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1
FISIOLOGIA DO MÚSCULO ESQUELÉTICO 
 
Andréa S. Torrão e Luiz R. G. Britto 
 
INTRODUÇÃO GERAL 
Uma das grandes conquistas evolutivas, principalmente no que diz respeito 
aos vertebrados, foi a possibilidade de se locomover e assim explorar territórios 
novos e cada vez maiores. Essa aquisição possibilitou, entre outras vantagens, 
uma maior interação entre indivíduos de uma mesma espécie, a busca por abrigos 
seguros, a fuga de predadores e um repertório mais variado no comportamento 
alimentar. A espécie humana, em particular, adquiriu com a postura bípede a 
possibilidade de utilizar as mãos para as mais diversas atividades, como 
confeccionar utensílios para as tarefas diárias. Além disso, os movimentos 
precisos das mãos possibilitaram o desenvolvimento da escrita e juntamente com 
os da face, criou todo um repertório sofisticado de comunicação que é um dos 
exemplos mais complexos de interação social. A execução de movimentos, 
comportamentos que podem ser dos mais simples como o reflexo miotático patelar 
gerado quando se percute um martelo no tendão do joelho, ou dos mais 
complexos como o de tocar uma peça ao piano que exige movimentos 
coordenados e precisos, é vista como a principal resposta do sistema nervoso a 
uma série de sinais neurais, periféricos e centrais, e que será vista neste capítulo 
em termos de contração muscular. 
 2
O sistema motor somático apresenta, além do próprio músculo esquelético, 
vários elementos neurais que controlam e planejam as várias etapas do processo 
que culmina com a contração muscular. Esses elementos, que apresentam 
caraterísticas e funções específicas, podem ser classificados como efetuadores 
(músculos esqueléticos), ordenadores (motoneurônios da medula espinhal e do 
tronco encefálico), controladores (cerebelo e núcleos da base) e planejadores 
(córtex motor). 
Neste capítulo trataremos mais especificamente do elemento efetuador, o 
músculo estriado esquelético, que possui em sua estrutura uma organização de 
proteínas contráteis capazes de deslizar umas sobre as outras, promovendo o 
encurtamento (contração) da fibra muscular e gerando o movimento. É importante 
mencionar que a contração muscular pode servir a outros propósitos, como os 
calafrios, que podem aumentar por até 5 vezes a produção de calor muscular, 
sendo assim fundamental na homeostase térmica. 
A contração muscular é o resultado de uma sequência de sinalização 
molecular iniciado por potenciais de ação em um motoneurônio que leva à 
liberação de um neuromediador na região de contato entre o neurônio e o 
músculo. Esse neuromediador interage então com receptores específicos 
presentes na membrana da célula muscular, o que leva posteriormente a ativação 
de proteínas do citoesqueleto. Assim, dizemos que a célula muscular é excitável 
como os neurônios, ou seja, sofre variações de suas propriedades elétricas 
promovidas pelo potencial de ação. 
Antes, porém, de descrevermos os eventos moleculares da contração 
muscular esquelética que se inicia com um impulso nervoso gerado em um 
 3
motoneurônio que estabele sinapse com uma fibra muscular, precisamos entender 
um pouco dessa região de contato entre neurônio e músculo, uma estrutura 
denominada junção neuromuscular. 
 
