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Historia da Medicina Tradicional Chinesa

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História da Medicina Tradicional Chinesa 
 中医历史 
ZhōngYī Lìshǐ 
 
João Sampaio 
2002 
 
 
 1 
“toda a teoria é falsa […]; a grande ciência consiste em 
abraçar[…]; analisar é uma ciência inferior” 
 Dao de jing de老子 Laozi (Séc VI a.C.) 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 2 
Índice 
 
I Introdução 4 
II Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027) 14 
 Descoberta de plantas e substâncias medicinais 19 
 Origem de tratamentos externos, acupunctura e moxibustão 21 
 Primórdios da actividade médica e protecção da Saúde 24 
III Desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa desde a dinastia 
 Zhōu época dos Sān Guó(três reinos) (1027 a.C – 265 d.C.) 
 
32 
 Início da compreensão das doenças 37 
 Os séculos VI e V a.C. Ocidentais 39 
 Invenção dos vinhos medicamentosos e decoções 41 
 Génese na protecção da saúde 45 
 Criação de um Sistema de Serviço Médico 48 
 Formação de um sistema teórico médico 49 
IV O pleno desenvolvimento da Medicina e Farmacopeia Chinesa (desde as 
Dinastias Xī Jìn, (anterior) e Hòu Jín, (posterior) até às Dinastias 
隋 Sui, 唐 Tang e Wǔdaì (Cinco Dinastias), (265d.C. – 960d.C.) 
 
 
 
59 
 Cronologia de 220 a 960 60 
 Sistematização da palpação do pulso 63 
 Desenvolvimento nos factores patogénicos e sintomatologia 65 
 Progresso da Matéria Médica e da Medicina 65 
 Sumário de preparações medicinais 69 
 O grande desenvolvimento da Medicina Clínica 72 
 Cirurgia 73 
 Traumatologia 73 
 Obstetrícia 74 
 Pediatria 75 
 A educação médica e o sistema administrativo 76 
 As trocas médicas entre a China e os Países estrangeiros 78 
V Sistematização Médica, Desenvolvimento e Debates de Aprendizagem 
(Dinastias Song e Ming 960 – 1368 D. C.) 
 
81 
 Cronologia de 895 a 1644 82 
 Desenvolvimento da Educação Médica 86 
 Fórmulas 87 
 Acupunctura e moxibustão 90 
 Ginecologia 92 
 Pediatria 92 
 Cirurgia e Traumatologia 93 
 Medicina Forense 94 
 Debates Médicos durante as dinastias Jin e Yuan 94 
 Trocas entre a China e países estrangeiros 97 
VI Novos desenvolvimentos na teoria médica e prática (Ming e Qing – 
1368-1840) 
 
99 
 Farmacologia Tradicional Chinesa 104 
 Desenvolvimento Sem Precedentes e Popularização das 
Fórmulas de Farmacologia da Medicina Tradicional Chinesa 
 
107 
 Especialidade de medicina interna 109 
 
 3 
 Cirurgia e traumatologia 110 
 Obstetricia e ginecologia 110 
 Pediatria 111 
 Especialidade de oftalmologia, estomatologia e dentista e 
laringologia 
 
111 
 Acupunctura 112 
 Terapia Popular 113 
 Investigação Efectuada sobre os Clássicos Médicos e 
Compilação de Diversos Trabalhos Médicos 
 
114 
VII Fim do império 120 
VIII Bibliografia 123 
IX Anexo 128 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5 
Introdução 
 
 
“Um verdadeiro móbil de forças que trabalham contra nós hoje em dia na Ásia e em 
África é no ódio milenar mantido pelo orientalismo asiático contra as últimas réstia da 
era da civilização ocidental que ainda ardem nessas regiões. O que o Oriente não pode 
suportar, é a luz potente e redentora numa cultura que proclama a liberdade civil e 
moral do homem contra essa tirania da casta que é a tirania de base de todas as 
filosofias orientais. É o que explica que a maravilhosa tecnologia da civilização 
ocidental tenha sido totalmente assimilada, desde as fronteiras da Ásia até aos confins 
do Japão, sem ter sido sujeita, junto dos povos, a qualquer modificação das suas 
concessões filosóficas e religiosas da vida humana. É como se a China, a Rússia, a 
Índia e o Japão, para apenas nomear os maiores países, tivessem tirado partido 
unicamente das ciências experimentais da nossa civilização de forma a armar-se e 
equipar-se para destruir finalmente tudo o que é mais profundo e essencial, o seu 
espírito e a sua moral”1 
 
Este texto, escrito por Costa Brochado em 1964, atesta bem a posição da Europa como 
a única depositária da verdade factual dāngrán. Aliás, “a verdade é uma noção muito 
europeia” 2. Assim, não cabe aos portugueses a exclusividade chauvinista em relação 
aos povos orientais, encontrando-se isso em textos semelhantes nos variados livros de 
história dos diversos países europeus3. “A insaciada intolerância à alteridade – paixão 
de que se alimenta o nosso pensamento – levou-nos a ver vácuo naquilo que não nos 
reflecte, a classificar de incompleto o que de nós difere”.4 
 
A posição antropológica europeia, na interpretação do mundo oriental utilizando 
princípios desenraizados e mentalidades completamente desfasadas, continuamente 
atingem conclusões destituídas de qualquer fundamento, tornando-se na sua maioria 
completamente ridículas. “Não há ninguém no mundo com uma visão pura de 
preconceitos. […] A história da vida individual de cada pessoa é acima de tudo uma 
acomodação aos padrões de forma e de medida tradicionalmente transmitidos na sua 
comunidade de geração em geração. […] Todo aquele que nasça no seu grupo delas 
partilhará com ele, e todo aquele que nasça do lado oposto do globo adquirirá a 
milésima parte dessa herança”5 
 
De facto estes princípios “são o produto de processos mentais, culturalmente pré-
determinados, pelo conjunto dos factores constitutivos duma civilização. Eles 
influenciam e modelam o julgamento, em todas as relações que o espírito mantém com 
o real. É o olhar que nós temos acerca das outras culturas e os conhecimentos que os 
acompanham, que agem então como um verdadeiro prisma deformante. As diferentes 
facetas deste prisma são de ordem ideológica, linguistica, e histórica. Se nós não 
tivermos consciência destas deformações, a compreensão que nós temos dos termos e 
 
1 Brochado, Costa – Henrique o Navegador, Lisboa, 1964 
2 Julien, François – Le detour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/fle98ju.htm, 
p. 2 (Retirado da Web em 27.11.2000) 
3 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973 
4 Moscovici, Serge – A sociedade contranatura. Teorema, Livraria Bertrand. 1977. p. 35 
5 Benedict, Ruth – Padrões de cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.14 – 15 
 
 6 
dos conceitos desenvolvidos por outra cultura, faz-se através dos critérios próprios da 
nossa, e, deste facto, incapazes de os integrar”6 
 
Ao falarmos da História da Medicina Chinesa não podemos deixar de pensar que a sua 
análise é sempre vista, por nós, numa lógica indutiva, i.e., do particular para o geral, e 
numa perspectiva antropológica ocidental, e que a mesma contém erros nomeadamente, 
como a que já vimos acima, e que dizem respeito a uma incapacidade de penetrar na 
mentalidade oriental, cuja lógica essencialmente dedutiva se movimenta do geral para o 
particular. 
 
[…]Todas as parteiras chinas e canarias (da raça canarim7) curam de medicina e de 
quantas enfermidades há, sem ninguém saber o que elas sabem. E como as mulheres 
dos portugueses, as mais delas, são chinas ou têm parte disso, são mais afeiçoadas a 
este modo de cura, por ser o seu natural e, pelo contrário, estranham muito as curas ao 
modo português. De maravilha consentem que seus maridos façam uma cura perfeita 
ao nosso modo - como muitas vezes aconteceu - que, ordenando eu tal ou tal coisa ao 
enfermo, ou não lhe aplicar o que se lhe mandou fazer, ou acabam com ele que não 
faça. Estando actualmente curando, ao presente, dois portugueses, sem minha ordem 
chamou-se a cada um deles a sua parteira, com as quais se curavam e por esta 
desordem se foram para a outravida8. 
 
Tentando sobrepor o poder curativo do Ocidente ao homónimo chinês, o texto mostra 
ainda mais um pequeno pormenor, que, no nosso caso, se torna, não só sintomático 
como importantíssimo “curam de medicina e de quantas enfermidades há, sem 
ninguém saber o que elas sabem”. A ignorância acerca do Mundo Asiático, 
especialmente o Chinês era uma realidade, exceptuando-se alguma acção no tempo da 
missionação jesuítica. 
Aliás, em 1877, o explorador Barão de Richthofen afirmava: “Em nenhuma região 
alargaram mais seus horizontes os missionários da fé cristã, nem fizeram mais 
importantes conquistas para a ciência do que na China. À frente de todos se nos 
deparam os jesuítas do século XVII e XVIII, sem cuja actividade tão vasta e profunda, a 
China, se exceptuarmos a costa, ainda hoje seria para nós uma terra desconhecida”9. 
 
Excepções havia acerca do saber milenar chinês, porém, a perspectiva era 
maioritariamente tendenciosa no sentido de serem os Ocidentais a levar o saber ao 
Oriente do que o inverso, e nem sempre com objectivos altruístas: “de todas as 
matemáticas [os chineses] são muito curiosos”10ou ainda “de todas as nações é a 
China a que mais aprecia a Matemática e Astronomia com tal excesso que parece faz 
depender destas ciências a conservação da monarquia e o bom governo do Estado”11. 
 
6 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la plume 
au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em publicação.” 
7 “habitante do Canará” – “era o nome duma vasta região no planalto dos Gates”[...]”abrangida 
actualmente por Maiçor e pelos distritos ocidentais de Hidrabad”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo - 
«Glossário Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988 
8 “Representação” enviada de Macau em 21 de Dezembro de 1625, in J. Caetano Soares, «Macau e a 
Assistência», Macau, 1950 
9 Richthofen, Ferdinand von – China. Berlim, 1877, I, p. 653 
10 Semedo, Padre Álvaro – Imperio de la China. Lisboa, 1731, p. 53 
11 Bosmans – Documents relatifs à Ferdinan Verbiest. Bruges, 1912, p.12 
 
 7 
Consequentemente, será o Padre Matheus Ricci, apelidado de “primeiro sinólogo”12que 
irá explorar esta situação, pedindo e conseguindo junto do Geral da Companhia de Jesus 
“huomini de buono ingegno e letterati”13 “capaz de emendar com segurança os erros 
da Astronomia sínica e granjear para os missionários a autoridade necessária ao seu 
ministério de mestres da Religião”14, o que, em alguns momentos, foi conseguido com 
êxito, corroborando-se uma vez mais o Europocentrismo de imposição. 
 
