Buscar

Eleições- abuso de poder- instrumentos processuais eleitorais

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 234 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Marcus Vinícius Furtado Coelho
ABUSO DE PODER
Instrumentos Processuais Eleitorais
EDITORA
Eleições 
Abuso de poder
Roberto Antonio Busato
Presidente da OAB e Presidente H onorário da O AB EDITORA
Sergio Ferraz
Presidente Executivo da O A B EDITORA
Francisco José Pereira
E dito r
Paulo iVIoura/IrmâodeCriaçâo 
Capa e Pro je to G ráfico
Marta Rocha
Revisão
Aline Machado Costa Timm
Secrefána Executiva
Conselho Editoria l 
Sérgio Ferraz (P residente) 
Jefferson Luis Kravchychyn 
Alberto de Paula Machado 
Ana Maria Morais 
Cesar Luiz Pasold 
Hermann Assis Baeta 
Oscar Otávio Coimbra Argoilo 
Paulo Bonavides 
Rubens Approbato Machado
C672e Coêlho, Marcus Vinícius Furtado
Eleições - Abuso de poder - Instrumentos 
processuais e eleitorais / Marcus Vinícius 
Furtado Coêlho. Brasília : OAB Editora. 2006
232p.
ISBN - 85-87260-83-9
1. Eleições Brasil I. Título
EDITORA
SAS Quadra 05 • Lote 01 - Bloco M 
Edifido Sede do Conselho Federal da OAB 
Brasília, DF-CEP 70070-050 
Tel. (61) 3316-9600 
www.oab.org.br 
e-mail: oabeditora@oab.org.br
M a r c u s V in íc iu s F u r t a d o C o ê l h o
Advogado; m em bro e fe tivo da CELP do C onse lho Federal da OAB; 
C onse lhe iro Federal da OAB; Ex-Procurador-Geral de Estado; 
P ro fessor da ESMEPI, ESAPi, UNESC e Escola N acional da A dvocacia - ENA
Eleições 
Abuso de poder
Instrumentos Processuais Eleitorais
Inclui a Mini-Reforma Eleitoral de 2006
B rasília -D F , agosto de 2006
L iv r o s d o a u t o r
1. M a n u a l d e D ir e it o E l e it o r a l ;
2 . A g e n t e s P ú b l ic o s : a c o n d u t a n o p e r ío d o e l e it o r a l ;
3 . A N ova R e f o r m a d o P r o c e s s o C ivil;
4 . S o c ie d a d e E J u s t iç a .
Agradeço aos meus irmãos Sérgio H enrique Furtado 
Coêlho, promotor de justiça; Márcia B eatriz Furtado 
Coelho, bacharel em Direito; em especial, D iana Furtado 
CoelPio, também graduada em Direito, que participou ati­
vamente da organização dos textos desta obra.
Dedico este trabalho ao meu pai, Sérgio Coelho N eto de 
Souza ( in memorian), primeiro escrivão eleitoral que Deus 
me apresentou, e à minha mãe, M aria Doracy Furtado 
Coelho, tabeliã e professora, razão de existência e fu n d a ­
mento de vida, sem a qual nada seria possível.
"Pode um povo suportar muito tempo as afrontas que lhe 
façam, o que não signifua que permaneça indefinidamente 
imobilizado, podendo, em um dado momento, irromper a 
consciêruia que tem o seu papel, a convicção no primado de 
sua liberdade, a sua fibra no campo de luta cívica, pondo 
em debandada seus petulantes usurpadores, após mostrar- 
lhes que a força deles é nenhuma diante de sua fervorosa 
união pela causa comum."
Fávila Ribeiro
Sumário
Prefácio, 15 
Apresentação, 19
I. Considerações iniciais, 23
ii. Conceito e evolução da democracia e o abuso de poder, 25
II. 1 História e presupostos da democracia............................................... 31
II. 2 O sujeito histórico da democracia........................................................35
11.3 A Cidadania, a democracia e o abuso de p ode r.................................36
ili. O estado democrático de direito e o abuso de poder, 41
IV. O Direito Eleitoral como regulação do método democrático 
de legitimação do poder, 45
V. O abuso de poder em suas diversas vertentes, 47
VI. O abuso de poder no direito eleitoral, 55
VII. O exercício da cidadania na contenção do 
abuso de poder, 59
Vili. O voto cidadão, o abuso de poder e a 
corrupção administrativa, 63
IX. O cidadão frente ao abuso de poder, 67
X. 0 abuso de poder no Ordenamento Jurídico Brasileiro, 69
X. 1 A Constituição Federal......................................................................... 69
X. 2 A Lei Complementar n®. 64/90 Lei das Inelegibilidades.....................74
X. 3 Lei n® 4.737/65 - Código Eleitoral........................................................76
X. 4 Lei ns 9. 504/97 - Lei Geral das E leições.......................................... 80
Xi. O abuso de poder na jurisprudência do 
Tribunal Superior Eleitoral, 83
XI. 1 A potencialidade como pressuposto ao reconhecimento
de abuso de poder........................................................................................ 84
XI. 2 A captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder:
configuração e distinção dos tip o s .......................................................86
XI. 3 Posse do segundo colocado e nulidade dos votos
no abuso de poder e na captação ilícita de su frág io ...........................91
XI. 4 A inconstitucíonalidade de Lei Ordinária que faz previsão
de cassação de mandato (arts. 41 *a e 73 da lei 9.504/97)................ 94
XII. Instrumentos processuais de combate ao abuso de poder, 97
XII. 1 (Ação de) Impugnação de pedido de registro
de candidatura.......................................................................................97
XII. 2 (Ação de) Investigação judicial e le itora l..........................................102
XII. 3 (Ação de) Recurso contra a expedição de diplom a.......................105
XII. 4 (Ação de) Reclamação por descumprimento
da Lei 9. 504/97.................................................................................... 110
XII. 5 (Ação de) impugnação de Mandato E le tivo ................................... 124
XII. 6 A Escolha do instrumento processual adequado.......................... 128
XII. 7 Os efeitos da decisão em cada demanda. O cumprimento imediato. 
O efeito suspensivo ao recurso. Novas eleições. Posse do segundo
colocado.............................................................................................. 132
XII. 8 Não cabimento da AIME para litigar sobre descumprimento do Art.
41-A da Lei 9.504/97........................................................................... 137
XII. 9 Legitimidade do partido político e da coligação............................ 140
XII. 10 Medida Cautelar em matéria e le itora l........................................... 141
XII. 11 Efeito suspensivo dos recursos.....................................................143
XII. 12 Impossibilidade de desistência de ações
e recursos eleitorais.............................................................................143
XII. 13 0 valor da prova testemunhai em tema de
cassação de mandato popular........................................................... 144
XII. 14 0 princípio majoritário é essencial à democracia.
A generalização de cassação de mandato pode
consagrar a autocracia.........................................................................146
XIII. O advogado é indispensável na contenção
do abuso de poder, 149
XIV. Reflexos penais do abuso de poder, 155
XV. Propaganda eleitoral a candidato de partido diverso 
e o abuso de poder, 159
XVI. A convenção partidária e o abuso de poder, 167
XVI. 1 A anulação de convenção somente é permitida
quando contrariada diretriz estabelecida pela convenção
nacional............................................................................................... 168
XVI. 2 Análise de caso específico: alegitimidade para convocar conven­
ção no estatuto do PMDB.................................................................... 169
XVI. 3 Convenção pode delegar à executiva poderes
para indicar candidatos.................................................................... 171
XVI. 4 Decisão de convenção partidária que possui reflexos....................
eleitorais poderá ser questionada na ju s tiça ................................... 171
XV II. O lim ite da p ro pa ga nd a e le ito ra l e o a b u so de p ode r, 173
X V III. R e fo rm a p o lític a e o abuso de p o d e r, 177
XVIII.1. Listas preordenadas.......................................................................177XVIII.2 Financiamento público de cam panhas........................................ 178
XVIII.3 Cláusula de barreira........................................................................179
XVIII.4 Federação partidária e fim das coligações
proporcionais..................................................................................... 180
XVIII.5 Prazos de filiação partidária mais elásticos.................................181
XVIII.6 Medidas que contém as mudanças de partido político 182
XVIII.7 Fidelidade partidária........................................................................183
XVIII.8 Voto distrital puro ou m isto ............................................................ 184
XV1II.9 Suplente de senador.......................................................................187
XVIIt.10 Voto facultativo.............................................................................. 188
XVIII.11 Proporcionalidade da representação dos Estados n a ..................
