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Texto 3 - Artigo homenagem MGFF - Gustavo Zagrebelsky

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ESTADO CONSTITUCIONAL1 
 
Gustavo Zagrebelsky 
 
 O léxico político de Aristóteles sempre trouxe dificuldades aos tradutores. As 
realidades históricas são tão mutáveis que a mesma palavra, transposta de um contexto 
histórico a outro, induz frequentemente a equívocos e determina interpretações 
incorretas ou ênfases arbitrárias. No capítulo A constituição por excelência do volume 
de título A filosofia política de Aristóteles2, Günther Bien recorda o quanto discutível e 
debatida é a tradução nas nossas línguas dos termos aristotélicos que têm na polis a raiz 
comum e refere a interessante notícia de que a palavra politeia é traduzida como 
“Estado constitucional” (Verfassungsstaat) em uma tradução alemã (Stahr) de 1839 da 
Politica. Pode ser que esse seja o uso mais recorrente de uma expressão que hoje já 
tomou lugar nos nossos estudos em um sentido que quer ser específico e quer assumir o 
caráter de um paradigma. Como o século XIX liberal falava de “monarquia 
constitucional”, não simplesmente para indicar uma constituição que acompanhava a 
monarquia, do mesmo modo nós hoje falamos de “estado constitucional” para exprimir 
algo muito mais profundo que não simplesmente o fato extrínseco de um Estado 
acompanhado por uma Constituição. Portanto, o uso atual da expressão é carregado de 
significados intencionais que aquele precedente distante, em razão do embaraço na 
tradução de um termo difícil, não possuía. 
 
 A doutrina da constituição como ciência da cultura A idéia de “estado 
constitucional” como entidade com suas próprias características, distinto do “Estado de 
direito”, é produto de uma elaboração que devemos, sobretudo, a Peter Häberle e é um 
conceito que ele ajudou a construir como critério da sua doutrina da constituição como 
ciência cultural3. O “estado constitucional” seria, se não um modelo definido em todos 
os seus aspectos, ao menos um sinal preciso de orientação, germinado do vasto mundo 
das concepções do ser humano e da sociedade humana, dos valores, das aspirações, da 
sensibilidade coletiva formada e difundida por meio de experiências e comportamentos, 
grandes conquistas e grandes tragédias, até se impor na cultura da nossa época e do 
nosso mundo. 
 Essa visão visa a uma inteligência não apenas racional, mas também emocional 
do nosso viver em comum: poder-se-ia dizer uma inteligência elaborada nas tensões 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
1 Tradução de Carlos Bastide Horbach e José Levi Mello do Amaral Júnior. Revisão de Ada Pellegrini 
Grinover. Colaboração de José Jesus Cazetta Junior. 
2 G. Bien, Grundlegung der politischen Philosophie bei Aristoteles, Karl Alber, Freiburg-München 1973 
[trad. it. La filosofia politica di Aristotele, il Mulino, Bologna 1985, p. 304, nota 4]. 
3 Cfr. P. Häberle, Verfassungslehre als Kulturwissenschaft, Duncker & Humblot, Berlin 1998, poderosa 
coleção de reflexões e materiais dedicados à ilustração desta visão metodológica geral. 
entre elementos tradicionais e tendências inovadoras, imersas na cultura pluralista4 em 
que hoje estamos “constitucionalmente” imersos. Tal inteligência vale-se livremente, 
sem preconceitos teóricos e preocupações de “pureza” metodológica, de todos os dados 
capazes de exprimir fatores constitucional-culturais: textos das constituições, 
jurisprudências, doutrinas econômicas e sociais, clássicos da literatura jurídica, 
politológica, filosófica e utópica, obras-primas da poesia e da narrativa, da música, das 
artes figurativas, atos, eventos e datas históricas (exemplar o annus mirabilis 1989), 
etc.: tudo é potencialmente relevante, nada pode ser excluído a priori. A seleção 
depende não da natureza, mas da densidade de significado constitucional do ato ou do 
fato. O que conta é, precisamente, o resultado, o ponto de chegada e, a este propósito, 
nada pode ser descartado a priori. 
 O ponto de chegada poderia ser expresso com a sequência das seguintes 
palavras: compreender a complexidade e iluminar os significados histórico-espirituais e 
histórico-políticos das formas de vida constitucional; tomar consciência das ciladas das 
suas implicações, ou seja, dos seus pressupostos e das suas consequências necessárias; 
discernir quanto é essencialmente constitucional do que é inconstitucional. Os critérios 
fundamentais destas operações são declaradamente buscados nos pressupostos do 
direito positivo. Poderia encontrar aplicação, ainda uma vez, a máxima – perdoem esta 
autocitação – posta ao início do meu Diritto mite: “O que é sem dúvida fundamental, 
por isso mesmo não pode nunca ser posto, mas deve ser sempre pressuposto”, expressão 
diversa para exprimir o conceito que Joseph de Maistre contrapunha ao “poder 
constituinte” dos revolucionários do fim do Século XVIII na França: “a razão e a 
experiência [...] convergem para a convicção de que tudo o que há de mais fundamental 
e de mais essencialmente constitucional nas leis de uma nação não poderia ser escrito”5. 
Os legisladores, inclusive os constitucionais (esses, aliás, mais que todos) que acreditam 
ser “fundadores”, ignoram que “fundam” apenas se, por sua vez, “fundam-se” sobre 
algo que preexiste à sua obra. Os grandes problemas do direito nunca estão nas 
constituições, nos códigos, nas leis, nas decisões dos juízes ou em outras expressões 
similares de “direito positivo” com as quais os juristas lidam, nem nunca acharam ali as 
suas soluções. 
 Na determinação e, portanto, na seleção dos fundamentos culturais consiste a 
função de discernimento. Tarefa dos juristas é, todavia, a de ser “aequum ab iniquo 
separantes”, “licitum ab illicito discernentes”, segundo a celebérrima definição de 
Ulpiano que abre os Digesta justinianeu (D. I.I pr 1) e aqui está a função normativa da 
ciência do direito, função irrenunciável enquanto ela pretenda manter o seu caráter 
específico entre as ciências sociais. Poder-se-á alargar o olhar e afastá-lo da 
contemplação exclusiva do que denominamos “normas” e poder-se-á seguir a aspiração 
de dar conta do “ser da norma” e da sua colocação entre as estruturas espirituais e 
factuais que regem a sociedade. Mas este alargamento não deve acontecer em 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
4 Ibid., p. 5. 
5 J. de Maistre, Considérations sur la France, in Id., Considérations sur la France, suivi de l’Essai sur Le 
principe générateur des constitutions politiques et des lettres à un gentilhomme russe sur l’Inquisition 
espagnole [La société nazionale, Bruxelles 1838, p. 100 ss.]. 
detrimento da função normativa da ciência jurídica, que não se pode reduzir a uma mera 
prestação de contas descritiva que renuncia a “tomar posição”. 
 