Não deixa de ser curioso que“[…] todo o estudo científico exige a ausência de 
tratamento preferencial de um ou de outro dos termos da série escolhida para ser 
estudada. […] Só no estudo do próprio homem é que as mais importantes ciências 
sociais substituíram aquele método pelo estudo de uma variação local – a civilização 
Ocidental.”15 
 
O próprio nome China, provavelmente deriva de Qín 16 nome de um dos reinos que 
existiram entre 453 e 222 a.C., localizado na zona montanhosa de Shensi, no extremo 
NE do mundo chinês de então, e que após unificar os seus rivais fundou uma dinastia 
imperial homónima. Este nome, era o que era dado à China pelos habitantes da Ásia 
Central, e que se supõe ser a origem do nome sânscrito Cîna (c = tx), e que estará na 
origem do malaio e javanês Cina (c = tx) e de elementos correspondestes na Índia 
moderna, onde o português China terá a sua origem que, por sua vez terá influenciado o 
mundo linguístico ocidental17. Daqui podemos observar que a denominação 中国 
Zhōngguó (País do Centro), que os chineses atribuem ao seu país, não foi adoptada por 
nenhuma das línguas ocidentais, perdendo-se, até na denominação China, o conteúdo da 
sua essência. Os milhares de ciclos chineses (60 anos cada) tiveram em si a 
transformação constante, helicoidal (preconizado segundo o ciclo cosmológico do 
Yìjīng), e o progresso auto-regulador, como um “organismo vivo que muda lentamente 
de equilíbrio, ou como um termostato – vemos que os conceitos da cibernética 
poderiam muito bem ser aplicados a uma civilização que se soube manter numa 
trajectória segura, em cada momento, como se estivesse equipada com um piloto 
automático, usando uma série de «feed-backs», permitindo restabelecer o «statu quo» a 
seguir a todas as perturbações”18, i.e. Zhì («colocar em ordem»)19. Uma sociedade 
que tinha normas muito estáveis e que tinha como “virtude não se deixar entravar: ela 
tem logicamente como condição a atitude de permanecer, em qualquer ocasião, na 
posição central (zhong) que só permite reagir à totalidade da situação, de evitar tanto o 
excesso como o defeito e de promover a capacidade de «fazer acontecer» (cheng) na 
 
12 Atti del IV Congresso Internazionale degli Orientalisti, II, p. 273 
13 Venturi, Tacchi, Opere Storiche del P. Matteo Ricci. Macerata, 1913, II, ; carta de Pequim de 22 de 
Agosto de 1608 
14 Rodrigues, Francisco – Jesuítas portugueses astrónomos na China- 1583-1805. Instituto Cultural de 
Macau, 1990 
15 Benedict, Ruth – Padrões de cultura. Edição «Livros do Brasil». Lisboa, s/d, pp.15 - 16 
16 Ideograma [955] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 
1999, p. 172 
17 Tomaz, Luis Filipe – CHINA. In Albuquerque, Luís de (Dir.) «Dicionário de História dos 
Descobrimentos Portugueses», Círculo de Leitores, Lisboa, 1994 
18 Needham, Joseph – La science chinoise et l’Occident, Éditions du Seuil, 1973, p.103 
19 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de 
Minuit (44) Dec. 1994, p. 55 
 
 8 
sua integralidade” 20. «País do Centro» que “indica a temperança duma civilização em 
oposição aos costumes dos «Outros», […],do país onde reina a justa moderação da 
civilização no meio dos bárbaros.”21. 
 
Conforme elogia Fernão Mendes Pinto: […] Há também outras embarcações em que 
vem grande soma de mulheres velhas, que servem de parteiras e dão mezinhas para 
botarem as crianças, e fazerem parir ou não parir. Há outras embarcações em que vem 
grande soma de amas para criarem enjeitados e outras crianças, pelo tempo que cada 
um quiser. […] Destas grandezas que se acham em cidades particulares deste império 
da China, se pode bem coligir qual será a grandeza dele todo junto, mas para que ela 
fique ainda mais clara, não deixarei de dizer (se o meu testemunho é digno de fé) que 
nos vinte e um anos que duraram os meus infortúnios, em que por vários acidentes de 
trabalhos que me sucediam, atravessei muita parte da Ásia, como nesta minha 
peregrinação se pode bem ver, em algumas partes vi grandíssimas abundâncias de 
diversíssimos mantimentos que não há nesta nossa Europa, mas em verdade afirmo que 
não digo eu o que há em cada uma delas, mas nem o que há em todas juntas vem a 
comparação com o que há disto na China somente. E a este modo são todas as mais 
cousas de que a natureza a dotou, assim na salubridade e temperamento dos ares, como 
na polícia, na riqueza, no estado, nos aparatos, e nas grandezas das suas cousas; e 
para dar lustro a tudo isto, há também nela uma tamanha observância da justiça, e um 
governo tão igual e tão excelente, que a todas as outras terras pode fazer inveja, e a 
terra a que faltar esta parte, todas as outras que tiver, por mais alevantadas e 
grandiosas que sejam, ficam escuras e sem lustro.22 
 
Mas se esta visão do Oriente nos parece estranha, observe-se como Zhang Ting-you, no 
tempo dos Ming via os portugueses: […] pode dizer-se que o objectivo primeiro a vinda 
de Fu-lang-chi23 para a China foi o comércio e que não havia quaisquer más 
intenções, pelo menos no princípio. Embora suspeitouso dos seus motivos e, por 
conseguinterecusando-lhe o direito de pagar tributo (de Comércio), o governo Ming 
não teve, contudo, nem o poder nem a vontade para fazer cumprir a interdição. O 
resultado foi um debate constante e uma confusão sem fim. As gentes de Fu-lang-chi 
são altas e têm grandes narizes. Os olhos são como os do gato e a forma da boca como 
a da águia. O pelo cresce-lhes até nas costas das mãos e as suas barbas são vermelhas. 
Amam o comércio e, apoiados no seu poder militar, têm o hábito de invadir e oprimir 
os países mais pequenos. Vão a qualquer sitio onde haja lucro. O seu país, algumas 
vezes referido como reino Kan-la-hsi, produz coisas valiosas como chifres de 
rinoceronte, presas de elefante, pérolas e conchas raras. Usam roupas limpas e 
bonitas. Os toucados dos ricos são muito elegantes, mas as pessoas vulgares têm que se 
satisfazer com um chapéu de palha ou de bambu. Um homem de posição inferior, 
quando vê o seu superior, geralmente, afasta-se. Ao principio os de Fu-lang-chi eram 
devotos budistas; somente mais tarde mudaram a sua religião para o catolicismo. 
Utilizam os dedos para indicar a quantidade de dinheiro que tencionam pagar pela 
 
20 Jullien, François – Éloge de la fadeur. Éditions Philippe Picquier. 1991, pp. 42-43 
21 Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, pp. 287-288 
22 Pinto, Fernão Mendes – Peregrinação. Edição cotejada com a 1ª edição de 1614. Europa-América. 
Mem Martins. 1988, Capº. 99 
23 Fólángjī (francos) – Durante a dinastia Ming, designa também os portugueses e os espanhóis. - 
Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 393 
 
 9 
mercadoria; não costumam escrever os contratos, mesmo quando as transacções 
envolvem milhares de taels24 de prata. Sempre que surge uma disputa, as partes 
envolvidas apontam para o céu e juram dizer a verdade. Normalmente não se enganam 
uns aos outros. Depois da conquista de Malaca, Pacem25 e Luzon26, nenhum dos outros 
países oceânicos ousou desafiar a sua autoridade.27 
 
De facto, a Europa baseia todo o seu pensamento na filosofia greco-romana, onde o 
princípio da ordem das coisas joga um papel fundamental na causa e efeito, onde as 
relações são pobres no que respeita às referências como um todo. Para o ocidental a 
verdade factual em cada momento é o elemento mais importante. Esta verdade baseia-se 
no conceito de realidade cujo conceito etimológico deriva da palavra real que por sua 
vez deriva do latim res28, objecto, matéria, coisa palpável, isto é, coisa detectável pelos 
sentidos. A verdade torna-se estática, justificável por si própria, e portanto imutável 
e/ou definitiva. Assim, o ocidente apenas acredita na existência do que é detectado pelos 
sentidos ou pelos instrumentos concebidos pelo seu racionalismo. 
 
Para os chineses, porém, a verdade é uma verdade moral isto é, a verdade tem como 
base a maneira justa (道 Dào)29 de fazer as coisas, o que faz desabrochar toda uma 
mentalidade dos valores do pensamento chinês como um pensamento cosmológico, que 
tem, como referimos, por base encontrar as chaves inteligíveis do mundo, isto é, as 
suas leis, as inter-relações dependentes do lugar e do momento, i.e., da circunstância. 
De facto, há que “descobrir outros modos de inteligibilidade” para além da que a 
Europa detém 30. “O pensamento chinês é um pensamento essencialmente relacional. 
Para se dizer paisagem, diz-se «montanha e água» [山水] shānshǔi” 31. Talvez por 
isso ao ler-se Confucius ou Chouangzen, “não há a noção de verdade. O sábio chinês é 
autêntico, [ ] zhēnrén, mas é autêntico, não é verdadeiro. […] portanto, a noção de 
verdade é ela própria uma noção particular”. É preferível falar de “inteligibilidade de 
coerência” 32 
 
Para a China a eficácia da acção humana encontra-se na harmonia com o processo 
natural: existe uma relação de arranjo e a organização que estão inseridas em sistemas 
 
24 “Peso e moeda de conta no Extremo Oriente, equivalente à 16ª parte do cati ou a uma onça.«O tael 
não tem existência real. Representa um certo peso de prata pura que varia conforme as localidades». 
(Marques Pereira, Ta-ssi- yáng-kuó, Outubro de 1899).”. In Dalgado, Sebastião Rodolfo - «Glossário 
Luso-Asiático». Asian Educational Services. New Delhi. 1988 
25 “Antigo reino do noroeste da ilha Samatra ou Sumatra”. In Visconde de Lagoa - «Glossário 
Toponímico da antiga historiografia portuguesa ultramarina». Junta da Missões Geográficas e de 
Investigação do Ultramar. Lisboa. 1950 
26 “Ilha filipina de Lução ou Luzon”. In Visconde de Lagoa - «Glossário Toponímico da antiga 
historiografia portuguesa ultramarina». Junta da Missões Geográficas e de Investigação do Ultramar. 
Lisboa. 1950 
27 Zhang Ting-you – 明史-Míng Shǐ (História dos Ming) 
28 Torrinha, Francisco – Dicionário Latino-Português. Edições Marânus, Porto. 1945 
29 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de 
Minuit (44) Dec. 1994, p. 52 
30 Julien, François – Le detour d’un Grec par la Chine. In http://www.twics.com/~berlol/foire/ 
fle98ju.htm, p. 2 (Retirado da Web em 27.11.2000) 
31 Idem, p.3 
32 Idem, p. 16 
 
 10 
múltiplos e hierárquicos, orientados e multifacetados que se sobrepõem e se 
reorganizam de múltiplas formas, mas mantendo-se a responder a uma identidade 
estrutural reveladora da unidade ordenada do universo. Tal vivência poderemos chamar 
de acção do homem no seu ecossistema. 
 