Câmara dos Deputados.....................................................................188
XIX. A s m e d id a s de co n te nçã o de g a s to s e le ito ra is ................... 191
XIX. 1 As mudanças na propaganda ele itoral............................................191
XIX.2 As mudanças no financiamento de campanha..............................193
XX. A m in i-re fo rm a e le ito ra l: A le i n^ 11.300, 
de 10 de m a io de 2 0 0 6 ,1 9 5
XX. 1 Responsabilidade do administradorfinanceiro
da campanha................................................................................................196
XX. 2 A obrigatória rejeição da prestação de contas
e a remessa ao ministério p úb lico ............................................................ 196
XX. 3 Doação exclusiva para a conta bancária ....................................... 198
XX. 4 Vedação de ajuda por candidato..................................................... 199
XX. 5 Ampliação do rol de pessoas vedadas a doar
recursos eleitorais................................................................................ 199
XX. 6 Alteração na disciplina dos gastos ele itorais.................................200
XX. 7 A prestação de contas de doações pela in terne t......................... 201
XX. 8 Prazo para o julgamento da prestação de contas dos
e le itos ....................................................................................................202
XX 9 A nova ação de investigação judicial eleitoral
para captação e gastos de campanha...............................................202
XX. 10 Vedação de propaganda eleitoral em postes e o u tros ...................
equipamentos urbanos........................................................................203
XX. 11 Ampliação do horário de uso de aparelhagem de
sonorização f ix a ................................................................................... 204
XX. 12 Novos tipos penais no dia da e le ição .......................................... 204
XX. 13 Vedação de propaganda por meio de camisetas
e pequenos brindes............................................................................205
XX. 14 A proibição de show m ício.............................................................205
XX. 15 A proibição de ou tdoors............................................................... 206
XX. 16 Limitação temporal da propaganda na imprensa....................... 207
XX. 17 Tratamento isonômico para candidatos apresentadores..........208
XX.18 Colaboração dos órgãos da administração..................................209
XX. 19 Vedação de novos programas sociais em ano eleitoral...........209
XXI. Conclusão................................... 213
Glossário.............................................................................................. 215
Bibliografia.......................................................................................... 225
Prefácio
Abuso de poder, associado a eleições, tema central deste 
livro, sintetiza a história política do Brasil. Que é essa histó­
ria senão uma sucessão de episódios abusivos, que se trans­
põem da monarquia à república e chegam aos dias de hoje 
sem grandes mudanças em sua essência? Os sucessivos re­
vezes da democracia, em nossa história republicana, não al­
teraram substantivamente a lógica do abuso.
Ela se sustenta no fenômeno da expressiva exclusão so­
cial brasileira, subproduto da escravidão, que estabelece um 
fosso entre o país oficial e o país real. Sem participação efeti­
va da população - que requer politização, que resulta de um 
padrão educacional ainda distante de nossas massas a de­
mocracia representativa torna-se um jogo das elites. N em é 
democracia, nem é representativa.
E o resultado é o abuso de poder.
Em 1870, ao iniciar uma reunião ministerial, Dom Pedro
II, conforme Humberto de Campos, em seu livro “Brasil 
Anedótico”, constatava: “As eleições, como se fazem no Bra­
sil, são a origem de todos os nossos males políticos”.
Cento e trinta e seis anos depois, quem pode contraditá- 
lo? Se o modo como se fazem as eleições no Brasil de hoje 
não são a origem de todos, são pelo menos a origem de subs­
tancial parte de nossos males políticos. Da maior parte deles.
Basta ver a crise política que permeou os anos de 2005 e 
2006, decorrente do impacto causado por denúncias de mal­
versação de dinheiro público - abuso de poder em sua ex­
pressão mais visceral com o objetivo de garantir o contro­
le do processo político-eleitoral. Os detalhes hediondos des­
filaram durante meses em três CPIs no Congresso Nacio­
nal: a dos Correios, a do Mensalão e a dos Bingos.
Oposição e situação acusaram-se de suas respectivas ban­
cadas - e lamentavelmente, ambas estavam certas em gran­
de parte do que diziam uma da outra. Ambas, em graus vari­
ados, incidiam - e reincidiam - no impune delito de abuso 
de poder.
As eleições, do m odo com o são feitas no Brasil, 
privatizam o Estado, tornando-o, em vez de bem comum, 
propriedade dos que financiam os eleitos. E isso, repito, vem 
de longe.
Já no início do século 20, três décadas depois do co­
mentário de Dom Pedro II, o escritor e republicano Euclides 
da Cunha dava-lhe inteira razão, definindo nosso processo 
eleitoral, em tom de absoluto desencanto, como “mazorcas 
periódicas que a lei marca, denominando-as ‘eleições’, eufe­
mismo que é entre nós o mais vivo traço das ousadias da 
linguagem”.
Dois momentos da história brasileira, em dois regimes 
distintos - o monárquico e o republicano -, e conceitos con­
vergentes a respeito de algo vital à saúde moral e institucio­
nal de qualquer nação e de qualquer regime fundado na li­
berdade: as eleições.
Nossa primeira revolução republicana, em 1930, teve 
entre seus principais pressupostos, a moralização eleitoral, 
com a adoção do voto secreto e do voto feminino. Os de­
mais movimentos políticos que se lhe seguiram menciona­
ram sempre a problemática eleitoral.
Rui Barbosa sustentava que “o voto é a primeira arma 
do cidadão”. Uma arma contra a tirania, em defesa de sua 
dignidade c direitos. Qualquer gesto, pois, que viole ou atente 
contra a integridade do voto, fere a ética, fere a liberdade, 
fere a democracia.
A saída, portanto, não é suprimir as eleições, como o 
fizeram os movimentos golpistas de nossa história, de triste 
memória, e que se estabeleceram mediante discurso mora­
lista. O que se impõe, muito ao contrário, é o fortalecimen­
to do instituto do voto, pelo aprimoramento das leis, pela 
sempre adiada reforma política, pelo aperfeiçoamento dos 
mecanismos de fiscalização à disposição da Justiça Eleitoral 
- e, sobretudo, pela ampliação de nossa taxa de cidadania.
É o cidadão o melhor defensor de seus direitos. Por isso, 
a Ordem dos Advogados do Brasil, em 2004 - um ano antes 
da crise do Mensalão, que expôs o profundodesgaste moral 
do Estado brasileiro -, lançou campanha em defesa da Re­
pública e de suas instituições, sustentando a necessidade de 
aplicação dos mecanismos da democracia direta, previstos 
no artigo 14 da Constituição Federal de 1988: plebiscito, re­
ferendo e iniciativa popular.
Toda tutela sobre a cidadania, por mais bem intenciona­
da, é precária e invasiva. República é o regime da cidadania. 
É a cidadania no Poder - e nada, nem ninguém pode substi­
tuir o livre arbítrio, a soberania do cidadão, que se exerce em 
sua plenitude no recinto inviolável da urna eleitoral. Nossa 
república, porém, padece de um paradoxo de origem: nas­
ceu positivista - e o Positivismo postula um modelo de soci­
edade tutelada por sua elite.
Daí porque sustentamos que é preciso reproclamar nossa 
república, torná-la - perdoem a licença literária - verdadei­
ramente republicana, de todos, e não apenas de alguns.
Este livro, fruto de estudo criterioso do advogado Marcus 
Vinícius Furtado Coelho, é extremamente esclarecedor nesse 
sentido. Traça amplo painel histórico a respeito do abuso de 
poder nas eleições e faz minuciosa análise a respeito da le­
gislação específica, chegando à mini-reforma eleitoral de 
maio de 2006, esforço de última hora para minim izar 
distorções e conter abusos na campanha que se avizinhava.
Trata-se de contribuição preciosa ao processo de rege­
neração das instituições republicanas brasileiras e, desde já, 
é leitura obrigatória para estudiosos, legisladores e gover­
nantes. E uma louvável contribuição erudita a uma causa 
essencialmente popular.
ROBERTO BUSATO
Presidente do Conselho Federal da OAB
Apresentação
o processo eleitoral no Brasil está m arcado por um 
paradoxo: de u m lado, as incorporações científicas e 
tecnológicas na gestão m oderna da inform ação eleito­
ral, fazendo-nos orgulhar de nossa capacidade técnica e 
louvar o trabalho da Justiça Eleitoral; de outro, o deficit 
ético que m atiza a difusão de idéias, a cooptação de sim ­
patizantes políticos, a aglutinação de partidários, cau- 
sando-nos, por vezes, perplexidades quanto à legitim i­
dade do processo político de realização da dim ensão re­
presentativa de nossa democracia.
D esde o início da informatização do processo elei­
toral, p rim eiro com a totalização eletrônica nas eleições 
presidenciais de 1989, depois com a eliminação das cé­
dulas, urnas e mapas de urna, não há argum ento rele­
vante que m acule a credibilidade dos sistemas eletrôni­
cos de eleições. N e n h u m a suspeita de fraude n o p ro ­
cessam ento das informações eleitorais, nen h um anún ­
cio de ataque de hackers aos arquivos, não se apontam 
sabotagens ou vazam entos nos procedim entos de capta­
ção, transmissão e totalização dos votos.
Se no cam po da gestão interna dos dados eleitorais 
tem os motivos para confiar na eficiência e segurança do 
processam ento informacional, para reconhecer a fideli­
dade entre os dados oferecidos e os resultados com pu­
tados e analisados apenas do ponto de vista quantitativo, 
de outra banda, quando divisamos o processo político 
com o u m todo em nosso País, refletindo quanto à qua­
lidade e m érito dos resultados, som os tom ados por d ú ­
vidas em relação a sua legitimidade e quanto à fidelida­
de entre os resultados eleitorais com putados e as au tên ­
ticas aspirações comunitárias, de algum a m aneira crista­
lizadas no processo histórico.
D en tro da esfera burocrática adm inistrativo-judici- 
al, tem os o tratam ento técnico dos dados, operados pela 
lógica científica, acorrendo-nos u m sentim ento de cer­
teza do controle do fluxo e de acerto dos resultados, ainda 
que estimados apenas pelo aspecto quantitativo. D o lado 
de fora da atuação burocrática, na arena propriam ente 
política, no cam po da experiência hum ana, no espaço 
de liberdade dos atores políticos, som os assaltados pela 
dúvida quanto à eficácia dos marcos regulatórios e pela 
suspeita de insuficiência da retórica dos profissionais do 
D ireito. N o campo burocrático, o fecham ento sistêmico 
e o controle fiel dos processos, o sentim ento de certeza 
e segurança; no espaço político, a inerente abertura, di­
an te da e levada co m plex id ad e e c o n tin g ên c ia q ue 
perm eiam as relações hum anas e sociais, produzindo um 
sentimento de incerteza e insegurança, e um a grave des­
confiança em relação à qualidade dos resultados.
