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TEORIA POLÍTICA III 2020 Prof. Peterson Roberto da Silva e Luana do Rocio Taborda GABARITO DAS AUTOATIVIDADES 2 TEORIA POLÍTICA III UNIDADE 1 TÓPICO 1 1 Sobre as relações entre política e atividade econômica no desenvol- vimento histórico do Estado Moderno europeu, assinale a alternati- va CORRETA: a) ( ) Durante a Idade Média, monarcas uniram-se à classe burguesa para fortalecer a dinâmica econômica das cidades, o que eventualmente deu origem às monarquias absolutistas, marcando o fim da economia feudal. b) (x) O desenvolvimento de mercados internos mediante intervenção estatal mercantilista fortaleceu setores da burguesia, que ascende- ram socialmente e garantiram capital e crédito para os monarcas. c) ( ) As repúblicas urbanas da Idade Moderna não eram classificadas na época como Estados, pois seu modelo de organização política e sua in- tensa atividade comercial não condizem com a territorialidade do Estado. d) ( ) A Igreja Católica, que possuía autoridade sobre todos os Estados eu- ropeus durante a Idade Média, viu-se obrigada a ceder a reivindicações de soberania nacional após a disseminação do protestantismo fortalecer o padrão de mercado, em especial nos Estados alemães e nas repúblicas urbanas. R.: Alternativa a) Incorreta. Monarcas se aliaram a setores da classe bur- guesa, não à burguesia como um todo, que se trata de uma classe diversa e pouco internamente coerente. Além disso, a economia feudal continuou a existir no período das monarquias absolutistas. Alternativa b) Correta. Alternativa c) Incorreta. Não só autores republicanos até o século XVI de- fendiam que as repúblicas eram Estados (enquanto monarquias, não eram), como o próprio teórico (assumidamente monarquista) Bodin chegou a in- corporar essa categorização em seus textos. Além disso, a forma republi- cana de um Estado e a intensidade de sua atividade comercial, em nada contradizem a reivindicação de soberania sobre um território por parte de um Estado. Alternativa d) Incorreta. A Igreja Católica não possuía autoridade sobre to- dos os Estados europeus durante a Idade Média, apesar da reivindicação da supremacia papal, que era fundamentalmente retórica, ou adquiria im- portância efetiva somente no contexto do Sacro Império Romano-Germâni- co, mas não em toda a Europa. Poder-se-ia dizer também que a alternativa não é específica o bastante quanto à conexão entre o protestantismo, a 3 TEORIA POLÍTICA III atividade comercial dos territórios citados e a perda de poder da Igreja Ca- tólica, um argumento de outro modo possivelmente defensável. Não obs- tante, Estados como a Suécia, que institucionalizaram junto à burocracia leiga confissões protestantes, não estavam fazendo um gesto “separatista” em relação à Igreja Católica, tentando obter dela um reconhecimento que não existiria antes — embora essa política do Estado sueco de fato tenha enfraquecido a Igreja católica. Para as questões 2 e 3, leia o trecho a seguir do artigo de Sazak (2016) para a revista Foreign Affairs: Considere a Palestina, a “terra três vezes prometida”. Sir Henry McMahon [...] a prometeu aos árabes. Sir Mark Sykes, do Acordo Sykes-Picot, que dividiu o Império Otomano, a prometeu aos franceses [...]. Arthur Balfour a prometeu aos judeus. No fim, os britânicos ficaram com ela até não poderem mais e, desde então, árabes e judeus têm matado uns aos outros por ela. No Irã, a deposição apoiada pela CIA do popularmente eleito primeiro-ministro Mohammad Mosaddeq foi o último prego no caixão da monarquia de Mohammad Reza (Shah) Pahlavi, e um ponto de convergência para os protestos que culminaram na revolução islâmica. Muitos dos autocratas que foram derrubados pela Primavera Árabe deviam seu poder ou aos Estados Unidos ou à antiga União Soviética, e o mesmo poderia ser dito de seus predecessores [...]. Como a experiência europeia demonstra, a formação de uma entidade política moderna é um processo vagaroso e violento. Na França, demorou mais de um século e meio. No oriente médio, no entanto, o legado da colonização evitou — ou, melhor, distorceu — esses processos. Em vez disso, a região foi condenada a viver em uma cartografia colonialmente imposta, mas debaixo de normas modernas que estigmatizaram precisamente a violência política que homogeneizou e secularizou as entidades políticas europeias. FONTE: . Acesso em: 24 out. 2019. No artigo, Sazak defende que as consequências do colonialismo eu- ropeu fazem com que seja difícil que tratados nos moldes da Paz de Vestfália pudessem solucionar a violência contemporânea no Oriente Médio. 4 TEORIA POLÍTICA III Com base em reflexões sobre o papel do colonialismo no desenvolvi- mento histórico do Estado Moderno e sobre o princípio da soberania, responda às seguintes questões: 2 Como a difusão do modelo do Estado Moderno para além da Europa através do colonialismo pode se relacionar à geração de violência nos territórios colonizados em questão (mesmo após processos de independência)? R.: Em se tratando de relações coloniais, Estados colonizadores podem re- desenhar as fronteiras de territórios colonizados com base em interesses ma- teriais que não respeitam as comunidades pré-existentes. Se processos de independência não desfazem essas fronteiras artificialmente impostas, um Estado pode ter como população grupos étnicos que têm um histórico de relações violentas. Nesse caso, o aparato Estatal pode proporcionar os meios técnicos para que um grupo intensifique a violência contra outro, incentivan- do o grupo atacado a buscar se defender de maneira igualmente violenta. Outra razão é que as instituições administrativas do Estado, ou mesmo seus princípios políticos mais fundamentais, podem ser muito diversos da tradição política do povo colonizado em questão, o que pode gerar conflitos. 