigualdades nesse espaço geográfico, sendo traduzidas em êxodo rural, obsolescência do campo e precarização de políticas públicas em estado principiante, a exemplo da educação (Souza e Garcia, 2021).
Para Freire (1987), está em curso o chamou de concepção “bancária” de educação. Nesse modelo distorcido de educação, não há criatividade, não há transformação, conseqüentemente, não há autonomia. 
Os trabalhadores, especialmente a população campesina, não são incentivados a questionar e transformar a realidade da qual fazem parte e olham a cidade como única opção. De acordo com Niskier (1996) e Furtado (2004), o ensino nas áreas rurais apresenta as maiores percentagens de reprovação, ausência às aulas, número de professores leigos e distorções idade-série. 
Para os autores, dentre os fatores que corroboram com este cenário, estão algumas deficiências como carência de recursos didáticos, baixa remuneração dos profissionais, falta de esforço das autoridades e a não adoção da lei que permite a adaptação do período letivo ao calendário agrícola (Lei 5692/71). 
O campo, de lugar esquecido e à margem das políticas públicas, inclusive as educacionais, mais adiante ganha o caráter de tranquilidade, bucólico, apenas como forma de fuga rápida e temporária da urbanidade passa a receber o mínimo de atenção do Estado com a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada em 25 de dezembro de 1996, em vigor até os dias de hoje.
	Em particular no art. 28, a educação para a população rural deve observar algumas especificidades, principalmente relacionadas aos sistemas de ensino que deverão promover as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região, especialmente: conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; adequação à natureza do trabalho na zona rural (FURTADO, 2004). 
A LDB constitui-se um marco legal que absorveu as políticas públicas educacionais, tendo abarcado as peculiaridades da educação para a população rural, estimulando assim, a ampliação de inúmeras iniciativas educacionais no campo já implantadas no Brasil, entre elas destaca-se a consolidação das Escolas Famílias Agrícolas e as Casas Familiares Rurais que tem a Pedagogia da Alternância como metodologia base.
Território é um dos conceitos mais difundidos da Geografia e sua importância hoje extrapola em muito o campo específico dessa disciplina, ampliando-se da esfera analítica das Ciências Sociais (e naturais, tendo em vista sua importância na Etologia) para a esfera normativa da ação política e do uso como categoria da prática no cotidiano do senso comum e de muitas lutas sociais. 
Analiticamente, a utilização do termo é muito antiga e remonta ao Império Romano. Num trabalho aprofundado, o geógrafo britânico Stuart Elden (2013) refaz essa trajetória histórica afirmando que, em seus primeiros usos, territorium se referia ao espaço de jurisdição sob o controle de um núcleo urbano.
 O termo nasce, portanto, no contexto europeu, com uma clara conotação político-administrativa. Na modernidade ocidental esse uso se consolida ao associar território à área sobre a qual se exerce a soberania do Estado nação e/ou nos limites da qual tem validade seu sistema jurídico. O trabalho de autores clássicos como o geógrafo alemão Friedrich Ratzel e, mais tarde, o francês (radicado nos Estados Unidos) Jean Gottman, dá sequência a essa que pode ser considerada a leitura hegemônica, europeia-norte-americana, de caráter funcional-estatal, sobre o território. 
Se nos reportarmos à origem etimológica, entretanto, territorium pode ser relacionado tanto a terra, espaço material, concreto, quanto àterrere, do verbo amedrontar. Assim, de alguma forma pode se afirmar que território nasce com uma dupla conotação: uma, mais material-funcional, outra, mais simbólico-afetiva. 
Se ao delimitarmos um território este adquire função de controle de fluxos, ele também pode proporcionar sentimento de segurança e identificação para quem está no seu interior, e de medo ou insegurança para quem, do lado de fora, está impedido de acessá-lo. 
Gilles Deleuze e Felix Guattari, certamente os filósofos que mais fizeram uso do termo (imbricado ao de desterritorialização), falam de uma dimensão ao mesmo tempo funcional e expressiva do território. Gottman (1973), numa concepção correlata, usará os termos território como recurso e território como abrigo.