O tem a proposto no livro, em síntese, desperta para 
a necessidade de ver-se retom ado o discurso ético na 
arena política, m ediado por um a gramática dem arcado-
ra das condições estruturais e procedim entais dem ocrá­
ticas de formação de governos. O esforço do reconheci­
do Professor e renom ado Advogado traduz a sua per­
m anente vigilância em defesa do Estado D em ocrático 
de Direito, vivenciada, desde cedo, ainda nos bancos aca­
dêmicos, engajado que fora nos m ovim entos e repre­
sentações estudantis. C onteúdo e estrutura da obra re­
velam, além da m aturidade intelectual e literária, pelo 
refino e clareza do estilo, o perfil de quem se preocupa 
com os problem as de sua polis e efetivam ente deles se 
ocupam, evidenciando que só no âm bito político e pela 
via política se estabelece a condição hum ana.
Por isso, o livro, adornado pelo ineditism o próprio 
de quem não está restrito aos centros hegem ônicos de 
produção científica, e então livre para o instigar e o pen ­
sar, representa um escudo a esses heróis que lu tam em 
favor da liberdade de participação política, porque per­
cebem que não só a liberdade do espaço privado, mas, 
sobretudo, o exercício da liberdade no espaço político 
realiza o ser-do-hom em .
D entro dessa retórica republicana, o au tor realça a 
paridade de condições e armas com o im prescindível aos 
desenhos eleitorais representativos, especialm ente em 
dem ocracia de larga escala, onde os m andatos políticos, 
com o defendia Bobbio, pelo aum ento da complexidade 
social, to rnam -se inevitáveis. C oncentra-se, então, o 
autor, referenciado em grandes nom es da ciência políti­
ca e do direito eleitoral, na proteção de um a democracia
substancial, em discurso contra as práticas abusivas de po­
der no processo de seleção das representações políticas.
Ao invés de reter-se em conceitos e definições con­
vencionais, em apologias estéreis da com petição e com ­
petitividade do sistema político, o texto constitui u m 
instigante diálogo com a experiência legislativa e ju d ic i­
ária eleitoral em relação ao tem a do abuso do poder, exer­
citando e tecendo, em m odos abertos e plurais, um a vi­
gorosa defesa da m ensagem política com o a legítima ra­
zão de influência de voto dos eleitores. Pela dim ensão 
simbólica e pragmática, constitui um a m adura reflexão 
sobre procedim entos de superação do sobredito para­
doxo que ainda encerra o processo político no Brasil.
Carlos A ugusto Pires Brandão*
* M estre em Direito, professor da U FPI, Ju iz Federal titular da 5° Vara da Secçâo 
Judiciária do Piauí, em exercício no T R F da 1® Região, ex-juiz do TRE/PI.
I. Considerações iniciais
O abuso de poder impede a expressão livre mas politi­
camente responsável, da vontade autêntica do povo, no pro­
cesso eleitoral.
A República Federativa do Brasil constitui-se em Esta­
do de Direito qualificado como democrático, no qual o po­
der emana do povo e em seu nome será exercido, através, 
primordialmente, de representantes eleitos. A escolha de 
forma livre desses membros é imprescindível à construção 
de uma democracia legítima que somente será possível com 
a contenção do abuso de poder no processo eleitoral.
A liberdade do voto é uma oportunidade de se fazer ci­
dadão na medida em que a opção de nosso representante é 
resultante de observações de seu comportamento político- 
social, de exame de suas característicase da sua história na 
relação com a realidade em que vive. A escolha de uma pes­
soa para atuar como representante exige que sua bandeira 
de luta corresponda às expectativas e reais interesses de sua 
comunidade.
O direito eleitoral, como ramo do direito público desti­
nado a regulamentar, organizar e resolver os litígios decor­
rentes de eleições está, direta e intimamente, envolvido nes­
sa tarefa de construção democrática e, por que não dizer, 
libertária.
Quais os meios utilizados para coibir o exercício demo­
crático do voto livre e politicamente responsável do povo?
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Q ue caracteriza o abuso de poder no processo eleitoral? 
Como a matéria se encontra disciplinada no ordenamento 
jurídico pátrio? Quais os instrumentos jurídicos responsá­
veis por garantir o direito de voto do cidadão, evitar ou coi­
bir o abuso de poder no processo eleitoral? Eis os questiona­
mentos aos quais esses apontamentos pretendem respon­
der.
O esclarecimento ou o discernimento de tais questões 
certamente irá contribuir para o progresso e para a melhoria 
da qualidade democrática do processo eleitoral, porque co­
labora para a contenção do abuso de poder que usurpa o 
direito de voto livre e politicamente responsável do cidadão.
Trata-se, conseqüentemente, de um estudo que possui 
relevância e atualidade. A um, porque cuida de tema caro à 
democracia, regime de governo que melhor assegura a li­
berdade, com responsabilidade política do cidadão. A dois, 
porque no presente momento a sociedade brasileira, e a Jus­
tiça em particular, priorizam o combate ao abuso de poder 
como foco central para a solidificação da democracia no país.
O conhecimento dos meios aptos a conter o abuso de 
poder em campanhas eleitorais, a possibilitar o seu adequa­
do enfrentamento, é fundamental ao exercício da cidadania, 
ao trabalho do profissional especializado e à edificação do 
Estado Democrático de Direito digno desse batismo.
II. Conceito e evolução da 
democracia e o abuso de poder
A análise sobre o abuso de poder imprescinde de estudo 
do conceito e evolução histórica da democracia. Isso porque 
a contenção do abuso possui sua mais forte justificativa na 
necessidade de construir um regime democrático autêntico, 
no qual a escolha dos representantes do povo seja efetuada 
de forma livre e legítima.
A democracia, como diversos outros conceitos políti­
cos, possui o traço comum de não possuir conceito não con­
testável. De todo modo, é possível aduzir que se trata, a de­
mocracia, do regime político que se caracteriza pela titulari­
dade do poder político atribuída ao povo, que delega seu 
exercício a representantes eleitos livremente em eleições 
periódicas. Assim, a maioria possui o poder decisório atra­
vés dos escolhidos para representá-la. O exercício deste po­
der também pode ser feito, no Brasil, diretamente pelo povo, 
por intermédio de plebiscito, referendo ou iniciativa popu­
lar de leis, conforme disposto na Constituição Federal, em 
seu art. 14, incisos I, II e III.
Ressalte-se, no entanto, que quanto mais a instituição 
democracia é tida como o melhor dos regimes para os po­
vos, maior é a polêmica sobre a sua adequada definição, bem 
como a captação de seus pressupostos fundamentais. A his­
tória já adjetivou o conceito, falando-se em democracia li­
beral, própria do capitalismo, e democracia popular, relacio­
nada ao sistema econômico socialista. Juridicamente, no pri­
meiro se destaca a garantia dos direitos fundamentais do
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
homem e do cidadão e no outro a soberania da vontade po­
pular como dogma absoluto, inclusive podendo suplantar as 
garantias fundamentais.Com o fim dos regimes comunistas 
do leste europeu, tal dicotomia em muito diminuiu. Surgi­
ram mais recentemente os “pós - modernos”, defendendo a 
superação dos dois modelos de democracia, pregando o 
necessário respeito às diferenças, ao dissensso, ao plura­
lismo e às minorias.
Polêmicas à parte, é possível comentar que a origem 
etimológica de democracia está em demos, que corresponde 
a povo, e kratos, poder. Giovani Sartori, com propriedade 
literária, bem esclarece que:
(...) Dem os, no século V aC, significava a com unidade 
ateniense reunida em eklesia. Contudo, mesmo assim defi­
nida, demos pode ser reduzida a plethos, isto é, o plenum , o 
corpo inteiro; ou a pollói, o grande núm ero; ou a pléiones, a 
maioria; ou a óchlos, a massa ( sendo este significado dege­
nerado). E, no instante em que demos é traduzido para uma 
língua moderna, as ambigüidades aumentam. O term o itali­
ano popolo,tão bem como seus equivalentes em francês e 
alemão ( peuple, volk), transmite a noção de entidade singu­
lar, enquanto que a palavra inglesa people indica pluralidade. 
N o primeiro caso, somos facilmente levados a pensar que 
popolo denota um todo orgânico que pode ser expresso por 
um a vontade geral indivisível, enquanto que, no últim o 
exemplo dizer a palavra “democracia” é como pronunciar 
policracia, uma multiplicidade separável constituída de cada 
uma das pessoas. (Assim, não é por mera coincidência que as 
interpretações puristas do conceito tenham provindo de es­
tudiosos que raciocinaram em seus próprios idiomas, ale­
mão, francês ou italiano). Conclui-se daí que o nosso con­
ceito de “o povo” tem de ser reduzido, pelo menos, a cinco 
interpretações:
1- povo significando uma pluralidade aproximada, exatamen­
te como um grande número;
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
2- povo significando um a pluralidade integral, todas as pes­
soas;
3- povo como entidade, ou como um todo orgânico;
4- povo como um a pluralidade expressa por um principio 
de maioria absoluta e;
5- povo como uma pluralidade expressa pelo principio de 
uma maioria limitada.’
