Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA INSTITUTO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR DE BRASÍLIA CURSO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS PROF. PAULO EMÍLIO IESB - DIREITO PENAL I – AULA XIV CULPABILIDADE A culpabilidade é a terceira categoria do crime. O seu exame, assim, constitui-se no terceiro estágio da análise do crime. Devemos, todavia, nos recordar da atual discussão havida em doutrina acerca da necessidade ou não de sua presença para a configuração do crime. Assim, e como já examinado em aulas anteriores, há funda divergência na doutrina; A corrente mais tradicional, representada por Damásio de Jesus, Fernando Capez e outros, pontua que a culpabilidade se constitui apenas mero pressuposto de aplicação da pena, entendendo-se presente o crime uma vez que presentes os elementos de tipicidade e antijuridicidade da conduta imputada ao agente (segundo tal concepção, crime = fato típico + antijurídico). De outra senda, é certo que há corrente, defendida, sobretudo, pelos penalistas mais modernos (dentre os quais destacamos, Paulo Queiroz, Cezar Roberto Bittencourt, Luiz Régis Prado, dentre outros), segundo a qual a culpabilidade é um elemento necessário ao conceito analítico do crime e não mero pressuposto da pena. Tal posicionamento implica em reconhecer que sem a presença da culpabilidade, não haveria o crime, ainda que presentes a tipicidade e a antijuridicidade da conduta (para tal corrente, crime = fato típico + antijurídico + culpável). CONCEITO DE CULPABILIDADE Em sentido leigo ou comum, costumamo- nos referir a alguém como culpado por um determinado fracasso, atribuindo-lhe, assim, um conceito negativo de reprovação. O exame da culpabilidade, em Direito Penal, também se aproxima dessa concepção, pois constitui o juízo de censura e reprovação exercido sobre o agente que tenha praticado fato típico e ilícito. O conceito de culpabilidade tem evoluído na doutrina, sobretudo após a superação da antiga Teoria Causalista e sua substituição pela Teoria Finalista (ou Final) da Ação, obra de Hans Welzel. De toda sorte, modernamente, o conceito de culpabilidade, segundo Bittencourt1, tem três acepções bem distintas, quais sejam: “Em primeiro lugar, a culpabilidade – como fundamento da pena – refere-se ao fato de ser possível ou não a aplicação de uma pena ao autor de um fato típico e antijurídico, isto é, proibido pela lei penal. Para isso, exige-se a presença de uma série de requisitos – capacidade de culpabilidade, consciência da ilicitude e exigibilidade da conduta – que constituem os elementos positivos específicos do conceito dogmático de culpabilidade. A ausência de qualquer desses elementos é suficiente para impedir a aplicação de uma sanção penal. Em segundo lugar, a culpabilidade – como elemento da determinação ou medição da pena. Nessa acepção, a culpabilidade funciona não como fundamento da pena, mas como limite desta, impedindo que a pena seja imposta aquém ou além da medida prevista pela própria idéia de culpabilidade, aliada, é claro, a outros critérios, como a importância do bem jurídico, fins preventivos, etc. E, finalmente, em terceiro lugar, a culpabilidade – como conceito contrário à responsabilidade objetiva. 1 BITTENCOURT, Cezar Roberto. In ‘Manual de Direito Penal’, Saraiva, Vol. 1, p. 272-273 Nessa acepção, o princípio da culpabilidade impede a atribuição da responsabilidade objetiva. Ninguém responderá por um resultado absolutamente imprevisível se não houver obrado com dolo ou culpa” De todas as acepções técnicas do conceito de culpabilidade, importa-nos saber e aprofundar o estudo da primeira, qual seja, a culpabilidade enquanto juízo de reprovação e censura da conduta típica ou antijurídica. A todo modo, esclarecemos que, para uma melhor compreensão do tema, não adentraremos o debate acerca da culpabilidade como elemento do crime, já referida no início desta aula. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE CULPABILIDADE - TEORIAS Assim, cabe rememorar em breves linhas as diferentes teorias cunhadas ao longo da História para definir a culpabilidade, quais sejam: Teoria psicológica da culpabilidade – historicamente, foi a primeira teoria cientificamente cunhada para explicar a culpabilidade, e segundo sua concepção, a culpabilidade era a ligação psicológica existente entre o agente e a conduta praticada. Vigente na época da Teoria Causal, preconizada por Von Listz e Beling, nos idos do ano 1900 na Alemanha, tal concepção revelava o entendimento então aceito de que o dolo e a culpa pertenciam à culpabilidade, idéia que veio a ser infirmada em período posterior, com a adoção do finalismo. Teoria psicológico-normativa – Ainda considerava que a culpabilidade refletia o elo psicológico do agente com a conduta (dolo ou culpa), mas considerava mais alguns elementos desconhecidos pela teoria psicológica: a imputabilidade e a exigibilidade de conduta diversa. O conceito de dolo, por sua vez, era o normativo, pois exigia do agente a presença da consciência da ilicitude aliada à vontade de praticar a conduta típica. Teoria normativa pura – Com a adoção da Teoria Finalista da Ação (o finalismo), que teve melhor elaboração em Hans Welzel, restou assente que o dolo e a culpa (ou seja, a relação psicológica do agente com o fato) se encontrava na conduta, sendo portanto elemento da tipicidade, uma vez que se concluiu que não há conduta quando não exista vontade. Retirados o dolo e a culpa da culpabilidade, a culpabilidade passa a ser puramente normativa, ou seja, “puro juízo de valor de reprovação que recai sobre o autor do injusto penal excluída de qualquer dano psicológico. Assim, em vez de imputabilidade, dolo ou culpa e exigibilidade de conduta diversa, a teoria normativa pura exigiu apenas a imputabilidade e exigibilidade da conduta diversa, deslocando o dolo e a culpa para a conduta. O dolo foi transferido para o fato típico e não é, no entanto, o normativo, mas o natural, composto apenas de consciência e vontade. A consciência da ilicitude destacou-se do dolo e passou a constituir elemento autônomo, integrante da culpabilidade ”2. Demais disso, insta dizer que nessa fase evolutiva, não se exigia a real e atual a consciência da ilicitude por parte do agente, mas tão somente a potencial consciência da ilicitude. É a teoria mais moderna da culpabilidade, e adotada pelo Direito Penal Brasileiro. O nosso Código Penal, como dito acima, adotou a teoria limitada da culpabilidade, o que significa dizer que as descriminantes putativas (previstas no art. 20, § 1º do Código Penal), são espécies de erro de tipo, podendo, excepcionalmente, constituírem-se em erro de proibição, segundo a melhor doutrina (Damásio, Assis Toledo, et al.). ELEMENTOS DA CULPABILIDADE. Com tais considerações, percebe-se que, segundo a concepção finalista, os elementos da culpabilidade são: a) imputabilidade; b) potencial consciência da ilicitude e c) exigibilidade de conduta diversa. 2 CAPEZ, Fernando. Op. cit., Vol. 1, p. 274 As causas que excluem a culpabilidade são doutrinariamente denominadas causas dirimentes. I. Imputabilidade – A imputabilidade é tida como a capacidade de culpabilidade. Isto é, o autor deve conhecer o injusto, ou ao menos, ter o poder de conhecê-lo e tem de poder decidir-se por uma conduta conforme o Direito em virtude desse conhecimento (real ou potencial). Em sua obra, Welzel concluiu que a capacidade de culpabilidade apresenta dois momentos distintos: um cognoscivo ou intelectual e outro volitivo, conforme essa compreensão, acrescentando que somente a conjunção dos dois momentos resultará na capacidade de culpabilidade. Conceito de imputabilidade – é a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento.O agente deve ter condições físicas, morais, psicológicas e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Em outras palavras, imputável é aquele que reúna a capacidade de entendimento do caráter ilícito do fato conjuntamente com a capacidade de comandar sua própria vontade, ou seja, de autodeterminação do seu comportamento de acordo com a aquela consciência. A regra geral é que o agente seja imputável, a não ser que exista alguma causa excludente de imputabilidade (causa dirimente). Causas que excluem a imputabilidade A imputabilidade é a capacidade de culpabilidade, a aptidão de ser culpável. Assim, quem carece dessa capacidade por não ter maturidade suficiente, ou por sofrer de graves alterações psíquicas, não pode ser considerado culpado, e por conseguinte, não pode ser responsável pelos seus atos. O Código Penal adotou o sistema biopsicológico de aferição da inimputabilidade, segundo o qual será inimputável (a causa excludente de imputabilidade deve estar prevista em lei e atuar efetivamente ao tempo da ação, retirando do agente a capacidade de entendimento e de ação). Assim, são excludentes da imputabilidade: - a menoridade penal – O art. 228 da Constituição Federal coloca que: “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos a normas da legislação especial”. Da mesma forma, o art. 27 do Código Penal: “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”. Assim, há presunção absoluta de que os menores de 18 anos são incapazes de entender o caráter ilícito de suas ações ou mesmo de assim se determinar. A Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolenscente) estabelece o regime dos menores que vierem a praticar fatos típicos, que, no caso, são chamados de atos infracionais e ensejam a aplicação de medidas sócio-educativas ao invés das penas previstas na legislação penal. - Doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado – diz o art. 26 que “É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Doença mental é a “perturbação mental ou psíquica de qualquer ordem, capaz de eliminar ou afetar a capacidade de entender o caráter ilícito do fato ou a de comandar a vontade de acordo com esse entendimento”.3 Desenvolvimento mental incompleto é o que ainda não se concluiu e desenvolvimento mental retardado é o que não se concluirá. Incompleto é o desenvolvimento mental e emocional ainda em curso, mas apto a atingir sua plenitude, tal qual o dos silvícolas que 3 CAPEZ, Fernando. Op. cit. Vol 1, p. 277 ainda não se adaptaram à sociedade. Retardado é o desenvolvimento incompatível com o estágio de vida em que se encontra a pessoa. É o caso dos oligofrênicos, que são pessoas de reduzidíssimo coeficiente de inteligências (imbecis, idiotas e débeis mentais). Dada a sua quase insignificante capacidade mental, ficam impossibilitados de efetuar uma correta avaliação da situação de fato que se lhes apresenta, não tendo, por conseguinte, condições de compreender o caráter ilícito de suas ações. Entende parte da doutrina que também os surdos-mudos têm sua capacidade de entendimento e autodeterminação obstada, ao menos no que se refere às suas restrições sensoriais. Deve-se dizer por ainda neste tópico acerca dos transtornos mentais transitórios, considerados aqueles que atuam temporariamente. Ocorrendo simultâneo à prática do fato típico e retirando completamente a capacidade de entendimento do agente, é de se considerar que exclui a imputabilidade do agente. - Embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior –O § 1º do art 28 do Código Penal determina que “É isento de pena o agente que, por embriaguez completa, proveniente de caso fortuito ou força maior, era ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Aqui, o fator determinante da exclusão da culpabilidade é a embriaguez completa. Não apenas a embriaguez, mas a completa, e mais, proveniente de caso fortuito ou força maior. Embriaguez é “a intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool, cujos efeitos podem progredir de uma ligeira excitação até o estado de paralisia e coma”4. Damásio de Jesus ensina que a embriaguez tem três distintos estágios: a) excitação – em que o sujeito apresenta enorme euforia, torna-se brincalhão, fala em tom elevado e tem reduzida a sua autocrítica; b) depressão, em que o sujeito já apresenta certa confusão mental, perdendo a capacidade de coordenar seus movimentos corporais e irrita-se com facilidade; c) letargia, quando o sujeito já ultrapassou todos os limites de autocontrole físico e mental, atingindo o sono, a anestesia, culminando, por fim, com o coma. A embriaguez é completa quando o agente esteja, ao menos, no segundo estágio. Além de completa, exige-se, para o reconhecimento da excludente da imputabilidade por embriaguez, que seja também originada de caso fortuito ou força maior. 4 JESUS, Damásio E. ‘Direito Penal’, 15ª edição, Saraiva, Vol. 1, p. 447. Embriaguez por caso fortuito é a acidental, que ocorre sem que o sujeito quisesse se embriagar, nem a decorrente de negligência. Nem é voluntária, nem é culposa (Ex.: sujeito que sem saber nadar, cai em um tonel de cachaça e, durante breve período, se ‘afoga’, ingerindo grande quantidade da bebida). Embriaguez proveniente de força maior é a resultante de força física externa imprimida sobre o sujeito, no sentido de forçá-lo a ingerir a bebida alcoólica. A doutrina tem enfrentado o caso da embriaguez patológica, ou seja, aquela dos alcoólatras e dos dependentes, que se colocam em estado de embriaguez em virtude de uma vontade incontrolável de volta a consumir a substância e a analisam sob o enfoque do art. 26, § 1º do Código Penal, na medida em que a consideram doença mental. Assim, se a doença (alcoolismo) atua de forma a anular a capacidade