 
A JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 
 
A junção neuromuscular, como o próprio nome diz, é a região de contato 
entre o terminal axônico de um neurônio motor pré-sináptico (motoneurônio) que 
se divide em vários ramos e uma região especializada da fibra muscular pós-
sináptica denominada de placa motora. (Figura 11.1aKandelpg.188) Em geral, 
cada fibra muscular é inervada por apenas um axônio, o que faz dessa sinapse 
um exemplo simples e muito útil no entendimento da transmissão sináptica 
química, mas um mesmo motoneurônio pode inervar um grande número de fibras 
musculares. A fibra nervosa e a(as) fibra(s) muscular(es) por ela inervada(s) 
formam uma unidade motora. Cada ramo desse axônio motor, que não é 
mielinizado na região próxima à fibra muscular, apresenta diversas varicosidades 
chamadas botões sinápticos que contêm os componentes relacionados à 
liberação do neuromediador. Esses componentes incluem um grande número de 
vesículas cheias do neuromediador acetilcolina (ACh), de mitocôndrias e de 
canais de Ca2+ dependentes de voltagem, fundamentais para a os processos de 
fusão das vesículas com a membrana pré-sináptica e liberação do neuromediador, 
e regiões especializadas da membrana (zona ativa) relacionadas à liberação 
vesicular do neuromediador. 
 4
A fenda sináptica existente entre as membranas pré-sináptica (do axônio 
motor) e pós-sináptica (da fibra muscular) tem aproximadamente 100nm, uma 
distância muito maior quando comparada àquela das sinapses do sistema nervoso 
central de 20-40nm. Na fenda existe uma membrana basal composta por várias 
proteínas da matriz extracelular que contém ancorada às suas fibrilas de colágeno 
a enzima de degradação da ACh, a acetilcolinesterase, que é sintetizada tanto 
pelo terminal axônico pré-sináptico como pela fibra muscular pós-sináptica e que 
hidrolisa rapidamente o neuromediador. 
Os botões sinápticos do axônio motor, por sua vez, estabelecem contato com 
a região da placa motora que apresenta invaginações profundas da membrana, as 
dobras juncionais. A crista dessas dobras apresentam grandes quantidades de 
receptores de acetilcolina do tipo nicotínico (cerca de 10.000 receptores/µm2!) e as 
regiões mais profundas das dobras são ricas em canais de Na+ dependentes de 
voltagem. (Figura 11.1bKandelpg.188) Os receptores de acetilcolina do tipo 
nicotínico (AChRs) são macromoléculas constituídas de cinco proteínas 
organizadas ao redor um canal iônico que atravessa a membrana celular e que 
contém os sítios de ligação da ACh, ou seja, o próprio receptor é o canal iônico. 
(FIGURA 11.13Kandelpg200) 
 
 
A TRANSMISSÃO SINÁPTICA NA JUNÇÃO NEUROMUSCULAR 
 
 5
O potencial de ação que atinge o terminal axônico motor promove a abertura 
dos canais de Ca2+ dependentes de voltagem presentes nos botões sinápticos e o 
influxo desse íon inicia uma sequência de eventos bioquímicos que leva à fusão 
das vesículas contendo ACh com a membrana pré-sináptica e liberação do 
neuromediador na fenda sináptica. Cada vesícula contém aproximadamente 
10.000 moléculas de ACh, que quando liberada na fenda sináptica se difunde 