Mais que uma entidade físico-material, contudo, o território deve ser lido numa perspectiva relacional, dentro de um conjunto de relações sociais (econômicas, políticas, culturais e socioambientais) que constantemente o redefinem, em um ir e vir entre a territorialização, a desterritorialização e a reterritorialização Raffestin (1993). Assim, mais que o espaço absoluto, ou um “sistema de objetos”, apreensível de modo separado, o território é “um sistema de ações” articuladas e definido pelo uso que se faz dele, na leitura de Milton Santos (1996). 
Essas relações devem ser vistas como existindo não apenas entre objetos especializados, mas também como constituintes desses objetos, através e no interior deles. Com isso, tanto quanto a delimitação física de um território é fundamental compreendermos as propriedades por ele incorporadas e que o definem – como, no exemplo do território estatal, a soberania ali exercida através do campo jurídico de validade das leis definido por sua abrangência ou extensão espacial. Daí a importância da territorialidade enquanto conjunto de propriedades que são a condição para a existência de um território.
Por meio da Geografia Crítica, articulada ao pensamento dialético materialista, que reforça a necessidade de discussão filosófica (HAESBAERT, 2006), o território, que em épocas precedentes, assumiu outras formas e se expressou com outros conceitos (DEMATTEIS,2008), passa a ser compreendido como produto histórico, simultaneamente, reticular e relacional, e assim constituído, significa movimento (duração, sequência, cronologia e periodização) com interações socialmente definidas, envolvendo e sendo envolvido, ao mesmo tempo, por processos naturais (SAQUET, 2007). 
Sendo assim, o território apresenta continuidades e fluidez marcadas por fixos e fluxos conectados por nós e pontos envolvidos por relações de poder formando redes sociais (SAQUET, et. al. 2010). Em outras palavras, o território passa a ser apreendido como produto de conflitos e contradições sociais, ao mesmo tempo, em que o espaço é tratado como condição da dinâmica socioespacial; locus da reprodução das relações de produção (SAQUET, 2007). 
A obra “Por uma Geografia do Poder” de Claude Raffestin, traduzida para o português em 1993, teve uma das mais importantes contribuições para a difusão, pelo menos no Brasil, do conceito de território. Raffestin (1993), parte, inicialmente, da confrontação dos conceitos de espaço e território. 
Para ele, espaço e território apresentam valores diferenciados, sendo, ainda, o espaço anterior ao território; o território se forma a partir do espaço pela ação do homem; é definido a partir das relações de poder (econômicas, políticas e culturais) e é a principal categoria de análise da realidade. Diferente do que seguia Milton Santos, que tinha outro ponto de vista. A utilização do território pelo povo cria o espaço. 
O território é formado pelas formas nas paisagens mais a vida que os anima, formando um sistema complexo que evolui constantemente; enquanto, o espaço geográfico é construído socialmente por um conjunto indissociável de sistemas de objetos e de ações, sendo, ainda, a categoria de análise geográfica. Raffestin (2010, p. 16) remete a necessidade de compreender o território concomitante à paisagem, entendendo-a, “não somente como um instrumento para conhecer a realidade, mas um excelente meio para conhecer o modo de ver/observar a realidade e de usá-la”. 
Isto porque, não existe compreensão dos processos na sua conjuntura sem ajuda de uma imagem, principalmente a partir das novas configurações territoriais materializadas no espaço. Nesse sentido, é possível ver o território e representá-lo através de imagens que podem ser compreendidas como paisagens [...] é uma forma de se trabalhar, na geografia, a interação Terra-território, através da representação e do estudo da vida cotidiana, a qual é possível apreender a fluidez do tempo, os conflitos e os sujeitos que estão presentes nas relações que ocorrem entre o local e o global (SAQUET, 2007, p.81).
Para Hasbaert (2023) Território, então, pode ser definido como o espaço construído/construtor de relações de poder, tanto no sentido mais estritamente social (político-econômico e simbólico-afetivo) quanto no sentido da interação indissociável com as chamadas forças da natureza. 