Se, como refere Hofstadter, “o que caracteriza o pensamento é […] uma representação 
flexível, intencional, do mundo”33, existem, porém, grandes diferenças na estrutura 
mental ocidental e oriental. Na lógica do ocidental, os elementos são linearmente 
concatenados, ao passo que no Oriente a estrutura mental funciona em rede, ou melhor, 
a sua aprendizagem funciona em espiral, onde os fenómenos aparecem como sinais uns 
em relação aos outros, a que não será estranha a sua forma de representar o pensamento, 
i.e., a escrita ideográfica, “que após 4 milhares de anos, a sua evolução interna e a sua 
evolução gráfica são praticamente imperceptíveis”34. Melhor dizendo, o pensador 
ocidental compara-se a um oleiro que trabalha o barro a seu belo prazer, sem quaisquer 
tipos de limitações, sem se preocupar com o mundo real que o cerca, dando largas à sua 
imaginação criadora, muitas vezes filha exclusivamente da sua própria abstracção 
teórica limite, i.e., do tempo sem espaço ou, estaticamente, do espaço sem tempo35. Em 
contrapartida, o pensador chinês é como um lapidador, onde os veios naturais do jade 
são estudados para encontrar a ordem da Natureza, o que caracteriza a mentalidade 
chinesa por um gosto pronunciado por esta ordem, onde todo o ser deve ser objecto de 
uma estimulação segundo as tendências naturais36. 
 
Nada pode escapar à tríade 天地人 tiān dì rén – céu terra homem; “O céu envolve, 
contém e alimenta a terra com a sua energia, a qual produz, realiza e transforma. 
Produto e testemunho do céu e da terra, o homem é formado pelas mesmas substâncias, 
regido no interior do seu corpo pelas mesmas leis. A vida não é senão a resultante das 
suas mudanças permanentes e inelutáveis. Alimentar-se, respirar, participam desta 
fisiologia cósmica”37, isto é, o universo fornece as próprias linhas da inteligibilidade, o 
sentido e a coerência não advêm do espírito humano em si, mas da análise paciente e 
perspicaz do mundo envolvente: o “microcosmos” é o espelho do “macrocosmos”. 
É curioso como este conceito também existiu na Grécia antiga, com Demócrito (cerca 
de 460-370 a.C.), uma vez que este “ensinava que o ser humano era um mundo em 
miniatura, um microcosmos, que reflectia todo o universo, o macrocosmos. Como um 
reflexo do macrocosmos, o microcosmos continha átomos de todo o tipo. Assim, até o 
pensamento, consciência, sono, doença, e morte podiam serexplicados em termos da 
qualidade dos átomos ou perda de átomos. Ele interessou-se especialmente pela 
natureza da respiração porque «pneuma», ou «sopro vital», composto de luz, átomos-
alma altamente móveis, serviam como o veículo da vida” 38 
 
33 Hofstadter, Douglas R. – Gödel, Escher, Bach: Laços Eternos. Gradiva. 2000, p.358 
34 Higounet, Charles – L’écriture. Que sai-je? – PUF. 1976, p. 30 
35 A institucionalização da ideia no ocidente pode dar-se como exemplo, a noção de cidadão. Ninguém, 
até hoje, viu o cidadão, de facto há cidadãos, o cidadão A, o cidadão B, mas o cidadão em si não tem 
correspondência com o universo sensível. 
36 Cheng, Anne – Lǐ 理 ou la leçon des choses. In «Philosophie – Philosophie Chinoise», Les Éditions de 
Minuit (44) Dec. 1994, p. 53 
37 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène 
Éditions, 2001, p.11 
38 Magner, Lois N. – A History of the Life Sciences, 2ª ed., Marcel Dekker, Inc., New York, 1996, p. 25 
 
 
 11 
 
 
Aliás, "organização social e modo de pensar, estão intimamente imbricados num 
sistema de inter-génese, e de inter-justificação recíprocas, que formam o cadinho das 
ideologias. Na civilização chinesa, mais, talvez, que em qualquer outra, a simbiose 
entre pensamento e sociedade, foi levada ao seu nível de manifestação mais perfeito. 
Assim a referência simbólica à estrutura social, é extremamente frequente, no sistema 
conceptual da medicina chinesa tradicional. O conhecimento das características 
elementares dos sistemas sociais e ideológicos da civilização chinesa, e igualmente 
importante, para afinar a sua compreensão no estudo da medicina chinesa. Isto joga, 
com efeito, um papel primordial nos sistemas de representação, e as construções 
intelectuais, na base de numerosos processos de abstracção do pensamento chinês. A 
redução do conhecimento à única expressão científica, o condicionamento linguistico, e 
o molde sócio-ideológico, são os três grandes amortecedores dos «pressupostos 
antropológicos ".39 
 
O Taoísta, aliás, considerava necessário observar uma via, um 道 (Dào)40, o que ele 
considerava ser a “ordem da natureza”. É como se o taoísmo pressentisse que o 
Homem só se conseguia socialmente organizar de uma forma correcta, integrado na 
natureza. Os ermitas taoístas, retiravam-se da sociedade humana a fim de contemplar a 
natureza, tentando compreendê-la através da intuição e da observação, o que os levou à 
ideia de que “todo o movimento pode ser exactamente previsto, dadas as leis do 
movimento e as condições iniciais em que se encontravam os objectos”. Ora isto não é 
senão o princípio do “determinismo causal” de “Newton e dos seus herdeiros através 
do Séc. XVIII”.41 Não podemos deixar de notar a correlação entre isto e o facto de ter 
sido na China que se iniciaram a química, a astronomia e a anatomia, que podemos 
considerar como os primeiros passos do que veio a ser o “método científico”. Ora, 
como refere Hawking: “Tem sido certamente verdade no passado que aquilo a que 
chamamos inteligência e descobertas científicas têm acarretado uma vantagem de 
sobrevivência. Já não é tão claro que isto se mantenha: as nossas descobertas 
científicas podem perfeitamente acabar por nos destruir a todos” 42. Por outro lado, 
existe a "convicção que o pensamento científico, não é o único método que permite ao 
espírito humano um autêntico acesso ao conhecimento real; […] existem, para o 
conhecimento, outras vias, diferentes, mas não menos justificáveis, que o método 
científico". 43 
 
“Não é por acaso que a China pensa menos [na] linearidade entre início e fim do que 
num retorno circular das Estações, […] porque calmamente, simplesmente, a vida não 
 
39 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la 
plume au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em 
publicação.” 
40 “(1) Estrada, via, caminho. […] (3) (derivação metafísica na decadência do taoismo) realidade e 
movimento espontâneo do que existe.” – In Ryjik, Kyril – L’idiot chinois. Payot, 1983, p. 320 
41 Goswami, Amit – O Universo autoconsciente – como a consciência cria o mundo material. Editora 
Rosa dos tempos. Rio de Janeiro. 1998, p. 36 
42 Hawking, Stephen W. – Uma breve História do tempo. Circulo de Leitores.1988, p.29 
43 Ribaute, Alain, “Le barbare cuit, ou comment penser chinois”, “le dificile chemin qui mène de la 
plume au pinceau, de Alpha à Wen”. Revue Française de Médecine Traditionnelle Chinoise. Em 
publicação. 
 
 12 
para de se renovar fazendo-o no desaparecimento. Mas sem angústia, porque se sabe 
que tudo volta um dia na altura própria. Que a única arte, a única validade é de tudo 
fazer no momento certo. A estação serve de facto de base. De base à vida, ao 
nascimento. O homem deve harmonizar-se com as mutações do Céu e da Terra”.44 
 
 
Extraído do Daò Dé Jīng poderemos referir: 
 
“O Homem tomará portanto modelo na Terra 
A Terra tomará modelo no Céu 
O Céu tomará o modelo da via 
A via modela-se no natural”45 
 
Ao contrário do ocidente, a "adivinhação" chinesa não procura os presságios, isto é, não 
há uma interpretação do homem. O que existe é o decifrar do decorrer dos 
acontecimentos. O seu fim é a explicação do sentido conjuntural escondido dos 
elementos procurados e não a identificação dos sinais singulares da boa ou má sorte46. A 
corroborar tal facto, podemos referir como um primeiro exemplo deste facto, a 
utilização prática dos ritmos bioenergéticos, presentes na confluência dos troncos 
celestes e ramos terrestres nos ciclos Jǐazǐ, que os leva a conseguir prever, não só as 
tendências das condições climatéricas para cada ano, como ainda o pendor patológico 
previsível e as fragilidades energéticas de acordo com estes ciclos. “Não há o absoluto, 
uma coisa não existe senão pelas relações que ela detém. A sua existência é a 
consequência das suas relações, do mesmo modo que o inverso. Existe aqui uma 
ligação dialéctica”. 47O segundo exemplo faz parte dos cinco clássicos da tradição 
confuciana, o Yìjīng (o livro das mutações)48, que contém 64 hexagramas, cada um 
dos quais evidencia o binómio espaço-temporal, onde cada momento (tempo) e cada 
posição ( espaço), identificam a ordem, e cada elemento em concreto.49 Para a 
 