rapidamente em direção aos receptores da membrana pós-sináptica. Nem todas 
as moléclulas de ACh, porém, se ligam aos receptores porque dois processos de 
remoção do neuromediador da fenda atuam rapidamente. Uma parte desse 
contingente de moléculas de ACh se difunde para fora da fenda e outra parte é 
rapidamente hidrolisada pela acetilcolinesterase. As moléculas de ACh que 
alcançam a membrana pós-sináptica se ligam aos receptores e a ligação desse 
neuromediador com os receptores nicotínicos na membrana pós-sináptica 
muscular promove uma movimentação coordenada de cada uma das proteínas 
que constituem esses receptores. Uma vez que o receptor contém dois sítios de 
ligação do neuromediador, acredita-se que sejam necessárias duas moléculas de 
ACh para promover a abertura do canal do receptor. Essa mudança 
conformacional da macromolécula receptora resulta na abertura do canal formado 
em sua região central e permite o influxo de íons Na+ e o efluxo de íons K+, 
levando a uma despolarização da membrana da placa motora. Esse potencial pós-
sináptico excitatório na célula muscular é chamado de potencial da placa motora. 
O potencial da placa motora gerado pela abertura dos receptores de ACh é o 
resultado do fluxo de íons Na+ e K+ através do mesmo canal, diferente do 
observado para canais iônicos dependentes de voltagem que apresentam uma6
seletividade a íons. Isso talvez se explique pelo fato de que o diâmetro do canal do 
receptor nicotínico da ACh é muito maior do que de canais iônicos dependentes 
de voltagem, formando um ambiente repleto de água que permite, assim, o fluxo 
dos dois cátions. Além disso, estudos eletrofisiológicos realizados na placa motora 
mostraram que o potencial da membrana no qual a corrente iônica é zero, ou seja, 
no qual se estabelece um equilíbrio entre os fluxos iônicos, difere daquele 
esperado para o íon Na+. O valor encontrado para o potencial da placa motora 
parece mais refletir uma combinação dos potenciais de equilíbrio dos íons Na+ e 
K+. 
O potencial da placa motora foi estudado em detalhes por Paul Fatt e 
Bernard Katz na década de 50 do século passado, que realizaram registros 
intracelulares de voltagem. Ele apresenta uma amplitude de cerca de 70mV 
(passa de -90mV no potencial de repouso para -20mV com a despolarização) com 
a estimulação de uma única fibra e que é restrito à região da placa motora, 
decaindo progressivamente com a distância. (FIGURA) Essa amplitude é muito 
grande quando comparada a amplitude de menos de 1mV dos potenciais pós-
sinápticos gerados na maioria dos neurônios no sistema nervoso central. O 
potencial pós-sináptico excita então as regiões vizinhas da placa motora mas 
ainda não é um potencial de ação. Porém, nas regiões mais internas das dobras 
juncionais, a membrana muscular é rica em canais de Na+ dependentes de 
voltagem, que quando ativados pela despolarização geram mais influxo de Na+, 
suficiente para ultrapassar o limiar da célula muscular, convertendo assim o 
potencial da placa motora em um potencial de ação no músculo que se espalha 
por todo a membrana da célula muscular. 
 7
 