É de Abraham Lincoln a conhecida afirmação que con­
figura a democracia como o “governo do povo, pelo povo, 
para o povo” .^ Expressão que, a par de suas diversas signifi­
cações, é tida como símbolo da concepção do regime. Rui 
Barbosa, entre nós, foi feliz ao defender que
sistema representativo quer dizer representação do povo pelo 
povo. Se não é o povo quem governa a si mesmo, então, 
legalmente, não há governo, e não é governo o que há. (...) A 
moeda falsa tem pena a cadeia. Os falsos governos, pena de 27 
queda. Queda pela reprovação pública. Queda pelos sufrági­
os populares. Queda pelo escrutínio eleitoral. ^
A teoria democrática convive com três tradições histó­
ricas do pensamento político. A teoria clássica, de Aristóte­
les, que distingue a democracia, que é o governo de todos os 
que gozam de cidadania, da monarquia, governo de um só, 
e aristocracia, governo de poucos. A teoria medieval, com 
raízes romanas, que se apóia na soberania popular, sendo 
descendente se o poder derivar de monarca e se transmitir 
por delegação do superior ao inferior. A teoria moderna, 
surgida em Maquiavel, que qualifica a concepção antiga de
' SARTORI, Giovanni. Teoria Democrática. 1*. Edição. Editora: Fundo da Cultura, 
Portugal, 1962. p. 32-33.
 ^SARTORI, Giovanni. O b. Cit. Pág. 42
BARBOSA, Rui. Escritos e D iscursos Seletos. 1*. Edição. Editora: José Aguilar 
Ltda, 1960.p. 1.022.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
democracia como República. Para Noberto Bobbio, “um 
exame do debate contemporâneo em torno do conceito e do 
valor da Democracia não pode prescindir de uma referên­
cia, ainda que rápida, à tradição”'^ .
A transposição da democracia da teoria para a prática é 
uma conquista da idade moderna, quando vence o obscu­
rantismo da idade média. Assim, a Revolução Inglesa de 1689, 
que edificou o Bill ofRigths; a Revolução Americana de 1776, 
que formulou a Declaração de Independência das treze co­
lônias; e a Revolução Francesa de 1789, com o lema “igual­dade, liberdade e fraternidade”, que cunhou a Declaração 
dos Direitos do Hom em e do Cidadão são marcos significa­
tivos desta conquista. Para Dallari é através destes “ três gran­
des movimentos político-sociais que se transpõem do plano 
teórico para o prático os princípios que iriam conduzir ao 
estado Democrático” .^
Noberto Bobbio, com precisão, elenca os pressupostos 
para a configuração da democracia:
1) o órg^o político máximo, a quem é assinalada a função legis­
lativa, deve ser composto de membros direta ou indiretamente 
eleitos pelo povo, em eleições de primeiro e segundo grau;
2) jun to do supremo órgão legislativo deverá haver outras 
instituições, como dirigentes eleitos, como os órgãos da ad­
ministração local ou Chefe de Estado( tal como acontece nas 
repúblicas);
3) todos os cidadãos que tenham atingido a maioridade, sem 
distinção de raça, de religião, de censo e, possivelmente de 
sexo, devem ser eleitores;
 ^BO BBIO , N oberto e outros. Dicionário de C iência Política,. 5* edição. V ol.l. Edi­
tora Universidade de Brasília, p. 320.
 ^DALLARI, Daim o de Abreu. O b. Cit. p .l29
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o e l h o
4) todos os eleitores devem ter votos iguais;
5)todos os eleitores devem ser livres em votar segundo a 
própria opinião, formada o mais livremente possível, isto é, 
num a disputa livre de partidos políticos que lutam pela for­
mação de uma representação nacional;
6) devem ser livres também no sentido em que devem ser 
postos em condição de ter reais alternativas (o que exclui 
como democrática qualquer eleição de lista única ou bloquea­
da);
7) tanto para as eleições de representantes como para as de­
cisões do órgão político supremo vale o principio da maioria 
numérica, se bem que podem ser estabelecidas várias for­
mas de maioria,segundo critérios de oportunidade não defi­
nidos de uma vez para sempre;
8) nenhum a decisão tomada por maioria deve limitar os di­
reitos da minoria, de um m odo especial o direito de tomar- 
se maioria, em paridade de condições;
9) o ó r^ o do Governo deve gpzar de confiança do Parlamento 
ou do Chefe do Poder Executivo, por sua vez eleito pelo povo^.
A democracia pressupõe, de igual modo, o respeito aos 
direitos e garantias fundamentais, em relação aos quais a 
maioria não poderá dispor ou impedir sua vigência. Assim, 
a dignidade da pessoa humana, a promoção do bem de to­
dos, a proibição de preconceitos de origem, raça, sexo, cor e 
idade ou quaisquer outras formas de discriminação, inscri­
tos na Constituição federal como princípios fundamentais, 
são postulados inerentes a vida democrática, inalteráveis ainda 
que pela vontade da maioria social. Trata-se de um círculo 
de proteção ‘as minorias. É que democracia pressupõe o res­
peito às diversa minorias, sejam políticas, sociais ou cultu­
rais. A pluralidade é intrínseca à democracia, significando 
que a maioria não pode oprimir o direito de existência e ma-
 ^BOBBIO, N oberto. O b. Cii. Pág. 327
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
nifestação da minoria. Deste embate, outrossim, surge a 
convivência democrática, necessária à dialetização das idéias 
sociais e construção das melhores soluções.
Fávila Ribeiro, citando Otfried HofFe, ressalta que “os 
princípios de justiça têm, na democracia, a função de prote­
ção das minorias e garantem direitos iguais daqueles que não 
são das mesmas convicções econômicas, sociais, políticas e 
religiosas ou lingüístico-culturais da respectiva maioria; eles 
formam um corretivo crítico contra os excessos da sobera­
nia, mesmo de um soberano democrático” .^
A Democracia possui uma característica que lhe é ine­
rente, qual seja a desconfiança institucionalizada. Exatamente 
por isto são realizadas eleições periódicas, porque o sistema 
desconfia que os eleitos poderão não implementar as pro­
postas e os projetos prometidos durante a campanha eleito­
ral ou a implementação de tais idéias podem não alcançar o 
resultado esperado pelo corpo social. Assim, no pleito elei­
toral seguinte são avaliados os eleitos e seus partidários, sen­
do seus mandatos renovados ou eleitos seus seguidores ou, 
ainda, eleitos os opositores com novas idéias ou novos pro­
jetos. Esta é a denominada alternância no poder, próprio da 
democracia.
Entretanto, apresenta-se uma reflexão crítica sobre o atu­
al momento da democracia, a partir das palavras de Marcos 
Ramayana, que enuncia: “A prática do fisiologismo, das van­
tagens pessoais em detrimento da ideologia do interesse pú­
blico, representa um potencial perigo e, quiçá, uma ‘sabota­
gem institucionalizada’ aos tons da virtude da democracia,
 ^ H O F F E , OfFried. Justiça Política - Fundamentação de um a filosofia Crítica do 
D ireito e do estado, trad, de E m ildo Stein, Petrópolis: Vozes, 1991. apud RIBEIRO, 
Fávila. Abuso de Poder no Direito Eleitoral. Editora: Forense, 1998.p. 03
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o é l h o
onde o pomo da discórdia radia-se intensamente sobre as 
bases e raízes da estrutura originária democrática, onde se 
faz da política a arte do possível, amesquinhando-se os su­
blimes anseios da verdadeira cidadania”^
II. 1 História e presupostos da democracia
A democracia não possui uma história de evolução per­
manente, desde o início de sua experimentação na socieda­
de humana, marcada por avanços e retrocessos. N a Grécia 
antiga, cerca de 500 a.C, as cidades-estado, notadamente 
Atenas, introduziram sistema democrático de governo. Do 
Grego advêm os termos demokratia: demos, o povo, e kratos, 
governar. Tal regime vigorou até 321 a.C, quando Atenas foi 
dominada pelo império macedônico e, depois, por Roma.
A democracia, de modelo direto, funcionava através de 
assembléias, com a possibilidade de participação de todos os 
cidadãos. A escolha dos funcionários essenciais era feita por elei­
ção e para as demais funções existia uma espécie de sorteio.
Em período coincidente, na cidade de Roma foi desen­
volvido regime de roupagem democrático denominado re­
pública, originado dos termos latinos res, negócios ou coisa e 
publicus, pública ou do povo. As assembléias podiam partici­
par, inicialmente, apenas os patrícios, sendo estendida após aos 
plebeus. Deu-se o enfraquecimento da democracia com os 
males que costumam lhe perseguir, a corrupção, a inquietude 
civil, diminuição do espírito cívico dos cidadãos a militarização 
e a guerra. Isto por volta de 130 a.C. Com o assassinato de Júlio 
César, em 44 a.C transformou Roma em Império.
® RAMAYANA, Marcos. D ireito Eleitoral, la. Edição. Ed. Im petus. Rio de Janeiro, 
2004. p. 39.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
A democracia somente surge novamente cerca de mil 
anos após, em cidades da Itália do norte, como Florença e 
Veneza, com o movimento renascentista. Sucumbiu diante 
dos citados inimigos da democracia, acrescido da prevalên­
cia dos estados nacionais.
A democracia como concebida atualmente pressupõe um 
parlamento nacional, constituído por representantes, somen­
te surgiu na Inglaterra, na Escandinávia, nos Paises Baixos e 
na Suíça, durante o Século XVIII, com a criação das assem­
bléias locais, instituindo a ideologia do consenso dos gover­
nados para a instituição de impostos e, posteriormente, para 
a edição das demais regras de conduta. Os representantes 
eram eleitos, não existindo sorteios ou seleções por acaso 
como era usual em Atenas.
Passa a vigorar o sistema constitucional no qual o Rei e 
o Parlamento possuíam seus poderes reciprocamente limi­
tados. Esgotava-se o modelo vigorante na Idade Média, do 
absolutismo monárquico, baseado na aliança com os senho­
res feudais e com a Igreja, para surgir o modelo do governo 
das leis ou dos parlamentos, com as monarquias constituci­
onais, reclamada pela nova classe em ascensão, a burguesia 
que, detendopoder econômico a partir das grandes navega­
ções, também desejavam alcança o poder político.