 Águas incertas A doutrina da constituição como ciência da cultura leva-nos a 
territórios muito distantes daqueles em que tradicionalmente se movem os juristas. Em 
primeiro lugar, foi lançado às costas o positivismo jurídico aplicado à constituição, ou 
seja, o ponto de vista limitado aos atos jurídicos produtores de direito constitucional em 
sentido estrito e formal, selecionados com o mesmo critério das normas “sobre 
produção” do direito, e submetidas à interpretação segundo os métodos da tradição 
civilista que observam a gramática, a sintaxe, a lógica, o sistema e, às vezes, a história 
jurídica. A “cultura” torna-se um, talvez até mesmo, o método determinante e que 
“abre” o modo de entender a constituição, enquanto a doutrina clássica da interpretação 
pretende “fechá-lo”, delimitá-lo, para dele poder controlar os resultados, reservando-lhe 
as operações conceituais dos juristas. A cultura como – perdoe-se o jogo de palavras – 
constituição (ou fatorconstitutivo) da constituição acompanha-se assim necessariamente 
de uma das idéias mais criadoras e inovadoras da doutrina de Peter Häberle, a da 
“comunidade aberta dos intérpretes constitucionais”, onde os “intérpretes” não são 
apenas aqueles debruçados sobre livros de direito constitucional, mas todos aqueles que 
operam na dimensão da cultura e produzem resultados constitucionalmente relevantes. 
Esta comunidade, além do mais, é “aberta” não apenas com relação ao círculo fechado 
dos juristas, mas também com relação aos limites dos Estados a que pertencem: limites 
políticos que delimitam as esferas das respectivas ciências constitucionais, até quando 
se considerava a constituição o ato de força com o qual um Estado ou um povo exprimia 
ao máximo grau a própria identidade política, ou seja, a própria soberania. As ciências 
jurídicas nacionais e a sua relativa separação eram a consequência destas premissas. A 
comparação constitucional contribuiu para corroer progressivamente estas barreiras, 
mas, na sua primeira fase, as tomava como determinantes. Dada esta vocação 
antiestatalista e antinacionalista da doutrina da constituição como ciência da cultura, 
compreende-se facilmente porque o próprio Peter Häberle colecionou um número 
indefinível de becas doutorais honoris causa em toda parte do mundo. 
 Mas, com o positivismo jurídico da constituição, também são ultrapassadas as 
teorias descritivas e os tratamentos filosóficos da constituição: teorias e tratamentos que 
têm os seus arquétipos, respectivamente, em Aristóteles e Platão. As teorias descritivas 
procedem da observação das experiências constitucionais históricas concretas, 
classificam-nas na medida dos seus princípios geradores e, eventualmente, formulam 
juízos de valor “internos”, como os de congruência, eficácia, pertinência e coerência 
com relação a tais princípios. As doutrinas filosóficas, ao contrário, estão em busca da 
“justa constituição”, fundada sobre considerações de valor “externas”, independentes da 
experiência concreta e deduzidas da natureza dos seres humanos e da sua sociedade, do 
sentido da história e de outras coisas do gênero. 
 A constituição como produto da cultura não é direito positivo, no sentido do 
positivismo jurídico; não é uma teoria (apenas) descritiva e não é nem mesmo uma 
filosofia constitucional. Ao mesmo tempo, porém, parece ser algo das três. Não ignora, 
de fato, os textos jurídicos formais, pelo contrário, atribui a eles um grande significado 
(até mesmo aos seus enunciados, inclusive aqueles simbólicos: penso, por exemplo, o 
Hino à Alegria de Schiller-Beethoven do art. I-8 do projeto de Tratado constitucional 
europeu), não, porém, como “fontes” no sentido do positivismo jurídico, mas antes 
como documentos oficiais do caminho do espírito humano. Assume os seus conteúdos 
não de uma filosofia da justiça ou da verdade ou do social, mas de uma recapitulação 
dos grandes eventos histórico-espirituais que fizeram a história da humanidade. Ao 
mesmo tempo, porém, não é uma mera catalogação, mas, antes, uma seleção segundo 
critérios “constitucionais” de valor. O resultado não é uma definição, mas a enunciação 
acerca do que parece bom e belo, entre as experiências da humanidade, em termos de 
convivência entre indivíduos e povos, e é por isso merecedor de ser valorizado como 
elemento positivo da cultura da constituição. Considere-se esta sequência, apenas 
indicativa: dignidade do ser humano como premissa, tornada concreta na cultura de um 
povo (e, em seguida, de toda a humanidade) por meio dos direitos fundamentais; 
consciência da longa história da qual proviemos e esperança e vontade de criação de um 
futuro no sinal da continuidade, portanto uma aposta sobre o futuro da humanidade; em 
particular, a seguir, constituição como contrato entre os vivos e as gerações; divisão dos 
poderes; princípios do estado de direito e do estado social; independência da jurisdição 
e garantia dos direitos fundamentais; natural abertura à dimensão constitucional 
mundial da convivência. Falta algo? Há algo de belo e de bom que tenhamos esquecido 
e que deveria constar dessa linha de pensamento? 
 Muitos entre nós, e eu entre eles, acolheram com um autêntico sentido de 
libertação a idéia da fundação cultural da ciência da constituição e a consequente 
reconsideração das características da nossa comum profissão e das tarefas que nos 
competem. Talvez, porém, alguns entre nós, e talvez também eu, nutramos não sem 
fundamento o temor de uma dilatação incondicionada dos limites da nossa reflexão. O 
estado constitucional, considerado à luz da ciência da constituição como ciência da 
cultura, não acaba por ser uma idéia indefinida e indefinível, de conteúdos e métodos 
potencialmente onicompreensivos, que se presta a ser incrementada com sempre novos 
materiais, uma idéia aparentemente ligada à história, mas, na realidade, a-histórica? 
Uma idéia, sobre cuja indeterminação o próprio Häberle, na introdução ao seu volume 
acima citado6, põe interrogações, às quais, porém, considera que não deva ser dada uma 
resposta a priori. Eventuais limitações postas à reflexão constitucional à luz da cultura 
significariam uma perda em termos de “consciência problemática”, de “possibilidade de 
ir à procura” e de “chances de conhecimento”, todas coisas que, vice-versa, devem ser 
verificadas em concreto, sem restrições no plano abstrato. Cada potencial fator 
constitucional-cultural deve ser submetido à prova “sachbereichsspezifisch”, ou seja, 
com referência específica ao singular campo de pesquisa, e apenas depois se poderá dele 
deduzir um juízo de relevância. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
6 P. Häberle, Verfassungslehre als Kulturwissenschaft cit., p. 2-6. 
 Dadas essas aberturas, compreende-se que não é risco apenas hipotético o que o 
próprio Häberle aponta – reputando-o real, porém, “apenas à primeira vista” – quando 
diz que um conceito amplo de “cultura” poderia degenerar em conceito cômodo ou “em 
branco”, capaz de explicar tudo e nada (“Gefahr, daβ ‘Kultur’ zum Alles und Nichts 
erklärenden Allerwelts- oder Blankettbegriff degeneriert”). Próprio à determinação dos 
conteúdos do “estado constitucional”, esse perigo é iminente, se é verdade que a 
“cultura” pode tornar a estrada aplainada para calcular entre todos eles os 
desenvolvimentos históricos que parecem conformes ao caminho virtuoso das formas de 
convivência humana. Aproximamo-nos, assim, de uma idéia otimista de “progresso 
constitucional”? Se sim, a teutônica “Kultur” não se transformaria implicitamente na 
francófona “Zivilisation” constitucional? E, se porventura, os desenvolvimentos 
constitucionais histórico-concretos se afastassem do “reto caminho”, como deveríamos 
considerá-los? Uma “incultura” a ignorar ou combater como “inconstitucional” ou como 
elementos de uma diversa, conquanto perversa, noção de cultura em que integrá-los? No 
fundo, ao “cultural” se pode facilmente aplicar a ironia de Karl Marx a propósito do 
“positivo” da Escola histórica do direito: “O Alemão que educa a filha como a jóia da 
família não é mais positivo que o Rajaputro, que a mata para se poupar do incômodo do 
seu sustento. Em uma palavra: a brotoeja é tão positiva quanto a pele”7. 
 