 
A ESTRUTURA GERAL DA CÉLULA MUSCULAR ESQUELÉTICA 
 
Os músculos estriados esqueléticos são conjuntos de centenas ou milhares 
de células alongadas, multinucleadas, também chamadas de fibras musculares 
agrupadas em feixes e envoltas por uma cápsula de tecido conjuntivo. Esse tecido 
conjuntivo é mais rígido nas extremidades e forma os tendões que ligam os 
músculos aos ossos. Cada fibra muscular apresenta sua própria membrana celular 
(sarcolema) e é formada, por sua vez, por unidades menores chamadas miofibrilas 
onde estão as moléculas contráteis. As miofibrilas são cilíndricas, têm de 1 a 2 µm 
de diâmetro e são organizadas longitudinalmente dentro da fibra muscular. Cada 
miofibrila é envolta por uma especialização do retículo endoplasmático liso 
(retículo sarcoplasmático) que tem como principal função armazenar íons Ca++, 
que serão liberados no citosol durante o processo de contração muscular. Muito 
próximas ao retículo sarcoplasmático existem estruturas tubulares formadas pela 
invaginação do sarcolema, chamadas de túbulos transversos ou túbulos T, que 
contém canais de Ca++ dependentes de voltagem. O conjunto formado pelo túbulo 
T e os dois lados do retículo formam uma estrutura denominada tríade. É 
justamente na região da tríade que ocorre o acoplamento entre a excitação da 
membrana e os sinais químicos necessários à contração muscular. (FIGURA) 
Cada miofibrila é formada por conjuntos longitudinais de filamentos finos e 
grossos delimitados por bandas perpendiculares chamadas linhas Z, que 
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aparecem organizados em unidades repetidas (sarcômeros). É essa organização 
morfológica que confere ao músculo o aspecto estriado ao microscópio. Os 
filamentos finos e grossos dos sarcômeros são justamente as proteínas contráteis, 
responsáveis pela contração muscular, portanto, poderíamos dizer que os 
sarcômeros são as unidades morfofuncionais do músculo esquelético. Os 
filamentos grossos contém principalmente moléculas de miosina e os filamentos 
finos contêm actina, tropomiosina e troponina. A miosina e a actina, juntas, 
representam aproximadamente 55% das proteínas do músculo. Os filamentos 
grossos e finos são também dispostos longitudinalmente nas miofibrilas, com uma 
distribuição simétrica e paralela. A molécula de miosina é grande e complexa, 
sendo formada por dois peptídeos enrolados em hélice. Em uma de suas 
extremidades, mais próxima da linha Z, a miosina apresenta uma saliência 
globular ou cabeça que possui enzimas ATPases, sítios específicos de ligação 
com moléculas de ATP e tem, portanto, atividade ATPásica. É nessa porção da 
molécula também que se encontra o local de combinação com a molécula de 
actina. A molécula de actina é longa e formada por duas cadeias de monômeros 
globulares torcidas uma sobre a outra em hélice dupla. Cada monômero de actina 
globular possui uma região de combinação com a molécula de miosina. Os 
filamentos finos contêm ainda moléculas de tropomiosina e troponina associados 
aos de actina. A molécula de tropomiosina é longa e fina, contendo duas cadeias 
polipeptídicas em α-hélice enroladas uma na outra e que se unem pelas 
extremidades para formar filamentos longos que se enrolam ao longo dos dois 
filamentos globulares de actina. Cada molécula de tropomiosina contém um local 
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específico onde se localiza uma molécula de troponina associada e que é na 
verdade um complexo de 3 polipeptídeos globosos chamados de subunidades 
TnT, TnC e TnI. A subunidade TnT se liga fortemente à tropomiosina, a 
subunidade TnC apresenta uma alta afinidade por íons Ca++ e a subunidade TnI 
inibe a interação entre a actina e a miosina. 
Os sarcômeros apresentam, assim, em uma das extremidades delimitada 
pelas linhas Z, bandas claras constituídas de moléculas de actina, seguidas por 
faixas escuras contendo sobreposições de moléculas de actina e de miosina, uma 
região central contendo principalmente miosina (banda H) e novamente faixas 
escuras seguidas de bandas claras e, finalmente na outra extremidade, linhas Z. 
Vale lembrar que durante o processo de contração muscular, os filamentos 
grossos e finos mantêm seus comprimentos originais e, portanto, a contração 
(encurtamento) de um músculo é o resultado de um aumento da zona de 
sobreposição entre os filamentos. 
 Além disso, outras proteínas participam da organização dos filamentos 
miofibrilares como, por exemplo, filamentos de desmina que unem as miofibrilas 
umas às outras. O conjunto de miofibrilas é ainda ancorado ao sarcolema por 
outras proteínas como, por exemplo, a distrofina que liga os filamentos de actina 
às proteínas integrais da membrana plasmática. Nos últimos anos tem sido dada 
muita importância também a duas proteínas de elevado peso molecular, a titina 
(conhecida também por conectina) e a nebulina (antes conhecida como proteína 
da banda 3), que parecem ter papel fundamental na manutenção da estrutura e 
controle da elasticidade do sarcômero. Além disso, é sabido que mutações nos 
genes que codificam essas proteínas também estão envolvidos em doenças 
 10
neuro-musculares, como as alterações dos genes que codificam as chamadas 
proteínas “contráteis”. 
 