3 O autor parece sugerir que a violência (interna) seria uma parte in- dispensável do processo de formação de um eventual Estado pales- tino. Você concorda com esta afirmação? Por quê? R.: Sugestão de resposta (1): Sim. Se um único Estado for formado no ter- ritório palestino, a resultante disputa por poder levará à violência, conside- rando que será um Estado formado por grupos com visões de mundo ideal muito diferentes entre si, e os grupos poderão usar o aparato estatal para legitimar a imposição de sua visão sobre a totalidade da população. Assim como nos Estados europeus, uma “homogeneização da entidade política” foi necessária para criar um Estado nacional funcional, isso também aconte- ceria neste cenário e demoraria até que a violência pudesse ser internamen- te superada, possivelmente quando um dos grupos não mais oferecesse chances reais de subverter significativamente a estrutura de poder local. Sugestão de resposta (2): Não. Se um único Estado for formado no território palestino, toda a sua eventual população conviveria em contraste com um mesmo poder público soberano, a partir do qual uma identidade comum poderia ser forjada, eliminando uma dinâmica de competição entre grupos fundamentalmente distintos e ajudando a superar diferenças particulares prévias entre grupos étnicos. Além disso, medidas constitucionais poderiam ser tomadas para que os governos fossem sempre compostos por repre- sentantes dos diversos grupos étnicos, evitando a possibilidade de controle total da máquina estatal por parte de um grupo. 5 TEORIA POLÍTICA III TÓPICO 2 1 Dê um exemplo de um regime político histórico, e explique como influenciou o pensamento de um (ou mais) pensador(es) político(s). R.: Sugestão de resposta: Pólis Grega - Platão e Aristóteles. Sugestão de resposta: Roma Antiga - Políbio e Maquiavel, Bodin. Sugestão de resposta: Monarquia Inglesa - Locke. 2 Quanto aos regimes políticos e as diferentes concepções dos pen- sadores da Antiguidade Clássica e do Estado Moderno, podemos afirmar corretamente quanto a quais formas de governo esses con-sideraram a melhor em seus escritos políticos: a) ( ) Platão possuía uma percepção da história enquanto cíclica, no qual uma forma de governo é substituída por outra pior, não podendo alocar- -se enquanto corrompidas as formas ideais de governo, sendo: Monar- quia, Aristocracia e Timocracia. b) ( ) Para Maquiavel, o principado seria a melhor forma de governo, por permitir um alto grau de descentralização do poder, essencial para que o príncipe consiga melhor governar. c) ( ) Para Políbio, a melhor forma de governo seria aquela com um gover- no misto, contendo elementos da aristocracia, monarquia e democracia, conforme o exemplo histórico da Pólis Grega. d) ( ) Montesquieu trouxe duas contribuições centrais à Ciência Política: um estudo aprofundado do despotismo e a divisão de poderes necessária em monarquias e democracias, havendo também nos escritos do pensador francês o elemento temporal enquanto essencial para se pensar os dife- rentes modos de governar. e) (X) Jean Bodin traz críticas às teses clássicas das formas de gover- nos puros e degenerados, criticando também o governo misto por considerá-lo empiricamente sem fundamentos e por implicar a divi- são da soberania, que para o pensador possui caráter indivisível. R.: a) Incorreta. As formas ideias de governo para Platão eram Monarquia e Aristocracia. A Timocracia seria a forma de governo “menos pior” (sic) e a transição entre as formas boas e ruins. b) Incorreta. O principado seria a melhor forma de governo, mas Maquiavel não defende a descentralização do poder. 6 TEORIA POLÍTICA III c) Incorreta. O exemplo histórico que é admirado por Políbio seria a repúbli- ca romana. d) Incorreta. Para Montesquieu é o elemento geográfico aquele de maior relevância e não temporal, quanto ao estudo dos regimes de poder. e) Correta. Para a questão 3, leia, a seguir, a famosa citação de Winston Churchill extraída de um famoso discurso na Câmara dos Comuns em 11 de no- vembro de 1947. FIGURA – CITAÇÃO DE WINSTON CHURCHILL FONTE: . Acesso em: 1° out. 2019. 3 Explique o que está implícito na citação, argumentando o porquê do Estado democrático ter conquistado centralidade enquanto forma de governo mais difundida e apontando suas principais característi- cas. R.: Sugestão de resposta: Está implícito o dilema de que as democracias liberais possuem também importantes debilidades, não sendo nem um mo- delo acabado e que pode ser replicado da mesma forma em diferentes so- ciedades, nem também avesso, a falhar na forma em que se propõe a go- vernar. Por outro lado, é uma forma de governo melhor que todas as outras até agora inventadas, por pressupor a soberania do povo e um conjunto de instituições de pesos e contrapesos criadas para que o bem-estar público seja melhor considerado. São esses os elementos mínimos que explicam a centralidade que as democracias liberais conquistaram nos Estados con- temporâneos. 7 TEORIA POLÍTICA III TÓPICO 3 Para a questão 1, leia o trecho a seguir, do artigo de Codato e Perissi- notto (2001, p. 14-15) para a revista Crítica Marxista: [A crítica neoinstitucionalista] sustenta [...] que a visão que Marx possuía do Estado (e da burocracia) era pobre e esquemática, e que não haveria, nos seus escritos, um tratamento mais detido do problema que fosse além da mera constatação da natureza de classe dos processos de dominação po- lítica. Como consequência, o Estado, na perspectiva de Marx, não poderia jamais ser abordado como “um ator independente”, segundo a expressão de Skocpol, isto é, como uma variável autônoma ou como um fator explicativo, de direito próprio, dos fenômenos sociais e políticos [...]