 Inclusões e exclusões na doutrina da constituição Um problema para toda 
doutrina da constituição não curvada sobre materiais apenas formais, como são as 
normas escritas nos textos das constituições, é, portanto, o da escolha entre inclusões e 
exclusões. Por exemplo, com referência ao nosso tema, estaríamos dispostos a incluir no 
“estado constitucional”, segundo cultura, o imperialismo da democracia; a teorização da 
guerra como instrumento ordinário das relações entre os povos; a absolutização do 
mercado privado de regras e, portanto, dominado pela forçadesenfreada do dinheiro 
multiplicada pela tecnologia em que se apóia; a finalização da política e da própria 
cultura às puras e simples exigências do desenvolvimento econômico; o apelo direto do 
líder ao povo, fora das instituições da democracia liberal; a demonização dos 
adversários políticos como instrumento lícito nas relações entre adversários políticos; o 
maquiavelismo dos fins que justificam os meios, até a mentira, a fraude, a violência e a 
tortura; a teoria de fundo racista da superioridade de uma civilização sobre outras, com 
as consequências que dela se fazem derivar nas relações sociais e políticas, e outras 
coisas deste gênero que encontram todas facilmente, muito facilmente, quem lhes dê 
uma base “cultural”? Se não estivermos dispostos a incluir tudo isso na “cultura” e, 
portanto, no estado constitucional do ponto de vista de uma doutrina constitucional, é 
porque não nos furtamos às escolhas fundamentais de valor e desejamos defender uma 
certa idéia, uma certa cultura da constituição, de outras certas idéias e culturas. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
7 K. Marx, Il manifesto filosofico della scuola storica del diritto, in Id., Scritti politici giovanili, a cura di 
L. Firpo, Einaudi, Torino, 1950, p. 60 (para a citação completa da passagem, cf. Zagrebelsky, Gustavo. 
Intorno alla legge, Turim: Einaudi, 2009, p. 211, nota 60). Nota do tradutor: Marx refere-se a um velho 
costume dos rajaputros, membros de casta nobre de guerreiros da Índia. 
 A escolha entre inclusões e exclusões é por isso inevitável. A constituição pode 
desdobrar a sua função “constitutiva” apenas em condição de diferenciar e, portanto, de 
operar opções. Aqui poderão estar concepções da constituição mais ou menos abertas, 
mas a inclusão indiferenciada de qualquer matéria a tornaria irreconhecível. Reduzir-se-
ia a uma descrição privada de vigor, inútil com relação à sua função ordenadora. 
Também a doutrina da constituição segundo a cultura se manifesta assim, em primeiro 
lugar, como um ideal – ou, para quem dele não comunga – como uma ideologia 
constitucional. Um elemento axiológico, ou seja, prescritivo, em cada teoria da 
constituição é, portanto, necessário. Consideremos os nossos clássicos. Não há um 
único, creio – nem mesmo aquele que mais teorizou a neutralidade axiológica da ciência 
jurídica – do qual não se possa dizer que a sua teoria constitucional não fosse militante. 
 Todavia, existe, ainda assim, uma diferença entre uma teoria e uma filosofia ou 
doutrina política da constituição. A primeira aceita na base dados constitucionais 
histórico-concretos. A sua tarefa é relativa a eles: compreendê-los, colocá-los em 
ordem; indicar as condições e as consequências de tal ordem, ou seja, precisamente, 
“teorizá-los”, bem como nisso apontar aporias e dificuldades e, eventualmente, indicar 
as soluções para evitar ou sair das contradições que podem determinar a crise e o 
desmoronamento. As filosofias e as doutrinas da constituição prescindem de tudo isso 
porque a tarefa delas é indicar ideais constitucionais e, eventualmente, as vias para 
realizá-los. 
 É necessário, porém, abster-se de traçar limites práticos muito claros. Teoria e 
doutrina podem se encontrar e, com efeito, frequentemente se encontram. A teoria se faz 
doutrina quanto mais assume a constituição que existe como constituição que deve 
existir, ou seja, quando tende a se tornar apologia da constituição; ou, ao contrário, a 
doutrina se faz teoria quando, abandonando as praias serenas, mas estéreis, da utopia, 
torna-se critério de ação histórica concreta. Quanto mais o critério é realista, ou seja, 
quanto mais as suas proposições se aproximam à definição de algo que já se está 
realizando, correspondendo aos modos distintivos da realidade que se vai fazendo, 
menos fácil é distinguir teoria da doutrina constitucional. 
 Porém, conquanto os lados possam se aproximar, a diferença essencial 
permanece. Ora, porém, a dúvida é que a só referência à “cultura” seja insuficiente para 
delimitar e defender um discurso sobre a constituição como teoria da constituição. Uma 
vez que, aqui, podemos encontrar de tudo – nenhuma época histórica conhece uma 
cultura constitucional monolítica, já que essa é por definição o objeto de disputa pela 
hegemonia entre forças desmedidas, que se valem de instrumentos de influência de todo 
tipo, aberta e dissimulada, interessada e desinteressada – a ciência “cultural” da 
constituição corre o risco de se tornar simples cobertura do status quo e dos poderes que 
o determinam, ou propaganda de parte e, assim, desintegrar-se e de perder a capacidade 
de formular discursos dotados de significado geral e, portanto, propriamente 
constitucionais. Um esclarecimento acerca do uso da “cultura” nos discursos sobre a 
constituição é, portanto, necessário. 
 
 Tese: a fundação nas características do momento histórico constitucional Na 
medida em que a teoria da constituição deve permanecer ancorada ao seu objeto, um 
objeto do mundo das concretas experiências da vida social, o apelo à cultura como seu 
fundamento deve, portanto, especificar-se. Certamente, também, a cultura, em todos os 
seus conteúdos, é um conjunto de experiências concretas. Mas nós, como juristas e 
constitucionalistas (e não, por exemplo, como poetas ou filósofos), não lidamos com a 
cultura entendida como “experiência humana”, experiência múltipla das muitas 
possibilidades que cada um pode buscar frutificar por si mesmo, mas com a dura 
realidade das experiências coletivas, determinadas historicamente. Por isso, a 
consideração da ciência constitucional do ponto de vista da cultura deve focalizar-se 
sobre características essenciais da situação constitucional, de que nós, como indivíduos, 
mas sendo atores dela, somos transcendentes e condicionados. Nessa tensão em 
concreto, a referência à cultura encontra a sua limitação, mas também o seu valor 
constitucional. 
 Qualquer teoria da constituição pressupõe que se tome consciência das 
características da realidade constitucional a que se refere. Isso implica que os elementos 
materiais particulares sejam organizados em um conceito e este conceito servirá como 
um focus que indica o elemento essencial, que vale para compreender todos os outros e 
para dar a eles um sentido com relação ao conjunto, um sentido que de outra forma não 
teria. Se o focus é inadequado ou desfocado, com relação à realidade, não se poderá 
construir nenhuma teoria constitucional. Em particular, com atenção à doutrina da 
constituição como ciência da cultura, não se terão à disposição critérios objetivos para 
aquela obra de discernimento, sem a qual cada um faria aquilo que bem lhe aprouvesse, 
com pouca ou nenhuma utilidade; sem a qual a cultura da constituição seria destinada a 
se perder na mistificação, no engano, na evasão utópica e na alienação aos problemas 
reais. 
 Cultura constitucional e consciência do momento constitucional histórico 
concreto, portanto, para responder à pergunta, óbvia e não iludível: cultura do quê? Da 
constituição. Mas de qual constituição? 
 
