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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE MEDICINA VETERINÁRIA FUNDAMENTOS DA FITOTERAPIA VETERINÁRIA DENISE BOTELHO DE OLIVEIRA BRAGA NITERÓI 2013 2 HISTÓRICO DA FITOTERAPIA Denise Botelho de Oliveira Braga 1 , Marília Botelho de Oliveira Chaudon 1 , Alcir das Graças Paes Ribeiro 2 A história da medicina começa com a fitoterapia. As plantas foram os primeiros medicamentos utilizados pelo Homem. Os estudos arqueológicos, através dos vestígios deixados pelos nossos antepassados de Neanderthal, constatam que há mais de 3.000 anos as ervas eram utilizadas com fins terapêuticos. Todas as civilizações, em todos os continentes, deixaram registros das virtudes das plantas para fins alimentícios, medicinais e cosméticos. Um papiro egípcio de 1.600 a.C. descreve muitas plantas, animais e remédios inorgânicos. Alguns como o coentro, o funcho, o alho, o sene e o absinto são usados ainda hoje. Existe uma clara evidência de ópio produzido a partir da papoula cultivada na Mesopotâmia, foi a primeira experiência do Homem na área da preparação de medicamentos. Na China, as referências ao uso de plantas medicinais, encontradas nos “oráculos dos ossos” (meios de gravação de informação), são anteriores à Dinastia Ming (1.500 a.C.). Até o século XIX os medicamentos eram formulados basicamente a partir de plantas, entretanto, com a industrialização no início do século XX, surgiram os medicamentos sintéticos, que aos poucos substituíram as plantas, e que hoje dominam o mercado farmacêutico. A fitoterapia atualmente existe principalmente no mercado informal, o que representa um grande perigo à saúde da população, pois neste há a comercialização de drogas vegetais sem controle fitosanitário e de identidade e pureza. Há a necessidade de um controle maior e melhor desse ramo farmacêutico, pois os fitoterápicos representam uma alternativa economicamente mais viável à população e por razões de resgate histórico do conhecimento. No Brasil, apenas em 1995 passou a existir normatização oficial sobre a fitoterapia. Acredita-se que o conhecimento das propriedades curativas das plantas foi, no início, meramente intuitivo, ou observando os animais que, quando doentes, buscavam nas ervas a cura para seus males. Com esse comportamento, passando 1 Prof. Associado IV, Dr, Depto de Patologia e Clínica Veterinária, UFF. 2 Pesquisador, Me, Laboratório de Controle Biológico, PESAGRO-Rio 3 de geração a geração, adquiriram gradualmente mais conhecimento, tornando-os capazes de utilizar as diferentes plantas e ervas. Por mais de 5.000 anos a arte da cura tem sido uma doutrina crescente e em constante mudança, entretanto ao se comparar a história da medicina em várias civilizações podemos perceber muitos paralelos. MEDICINA TRADICIONAL CHINESA A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) compreende diversas técnicas terapêuticas que são usadas em associação ou isoladamente no tratamento das doenças, conforme cada caso. Entre estas técnicas, a fitoterapia destaca-se como a principal para tratamento de doenças internas e divide com a acupuntura os méritos de serem os pilares da MTC. Os tratados médicos de fitoterapia chinesa (Ben Cao Jing, cuja tradução é Tratado de Árvores e Ervas) incluem não só substâncias do reino vegetal, mas também, produtos minerais e animais. Como as plantas são a maioria absoluta dos produtos usados medicinalmente, no ocidente esta técnica é chamada de fitoterapia, entretanto o nome mais correto seria naturopatia. A MTC é um termo que engloba também as outras medicinas da Ásia, como os sistemas médicos tradicionais do Japão, da Coréia, do Tibete e da Mongólia e constitui-se num dos sistemas médicos com a tradição mais antiga (+ 5.000 anos) de que se tem conhecimento. Nesta evolução milenar, a fitoterapia chinesa foi se organizando, se estruturando e se tornando o sistema terapêutico mais avançado do mundo no fim do século XX. Este conhecimento começou a difundir pela Europa no século II d.C, trazido por exploradores famosos como Marco Polo. A MTC se fundamenta numa estrutura teórica sistemática e abrangente, de natureza filosófica, na qual utiliza três princípios para explicar alguma mudança na saúde do corpo humano: a) os cinco elementos: a madeira, o fogo, a terra, o metal e a água; b) a relação entre Yin e Yang e c) a circulação da energia Qi (energia ou força vital) pelos meridianos. O sistema médico chinês, tendo como base o reconhecimento das leis fundamentais que governam o funcionamento do organismo humano e sua interação com o ambiente segundo os ciclos da natureza, procura aplicar esta compreensão tanto ao tratamento das doenças quanto à manutenção da saúde através de 4 diversos métodos. A doença é causada por um desequilíbrio num ou mais canais ou áreas do corpo. Figura 1- Os cinco elementos, a relação Yin/Yang, os meridianos. Fonte: Wikipédia MEDICINA AYURVÉDICA Ayurveda é o nome dado ao conhecimento médico desenvolvido na Índia há cerca de 7 mil anos, o que faz dela um dos mais antigos sistemas medicinais da humanidade. Ayurveda significa, em sânscrito, ciência (veda) da vida (ayur) e tem-se difundido por todo o mundo como uma técnica eficaz de medicina tradicional. Também usa muitas plantas para o tratamento das doenças. A MTC e a medicina ayurvédica são consideradas as duas linhas da medicina que se mantiveram praticamente inalteradas com o passar dos anos. Não se sabe ao certo quando a medicina ayurvédica começou. A doença, para a Ayurveda, é muito mais que a manifestação de sintomas desagradáveis ou perigosos à manutenção da vida. A Ayurveda, como ciência integral, considera que a doença inicia-se muito antes de chegar à fase em que ela finalmente pode ser percebida. Assim, pequenos desequilíbrios tendem a aumentar com o passar do tempo, se não forem corrigidos, originando a enfermidade muito antes de podermos percebê-la. O conceito de equilíbrio numa pessoa e também no seu ambiente é novamente a teoria central. A medicina ayurvédica também reconhece o conceito de força vital (denominado prana) e se baseia em cinco elementos: a terra, o ar, o fogo, a água e o etéreo. Toda a matéria que existe no universo provém destes 5 elementos, inclusive o corpo humano (que além da matéria, também é formado por buddhi - discernimento, ahamkara - ego e manas - mente). De acordo com o Ayurveda, 5 quando algum dos 5 elementos está em desequilíbrio no corpo do indivíduo, inicia- se o processo da doença. Segundo essa tradição, os seres humanos são influenciados pelos 5 elementos através do dosha (a possibilidade de combinação dos cinco elementos da natureza no Homem). Os doshas são vata, regido por ar e éter, pitta, regido por fogo e água, e kapha, regido por terra e água. Todas as pessoas possuem os três doshas, mas em diferentes proporções. No momento da nossa concepção a nossa constituição é definida, isto é, os doshas que estão presentes em maior quantidade no nosso organismo. Ao nascermos, tal proporção está em equilíbrio (prakrti), mas com o tempo e a vida desregrada surge o desequilíbrio em um ou mais desses doshas (vikrti), contribuindo para o surgimento e desenvolvimento de doenças. MEDICINA GREGA No ocidente, a medicina pode ser rastreada desde o tempo dos gregos. No Século V a.C. Empédocles descreveu quatro elementos que asseguravam a vida: a terra, o ar, o fogo e a água. Acreditou-se que se relacionavam a quatro humores do corpo, nomeadamente bílis preta, sangue, bílis amarela e muco. O princípio era de que um desequilíbrio em algum desses elementos causava a má saúde. Antes deste ponto, no ocidente, acreditava-se que a doença e a morte eram causadas pela influência de demônios e outras entidades sobrenaturais. Com ateoria de Empédocles foi a primeira vez que um conceito de saúde chegou a dominar a medicina no ocidente. A medicina como ciência, baseada na interpretação natural da doença, surgiu no século V a.C, com Hipócrates (460-375 a.C.), indiscutivelmente o médico mais conhecido do seu tempo e também referido como o Pai da Medicina. Ele usou uma gama de 300 remédios diferentes que, juntamente com uma mudança no estilo de vida e dieta, foram usados para corrigir desequilíbrios no corpo. Ele é também recordado por utilizar as massagens e a aquaterapia. Hipócrates acreditava que “É mais importante conhecer o tipo de pessoa que tem a doença, do que conhecer o tipo de doença que a pessoa tem”. A medicina holística tem assim uma história muito longa. Hipócrates criticou o princípio racionalista, propôs seu método e traçou a origem e evolução da medicina. A crítica foi dirigida àqueles que, partindo inicialmente de uma hipótese, derivam dela uma causa única para todas as doenças. 