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PARTE IV Remendo do modelo em meio à crise mundial e retorno ao baixo crescimento (2007-2010)Capítulo 2 Do inferno da estagnação ao céu de brigadeiro do crescimento (2009-2010) -4,5 2,0 1. 2009: No INFERNO DA ESTAGNAÇÃO 0,64% 1.1. Os números da estagnação Nem as projeções catastróficas do Banco Morgan Stanley dos EUA de que o PIB brasileiro recuaria 4,5% em 2009, nem a visão otimista do governo, reiterada até o final do ano pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, de que seria possível lograr um crescimento positivo de 2%, se confirmaram. Além 2009 disso, o resultado alcançado de contração de 0,64% do PIB no ano revelou-se, também, distante da visão inicial excessivamente otimista e irônica do presi- dente Lula de que a crise não produziria mais que uma simples "marolinha" na economia brasileira ou de que se trataria apenas de uma "gripezinha" nas palavras da chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Um resultado que, apesar de recolocar o país novamente no inferno da estagnação, acabou sendo muito comemorado, considerando que, devido à continuidade e dimensão da crise mundial, o das economias desenvolvidas recuou 3,4%, o dos Estados Unidos 2,6% e o da área do euro 4,1%, como se constata na tabela IV. 4. Pela ótica da demanda, a menor contração do PIB foi possível, neste ano, pela maior resistência demonstrada pelo consumo final - de famílias e gover- no - aos efeitos da crise, como pode ser confirmado pelos dados da tabela IV.5, já que todas as demais categorias - formação bruta de capital e comér- cio exterior - apresentaram desempenho negativo. De fato, enquanto para o consumo final registrou-se um crescimento positivo de 4,1%, amargou-se um declínio de 10,3% para a formação bruta de capital e de 10,2% para asexportações. Como decorrência, a participação no PIB do consumo evoluiu de 79,1%, em 2008, para 83,5%, em 2009, enquanto a da FBK caiu de 20,7% para 16,5% e o das exportações de 13,7% para 11,1% (tabela IV.6). Tabela IV. 4 Evolução do PIB em grupos de países selecionados 2009-2012 Projeções Economia/países 2009 2010 2011 2012 Mundo -0,5 5,1 4,3 4,4 Economias desenvolvidas -3,4 3,0 2,3 2,6 Estados Unidos -2,6 2,9 2,6 2,5 Área do euro -4,1 1,8 1,8 2,0 Alemanha -4,7 3,5 2,6 2,4 França -2,6 1,4 2,0 2,1 Itália -5,2 1,3 1,3 1,2 Espanha -3,7 -0,1 0,9 2,0 Japão -6,3 4,0 0,8 2,2 Reino Unido -4,9 1,3 2,0 2,4 Canadá -2,8 3,2 2,7 2,7 Outras economias -1,1 5,8 4,0 4,3 Paises emergentes e em 2,8 7,4 desenvolvimento 6,9 6,6 Brasil -0,6 7,5 4,3 3,7 Rússia -7,8 4,0 5,3 3,4 Índia 6,8 10,4 7,7 8,0 China 9,2 10,3 9,4 9,5 Fonte: FMI/World Economic Outlook - junho de 2011 (*) Exclui G7 e países da área do euro. Pela ótica da oferta a menor contração foi garantida pelo desem- penho do setor serviços, que cresceu 2,2%, já que os demais um encolhimento expressivo: agropecuária (-4,6%), indústria (-6,4%), com destaque para o mais acentuado declínio da indústria de transformação, que conheceu uma queda de 8,2% no ano. Com isso, enquanto a participação do setor serviços no PIB alcançou expressivos 68,5%, a da agropecuária 344manteve-se em torno de 6%, a da indústria para 25,4%, e a da indústria de transformação continuou em sua já longa trajetória de perda de posição relativa na geração do PIB, caindo para 15,8%, um indicador, para muitos analistas, do processo de desindustrialização que vem ocorrendo no país (tabelas IV.7 e IV.8). Tabela IV. 5 Brasil: variação real do PIB, sob a ótica da demanda, por categorias 2009-2010 (%) Categorias 2009 2010 Consumo Final 4,1 6,1 Famílias 4,2 7,0 governo 3,9 3,3 Formação Bruta de Capital -10,3 21,8 Exportações -10,2 11.5 Importações -11,5 36,2 PIB -0,64 7,5 Fonte: IBGE/ Ipeadata (acesso em 22/06/2011) Tabela IV. 6 Brasil: Participação no PIB, sob a ótica da demanda, por categorias 2009-2010 Componentes 2008 2009 2010 Consumo Final 75,1% 83,5 81,7 + Famílias 61,7 100% 60,6 100,9 governo 21,8 21,2 Formação Bruta de Capital 16,5 19,2 Exportações 11,1 % 11,2 99% Importações -11,2 -12,1 PIB 100,00 100,00 Fonte: Ipeadata/IBGE (Acesso em 22/06/2011) 345Tabela IV. 7 Brasil: Variação real do PIB, sob a ótica da oferta, por setores da atividade econômica: 2009-2010 (em %) Setores 2009 2010 Agropecuária -4,6 6,5 Indústria -6,4 10,1 Indústria de Transformação -8,2 9,7 Serviços 2,2 5,4 PIB -0,6 7,5 Fonte: Ipeadata/IBGE (Acesso em 22/06/2011) panderado ? Tabela IV. 8 - 28,06 155,0,7 Brasil: Composição do PIB, sob a ótica da oferta, ? por setores da atividade econômica 2007-2010 (em %) Setores 2009 2010 Agropecuária 6,1 5,8 Indústria 25,4 26,8 - Indústria de transformação 15,8 15,8 Serviços 68,5 67,4 PIB 100,00 100,0 Fonte: Ipeadata/IBGE (Acesso em 22/06/2011) Este resultado, apesar de adverso, só foi possível de ser alcançado por que o governo brasileiro, depois de inicialmente tratar com ironia e minimi- zar os efeitos que a crise mundial poderia acarretar para a economia brasilei- ra, que se acreditava, à época, devidamente blindada, despertou finalmente, da letargia em que se encontrava a política econômica, diante da secura do crédito externo e da redução das linhas de financiamento, no segundo semestre de 2008, para as exportações bancos e instituições financeiras, principalmente os de pequeno e medito portes dele dependentes, e também ? para o setor produtivo. 