É momento inspirador de transformações, quando do 
iluminismo e renascentismo, da revolução francesa, da in­
dependência das treze colônias inglesas da América do Nor­
te, do surgimento de Cartas Constitucionais que limitam o 
poder, distribuindo competências, estabelecendo modos para 
alcançá-lo e declarando os direitos individuais. Com o sur­
gimento destes movimentos, o parlamento deixa de ser 
bastiões de privilégios, como câmaras reservadas para a aris­
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
tocracia e o alto clero, para ser composto por representantes 
realmente eleitos pelo povo.
Registre-se, por interessante, que Robert A. Dahl, pro­
fessor da Universidade Americana de Yale, autor de Sobre a 
Democracia enumera cinco critérios para a identificação de 
um sistema democrático: participação efetiva de todos os 
membros da sociedade política, igualdade de voto, entendi­
mento esclarecido, controle do programa de planejamento e 
inclusão dos adultos^ com o pleno direito de cidadãos implí­
citos no primeiro dos critérios.
Deste mesmo autor, são apresentadas vantagens que tor­
nam a democracia mais desejável que qualquer outra alter­
nativa, a saber: a democracia ajuda a impedir o governo de 
autocratas cruéis e perversos, garante aos cidadãos uma série 
de direitos fundamentais, inclusive liberdade individual mais 
ampla, proteção dos interesses fundamentais das pessoas e 
exercício da liberdade de autodeterminação; somente um 
governo democrático pode proporcionar uma oportunidade 
máxima do exercício da responsabilidade moral, a promo­
ção do desenvolvimento humano, um grau relativamente 
alto de igualdade política; e, na ótica global, a relação pacífi­
ca entre as modernas democracias representativas, aliada a 
uma maior prosperidade^^
A pedra angular da democracia é a igualdade. Assim, a 
Declaração da Independência dos Estados Unidos, em 1776, 
que teve em Thomas Jefferson seu principal autor, funda­
menta-se na assertiva seguinte:
® DAHL, Robert A. Sobre a Democracia: tradução de Beatriz Sidou. Brasília; Editora 
Universidade de Brasília, 2001. p.49
m e in .p . 73
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Consideramos evidentes as verdades de que todos os ho­
mens foram criados iguais e que todos são dotados pelo Cri­
ador com certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a 
liberdade e a busca pela felicidade.
O autor francês Aléxis de Tbcqueville destaca que a igual­
dade de condições na América era cada vez maior em rela­
ção à Europa, ao nível de tê-la como
um fato providencial, dotado de todas as características de 
um decreto divino: é universal, é permanente, escapa sem­
pre a qualquer interferência humana; todos os acontecimen­
tos e todos os homens contribuem para seu progresso^’.
Apresentados os contornos da origem e dos pressupostos 
da democracia, passa-se ao importante tema sobre quais insti­
tuições políticas são necessárias a uma democracia em grande 
escala. Para Robert A. Dahl, na mencionada obra, instituições 
M são práticas reiteradas de um determinado sistema político. As 
práticas são arraryos políticos reiteradamente exercitados. As­
sim, um governo democrático carece das seguintes instituições 
políticas: funcionários eleitos, eleições livres, justas e freqüen­
tes, liberdade de expressão, fontes de informação diversificada, 
autonomia para as associações e cidadania inclusiva.’^
Como se vê, as eleições livres, justas e freqüentes são 
indispensáveis à democracia, isto para implementar a igual­
dade política ou assegurar a todos os cidadãos “oportunida­
de igual e efetiva de votar e todos os votos devem ser conta­
dos como iguais”*^ , conforme salienta Robert A. DahI. Para 
o autor americano “livres quer dizer que os cidadãos podem
” T O C Q U E V ILL E , Aléxis. Democracy in America, v. 1. N ova York: Schocken 
Books, 1961. p. 71.
DAHL, Robert A. O b. Cit.p. 98-100.
Idem.p 109.
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o e l h o
ir às umas sem medo de repressão; para serem justas, todos 
os votos devem ser contados igualmente...se os cidadãos qui­
serem manter o controle final sobre o planejamento, as elei­
ções também devem ser freqüentes”’'^ .
II. 2 0 sujeito histórico da democracia
A democracia possui como sujeito histórico, o povo. Sem 
a legítima participação popular não há regime que se diga 
democrático. Como bem descreve Angela Vivanco
Para la teoria democrática, el pueblo - como conjunto de 
cidadanos - ejerce Ia soberania que reside em la nación toda, 
y desde este punto de vista, es em sus dacisiones em Ias que 
se encuentra el origem de toda autoridad. Em otras palavras, 
la capacidad de m ando dei gobernante y su titularidad, 
emanan precisamente de que es el pueblo el que há determi­
nado que él se encuentre allí.’®
Povo pode significar
1. conjunto de indivíduos que falam (em regra) a mesma 
língua, tem costumes e hábitos idênticos, uma história e tra­
dições comuns. 2. Os habitantes dum a localidade ou região; 
povoação.'^
Juridicamente, povo há de ser entendido como todos 
aqueles submetidos, em um determinado território, à mes­
ma ordem jurídica estatal e ao mesmo poder político, com 
faculdade de participar da vida nacional, integrando o corpo 
que decide os destinos da nação. O povo brasileiro são todos 
aqueles que vivem disciplinados pela Constituição e leis de 
nosso país, em território brasileiro, e que possuem a possi­
bilidade de participar da definição dos destinos nacionais.
'■* Idem , ibidem.
" VIVANCO. Ángela M . O h. Cit. p.307,
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. M ini Aurélio. Século XXI. 4a. edição. 
Ed. N ova fronteira. Rio d e Janeiro. 2001. pág. 549,
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
A democracia será tão mais legítima quanto maior e mais 
qualitativa for a participação do povo. A ampliação do contin­
gente de eleitores é medida que amplia a democracia. Hoje, 
no Brasil, o direito ao voto dos maiores de 16 anos e dos anal­
fabetos integra este esforço de consolidação do nosso país como 
uma das maiores democracias de massa do mundo.
Tal participação, entretanto, deve vir acompanhada do 
item qualidade, que pressupõe a consciente e livre definição 
da vontade política e do desejo de voto. Não é suficiente 
assegurar o direito ao voto direto e secreto. Faz-se necessá­
rio impedir o abuso de poder que impede ou dificulta a livre 
formação de opinião, desvirtuando a vontade popular e en­
fraquecendo a democracia.
A diminuição do número de analfabetos e a prolifera­
ção do hábito de leitura, acompanhado da ampla liberdade 
de expressão e informação, com os meios de comunicação 
não comprometidos com facções políticas, mas apenas com 
a divulgação dos fatos verídicos, são fatores fundamentais 
para a consolidação de uma democracia exercida com quali­
dade e consciência.
O povo, como sujeito histórico da democracia, possui a 
enorme responsabilidade de não permitir que seu voto seja ven­
dido como mercadoria ou que as eleições sejam tratadas como 
momento de obtenção de favores e benefício. Deve exercer o 
direito de escolher os seus representantes com convicção de 
que os eleitos melhor irão dirigir os negócios públicos, coman­
dar a máquina pública e definir os rumos nacionais, firmando o 
Brasil como potência respeitada no cenário internacional.
11.3 A Cidadania, a democracia e o abuso de poder
A cidadania constitui em um dos fundamentos da Re­
pública brasileira, consoante art. 1°, inciso II, da Carta Mag­
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
na Federal. Pode significar “condição de cidadão” ou seja 
“indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Esta­
do”’^ . Destaca-se do conceito de cidadania a qualificação dosparticipantes da vida do Estado, sendo um atributo das pes­
soas integradas na sociedade estatal, atributo político decor­
rente do direito de participar no governo e direito de ser 
ouvido pela representação.
Da cidadania derivam direitos, como o de votar e ser 
votado ou deveres, como os de observância das leis do Esta­
do e fidelidade à Pátria. A cidadania possui limites estipula­
dos pelo ordenamento jurídico, que determina seu conteúdo e 
seus pressupostos que deverão ser observados e seguidos pelos 
indivíduos que participam da sociedade.
Fácil depreender que a participação dos cidadãos na vida 
pública é imprescindível e inerente à democracia. As insti­
tuições democráticas são tão mais oxigenadas quanto maior 
a atuação da cidadania, evitando a burocratização do poder e 
o seu direcionamento a atendimentos de privilégios de pou­
cos em detrimento do interesse público. Neste sentido, a 
cidadania também possui importante papel no combate ao 
abuso de poder no processo eleitoral, contribuindo para a 
consolidação de uma autêntica democracia.
Assim é que desde a primeira Constituição do Brasil, 
outorgada por Dom Pedro I, em 25 de março de 1824, já
estava disposto, no art. 179, XXX, que
todo cidadão poderá apresentar por escrito ao Poder Legislativo 
e ao executivo reclamações, queixas ou petições, e até expor qual­
quer infração da Constituição, requerendo perante a compe­
tente autoridade a efetiva responsabilidade dos infratores.
” FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. O b. C it. Pág. 153.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Tal assertiva geral consta também na Constituição re­
publicana de 1891, que reconhece a quem quer que seja 
representar contra abuso de poder e promover a responsabi­
lidade de que o tivesse cometido, como disposto no art. 72, 
§9o. Este enunciado é repetido nas Constituições de 1934 e 
1946, sendo que esta última acrescenta a necessidade de for­
mular tal representação através de petição.
A partir da Constituição de 1967, seguida pelas Constitui­
ções de 1969 e 1988, os direitos de petição e representação são 
tratados como autônomos e desvinculados um do outro. Em 
matéria de abuso de poder no processo eleitoral, como se verá, 
a Lei Complementar n° 64, de 18 de maio de 1990, exclui o 
cidadão da legitimidade ativa para tal processo, reduzindo-a ao 
Ministério Público e aos candidatos, partidos e coligações.