O ACOPLAMENTO EXCITAÇÃO - CONTRAÇÃO 
 
Conhecendo agora as estruturas da junção neuromuscular e do músculo 
esquelético propriamente dito, podemos descrever a sequência de eventos que 
levam à contração do músculo esquelético. 
Seja para um movimento reflexo ou para um mais elaborado que dependa de 
comandos superiores do encéfalo como os movimentos voluntários, os eventos 
que vamos descrever são os mesmos. 
Inicia-se com um potencial de ação no motoneurônio que acaba por liberar 
grandes quantidades de acetilcolina na fenda sináptica entre o neurônio e o 
músculo. A acetilcolina então se liga aos AChRs presentes nas dobras juncionais, 
que resulta na abertura do canal formado pelos próprios receptores. Essa abertura 
permite então o influxo de íons Na+ e Ca++ o efluxo de íons K+, causando umaalteração no potencial da membrana da célula muscular, uma hipopolarização. 
Esse potencial excitatório pós-sináptico na célula muscular, o potencial da placa 
motora, é suficiente para ativar rapidamente canais de Na+ dependentes de 
voltagem presentes nas porções mais profundas das dobras juncionais gerando 
mais entrada de íons Na+ e causando uma despolarização ainda maior que 
quando atinge o limiar da célula muscular gera um potencial de ação que se 
propaga ao longo da fibra muscular. A propagação desse potencial de ação na 
fibra muscular atinge então o interior dos túbulos T. 
 11
A despolarização atinge o interior dos túbulos T que contêm canais de Ca++ 
dependentes de voltagem do tipo L (de longa duração), que se abrem e permitem 
o influxo de íons Ca++. Esses canais, por sua vez, estão muito próximos a outro 
tipo de canais de Ca++ presentes na membrana do retículo sarcoplasmático e que 
são sensíveis à abertura dos canais de Ca++ do tipo L. A abertura desse outro tipo 
de canal de Ca++ causa então a liberação no citosol de mais íons Ca++ 
provenientes agora do retículo sarcoplasmático. Esse contingente extra de Ca++ 
alcança então as moléculas contráteis das miofibrilas. O Ca++ se liga à subunidade 
TnC da molécula de troponina o que leva a uma mudança conformacional do 
complexo troponina-tropomiosina expondo os sítios de ligação da actina 
possibilitando assim, o seu ancoramento com a região da cabeça da molécula de 
miosina e formando pontes transversas entre os filamentos. Esse acoplamento 
leva ao deslizamento dos filamentos finos e grossos entre si, aproximando as 
linhas Z e encurtando o sarcômero, resultando na contração das fibras 
musculares. A atividade ATPásica da cabeça da molécula de miosina cliva ATP 
em ADP + Pi antes da contração ocorrer, que é utilizado como fonte de energia 
para puxar os filamentos acoplados depois que o Ca++ expõe os sítios de ligação 
da actina. Assim, podemos dizer que há uma transformação de energia química 
em energia mecânica que resulta em um tracionamento entre as moléculas de 
filamentos. Ao final do processo de contração as condições iniciais se 
reestabelecem, o Ca++ é bombeado de volta para o retículo sarcoplasmático e o 
efeito inibitório do complexo troponina-tropomiosina sobre a molécula de actina 
volta a existir, ocorre o desacoplamento da miosina com a actina e nova molécula 
de ATP se liga a cabeça da molécula de miosina. É interessante mencionar que a 
 12
concentração de cálcio no meio intracelular das células musculares é baixo em 
condições de repouso (menos que 10-7 M), o que garante o estado de relaxamento 
muscular. Por outro lado, após a ativação pelos motoneurônios, que desencadeia 
a seqüência de reações acima, a concentração de cálcio pode chegar a 2 X 10-4 
M. A redução desta concentração a níveis de repouso é fundamental para o 
relaxamento muscular, o que é obtido pela atividade intensa da bomba de cálcio 
na parede do retículo sarcoplasmático e ligação do cálcio a proteínas como a 
sequestrina. Uma informação interessante neste ponto é a persistência de uma 
contratura pós-morte (o rigor mortis), o que é resultante da perda da fonte 
energética necessária para o relaxamento muscular. Assim, até 25 horas pós-
morte a musculatura pode permanecer contraída, já que o relaxamento só vai 
ocorrer após a degradação das proteínas musculares por autólise. Em 
temperaturas mais altas, a autólise é mais rápida, e a contratura pode ceder em 
10-15 horas após a morte. 
Deste modo, a contração muscular é o resultado do acoplamento excitação-
contração que é o conjunto de alterações eletroquímicas que explicam o vínculo 
entre potencial de ação na membrana da célula muscular e o encurtamento do 
músculo. Na realidade, o mecanismo contrátil do músculo esquelético é 
essencialmente o mesmo quando não há encurtamento, na chamada contração 
isométrica. Esse tipo de contração ocorre, por exemplo, quando o músculo está 
fixado em suas extremidades. Nesse caso, os elementos não-contráteis são 
estirados, gerando tensão. A contração chamada isotônica ocorre quando há 
encurtamento real do músculo, contra uma carga constante. 
 
 13
 
 
A REGULAÇÃO DA ATIVIDADE MUSCULAR 
 
A força de contração muscular é um fenômeno que deve ser analisado 
como sendo a ação de diversas fibras musculares que se contraem praticamente 
ao mesmo tempo, todas estimuladas pelo mesmo motoneurônio, que por sua vez 
irá regular a freqüência e intensidade de contração das fibras musculares. Durante 
a contração, nem todas as fibras de um músculo contraem-se ao mesmo tempo: 
enquanto alguns grupos de fibras musculares estão contraídas, outras estão 
relaxadas. A força de contração depende de alguns parâmetros, tais como: 
 
1) do comprimento inicial do músculo, e a explicação para isso depende em 
grande parte da organização muscular esquelética. Para que a força seja máxima, 
a contração deve se iniciar com o músculo num comprimento inicial característico, 
que é o comprimento ideal. Em geral, este comprimento é o mantido pelo músculo 
em questão na postura normal da espécie. Quando a contração inicia-se em 
comprimentos maiores ou menores do que o comprimento ideal, há perda na força 
resultante. A curva tensão-comprimento resultante (Figura y) revela 
claramente o comprimento ideal para a maior efetividade da contração muscular, e 
sugere uma dependência estrita da situação mecânica do sarcômero em cada 
situação como fator preponderante na gênese desses efeitos. 
 