Nem apenas um espaço material e simbólico socialmente dominado e/ou apropriado, nem apenas um espaço moldado na imbricação com a natureza, o território seria, sobretudo, um espaço político revelador de limites – tanto de limites como fronts/fronteiras das lutas por desordenamento da complexa e desigual sociedade dos humanos quanto dos limites impostos a todo o conjunto da vida terrestre cuja existência, profundamente articulada, está em risco. 
Não há mais como ignorar a relevância de outros mundos (efetivos ou possíveis) e/ou de outras territorialidades que só existem em composição com a nossa, incluindo aí a retomada do debate sobre a territorialidade de outros seres vivos, como a territorialidade animal abordada pela Etologia. Assim, políticas territoriais, a princípio inerentemente integradoras, que se pretendam de fato transformadoras, devem considerar outras perspectivas de mundo e outra concepção de poder e de política (que inclui as chamadas políticas da natureza). 
Percebemos, portanto, que o território, é definido a partir de três ingredientes, as redes, o espaço e o poder sendo que o exercício do poder não é concebível sem territorialidade. Todo espaço definido e delimitado por e a partir de relações de poder é um território (SOUZA, 2003). A concretização do território requer, necessariamente, apropriação, dominação e controle, porque inclui relações de poder presentes nas redes de circulação, comunicação e identidade. 
O poder somente é materializado se apreendido enquanto grupo, neste caso, por alianças e coligações vinculadas a agentes econômicos do capital. Sendo assim, o território diferencia-se do espaço por meio de três singularidades: “as relações de poder multidimensionais constituindo campos de força econômicos, políticos, culturais; a construção histórica e relacional de identidades; o movimento de territorialização, desterritorialização e reterritorialização (TDR)” (SAQUET, et al, 2010, p. 56). 
O território é construído pelas relações de poder (materiais – controle e dominação política e econômica; e subjetivas – apropriação cultural e identitária) mediadas pelo espaço. 
Com base nas considerações feitas até então, sobretudo com base em Saquet (2007), acreditamos que o território possui duas dimensões internas de análise indissociáveis: material e imaterial. A primeira, material, faz referência à área do território, aos objetos geográficos influenciados/dominados/apropriados pelo sujeito social. 
A dimensão imaterial corresponde às estratégias dos sujeitos para a construção de um território, assegurando a manutenção e expansão material; são as ações, representações espaciais, as disputas de forças com outros sujeitos, as ideologias e os discursos, posicionamentos políticos, manifestações e outras formas de imprimir o poder.
 Por isso, o conceito de território, após 1970, torna-se o viés para entender a produção do espaço sob a ótica capitalista, em abordagens que procuram explicar a dominação social, a constituição e expansão do poderio do Estado-Nação, a geopolítica, a reprodução do capital, a problemática do desenvolvimento desigual, a importância de signos e símbolos como forma de controle na vida cotidiana etc. (SAQUET, 2007). Deste modo, a partir da década de 1980 há um esforço para compreender o território como movimento, relação de multiescalaridades e processualidade.
9. REFERÊNCIASBIBLIOGRÁFICAS
ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana de (Org.). Pistas do método da cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2015, p.131-149. 
ALVES, Maria Tereza G.; SOARES. As pesquisas sobre efeito das escolas: contribuições metodológicas para a Sociologia da Educação. Revista Sociedade e Estado. vol. 22, n. 2, 2007.
ARROYO, Miguel G. Currículo, território em disputa. Petrópolis: Vozes, 2011 
BRASIL. Constituição (1988). Constituição de 22 de setembro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 22 set. 1988. Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/518231/CF88_Livro_EC91_2016.pdf. Acesso em: 02/02/2024.
BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação qualitativa em educação. Tradução Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto Editora, 1994. 
CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa Qualitativa em Ciências Humanas e Sociais. – 2ª Ed. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 
CURY, Carlos Roberto Jamil. Gestão democrática da educação: experiências e desafios. Revista brasileira de política e gestão da educação, ANPAE, São Bernardo do Campo, v.18, n.2, p.163-174, jul./dez. 2002. 