 A constituição do pluralismo O ponto de contato mais fecundo da teoria do 
estado constitucional, a sua condição histórico-material fundamental, é, hoje, a 
democracia pluralista. A existência de uma constituição, como conjunto de princípios 
que se diferenciam sob diversos aspectos das normas ordinárias – a constituição que 
chamamos “rígida” – não é uma invenção de juristas preocupados em completar o 
edifício do estado de direito legislativo com um ulterior nível de legalidade, a legalidade 
constitucional, capaz de se impor também ao legislador. Ela é simplesmente uma 
conceituação teórica (como veremos, incompleta e, por isso, enganosa). A constituição 
rígida é o resultado de forças múltiplas pertencentes àstrês dimensões da vida social: 
política, econômica e cultural, as quais, por ausência de uma dominante, são obrigadas a 
buscar um equilíbrio entre si, por meio de compromissos. O estado constitucional 
encontra a sua força na fraqueza relativa dos sujeitos constitucionais que o sustentam. 
Podemos definir o pluralismo como a condição em que se desenvolvem as sociedades 
compostas, onde, porém, as divisões entre as partes não alcançam um grau de tensões 
tal a tornar impossível o compromisso. 
 Esta definição é muito rica de conteúdo. a) Em primeiro lugar, ela nos remete à 
exigência de um “espaço constitucional” definido, em que operam instituições dotadas 
de jurisdição de amplitude correspondente. As tensões são constitutivas do estado 
constitucional, mas ele não pode ganhar corpo se não possuir um ambiente comum em 
que se conectar e entrelaçar. A ausência de limites institucionalizados torna realmente 
inimaginável a dimensão constitucional, como ocorre na situação atual de evasão de 
poderes econômicos, políticos e culturais das dimensões determinadas pelas 
instituições, nacionais ou supranacionais, que determinam um espaço comum: situação 
que se denomina “globalização” ou “mundialização”, dois termos que significam, por 
ora, o contrário de constituição. b) Em segundo lugar, é necessário que os conflitos não 
alcancem o ponto de ruptura insanável, além do qual há a discórdia ou, para usar um 
termo da Grécia clássica, a stasis8. Concretamente, a condição para que os contrastes 
não degenerem em conflitos é a articulação dos poderes sociais e aqui se manifesta a 
relação imprescindível entre estado constitucional e pluralismo. c) A contenção das 
tensões está ligada ao número três (ao menos três), o número santo do direito 
constitucional. O pluralismo não é dualismo. O número dois é um número subversivo e 
opressivo: ele contém a oscilação entre o embate para o aniquilamento da outra parte 
(como foi à época das “monarquias constitucionais” do século XIX ou à época do 
conflito de classe na segunda parte do século XIX e no seguinte) e a associação unitária 
(frente a perigos externos, como o perigo proletário para a monarquia e a burguesia do 
século XIX). Não é possível aqui uma reflexão sobre números no direito constitucional: 
aqui basta observar que o número um é aquele do poder monolítico, que é constituição 
de si mesmo e não tem necessidade de uma constituição externa; o número dois, ou se 
reduz a um ou leva ao embate destrutivo, enquanto o três é o número da coexistência 
dinâmica entre as partes: coexistência, porque cada uma delas tem interesse na 
existência das outras duas (daí não estar envolvida, em suma, em um embate dual de 
êxito incerto); dinâmica, porque o três consente competições e alianças variáveis entre 
as partes. 
 O pluralismo não é, todavia, apenas um dado de grande parte das nossas 
sociedades. É também um dado interno a cada um de nós. O ser humano das sociedades 
desenvolvidas do século XXI tornou-se complicado. Desejamos tantas coisas e, 
frequentemente, coisas que, tomadas de modo absoluto, seriam incompatíveis umas com 
as outras. Também a nossa psique deve ser constitucionalizada entre as diversas 
tendências que a submetem a tensões: desejamos liberdade e igualdade; segurança e 
garantias; amor e justiça; rigor e piedade; sociabilidade e solidão; etc. Deve-se encontrar 
em si um equilíbrio que não sacrifique nada de essencial para si. O pluralismo 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
8 Nota do tradutor: a polis pressupõe o entendimento em ambiente de paz; a stasis, em apertada síntese, 
é a situação oposta, de negação daquele pressuposto. 
constitucional reflete-se, assim, no pluralismo da consciência individual, que se 
predispõe à coexistência e ao compromisso. 
 
 Pluralismo e constituição Pluralismo e constituição implicam-se entre si. O 
dualismo monárquico-burguês produziu as efêmeras constituições do 
constitucionalismo liberal do século XIX. O pluralismo do século XX produziu as 
constituições democráticas contemporâneas. Somente essas últimas, contudo, são 
constituições vitais no sentido pleno da palavra. As primeiras, embora consistindo em 
documentos formalmente diferenciados e, às vezes, dotados de “cláusulas de 
eternidade”, revelaram-se, como não poderia deixar de ser, estruturalmente inidôneas a 
valer como constituições: o seu equilíbrio não podia ser mantido e, de fato, ou foram 
atropeladas pelas restaurações monárquicas ou se simplificaram a favor do predomínio 
burguês. Elas traziam dentro de si o germe que as tornaria irreconhecíveis, ainda que, 
aliás, principalmente, quando mantidas há muito tempo formalmente em vigor. 
Sobretudo, faltava-lhes o pressuposto para que pudessem ser submetidas a uma garantia 
colocada fora das relações de força entre as duas partes. Uma constituição sem uma 
base pluralista que permita a produção de forças homeostáticas de equilíbrio (a autêntica 
garantia constitucional material) e, depois, como é da natureza da coisa, favoreça o 
surgimento de formas de garantia junto a órgãos de justiça constitucional (a garantia 
constitucional formal), é apenas uma tentativa, é um (novo) início de uma controvérsia 
constitucional com relação à qual ela se limita a aferir as forças em campo. 
 
 A natureza da constituição como compromisso A constituição do pluralismo é 
essencialmente um compromisso garantido pela sua rigidez. Como se exprime tal 
compromisso? Por meio de normas de princípio que correspondem aos valores de cada 
uma das partes da sociedade que tomam parte no compromisso. Junto às regras que 
disciplinam analiticamente as relações entre os órgãos do Estado (corpo eleitoral, 
parlamentos, governos, chefes de Estado, magistraturas, etc.), onde o compromisso se 
realiza, sobretudo, por meio de sempre novas instâncias de garantia contra a onipotência 
das maiorias, multiplicam-se as normas que contêm princípios de orientação, que 
deverão ser depois especificados nos diversos âmbitos da vida social regulados pelo 
direito (dignidade humana, democracia, vida, liberdade, segurança, paz, justiça social, 
igualdade, solidariedade, bem comum, pluralismo, legalidade e proporcionalidade-
razoabilidade-racionalidade do direito, uso não abusivo do direito, etc.), princípios que 
às vezes expressam exigências contrastantes (a liberdade de imprensa, mas a integridade 
do ambiente; o mercado, mas os direitos coletivos dos trabalhadores; o direito de 
propriedade, mas a função social da mesma propriedade; os direitos orgânicos, mas os 
direitos individuais, por exemplo, na família). Os próprios direitos fundamentais são, no 
mais das vezes, enunciados por meio de normas de princípio ou, ao menos, são 
interpretados como se fossem normas de princípio. Daí se pode dizer que a parte 
organizativa e procedimental da constituição contém principalmente regras (ainda que 
não exclusivamente: lembre-se dos “princípios” do estado de direito, da separação dos 
poderes, da subsidiariedade, da cooperação leal, etc.); a parte material, em que 
convergem as aspirações constitucionais das forças em campo, é, ao invés, composta 
essencialmente de princípios. 
 Essa dimensão de princípio da constituição é frequentemente objeto de críticas 
por parte de quem dela lamenta o defeito de normatividade no sentido do positivismo 
jurídico. Os princípios são normas em um sentido particular e, de fato, nos últimos 
tempos, sob o plano da concepção do direito, se contrapôs ao “normativismo” o 
“principialismo”. Os princípios não se prestam, de fato, às rotineiras operações de 
interpretação e aplicação, ou seja, à subsunção e ao raciocínio silogístico, pela simples 
razão de que eles são normas sem fattispecie. Mas os lamentos são estéreis porque eles 
são o instrumento necessário do compromisso constitucional.Entre partes que se 
movem de posições diversas, o consenso pode ser obtido elevando-se o grau de 
abstração das proposições sobre as quais se acordar. Além disso, os princípios – embora 
não sendo de todo aquelas inúteis dilações léxicas dos problemas, segundo a 
incompreensão que foi de Carl Schmitt – remetem a um momento sucessivo a sua 
determinação concreta: dois aspectos dos princípios, tudo menos irrelevantes, em vista 
do compromisso que a situação constitucional pluralista requer. Pluralismo e 
principialismo são os dois lados (o social e o jurídico) da mesma moeda. Tudo isso é 
denso de significados, além da constituição, para a concepção do direito em geral. 
 