. Isso impossibilitaria tomar o “Estado” e a “sociedade” a partir de uma “perspectiva relacional”, o que daria a ambos os termos um peso próprio na explicação sociológica, resultando, assim, numa visão mais “complexa”. FONTE: adaptado de . Acesso em: 28 out. 2019. 1 Sobre o neoinstitucionalismo, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ambos, marxistas e neoinstitucionalistas, analisam o Estado como uma instituição cujas motivações são determinadas por relações de do- minação de classe, a diferença sendo que, para neoinstitucionalistas, o Estado acelera processos de transformação social com vistas à supera- ção do capitalismo. b) ( ) Enquanto marxistas veem o Estado como um fenômeno de domina- ção de classe, neoinstitucionalistas veem as relações econômicas como um subproduto das relações entre agentes e instituições estatais, por sua vez estáveis a ponto de não serem afetadas por dinâmicas ou tendências de mercado. c) ( ) Para várias correntes neoinstitucionalistas, as instituições estatais resultam de interações estratégicas entre indivíduos racionais, de modo que se transformam facilmente a partir de adaptações e mudanças de trajetória por parte de agentes centrais. d) (x) Para neoinstitucionalistas, as instituições, em especial as esta- tais, não podem ser vistas como meros epifenômenos de escolhas individuais ou princípios genéricos, sendo fatores causais impor- tantes para compreender os eventos e o desenvolvimento de uma sociedade, incluindo as próprias estratégias de agentes. 8 TEORIA POLÍTICA III R.: Alternativa a) Incorreta. Neoinstitucionalistas não necessariamente ana- lisam o Estado como sendo determinado por relações de dominação de classe, e uma vez que entendem as instituições como fatores de estabili- dade social mesmo em meio a transformações, não é correto dizer que o Estado é visto no âmbito do neoinstitucionalismo como catalisador de trans- formações sociais, ainda menos transformações especificamente voltadas à “superação do capitalismo”. Alternativa b) Incorreta. Neoinstitucionalistas não veem as relações econô- micas como um subproduto das relações entre agentes e instituições esta- tais, e entendem que Estados podem ser e frequentemente são afetados por dinâmicas de mercado. Alternativa c) Incorreta. Nenhuma vertente neoinstitucionalista afirma que instituições estatais são o resultado de interações estratégicas entre indi- víduos racionais; embora o neoinstitucionalismo de escolha racional enfo- que a performance estratégica de indivíduos e grupos, dá ênfase especial à forma como instituições, pelo contrário, constrangem as estratégias dos agentes, e embora possam se transformar a partir das ações destes, não o fazem “facilmente”. Alternativa d) Correta. 2 Sobre os processos de descentralização institucional dos Estados, leia as seguintes afirmações e, em seguida, assinale a alternativa CORRETA: I- A relação institucional entre agentes centrais e locais em um Estado pode ser caracterizada a partir das funções atribuídas pelo centro aos agentes locais, a autonomia decisória e orçamentária dos agentes locais para de- sempenhar tais funções, e o âmbito do contato entre local e centro. II- Um Estado pode ser considerado uma federação se possuir uma consti- tuição escrita e subdivisões administrativas estruturadas, de acordo com divisões territoriais e culturais historicamente reconhecidas. III- Um nível alto de centralização institucional no Estado de uma sociedade industrial contemporânea pode ser relativizado considerando que o for- necimento de serviços costuma depender de articulações em rede entre vários agentes, centrais e locais. a) ( ) Apenas a afirmação I está correta. b) ( ) Apenas as afirmações I e II estão corretas. c) (x) Apenas as afirmações I e III estão corretas. d) ( ) Apenas as afirmações II e III estão corretas. e) ( ) Todas as afirmações estão corretas. 9 TEORIA POLÍTICA III R.: A alternativa c) é a correta, considerando que as afirmações I e III estão corretas. O simples fato de um Estado possuir uma constituição escrita e ser subdividido em níveis administrativos menores não significaque ele ca- racteriza uma federação, podendo caracterizar meramente o fenômeno da devolução. Para a questão 3, leia o trecho de Kenneth Minogue (1998, p. 15) a seguir: A realidade e a ilusão são categorias centrais do estudo político. O problema começa com os próprios nomes das instituições. O predomínio das modas ocidentais [...] dá a entender que mais ou menos a mesma coisa está acon- tecendo no mundo todo. Nada poderia estar mais distante da verdade. O Japão, por exemplo, tem uma figura chamada primeiro-ministro, mas muitos erros foram cometidos por estadistas estrangeiros que se frustraram ao des- cobrir que o primeiro-ministro japonês não pode tomar decisões políticas de âmbito nacional da mesma maneira que às vezes tomam governantes de outros países. 3 Sobre as instituições que compõem os “poderes” do Estado Mo- derno (executivo, legislativo e judiciário), descreva suas funções essenciais e indique características relacionadas a variações em termos de estruturação interna e/ou de efeitos sobre a sociedade. R.: Sugestão de resposta: O poder executivo essencialmente concebe, im- plementa e coordena políticas públicas. O poder legislativo engaja pessoas públicas em discussões sobre o que a nação deveria fazer. O poder judiciá- rio é a maneira como o Estado institucionaliza seu poder soberano de resol- ver disputas. O poder executivo pode ser estruturado diferentemente, com maior ou menor concentração das decisões políticas, se for organizado de acordo com um sistema presidencial ou com um sistema de gabinete. A atu- ação dos agentes do poder legislativo, em especial sua relação com seus constituintes, depende em ampla medida das características do sistema de seleção (eleições) destes agentes. O poder judiciário pode ser organizado de formas diferentes, de acordo com a tradição jurídica prevalecente no território, e sua atuação pode ser fortemente influenciada por relações de poder na sociedade, em especial relações coloniais. 