44 Julien, François – Le «bon moment». In «La recherché» Hors-serie nº 5 Avr 2000, pp. 60-61 
45 Dao De Jing – Extracto do Capítulo 25 
46 Vandermeersch, Léon – Ecriture et divination en Chine. In «Espaces de la lecture», Anne-Marie 
Christin (Ed.), Bibliothèque publique d’information du Centre Pompidou, Editions Retz. 1988, pp. 66-67 
47 Van Nghi, Nguyen; Bijaoui, André – Les Bases fondamentales de l’acupuncture/moxibustion – Zhēn 
Jiǔ . Editions Autres Temps. 2000, p.9 
48 Como veremos um pouco mais à frente, “se pudermos supor que as formas mais antigas da história no 
mundo chinês são como o prolongamento dos arquivos divinatórios em osso e em carapaça de tartaruga, 
a própria adivinhação desenvolveu-se de forma autónoma na época dos primeiros reis de Zhou. 
Paralelamente à adivinhação pelo fogo que subsistirá durante muito tempo por causa do seu carácter 
venerável, um novo procedimento por sua vez mais cómodo e mais complexo viu nascer o dia. Consiste 
na manipulação de leves varas feitas de caule de aquileia em que os números pares ou impares permitem 
construir desenhos compostas de seis linhas contínuas (números ímpares) ou interrompidos (números 
pares. Estes hexagramas num conjunto de 64 traduzem e realizam todas as estruturas possíveis do 
universo e são dotadas duma força dinâmica por causa das possibilidades de mutações de cada uma das 
linhas, masculinas ( yáng) ou femininas( yīn), no seu impulso ou no seu declínio. Continuando a 
tradição dos adivinhos da época dos yīn, os especialistas da adivinhação por aquileia (shi) haviam de 
fazer nascer os primeiros elementos duma concepção do mundo, como um conjunto formado por forças e 
pelas suas origens opostas e complementares, e contribuíram para os primeiros desenvolvimentos das 
matemáticas. Os seus reflexos foram, no mundo chinês, a origem das ciências e da filosofia”. - Gernet, 
Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 83 
49 “O significado da mudança está ligado ao significado do tempo […], uma ausência de mudança é uma 
ausência de tempo, e o tempo, mais que uma mudança é dependente da mente. A mudança é o que 
 
 
 13 
mentalidade chinesa a ordem zhì e o caos luàn são fundamentais. Em cada momento 
de um novo pensamento, o livro das mutações torna-se uma fonte renovada do 
pensamento chinês onde existe uma identidade entre a estrutura (em forma de ordem) o 
阴 yīn, e a mutação 阳 yáng, já que o caos é considerado como uma desordem, isto é, 
uma forma de ordem. O 道 Dào aparece como a estruturação do modo na totalidade 
bem ordenada, onde “cada hexagrama descreve assim um aspecto da vivência” 50. 
 
“O corpo humano[…] aparece como que percorrido pelo [ 51] Qì,52 i.e., o sopro. 
Etimologicamente falando, este Qì” [parece não estar] “muito longe da noção de 
pneuma dos Gregos[…]. A combinação dos ideogramas «vapor» e «alimento» evocam 
a fórmula hipocrática:” [Fusai ¢ek twn perrittwn mantwn 53]- «os humores brotam 
do alimento». 54 “A medicina Chinesa está baseada na ciência da compreensão do 
processo funcional da natureza como ela existe dentro do ser humano” 55. A O Nèi Jǐng 
Su Wen afirma “seguir as leis do yin e do yang significa vida; actuar contrariamente às 
leis do yin e do yang significa morte. Seguir estas leis resulta na ordem (zhì: ); actuar 
contrariamente a elas resulta no caos (luàn: )”56. “Quando a doença se instala, ela 
leva à desordem e perturba o Qì. O remédio prioritário” levará a colocar o Qì em 
equilíbrio de forma a favorecer o “«retorno da Primavera»” 57. 
 
 
 
 
 
 
 
 
acontece actualmente, na actualização de uma dada entidade. O tempo é a emergência de uma série de 
actualizações logo que esteja estabelecida uma sequência de fases dentro da actualização.” – Brown, 
Jason W. – Mind and Nature – Essais on time and subjectivity. Whurr Publishers, London, 2000, p. 11 
50 Vinogradoff, Michel – Yì Jīng ou la marche du Destin. Éditions Dervy, Paris, 1996 
51 Ideograma [485] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 
1999, p.87 
52 O que hoje os neurobiólogos identificam como sendo o Biomagnetismo, através de magnetómetros 
como o SQUID – Superconducting Quantum Interference Device – Oschman, James L. (PhD) – Energy 
Medicine – The Scientific Basis. Churchill Livinstone, London, 2000, p.30 e p.80 
53 physai ek ton perittomanton 
54 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène 
Éditions, 2001, p.11 
55 Jarrett, Lonny S. – Nourishing destiny. Spirit Path Press, Stockbridge, 2000, p.23 
56 Idem, Ibidem 
57 Desroches, Jean-Paul – La cigale et le Qi. In Unschuld, Paul U. - «Médecines Chinoises», Indigène 
Éditions, 2001, p.11 
 
 
 14 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Do Homem primitivo à dinastia Shāng-Yīn (até 1027) 
 
 
 15 
Quando caminhamos para as origens do tempo, cada povo insere na História dos tempos 
mais remotos um conjunto de elementos pertencentes ao limiar do possível, résteas e 
interpretações de transmissões consecutivas, cuja mutação conjuntural em nada diminui 
a estrutura da memória social que pretende preservar, transformando-se as mais das 
vezes em mito, lenda ou rito. Deste modo devemos considerá-los válidos nas nossas 
observações, não obstante a sua transmissão veicular aparentes fantasias, porque “os 
mitos e os ritos oferecem como valor principal a preservação até aos nossos dias, de 
uma forma residual, modos de observação, e de reflexão que foram (e permanecem sem 
dúvida) exactamente adaptados a descobertas de um determinado tipo: aquelas que 
autorizavam a natureza, a partir da organização e da exploração especulativa do 
mundo sensível em termos do sensível. Esta ciência do concreto devia ser, pela 
essência, limitada a outros resultados do que os prometidos às ciências exactas e 
naturais, mas ela não foi menos científica, e os 
seus resultados não foram menos reais. 
Assegurados dez mil anos antes das outras, ela 
são sempre o substracto da nossa civilização”58 
 
É habitual considerar que alguns testemunhos 
ósseos fragmentários pertenceram aos pré-
hominídeos do género Australopithecus, que 
existiram há cerca de 5 milhões de anos na 
Terra. Diversos cientistas consideraram que 
vestígio humano encontrado em Olduvai 
(Tanzânia) terá vivido há cerca de 1.500.000 
anos, onde parecia ter existido a génese da 
fabricação de utensílios, o que veio 
etimologicamente a nomear os representantes 
desta espécie: Homo habilis, não, ainda um 
Homo sapiens, mas um intermédio entre os 
australopitecídeos e o primeiro homem. Porém, 
coexistindo com o Homo habilis, foi encontrado na China, na província de Yúnnán e 
mais evoluído, o Homem de Yuánmóu, , cuja datação ascende a 1.700.000 anos. A 
existência de cinzas e de ossos carbonizados perto do local onde foram desenterrados 
os dentes do Homem de Yuanmou sugere o possível uso do fogo59. A esta espécie 
encontrada na China, cujo representante mais antigo foi encontrado em Java 
(chamaram-lhe, inicialmente, Pithecanthropus) foi dado o nome de Homo erectus, e é 
considerado o primeiro homem. (Entre a maior parte da comunidade científica, as 
características que “podía caminar erguido, era capaz de producir y utilizar 
instrumentos simples, sabía hacer uso del fuego y conservarlo[…]” 60, reuniu as 
condições fundamentais para garantir estar-se em presença do homem e não de um pré-
hominídio). Para além do encontrado em Yuánmóu, conhecem-se, entre outros desta 
espécie, o Homem de 蓝田 Lántián, com cerca de 800.000 anos, que detém uma 
caixa craneana de 780 cm3 contra os 656 cm3 do Homo habilis, mas com um aspecto 
ainda primitivo, onde se sobressai um crânio espesso com mandíbulas salientes. Mas o 
mais conhecido foi descoberto em 周口店 Zhōukǒudiàn,perto de Pequim, cujos 
 
58 Levi-Strauss, Claude, La pensée sauvage. Librairie Plon, Paris. 1962, pp. 29-30 
59 Cotterell, Arthur – China – uma História cultural. Instituto Cultural de Macau. Gradiva. 1999, p.26 
60 La Historia – Coleccion China. Ediciones e lenguas extrangeras. Beijing. 1984, p. 6 
 
 
Fig.1 - “Homem de Pequim” 
北京人, c. de 500.000, 
encontrado em 周口店 
Zhōukǒudiàn, em Dezembro de 
1929, conhecido também por 
Sinanthropus 
 
 16 
exemplares mostraram caixas cranianas entre 850 e 1300 cm3. Além de fragmentos de 
quartzo talhados também se encontraram, mais uma vez, vestígios do uso do fogo. Com 
uma idade de 500.000 anos (ou mesmo 690.00061), ainda pertencendo ao Paleolítico 
inferior (que termina cerca 50.000 a.C.). Os seus descobridores vieram a chamar-lhe 
Sinanthropus ou Homem de Pequim62 北京人, Fig. 1. 
 
A vida deste homem primitivo 
chinês não terá sido diferente de 
outros elementos contemporâneos 
em outras partes do globo. A sua 
dependência da natureza era 
fundamental, movendo-se no 
acompanhamento das mudanças 
sazonais de recursos naturais, para 
não falar das dificuldades que 
viveram na adaptação às glaciações 
porque passava (entre as quais se 
contam as de Günz, Mindel, Riss e 
Würm), com tempo ora frio e seco, 
ora húmido e quente. Tudo indica 
que a descoberta do fogo esteja 
associada à origem dos primeiros 
cuidados de saúde dos homens pré-
históricos. Nos primeiros tempos a 
sua utilização era efectuada com o 
fogo criado por fenómenos 
naturais, transportando-o às suas cavernas e aí tendo o cuidado de o preservar. 
Posteriormente, aprenderam a obtê-lo por fricção. 
 