 A re-moralização do direito Uma vez que os princípios constitucionais são 
fórmulas sintéticas que remetem a valores que normalmente o direito não define, mas 
assume da esfera da moral, a constituição introduz no ordenamento jurídico elementos 
que o positivismo jurídico das regras não apenas não compreendia, mas combatia como 
invasões de campo. Com referência aos princípios constitucionais, falou-se de re-
moralização do direito: “re” ou nova moralização, com relação aos tempos do direito 
natural. O caso contemporâneo não é, porém, definível pura e simplesmente como um 
enésimo renascimento do direito natural. Não se trata de conceber uma esfera do direito 
vigente pré-positivo (aquele que dele seja a origem: a ordem divina impressa nas coisas, 
a “natureza das coisas”, a razão, a revelação de Deus, etc.); o direito é, ainda assim, 
direito positivo: o que as gerações dos seres humanos desejam e decidem que seja. Mas 
uma coisa é a estatuição direta, outra é a indireta, que opera reenvios a algo que está 
fora da sua determinação específica positiva, em uma esfera que lida com a filosofia 
moral e com a filosofia política. Examinemos as argumentações dos nossos Tribunais 
constitucionais: quando eles tratam grandes questões (por exemplo, aquelas relativas 
aos status das pessoas, aos problemas do nascimento, da vida e da morte), elas se 
assemelham mais a dissertações de justiça material que a demonstrações de direito 
positivo. A invocação de um princípio escrito na constituição é frequentemente apenas o 
modo para abrir uma discussão que se coloca em outro lugar. Nos autos dos juízes 
constitucionais encontram lugar não apenas as opiniões dos juristas, mas também as 
discussões entre filósofos morais. Se a natureza real dos problemas nem sempre emerge 
com clareza, é apenas porque fica ocultada – poder-se-ia dizer: por pudor positivista – 
atrás de argumentos jurídicos “técnicos”, de fachada. 
 Essa conotação do direito pode agradar aos que refutam a positivista separação 
rigorosa do direito de toda instância moral ou justiça substancial; e pode não agradar a 
quantos temem, não injustificadamente, que em tal modo, ao invés de enquadrar e, 
portanto, delimitar a argumentação jurídica, acaba-se por abrir as portas a um embate 
ilimitado entre concepções de mundo. Com efeito, em si mesma, a invocação aos 
grandes princípios introduz na discussão jurídica as suas diversas concepções. Lembre-
se da dignidade humana. Um tomista dela terá uma idéia, um iluminista, outra; um 
organicista, uma; um individualista, outra. Ou, lembre-se das questões que concernem à 
vida: quem pensa que seja um dom de Deus, que dela é o dono, combaterá ferozmente 
quem pensa, ao invés, que seja propriedade do ser humano, que não deve responder a 
outro que não a si próprio; quem pensa que seja um bem social combaterá quem julga, 
ao invés, que seja um dado pertencente à esfera privada individual. As consequências 
sobre assuntos como o aborto, a eutanásia, a experimentação científica, a manipulação e 
as intervenções sobre o genoma humano, etc., são claras a todos. 
 Por outro lado, na medida em que se tenha consciência das dificuldades, essas 
não poderiam constituir a razão para recusar a influência que os princípios 
constitucionais exercem sobre o ordenamento jurídico inteiro. Isso poderia acontecer 
apenas procurando privar os princípios constitucionais de caráter jurídico, para relegá-
los – como se fossem simples preâmbulos de boas intenções – ao campo das aspirações 
devotadas que cada um de nós pode nutrir segundo os próprios sonhos e desejos. Isso 
aconteceu nos primeiros anos de vigência da Constituição atual9, quando a 
jurisprudência havia “rebaixado” as normas de princípios a simples programas 
endereçados ao legislador, se e quando esse entendesse de atuá-los, e uma tendência 
similar emerge hoje, para contestar decisões judiciárias que não agradam, que dos 
princípios extraem, diretamente, regras em setores sobre os quais a sensibilidade moral 
é muito elevada (por exemplo, em tema de bioética). Todavia, uma vez que a inscrição 
dos princípios nas Cartas constitucionais é direta consequência do caráter pluralista do 
estado constitucional, a nulificação dos princípios equivaleria nada menos que à 
contradição da sua promessa, para instaurar um poder ordenador de uma só dimensão. 
Daí, a conclusão que o “direito pelos princípios” e as dificuldades que dele derivam não 
são, hoje, uma escolha nossa, mas uma necessidade com a qual devemos conviver, 
buscando a melhor convivência. 
 
 Constituição que vem de baixo Mortificou-se o significado da constituição rígida 
quando dele se absorveu o significado na concepção gradualista do ordenamento 
jurídico, ou seja, quando se acrescentou um degrau a mais, o mais alto, ao edifício 
jurídico que o princípio da legalidade do século liberal nos legou e sobre este degrau 
hiper-legal se colocou a constituição. Que a constituição organiza os procedimentos 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
9 Nota do tradutor: Constituição italiana de 27 de dezembro de 1947. 
normativos é um dado de fato. Mas que os princípios constitucionais exprimem o 
conteúdo de uma vontade normativa preexistente e pressuposta à legislação, uma 
vontade que, como o raio na mão do Júpiter tonante, cala e se impõe de cima para baixo, 
parece ser o resíduo de uma concepção monárquica da ordem constitucional: uma 
concepção que se poderia dizer adequada para descrever a realidade apenas à impossível 
condição de que o estado constitucional conheça uma autoridade capaz de desejar e 
dispor antes e independentemente da constituição, uma autoridade capaz, precisamente, 
de impor a constituição como norma mais alta no vértice do ordenamento que ela 
institui. 
 Mas o pluralismo constitucional é exatamente o oposto dessa autoridade 
monárquica. Ele é radicalmente inconciliável com a idéia de um poder supremo, 
preexistente à constituição, esteja ele nas mãos de um monarca autocrático que concede 
a constituição (como no século XIX) ou nas mãos de um povo que decide unitária e 
soberanamente sobre si próprio (segundo a concepção “decisionista” da 
verfassungsgebende Gewalt des Volkes). Esta concepção de cima para baixo da 
dinâmica constitucional desconhece e obscurece a circunstância essencial que a 
constituição rígida, a respeito da função do pluralismo, é expressão de um movimento 
contrário: não de cima para baixo, garantido por uma força soberana que impõe a sua 
ordem constitucional, mas de baixo para cima, promovido pela convergência de forças 
radicadas na sociedade, nenhuma das quais por si só decisiva, as quais se reconhecem 
mutuamente o direito de participar da obra constitucional. A constituição nasce deste 
reconhecimento recíproco que cria a base consensual da constituição e é o oposto de um 
ato de império soberano. Daí, como não existe uma autoridade política que impõe 
unitariamente do alto a sua vontade, assim também da constituição deve dizer-se que ela 
não está absolutamente no vértice do ordenamento jurídico, como norma suprema que 
reflete a unidade pressuposta de um poder soberano, mas estáà base, como tecido de 
princípios por meio dos quais a pluralidade de sujeitos constituintes exprime as 
condições da convivência. Dizer da constituição norma soberana, significa dizer 
constituição monárquica; ao estado constitucional do pluralismo antes convém a 
constituição como norma fundamental: a primeira é colocada no vértice e pressupõe a 
unidade como dado, a segunda é colocada na base e aponta a unidade como uma tarefa, 
melhor: como a tarefa a cumprir. 
 Enquanto a constituição como norma soberana pode reger-se sob a força 
ordenadora do sujeito soberano que a exprime, assim não é para a constituição como 
norma fundamental colocada à base. Ela pode reger-se apenas pelo consenso das partes: 
o consenso sobre o conjunto que deriva da aceitação dos princípios sustentados pelas 
outras partes, como condição para a afirmação (também) dos próprios. Eis porque a 
constituição do estado constitucional pluralista é uma intersecção sempre problemática 
de lealdades recíprocas que deve ser alimentada constantemente por atitudes de 
disponibilidade com relação às razões alheias. 
 