6 Da mesma forma como os filósofos pré-socráticos partiam de um pequeno número de elementos fundamentais para explicar a diversidade do mundo, muitos médicos do século V a.C. pretendiam fundar a arte da medicina sobre um ou dois princípios que sistematizam toda a patologia. Assim, Hipócrates criticou a medicina “filosófica” e afirmou a autonomia da arte médica em relação à filosofia. A partir desta crítica, Hipócrates expôs seu método: a medicina deve apoiar- se sobre observações e fatos. Afirmou que “as doenças não são consideradas isoladamente e como um problema especial, mas é no homem vítima da enfermidade, com toda a natureza que o rodeia, com todas as leis universais que a regem e com a qualidade individual dele, que o médico se fixa com segura visão”, ou seja, o corpo humano, para ser conhecido, deve ser estudado em relação com o meio ambiente. As causas das doenças, portanto, deveriam ser buscadas não apenas no órgão ou mesmo no organismo enfermo, mas também e principalmente no que há de essencialmente humano no homem, a alma, esse componente espiritual que distingue o homem dos outros organismos vivos do planeta. Mais do que um biólogo, mais do que um naturalista, o médico deveria ser, fundamentalmente, um humanista. Um sábio que, na formulação do seu diagnóstico, leva em conta não apenas os dados biológicos, mas também os ambientais, culturais, sociológicos, familiares, psicológicos e espirituais. Hipócrates introduziu a avaliação metódica dos sinais e sintomas como base fundamental para o diagnóstico. Em termos de tratamento, advogava que dois métodos terapêuticos poderiam ser utilizados com sucesso: a "cura pelos contrários" (Contraria Contrariis Curentur), consolidada por Galeno (129-199 d.C.) e Avicena1 (980-1037), que é a base da medicina alopática; e a "cura pelos semelhantes" (Similia Similibus Curentur), reavivada no século XVI por Paracelso2 (1493-1591) e consolidada pelo médico alemão Samuel Hahnemann, quando este criou a Homeopatia. Hipócrates dizia que essas duas formas de tratamento eram eficazes no restabelecimento da saúde, portanto a lei dos contrários e a lei dos semelhantes 1 AVICENA (Ibn Sina) é considerado um dos maiores sábios do Islã, sendo reconhecido principalmente por seu trabalho filosófico (síntese crítica das obras de Platão, Aristóteles e Plotino). Já aos 16 anos, Avicena era bastante conceituado por seu talento como médico, tendo sido um dos grandes difusores da obra de Galeno. 2 PARACELSO (Aureolus-Phillippe-Teophrastus Bombast von Hohenhein) nasceu na Suíça. Seu pai era médico e o instruiu desde cedo nos segredos da arte de curar. Entretanto, Paracelso logo se rebela contra estes ensinamentos – considerados por ele antiquados – tornando-se um dos mais controversos médicos e alquimistas de todos os tempos. 7 não se opunham em seu pensamento. Ele sempre tratava o paciente de forma abrangente e raramente se referia a enfermidade de maneira isolada. Hipócrates traçou a origem e a evolução da medicina a partir da evolução da alimentação humana. O nascimento da medicina confunde-se com a descoberta do regime alimentar. É o desenvolvimento da culinária adaptada aos diferentes tipos de doentes que marca o início da medicina propriamente dita. A medicina primitiva seria, portanto, uma espécie de culinária personalizada. Mas ela é precedida pelo desenvolvimento da alimentação dos indivíduos sadios, ou seja, da culinária como tal, que consiste em adaptar o alimento à natureza humana por meio de múltiplos preparos, como o cozimento e a mistura. Esta dupla descoberta permitiu a passagem da vida selvagem, quando o homem se alimentava como os animais, para a vida civilizada. É neste passado que se encontra o ponto de partida da medicina. A simples hipótese em substituição à realidade observada é erro que transforma a ciência em especulação sem fundamento. Desta forma, em conformidade com o pensamento do século V a.C, Hipócrates colocou a medicina em bases racionais e a atribui aos homens, e não aos deuses, como relatado no Prometeu acorrentado, de Ésquilo (525-456 a.C.). O uso das ervas medicinais e plantas era provavelmente empírico naquele momento, mas no Século III a.C., o primeiro livro sobre ervas ocidentais era produzido por Theophrastus. Este livro descrevia 455 plantas medicinais, muitas das quais ainda são utilizadas. MEDICINA ROMANA Os romanos foram os primeiros a fazer um avanço impressionante quanto aos cuidados com a saúde. Estabeleceram a importância do uso de água limpa, dispuseram de sistema de esgotos e consequentemente de higiene. Esta foi a primeira forma de medicina preventiva. Os romanos também aceitaram a idéia de isolar quem estava com determinadas doenças. O uso das ervas floresceu durante o Império Romano, usando o conhecimento que provavelmente foi obtido dos Gregos. Celsus (5 a.C. a 57d.C.) escreveu um guia para a prática médica que incluía plantas e minerais, também venenos como mercúrio, arsênico e chumbo. Dioscórides (40-90 d.C) fez um herbário descrevendo 600 plantas, ilustrado a cores. Galeno (129 a 200 d.C) empreendeu a primeira forma de controle de qualidade, incentivando os funcionários 8 públicos romanos a fiscalizarem o conteúdo dos remédios. (Não há registros de como faziam este controle). Galeno também foi o primeiro a combinar ervas na prática médica ocidental. Estas misturas de ervas eram conhecidas como galênicas, um termo que ainda é utilizado nos dias de hoje. MEDICINA PERSA/ÁRABE O declínio do Império Romano reduziu o avanço do conhecimento na Europa. Este período é recordado na história como a “Idade das Trevas”, onde o trabalho científico e cultural ficou estagnado. Também, os avanços na teoria médica e herbal declinaram. Entretanto o conhecimento sobre o uso das ervas foi mantido vivo pelos monges. Eles estavam numa posição privilegiada podendo ser capazes de manter registros escritos disponíveis e manterem o conhecimento médico e herbal relativamente intacto durante este período. A lacuna deixada pelo colapso do Império Romano era preenchido pelo surgimento do Islã e a proeminência do Império Muçulmano que perdurou dez séculos. Os persas e os árabes mantiveram as idéias de Galeno, mas adicionaram os seus próprios remédios como a cânfora e o bórax. No Século XI uma enciclopédia médica chamada “The Canon Medicinae” foi escrita pelo médico Avicena (980-1037). Esta tornou-se a base para o conhecimento no Ocidente por muitos séculos. MEDICINA NO OCIDENTE Como todos os grandes impérios, a força do Império Muçulmano declinou, dando caminho para o renascimento da cultura européia e o Período da Renascença. Este foi o período das descobertas, com as viagens de Cristóvão Colombo, numerosas invenções e o começo das bases físicas e químicas. Aspectos científicose culturais no mundo ocidental progrediram com grande velocidade. Com a invenção da impressão nos Séculos XVI e XVII, viu-se a produção de muitos trabalhos sobre ervas. Havia também traduções de trabalhos médicos do grego clássico para muitas línguas. Durante este tempo, o conhecimento de plantas aumentou com o trabalho de William Turner (1568), Jonh Parkinson (1640) e Nicholas Culpepper (1652). Estes herbalistas estabeleceram o lugar para muitas das ervas que nós usamos hoje. No século XVI um médico que chamava a si próprio Paracelsus (significando literalmente melhor do que Celsus) começou por questionar os antigos conceitos e 9 opiniões dos humores, e o desequilíbrio dos humores no corpo. Viu a doença como um evento externo e sugeriu que as plantas tinham ingredientes ativos que poderiam influenciar tais eventos. Esta foi a época onde epidemias como a peste bubônica, a malária e a sífilis tiveram que ser enfrentadas. Entretanto, o passo mais significativo na medicina ocidental foi o renascimento durante o Século XVIII, da idéia de higiene e saúde, que os romanos introduziram séculos antes. O escocês Jenner, o francês Pasteur e o alemão Koch, foram os primeiros a reconhecer que microorganismos poderiam ser responsáveis por doenças infecciosas e que muitas doenças e epidemias eram transmitidas de pessoa para pessoa e pela falta de higiene. Lister foi o primeiro a esterilizar instrumentos cirúrgicos. No Ocidente, as ervas foram usadas geralmente como medicamentos entre os Séculos XV e XIX. MEDICINA MODERNA Em 1785, o Doutor William Whithering registrou a descoberta da Digitalis (dedaleira), útil no tratamento da hidropisia (hoje utilizada para problemas cardíacos). O alívio da dor era um dos maiores interesses durante o Século XIX, e foi conseguido usando substâncias naturais como álcool, ópio e hioscina. O clorofórmio (obtido a partir da destilação do álcool) foi usado para anestesia e alívio da dor durante o parto e em pequenas (ou mesmo grandes) cirurgias. A história registra um episódio interessante sobre um pioneiro japonês que aprendeu a arte de usar as ervas ocidentais. Ele queria testar a eficácia de uma mistura herbal contendo plantas com alcalóides tipo hioscina, para efeito anestésico. A sua idosa mãe voluntariou-se para a experiência, já que julgava morrer logo. O pioneiro, entretanto, decidiu administrar esta mistura na mulher, e de comum acordo entre os três; pois poderia encontrar uma nova mulher, mas nunca poderia ter outra mãe. Assim como a ciência progrediu, muitos tiveram a ambição de extrair das plantas os ingredientes que eram responsáveis pela sua ação, algo que Parecelsus tinha previsto séculos antes. Em 1903, o alemão Friedrich Sertuner, um farmacêutico com 20 anos, foi bem sucedido ao isolar uma substância particular do ópio, à qual não colocou nome. Alguns anos mais tarde a atropina foi isolada da Beladona e a quinina (antimalárica) foi isolada da Cinchona spp (os gêneros com maior teor de quinina são C. ledgeriana e C. officinalis). Em 1860 a cocaína era 10 extraída das folhas da coca, tornando-se popular como um anestésico local para pequenas cirurgias. Os cientistas prosseguiram então para a etapa seguinte sintetizando estas substâncias no laboratório. Primeiro prepararam-se para copiar a estrutura química do ingrediente natural ativo e então produziram estas estruturas químicas novas e similares, mas não encontradas na natureza. Um exemplo notável é a conhecida aspirina. Por muitos séculos, a medicina tradicional francesa usou a casca de salgueiro, que continha o ingrediente ativo salicina. Em 1827, um químico francês isolou o mesmo componente da erva barba- de-bode e meio século mais tarde, em 1899, a salicina era usada como a base para formar o ácido acetilsalicílico (Aspirina). O Homem aprendeu deste modo a copiar a natureza e a isolar componentes ativos que estavam presentes e adaptá-los. Foi o nascimento da indústria farmacêutica. Durante o Século XX, mais e mais componentes foram descobertos, isolados das plantas e copiados. Com a grande compreensão da fisiologia humana durante a segunda metade do século a indústria farmacêutica foi-se desenvolvendo cada vez mais. A fisiologia também é a base na qual os fitoterapeutas modernos explicam a função de uma planta como um todo e os seus extratos. Cada vez mais, estamos utilizando este conhecimento para nos ajudar a compreender como usar as plantas na medicina moderna. Diferente dos gregos e romanos que não tinham um claro entendimento de como o corpo humano funcionava, a Fitoterapia moderna tem as vantagens das descobertas feitas durante o século XX. SITUAÇÃO ATUAL DA FITOTERAPIA O reconhecimento das potencialidades das plantas medicinais gerou crescente interesse em todo o mundo pelos assuntos ecológicos e pelos remédios naturais. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 80% da população mundial consomem remédios à base de ervas e plantas medicinais. No Brasil, estima-se que quatro milhões de brasileiros lancem mão de alguma forma de terapia complementar para tratar doenças. As plantas medicinais são usadas a partir de informações provenientes da tradição. No Brasil, além da biodiversidade da flora brasileira, a fitoterapia é enriquecida pela miscigenação das culturas indígena, negra e européia. 11 Por algum tempo a fitoterapia foi marginalizada e classificada de “medicina empírica”, entretanto, cerca de 45% dos remédios usados pela medicina convencional são feitos a partir de substâncias extraídas de vegetais. É com grande ironia que muitas companhias mandam seus cientistas por todo o mundo, procurar nas plantas e nas medicinas tradicionais indícios de como as plantas podem ajudar na doença e tentar isolar estes componentes ativos. O exemplo mais recente e extensamente difundido sobre isto é o Taxol, extraido de casca de “Taxus breviafolia”. O taxol é um diterpenóide, da família dos taxanos. A sua estrutura invulgar e a sua forte atividade anticancerígena, despertaram a atenção para o mundo científico, e esta talvez tenha sido a molécula mais estudada nos últimos 20 anos. Atualmente, uma formulação semi-sintética do Taxol é prescrita para tratar alguns cancros de ovário e da mama. O respaldo científico e a importância econômica vêm inserindo a Fitoterapia como prática regular no sistema de saúde público e privado. O mercado brasileiro é carente em profissionais com uma sólida formação para trabalhar com a fitoterapia. Faz-se necessário capacitar profissionais, através de uma formação técnica e científica atualizada, a fim de atender a população e mudança de hábitos do mercado, que vem gradualmente valorizando soluções mais naturais e saudáveis Ainda há muito que conhecer sobre as plantas. Muitas delas utilizadas pela medicina tradicional precisam ser identificadas e testadas para comprovar suas utilidades terapêuticas. A destruição dos habitats naturais causa grande preocupação para muitos no campo da fitoterapia. Das 400 plantas medicinais comercializadas no Brasil, 75% são de origem extrativa, coletadas diretamente de seu habitat na Mata Atlântica, Amazônia, Caatinga e Cerrado, sem qualquer manejo, o que gera grande pressão ambiental no ecossistema causando problemas na sustentabilidade e risco de extinção. Na Conferência de Chiang-Mai (OMS, 1987) fez-se um pedido para “salvar as plantas que salvam vidas”, em um alerta contra o extrativismo desordenado. FITOTERAPIA NA MEDICINA VETERINÁRIA Apenas 1% do mercado de fitoterápicos no país é voltado ao segmento veterinário, mas a maior parte se destina a grandes animais, como bovinos e 12 eqüinos. Porém, é o setor que mais cresce: cerca de 25% ao ano (DIÁRIO DO COMÉRCIO & INDÚSTRIA, 2004). Algumas vantagens da fitoterapia em relação à alopatia são: a diversidade florística (facilidadeem obter as plantas), o baixo custo na aquisição e a alta eficácia com baixa toxicidade e efeitos colaterais. Na medicina veterinária a fitoterapia é utilizada na produção agroecológica, na agricultura familiar e em pequenos animais. Produção agroecológica Na produção animal há uma demanda cada vez maior por produtos agropecuários livres de resíduos químicos (antibióticos, parasiticidas e outros) que, quando desprezados os períodos de carências para eliminação metabólica deste produtos, acabam por atingir também o ser humano. A manipulação de produtos tóxicos podem provocar danos à saúde, por mais que estejam disfarçados sob o nome de “defensivos agrícolas” ou de “remédios”. Nos últimos 4 anos, o mercado brasileiro foi um dos que mais cresceram no mundo, com taxas de 35 a 50% ao ano. Entretanto, no mercado de produtos orgânicos, a produção de carnes (aves, bovinos, suínos e ovinos), produtos lácteos e mel, quando comparada à produção de vegetais, representa aproximadamente 5%. Agricultura familiar Na agricultura familiar, quando um médico veterinário, deixa um receituário com uma lista enorme de medicamentos (conhecimento terapêutico-mercadológico), não adequado à baixa renda do proprietário, gera: perdas econômicas pela permanência da enfermidade e, consequentemente, perda da produção; perdas sociais pelas conseqüências negativas na saúde física e emocional, que a baixa condição econômica provoca. Esta situação não deve induzir à conclusão de que recorrer ao uso plantas medicinais direciona-se unicamente aos produtores em situação de exclusão sócio-econômica, mas para mostrar que muitas tecnologias reforçam esta exclusão. Cerca de 30% dos produtores rurais não podem arcar com os tratamentos de seus animais, comercializando derivados (carne, leite, queijo, pele e lã) muitas vezes abaixo do nível de competitividade no mercado. Isto porque o abate acaba sendo feito com animais doentes, a pele fica fraca e o leite perde em qualidade nutricional. 13 A grade curricular da maioria das faculdades de veterinária no Brasil é voltada para o agronegócio, entretanto o CENSO IBGE ( 2006) revelou os seguintes dados: a) 84,4% do total de propriedades rurais do país pertencem a grupos familiares, o que significa 12,3 milhões de pessoas em cerca de 3,9 milhões de estabelecimentos familiares; b) na produção nacional, a Agricultura Familiar foi responsável por 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos; c) 38% do Valor Bruto da Produção Agropecuária são produzidos por agricultores familiares. Pequenos animais O uso de fitoterapia em pequenos animais ocorre, normalmente, quando o proprietário tb usa terapias naturais. O Brasil é o terceiro do mundo no mercado pet. Existem mais de 45 milhões de cães, mais de 11 milhões de gatos, 4 milhões de pássaros e, ainda, 500 mil aquários espalhados por todo o Brasil. Na Medicina Veterinária, a fitoterapia não significa apenas intervir no processo de cura de doenças. A teoria da ecologia médica - a qual vê o ser como um microcosmo que deve estar em equilibrio consigo mesmo e com o meio que o cerca, o macrocosmo - enfatiza a relação estabelecida entre os componentes da chamada tríade epidemiológica (agente causal, hospedeiro e ambiente). Fritjof Capra, físico e escritor austríaco, em seu livro A teia da vida - uma nova compreensão científica dos sistemas vivos, lançado em 1996, propôs a visão de uma interligação ecológica de todos os eventos que ocorrem na Terra e da qual fazemos parte, de forma fundamental e afirmou que a arte de curar é algo mais integrador dos aspectos físicos, psicológicos, sociais, culturais, ambientais e espirituais. A fitoterapia juntamente com a acupuntura e a homeopatia são exemplos de medicinas holísticas, pois se baseiam na relação do indivíduo com todo o universo. A cura não se trata apenas de eliminar os sintomas, mas sim achar a causa da doença. 14 É comum encontramos profissionais da área médica e proprietários completamente refratários ao tratamento com plantas medicinais, mas quando deparam com resultados eficazes mudam de opinião. O preconceito ocorre pela falta de conhecimento das potencialidades das ervas medicinais, pela aquisição em fontes duvidosas, pela preparação errada (usando partes sem princípio ativo) e uso inadequado (quantidade insuficiente ou exagerada), comprometendo a eficácia e gerando efeito adverso ou tóxico (via de administração errada). REFERÊNCIAS AMARAL, M.T.C.G. Produção de orgânicos no Brasil. Disponível em <http://www.homeopatiaveterinaria.com.br/producao_organicos_Brasil.htm>. Acesso em: 25 maio 2010. BOTSARIS, A.S. Fitoterapia chinesa e plantas brasileiras. São Paulo: Ícone Editora Ltda. 1995. 550p. DEVIENNE, K.F.; RADDI, M.S.G.; POZETTI, G.L. Das plantas medicinais aos fitofármacos. Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.6, n.3, p.11-14, 2004. Disponível em <http://www.ibb.unesp.br/servicos/publicacoes/rbpm/pdf_v6_n3_2004/artigo_3_v6_n 3.pdf>. Acesso em: 13 maio 2010. EXPOCAPRI traz palestra sobre fitoterapia em caprinos. Univasf faz estudos sobre o assunto. Gazeta do Araripe. Pernambuco. Disponível em <http://www.gazetado araripe.com.br/regional/expocapri_salgueiro.htm>. Acesso em: 30 ago. 2010. GROSS, E. Um breve painel sobre os produtos orgânicos e a agroecologia. Disponível em <http://www.ceplac.gov.br/radar/Artigos/artigo30.htm>. Acesso em 25 maio 2010. IBGE. Censo Agropecuário - Agricultura Familiar 2006. Disponível em <http://www.ibge.com.br/ home/default.php>. Acesso em: 25 maio 2010. MARTINS, S.A.A. Taxol: sua história e isolamento a partir da árvore de "Yem". 