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. 1997. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34.
DEMATTEIS, Giuseppe. Sistema Local Territorial (SLOT): um instrumento para representar, ler e transformar o território. In ALVES, Adilson Francelino; CARRIJO, Beatriz Rodrigues; CANDIOTTO, Luciano Z. P. (Orgs). Desenvolvimento Territorial e Agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 33-48.
ELDEN, S. 2013. The BirthofTerritory. Chicago: The Universityof Chicago Press.
FLICK, Uwe. Introdução à Pesquisa Qualitativa. – 3ª Ed. – Porto alegre: Artemd, 2009. 
GOTTMAN, J. 1973. The significanceofterritory. Charlottesville: University Press of Virginia.
Haesbaert, Rogério - Niterói, Universidade Federal Fluminense ISSN 15177793 / 26748126 (eletrônico) GEOgraphia, vol:25, n.55, 2023 DOI: 10.22409/GEOgraphia2023.v25i55.a61073.
FURTADO, E. D. P. Estudo sobre a educação para a população rural no Brasil. PROYECTO FAO; UNESCO; DGCS ITALIA; CIDE; REDUC, 2004. Disponível em: Acesso em 31 de agosto de 2024.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
HAESBAERT, Rogério. Territórios Alternativos. São Paulo: Contexto, 2006.
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília, DF, 20 dez. 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf. Acesso em: 30 nov. 2023.
MANZINI, E. J. A entrevista na pesquisa social. Didática, São Paulo, v.26/27, 1990/1991.
NISKIER, A. LDB: A nova lei da educação: tudo sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: uma visão crítica. Rio de Janeiro: Consultor, cop, 1996. 305p.
OLIVEIRA, A. P.. Casa Familiar Rural e Pedagogia da Alternância: Uma metodologia viável para a educação no campo. II Encontro de Pesquisas e Práticas em Educação do Campo da Paraíba. Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa- PB, 2013.
PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia. Sobre a validação da pesquisa cartográfica: acesso à experiência, consistência e produção de efeitos. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; TEDESCO, Silvia (org.). Pistas do método da cartografia: experiência da pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2016. v. 2. 
QUEIROZ, J. B. P., SILVA, V. C., PACHECO, Z.. Pedagogia da alternância: construindo a educação do campo. Goiânia: Ed. Da UCG; Brasília: Ed. Universa, 2006.
RAFFESTIN, C. Por uma geografia do poder. São Paulo: Editora Ática, 1993. 
RAFFESTIN, Claude. Uma concepção de Território, Territorialidade e Paisagem. In PEREIRA, Silvia Regina; COSTA, BenhurPinós da; SOUZA, Edson Belo Clemente de (Orgs). Teorias e Práticas territoriais: análises espaço-temporais. São Paulo: Expressão Popular, 2010, p. 13-23.
Ribeiro, Beatriz Maria de Figueiredo. Viver, Produzir e Preservar. Construindo o Projeto Casa Familiar Rural da Transamazônica (1980 – 2002). Belém 2003.
SADER, E. Ser de esquerda. Jornal do Brasil. Rio de Janeiro, 18 maio 2003. Disponível em: . Acesso em 28 de agosto de 2024.
SAQUET, Marcos Aurélio. Abordagens e concepções de território. São Paulo: Expressão Popular, 2007.
SOUSA, A. M.; GARCIA, R. P. M.. EDUCAÇÃO NO/DO CAMPO: A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E O ENSINO INTEGRADO, 2020.
Geoingá: Revista do Programa de Pós-Graduação em Geografia Maringá, v. 13, n. 1, p. 5-20, 2021 ISSN 2175-862X (on-line).
TEIXEIRA, E. S., BERNARTT, M. L., ALVES, T. G. Estudos sobre Pedagogia da Alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectivas para a pesquisa Educação e Pesquisa. Recuperado de: Acesso em 30/08/2024.

Mais conteúdos dessa disciplina