 A animação dos casos O positivismo jurídico legalista, em todas as suas formas, 
baseia-se sobre a mais nítida separação entre direito e fato, entre fattispecie normativa e 
fattispecie concreta. É uma aplicação da grande dicotomia que divide o reino do dever 
ser do reino do ser. Os fatos que caem sob o juízo das normas devem ser concebidos 
como material inerte: precisamente “meros fatos”. Essa rígida separação age como 
fundo à teoria da aplicação do direito como “subsunção” ou como “silogismo prático” e, 
no mesmo sentido, poder-se-ia recordar imagens menos técnicas, porém mais 
sugestivas, como aquela do direito como teia de aranha que captura quem nela cai 
(Diogene Laerzio), ou aquela do poderoso “polvo jurídico” (Rudolf Jhering), ou como 
as concepções matemáticas do direito10. Essas concepções da “vida do direito” 
pressupõem que as normas jurídicas sejam “regras”, adaptáveis ao esquema kelseniano: 
se é a, deve ser b. Quando o direito é, ao invés, “princípio”, tudo muda. Também a este 
propósito – a diferença entre regra e princípio – é impossível que se exponha como seria 
oportuno11. É suficiente observar que os princípios, sendo normas sem menção a 
específicos fatos da vida (fattispecie), indicam essencialmente perspectivas de sentido e 
de valor e, enfim, requerem não obediência passiva, mas adesão. Quem adere a um 
princípio se dispõe a considerar os fatos da vida da perspectiva que o princípio indica. O 
princípio indica uma inclinação espiritual dirigida à compreensão do sentido e do valor 
dos fatos sociais e disso deriva uma inclinação à ação. 
 Portanto, em um “direito por princípios” os fatos são iluminados e animados, 
tornam-se “casos problemáticos” que levantam perguntas, enquanto em um “direito por 
regras” se pode raciocinar como se eles fossem meros acontecimentos. Poderíamos dar 
muitos exemplos de como os princípios operam, em primeiro lugar, ao iluminar de 
sentido e de valor os fatos. Os mais esclarecedores consideram os “casos novos”, como 
aqueles que nascem da aplicação da tecnologia biomédica aos eventos do nascimento, 
da vida e da morte. Também aqui, porém, é necessário nos conter, bastando observar 
que, deste modo, arrombam-se as premissas do positivismo jurídico legalista, seja 
também não por uma razão teorética que contradiga a lei da impossibilidade de inferir 
normas de fatos (os fatos continuam a ser fatos e as normas, normas), mas por uma 
razão que considera a natureza do material normativo (princípios ao invés de regras) 
com que se constrói, dos seus fundamentos, o ordenamento jurídico: os fatos, enquanto 
sejam considerados à luz de princípios, tornam-se “casos problemáticos” que exprimem 
sentido e valor e exigem ser regulados de modo conforme. 
 Esse é o terreno mais favorável para que a hermenêutica jurídica possa se 
desenvolver e destituir as concepções tradicionais da interpretação jurídica, unilateral e 
“de cima para baixo”, da norma ao fato. A valorização do caso e a sua animação 
colocam inevitavelmente em movimento o “círculo hermenêutico”, ou seja, a 
interrogação do ordenamento jurídico a partir do caso a decidir e das suas exigências 
normativas, determinadas na medida dos princípios envolvidos: uma atividade de 
interrogação na qual todos os instrumentos da interpretação jurídica são chamados a 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
10 Leibniz, principalmente: Zagrebelsky, Intorno alla legge...,p. 13. 
11 Cf., todavia, Zagrebelsky, Intorno alla legge..., p. 92 e ss. 
operar, em uma perspectiva completamente diversa da tradicional. Não se trata, de fato, 
de determinar a exata interpretação, na medida do ordenamento, considerado como 
conjunto de normas autossuficientes; trata-se, ao invés, de individualizar a norma mais 
adequada para resolver o caso, sem forçar as suas características de sentido e de valor. 
Quando o círculo hermenêutico não se fecha e a hermenêutica do ordenamento falha em 
seu propósito, o estado constitucional fornece o instrumento para sair do impasse: a 
anulação ou a declaração de nulidade da norma legislativa inadequada, nas formas 
previstas pelos diversos sistemas de justiça constitucional. 
 Não nos deixemos confundir pela aparente complicação e consideremos o relevo 
que sempre, quando se lida com os princípios, assumem os casos na avaliação da 
legitimidade da regra: a relação não é a dois: princípio-regra, mas a três: princípio-caso-
regra. De resto, o simples confronto entre um princípio e uma regra não poderia 
conduzir, por si só, a nenhum juízo conclusivo de compatibilidade ou incompatibilidade 
entre eles, pela evidente heterogeneidade dos termos colocados em confronto. Disso, 
não nos damos conta, normalmente. Tende-se a ocultar a influência do caso nas 
escolhas interpretativas, por um tipo de pudor metodológico que é um legado do 
positivismo legislativo, frequentemente ativo no inconsciente dos juristas. Porém, 
refletindo bem, perceberemos que em todas as “questões de princípio” tanto quanto ou 
mais importante que a consideração do princípio em si é a apreciação do caso concreto: 
é nesta avaliação que mais frequentemente as opiniões se dividem, ao procurar depois a 
regra que faz o caso do “caso”. 
 Uma certa conotação casuística introduz-se na vida do direito e esse é um dado 
que pode não agradar, pelas consequências que dele podem derivar, quanto à certeza e 
previsibilidade das operações de aplicação do direito. Porém, não é fechando os olhos 
frente à realidade que se pode pensar em exorcizar os aspectos menos satisfatórios. 
 