2004. 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Trata-se de uma força específica, distinta da energia, estudada pela Física e outras ciências naturais, que atuando sobre a matéria organizada daria como resultado a vida. Nesta concepção o corpo físico dos seres vivos é animado e dominado por um princípio imaterial chamado força vital, cuja presença distingue o ser vivo dos corpos inanimados e sua falta ou falência determina o fenômeno da morte. A força vital, também denominada de energia vital ou princípio vital, é definida como a unidade de ação que rege a vida, que antecede a atividade mecânica e elétrica do organismo e que, na verdade, é sua mantenedora. Este princípio dinâmico, imaterial, distinto do corpo e do espírito, integra a totalidade do organismo e rege todos os fenômenos fisiológicos. O seu desequilíbrio gera as sensações desagradáveis e as manifestações físicas a que chamamos doença. No estado de saúde mantém as partes do organismo em harmonia. Sua natureza não pôde até hoje ser comprovada, mas admite-se que estaria próxima de outras manifestações. A mais sólida das explicações vitalistas é o animismo de Aristóteles: qualquer corpo vivo goza de uma forma substancial única, essencialmente superior à dos corpos inanimados, chamada princípio vital ou até alma vegetativa, que forma com a matéria primeira deste corpo, uma substância viva de tal espécie que nos animaise no homem, se identifica com a alma sensível e intelectual (H. Collin, Manual de Filosofia Tomista). O Vitalismo influenciou a Medicina até o século XIX, quando a mentalidade mecanicista ofereceu novas explicações ditas racionais para a compreensão dos fenômenos vitais, banindo-o das concepções médicas. A partir desses avanços considerados científicos, os postulados vitalistas sofreram ataques imediatos dos antivitalistas, chamados mais tarde de materialistas, que consideravam um 1 Prof. Associado IV, Dr, Depto de Patologia e Clínica Veterinária, UFF. 2 Pesquisador, Me, Laboratório de Controle Biológico, PESAGRO-Rio. 16 retrocesso científico-ideológico atribuir aos fenômenos da vida às conotações metafísicas do Vitalismo. O VITALISMO NA MILENAR CULTURA CHINESA O tratado de Medicina mais antigo que se conhece, o de Nei King, atribuído ao imperador Hoang Ti, da dinastia Han, data de 500 a.C., já mencionava que o corpo humano funcionava devido à presença de forças ocultas, estabelecendo as primeiras concepções de Vitalismo. Desde a sua origem, concebeu a existência de uma energia vital dividida em uma potência positiva (yang) e uma negativa (yin) de cujo equilíbrio dependeria a saúde. Suas afirmações foram preponderantes para o sustento do pensamento filosófico e médico da China antiga até os nossos dias e sua história se confunde com a do Taoísmo, do Confucionismo e da Acupuntura. O VITALISMO NA GRÉCIA ANTIGA HIPÓCRATES (460-377 a.C.) - fundou a escola médica da ilha de Cós, considerada a primeira escola formalmente instituída de Medicina na História. O pai da Medicina pregava uma ciência que priorizava o enfermo como uma unidade. A doença era vista como uma perturbação deste e não como processos independentes de seus órgãos. A escola de Cós, como ficou conhecida, procurava ressaltar os aspectos do temperamento e da constituição na concepção da enfermidade, preconizando a existência de doentes e não de doenças. Esta escola esboçou a idéia de um princípio unificador e diretor do organismo, chamado de “eidolon” que fazia parte da natureza e era considerada a psiquê individual trazendo a mesma conceituação que hoje se dá à alma. Hipócrates dizia que havia na natureza dos seres vivos um duplo dinamismo que os faziam crescer e movimentar-se, um princípio de ação que seria a alma – o ânima, aquilo que anima, que atuaria através do cérebro, nutrindo e animando o corpo. Essa alma se desprenderia com a morte. Era um sopro (pneuma) que vem de fora e opera as maravilhas do pensamento, uma espécie de ar que penetrava no corpo ao nascer, animando-o de vida, e preenchia em graus de qualidades diferentes, sendo mais pura no cérebro, onde produzia o pensamento. Assim segundo este pensador, a vida é produto da alma. Estabeleceu ainda que a alma impunha a vis medicatrix nature (expressão latina que significa poder curativo do próprio corpo) como o impulso que opera em todos os seres vivos para a 17 manutenção da saúde, trazendo em si a possibilidade da própria cura. O médico deveria limitar-se a agir como servidor dessa força natural. Para ele a alma e força vital eram um só princípio, o ânima, tendo sido o fundador do pensamento animista, que admite a alma como entidade que organiza e dinamiza, vivificando, todo o organismo. O que resta das suas obras testemunha a rejeição da superstição e das práticas mágicas da "saúde" primitiva, direcionando os conhecimentos em saúde no caminho científico. Hipócrates fundamentou a sua prática (e a sua forma de compreender o organismo humano, incluindo a personalidade) na teoria dos quatro humores corporais (sangue, fleugma1 ou pituíta, bílis amarela e bílis negra) que, consoante às quantidades relativas presentes no corpo, levariam a estados de equilíbrio (eucrasia) ou de doença e dor (discrasia). Esta teoria influenciou Galeno e dominou o conhecimento até o século XVIII. A teoria humoral (ou teoria dos quatro humores, também conhecida por teoria humoral hipocrática ou galénica) constituiu o principal corpo de explicação racional da saúde e da doença entre o século IV a.C. e o século XVII . Segundo esta teoria existiam no organismo quatro humores (sangue, fleugma, bílis amarela e bílis negra, procedentes, respectivamente, do coração, sistema respiratório, fígado e baço.) que se relacionavam com os quatro elementos da natureza (terra, água, ar e fogo) e com as quatro qualidades (calor, secura, frio e humidade). Os humores davam origem a temperamentos, que resultam da relação entre os quatro humores. Segundo o predomínio natural de um destes humores na constituição dos indivíduos, teríamos os diferentes tipos fisiológicos: o sanguíneo, o fleumático, o bilioso ou colérico e o melancólico (figura 1). A saúde resultava do equilíbrio entre os quatro humores. Já a doença resultava de um desequilíbrio ou da combinação incorreta entre eles. As causas destas doenças podiam ser externas, nomeadamente o clima, a alimentação e os parasitas; ou ainda internas, das quais são exemplo o sexo, a idade, e as doenças congênitas. 1 A fleuma (flegma ou fleugma) é um muco secretado pelas membranas mucosas de humanos e outros animais. Sua definição é limitada aos mucos produzidos pelo sistema respiratório, excluindo as “cacas de nariz” e o fluido da tosse. Sua composição varia, dependendo do clima, da genética, e do estado do sistema imunológico, mas é basicamente um gel d’água consistindo de glicoproteínas, leucócitos, lipídeos, e etc. A fleuma pode ter mũitas côres. 18 Figura 1 - No sentido horário, a partir da figura superior direita: colérico, melancólico, sanguíneo, fleumático. Para Hipócrates, o trabalho do médico era restaurar e harmonia dos quatro humores, através da administração do humor em falta ou pela eliminação do humor em excesso. No entanto, esta intervenção só ocorria caso a natureza por si só não restabelecesse esse equilíbrio, ou com o intuito de acelerar esse restabelecimento. A expulsão de humores do organismo poderia ocorrer através de várias vias, através da boca, do nariz, do recto, das vias urinárias e ainda através de sangrias. Dietas apropriadas e medicamentos que promovessem a extração de humores eram os recursos mais utilizados no restabelecimento dos humores. Os medicamentos existentes tinham as funções de diuréticos, purgantes, sudoríferos, eméticos e soníferos. Alguns exemplos de diuréticos são o alho, a cebola e melancia; de purgantes são a escamónea e heléboro; de sudoríferos são bebidas quentes e farinha cozida; no caso dos eméticos são exemplos o heléboro-branco e hissopo, e por último alguns exemplos de soníferos são a mandrágora, a dormideira e o meidendro. Teoria humoral moderna - embora a associação dos temperamentos com fluidos corporais seja obsoleta, a teoria dos quatro humores foi adaptada por outros pesquisadores, muitos sem usar os nomes originais, e muitos acrescentaram a extroversão como um novo fator, que determinaria os relacionamentos interpessoais (quadro 1). 