10 TEORIA POLÍTICA III UNIDADE 2 TÓPICO 1 A página Burocratas na mídia social Facebook faz postagens humora- das sobre política, cultura e, com frequência, a cultura corporativa da burocracia estatal brasileira. Para a Questão 1, confira a postagem a seguir: FIGURA – POSTAGEM PÁGINA BUROCRATAS FONTE: . Acesso em: 14 out. 2019. 1 Faça uma análise acerca dos elementos de “racionalidade” e “efici- ência”, com frequência atribuídos a burocracias, explicitando quais características das organizações burocráticas estão associadas à presença ou à ausência desses elementos em suas operações coti- dianas. Explique a relação entre as características e a presença ou ausência destes elementos. Cite, no mínimo, duas características. 11 TEORIA POLÍTICA III R.: Sugestões de características e como podem ser articuladas em uma resposta: “Organização monocrática / divisão de tarefas”: quando cada funcionário/a possui atribuições precisas, eles podem tomar decisões rapidamente ou en- caminhar a tarefa para o/a funcionário/a competente, gerando eficiência. Ou: se cada funcionário/a possui atribuições exclusivas, qualquer má per- formance de sua parte, contínua ou pontual, pode não só tornar ineficiente certas tarefas, como gerar um gargalo de performance para toda a organi- zação. “Hierarquia”: uma vez que estruturas hierárquicas permitem que decisões sejam tomadas por menos pessoas, decisões podem ser tomadas mais ra- pidamente, gerando eficiência. Ou: hierarquias podem fazer com que deci- sões sejam tomadas à revelia da vontade de pessoas interessadas na solu- ção de certos problemas ou na realização de certas tarefas, podendo gerar não só conflitos internos e, portanto, ineficiência, como também decisões que não contribuem com os objetivos gerais da organização. “Impessoalidade”: esse ideal do funcionamento burocrático deveria fazer com que sentimentos e circunstâncias pessoais dos/as funcionários/as não afetem o cotidiano das operações da organização, tornando-a mais eficien- te. Ou: a desconsideração de circunstâncias especiais ou do histórico re- lacional entre diversos atores, dentro e fora da organização, pode levar a decisões e ações ineficazes ou contraprodutivas. “Seleção meritocrática”: ao garantir que as pessoas mais qualificadas ga- nhem responsabilidades de mais alto nível, as organizações burocráticas tornam-se mais eficientes. Ou: como não há uma forma completamente segura de mensurar competência e capacidade, especialmente de forma descontextualizada, a seleção meritocrática pode servir para impedir ques- tionamentos pontuais quanto a certas promoções, levando ao próprio des- virtuamento dos princípios organizacionais que deveriam tornar uma buro- cracia eficiente. 2 Sobre a burocracia moderna e seu desenvolvimento histórico, assi- nale a alternativa CORRETA: a) ( ) Weber estava interessado exclusivamente no estudo da burocracia estatal, ignorando-a como fenômeno social. b) ( ) Um conceito central desenvolvido por Merton (1968) – que desen- volveu importantes críticas aos postulados de Weber sobre burocracia – seria o de “incapacidade treinada”, que refere-se a como os funcionários acabam priorizando a lealdade ao grupo profissional em que se inserem em detrimento das obrigações intrínsecas ao cargo. 12 TEORIA POLÍTICA III c) (x) Vimos que o crescimento de uma economia de mercado geral- mente leva a uma maior burocratização do Estado. d) ( ) A biopolítica e o poder disciplinador, tal como concebidos por Fou- cault, só foram possíveis devido ao decréscimo do contingente popula- cional europeu nos séculos XVI e XVII. e) ( ) O processo descrito por Graeber como burocratização total diz res- peito à estratégia, inaugurada pelo império britânico, de procurar adminis- trar tudo e todos. R.: Alternativa a) Incorreta. Para Weber, a burocratização atinge todas as esferas da vida social, não apenas o Estado. Alternativa b) Incorreta. O conceito de incapacidade treinada se refere a ações baseadas em treinamentos e habilidades que, embora bem-sucedi- dos no passado, não respondem adequadamente a situações novas. Alternativa c) Correta. Alternativa d) Incorreta. O biopoder e a biopolítica foram necessários para as classes dominantes no período posterior aos séculos XVI e XVII pre- cisamente devido ao aumento da população, que tornou a administração clássica, com base no direito soberano de “tirar a vida ou deixar viver”, im- praticável e ineficiente. Alternativa e) Incorreta. Na verdade, a Grã-Bretanha, quando foi a principal potência mundial, estabeleceu uma estratégia política liberal (no sentido co- mercial) ou belicosa (no sentido militar e colonial), mas não necessariamen- te administrativa ou burocrática. Para as questões 3 e 4, leia o trecho a seguir, extraído do livro The Uto- pia of Rules, de Graeber (2015, p. 13): Tenho observado que britânicos são bastante orgulhosos de não se- rem bons em burocracia; estadunidenses, pelo contrário, parecem envergonhados com o fato de que, em geral, são bem bons nela. Isso não se encaixa na imagem que eles têm de si mesmos. [Estaduni- denses] deveriam ser individualistas que dependem apenas de si próprios (essa é a razão pela qual a demonização que populistas de direita fazem dos burocratas é tão efetiva). Ainda assim, o fato é que os Estados Unidos são – e têm sido por mais de um século – uma sociedade profundamente burocrática. É fácil não perceber isso por- que a maior parte das sensibilidades e dos hábitos burocráticos dos estadunidenses – desde as roupas até a linguagem até o design de formulários e escritórios – vêm do setor privado. Quando escritores 13 TEORIA POLÍTICA III e sociólogos descreveram o “homem organizacional” ou “o homem do terno cinzento”, o conformismo sem alma equivalente ao appa- ratchik soviético, eles não estavam falando sobre funcionários do Departamento de Monumentos e Preservação ou a Administração da Seguridade Social – eles estavam descrevendo os gerentes de nível médio das corporações.