 O equilíbrio dos princípios Em todo contexto constitucional pluralista, os 
princípios constitucionais são numerosos e, por isso, devem ser combinados entre si, 
quando – como frequentemente acontece – a absolutização de um implicaria a 
nulificação de todos os outros. Ademais, deve-se considerar que normalmente as 
constituições não determinam hierarquia entre os princípios. Compreende-se que alguns 
deles tenham valor constitutivo do próprio complexo social e, portanto, tenham valor 
absoluto, considerando todos do mesmo modo (a dignidade humana, a democracia, 
etc.), enquanto outros correspondem a ideais políticos relativos. Estes últimos não são, 
em regra, colocados em uma escala de valor, uma vez que isso implicaria juízos de 
preferência que corresponderiam, além das normas constitucionais, a uma hierarquia 
política e social incompatível com o pluralismo. 
 O pluralismo dos princípios e a ausência de hierarquia têm consequências 
importantes sobre a estrutura das operações de natureza jurídico-constitucional. Em 
todas as questões de direito, em que está envolvido mais de um princípio, a tradicional 
lógica jurídica linear e vertical (ex principiis derivationes)é substituída por uma arte 
compositiva horizontal. Trata-se de determinar, em primeiro lugar, quais são os 
princípios envolvidos em um caso controverso; sobre a base deste reconhecimento, 
podem ser determinadas as soluções, sendo claro que nenhum dos princípios poderá 
encontrar aplicação integral, uma vez que é preciso que seja deixado espaço aos outros. 
Com efeito, como foi bem mostrado por Ronald Dworkin12, o que chamamos princípio 
distingue-se do que chamamos regra precisamente no seguinte: as regras exigem uma 
aplicação integral, os princípios, ao invés, podem ser relativizados nos confrontos de 
uns com os outros, por meio da “ponderação”, do “balanceamento”. Essas operações 
dificilmente são concebíveis como expressão de uma lógica formal, segundo uma 
ciência fundada sobre o princípio de não-contradição. A scientia iuris, conquanto 
relativa à constituição, deve, assim, muito frequentemente, deixar o passo à iuris 
prudentia, uma atividade de que é, talvez, impossível preestabelecer as regras. Este 
ponto poderia ser aprofundado mais do que se pode fazer nesta oportunidade. Pode-se 
apenas dizer que, no direito do estado constitucional, a pluralidade dos princípios não 
pode ser concebida como um conjunto de contradições a serem eliminadas com decisões 
seletivas e simplificadoras. As contradições são a alma do estado constitucional e as 
tensões que delas derivam devem ser atenuadas por meio de complexos, difíceis e 
sempre revisáveis “compromissos práticos”. 
 Resta, todavia, uma diferença entre a decisão confiada ao legislador e a que toca 
aos Tribunais constitucionais, o primeiro no desenvolvimento da constituição, os 
segundos na sua aplicação às controvérsias constitucionais. A relação entre os princípios 
constitucionais, na ausência de hierarquia e de qualquer outro critério de ordem entre 
eles, não é predeterminado de modo tal que a lei possa conceber-se como simples 
execução da constituição. A liberdade da política colidiria com uma visão tão rígida e 
limitadora da legislação. Ao contrário, a constituição pluralista, não prefigurando uma 
ordem determinada, oferece ao legislador possibilidades sempre abertas de intervenção, 
para deslocar os acentos e os pesos, entre os princípios que estão em jogo. Esse é, 
precisamente, o campo reservado à política e à competição entre as forças que se 
enfrentam pelo governo da sociedade e isso constitui uma explicação para a 
instabilidade das leis nos sistemas constitucionais onde não domina um só princípio, 
mas muitos princípios estão em relação entre si e nenhum pode se impor 
definitivamente sobre os outros. Os Tribunais constitucionais que controlam a 
legislação têm uma outra tarefa: verificar a plausibilidade dos equilíbrios sancionados 
pelas leis, destruí-los, eventualmente, mas sem se substituir ao legislador. Na doutrina e 
na jurisprudência constitucionais discute-se a razoabilidade, racionalidade, 
proporcionalidade, maximização dos benefícios, minimização dos custos, etc., e foram 
construídos vários test lógicos para verificação de tal plausibilidade, por meio de etapas 
progressivas de penetração do controle (na Alemanha federal, no Canadá e em Israel, 
por exemplo: se o interesse perseguido pelo legislador tem dignidade constitucional; se 
a limitação de um princípio pode ser defendida com base em um outro princípio 
constitucional; se o sacrifício imposto a um princípio é estritamente necessário para dar 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
12 Zagrebelsky, Intorno alla legge..., p. 102 e ss. 
espaço a um outro; se não existem outros modos de alcançar o fim desejado pelo 
legislador, com menor prejuízo dos princípios constitucionais, etc.). Em todo caso, não 
compete a eles substituir com novos compromissos aqueles previstos pelo legislador. A 
pluralidade dos princípios constitucionais, contra o que parece, deve representar para os 
juízes constitucionais um entrave ao seu intervencionismo. Compete-lhes, em linha de 
máxima, destruir, não reconstruir, sendo a reconstrução a tarefa que deve ser deixada ao 
trabalho do legislador13. 
 Cada solução dos casos constitucionais multifacetados, ou seja, que implicam 
vários princípios constitucionais, não poderá deixar de frustrar quem se inspira em uma 
lógica simples e linear. Em primeiro lugar, quem busca uma prova, achará apenas 
argumentos discutíveis. Em segundo lugar, poderá ter a impressão de que a 
argumentação constitucional seja um perigoso desvencilhar-se entre obstáculos que 
devem ser evitados, antes que um seguro ancoradouro para argumentos que não 
admitem dúvidas. Enfim, sentirá, às vezes, a tortuosidade da argumentação que poderá 
parecer (e às vezes também será efetivamente) um modo de fisgar a simpatia ou a 
credulidade do público, de que se busca o favor. Os juízes que lidam com princípios 
múltiplos, para quem crê que é necessário inspirar-se em princípios simples, parecerão 
perigosos equilibristas que, ao invés de defender a objetividade do direito a que estão 
sujeitos, buscam apenas chegar ao término da caminhada sem quebrar o pescoço, 
desvencilhando-se entre as dificuldades. 
 
 Constituição e cultura constitucional Começamos pela doutrina da constituição 
como ciência da cultura de Peter Häberle. Retornamos ao ponto de partida, colocando a 
pergunta: sobre o que se fundam as constituições do estado constitucional pluralista? 
 No curso dessa exposição, apresentou-se a distinção entre constituições 
monárquicas e constituições pluralistas, uma distinção que, no momento atual, é muito 
mais útil que muitas outras correntes entre os constitucionalistas. As constituições 
monárquicas fundam-se sobre o poder, ou melhor: sobre um poder que exercita 
constrições não contestáveis. No celebérrimo discurso que Ivan Karamazov coloca na 
boca do Grande Inquisidor, Fëdor Dostoevskij inspira-se nas três tentações de Cristo no 
deserto (Mt 4, 1-11; Lc 4, 1-13) para esclarecer a tríplice natureza do poder constritivo, 
força, pão, milagre: “...em três palavras, em apenas três frases humanas, toda a história 
futura do mundo e da humanidade: o que pensas Tu, que toda a sabedoria da terra, 
reunida em conjunto, conseguiria excogitar algo comparável, em força e profundidade, 
àquelas três perguntas que realmente foram propostas a Ti, naquele dia, pelo poderoso 
espírito do deserto? ... Nessas três perguntas, está como que resumida em bloco e 
predita toda a futura história humana, e são reveladas as três formas típicas que estão no 
âmago de todas as irredutíveis contradições históricas da natureza humana em toda a 
terra” (Os irmãos Karamazov, parte II, cap. V). O poder de que se fala nesta passagem é 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
13 Nota do tradutor: no Direito italiano, as decisões da Corte Constitucional não esgotam todos os juízos 
constitucionais possíveis sobre a matéria julgada. 
aquele que se manifesta por meio de constrição, constrição derivada da violência física, 
da necessidade material, do controle ideológico das consciências ou das três coisas em 
conjunto. Tudo isso é monárquico. 
 As constituições monárquicas fundam-se sobre uma força soberana. A 
Grundnorm da nossa ciência da constituição – o ordenamento legítimo é aquele efetivo 
– é simples ornamentação do direito do mais forte. Hans Kelsen14 disse, a propósito da 
“eterna questão” do que está por detrás do direito positivo: “Quem busca a resposta – 
temo – não encontrará nem a absoluta verdade de uma metafísica nem a absoluta justiça 
de um direito natural. Quem levanta o véu e não fecha os olhos, depara-se com a cabeça 
da Górgona da força.” 
 Porém, nassituações pluralistas, muito há de mudar na consideração das coisas. 
O pluralismo constitucional não é simplesmente uma variante entre tantas do poder 
soberano. É uma modificação de paradigma que coloca em discussão as certezas 
adquiridas. Por definição, a sua Grundnorm não pode contemplar um poder soberano 
como dado a priori: o ordenamento legítimo é ainda o efetivo, mas o princípio material 
em que a efetividade encontra a sua substância e do qual ela extrai a sua legitimidade, 
não é o poder, mas a coexistência. Este princípio, no que concerne ao ordenamento 
jurídico, pode exprimir-se assim: legítimo é o ordenamento que efetivamente garante o 
pluralismo dos princípios (com exceção daqueles radicalmente não integráveis com os 
outros); no que concerne à organização política, aquele mesmo princípio pode, ao invés, 
exprimir-se assim: legítimo é o ordenamento que efetivamente garante um leal e sempre 
aberto confronto entre todas as posições (com exceção das posições daqueles que se 
propõem subjugar os outros). 
 Ora, sobre o que pode fundar-se a garantia efetiva do pluralismo? Qual é a força 
sobre a qual pode reger-se semelhante constituição do pluralismo? Certamente, não 
sobre uma força, no mesmo sentido das constituições monárquicas. Aqui vem a resposta 
eticamente exigente, incompatível com a aquiescência generalizada ao poder que é a 
aspiração principal de toda constituição monárquica: esta força não pode ser outra senão 
aquela que vem da adesão ativa e generalizada a um tipo de convivência em que haja 
lugar para todos, baseada no reconhecimento recíproco dos direitos de todos. Uma 
cultura, portanto, adequada ao convivium. A doutrina da constituição como ciência da 
cultura é, em breve, a resposta teórica às exigências do pluralismo, organizado no 
“estado constitucional”. 
 Também poderíamos nos perguntar do que se alimenta essa cultura, induzindo-
nos, assim, a descer ainda mais a fundo, em dimensões éticas, históricas, artísticas, 
educativas, etc., da vida coletiva, as quais, por sua vez, remetem a ulteriores 
aprofundamentos. Tudo isso abre naturalmente o horizonte e demonstra quão estreita 
seja a perspectiva do positivismo da constituição, uma vez que ela seja colocada em 
face das necessidades explicativas e fundamentadoras da constituição pluralista. 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
14 H. Kelsen, in “Veröffentlichungen der Vereinigung der deutschen Staatsrechtslehrer”, Heft. 3 (1927), p. 
53. 
Demonstra-se, finalmente, o que agora surge de modo incontroverso: o positivismo 
aplicado à constituição é uma ideologia funcional a todo tipo de constituição 
monárquica e não uma fria e neutra necessidade do direito constitucional, tomado em 
consideração de um ponto de vista científico. 
 