19 Quadro 1 - Os quatro humores e seus equivalentes modernos são apresentados a seguir: Humor Elemento Nome antigo Nome moderno MBTI* Características antigas Sangue Ar Sanguíneo Artesão SP Corajoso, prestativo, amoroso Bílis amarela Fogo Colérico Idealista NF Irritadiço, agressivo Bílis negra Terra Melancólico Racional NT Desanimado, inquieto, irritadiço Fleuma Água Fleumático Guardião SJ Calmo, racional MBTI (Myers-Briggs Type Indicator) é um instrumento utilizado para identificar características e preferências pessoais. Katharine Cook Briggs e sua filha Isabel Briggs Myers desenvolveram o indicador durante a Segunda Guerra Mundial, inspiradas nas teorias de Carl Jung sobre os Tipos Psicológicos.O indicador é frequentemente utilizado nas áreas de aconselhamento de carreira, pedagogia, dinâmicas de grupo, orientação profissional, treino de liderança, aconselhamento matrimonial e desenvolvimento pessoal, entre outros. Muitos psicólogos acadêmicos têm criticado o indicador, afirmando que "carece de dados válidos convincentes”. S=sensoriais; P=percepção; N= intuitivo; F=emocionais; T=racionliatas; J=julgadores PLATÃO (427-347 a.C) – estabeleceu um pensamento dualista, admitindo a alma como entidade separada do corpo. Além disso, a dividiu em três porções: razão, emoção e animalidade, que residiam no cérebro, no tórax e no abdome, respectivamente. ARISTÓTELES (384-322 a.C.) – discípulo de Platão, acreditava que a alma não é o corpo, mas não pode existir sem ele, assim como não há luz sem objeto luminoso. As funções da alma seriam a nutrição e o pensamento. Mas há uma unidade entre corpo e alma, diferentemente do dualismo platônico. Junto com Hipócrates representa os principais pensadores animistas. A alma forma e dá vida ao corpo, diferenciando-o da matéria bruta. Aristóteles confere ainda à alma uma concepção de substância. Historia Animalium, De Partibus Animalium e De Genetatione Animalium são alguns dos tratados dedicados à classificação, comportamento, fisiologia, anatomia comparada, embriologia e patologia animal. “A vida dos animais pode, então, ser dividida em dois atos: procriação e alimentação; pois é nestes dois atos que se concentram todos os seus interesses e toda a sua vida. O seu alimento depende em muito da substância principal da sua constituição; pois a fonte do seu crescimento, em qualquer caso, será esta substância. E como tudo o que é conforme com a natureza é agradável, todos os animais buscam o prazer, mantendo a sua natureza.” 20 GALENO (130-200 d.C) - médico romano de origem grega, baseado pela doutrina Hipocrática, esquematizou pela primeira vez a teoria dos quatro humores. Segundo Galeno o corpo humano era constituído por partes simples, ou seja, formadas por matéria de natureza próxima, e por partes compostas que eram resultado a união de várias partes simples. Estas partes simples eram formadas pelos componentes elementares da matéria (terra, água, ar e fogo) e comunicavam entre eles as suas qualidades (calor, secura, frio e humidade), de acordo com a esquematização da teoria dos humores hipocráticos (a bílis amarela, a bílis negra o sangue e a linfa). De acordo com o esquema feito por Galeno (figura 2) há uma relação entre os quatro humores, as quatro qualidades e os quatro componentes elementares da matéria. Cada elemento relaciona-se com duas propriedades e assim: a água seria fria e húmida, o ar seria húmido e quente, o fogo seria quente e seco, a terra seria seca e fria. Cada um destes elementos e de acordo com as suas propriedades relacionavam-se com os quatro humores, e portanto: a água (por ser fria e húmida) relacionava-se com a linfa, o ar (por ser húmido e quente) relacionava-se com o sangue, o fogo (por ser quente e seco) relacionava-se com a bílis amarela, a terra (por ser quente e fria) relacionava-se com bílis negra. Cada um dos humores predominava numa determinada parte do corpo e consequentemente a linfa predominava no cérebro, o sangue no coração, a bílis amarela no fígado e a bílis negra no braço. Em teoria, um organismo saudável cumpria algumas condições. Em primeiro lugar um todas as partes simples teriam que estar em proporções ideais e por outro lado os diferentes espíritos (vital, localizado no coração; natural localizado no fígado; animal localizado no cérebro) responsáveis pelas funções fisiológicas tinham que exercer correcta e adequadamente a sua função. No entanto, alguns humores tinham um certo ascendente sobre outros, algumas funções encontravam-se desreguladas gerando certos temperamentos: 21 nos Coléricos predominava a bílis amarela e eram normalmente representados por uma espada, nos Sanguíneos predominava o sangue, estes eram considerados hiperactivos sexualmente, nos Fleugmáticos predominava a linfa, estes eram tidos como calmos e racionais sendo frequentemente representados a ler, nos Melancólicos predominava a bílis negra, estes eram relacionados com a melancolia e são frequentemente representados na cama. Esta relação entre humores, propriedades e elementos era fundamental para compreender a doença e adequar a cura. Os humores formavam-se a partir dos alimentos e ao se converterem em humores permaneciam deste modo para sempre, ou seja, não poderiam regredir de novo a alimentos. Estes alimentos podiam ser convertidos a humores de forma corrupta, o que iria gerar doença, por factores externos, como por exemplo a ingestão de um alimento estragado. A corrupção de humores também poderia ocorrer devido a regimes de vida desadequados ou ao clima Figura 2 - Esquema da teoria dos humores sistematizada por Galeno. Fonte: <http://pt.ars- curandi.wikia.com/wiki/Teoria_dos_quatro_humores>. As doenças, segundo este autor, eram relacionadas com as estações do ano (as doenças na primavera eram preferencialmente por excesso de sangue, as do 22 verão por excesso de bílis amarela, as do outono por excesso de bílis negra e as do inverno por excesso de linfa), com a idade (na infância grande parte das doenças deviam-se a um excesso de sangue, na juventude e idade adulta por um excesso de bílis negra e amarela e na velhice por um excesso de linfa), localização geográfica e hereditariedade. Um homem podia então estar doente por causas externas, internas e conjuntas. Para restabelecer a saúde existiam várias opções: ou através da cirurgia, ou através de uma alimentação adequada ou ainda com o recurso a alguns fármacos. Na aplicação de qualquer um destes métodos Galeno tinha sempre presente alguns princípios Hipocráticos, nomeadamente o Primum non nocere e o Contraria Contrariis. O primeiro princípio significa que não se deve prejudicar o doente, ou seja, caso o próprio organismo esteja a expulsar os humores em excesso por si só o médico não deve interferir com essa resposta do organismo. O segundo princípio significa que o tratamento deve consistir em provocar efeitos contrários aos sintomas. O recurso de Galeno a fármacos foi substancial e a área da farmacoterapia conheceu um grande desenvolvimento nesta época. Foi feita a distinção entre alimento, veneno e medicamento. Aplicou pela primeira vez um conceito do medicamento semelhante ao actual, ou seja, em que coexistiam substâncias que tinham propriedades terapêuticas, as que tinham acção correctiva das características organoléticas e ainda os excipientes. O VITALISMO NA IDADE MÉDIA Durante a Idade Média (séc. V a início do séc. XV), no entanto, o médico deveria tratar o corpo, a alma era assunto da Igreja e nesta não lhe cabia meter-se. Talvez por isso, a medicina galênica tenha prevalecido com o apoio da Santa Sé. A teoria dos humores foi largamente empregada, onde se via nos doentes excessos ou falta dos quatro elementos constituintes da natureza. Para retirá-los empregava-se as sanguessugas, os vesicatórios, os purgativos e as sangrias. O conhecimento hipocrático ficou restrito aos mosteiros, mantido pelos monges ao longo da noite escura da Idade Média. Os principais pensadores que influenciaram a evolução da concepção vitalista neste período foram: 23 AL-RAZI OU RHAZES (864-930) - Como alquimista, filósofo e médico, buscava a cura de seus pacientes receitando especialmente dietas equilibradas e com alimentos corretos, aliada a fatores psicológicos na saúde. Era profundo conhecedor da arte da medicina dos antigos gregos e dos ensinamentos dos persas e hindus. Concebeu seu próprio sistema filosófico cujos elementos básicos eram: o criador, o espírito, a matéria, o espaço eo tempo. AVICENA (980-1037) – médico e filósofo persa autor do “Cânon da Medicina”, o livro em que se baseou a Medicina européia até o século XVII. Admitia a existência da alma, que mantinha as relações do corpo com a mente, obedecendo a princípios teleológicos. SÃO TOMÁS DE AQUINO (1225-1274) – “Doutor da Igreja”, considerava a unidade do homem, dizendo que todas as almas são na verdade uma só que tanto controla a razão como a vida vegetativa do homem. PARACELSUS (1493-1541) – médico suíço que ressuscitou os ensinamentos de Hipocrates, voltando-se à visão unitária do homem, sendo considerado o precursor da Homeopatia. Seguiu também o mesmo raciocínio de Venetus, admitindo um princípio ativo e organizador dos seres vivos, mas expandiu esse conceito para todos os corpos da natureza. Por isso considerava o espírito do sal, do enxofre, do mercúrio, dos cristais, etc. No corpo ele dividiu o princípio vital em arqueus, as almas menores que presidem as funções dos órgãos. Aproximou seu pensamento da lei dos semelhantes de Hipocrates e criou a Lei das signaturas – uso de plantas orientado pela forma aproximada do órgão doente (princípio dos florais). Considerado o pai da bioquímica, foi um dos primeiros médicos medievais a rejeitar a teoria dos humores de Galeno. Influenciou o pensamento de Hahnemann que incorporou a concepção de uma força oculta no homem, capaz de amplas ações em todo o organismo, inclusive na mente. O VITALISMO NA IDADE MODERNA (séc. XV a XVIII) Até meados do século XVII dominavam a medicina os mesmos pensamentos que moviam a Idade Média, subordinando-a a um empirismo dogmático, destituído de qualquer sustento lógico. A cirurgia era exercida pelos barbeiros e a teoria dos 24 humores ainda era a única a favorecer algum subsídio para as práticas médicas. No século XVIII a escola vienense de Medicina passou a dominar o pensamento médico da época, trazendo uma forte necessidade de se implantar uma metodologia no estudo desta disciplina. Nesta época foram criados os ambulatórios, as enfermarias e a teoria dos humores começou a ser contestada. Na mesma ocasião, floresceram duas outras escolas médicas: a alemã e a francesa. A escola francesa, defendida pelos