É verdade que, nesse momento, burocratas corporativos não estavam sendo chamados de burocratas. Eles es- tavam definindo o padrão para o que funcionários administrativos deveriam ser. 3 Quais são as semelhanças e as diferenças entre burocracias esta- tais e burocracias privadas (empreitadas econômicas capitalistas)? Cite no mínimo uma semelhança e uma diferença. R.: Sugestões de semelhanças: “Organização monocrática / divisão de tarefas”, “hierarquia”, “decisões e ações são registradas por escrito” / “controle sistemático do trabalho rea- lizado” / “separação entre trabalhador e meio de trabalho” / “o trabalho se constitui em uma carreira” / “membros são apontados, não eleitos”. Sugestões de diferenças: “O/a dirigente máximo/a não é eleito/a” / “com exceção daquilo que esta- belecem as leis estatais, externas ao regulamento da empresa, a lealdade se deve não a uma ordem impessoal, mas ao/à dirigente máximo/a” / “o trabalho deve necessariamente ter por produto final o lucro” / “o/a dirigente máximo/a pode demitir o/a funcionário/a devido ao seu bel prazer”. 4 Quais são as características do aparato burocrático estatal brasilei- ro? Cite no mínimo duas características. R.: Sugestões de características: “Desenvolveu-se a partir da estrutura burocrática colonial portuguesa” / “desenvolveu-se em um contexto de grande desigualdade e violência” / “é historicamente patrimonialista” / “é historicamente elitista” / “padece de índi- ces elevados de corrupção” / “costuma participar ativamente da elaboração de políticas públicas” / “passou por um processo de insulamento durante a ditadura militar” / “buscou abertura para entidades da sociedade civil no pe- ríodo da redemocratização” / “passou por uma fase de desenvolvimentismo nacional no primeiro governo de Getúlio Vargas”. 14 TEORIA POLÍTICA III TÓPICO 2 1 Associe cada uma das afirmações a seguir (de I a VI) à corrente teó- rico-política mais apropriada (de A a F). I- Para serem livres, as pessoas precisam participar ativamente da vida política. II- Se não existem leis que inibem interferências arbitrárias entre indivíduos, não existe liberdade. III- A dominação se dá na forma como as relações de produção alienam o trabalho. IV- A burocracia é uma manifestação da dominação que se instala sempre que indivíduos se organizam em instituições. V- É impossível ser plenamente livre sob o governo de um Estado, e, portanto, é preciso aboli-lo para combater a dominação. VI- O Estado diminui a liberdade individual, mas sua dominação pode ser evitada estabelecendo limites para sua atuação. A – Liberalismo. B – Elitismo / tecnocracia. C – Socialismo marxista. D – Republicanismo italiano- atlântico. E – Republicanismo franco- germânico. F – Socialismo libertário / anarquista. R.: I - E / II - D / III - C / IV - B / V - F / VI - A 2 Escolha uma das afirmações (de I a VI) apresentadas na questão anterior e disserte sobre como ela se relaciona com alguma desi- gualdade econômica e/ou social abordada neste tópico. R.: Sugestão de resposta: Sobre a afirmação de que “para serem livres, as pessoas precisam participar ativamente da vida política”, isto é essencial para compreender como a opressão de raça no Brasil constitui um sistema de dominação. O legado histórico da escravidão, do descaso em termos de políticas públicas e do preconceito difuso pela população brasileira faz com que seja muito mais difícil para pessoas negras, ainda mais quando sua negritude se conecta com vulnerabilidade econômica, participar ativamente da vida política, seja no sistema estatal, enquanto político/a ou eleitor, seja 15 TEORIA POLÍTICA III em movimentos sociais ou outras formas de ativismo. Nesse sentido, a luta para melhorar as condições dos negros e ampliar sua inserção qualificada na arena pública é uma luta por liberdade. Sugestão de resposta: Sobre a afirmação IV (“A burocracia ...”): esta afir- mação se relaciona à visão elitista ou tecnocrática do processo político, e baseia-se principalmente em uma visão negativa da liberdade. Assim, de certa forma as burocracias, tanto estatais quanto privadas, contribuem para a continuidade da desigualdade entre diferentes gêneros, considerando que a diferença salarial entre homens e mulheres, por exemplo, pode se dar devido a decisões gerenciais técnicas, ou pretensamente técnicas, e em minorias que têm historicamente mais probabilidade de ser compostas por homens. Por outro lado, uma vez que nem todas as relações huma- nas envolvem instituições de larga escala, as dificuldades que as mulheres sofrem em suas vidas não necessariamente são, para essa perspectiva, indicadores de um sistema de dominação. Em suas relações familiares, por exemplo, as opressões que sofrem não são de natureza oligárquica, mas sim resultados de escolhas em termos de relacionamentos que, através de conscientização e mudanças culturais, podem mudar no futuro, levando à solução de problemas pontuais. 