A actividade destes povos primitivos foi encontrada perto de Pequim nas províncias de 
山西 Shānxī, 陕西 Shǎnxī, 何南 Hénán, e Yúnnán, Fig. 2. Os estudos 
arqueológicos, como vimos, mostraram que estas cavernas contêm cinzas, restos de 
ossos de animais, provavelmente, na sua utilização para a sua alimentação. O fogo, 
nestes tempos, terá dado luz, calor e protecção contra o frio bem como contra o ataque 
de animais selvagens ou de outros humanos. Os hábitos alimentares destes homens 
primitivos verificaram-se através do fogo, com a introdução da comida cozinhada na 
sua dieta. Tal facto levou ao aumento da diversidade alimentar, diminuindo o tempo do 
processo digestivo, para além de ter levado o seu corpo a passar a ter uma maior 
capacidade de absorção nutritiva, diminuindo a incidência de algumas doenças e 
reforçando a sua constituição física. Podemos afirmar que o fogo aumentou a sua 
capacidade de se integrar na natureza, paradoxalmente, e expandir a sua capacidade de 
se libertar dela. 
 
 
61 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, 
Beijing, 1999 
62 Leroy, Pierre – Petite histoire de l’homme de Pékin. In “Le Courier” - «Les origins de l’homme». 
Unesco, (XXV) Ago-Set , 1972 
 
 
Fig.2 – Estações Paleolíticas chinesas 
´ Paleolítico Inferior (600 000 – 50 000 a.C.) 
 Paleolítico Médio (50 000 – 25 000 a.C.) 
n Paleolítico Superior ( 25 000 – 10.000 a.C.) 
 
 17 
Na investigação levada a cabo acerca destes primeiros habitantes da China, 
encontraram-se provas de que se alimentavam da caça e de actividades recolectoras, que 
já tinham uma comunicação pela fala, talvez em consequência de uma actividade 
colectiva, desenvolvendo-se de grupos primitivos a comunidades em clã, e o sistema de 
casamentos endogâmicos dava lugar ao exogâmico interclãs, com o consequente 
benefício na constituição física63 . Mas a sua vida terá sido tão difícil que a sua 
esperança de vida não terá ultrapassado os 14 anos de idade. 
 
Há cerca de 40.000 anos, durante o Paleolítico médio, surgem nesta região, os primeiros 
homens modernos, cuja cultura começa a desenvolver-se rapidamente, substituindo os 
hábitos anteriores, nomeadamente nas técnicas de caça e pesca, constituindo-se uma 
comunidade matriarcal . Um dos exemplos a referir acerca desta cultura é o Homem de 
柳江 Liǔjiáng. 
 
A sua expansão alimentar 
foi aumentando com o 
desenvolvimento de 
utensílios de caça e pesca, 
dando o seu salto 
qualitativo no início do 
Neolítico com a 
Revolução Agrícola, onde 
se começaram a produzir cereais e vegetais como se pode comprovar pelos achados nas 
cavernas dos povos primitivos das províncias de 陕西 Shǎnxī e 浙江 Zhèjiāng. O 
constante alargamento das fontes de alimento e da sua variedade promoveram uma 
melhoria da sociedade primitiva. 
 
Estes povos antigos adquiriram a capacidade de manufactura de vestuário, factor que 
contribuiu para uma protecção acrescida da saúde. Numa primeira fase este vestuário 
era constituído por peles de animais que os protegiam contra o frio. Com o andar dos 
tempos, a sua habilidade levou-os a uma diversidade enorme de instrumentos, entre os 
quais se destacam agulhas feitas de osso que serviam, entre outros fins, para construir 
e reparar redes de pesca e vestuário. 
 
Diversas culturas se foram 
desenvolvendo ao longo dos tempos, 
mas ainda podemos referir a cultura 
do Homem de 周口店 
Zhōukǒudiàn, i.e. perto do 
homónimo já referido, mas numa 
gruta superior, cujos restos 
revelaram que o homem aí 
descoberto tinha a constituição do 
homem actual – Homo Sapiens, e revelando já os primeiros traços mongóis. A sua 
utensilagem revelou o uso do polimento nos objectos trabalhados. Um dos exemplares 
 
63 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, 
Beijing, 1999 
 
 
Fig.3 – Agulha do Homem da gruta superior de 
周口店 Zhōukǒudiàn. (adapt. Shouyi (Dir.), 1988) 
 
 
Fig. 4 – Aldeia de Bànpō (adapt. Cotterell, 
1999) 
 
 
 18 
encontrado na gruta superior de 周口店 Zhōukǒudiàn, perto de Pequim, é uma 
agulha de formato redondo, polida, com a ponta afiada, com um pequeno orifício na 
extremidade oposta, medindo 88 mm de comprimento por 3.3 mm de diâmetro, Fig. 3. 
Para se conseguir construir uma agulha com 
tais características, o homem primitivo teve 
que aprender a trabalhar o osso em 
perfeição, sem o qual não seria possível 
elaborar o pequeno orifício aberto de um dos 
lados da agulha, o que não permitiria o seu 
uso para a confecção de vestuário. Este, para 
além de beneficiar uma protecção da 
saúde, começava a colocar em evidência o 
desenvolvimento de uma civilização. 
 
De facto, estes povos que de uma forma 
natural habitavam em cavernas, após uma 
vivência em clã, começaram gradualmente a 
aprender a construir casas. O 
estabelecimento comunal, na sociedade 
matriarcal, levou inicialmente à construção 
simples de casas, com o correspondente abandono das respectivas cavernas, como se 
pode verificar nas províncias de Hénán, 陕西 Shǎnxī e Gānsù. Entre estas, 
destaca-se a aldeia, tipicamente matriarcal, de Bànpō , Figs. 4 e 5, na província de 
Shǎnxī, com uma área total de cerca de cinquenta mil metros quadrados, onde se 
incluem quarteirões, lojas de cerâmica, e uma área cultivada comunal. Pode ainda 
referir-se a 
existência de 40 
a 50 casas 
contíguas, entre 
as quais se 
destaca uma 
casa rectangular 
de maior 
tamanho, e se 
supõe ter 
servido de praça 
pública para 
actividades do 
clã. A maior 
parte destas 
casas era 
arredondado, construída ao nível do solo, com telhados pontiagudos. Na sua evolução 
estes povos foram alargando a sua cultura, ao nível artístico e ao nível espiritual, 
expresso na pintura, música e dança, bem como no uso de ornamentos, o que atesta 
também o incremento da sua actividade laboral. De facto, associado às expedições de 
caça, ou outras actividades laborais, estes povos primitivos da China, passaram a 
espontaneamente celebrarem cerimónias evocativas dessas actividades, tendo-se 
apercebido que tais actos, lhes conferiam uma restauração da fadiga, o relaxamento 
muscular, tudo contribuindo para uma melhor saúde. Na obra 吕氏春秋 Lushìchūnqiū - 
 
Fig. 5 – Pormenor de casa de 
Bànpō (adapt. Shouyi (Dir.), 1988) 
 
 
Fig. 6 – Exercícios de 道引Dàoyǐn, encontrados nas tumbas de 
Mawngdui 
 
 19 
Anais de Primavera e Outono de Lu, conta-se ainda que durante os tempos das 
inundações, “o moral do povo era baixo, a energia vital estagnava e os músculos e 
ossos contraíam-se. Para curar isto as pessoas tentavam minimizá-lo dançando”64, o 
que nos leva à descrição viva de situações reumáticas e da dança como um dos 
remédios. Com estas actividades, os antigos chinesas foram desenvolvendo o método de 
prevenção da saúde conhecido por 道引Dàoyǐn (Fig.6), que pode ser considerado como 
a forma mais arcaica de exercício terapêutico. 
 
Resumindo, o incremento relativo de alimentos, como resultado de uma melhor caça e 
de instrumentos de cultivo mais desenvolvidos, uma capacidade para confeccionar 
vestuário e construir casas, e o uso do Dàoyǐn, ajudaram o homem primitivo a iniciar a 
protecção da sua saúde. 
 
 
Descoberta de plantas e substânciasmedicinais 
 
 
Ainda não é totalmente bem conhecida a época que, cerca de 8000 a.C., fez aparecer 
uma economia agrícola ainda rudimentar. Porém, não faltam os testemunhos 
arqueológicos dos milénios seguintes, através dos vestígios no vale do rio Wèi 谓, actual 
Shǎnxī 陕西, e na zona mediana do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, revelando já uma 
agricultura bem desenvolvida 
(Setaria Italica e Panicum 
miliaceum), a domesticação do 
porco e do cão, e talvez já a galinha, 
usando utensílios variados tanto em 
pedra como em osso. As cerâmicas 
ainda são bastante grosseiras. Porém, 
no Sul da China os vestígios mais 
antigos têm motivos cordados. Estes 
factos, vêm provar a existência de 
uma tradição o Neolítico anterior a 
5000 anos antes de Cristo, Fig. 7. 
Relativamente épocas posteriores 
esta data, foram até hoje descobertas 
diversas culturas distintas umas das 
outras e repartidas por territórios 
diferentes: 1. A cultura 仰 
Yǎngshào, datada de 5150 a 2690 
a.C., que abarca desde Gānsù à 
planície central e engloba as regiões meridionais de 西 Shānxī, e de Hébĕi; 2. A 
cultura Dàwēnkǒu, de 4746 a 3655 a.C., na península de Shāndòng e uma parte da 
bacia do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé; 3. Quatro culturas mais, nos vales do 
Yángzǐ, onde se distingue a cultura do arroz, nas espécies Oryza sativa japonica e 
 
64 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, 
Beijing, 1999, p. 8 
 
 
Fig. 7 – Estações Neolíticas chinesas 
 Neolítico Inferior 
 l Neolítico Superior 
 
 20 
Oryza sativa indica, que constituem o principal cereal desde cerca de 5000 a.C.; 4. 
Diversas outras culturas mais a sul, mas não tão precoces, no que respeita ao 
desenvolvimento agrícola.65 
 