de entendimento ou autodeterminação do agente, será considerado inimputável por força de doença mental. Conclusão: Verificada a inimputabilidade do agente, ser-lhe-á aplicada, em caso de maiores de 18 anos, medida de segurança pertinente (como internação em manicômio judiciário, internação hospitalar, tratamento ambulatorial, etc); se a inimputabilidade decorre da menoridade, ser-lhe-á aplicada medida sócio-educativa prevista na legislação própria (ECA). OBSERVAÇÃO: Somente a embriaguez completa fortuita (tb força maior) exclui a imputabilidade. Se não for completa, mas for conseqüência de força maior ou caso fortuito, reduzirá a pena aplicável ao agente de 1/3 a 2/3, conforme o grau de perturbação, segundo o art. 28, § 2º do Código Penal). A embriaguez não acidental (voluntária – o agente quer ingerir a bebida com o fim de se embriagar – ou culposa – o agente quer ingerir a bebida, mas não busca a embriaguez, que se apresenta por negligência do agente) não exclui ou diminui a imputabilidade do agente (art 28, II do CP). Ainda que restrinja ou anule a capacidade de entendimento ou autodeterminação do agente, atua aqui a teoria da actio libera in causa, segundo a qual o agente era livre para decidir se ingeriria ou não a bebida alcoólica no início da sua ação. Assim, a conduta, ainda que praticada em estado de embriaguez completa, originou-se de um ato de livre-arbítrio do agente. Por derradeiro, há ainda a embriaguez preordenada, ou seja, aquela ocasionada pelo agente a fim de obter ‘coragem’ para a prática do ato criminoso, incidirá, causa agravante genérica prevista no art. 61,II, l do CP. O Art 28, I do Código Penal, por fim, coloca que a emoção e a paixão não excluem a imputabilidade do agente. Emoção é o sentimento abrupto e repentino. Paixão é o sentimento duradouro e profundo que se arraiga paulatinamente na alma humana. Todavia, é certo que a violenta emoção poderá servir como circunstância minorante nos crimes de homicídio e lesões corporais (art 121, § 1º e 129, § 4º do CP). Casos de capacidade diminuída (semi- imputabilidade) – A lei penal prevê, ainda, situações em que o agente, mesmo imputável, tem a capacidade de entendimento ou autodeterminação diminuídas, em razão de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art 26, parágrafo único) ou por embriaguez incompleta fortuita ou proveniente de força maior (art 28, § 2º do Código Penal). Em casos tais, não há exclusão da imputabilidade, mas apenas a redução na pena aplicável no patamar de 1/3 a 2/3. Alguns autores defendem que nessas situações, o juiz poderá aplicar medida de segurança, se o laudo de insanidade mental (elaborado por psiquiatras forenses) recomendar a sua aplicação. II. Potencial consciência da ilicitude – Consciência é conhecimento, é conhecer, saber, discernir. A ilicitude é ao relação de antagonismo entre um fato e o Direito. Potencial é o que exprime a possibilidade de algo. Potencial consciência da ilicitude é, portanto, a possibilidade de se saber que o fato praticado é contrário ao Direito, ilícito e proibido, portanto. Assim, para que se reprove a conduta de alguém é necessário saber se aquele agente detinha, ao menos potencialmente, a possibilidade de saber que sua conduta era proibida. Para a reprovação da conduta do sujeito não se lhe exige a real consciência da ilicitude, mas já a potencial é suficiente para a reprovação da conduta típica e ilícita. “Exige-se que lhe tenha sido possível, nas circunstâncias em que atuou, atingir o conhecimento da ilicitude, mesmo que não a tenha alcançado. É um elemento puramente normativo, uma valoração que o juiz fará sobre o fato do agente, buscando verificar se era possível a ele, com o esforço devido de sua inteligência, com um juízo de seu próprio pensamento, conhecer que sua atitude era proibida”.5 Traçado nesses termos o conceito, podemos tomar por verdade que o já estudado erro de proibição, visto na aula XI, exclui a culpabilidade, na 5 TELLES, Ney Moura. Op. cit., Vol. I, p. 296 justa medida em que afasta, de forma inexorável, a consciência da ilicitude do agente. Assim, relembre-se que o ERRO DE PROIBIÇÃO ocorre quando o agente supõe, erroneamente, praticar um ato permitido, mas, na verdade, realiza um comportamento proibido pelo direito. No erro de proibição, o agente engana-se quanto ao caráter ilícito de sua ação supondo-a lícita. Previsto no art. 21 do Código Penal, o erro de proibição inevitável exclui a culpabilidade do agente. Nas lições do saudoso mestre