 14
 
2) da somação de contrações musculares. A somação de abalos musculares 
isolados ocorre a fim de determinar movimentos musculares fortes e combinados. 
Em geral, isto se dá de duas maneiras diferentes: 
 
a) pelo aumento do número de unidades motoras que se contraem 
simultaneamente (somação espacial). O aumento do número de unidades motoras 
recrutadas é proporcional ao aumento do número de motoneurônios que estão 
ativados. Este mecanismo é conhecido como recrutamento. 
Uma célula muscular individualizada não é capaz de graduar de maneira 
importante sua contração por causa da natureza tudo-ou-nada do potencial de 
ação. As variações na força de contração de um músculo podem ser, então, 
variações do número de fibras musculares que se contraem em um determinado 
momento. Uma vez que os músculos são constituídos por unidades motoras, a 
força ou intensidade de contração de um músculo pode ser proporcional ao 
número de fibras musculares inervadas por uma fibra nervosa, ou seja, pode 
depender do tamanho da unidade motora estimulada. e/ou do número de unidades 
motoras estimuladas em um determinado momento. 
O tamanho da unidade motora, que reflete o nível de divergência da fibra 
nervosa sobre o músculo, também se relaciona com a delicadeza e precisão de 
movimentos. Por exemplo, uma única fibra nervosa se ramifica muitas vezes e 
inerva várias fibras musculares de grandes músculos como os músculos 
apendiculares da perna utilizados na execução de movimentos pouco precisos. 
Por outro lado, uma fibra nervosa inerva apenas uma fibra muscular ou se ramifica 
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pouco e inerva apenas algumas fibras musculares em músculos que executam 
movimentos mais precisos e delicados como os dos dedos da mão ou os 
músculos oculares. 
 
 
b) pelo aumento da eficiência de contração de unidades motoras (somação 
temporal), gerado pelo aumento da freqüência de potenciais de ação. Se a 
freqüência aumentar, contrações sucessivas irão se fundir, deixando de ser 
distinguidas umas das outras (tetania). Os potenciais de ação sucessivos atingem 
o músculo antes de o relaxamento atingir um porcentual importante do 
relaxamento total, e, assim, a contração subseqüente será maior,até atingir um 
platô para cada freqüência. Possivelmente um acúmulo de cálcio intracelular 
remanescente da estimulação anterior tenha um papel na contração aumentada 
que é induzida pela freqüência alta de potenciais, mas claramente há também 
fenômenos mecano-elásticos envolvidos. Na estimulação com freqüências médias 
ou altas suficientes para produzir essa somação temporal, os números de fibras 
musculares que estão se contraindo serão sempre os mesmos, mas a força 
resultante será progressivamente maior, em função da freqüência, até um valor 
máximo, característico de cada músculo. É importante mencionar que essa 
somação é possível porque o período refratário das células musculares está na 
dependência de suas propriedades elétricas (especificamente do potencial de 
ação), sendo portanto muito mais curto do que o componente mecânico. 
A FIGURA y ilustra os principais mecanismos de regulação da força contrátil. 
 