Na sua actividade recolectora, os povos primitivos, continuando essa actividade num 
período que oscila entre os 10.000-6000 anos a.C., (o que as lendas chinesas apelidam 
de Idade Pastoral) apanhavam e comiam frutas selvagens e sementes, bem como raízes 
de plantas, de forma a aplacar a sua fome. Como resultado desta actividade, ao contrário 
de permanecerem de boa saúde, muitas vezes vomitavam, ficavam de diarreia, chegando 
ao coma e por vezes à morte, resultado de ingerirem plantas venenosas. Estas 
experiências funestas foram levando à aprendizagem na identificação das plantas e 
elementos que lhes eram nefastos, bem como daqueles alimentos que lhes eram 
benéficos para o corpo; para além disto, tudo indica que também iam aprendendo quais 
as plantas e substâncias que o os aliviavam dos diversos mal-estares, quando eram 
ingeridas. É, pois, possível, que todo este saber tenha sido uma acumulação ao longo 
dos anos, numa primeira fase no conhecimento de plantas selvagens, tais como o 
heléboro (Rhizoma e Radix Veratri - 藜芦 Lí Lú) e o ruibarbo (Radix e Rhizoma Rhei - 
大黄 Dà Huáng) e mais tarde, como vimos no Neolítico médio, num período que oscila 
entre os 6000-3000 anos a.C., o desenvolvimento da Agricultura primitiva, naquilo que 
o mundo da lenda apelida de Idade Agrícola. “De acordo com a tradição oral, três 
imperadores que reinaram do séc. XXIX ao séc. XXVII a.C., estabeleceram as 
fundações da Medicina Chinesa”66. Cronologicamente, 伏羲 Fúxī, “autor da doutrina 
yin-yang”, Shén Nóng, “o primeiro herbicista”, Huáng-dì, “que escreveu o mais 
antigo livro conhecido de Medicina Chinesa”67, Shén Nóng o divino trabalhador, o 
imperador lendário passa, também, por ter ensinado a agricultura à China primitiva. 
Aliás, até cerca de 2207 a.C., consideram outros historiadores chineses estar-se na época 
dita wǔ dì jì - dos cinco imperadores, período lendário em que Shén Nóng terá sido 
o segundo monarca68. Neste período de remota antiguidade, vivendo a comunidade em 
clã, a pouco e pouco foram descobrindo os efeitos medicinais de troncos, raízes, folhas, 
flores, frutos e sementes, conhecidos pelo nome genérico de 本草 Běn Cǎo ou ervas, 
atendendo a que a maior parte destas substâncias medicinais eram ervas.69 
 
Na província de Zhèjiāng, no Oriente chinês, em 1973 70, encontraram-se restos de 
pevides de cabaça com pelo menos 6000 anos, o que prova que esta já era cultivada 
nesta região. Os elementos históricos de que se dispõe mostram que esta espécie 
vegetal era usada com fins terapêuticos correntes. De facto conhece-se o seu efeito 
 
65 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, pp.42-43 
66 Swerdlow, Joel L. (PhD) – Nature’s Medicine – Plants that heal. Washington, National Geographic 
Society, 2000, p. 36 
67 Idem, Ibidem. 
68 Ideograma [4317] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 
1999, p.814 
69 Segundo a cronologia tradicional, durante a idade do bronze, terão existido 3 dinastias: a dos Xia 
(2207-1766 a.C.); Shang (1766-1122 a.C.); Zhou (1121-256 a.C.). A maioria dos arqueólogos 
consideram estas datas demasiado elevadas, e quanto à existência da 1ª dinastia, muitos investigadores 
duvidam da sua veracidade, uma vez que não existem provas científicas anteriores a cerca de 1700 a.C. 
Cf. c/ Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 45 
70 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues 
étragères. Beijing. 1989, p.65 
 
 21 
diurético bem como na redução do inchaço. A precocidade do seu emprego medicinal 
talvez justifique a antiga palavra xuánhú71 que se refere à “tabuleta” identificadora da 
venda de drogas e/ou de se exercer MTC, utilizada nos últimos 1000 anos, com uma 
cabaça pendurada à porta das farmácias ou de determinadas clínicas de MTC. Na 
Hòu Hàn Shū – História (dinástica) dos Hàn posteriores (25-220 d.C), redigido por 
Fàn Yè72, refere-se uma pequena história fantasiada acerca de um idoso que abriu uma 
farmácia numa feira, colocando à porta uma cabaça. Cada vez que a feira fechava, o 
farmacêutico saltava para dentro da cabaça e desaparecia. Esta história fantasiosa terá 
dado origem à expressão: “Que medicamentos há numa cabaça?” 73. Aliás, ainda hoje 
na China, a cabaça é identificadora da farmácia. 
 
Porém, a alimentação dos povos primitivos incluía a carne o que os levou a conhecerem, 
do mesmo modo, outras drogas de origem animal. Assim, terão tido conhecimento dos 
efeitos terapêuticos da gordura animal, sangue, medula óssea, miudezas, no tratamento 
de doenças. 
 
Numa fase mais avançadas da sociedade primitiva, entra-se na Idade do bronze, onde, 
para além de toda a panóplia de instrumentos metálicos, o homem foi conhecendo, do 
mesmo modo, qual o efeito dos elementos minerais sobre a sua saúde. 
 
Através do exposto, podemos concluir que o descobrimento de substâncias medicinais 
levou um tempo histórico considerável, consubstanciado numa lenda referida no “Livro 
do Príncipe de HuáiNán 淮南子(Huái Nán Zǐ)”74, (talvez escrito há cerca de 2000 
anos), cuja interpretação representa o conjunto dos Chineses da Antiguidade, que pela 
sua longa prática, fizeram nascer a medicina e a farmacopeia chinesas: "Shen Nong 
[…75]bebeu alguma centena de ervas e as águas de numerosas fontes para ensinar às 
pessoas o que era comestível e o que não era. Durante as suas investigações, chegava a 
ingerir 70 plantas tóxicas num único dia".76 
 
 
 
Origem de tratamentos externos, acupunctura e moxibustão 
 
 
Na sociedade primitiva, as pessoas não podiam proteger-se convenientemente contra 
animais selvagens, a fome e as doenças. A esperança de vida do homem primitivo era 
muito baixa devido a numerosas doenças, e a taxa de mortalidade ser extremamente 
 
71Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues étragères. 
Beijing. 1989, p.65 
72 Ideograma [1768] do DictionaireFrançais de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 
1999, p.339 
73 No Ocidente a expressão “aqui há tudo como na botica (farmácia)” não parece estar muito longe da 
mesma ideia… 
74 “[…] compilação filosófica de tendência taoísta e sincrética composta sob a direcção de Liú Ǎn, 
Prícipe de Huái-nán (morto em 122 A..C.)” - Ideograma [2187] do Dictionaire Français de la Langue 
Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.418 
75 Provavelmente o já referido e lendário “divino trabalhador”. 
76 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues 
étragères. Beijing. 1989, p.7 
 
 22 
alta, era um fenómeno comum. De facto, o habitat deste homem primitivo inclui 
“condições climáticas difíceis influenciam a sua constituição física: desidratação 
durante o verão, chuvas abundantes e frio intenso no inverno, dos quais não consegue 
defender-se no seu «habitat» rudimentar. Além disso, coabitam com ele bactérias e 
parasitas, impondo-lhe uma vasta gama de doenças contra as quais não sabe lutar”77. 
Os estudos efectuados sobre a comunidade do 北京人 Homem de Pequim, com 40 
esqueletos fossilizados levaram a concluir que mais de um terço das pessoas morreram 
em idades compreendidas entre os 14 e os 15 anos, e apenas: 6% conseguiram viver 
entre 50 e os 60 anos de Idade. Na província de Shāndòng, em Dàwēnkǒu, foram 
encontradas mais de 10 tumbas de crianças, das quais a mais velha morreu com a idade 
de 15 anos, sendo a média de idade de cerca de dez anos, algumas das quais apenas 
tinham alguns meses de idade. As parcas condições de vida e as epidemias das doenças 
causavam a morte prematura de muitas crianças. Epidemias, infecções e feridas 
ocorriam com frequência, sendo estas últimas as maiores responsáveis pelas causas das 
mortes da espécie humana, como atestam os achados encontrados na maioria das 
escavações arqueológicas. 
O homem primitivo foi aprendendo a usar a lama, a escolher determinadas folhas e 
ervas à medida que ficava envenenado pelos diversos animais, ou com feridas abertas 
por animais selvagens, ou até 
como resultado de lutas 
tribais. 
 
Como vimos, o uso do fogo 
terá sido uma descoberta com 
utilização polivalente, entre 
as quais se conta o conforto 
do seu calor, mas também o 
alívio da dor com aplicação 
localizada de calor. Para este 
fim, usavam pedras e areia aquecidas nas zonas dolorosas do corpo, cuja inércia térmica 
retinha o calor durante mais tempo, aliviando a dor provocada pela humidade e pelo 
frio. Ao longo dos tempos, as pedras passaram a ser substituídas por compressas, numa 
acção progressivamente melhorada. O uso da moxibustão começou, então, a ser usada 
com ramos, ervas ou plantas, de modo a estimular termicamente determinados pontos 
do corpo. O seu uso foi levando, progressivamente, à aprendizagem de novas curas e 
aplicações. Na obra 素问异法方医论 sù wèn yì fǎ fāng yī lùn, - tratado acerca de 
questões simples sobre diferentes terapias, refere que “as pessoas do Norte que viviam 
nas terras altas expostas às condições atmosféricas frias onde era hábito comerem a 
céu aberto, sofriam de distensões abdominais devido ao frio que se arrastava nas 
vísceras e intestinos, que podiam ser devidamente tratadas através de moxibustão. Por 
isso, a moxibustão é originária do Norte”78. Quem fala de moxibustão fala de artemísia 
 hāo – artemisia vulgaris; esta na China tem uma longa tradição medicamentosa: o 
processo terapêutico dura até aos dias de hoje, queimando folhas da planta, para 
actuarem como há mais de 5000 anos se fazia. 
 