ASSIS TOLEDO, nessa espécie de erro: “o agente supõe permitida uma conduta proibida; lícita uma conduta ilícita. O seu erro consiste em um juízo equivocado sobre aquilo que lhe é fazer na vida em sociedade. Mas não se trata de um juízo técnico-jurídico, que não se poderia exigir do leigo, e, sim, um juízo profano, um juízo que é emitido de acordo com a opinião dominante no meio social e comunitário”. Temos ainda que somente o erro de proibição inevitável exclui a potencial consciência da ilicitude da conduta e, assim o é, uma vez que somente esta espécie leva à isenção da pena (vide art. 21, CP). Rememore-se que o erro de proibição inevitável é aquele em que incorreria qualquer pessoa de média prudência e discernimento.. Alguns exemplos interessantes há em jurisprudência, como o da mulher de 18 (dezoito anos) que tinha dois filhos confiados à guarda judicial da avó paterna e um determinado dia resolve passar na residência dos filhos e levá- los a um passeio a uma cidade praiana distante 10 km de sua cidade, quando foi presa na Rodovia e no interrogatório afirmou não ver qualquer ilicitude em sua conduta, pois é mãe dos meninos. Ainda assim foi denunciada pela prática do crime previsto no art. 249 do Código Penal, assim definido “Subtrair menor de dezoito anos ou interdito ao poder de quem o tem sob sua guarda em virtude de lei ou de ordem judicial”. Analisando o caso, o Tribunal de Alçada de São Paulo assim decidiu: “Tratando-se a mãe do menor de pessoa de pouca idade e simplesmente alfabetizada, aquém pareceu não estar cometendo ilícito penal ao levar o filho consigo, é de se reconhecer o erro sobre a ilicitude do fato em termos inevitáveis, justificando a absolvição”.6 OBSERVAÇÃO: O erro de proibição evitável não exclui a culpabilidade, operando, se presente, somente a redução da pena aplicável de 1/6 a 1/3, segundo a dicção do art. 21 do Código Penal. 6 RT 630/315, apud Ney Moura Telles, op. cit., p. 299 Também o EXCESSO NAS EXCLUDENTES DE ILICITUDE, DERIVADO DE ERRO DE PROIBIÇÃO afastam a potencial consciência da ilicitude. Vejamos: Como já referido, pela adoção da teoria limitada da culpabilidade, as descriminantes putativas (art. 20, § 1º, CP) serão em gera, espécie de erro de tipo, mas excepcionalmente também podem se dar em erro de proibição. Assim, “Quando o erro do sujeito incidir sobre pressuposto de fato da justificativa, por exemplo, sobre a existência de ‘agressão’, que justificaria a legítima defesa, será erro de tipo, e, como erro de tipo, ficará excluído o dolo e a culpa, se inevitável, e apenas o dolo, se evitável, respondendo, nessa hipótese, se previsto. Errando o agentes sobre os limites da eximente – a necessidade dos meios, na legítima defesa – ou até mesmo sobre a sua existência – a eutanásia – por exemplo – então trata-se de erro de proibição, inevitável ou evitável, com exclusão ou diminuição da culpabilidade”7. Fernado Capez afirma que no caso descriminante putativa por erro de proibição “há uma perfeita noção da realidade, mas o agente avalia equivocadamente os limites da norma autorizadora” e traça o seguinte exemplo: “o homem esbofeteado na que se supõe em legítima defesa. Ele sabe que a agressão 7 TELLES, Ney Moura. Op. cit., Vol 1, p. 302 cessou, que seu agressor já está de costas, indo embora, mas supõe que, por ter sido humilhado, pode atirar por trás, matando o sujeito. Imagina, por erro, a existência de uma causa de exclusão de ilicitude, que, na verdade, não se apresenta. Só que não é um erro sobre a situação de fato, mas sobre os limites da norma excludente (até que ponto a norma que prevê a legítima defesa permite ao agente atuar)”.8 Assim, concordamos que nos casos de descriminantes putativas por erro de proibição (ou seja, por transbordar o agente dos limites, acreditando estar agindo dentro da licitude) também resultará na falta de potencial consciência da ilicitude, se inevitável, e, portanto, excluirá a culpabilidade. III. Exigibilidade de conduta diversa. Sé há culpabilidade quando, além da potencial consciência da ilicitude, é possível concluir que ao agente era exigido que se comportasse de forma diversa, ou seja, conforme o Direito. Assim, segundo a teoria da normalidade das circunstâncias concomitantes, de Frank, para que se 8 op. cit, Vol. 1, p. 293 possa considerar alguém culpado do cometimento de crime, deve-se pressupor presentes as condições e circunstâncias normais. Assim, temos como elemento da culpabilidade a exigibilidade de conduta diversa, que