 16
 
Figura Y 
 
 
OS TIPOS DE FIBRAS MUSCULARES 
 
 Os músculos não são tecidos homogêneos, mas sim, em sua imensa 
maioria, constituídos por diferentes tipos de fibras musculares. Essas fibras são de 
vários tipos, mas que podem ser agrupados em dois tipos principais, as fibras do 
tipo 1, especializadas para movimentos lentos, tônicos e aeróbicos, com 
metabolismo predominantemente oxidativo, e as do tipo 2, especializadas para 
contrações rápidas, com metabolismo glicolítico. As fibras do tipo 1, ou vermelhas, 
têm irrigação abundante, muitas mitocôndrias, e níveis de mioglobina altos. As 
características metabólicas dessas fibras limitam a sua velocidade de contração e 
relaxamento, mas propiciam condições ideais para um trabalho muscular 
sustentado. As fibras do tipo 2 incluem, na realidade, dois subtipos de fibras 
musculares, as fibras 2a e 2b, sendo estas últimas conhecidas como fibras 
brancas, que contêm poucas mitocôndrias e uma irrigação limitada. Todavia, suas 
características metabólicas, incluindo influxos grandes de cálcio e alta atividade 
ATPásica, propiciam condições de alta velocidade, ainda que por tempos 
reduzidos. As fibras do subtipo 2a, por outro lado, têm características 
intermediárias entre os tipos 1 e 2b, representando de certa maneira fibras mistas, 
com propriedades metabólicas que garantem velocidade e resistência à fadiga. 
 17
As propriedades metabólicas e contráteis das diferentes fibras musculares 
implicam propriedades particulares de suas unidades motoras, como a sua 
freqüência de fusão. Quando uma unidade motora recebe impulsos em 
freqüências tais que o intervalo entre eles é menor do que o tempo de 
relaxamento, ocorre uma somação, e as contrações podem se fundir (contração 
tetânica). Assim, como as contrações das fibras do tipo 1 têm contrações mais 
lentas, suas contrações podem se fundir em freqüências mais baixas, entre 12 e 
15 Hz. As fibras do tipo 2 têm freqüências de fusão acima de 40 Hz. 
É importante comentar que as diferentes propriedades metabólicas das 
várias fibras musculares dependem da expressão de uma família de genes que 
codificam diferentes isoformas de miosina, cálcio-ATPase e troponina, por 
exemplo, e que a regulação da expressão desses genes depende estritamente de 
interações tróficas dos motoneurônios com as células musculares. De fato, os 
motoneurônios que inervam as diferentes fibras musculares têm propriedades 
particulares, além das que determinam as propriedades das fibras musculares. Os 
motoneurônios que controlam as fibras do tipo 1 têm, de modo geral, diâmetros 
pequenos e alta excitabilidade, possivelmente em função do maior impacto que os 
potenciais sinápticos podem ter sobre sua atividade elétrica (ver Cap. 20, 
Transmissão Sináptica). Os motoneurônios que inervam as fibras do tipo 2, por 
outro lado, têm diâmetros grandes, e excitabilidade mais baixa. Os dois tipos de 
motoneurônios têm velocidades altas de condução dos impulsos nervosos, mas a 
velocidade de condução dos motoneurônios que inervam fibras do tipo 2 é 
sistematicamente mais alta, coerente com a maior velocidade de contração 
daquelas fibras. 
 18
 
 
A “PLASTICIDADE” MUSCULAR 
 
 O músculo estriado esquelético está sujeito a uma série de forças que 
impõe mudanças plásticas, adaptativas, em sua estrutura e função. Essas 
mudanças envolvem o diâmetro e o comprimento das fibras musculares, sua 
irrigação, tipos de fibras e, portanto, a força contrátil. As mudanças que surgem 
em função do treinamento físico ou desnervação podem ilustrar esses fenômenos. 
A hipertrofia muscular é caracterizada pelo aumento dos filamentos de actina e 
miosina em cada fibra muscular, com aumento do número de miofibrilas, 
produzindo, assim, um aumento do tamanho das células musculares. Esse 
fenômeno, em geral, é produzido por algum regime de contrações máximas ou 
sub-máximas, como o exigido durante o treinamento físico. A hipertrofia muscular 
pode também ocorrer por estiramento pronunciado, o que produz a adição de 
novos sarcômeros na extremidade das células musculares. Os mecanismos 
exatos pelos quais a hipertrofia muscular é produzida não são totalmente 
conhecidos, mas eles claramente envolvem neurotrofinas de origem nos 
motoneurônios e alterações de expressão gênica na célula muscular. Da mesma 
maneira, a atrofia muscular que surge por desnervação ou por uso reduzido da 
massa muscular depende da reduzida oferta de neurotrofinas, o que impõe uma 
produção reduzida de proteínas contráteis. 
Em algumas poucas situações, pode ocorrer hiperplasia muscular, com 
aumento do número de células musculares e não só de seu tamanho. Esse 
 19
mecanismo não parece muito importante em relação à hipertrofia descrita acima, 
em termos do aumento da força contrátil resultante. 
 