77 Sournia, Jean-Charles – História da Medicina. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, p.11 
78 Zhenguo, Wang, et alii - History and Development of traditional Chinese Medicine. Science Press, 
Beijing, 1999, pp. 6-7 
 
 
Fig.8 – Pormenor de um biān shí (adapt. Hoizey, 
1988) 
 
 23 
 
O uso da Acupunctura está directamente correlacionado com a maior habilidade que o 
homem primitivo foi adquirindo no fabrico de utensílios ora líticos, ora de madeira ou 
de osso. Estes eram fabricados utilizando enxós, machados e facas, que, para além de 
servirem de elementos de fabricação de outros instrumentos, também eram usados para 
fins terapêuticos. Não era raro o seu uso para abrir feridas mal cicatrizadas a fim de 
expurgar o pus ou para fazer sangrar. Na sua evolução pragmática de construção de 
instrumentos, a diversificação dos mesmos foi aumentando de acordo com os fins a que 
se destinavam. Um dos instrumentos que os arqueólogos chamaram biān shí (agulha 
de pedra para acupunctura) é uma pedra afiada que eles acreditam ter servido como 
instrumento terapêutico, Fig. 8. De um lado, por ser afiada e ter um perfil semi-circular 
e achatado, podia ser utilizado para cortar a pele ou a carne. Do outro lado a sua forma 
indicia o seu uso em acupunctura. A zona intermédia tem a forma quadrada, facilitando 
a sua manipulação. Na província de Shāndòng, foram encontrados 2 biān shí deste 
tipo mas com a forma cónica, e outro de forma oval de um lado e piramidal do outro, 
encontrado na província de Hébĕi. 
 
Como se referiu acima, os instrumentos líticos começaram a ser acompanhados de 
instrumentos de osso, tendo-se encontrado agulhas de osso gǔ zhēn em variadas 
escavações arqueológicas, cujo fim curativo se torna indubitável, uma vez que de um 
lado encontramos uma ponta aguçada de forma cónica, ao passo que a outra 
extremidade é cega (sem orifício algum), de forma oval. Só mais tardiamente se 
desenvolveram as agulhas metálicas com base nestas de pedra e osso. 
 
 24 
 
O uso destes instrumentos, biān shí e gǔ zhēn, não nos aparece descrito como era 
executado, porém, através de uma lenda chinesa poderemos ter uma ideia mais 
objectiva: 羲 Fúxī 79 “provou 
ervas e construiu biān[s] de 
pedra de forma a curar as 
pessoas das doenças”80. Os 
dicionários de caracteres 
chineses, indicam, 
habitualmente, que “biān 
significa a cura de doenças 
picando com uma pedra“81, de 
facto o ideograma biān, no 
“Dicionário Ricci”, é referido 
como “1 - agulha de pedra para 
acupunctura; 2 – picar com uma 
agulha de pedra” 82. 皇甫谧 
Huángfǔ Mì (215-282 d.C.), 
autor da obra 针灸甲已经 zhēn 
jiǔ jiǎ yǐ jīng – clássico de 
acupunctura e moxibustão83, 
primeira obra sistemática de 
acupunctura e moxibustão84, diz 
que 伏羲 Fúxī criou os 
caracteres escritos para substituir 
os registos feitos de nós, 
desenhou os oito trigramas de 
modo a explicar a criação de 
todas as coisas do mundo, 
afirmando, ainda, a tradição que 
FúXī terá criado as 9 agulhas (Fig.9) com as quais terá fundado a acupunctura. A lenda 
que nos refere esta figura mítica, corresponderá ao espaço e tempo da manufactura de 
agulhas de pedra em forma de sovela, datadas de há cerca de 5500- 4000. Mas o maior 
esclarecimento acerca destas biān shí, aparece-nos no “primeiro tratado médico 
conhecido pela história da humanidade […] o primeiro clássico, bem conhecido da 
 
79 “[…] personagem lendária tido como o primeiro soberano da China e o inventor dos Trigramas; 
ensinava ao povo a agricultura, a pesca e a pecuária” - Ideograma [1602] do Dictionaire Français de la 
Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 1999, p.306 
80 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration 
of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês) 
81 Idem, Ibidem 
82 Ideograma [4032] do Dictionaire Français de la Langue Chinoise. Institut Ricci – Kuangchi Press, 
1999, p.755 
83 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 257 
84 Weikang, Fu – Abrege de la Medecine et de la Pharmacologie chinoises. Editions en Langues 
étragères. Beijing. 1989,pp.103-104 
 
Fig.9 – As 9 agulhas de 伏羲 Fúxī 
 
 25 
Medicina Interna”85, o Neì Jīng (tratado do interno), cuja autoria se atribui ao 
“Imperador Amarelo, o lendário HUÁNG-DÌ [ ] que supostamente terá vivido por 
volta do ano 2800 (a.C.)” 86. Na parte da obra acerca de “Questões Básicas”, refere que 
“as doenças nas terras de Leste são todas carbúnculos87, pelo que devem ser tratadas 
com a pedra «bian», que então é originária do Leste. As doenças nas terras do Sul são 
espasmos com entorpecimento que devem ser tratados com finas agulhas. Assim as 
nove formas de agulhas foram desenvolvidas no Sul”88. Daqui podemos concluir que a 
pedra biān foi de facto o início da Acupunctura na China. A obra ainda refere que as 
“nove antigas agulhas são: 1. agulhas redondas (o corpo é um cilindro e a ponta tem a 
forma oval) usadas para massajem dos pontos de acupunctura; 2. agulhas de ponta 
afiada (o corpo é redondo e a ponta é um prisma com três gumes afiados) usadas para 
extrair sangue; 3. agulhas redondas e afiadas (o corpo é ligeiramente grosso e a ponta 
é redonda e afiada) usadas para puncturas rápidas; 4. agulhas «chān» [ - espalmadas] 
(a cabeça é grande e larga, mas a ponta é afiada, parecida com a ponta de uma seta), 
boa para penetração superficial no corpo humano; 5. agulhas capilares (o corpo 
extremamente fino), largamente usadas para diversos fins; 6. agulhas «dǐ» [ - rombas] 
(o corpo é grande e larga, mas a ponta é ligeiramente embotada) usada para 
pressionar; 7. agulhas espada (o corpo parece-se com uma espada com lâminas de 
ambos os lados) usadas para cortar e libertar pus; 8. agulhas grandes (o corpo é 
bastante grosso mas a ponta ligeiramente arredondada), algumas vezes usadas para 
pontos articulares; 9. agulhas compridas (o corpo é o mais comprido das nove, cerca 
de 20 cm) usadas para punctuar músculos grossos. […] a invenção destas nove agulhas 
tornou-se o símbolo do progresso tanto na manipulação como na teoria da 
acupunctura”89. 
 
 
 
Primórdios da actividade médica e protecção da Saúde 
 
 
O período histórico que se iniciou cerca do século XXI a.C., na China, tem sido 
considerado como o início da dinastia 夏 Xià que, segundo a tradição teria sido fundada 
por 大禹 Dà yǔ (2207-2198 a.C), sedentarizada ao longo do rio Amarelo黄河 Huáng-
hé, com base económica esclavagista, com produções em pedra, mas também com o 
 
85 Choy, Pedro – Fitoterapia Tradicional Chinesa – Generalidades. Associação Portuguesa de 
Acupunctura e Disciplinas Associadas (APA-D.A.). Lisboa, (Ciclostilado). 2000, p.2 
86 Idem, Ibidem 
87 Manuila, L. et alli – Dicionário Médico. Climepsi Editores.Lisboa, 2000, p. 118 : carbúnculo - Doença 
infecciosa contagiosa, comum ao homem e ao gado, devida a bactéria carbunculosa (Bacillus anthracis), 
cujos esporos, muito resistentes, contaminam o solo e diversos produtos de origem animal. Distingue-se 
uma forma externa, por penetração dos bacilos ao nível de uma ferida (pústula maligna) e uma forma 
interna (carbúnculo gastrintestinal ou carbúnculo pulmonar). O carbúnculo tornou-se numa doença rara 
graças às medidas sanitárias que protegem os indivíduos expostos à infecção e graças à vacinação do 
gado. O tratamento pelos antibióticos, por vezes associado à seroterapia, reduziu consideravelmente a 
mortalidade. O termo neste contexto, porém, parece significar, genericamente, infecção. 
88 Advanced Textbook on Traditional Chinese Medicine and Pharmacology. Vol. I. State Administration 
of Traditional Medicine. New World Press. Beijing. 1995, p.14 (tradução livre do inglês) 
89 Jingfeng, Bai – Episodes in Traditional Chinese Medicine. Chinese Literature Press, Beijing, 1998, pp. 
26-28 
 
 26 
início da idade do bronze, sendo a sua cultura conhecida por uma cerâmica preta. 
Durante o séc. XVIII a.C., surge, também ao longo do Rio Amarelo 黄河 Huáng-hé, na 
secção Norte da actual província de 何南 Hénán, uma cultura e uma sociedade 
apelidadas de dinastia Shāng (conhecida também por dinastia Yīn, depois do reinado 
de Pán-gēng, i.e., após a instalação da sua capital em Ānyáng 90 . A sua a área 
geográfica de actuação era bastante grande, e os seus vestígios revelam uma civilização 
já bastante evoluída, detendo todo um conjunto de conhecimentos e técnicas, cujos 
antecedentes nos são bastante obscuros, aparecendo-nos, de uma forma bastante 
elaborada, a escrita, a fusão do bronze, os carros de guerra, as técnicas de arquitectura, 
as práticas divinitórias, os diversos tipos de vasos de sacrifício, os motivos de 
decoração, etc.. A sua cultura baseava-se na agricultura e pastorícia, em que parte da 
população vivia em pequenas cidades, onde o estrato mais elevado da nobreza 
empregava numerosos artesãos, mas a grande massa da população ainda vivia como 
camponeses em condições às da Idade da Pedra. Aliás, esta e a dinastia seguinte 
constituem-se o período apelidado por diversos historiadores “a sociedade dos 
escravos”. De facto, este estrato nobre, dedicava-se aos sacrifícios humanos e a animais 
como o cão, e à guerra. Em diversos lugares aparecem homens decapitados ou cabeças 
sem corpo, não sendo estranho a esta prática o uso de prisioneiros de guerra. A sua 
actividade é simultaneamente religiosa, guerreira, política, administrativa e económica. 
A linha real é a cabeça duma organização onde os chefes de linhagens são 
simultaneamente chefes do culto familiar que veremos um pouco mais à frente. Esta 
dinastia durou até ao século XI a.C. utilizando uma sofisticada forma de escrita 
ideográfica que perdura até aos dias de hoje. Grande parte dos ideogramas sobreviveram 
até aos nossos dias na sua forma e com o significado que detinham então. Outros, 
porém, caíram em desuso e na obscuridade, pelo que se torna difícil ou impossível a sua 
compreensão. Esta escrita foi preferencialmente usada em ossos e carapaças de 
tartaruga, os jiǎ gǔ wén, escritos durante o séc. XIII a.C., para serem usados nos 
oráculos, o que permitiu um estudo razoável acerca da sua cultura. Simultaneamente, as 
inscrições em bronze 金文 jīn wén, apareciam, bem como a sua variante zhōng dǐng 
wén - inscrições em sinos e vasos rituais. Porém, deve-se a esta época, a criação de um 
calendário cujos “anos e meses eram representados nas inscrições oraculares em osso 
por números cardinais, enquanto que dez ideogramas representavam os «troncos 
celestes» e outros doze designavam os «ramos terrestres», tendo sido empregues para 
nomear os dias dum ciclo sexagesimal.[…] Se bem que o calendário foi sujeito ao 
longo dos séculos por numerosas modificações e que o cálculo foi sempre sendo 
melhorado em precisão, o ano lunar e os ciclos de 60 dias deviam permanecer em uso 
por mais de 3000 anos. O uso de um calendário revestia-se de uma importância 
significativa para o desenvolvimento dos anais da história”91. 
 