se verifica presente quando há expectativa social de um comportamento lícito pelo agente, nas circunstâncias que se encontrava. Diz o artigo 22 do Código Penal, sobre a coação moral irresistívele a obediência hierárquica, que: “Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”. Temos, portanto, algumas causas legais que conduzem à exclusão da culpabilidade, por ausência de exigibilidade de conduta diversa, quais sejam: - Coação moral irresistível – Coação apta a afastar a exigibilidade de conduta diversa e, portanto, a própria culpabilidade é a coação moral, ou seja, a conhecida ameaça, uma vez que a coação física exclui a própria conduta, por ausência de elemento volitivo. A irresistibilidade da coação moral (ameaça) deve ser medida pela gravidade do mal que constitui o seu objeto. Essa gravidade deve se relacionar com a natureza do mal e, óbvio, com a possibilidade do coator em realizá-lo. Bittencourt pondera que “ameaças vagas e imprecisas não podem ser consideradas suficientemente graves para configura coação irresistível e justificar a isenção de pena. Somente o mal efetivamente grave e iminente tem condão de caracterizar a coação irresistível (...) o que importa é que o temor do agente impeça-lhe de deliberar livremente: ou obedece ou o mal que tem se concretizará”.9 A conseqüência da prefalada coação moral irresistível será a exclusão da culpabilidade, por inexigibilidade de conduta diversa. Se a coação moral for resistível (ou seja, por sua menor gravidade, exigia- se que o agente a ela resistisse), não haverá a exclusão da culpabilidade, mas tão-somente a incidência de circunstância atenuante genérica em favor do agente, prevista no art. 65, III, 1ª parte. - Obediência hierárquica a ordem não manifestamente ilegal. A obediência hierárquica é prevista na parte final do art. 22. A doutrina é unânime em exigir a presença de relação de direito público entre o superior hierárquico e o subordinado que recebe a ordem. A hierarquia privada, própria das relação privadas não é abrangida por tal artigo. 9 ‘Tratado...’, vol. 1, p. 310 A ordem de superior hierárquico, segundo Capez, é: “manifestação de vontade do titular de uma função pública a um funcionário que lhe é subordinado”.10 Bittencourt anota que a ordem “deve ser ilegal, mas não manifestamente ilegal, não flagrantemente ilegal. Quando a ordem for ilegal, mas não manifestamente, o subordinado que a cumpre não agirá com culpabilidade, por ter avaliado incorretamente a ordem recebida (...). Agora, quando cumprir ordem manifestamente ilegal tanto o superior hierárquico quanto o subordinado são puníveis. O subordinado não tem o dever de cumprir ordens manifestamente ilegais”.11 - Causas supralegais de exclusão da exigibilidade de conduta diversa (Causa dirimente supralegal) – Há alguma dissidência na doutrina penal acerca da existência de causa supralegal (‘acima da lei’, não previstas na lei penal). Todavia, a maior parte se inclina no sentido de aceitá- las, ponderando que só há culpabilidade quando, além da imputabilidade e da potencial consciência da ilicitude, é possível exigir do agente que adote comportamento conforme o Direito. A posição encontra eco na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RSTJ 15/377), em acórdão do qual foi relator o saudoso Ministro Assis Toledo, que em 10 ‘Curso’, vol. 1, p. 295 11 op. cir., Vol I, p. 311 sua obra12 pontifica acerca do tema que: “Não age culpavelmente – nem deve ser penalmente responsabilizado pelo fato – aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo, porque, dentro do que é comumente revelado pela humana experiência, não lhe era exigível comportamento diverso”. Opera, ainda, em favor desse posicionamento, o princípio nullum crimen sine culpa, adotado pelo Código Penal (Exposição de Motivos), não há como se condenar em hipóteses em que, mesmo que a lei penal não tenha previsto, verifique-se claramente a anormalidade das circunstâncias concomitantes, que levaram o agente a atuar de forma diversa da que faria em uma situação normal e, ainda, não se lhe podia exigir o comportamento lícito. A inexigibilidade de conduta diversa, por derradeiro, é princípio geral de direito, de modo que sempre que alguém realizar um comportamento típico e ilícito, mas não se puder dele exigir conduta diversa daquela que realizou, deve-se concluir pela ausência de culpabilidade, ainda que não exista uma norma legal prevendo expressamente a circunstância como dirimente. 12 op. cit., p 328
Compartilhar