AS DOENÇAS NEURO-MUSCULARES 
 
Uma série de doenças que afetam a unidade motora, como aquelas que 
envolvem o corpo celular do neurônio motor ou os axônios periféricos 
(neurogênicas), ou que envolvem a junção neuromuscular e as fibras musculares 
(miopatias), têm sido extensivamente estudadas e caracterizadas. Em geral, essas 
doenças da unidade motora causam fraqueza e atrofia dos músculos esqueléticos, 
mas as características de cada patologia dependem de qual componente da 
unidade motora é diretamente afetado. Entre as muitas doenças relacionadas à 
unidade motora, discutiremos primeiramente uma que afeta a transmissão 
sináptica da junção neuromuscular (miastenia grave) e posteriormente falaremos 
sobre uma doença que afeta diretamente as fibras musculares (distrofia muscular 
de Duchenne), lembrando que há inúmeras outras doenças nessas categorias, 
algumas das quais têm a sua etiologia totalmente desconhecida. 
 
 Myasthenia gravis (miastenia grave) 
 
A miastenia grave é a mais bem estudada das doenças que afetam a 
transmissão sináptica e é caracterizada por uma disfunção da transmissão 
sináptica química entre os motoneurônios e os músculos esqueléticos. A miastenia 
grave se tornou também o modelo de doença auto-imune (o tipo mais comum da 
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doença) em que anticorpos são produzidos contra os AChRs presentes no 
músculo, reduzindo o número de receptores funcionais ou impedindo a interação 
do neuromediador acetilcolina com esses receptores. Há também a forma 
congênita e hereditária da miastenia que não apresenta o caráter auto-imune e 
que parece ser uma deficiência de acetilcolinesterase na placa motora. A 
característica principal desta doença é a fraqueza muscular que quase sempre 
afeta os músculos cranianos (pálpebras, músculos do olho e orofaríngeos) e que 
pode ser revertida com o uso de drogas inibidoras da acetilcolinesterase (a enzima 
de degradação da ACh), como a neostigmina. 
Duas observações importantesajudaram a definir o caráter auto-imune da 
miastenia grave. Uma delas, foi a de que a remoção do timo ou de timomas 
resultava em uma redução dos sintomas em pacientes com miastenia grave, o que 
ficou mais claro posteriormente com os conhecimentos acerca do papel 
imunológico do timo. A outra descoberta importante emergiu com a caracterização 
e localização dos AChRs do músculo a partir do uso de ferramentas 
farmacológicas que possibilitou a observação da diminuição de AChRs (resultado 
indireto de alterações dos mecanismos de reciclagem e degradação) em pacientes 
miastênicos e da presença de anticorpos no soro desses pacientes. 
Como já citado anteriormente neste capítulo, os AChRs são macromoléculas 
constituídas de cinco proteínas organizadas ao redor de um canal iônico que 
atravessa a membrana celular e que contém os sítios de ligação da ACh. O sítio 
de interação da ACh com o complexo receptor está presente na subunidade α, e 
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no caso da miastenia grave parece ser dirigido contra a região imunogênica 
principal presente na porção extracelular daquela subunidade. 
O tratamento de pacientes com miastenia grave do tipo auto-imune se baseia 
no uso de agentes anticolinesterásicos que prolongam a disponibilidade de ACh 
na fenda sináptica da junção neuromuscular e que gera um alívio sintomático pelo 
menos parcial. Além disso, as terapias imunossupressivas que inibem a síntese de 
anticorpos, a timectomia e a plasmaferese (que remove os anticorpos contra o 
receptor do sangue) também são tratamentos utilizados. O tratamento para o tipo 
congênito da miastenia grave tem se baseado no uso de agentes 
anticolinesterásicos. 
 
Distrofia muscular de Duchenne 
 
A distrofia muscular de Duchenne é uma miopatia hereditária que se 
manifesta apenas em indivíduos do sexo masculino (é transmitida como fator 
recessivo ligado ao cromossomo X) iniciando-se com fraqueza muscular nas 
pernas e progredindo relativamente rápido, levando à morte por volta da terceira 
década de vida do indivíduo. 
Os indivíduos portadores da distrofia muscular de Duchenne não possuem a 
proteína distrofina ou a possuem em uma quantidade muito pequena. Como já 
citado anteriormente neste capítulo, a distrofina desempenha um papel 
fundamental na manutenção da integridade da membrana plasmática muscular, já 
que ela ancora os filamentos de actina às proteínas integrais da membrana 
plasmática. 
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