Fávila Ribeiro defende a relevância da cidadania partici­
par ativamente da proteção dos pleitos eleitorais de práticas 
abusivas de poder. Para este notável jurista,
a Constituição que ampliou os instrumentos de combate ao 
abuso de poder e reabriu oportunidade para questionamen­
to do resultado eleitoral, depois do próprio diploma expedi­
do, por seu espírito estaria a convocar a qualquer cidadão a 
participar da peleja cívica contra o abuso de poder'®.
Para o professor de Governo e Estudos Internacionais na 
Universidade de Nortre Dame, Indiana, EUA, Fred Dallmayr,
a democracia não é apenas um a opção de regime dentre ou­
tras igualmente disponíveis em todos os momentos e luga­
res, mas mais propriamente constitui uma resposta a desafi­
os e a aspirações históricos.'^
'® RIBEIRO, Fávila. Abuso de Poder no D ireito Eleitoral. Editora: Forense, 1998.p. 
101 .
DALLMAYR, Fred, et ai. Democracia hojeinovos desafios para a teoria dem ocráti­
ca contemprânea/Jessé Souza (organizador). Brasília:Universidade de Brasília, 2001
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
Esta realização contínua da democracia é que lhe dá su­
porte e existência. Tal somente é possível com a ativa partici­
pação da cidadania, inclusive no combate do abuso de poder 
nas eleições, fator impeditivo do avanço democrático.
Refletindo sobre democracia e seu inegável vínculo his­
tórico, principalmente no início de sua trajetória, com o li­
beralismo, este notável mestre ressalta as
lúcidas considerações de Benjamin Constant (Da liberdade 
dos antigos comparada à dos modernos) e Isaiah Berlin (Dois 
conceitos de liberdade) acerca da especificidade irredutível 
da idéia de liberdade ju n to aos modernos. (...) o amor des­
medido dos modernos, um am or ausente jun to aos antigos, 
à independência pessoal ante a coletividade, a privacidade de 
uma vida em larga medida alheia daquilo que se passa em 
âmbito dessa coletividade^.
Ressalta o mencionado professor, porém, que concor- 
dar com tal assertiva não significa “compartilhar com ele a 
mesma atitude moral de uma benévola aprovação ante aqui­
lo que está sendo empiricamente constatado”. E, mais, “o 
amor à liberdade pode, naturalmente, vir acompanhado do 
amor a igualdade - Tocqueville dizia que nas sociedades de­
mocráticas ambos podiam estar presentes”. Assim, existe “um 
reforço mútuo entre democracia e liberdade”.^ ’
A intervenção do Estado no combate ao abuso de poder se 
legitima no propósito de se obter a liberdade plena do direito de 
escolha dos cidadãos nas eleições. Aplica-se ensinamento pró­
prio do liberalismo político, que toma legítima a intervenção 
do poder público, no sentido de restringir ou limitar as liberda-
DALLMAYR, Fred, et al. Democracia Hoje. Novos desafios para a trajetória de­
mocrática contem prânea.Jessé Sousa (organizador). Brasília.:. Editora Universidade 
de Brasília, 2001, págs. 41 e 56.
Idem.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
des individuais, quando tal for necessário para assegurar a pró­
pria liberdade de todos os indivíduos.
É o que se busca com a defesa de eleições livres, isentas 
de práticas viciadas e abusivas, visando o cenário ideal de 
cada cidadão votar com o exclusivo compromisso com a sua 
própria consciência. A soma destas liberdades e deste votar 
consciente irá gerar a perfeita democracia sempre buscada.
A democracia digna desse batismo e fiel ao sempre con­
tínuo processo de aperfeiçoamento e evolução, exige seja 
posto fim ao abuso de poder como moeda de alcance da re­
presentação popular. Tratar o temacom especial atenção é 
função de toda a sociedade, em especial de sua parte organi­
zada. É chegada a hora da construção da grande aliança por 
eleições livres e legítimas.
III. 0 estado democrático de direito 
e 0 abuso de poder
O Estado brasileiro, por sua ordem constitucional, op­
tou pela democracia como regime político. Tal é fruto de 
uma ampla mobilização de atores sociais que, legitimados 
na aspiração da maioria, rejeitaram os regimes de força, como 
a ditadura militar. Assim, a resistência ao golpe de março de 
64, a organização estudantil, a campanha pela anistia dos pre­
sos e exilados políticos, o movimento sindicalista do ABC 
paulista, a atuação relevante de diversas entidades da socie­
dade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil e a As­
sociação Brasileira de Imprensa, a campanha das “Diretas 
Já”, a eleição de Tancredo Neves no colégio eleitoral e, 
destacadamente, a expressão engajada de diversos intelectu­
ais e artistas do país, em várias áreas do conhecimento, cons­
truíram um cenário propício à redemocratização.
A Constituição Federal de 1988, fruto desta movimen­
tação histórico-social, dispõe, já em seu art. 1°, que a Repú­
blica Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrá­
tico de Direito. De forma explicativa, o parágrafo único des­
se dispositivo assevera que “todo o poder emana do povo, 
que o exerce por meio de representantes eleitos ou direta­
mente, nos termos desta Constituição”.
Coerente com tais postulados, a Carta Magna, no capí­
tulo dos direitos políticos, aduz que “a soberania popular 
será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e se­
creto, com valor igual para todos”. (C.F. art. 14, caput). O § 
9° desse artigo apresenta a necessidade do ordenamento pro-
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
teger a normalidade e legitimidade das eleições contra a in­
fluênciado poder econômico ou o abuso do exercício de 
função, cargo ou emprego na administração pública. Seu 
§11 possibilita a impugnação do mandato obtido através de 
inaceitáveis práticas de abuso de poder, corrupção e fraude.
Todo esse arcabouçojurídico apresenta as bases fundamen­
tais para a construção de uma democracia na qual os ocupantes 
do poder político sejam legítimos representantes das aspirações 
populares. Tal somente será alcançado com a instituição de elei­
ções livres, sem desvios ou abusos, quando o exercício do direi­
to de voto é efetuado sem coerção direta ou indireta.
Assim, o povo deve escolher seus representantes no par­
lamento e no Executivo, tendo em vista critérios, como as 
propostas e projetos apresentados em campanha eleitoral, a 
folha de serviços prestados à comunidade, o preparo para o 
exercício do mandato, as posições políticas assumidas e, tam­
bém, o partido e coligação ao qual pertençam. Desse modo, 
os eleitos representarão legitimamente as aspirações da soci­
edade que representam.
As eleições fundadas em abuso de poder e uso da má­
quina administrativa são viciadas e deturpam a vontade po­
pular, gerando mandatários descomprometidos com os des­
tinos da sociedade, servidores de interesses inconfessáveis 
de grandes corporações econômicas e engajados na perpetu­
ação no poder de castas oligárquicas.
O exercício do poder pelos dirigentes somente é possí­
vel com o consentimento, expresso ou tácito, dos dirigidos. 
Assim expressa Alaôr Caffé Alves:
A dominação, para se apresentar como legítima, precisa apa­
recer como um serviço necessariamente pelos dominadores 
aos dominados, devendo estes envolver aqueles, de igual for­
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
ma e de modo espontâneo, esforço equivalente. N o processo 
do exercício do poder consentido, este se manifesta como uma 
constelação de interesses sociais reciprocamente pactuados^.
O exercício do poder nâo há de ser consentido por in­
termédio do abuso. A legitimação há de surgir da espontâ­
nea vontade da maioria social, respeitando as garantias das 
minorias. Inadmissível em pleno terceiro milênio a persis­
tência do poder como instrumento de opressão e privilégi­
os, quando a sua existência apenas se justifica enquanto afir­
mação da liberdade, dos direitos e da pacificação social.
Para Fábio Konder Comparato,
os mecanismos da democracia representativa são inaptos, por 
si sós, a desmontar o sistema institucionalizado de abuso e 
desvio de poder. Cometeríamos um erro funesto, se nos li­
mitássemos a concentrar nossos esforços de reforma política 
em alterações pontuais do sistema eleitoral ou partidário, ou 
na adoção de outra forma de governo. A oligarquia brasilei­
ra, retemperada por vários séculos de dominação absoluta, 
adapta-se sem maiores dificuldades a qualquer sistema elei­
toral, a qualquer forma de governo” (Discurso por ocasião 
do recebimento da Medalha Rui Barbosa, ocorrida na aber­
tura da XDC Conferência Nacional dos Advogados, Floria­
nópolis, SC, pág. 11).
A democracia pressupõe legitimidade no exercício do 
poder. O espaço democrático será consolidado e ampliado, 
em quantidade e qualidade, com um processo eleitoral que 
permita a livre escolha dos representantes, legitimando os 
dirigentes dos poderes do Estado, com a criação de meca­
nismos que inibam ao máximo possível a adaptação dos que 
se perpetuam no poder com práticas lesivas e abusivas con­
tra a consciência popular.
^ ALVES, Alaôr Caffé. Estado e ideologia: aparência e realidade. São Paulo: Brasiliense. 
1987, p. 195-196.
IV. 0 Direito Eleitoral como 
regulação do método democrático 
de legitimação do poder
Max Weber^ fala da existência de “três tipos de domi­
nação, de acordo com a sua legitimação, ou seja, para cada 
espécie corresponde uma série de postulados que dão ensejo 
à permanência e a conservação do poder. Assim, tem-se, a 
dominação de tipo tradicional, a carismática e a racional- 
legal.” Evidente que há uma interdependência dessas espé­
cies que ora são distinguidas com efeito didático. Não exis­
te, pois, um sistema puro.