3 Sobre o conceito de hegemonia, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A hegemonia não caracteriza uma dominação, uma vez que a classe hegemônica não consegue impor à sociedade sua ideologia. b) ( ) A violência é o meio principal através do qual as classes dominantes constroem sua hegemonia. c) ( ) Somente as escolas estatais são aparelhos de fortalecimento da he- gemonia vigente, uma vez que as escolas privadas necessariamente dis- seminam perspectivas divergentes em relação à ideologia dominante. d) (x) O populismo é uma espécie de discurso hegemônico que pode emergir do fato de que a dominação discursiva vigente não conse- gue impedir a articulação de diversas demandas contestatórias que surgem na sociedade. R.: Alternativa a) Incorreta. A hegemonia é um tipo de dominação em que uma classe impõe sua ideologia (seus interesses particulares, caracteriza- dos como gerais) à sociedade. Alternativa b) Incorreta. Embora a violência não deixe de ser um elemento fun- damental de todo sistema hegemônico, a produção de consensos e dinâmicas discursivas são igualmente, se não mais, importantes. Alternativa c) Incorreta. O sistema educacional como um todo faz parte do apa- relho ideológico hegemônico, incluindo a grande maioria das escolas privadas. Alternativa d) Correta. 16 TEORIA POLÍTICA III TÓPICO 3 1 Cite três elementos explicativos das complexidades envolvidas no conceito de classe social. R.: Sugestões de elementos: Acirradas disputas teóricas de diferentes vertentes da ciência política quan- to ao conceito. Dinâmicas sociais complexas que colocam em xeque a definição de classes sociais enquanto elemento explicativo das dinâmicas sociais. Influências de outras variáveis sociais como gênero, raça, e educação nas dinâmicas sociais vivenciadas pelos indivíduos. 2 Cite um efeito negativo e um positivo que a atuação estatal pode trazer em relação às assimetrias de classe existentes em uma socie- dade. R.: Sugestões de efeitos negativos: Reprodução dos padrões de assimetrias e exclusões sociais existentes his- toricamente. Contribuir para que haja ainda maior exclusão social e dominação de uma(s) classe sobre outras(as), através de violência interpenetrada ou não interfe- rência. Mais especificamente, contribuir para opressão e desrespeito aos direitos socialmente adquiridos e previstos constitucionalmente. Sugestões de efeitos positivos: Através de políticas públicas reparativas, influenciar na diminuição dos ní- veis de acumulação econômica. Influenciar na inclusão política de grupos sub representados politicamente. O que pode levar a que sejam implementadas políticas direcionadas às di- ferentes formas de exclusão social. 3 De que forma as mudanças que os novos movimentos sociais sig- nificaram na segunda metade do século XX evidenciam uma ruptura com a “hegemonia” que a lente analítica das classes sociais detinha nos movimentos políticos? 17 TEORIA POLÍTICA III R.: Sugestão de resposta: Os novos movimentos sociais promoveram formas de ação política direcio- nadasa evidenciar as novas identidades culturais, ou seja, das mudanças societárias e não apenas quanto à política institucionalizada. Com isso, rom- peram com formas tradicionais de ação política, dando protagonismo a atos pacíficos. Isso porque voltavam-se à sociedade civil, procurando promover mudanças culturais que permitissem um maior espaço a pautas identitárias, para além da ênfase de classe ou trabalhista. Pode-se considerar que sejam também reativos às lógicas de burocratização e racionalidade que transcen- deram as paredes estatais e de corporações e tornaram-se lógica do mundo da vida, segundo terminologia habermasiana. Visavam, assim, transcender lógicas de dominação e da biopolítica, com reconhecimento pela opinião pú- blica e Estados das clivagens sociais como gênero, raça e identidade social e dos impactos destas nas vivências dos grupos e indivíduos. UNIDADE 3 TÓPICO 1 1 Quanto aos modelos contemporâneos de democracia, assinale a al- ternativa CORRETA: a) ( x ) No âmbito do elitismo competitivo, um dos fatores exigidos para o sucesso de democracias liberais é que as/os cidadãs/ãos não procurem influenciar as decisões políticas para além das eleições. b) ( ) Deliberacionistas teorizam que o consenso político só poderá ser alcançado com o fim de desigualdades econômicas e a subversão das instituições de governo representativo liberal. c) ( ) Socialistas entendem a democracia como uma combinação de pro- cessos decisórios com base em consenso e instituições de governo re- presentativas. d) ( ) Os modelos de democracia de equilíbrio, que abarcam o elitismo competitivo, a poliarquia, o deliberacionismo e o agonismo, pressupõem que o campo político funciona como um mercado. e) ( ) Participacionistas priorizam a participação de cidadãs/ãos comuns para além do momento eleitoral, mas somente nas instâncias decisórias legais do Estado, conforme determinadas por um governo legitimamente eleito. 18 TEORIA POLÍTICA III R.: Alternativa a) Correta. Alternativa b) Incorreta. Deliberacionistas não presumem a necessidade de subverter as instituições da democracia liberal, e afirmam que a ação comu- nicativa racional pode ocorrer, especialmente a nível social e sistêmico, a despeito de desigualdades econômicas, embora estas possam prejudicá-la. Alternativa c) Incorreta. Há grande variedade interna de perspectivas socia- listas. Em geral, instituições de governo representativas são vistas no mí- nimo com desconfiança pela maioria de marxistas e anarquistas (embora a lógica da representação, em formatos bastante específicos e diferentes das democracias liberais, não é em si descartada); processos decisórios com base em consenso costumam ser preferidas apenas por algumas correntes socialistas; e, por fim, não há modelos democráticos socialistas combinando estes dois elementos. Alternativa d) Incorreta. Apenas