 
90 Gernet, Jacques – Le monde chinois. Armand Colin, Paris, 1999, p. 46 
91 Shouyi, Bai (Dir.) – Precis d’Histoire de Chine. Editions en Langues Etrangeres. 1988, p. 68. Nota do 
autor: de origem tipicamente divinatória, viriam a ser, em época mais tardia estudados de uma forma 
sistemática e objectiva, vindo a constituir um método verdadeiramente científico. 
 
 27 
Quanto ao comportamento desta dinastia relativamente à saúde, temos de ter presente o 
carácter altamente supersticioso desta cultura e que as informações de que se dispõe 
visam apenas a vida dos reis e dos elementos a ele mais chegados, não havendo, até ao 
momento, qualquer forma de 
determinar as medidas que 
eram tomadas pelos estratos 
mais baixos da Sociedade 
Shāng (Fig.10). 
 
Aliás, Oliveira et alii 
(1996)92, distingue, na 
evolução da medicina, quatro 
fases: “fase mágica, fase 
sacerdotal ou religiosa, fase 
empírica e fase científica”. 
Exemplode medicina de 
carácter mágico encontramos 
entre os Impérios Babilónico, 
Caldeico-Assírio, no vale do 
Eufrates, bem como a 
Egípcia, ao passo que a 
sociedade Hebraica era de 
carácter sacerdotal. No 
período Védico93, a medicina 
Indiana era mágica ou 
mágico-sacerdotal, e no 
período Bramânico94, o 
conhecimento médico é maior a nível anatómico, mas sempre submetido à religião95. 
Sournia (1995) afirma que na Mesopotâmia antiga “a doença é […] vivida como um 
castigo ou um pecado: «A impuresa atingiu-me. Julga a minha causa, toma uma 
decisão a meu respeito; extirpa do meu corpo a doença má, destroi todo o mal da 
minha carne e dos meus músculos deixar-me hoje, e possa eu ver a luz» (retirado de 
tábuas de prognósticos médicos, cerca de 2000 a.C.). […] Utilizam-se diversos tipos de 
diagnóstico de natureza divinatória: sonhos, voos de aves, data de uma cheia, cor e 
direcção do fumo sobre uma chaminé, forma de uma mancha de óleo, etc. A 
hepatoscopia, dado que o fígado era considerado o órgão essencial do pensamento e 
dos sentimentos, devia conhecer o maior sucesso, […] pois este tipo de mântica visceral 
praticar-se-á mais tarde correntemente entre etruscos e os hititas. Estudava-se, assim, 
a profundidade dos sulcos do fígado e a configuração dos seus lobos para estabelecer o 
prognóstico da doença”96. Conhecida como mais desenvolvida, a medicina egípcia, tem 
Imotep como tendo sido o médico mais conhecido (ano 2800 a.C), dado que era 
 
92 Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, 
Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 3 
93 período dos livros sanscritos ou Veda estende-se até cerca de 2500 a.C. 
94 período Bramânico cobre o último milénio a.C. 
95Oliveira, L. N. Ferraz de; Dória, José Luís – História da Medicina, Universidade Nova de Lisboa, 
Faculdade de Ciências Médicas, Lisboa, 1996, p. 31 
96 Sournia, Jean-Charles – História da Medicina. Instituto Piaget, Lisboa, 1995, pp.24-25 
 
Fig.10 – A China dos Primeiros Tempos (adapt. 
Cotterell, 1999) 
 
 28 
primeiro ministro do faraó Djeser, da 3ª dinastia menfita, porém, “segundo todas as 
probabilidades, a patologia egípcia pouco difere da mesopotâmica” (Sournia, 1995) 97. 
 
Os Shāng já tinham desenvolvido a noção de doença. A enfermidade é definida aqui 
como a primeira experiência, isto é, a percepção subjectiva de sensação de indisposição 
que pode ser sentida, na alteração do comportamento. A doença, pelo contrário é um 
produto socialmente determinado, um conceito reformulado da primeira abordagem e 
experiência de enfermidade. Contudo, é possível caracterizar doença como um desvio 
definidamente claro, dentro de um conjunto específico de ideias no que diz respeito às 
causas e características e tratamento da enfermidade, tendo como referencial o estado 
normal da saúde do ser humano. Daqui, algumas manifestações de enfermidades podem, 
em sociedades diferentes, ser compreendidas como sendo doenças completamente 
diferentes. Os Shāng tinham uma familiaridade com muitos espécies diferentes de 
enfermidades, porém, apenas reconheciam o número limitado de doenças. Por exemplo, 
dores de dentes, e dores na cabeça, balonamento abdominal, e dores nas pernas eram 
apenas diferentes sintomas da mesma doença. 
Como se afirmou mais acima, esta era ainda uma sociedade em que a superstição 
detinha bastante influência. Nela fluía a preponderância da “maldição de um 
antepassado”; estes dominavam o mundo dos vivos, mas, em contrapartida, estavam 
dependentes destes para lhes levarem provisões98. Os antepassados desejavam, por 
exemplo, que os seus ossos repousassem, na sua tumba, em boas influências de fēng 
shǔi (ventos e águas), obtendo a reciprocidade de prosperidade e saúde para todos os 
descendentes.99 Se os vivos falhassem no cumprimento destas obrigações, as reacções 
dos antepassados não se faziam esperar. A eles se tentava chegar através de 
intermediários, daí a importância de se recorrer aos oráculos acerca do tempo, da guerra, 
pagamento de tributos, caça, sonhos, planos de viagem, alianças políticas e 
enfermidades. Com esta mentalidade, muitas doenças tinham a sua força causal na 
vontade dos antepassados. O ideograma 疾 jí (enfermidade) é muito comum nos jiǎ 
gǔ wén, perante o oráculo. Nestes textos, jí aparece em conjunção com partes do corpo 
humano ou de funções corporais; neste “figurava um homem tocado por uma flecha 
 
97 Idem, ibidem 
98 Cf. c/ Coulanges, Fustel de – La cité antique. Librairie Hachette.s/d. pp. 34-35 : (obra escrita acerca dos 
usos, costumes e tradições mais remotas greco-romanas) – “Havia uma troca perpétua de bons ofícios 
entre os vivos e os mortos de cada família. O antepassado recebia dos seus descendentes a série de 
refeições fúnebres[…]. O descendente recebia do antepassado a ajuda e a força de que tinha 
necessidade. O vivo não podia passar sem o morto , nem o morto sem o vivo. Por este meio uma ligação 
potente se estabelecia entre todas as gerações duma mesma família e fazia um corpo eternamente 
inseparável. Cada família tinha o seu túmulo, onde os seus mortos vinham repousar um ao pé do outro, 
sempre juntos. Todos os que tinham o mesmo sangue deviam aí estar enterrados e nenhum homem doutra 
família poderia ser admitido. Aí se celebravam as cerimónias e os aniversários. Aí cada família 
acreditava ver os seus antepassados sagrados. Em tempos muito antigos, o túmulo estava dentro da 
própria propriedade da família, no meio da habitação, não longe da porta, «a fim, diz um ancião, que os 
filhos, entrando ou saindo de suas moradas, encontrassem de cada vez os seus pais e cada vez lhes 
dirigissem uma invocação». Assim, o antepassado permanecia no meio dos seus; invisível, mas sempre 
presente, ele continuava a fazer parte da família e a ser o pai. Ele imortal, ele feliz, ele divino, ele 
interessava-se acerca do que tinha deixado de mortal na terra. […] O gerador parecia-lhes um ser 
divino, e eles adoravam o seu antepassado […] É necessário que este sentimento tenha sido muito 
natural e muito forte, uma vez que ele aparece como princípio duma religião na origem de quase todas 
as sociedades humanas; encontramos nos Chineses […]”. 
99 Unschuld, Paul U. – Medicine in China – A History of Ideas. Univerty of California Press, Ltd, 
London, 1985, p. 27 
 
 29 
sofrendo de dor” 100. Das 200.000 inscrições encontradas distinguiram-se 14 
combinações diferentes onde se incluem ideogramas de olhos, cabeça, ouvidos, nariz, 
boca, dentes, pescoço, abdómen, pé, calcanhar, bem como voz, urina e parturiente. A 
acção dos “espíritos do vento” também eles tinham aqui o seu lugar, falando-se de 
“vento maligno”, juntamente com a “neve”, que constituíam as duas causas mais 
comuns das doenças de acção místico-mágica, cuja solução passava frequentemente 
pelo shī (“shaman”- representante dos mortos) ou pelo wú (feiticeiro).101 
 
“Mas havia tratamentos na época Shāng. A arqueologia atesta-o.[…] no lugar Shang 
de Taixi, perto de Gaocheng, cidade de Hubei”102 foram encontradas cerca de trinta 
sementes de fruta com caroço, entre as quais a 郁李 yù lǐ – Prunus Japonica e táo 
– Prunus Persica. Ambas com propriedades terapêuticas apreciadas desde há muito, o 
caroço de pêssego é mencionado na bibliografia como recomendado“«para matar os 
pequenos vermes». Nos dias que hoje, a medicina tradicional emprega-os em 
ginecologia”103.Quanto ao yù lǐ, o seu caroço lubrifica os intestinos e relaxa-os sendo 
empregue na obstipação devida à desidratação intestinal; do mesmo modo pode ser 
empregue para promover o metabolismo hídrico104. 
 
Durante este período, as pessoas começaram a adquirir alguma compreensão acerca das 
doenças. Os nomes de mais de vinte tipos de doenças, incluindo doenças da cabeça, 
ouvidos, nariz,

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