A dominação tradicional é aquela baseada nos princípi­
os herdados dos antepassados, cuja continuidade seria sinal 
de justiça; como ocorre na relação entre súditos e reis.
A dominação carismática é a que se fundamenta nos atri­
butos pessoais de um herói, profeta ou demagogo, para con­
duzir os destinos da sociedade.
Já a dominação racional-legai possui a legitimidade 
centrada na lei impessoal, formalizada segundo procedimen­
tos previamente estipulados e obedecendo aos valores da so­
ciedade. Assim, a lei somente é legítima quando o povo se 
reconhece como seu autor ou seu sujeito, não apenas seu 
objeto. O voto livre é a condição e a ponte necessária para a 
sociedade se sentir autora dos atos do poder público, inclu­
sive e principalmente das leis que regem o conjunto social.
WEBER, Max. Economia e sociedade. México: TL, 1969.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
A lei, fruto da deliberação de representantes eleitos li­
vremente é legítima, pois o povo é seu sujeito e, desse modo, 
pronto estará para ser seu objeto, ou seja, cidadão apto a re­
conhecer e cumprir o comando expressado pela norma.
Nesse ponto, bem faz reflexão Clémerson Cleve ao as­
severar que
somente a lei distanciada das vontades pessoais do arbítrio 
pode-se chamar de lei. Esta é a manifestação de um poder 
político conformado às limitações impostas pela vontade po­
pular. A legitimidade legalizada e a lei legitimada; eis os fun­
damentos do Estado Democrático de Direito.
Imprescindível se toma o método democrático como pro­
cesso de legitimação da legalidade e, portanto, dos atos do poder.
Antigamente, o poder era garantido, a ordem mantida e 
a dominação consentida através dos mitos, de deuses e pro­
fetas. N o mundo atual, os mitos são povo, representação e 
maioria. Nesta tríade está a garantia da ordem estabelecida. 
O Direito Eleitoral, que é relativamente recente, em se con­
siderando a história da humanidade, possui a função de re­
gulamentar o método ou o procedimento democrático de 
legitimação do poder político.
Falhando o direito eleitoral, falha o procedimento legitimador, 
esmorecem os canais de comunicação entre a ação do Estado e a 
vontade popular, aparecem as ‘crises políticas’. Bem elaborado 
o direito eleitoral e suas instituições, serão mais estreitas as dis­
tâncias que separam o poder da massa dos cidadãos.^^
O voto livre, cidadão e consciente, possibilitado pelo 
método democrático, é conditio sine qua non para a legitima­
ção do exercício do poder, transformando o povo em sujeito 
de sua própria história.
CLEVE, C lém erson M erlin. Temas de direito constitucional e de tcoria do direito. 
São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 87.
V. 0 abuso de poder 
em suas diversas vertentes
O poder possui as vertentes cultural, social, econômica 
e política. Todas podem interferir indevidamente no pro­
cesso eleitoral, desfigurando a democracia. Essa classifica­
ção é apresentada com precisão por Fávila Ribeiro, na obra 
Abuso de Poder no Direito Eleitoral.
Na vertente cultural, destaca-se o poder dos grupos so­
ciais que possuem a função de disseminar o saber, de inter­
pretar o mundo e as idéias, de apresentar os valores sociais. 
Essa intelligentsia pode trazer consigo favorecimento ou dis­
criminação. Esse tipo de poder age de forma sutil e discreta, 
sem merecer a devida apreensão de sua importância vital. A 
visão que surge desses grupos formadores de opinião pode­
rá vir a ser tida como a única verdade possível para a maioria 
do povo, gerando a denominada ideologia dominante. As­
sim, no Brasil, é verdade tida e havida que a propriedade 
privada é intocável, porque essa é a visão dominante, difun­
dida pelos mencionados grupos.
Michel Foucault,a propósito, bem diz que
a verdade é deste m undo; ela é produzida nele graças a m úl­
tiplas coerções e nele produz efeitos regulamentados pelo 
poder. Cada sociedade tem o seu regime de verdade, sua po­
lítica geral de verdade; isto é, os tipos de discurso que ela 
acolhe e faz funcionar como verdadeiros; os mecanismos e 
as instâncias que perm item distinguir uns dos outros; as téc­
nicas e os procedimentos que são valorizados para a obten­
ção da verdade; o estatuto daqueles que têm o encargo de 
dizer o que funciona como verdadeira.^^
^ FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. 9 ed., Rio de Janeiro: Graal, 1990, p. 12.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Com absoluta compreensão da realidade, acrescenta 
Michel Foucault: “A verdade está circularmente ligada a sis­
temas de poder, que a produzem e a apoiam, e a efeitos de 
poder que ela induz e que a reproduzem.
A verdade proposta pelos cen tros in telectuais é 
acobertada pelo mito da neutralidade política, baseando-se 
em razões técnicas ou científicas. Com essa autoridade, ani­
quila quem ousa discordar das proposições tidas como ab­
solutas. A educação elitista e o monopólio do saber e do co­
nhecimento integram os elementos desse tipo de poder que 
pode desvirtuar a real vontade eleitoral de um povo.
N a vertente social, ressalta-se o relevante poder da co­
municação de massa, lidando com a opinião publica que, 
por mais das vezes, nada mais é do que a opinião publicada. 
Os instrumentos de comunicação social, destacadamente rá­
dio, televisão e jornais, são propriedades de determinados gru­
pos ou setores, possuidores de interesses próprios que certa­
mente irão influenciar o conteúdo de sua programação. Possu­
em inegável contribuição para a divulgação de informações, mas 
tem em si uma grande capacidade de desvirtuar o processo elei­
toral. Com efeito, conforme ensina Fávila Ribeiro^:
não há poder, como tal, que possa prescindir de controle, 
deixando ao vácuo o sistema de defesa dos interesses coleti­
vos, pois é próprio de sua natureza expandir-se o quanto seja 
tolerado.
As vertentes econômica e política, entretanto, é que têm 
suscitado no ordenamento jurídico nacional a sistemática de 
controle de abusos de natureza eleitoral. As normas eleito­
rais destacam essas duas modalidades abusivas. Para o mes-
FO U C A U LT, op.cit., p. 14, 
C f RIBEIRO, 1993. p. 48.
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o é l h o
tre de sempre Fávila Ribeiro, o adequado seria a previsão 
normativa de combate a toda c qualquer forma de abuso de 
poder, o que, a rigor, deve ocorrer, efetuando-se uma inter­
pretação sistemática. Diz o doutrinador que “o sentido lite­
ral das normas não é capaz de inibir o sentido amplo da 
ilicitude eleitoral, sendo aplicáveis as sanções previstas para 
abusos de todo e qualquer tipo de poder.
Na vertente econômica, o abuso de poder se caracteriza 
com a interferência direta desse tipo de vantagem direcionada 
a influir no resultado das eleições. Veda-se a utilização da 
riqueza como requisito para a obtenção de vitória eleitoral. 
O mandato deve ser disputado com a verificação de critérios 
como a lista de serviços prestados, obras realizadas em favor 
da comunidade, autenticidade da liderança política, persua­
são no plano das idéias, projetos defendidos, convicções apre­
sentadas, companhias políticas, jamais por critério econômico.
A influência do poder do dinheiro afasta da vida pública 
diversas lideranças autênticas e, os que permanecem, com bas­
tante freqüência, sem generalizações impróprias, costumam 
ceder aqui ou acolá a algum tipo de desvio no uso do poder 
econômico, até para garantir sua sobrevivência política. É dizer, 
está cada vez mais difícil a vitória eleitoral baseada em idéias e 
convicções, pautada na força da palavra e do argumento,
A própria propaganda eleitoral, em rádio e televisão, atra­
vés de outdoors, cartazes e camisas, com brindes permitidos 
em lei, como chaveiros e bonés (elementos que encarecem a 
campanha), permitiam uma diferenciação em favor do po­
derio econômico. A mini-reforma eleitoral, aprovada em 
2006, diminuiu tal impacto, consoante comentário no capí­
tulo XVIII dessa obra.
RIBEIRO, op. cit., p. 57.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Além disso, mais grasso e vergonhoso é a utilização do 
dinheiro para a compra direta da vontade popular, aplican­
do-se o V dando que se recebe". A compra do voto, com a dis­
tribuição de dinheiro ou a entrega ou promessa de entrega 
de bens ou vantagens pessoais, transforma o voto, que é di- 
reito-dever do cidadão, em mercadoria.
O abuso do poder econômico funciona, às vezes, no pró­
prio processo de escolha partidária dos candidatos. As con­
venções partidárias podem sofrer a nefasta influência dessa 
prática abusiva. O partido político, por outro lado, poderá se 
aproveitar de sua aproximação com grandes grupos econô­
micos para obter maior capitalização, no sentido econômico 
do termo, utilizando-se dessa vantagem comparativa para 
aplicar o dinheiro a mais, que possui na campanha, tanto 
para atividades excessivas de propaganda quanto para a com­
pra direta do voto. Tal prática indevida pode, também, ser 
exercida pelo próprio candidato ou seus seguidores, às vezes 
com desconhecimento oficial da máquina partidária.
O poder econômico possui elementos de influência, in­
clusive, sobre o poder político, social e cultural. Daí seu efeito 
devastador, cerceando a liberdade do voto, sendo essa m o­
dalidade de abuso, de dano inestimável à democracia e ao 
próprio Estado de Direito.
Tal prejuízo faz-se no presente, mas traz conseqüências 
negativas para a futura história do país, não somente no pla­
no político como nos aspectos sociais, econômicos e cultu­
rais. U m político eleito com base no poder econômico não 
se sente obrigado a prestar contas de suas ações, no exercício 
do mandato, aos eleitores, devendo obediência apenas aos 
inconfessáveis interesses dos grupos que o financiaram. A 
educação e a saúde para o povo, por exemplo, deixam de ser
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o é l h o
prioridade, transformando-se em meras promessas não cum­
pridas de campanha.