o elitismo competitivo e a poliarquia (entre os citados na alternativa) constituem a categoria ampla de “modelos de equi- líbrio”, especialmente porque o deliberacionismo e o agonismo condenam a leitura dos fenômenos políticos através da perspectiva mercadológica. Alternativa e) Incorreta. Para participacionistas, as instâncias decisórias das quais se pode participar em uma democracia vão além do escopo das ins- tituições governamentais, abarcando inclusive empreitadas econômicas e culturais. Para a Questão 2, leia o trecho a seguir, extraído do artigo The bounda- ry problem in democratic theory, de Song (2012, p. 49): Goodin [...] aceita as implicações radicalmente inclusivas do princípio de interesses afetados. [...] Uma interpretação do princípio define os interesses relevantes como todos os interesses que forem realmente afetados, mas isso, Goodin sugere, é incoerente. Para saber quais serão as pessoas cujos interesses serão afetados por uma decisão precisamos saber qual será a decisão, mas o que a decisão será depende de quem toma a decisão – e é exatamente isso que está em questão. Para evitar esse problema de lógica circular, Goodin argumenta por uma definição do dēmos que inclua todos os interesses possivelmente afetados: ‘qualquer um que possa ser afetado por qualquer resultado possível de qualquer questão possível que possa apa- recer em qualquer votação possível” (2008, p. 55). A partir da formulação de Goodin, virtualmente qualquer pessoa no mundo deveria ter o direito de votar em qualquer decisão. 19 TEORIA POLÍTICA III 2 Cite uma dificuldade da cidadania conceituada como relação jurídi- ca entre indivíduo e o governo representativo de um Estado-nação, explicando a natureza da dificuldade a partir da perspectiva de um dos modelos contemporâneos de democracia abordados ao longo do tópico. R.: Sugestões de dificuldades, e como podem ser explicadas: “Uma vez que governos podem tomar decisões que afetam indivíduos fora de seus territórios, e que não possuem cidadania junto ao Estado que tomou a decisão, isto pode ser um problema no contexto do participacionismo, pois coloca para os indivíduos afetados a necessidade de influenciar de algum modo estas decisões, mas a divisão dos territórios entre Estados diferentes faz com que estas pessoas enfrentem muito mais dificuldades para de fato causar essa influência”. “Há pessoas que, por uma ou outra razão, são apátridas, isto é, não pos- suem nenhum vínculo com qualquer Estado-nação. Neste caso, não pos- suem cidadania conceituada desta maneira e, considerando a democracia a partir do ponto de vista do elitismo democrático, estas pessoas não têm como vivenciar a democracia, já que não têm o direito ao voto que lhes per- mitiria alterar os membros do governo do país em que vivem. Em decorrên- cia disso, os fornecedores de bens políticos provavelmente não buscarão satisfazer suas demandas, gerando assim insatisfação e até mesmo uma situação particular de menos liberdade, considerando que a falta de direitos pode levar a ações abusivas por parte do Estado para com este grupo”. Para a Questão 3, leia a tirinha a seguir, da série Mafalda, produzida pelo cartunista argentino Quino (1932-): 20 TEORIA POLÍTICA III FONTE: . Acesso em: 20 jan. 2020. 3 Sobre a ideia de democracia como “governo no qual a soberania é exercida pelo povo”, assinale a alternativa INCORRETA: a) ( ) Para Aristóteles, na democracia o dēmos não governava em nome do bem comum, mas de interesses de classe do grupo mais pobre de cidadãos. b) ( ) Nos sistemas representativos de governo, entende-se que a sobera- nia popular é exercida através de representantes, que recebem através das eleições o consentimento do povo. c) (x) A teoria republicana de soberania popular envolve a influência irrestrita do povo sobre as decisões políticas, contrapondo-se à so- berania divina dos reis. d) ( ) Socialistas compreendem que a igualdade formal das democracias liberais mascara a opressão de classe, que impossibilita a democracia no âmbito do trabalho. 21 TEORIA POLÍTICA III R.: Alternativa a) Correta. Alternativa b) Correta. Alternativa c) Incorreta. A soberania do povo, para republicanos, também deve ser limitada, assim como a dos reis foi. Isso é feito através de meca- nismos que façam com que a democracia seja apenas um dos elementos de um sistema de governança mais amplo, que também reserva poder para outras instâncias e princípios constitucionais. Alternativa d) Correta. TÓPICO 2 1 Considerando o conteúdo abordado neste tópico, aponte três ele- mentos ilustrativos das preocupações dos/as estudiosos/as multi- culturalistas com relação aos Estados nacionais. R.: “Stuart Hall (2006), considerado o padrinho do multiculturalismo, aponta que o multiculturalismo permite perceber a pretensa neutralidade do Estado liberal, em que os movimentos de universalização do particular permitem que identidades próprias de diferentes grupos não sejam consideradas pe- los estados-não”.“Segundo Monteiro (2012), o não acolhimento das diferenças na atuação dos estados nacionais contribui para com um movimento de “encolhimento do mundo”, resultando da falta de marcos legais e ações que permitam a coexistência de práticas culturais diferentes”. “Will Kymlicka, um dos principais teóricos da Política do Reconhecimento, defende uma perspectiva da cidadania multicultural, aliando elementos pró- prios de uma concepção liberal de direitos individuais, aliada a promoção de políticas para identidades culturais existentes”. 