Enciclopedistas, oriundos do Iluminismo, pregava também a necessidadede se racionalizar o estudo médico. Os iluministas lutavam para libertar o pensamento científico das imposições religiosas, passando a caminhar por vias livres e divergentes dos teólogos medievais. Nasce a metodologia científica nesta época, com a necessidade de se chegar ao conhecimento pelas vias da experimentação objetiva. Surge aí o Movimento Mecanicista e Materialista da Medicina, defendido por Renné Descartes1 (1596- 1650), que estrutura a visão do organismo como uma máquina, em obediência a separação da ciência e da fé, e refletindo a mentalidade moderna que se apoiava em raciocínios objetivos, exigentes de lógica. Surge a necessidade da busca de novas etiologias para as doenças, segundo a compreensão mecanicista do homem, nascendo a nosologia, ao se estabelecer critérios para a classificação metodológica das enfermidades. Estava dado o primeiro passo para as especializações médicas. O organismo humano era destituído definitivamente da alma, apartando-se a Medicina do vitalismo hipocrático. O lado humano, as emoções e os relacionamentos foram ignorados. As pessoas eram consideradas preguiçosas e ineficientes e precisavam ser controladas e estimuladas financeiramente para que cumprissem suas obrigações. Em biologia, mecanicismo refere-se às teorias que afirmam que todos os fenômenos que se manifestam nos seres vivos são mecanicamente determinados e, em última análise, essencialmente de natureza físico-química. A escola alemã, embasada pelos idealistas e influenciados por Leibniz, mantinha a visão do ser humano como uma unidade de funcionamento, baseada no magnetismo animal. Era a única que ainda fomentava fortemente o Vitalismo, 1 René Descartes (1596-1650) – filósofo francês que propôs resolver os grandes enigmas da filosofia e da ciência com o uso da razão e com ela alcançar a verdade. Via o corpo humano como uma máquina funcionando com a força motriz gerada pelo calor que vinha do coração. Identificando na alma a essência do pensamento, proferiu a sua famosa frase: “penso, logo existo”. 25 mantendo-se uma escola universalista, vendo o ser humano como uma totalidade e com tendências naturalistas, imitando nos procedimentos terapêuticos as ações da natureza, em consonância com o pensamento hipocrático. Seguindo a história do vitalismo no pensamento médico, nesta época se destacam: LEIBNIZ (1646-1716) – este importante filósofo alemão manteve-se no pensamento vitalista, sendo considerado o maior animista da filosofia moderna. O corpo estaria sob a ação da mônada, o “eu” feito de também de uma substância, porém de essência puramente imaterial. ERNEST STAHL (1660-1734) – este filósofo seguiu Leibniz, aplicando o Vitalismo à Medicina na Alemanha, partindo da idéia de que a vida não é produto de um funcionamento mecânico e o ser vivo não é uma máquina, reagindo contra a Medicina mecanicista e química que nascia do pensamento cartesiano. VON HALLER (1708-1777) - pertenceu à Escola Médica de Montpellier que foi o centro máximo de produção e sustentação das teses vitalistas entre os séculos XVII e XIX. Com ele o Vitalismo encontrou uma observação experimental renovada. Suas observações terminaram apontando para a necessidade de uma nova ordem de conhecimento em Medicina. Propôs a experimentação dos medicamentos no homem, para se estudar os seus efeitos que, no entanto, não chegou a praticar. Sua veemente crença no Vitalismo ajudou a mantê-lo vivo nas escolas médicas da época e dizem que exerceu positiva influência em Hahnemann. PAUL JOSEF BARTHEZ (1734-1806) – médico da escola de Montpellier, filósofo e poeta francês promoveu uma separação entre Animismo e Vitalismo. Em seu trabalho “Ensaio para um novo princípio para o homem” concebeu um princípio vital que anima e confere vida ao homem. Princípio, no entanto que não é idêntico à alma, o que coincide com a visão do Vitalismo hahnemaniano. Considera-se que seja ele o criador do conceito de princípio vital. SAMUEL HAHNEMANN (1755-1843) – de origem presbiteriana, nasceu em meios às diferenciadas visões que iniciavam a morte do Vitalismo, a exceção da Medicina alemã que ainda se mantinha na mesma idéia, sustentada por Leibniz. Contam seus biógrafos que ele se encantou de início com o Corpus Hipocráticus e ressuscitou-o com a Homeopatia. Pela observação ele logo notou a presença dos miasmas contagiantes nos barbeiros que drenavam abscessos e nas parturientes que se contaminavam pela falta de assepsia. Em 1790, no entanto, é que inicia a Homeopatia, ao traduzir a obra de Culen que descrevia os 26 efeitos curativos da quina na malária, imputando sua ação ao fato de ser um tônico para o estômago. Hahnemann, não estando de acordo com essa explicação, decidiu procurar outra e resolveu experimentar em si mesmo os efeitos da quina, sendo acometido, para surpresa sua, de um acesso febril. Recordou-se então de Hipocrates que já anunciara o princípio do semelhante: uma doença se cura por uma droga capaz de produzir os seus mesmos sintomas. Juntou ao fato a sua observação de que as doenças semelhantes se excluíam mutuamente e não podiam conviver simultaneamente no organismo. Por exemplo, um episódio agudo de diarréia trata uma colite crônica, a vacina curava e prevenia a varíola pelos mesmos motivos. Hahnemann criou então a experimentação no homem são, estabelecendo assim um dos princípios fundamentais da Homeopatia. E graças a isso chegou ao estudo do psiquismo humano, o que não conseguiria com experimentações em animais.Desta forma, foi o precursor do método experimental em Medicina, iniciando-as no homem antes mesmo de Claude Bernard instituí-las nos animais. HERMANN LUDWIG FERDINAND VON HELMHOLTZ (1821-1894) – médico alemão, criador do oftalmoscópio e professor da Faculdade de Medicina de Berlin. No ano de 1813 realizou estudos de termodinâmica, eletrodinamismo e movimentação de fluídos, concluindo e afirmando que nenhuma força de natureza espiritual atua no organismo humano, senão as forças físico-químicas conhecidas. Excluiu assim, das escolas médicas, o que ainda restava de Vitalismo, como se simplesmente por não enxergá-lo com seus grosseiros métodos de pesquisas, ele não fosse uma realidade. A escola alemã, onde o pensamento de Leibniz mantinha vivo as idéias animistas, teve assim abolida todas as práticas médicas que visavam estimular estas pretensas forças, como o magnetismo. CLAUDE BERNARD (1813-1878) – fisiologista francês que procurou estabelecer um neovitalismo imaginando que a força vital seria somente uma força legislativa e não executiva. Foi o pai da fisiologia moderna. Seu primeiro trabalho, datado de 1843, concluiu pela inexistência do Vitalismo ou qualquer força de natureza espiritual que atue no interior do homem, de forma invisível e material. Todas as forças que atuam no organismo podem ser conhecidas e seriam provenientes de agentes físicos. Considera-se que foi o iniciador do método experimental em Medicina, introduzindo os testes em animais, dando origem à técnica de conhecimento da ação dos medicamentos em cobaias, tal como hoje é realizada, onde se pretende conhecer apenas a sua ação puramente fisiológica e material, mesmo no plano mental. Os conhecedores da Homeopatia, no entanto, sabem que a primazia de tal método pertence, merecidamente, a Hahnemann. 27 A Era Moderna, com o advento destes pensadores, assistiu, paulatinamente, às idéias mecanicistas dominarem o campo médico, extinguindo o que ainda havia de vitalismo. Com o predomínio do pensamento materialista, o Vitalismo é nesta época definitivamente banido da Medicina. As escolas de Berlin e Viena se juntam nesta nova idéia à escola francesa, influenciando de modo decisivo todo o pensamento médico moderno, na Inglaterra e nos Estados Unidos. O Vitalismo começou a ser combatido na Alemanha e Hahnemann se refugiou na França, em 1835. A escola francesa, embora embalada pelas novas idéias mecanicistas, felizmente sempre teimou em fazer ao contrário do que seus amigos anglo-saxônicos e deu guarida ao maior representante do Vitalismo na época: Hahnemann. Acolheu-o depois que sua presença foi indesejada na Alemanha, mantendo a Medicina Homeopática em suas escolas e dando o impulso inicial à Homeopatia, que dali se difundiu para todo o mundo. Os oito últimos anos de Hahnemann foram vividos em Paris, para onde se mudou e aonde veio a falecer. A Homeopatia unicista, com seus avançados postulados, foi basicamente formulada na fase francesa da vida de Hahnemann, quando se dedicou a escrever sobre as doenças crônicas. O VITALISMO NA ATUALIDADE EDWARD BACH (1886-1936) - médico inglês, acreditava que a personalidade da pessoa deve ser tratada e não a doença. A doença seria o resultado do conflito da alma (Eu Superior - a parte mais perfeita do Ser) e da personalidade (Eu Inferior - o que nós somos, no nosso dia-a-dia). Ele dizia: "O sofrimento é mensageiro de uma lição, a alma envia a doença para nos corrigir e nos colocar no nosso caminho novamente. O mal nada mais é do que o bem fora do lugar". Entendeu que a origem das doenças seria proveniente de sete defeitos: Orgulho, Crueldade, Ódio, Egoísmo, Ignorância, Instabilidade Mental, Cobiça e Gula. Apontou sete caminhos do equilíbrio emocional, que seriam: Paz, Esperança, Alegria, Fé, Certeza, Sabedoria, Amor. E o seu conceito de saúde seria: Harmonia, Integração, Individualidade, Integridade. CONSTANTIN HERING (1880-1880) - o Vitalismo no final do século XIX acompanhou as peripécias deste médico austríaco. Por ser um brilhante aluno, foi encarregado por um de