Debilitado por ausência de condições mínimas de sub­
sistência, com a fome e o desemprego, pela estagnação eco­
nômica gerada também pela falta de compromisso dos man­
datários com a sociedade que o elegeu, o povo permanece 
sendo alvo fácil para o alcance do poder econômico nas elei­
ções. Esse é o círculo vicioso da corrupção eleitoral. Triste a 
história de um país no qual seu povo ainda não conquistou a 
independência de votar livremente, exercendo com altivez a 
soberania popular.
Na vertente política, o poder poderá ser utilizado na cam­
panha eleitoral tanto na forma institucional quanto de for­
ma socialmente difusa. Institucionalmente, o poder se faz 
tendo o Estado como elemento central da prática ilícita, uti­
lizando-se do monopólio da coação, da edição de normas e 
prestação de diversos serviços essenciais à população. Por 
ação ou omissão, o Estado poderá, de forma indevida, ser 
utilizado para favorecer candidaturas ou para permitir con­
dutas indevidas de conquista do voto. Os serviços por ele 
prestados e as obras realizadas são vinculados a determina­
dos candidatos, que constituem as opções eleitorais do po­
der político dominante. Tal prática desnivela as diversas can­
didaturas, sendo conduta vedada.
A influência política indevida pode advir, também, do 
próprio processo interno nos partidos políticos de escolha 
das candidaturas. A ausência de processos democráticos in­
ternos para tal seleção costuma trazer como conseqüência o 
lançamento de candidaturas mais próximas do círculo de 
poder, ao invés de pessoas que possuam liderança real e par­
ticipação efetiva na vida partidária.
E l e i ç õ e s- A b u s o d e P o d e r
Essa é uma forma de abuso de poder político socialmente 
difuso, que também ocorre pela influência indevida de or­
ganizações sociais que recebem favores do poder público ou 
contribuições obrigatórias, ou, ainda, são financiadas por 
entidades internacionais.
Conseqüência do abuso de poder político é o predomínio 
de oligarquias, com a permanência do mesmo grupo político 
no poder. Seu antídoto é a alternância no poder, própria da de­
mocracia, que traz consigo a oxigenação da máquina pública e 
maior dínamização na condução dos negócios do Estado.
A descentralização administrativa e a democratização 
interna dos partidos são imprescindíveis na contenção do 
abuso de poder político. Com mais agentes participando das 
deliberações governamentais e partidárias, menor a concen­
tração de poder e menos possível se torna seu uso indevido 
em campanhas eleitorais.
O controle do uso dos meios de comunicação, com re­
gras claras de condutas vedadas, assegurando um tratamen­
to isonômico entre as candidaturas, também constitui fator 
fundamental para a construção de eleições livres.
Evidente que os poderes econômicos e político cami­
nham juntos e, não raramente, os abusos desses dois tipos 
de poder ocorrem em concomitância. Explica o autor fran­
cês Jean Lhomme que
a capacidade de exercer o poder econômico depende freqüen­
temente da aquisição prévia do poder político, porque este 
último permite a seu detentor efetivar as mudanças da or­
dem jurídica que conduzirão à aquisição do poder econômi-
L H O M M E , Jean. Pouvoir e t societé econom ique. Paris: Editions Cujas, 1966, p.
M a r c u s V i n í c i u s F u r t a d o C o ê l h o
O abuso de poder na campanha eleitoral se constitui, 
certamente, na semente que faz nascer a corrupção na ad­
ministração pública, aliás provocada por tal corrupção. Pode- 
se dizer, pois, que o primeiro é causa e efeito da segunda. 
Q uem investe de forma abusiva em uma campanha tentará 
obter as devidas compensações durante o exercício do man­
dato. Surgem os favores e os privilégios; os negócios espúri­
os; as licitações fraudulentas; as compras direcionadas; as 
obras fantasmas; tudo para justificar os desvios de recursos 
com a finalidade de beneficiar o grupo que foi o investidor 
da candidatura. Por outro lado, tal prática delituosa com a 
administração é feita pensando na próxima campanha elei­
toral, formando-se a famosa ‘caixinha’ de campanha por in­
termédio da corrupção administrativa. Forma-se assim um 
círculo vicioso de condutas indevidas, ilegais e criminosas.
Com efeito, o interesse de grandes corporações nas po- ^ 
líticas públicas aumenta quanto maior for a intervenção do 
Estado na economia. Para Ralph Miliband,
Sempre que o Estado intervém, verificar-se-á que os homens 
de negócio, em uma posição excepcionalmente forte se com­
parada com outros grupos econômicos, influenciam e até 
mesmo determinam a natureza daquela intervenção.^
O Estado, por seu turno, não pode parar de interferir na 
economia, no sentido de regulá-la, para evitar a formação de 
cartéis e outras práticas monopolistas que inviabilizam as leis 
de mercado, afastando a concorrência e prejudicando a eco­
nomia popular. Também não pode o Estado parar de realizar 
as obras e prestar os serviços necessários à melhoria da quali­
dade de vida do povo e a consecução de infra-estrutura mínima 
para o desenvolvimento econômico e progresso social.
M ILIBA ND , Ralph. O Estado na sociedade capitalista. Rio de Janeiro: Zahar, 1972, 
p. 78.
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Assim, a saída para o fim de abusos não está no fim do 
Estado, por absurdo, mas na construção de um arcabouço 
legislativo capaz de regulamentar a atuação do Poder Públi­
co e a atuação do Judiciário e demais operadores do Direito 
na contenção e punição de tais práticas.
O abuso de poder somente será combatido com a firme 
e decidida participação engajada da cidadania, diretamente 
ou através de organizações civis, como associações, para fis­
calizar e denunciar a ocorrência de abusos, comunicando- 
os aos órgãos competentes, quais sejam, o Ministério Públi­
co Eleitoral e a Justiça Eleitoral. Nesse sentido, os partidos 
políticos e coligações, além dos próprios candidatos, tam­
bém possuem importante papel fiscalizador, podendo eles 
próprios, diretamente, iniciar o processo judicial visando à 
proibição de práticas abusivas ou a punição de candidatos 
que efetuarem tais práticas ou delas foram beneficiados.
Percebe-se que a comunidade reage cada vez mais para 
não ser tida e utilizada como massa de manobra ou como 
m era leg itim adora do acesso ao poder de políticos 
inescrupulosos. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 
e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil 
realizam, para cada eleição, convênios no sentido de partici­
par ativamente desse processo de fiscalização e contenção 
do abuso de poder. A cidadania é, pois, o remédio eficiente 
para a construção de uma democracia real, com eleições li­
vres, isentas de condutas abusivas que desvirtuam a forma­
ção da vontade do povo no momento do voto.
VI. 0 abuso de poder no direito eleitoral
É possível conceber o poder como a faculdade de impor 
sua vontade a outrem. É um fenômeno da vida de relação 
entre os homens. Como ensina Fábio Konder Comparato, 
poder “é um fenômeno da vida de relações hierárquicas”.^ ^
Desse modo, em sociedade de plena igualdade em todos os 
setores, não seria próprio falar em poder. Diz mais o mestre, 
após dissertar sobre a força como uma conotação quase in­
dispensável do poder, que “todos reconhecem que o exercí­
cio de uma imposição se presta ao abuso”.^ ^ Para a força 
existe um outro componente do poder: a autoridade, ou seja 
“a influência determinante sobre o comportamento de ou­
trem, em razão do prestígio, do conhecimento técnico ou 
científico, da habilidade ou experiência, do carisma”.^ ^
O direito impõe-se pelo poder, no entanto entre as suas 
missões basilares está a contenção ou regulação do uso do po­
der, que apenas é lícito quando destinado a cumprir os fins do 
Estado, a obtenção de harmonia social e o bem de todos. No 
clássico Espírito das Leis, Montesquieu já advertia que
“temos, porém , a experiência eterna de que todo hom em 
que tem em mãos o poder é sempre levado a abusar do mes­
mo; e assim irá seguindo, até que encontre algum limite. E 
quem o diria, até a própria virtude precisa de limites.
COM PA RATO, Fábio Konder. Educação, Estado e poder. São Paulo: Brasiliensc, 
1987, p. 13.
COM PA RATO, opxit-, p. 16.
" COM PA RATO, idem, p. 17.
M O N T E S Q U IE U , Charles de Secondat. D o espírito das leis. São Paulo: M artim 
Cloret. Brasil, 1960, p. 42
E l e i ç õ e s - A b u s o d e P o d e r
Apenas com as limitações do exercício do poder é que 
se contêm as práticas abusivas, fazendo subsistir a liberdade 
e a ordem democrática.
Na visão do direito privado, abuso é o uso ilícito de po­
deres ou faculdades; é possível se fazer tudo o que a lei não 
proíbe. N o direito público, ao contrário, somente é possível 
realizar o que a lei permite e o extrapolar dessa autorização 
legal significa abusar do poder.
E celebre a observação da Caio Tácito, segundo a qual 
“não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a 
norma de direito. A competência é, sempre, um elemento 
vinculado, objetivamente fixado pelo legislador.^^ O abuso 
de poder extrapola a competência do agente.
N o direito eleitoral, consoante leciona Fávila Ribeiro,
a problem ática do abuso de poder não pode ficar nos 
confinamentos públicos ou privados, tendo que transpor es­
sas linhas em busca de apoios mais abrangentes que pene­
trem a fundo nas circunstâncias concretas da realidade con­
temporânea, para que o regime democrático representativo 
tenha uma escorreita

Outros materiais