2 Explique o principal dilema entre as perspectivas multiculturalistas e dos estudos de gênero, explicitando o argumento de autoras femi- nistas na crítica à perspectiva multiculturalista. R.: A principal crítica das teóricas dos estudos de gênero seria de que os estudos multiculturalistas não consideram desigualdades no interior dos grupos, que impactam principalmente aqueles indivíduos mais vulneráveis, como as mulheres. Argumentam que políticas de reconhecimento podem contribuir para maior opressão no interior dos grupos, o que a teoria multi- culturalista teria falhado em perceber e problematizar. 22 TEORIA POLÍTICA III 3 Por que Stuart Hall argumenta que cada vez menos um único ele- mento de identificação nos dirá quem somos enquanto indivíduos no mundo? R.: Com essa afirmação, o estudioso pretende comunicar duas dimensões: primeiro, quanto a escalada de mudanças culturais vividas nos diferentes países, com maiores padrões de migração, e tentativas de resistência iden- titária; e segundo, de que os indivíduos passam a identificarem-se enquanto diferentes questões sobre si próprios e que o mundo social os espelha: por exemplo, se é mulher, se é negra, se é periférica, se é uma pessoas com deficiência física, se é lésbica, se provém de uma família monoparental, se reside em uma comunidade quilombola, se possui nível universitário, dentre tantos elementos que acumulam-se e condicionam socialmente como os indivíduos posicionam-se no mundo e quais suas possibilidades de ação neste. TÓPICO 3 1 Quais são os processos históricos mencionados por Norberto Bo- bbio quanto a três movimentos principais da universalização dos direitos humanos? R.: a) as declarações nascem enquanto teorias filosóficas; b) de que a DUDH permite a passagem da teoria à prática quanto a ideia de direitos humanos; c) de que os direitos dos homens sejam além de autoproclamados, protegi- dos e reconhecidos. 2 Explique as principais críticas de Hannah Arendt para com o concei- to universal de direitos humanos. R.: Hannah Arendt critica a premissa de um indivíduo abstrato enquanto aquele dignitário de direitos, além da ideia de direitos que podem apenas ser recebidos, considerando que os direitos dependem de uma autoafir- mação e condições na esfera pública de agência. Ainda, a autora coloca a questão dos expatriados, por fluxos migratórios e situações extremas, ques- tionando quem garantiria os direitos destes diante dos Estados-nação. 23 TEORIA POLÍTICA III 3 Com base na charge a seguir, do artista André Dahmer, responda à Questão 3: FONTE: . Acesso em: 20 jan. 2020. A partir da charge, produza uma redação contra-argumentando com a afirmação de Norberto Bobbio (2004) quanto a não necessidade de se justificar hoje a pertinência dos direitos humanos, utilizando-se dos conhecimentos desta Unidade e das anteriores deste livro. R.: Alguns indicativos de sugestões de argumentos a serem mobilizados na construção da dissertação: I- Apontar que a pertinência dos direitos humanos ainda hoje é muito criti- cada, não apenas por estudiosos, como Hannah Arendt e Radha D´Souza (2018), discutidas no último tópico da Unidade 3, como também pela opinião pública e membros da mídia, como quanto às críticas aos “direitos humanos para bandidos” e defesa do direito da população ao linchamento público. Logo, a afirmação de Bobbio pode ser questionada, dado vermos, em di- ferentes âmbitos sociais, os direitos universais serem questionados a todo momento. II- O descrédito ao ideal de direitos humanos ampara-se também no fato de que não se tenha implementado, suficientemente, enquanto normativa uni- versal (global), e de que os indivíduos, de diferentes hemisférios, sintam-se privados de direitos básicos de diferentes formas, ou seja, a não implemen- tação e não regulação dos direitos humanos contribui para o descrédito dos povos nisto. Diferentes elementos disto que podem ser apontados seriam: a) crítica a ideia de um “salvador” externo que vem ao socorro daqueles em situações de violência, o que pode contribuir para se considerar os povos afligidos por situações de desumanidade enquanto desprovidos de capa- cidades de autodeterminação e autoemancipação; b) a corrupção em Or- ganizações Internacionais criadas para serem intermediários globais entre 24 TEORIA POLÍTICA III os países, além de corrupção em organizações da sociedade civil nacio- nais e internacionais. Além de corrupção, a contribuição destas para com a manutenção de padrões globais de desigualdades econômicas e sociais. Quando a opinião pública conclui que não pode confiar nas instituições que são constituídas para serem “virtuosas”, para defenderem os interesses e direitos daqueles desprovidos de condições para o fazerem por si próprios, estas entram em declínio por dependerem, em grande parte, do apoio dos indivíduos; c) o fato da ideia de direitos humanos basear-me em concepções do Norte global, enquanto herança da tradição europeia de pensamento, e, portanto, não ser sentida enquanto construída realmente por todos os povos do globo, e adereçando questões das mais relevantes para estes. III- A dissertação pode também apontar argumentos para a relevância de defendermos, em diferentes círculos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, enquanto principal documento que rege a humanidade, e fru- to de processos históricos e filosóficos acumulados através dos séculos. Pode apontar como processos próprios do capitalismo e de fluxos globais de mercado acabam por impossibilitar avanços nas garantias dos direitos humanos, ou ainda discutir o modelo liberal de direitos humanos enquanto essencialmente vazio como o faz Radha D´Souza (2018). Contudo, defen- der que se precisa assim que os direitos humanos sejam de fato implemen- tados e revistos, bem como o papel de agências internacionais, para que os direitos universais se tornem, realmente, universais para todos e menos determinados por dinâmicas mercadológicas e elitistas.