seus professores a defender uma tese contra a Homeopatia. No entanto, após estudá-la detidamente, deixa-se convencer pela sua veracidade e passa a defendê-la ardorosamente, tornando-se um homeopata. Era um missionário presbiteriano e por isso foi enviado em missão religiosa para as Guianas, trazendo consigo a Homeopatia para a América. Das Guianas mudou-se para os EUA e na Filadélfia criou a primeira escola americana de Homeopatia, no início do século, a Post-Graduate School of Homeopathy. Posteriormente 28 transferiu-se para Chicago, onde fundou a Hahnemann Medical College and Hospital e depois a Hering Medical College. JAMES TYLER KENT (1849- 1916) - formado na Hering Medical College, foi um dos mais eminentes e conhecidos homeopatas depois de Hahnemann. Criou a sua própria escola de Homeopatia em Nova York, deixando como seguidores nomes como Timoty Allen e Pablo Paschero, o famoso homeopata argentino. JOHN HENRY ALLEN (1854 - 1925) - outro renomado homeopata que nos legou importantes obras (Diseases and Therapeutics of the Skin, Chronic Miasms, Chronic Miasms), formou-se também na escola médica de Hering, onde passou a lecionar. REFERÊNCIAS CHAPERMANN, R. - Vitalismo e Homeopatia. Disponível em <www.homeopatiabrasil. org.br>. Acesso em : 23 maio 2010. ORVALHO FARMÁCIA HOMEOPÁTICA. Conceito. Disponível em <http://www.orvalho farmaciahomeopatica.com.br/html/conceito.html>. Acesso em : 23 maio 2010. MARTINS, L. A.P.; SILVA, P.J.C.; MUTARELLI, S.R.K. A teoria dos temperamentos: do corpus hippocraticum ao século XIX. Disponível em <http://www.fafich.ufmg.br/~ memorandum/a14/martisilmuta01.pdf>. Acesso em : 25 maio 2010. WIKPÉDIA. Teoria humoral. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Teoria_humoral>. Acesso em : 23 maio 2010. 29 CONCEITOS E FUNDAMENTOS EM FITOTERAPIA Denise Botelho de Oliveira Braga 1 , Marília Botelho de Oliveira Chaudon 1, Alcir das Graças Paes Ribeiro 2 Para melhor compreensão dos assuntos abordados em fitoterapia, é necessário entender alguns conceitos e fundamentos que norteiam o uso de plantas medicinais. FITOTERAPIA É um método de tratamento caracterizado pela utilização de plantas medicinais em suas diferentes preparações, sem a utilização de substâncias ativas isoladas, ainda que de origem vegetal. AROMATERAPIA É a ciência que estuda os óleos essenciais e sua aplicação terapêutica. Pode ser considerada uma disciplina especializada da fitoterapia. Foi recentemente “redescoberta”, entretanto, desde a Antiguidade os óleos essenciais eram utilizados como conservantes de alimentos e para preparar perfumes. MEDICINA COMPLEMENTAR É a medicina praticada por médicos que utilizam todos os recursos disponíveis da medicina convencional e a complementam utilizando métodos terapêuticos e propedêuticos (análise clínica) não convencionais, porém de eficácia comprovada. Complementar, conforme os dicionários, quer dizer preencher, suprir a deficiência de outro. MEDICINA ALTERNATIVA É aquela praticada por aqueles que utilizam uma opção diferente, uma alternativa à medicina convencional. Alternativa, neste caso, dá idéia de exclusão; de substituição ao sistema estabelecido. 1 Prof. Associado IV, Dr, Depto de Patologia e Clínica Veterinária, UFF. 2 Pesquisador, Me, Laboratório de Controle Biológico, PESAGRO-Rio 30 MEDICINA CONVENCIONAL É a medicina que aprendemos nas escolas médicas. É a medicina oficial da maioria dos países ocidentais. Todo médico que pratica a medicina complementar - segundo a Associação Brasileira de Medicina Complementar - deve conhecer profundamente a medicina convencional. MEDICINA TRADICIONAL É aquela praticada tradicionalmente por uma sociedadeou cultura. É a soma total do conhecimento, habilidades e práticas com bases nas teorias, crenças das diversas culturas, sendo explicáveis ou não, usadas na manutenção da saúde bem como em sua prevenção. Também pode ser chamada de medicina popular. São exemplos de medicinas tradicionais: medicina chinesa, medicina Ayurvédica, ervas da tradição cabocla brasileira, etc. MEDICINA HOLÍSTICA Indica somente que as pessoas são tratadas como um todo: corpo-mente- espírito. Tanto a medicina complementar quanto a medicina convencional pode empregar essa abordagem. MEDICINA ETNOVETERINÁRIA É a ciência que envolve a opinião e o conhecimento das práticas populares utilizadas para o tratamento ou prevenção das doenças que acometem os animais (MATHIUSMUNDY e MCCORKLE, 1989). Dentre os ramos desta ciência milenar está a Fitoterapia. A etnoveterinária tem como um de seus objetivos validar os conhecimentos de diversas comunidades na utilização de medicamentos elaborados a partir de plantas medicinais, principalmente em países em desenvolvimento, que necessitam de alternativas economicamente viáveis visando o bem-estar animal. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), todo tratamento que não é integrado ao sistema de saúde predominante de um país é medicina alternativa/complementar. Vale lembrar que o que é chamado de “complementar” ou “alternativo” em um país, pode ser “tradicional” ou “convencional” em outro. Acreditamos que o termo Medicina Tradicional seja mais adequado, pois é uma forma de tratamento profundamente arraigada no conhecimento local da população. 31 DROGA VEGETAL Planta medicinal ou suas partes, que contenham as substâncias, ou classes de substâncias, responsáveis pela ação terapêutica, após processos de coleta, estabilização e/ou secagem, podendo ser íntegra, rasurada (cortada), triturada ou pulverizada. PLANTA MEDICINAL Espécie vegetal cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuticos (OMS, 2003). Chama-se planta fresca aquela coletada no momento de uso e planta seca a que foi precedida de secagem, equivalendo à droga vegetal. MATÉRIA-PRIMA VEGETAL Planta fresca, droga vegetal ou seus derivados: extrato, tintura, óleo, cera, suco e outros. REMÉDIO É um cuidado utilizado para curar ou aliviar os sintomas das doenças, como um banho morno, uma bolsa de água quente, uma massagem, um medicamento, entre outras coisas. Remédio caseiro de origem vegetal é a preparação caseira com plantas medicinais, de uso extemporâneo (para uso imediato), que não exija técnica especializada para manipulação e administração. FITOTERÁPICO Produto obtido de planta medicinal, ou de seus derivados, exceto substâncias isoladas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa. Os fitoterápicos podem ser produzidos a partir de planta fresca (sucos e alcoolaturas) ou planta seca (infusos, decoctos, extratos, tinturas, óleos medicinais). As formas físicas de apresentação do fitoterápico são as formas farmacêuticas, as quais podem ser classificadas em líquidas (tinturas, xaropes, soluções, extratos fluidos), sólidas (extratos secos, comprimidos, cápsulas) e semi- sólidas (extratos moles, pomadas, géis, cremes). O fitoterápico industrializado para ser comercializado necessita ser registrado. Os destinados a uso humano devem ser registrados na Agência Nacional de 32 Vigilância Sanitária (ANVISA - Ministério da Saúde) e os de uso veterinário no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O fitoterápico manipulado é uma preparação magistral e/ou oficinal, sob orientação de um farmacêutico. Tanto o fitoterápico industrializado quanto o manipulado devem seguir as Boas Práticas de Fabricação/Manipulação (BPF/BPM). PREPARAÇÃO MAGISTRAL É aquela preparada na farmácia, a partir de uma prescrição de profissional habilitado, destinada a um paciente individualizado, e que estabeleça em detalhes sua composição, forma farmacêutica, posologia e modo de usar. PREPARAÇÃO OFICINAL É aquela preparada na farmácia, cuja fórmula esteja inscrita na Farmacopéia Brasileira, no Formulário Nacional ou em Formulários Internacionais reconhecidos pela ANVISA ou MAPA. EXSICATAS É uma amostra de planta seca e prensada numa estufa (herborizada), fixada em uma cartolina de tamanho padrão (no Brasil, o tamanho mais econômico e usual é o de 42 x 28cm) acompanhadas de uma etiqueta ou rótulo contendo informações sobre o vegetal e o local de coleta, para fins de estudo botânico. Exsicatas são normalmente guardadas num herbário. Uma exsicata deve ter todos os elementos para sua classificação (raiz, caule, folhas, flores e frutos). No caso de plantas de pequeno porte, devem ser retiradas inteiras, junto com a raiz. No caso de arbustos ou árvores, devem ser coletados ramos com cerca de 30 cm, onde estão as flores e frutos. A secagem do material deve ser feita à sombra, com o material prensado em jornal, e se a secagem for realizada a temperatura ambiente, o jornal deve ser trocado todos os dias, para evitar o crescimento de fungos. Após a secagem, a planta deve ser fixada em papel ou cartolina, de preferência com linha e agulha, reservando-se o canto inferior direito para a etiqueta. Na etiqueta deve conter o máximo de informações sobre a coleta da planta, tais como: nome popular, nome cientifico, família, local e data da coleta, nome do coletor 33 e o nome do botânico que a identificou. Feito isso, coloca-se esta cartolina numa capa de papel pardo resistente (padrão no Brasil, o dobro da medida anterior), que envolve a cartolina com função de proteger o material. HERBÁRIO O herbário é uma coleção de exsicatas, que serve como material de pesquisa para todas as áreas da ciência que utilizam os vegetais como seu objeto de estudo ou como comprovante das classificações já feitas. Dele pode-se extrair, utilizar e adicionar informação sobre cada uma das populações e/ou espécies conhecidas ou novas. Portanto, num herbário, a sua coleção está em constante atualização. Regularmente são feitas novas colheitas de exemplares, acompanhadas com informações adicionais sobre a evolução do habitat, do clima, da vegetação e outras informações que se considerarem relevantes. Se corretamente conservadas, um espécie-tipo pode durar centenas de anos. Uma espécie de planta num herbário é uma fonte insubstituível de registro da biodiversidade das plantas. BANCO DE GERMOPLASMA São unidades conservadoras de material genético (animal, vegetal, microorganismos), de uma ou de várias espécies, de uso imediato ou com potencial de uso futuro. Geralmente consiste de base física, em centros ou instituições públicas e/ou privadas. Existem várias formas de conservação de germoplasma vegetal, são elas: sementes, explantes ou plantas a campo. Podem ser classificados em "bancos de base" ou em "bancos ativos". Os bancos de base são aqueles em que se conserva o germoplasma em câmaras frias (conservação de 1ºC até -20ºC), in vitro (conservação de partes vegetais em meio de cultura de crescimento) ou em criopreservação (conservação em nitrogênio líquido a -196ºC), por longos prazos, podendo até mesmo ficar longe do local de trabalho do melhorista genético. São considerados "bancos ativos" aqueles que estão próximos ao pesquisador, nos quais ocorre o intercâmbio de germoplasma e plantios freqüentes para caracterização, o que proporciona a conservação apenas a curto e médio prazos. 