 A cultura constitucional e a sua difusividade As constituições monárquicas 
podem permitir-se o luxo de concentrar in apicibus o problema da legitimidade, ou seja, 
de circunscrevê-lo à legitimidade do poder primeiro, do qual todas as consequências 
fluem, encontrando nele a asseguração da sua efetividade e legitimidade. Não é assim 
para a constituição pluralista. O seu princípio vivificante, o seu ressort (para usar a 
célebre expressão de Montesquieu) encontra-se difuso, diluído em todos os atos e em 
todos os momentos da vida do ordenamento, dos mais solenes e simbólicos aos mais 
insignificantes e quotidianos, nos quais se possa ler a abertura à convivência pluralista 
(ou, ao contrário, encontra-se contradito em todos os atos que exprimem atitudes de 
encastelamento15 agressivo em defesa de posições unilaterais). Em certa medida, todas 
as relações jurídicas e sociais contêm um valor (ou um desvalor) constitucional. Uma 
lei, uma interpretação, o ato de fundação de um partido e a predisposição do seu 
programa, uma campanha eleitoral e o resultado de uma eleição parlamentar: tudo entra 
em relação com o fundamento de legitimidade da constituição. E tudo se complica 
porque se exigem atitudes recíprocas entre as forças em campo, nas quais o valor da 
coexistência seja prioritário sobre o da autoafirmação. À sua falta, o risco da 
constituição pluralista é o da insignificância: a pluralidade dos princípios a que cada 
força pode facilmente recorrer reduziria a constituição a um repertório de argumentos 
para gastar politicamente, a uma retórica do (da luta pelo) poder. 
 
 A mais perfeita e a mais frágil das constituições Até aqui, os argumentos 
tratados são todos internos ao que denominamos constituição do “estado 
constitucional”. A questão era: dado o seu princípio gerador – o pluralismo – o que dele 
deve vir para que esta forma de regime político viva e o que efetivamente vem, seja de 
positivo, mas também de negativo, do seu funcionamento. Raciocinou-se como se 
tratássemos de uma teoria, não de uma doutrina. De fato, até agora, ainda não se 
colocou, “do ponto de vista externo”, a pergunta: esta constituição é boa e atraente ou 
má e repulsiva? Tratando de constituições é difícil não fazer classificações e, portanto, 
não acabar por fazer apologia de uma delas em detrimento das outras. Até mesmo 
Aristóteles, o príncipe dos classificadores que inspirou essas considerações, falando da 
politéia diz que a sua “realidade é elusiva” (Politica IV, 7, 1293a), como a de todas as 
coisas nobres e preciosas, enquanto muito mais concreta é a realidade das outras seis 
formas de governo, que pouco ou muito se distanciam daquela que, evidentemente, é o 
	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  	
  
15 Nota do tradutor: o autor emprega a palavra italiana “arroccamento” que se refere ao movimento 
combinado e defensivo do rei e da torre no jogo de xadrez (“fazer roque”). 
modelo positivo (a “politéia – aventura-se a dizer na Etica Eudemia [1241 b 31] – é a 
relação entre irmãos”). 
 Bem sabemos que as nossas constituições são determinadas por concretíssimos 
fatores históricos, com relação aos quais os nossos projetos e desejos desenvolvem uma 
parte limitada. Por isso, não vamos dizer que o estado constitucional, com tudo isso de 
bom e belo que traz consigo, representa o fim da história das constituições, porque não 
sabemos imaginar nada melhor para o futuro, mas, quando muito, só aperfeiçoamentos. 
 Todavia, entre os fatores históricos das constituições estão também as nossas 
ações e, portanto, não é privada de sentido a interrogação acerca da postura a assumir 
frente a uma determinada constituição. E aqui se colocam as nossas escolhas de valor 
em que entram os mais diversos elementos e fatores de compreensão. Ora, abstraído 
todo o resto (concepções das relações entre os seres humanos, democracia e relativo 
relativismo, direitos humanos e tolerância, etc.), parece-me que o estado constitucional 
seja a forma de convivência entre os indivíduos e os povos que pode, se não eliminar, 
ao menos afastar, dia após dia, resultados trágicos de cada tentação simplificadora da 
vida social e política. Por isso, o estado constitucional merece a nossa apologia. 
 Todavia, é necessário realisticamente considerar que as tentações 
simplificadoras se afirmam no espírito coletivo (na forma de ideologias totalitárias ou 
de governos demagógicos e plebiscitários, aparentemente des-ideologizados) nos 
momentos de cansaço e desilusão e frente a dificuldades excepcionais que parecem 
requerer medidas enérgicas e recusa de compromissos. O estado constitucional é, de 
fato, fortemente exposto ao risco de corromper-se em meras práticas compromissórias e 
de perder de vista o valor para o qual existe: um valor que é muito forte do ponto de 
vista da utilidade geral, mas, infelizmente, émuito frágil do ponto de vista dos 
interesses particulares, aos quais “constitucionalmente” requer sacrifícios. A mais 
perfeita das constituições é também a mais frágil. Não pode, assim, apoiar-se sobre 
nada, fora e antes de si. 
 Eis que se afirma, pela última vez, a cultura constitucional como a única força 
capaz de elevar cada um de nós das considerações do seu pequeno mundo à 
contemplação do mundo de todos, para pensar e agir de modo consequente.

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