34 HORTO MEDICINAL Destina-se à identificação, à propagação e ao cultivo de plantas de interesse medicinal, com o propósito de preservar as espécies e resgatar o uso popular, valorizando e divulgando a sabedoria tradicional. Podem ser classificados em: a) Horto didático - destinado a identificação e estudo das espécies medicinais. Nele se cultiva uma grande variedade de espéciesem pequena quantidade. b) Horto comercial/produtivo - tem o objetivo de produzir plantas medicinais em escalas maiores, seja para mudas, plantas secas ou para produção de fitoterápicos, sendo ainda utilizado para pesquisas de práticas agrícolas. Geralmente são cultivadas poucas espécies em maior quantidade. c) Horto caseiro/doméstico - pode ser grande ou pequeno, tendo como objetivo produzir plantas medicinais para suprir as necessidades da família. Normalmente as plantas são cultivadas junto com as hortaliças. FARMÁCIA VIVA Compreende a estrutura e a prática de cultivo de plantas medicinais nativas ou aclimatadas, com perfil químico definido, para dispensação de planta fresca e/ou seca, podendo ter acoplada uma Oficina Farmacêutica de Fitoterápicos. Geralmente é instalada em pequenas comunidades, escolas, empresas, postos de saúde ou hospitais. OFICINA FARMACÊUTICA DE FITOTERÁPICOS Área física acoplada ou não, aos canteiros de plantas medicinais, aparelhada com equipamentos destinados à rasura e moagem de plantas medicinais e manipulação de medicamentos fitoterápicos magistrais e oficinais. DISPENSAÇÃO Ato de fornecimento e orientação ao consumidor de planta medicinal, droga vegetal e/ou medicamentos fitoterápicos magistrais ou oficinais, mediante apresentação da prescrição. 35 MANIPULAÇÃO É o conjunto de operações com a finalidade de elaborar medicamentos fitoterápicos, seja magistral ou oficinal. PRODUTO ACABADO É a matéria prima vegetal, integral ou suas partes, droga vegetal ou medicamento fitoterápico magistral ou oficinal embalado e etiquetado, pronto para consumo. PRINCÍPIO ATIVO É a substância ou grupo de substâncias contidas no vegetal, responsável por desencadear diversas reações nos organismos vivos, determinando a atividade curativa ou tóxica daquele vegetal. Ao contrário dos medicamentos convencionais, que possuem quantidades conhecidas de princípios ativos isolados, ou seja, das substâncias responsáveis pelos efeitos, nos fitoterápicos os princípios ativos não são isolados. Eles coexistem com uma série de outras substâncias presentes na plantas. Em cada planta, apenas uma parte é utilizada para a formulação de medicamentos. A diversidade de substâncias existentes nessas partes é chamada de fitocomplexo, que é responsável pelo efeito terapêutico mais suave e pela redução dos efeitos colaterais. O efeito terapêutico da valeriana1, por exemplo, só é atingido quando se administra o fitocomplexo. Quando o princípio ativo é administrado isoladamente, não há efeito significativo. Os princípios ativos são classificados em função de vários aspectos, como: classe química, classe terapêutica, alvo molecular ou especificidade. Quanto à especificidade, existem apenas duas classes: a dos fármacos específicos e a dos inespecíficos. Os específicos correspondem à maioria dos mais de sete mil fármacos constantes no arsenal terapêutico, tais como analgésicos e antiinflamatórios, os agentes cardiovasculares, anti-histamínicos, hormônios, agentes antiparasitários diversos etc. Os inespecíficos são em número bastante reduzidos. Não atuam seletivamente sobre determinados receptores. A ação 1 Valeriana officinalis - vem sendo usada no tratamento de insônia e, ao contrário dos medicamentos convencionais, não provoca dependência nem tolerância. No entanto, se ingerida em grandes quantidades e por tempo prolongado, ela pode ser tóxica para o fígado. 36 farmacodinâmica desta classe depende apenas de suas propriedades físico- químicas, sendo estes pouco vulneráveis às modificações estruturais. Entre os fármacos inespecíficos mais comumente manipulados temos os, rubefacientes, adstringentes, emolientes, umectantes, hidratantes, queratoplásticos anti-sépticos, queratolíticos e cáusticos. FARMACOPÉIA BRASILEIRA A Farmacopéia Brasileira é o Código Oficial Farmacêutico do País, onde se estabelecem, dentre outras coisas, os requisitos mínimos de qualidade para fármacos, insumos, drogas vegetais, medicamentos e produtos para a saúde. É elaborada pela Comissão Permanente de Revisão da Farmacopéia Brasileira (CPRFB), uma comissão oficial nomeada pelo Diretor-Presidente da ANVISA, caracterizando-se como uma entidade particular. Além da publicação da Farmacopéia Brasileira, a CPRFB publicou a 2ª edição da Farmacopéia Homeopática Brasileira e a edição atual das Denominações Comuns Brasileiras (2003). A escolha dos medicamentos a serem incluídos na Farmacopéia não é feita ao acaso. Em primeiro lugar, são escolhidos os medicamentos que constam da Relação Nacional dos Medicamentos Essenciais (RENAME) ou da lista da OMS. São, também, elaboradas em caráter de prioridade as monografias dos medicamentos de escolha dos programas especiais de saúde e os produtos novos de grande interesse terapêutico. Para elaborar monografias para a Farmacopéia Brasileira, a subcomissão pertinente, ou um membro da CPRFB com sua equipe, ou um órgão oficial de controle de qualidade (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde [INCQS] e o Instituto Adolfo Lutz [IAL]) ou uma indústria farmacêutica propõem a monografia para um fármaco. Esta não é uma monografia simples, devendo ser submetida à uma série de estudos especiais, que comprovam o cumprimento de todas as exigências de um estudo químico (validação). Após a elaboração da monografia, a CPRFB faz a avaliação e se for julgada adequada, ela é remetida para outros colaboradores da Farmacopéia nos três segmentos que a compõem: órgãos oficiais de controle de qualidade, indústria farmacêutica e universidades, para fins de certificação (verificar se a metodologia funciona e fornece resultados iguais em diferentes laboratórios). Caso os resultados encontrados sejam adequados, essa 37 monografia é reavaliada pela CPRFB e, sendo aprovada, é colocada em Consulta Pública durante três meses para que a comunidade científica se manifeste. Somente após esse período é que a monografia (caso não ocorram manifestações contrárias) é enviada à apreciação e oficialização da ANVISA. As subcomissões da CPRFB são criadas, em áreas específicas de conhecimento, com a finalidade de elaborar trabalhos direcionados. Assim sendo, a Subcomissão de Homeopatia deve elaborar a Farmacopéia Homeopática Brasileira, a Subcomissão do Formulário Nacional deve elaborar o Formulário Nacional, a Subcomissão de Imunobiológicos deve elaborar monografias de soros, vacinas, e outros produtos imunobilógicos, a Subcomissão de Material de Referência deve coordenar a elaboração dos padrões de referência da Farmacopéia Brasileira, e assim por diante. Todas as subcomissões são subordinadas à CPRFB. O primeiro código do Brasil Colônia foi a Farmacopéia Geral para o Reino e os Domínios de Portugal, sancionada em 1794 e obrigatória em nosso país a partir de 1809. Após a Independência, foram utilizados, além desta, o Codex Medicamentarius Gallicus francês e o Código Farmacêutico Lusitano, hoje considerado como a 2ª edição da Farmacopéia Portuguesa. Isto, até que o Decreto n° 8.387, de 19/01/1082, estabeleceu que "para o preparo dos medicamentos oficiais seguir-se-á a Farmacopéia Francesa, até que seja composta uma farmacopéia brasileira..." Em 1926, as autoridades sanitárias do país aprovaram a proposta de um Código Farmacêutico Brasileiro, apresentada pelo Farmacêutico e Professor de Farmácia Rodolpho Albino Dias da Silva. Aprovado pelas autoridades sanitárias da época, este Código foi oficializado em 1929 e tornou-se a primeira edição da Farmacopéia Brasileira. Obra de um único autor, a primeira edição da Farmacopéia Brasileira equiparava-se às Farmacopéias dos países tecnologicamente desenvolvidos, porém diferenciava-se das demais por conter descrições de mais de 200 plantas medicinais,
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