346no do wise A isso se somaria a revelação de algumas empresas brasileiras terem incorrido em expressivas perdas patrimoniais) resultantes da desvalorização cambial ocorrida, a partir da quebra do Lehman Brothers, que haviam apos- tado, no mercado futuro, no Real ante o dólar e que demandavam a moeda norte-americana para o fechamento de suas posições e redução de seus prejuízos. Ante essa situação, a política econômica começaria a reagir, mas apenas de forma tópica após a falência do Lehman, por meio do Banco Central, e só ganharia maior consistência no combate à crise no final do 2009 ano, quando os sinais de uma vigorosa recessão se traduziram na queda expressiva da atividade produtiva e no aumento do desemprego. 1.2. A política econômica anticíclica em 2009 Foram três principais instrumentos que as autoridades econômicas brasileiras manejaram para combater/reverter os efeitos da crise e que de- sempenharam papel importante para resultado menos desfavorável do crescimento alcançado em 2009: as intervenções realizadas no mercado de câmbio; b) a liberação dos compulsórios bancários, juntamente com a redução das taxas de juros e a ampliação do crédito pelos bancos públicos a política fiscal, por meio da redução de tributos, das desonerações concedidas aos setores produtivos relevantes para a atividade produtiva e para o nível de emprego, e da ampliação do gasto governamental. As intervenções do Banco Central no mercado de câmbio tiveram início no dia 19 de setembro de 2008, quatro dias após a quebra do Lehman, quan- do, para conter a desvalorização da moeda nacional (o Real) em relação ao dó- lar, cuja cotação saltou de R$ $1,56 no final de julho para R$ 1,91 em setembro, 0 voltou a fazer leilão casado de venda e compra de dólares no mercado para atender a demanda pela moeda americana, operação que não realizava desde 2003. A mesma operação voltou a ser realizada no dia 26 de setembro, mas, como na primeira, o pequeno valor do leilão de US$ 500 milhões revelou-se totalmente insuficiente para reverter a trajetória de desvalorização do Real. medida que a situação se agravava, o BC viu-se obrigado a modificar de sua À estratégia de intervenção no mercado de câmbio e começar, por um (venda e 347Deixa veolizar a colocar swaps k diveta queima lado, a colocar swap cambial no mercado e realizar vendas diretas de dólar (sem direito, portanto, à recompra), dando início à queima de parte de suas mi bi reservas externas. Tais ações, que despejaram cerca de US$ 50 bilhões no 50 mercado, começaram a esbarrar, no entanto, em limites, dado que o fluxo cambial, que atingira impressionantes US$ 88 bilhões em 2007, tornara-se negativo desde outubro, diante da fuga de capitais da economia brasileira que vinha Três medidas adotadas, contudo, pelo governo dos EUA e pelo FMI reforçariam potencialmente o poder do BC de continuar intervindo neste mercado para defender a moeda nacional e atender a forte demanda por a) dólares sem ter de lançar mão das reservas do país: a) a disponibilização pelo Banco Central dos o FED, no mês de outubro, de US$ 30 bilhões para o Brasil utilizar para essa finalidade até abril de 2009, prazo FED posteriormente ampliado para outubro do mesmo ano, sem condicionali- b) dades e pagamento de juros, em troca da moeda nacional (swap); b) a linha de crédito de curto prazo, também sem condicionalidades, disponibilizada pelo FMI para as economias emergentes, na mesma época, mas limitada a uma proporção da cota que cada país detinha no capital do Fundo, que poderia garantir ao Brasil cerca de US$ 22,5 bilhões; e c) a linha de crédito c) mais flexível (FCL, em inglês), também do FMI, aprovada em março de 2009, mais favorável que a primeira em termos de montante (sem limites), prazos, juros e menores exigências. Com essa retaguarda e contando com um nível de reservas externas em torno de US$ 200 que conheceu pequenas reduções até os primeiros meses de 2009, o BC pôde operar com maior tranquilidade neste mercado e atender a demanda por moeda 2009 estrangeira, tendo conseguido reverter, a partir de março deste ano, a for- 2009 te trajetória de desvalorização do Real. No campo da política monetária e creditícia, a política econômica atuou em três frentes: a) na liberação dos depósitos compulsórios para garantir a No para 1 Contabilizava-se que, até o final de 2009 o governo utilizara USS 24,4 bilhões de reservas financiar os exportadores, vendera USS 14,5 bilhões de dólares no mercado à vista e ofer- tara US 33 bilhões de swaps cambiais. 348oferta de crédito à economia; b) no uso dos bancos públicos para assegurar essa oferta, à medida que os bancos privados começaram a empoçar liqui- dez; e c) na redução da taxa de juros da economia para fortalecer a demanda c agregada e reverter as forças da recessão. O início das operações de flexibilização dos depósitos compulsórios 13 bancários pelo BC ocorreu poucos dias depois da primeira operação re- alizada no mercado de câmbio. Primeiramente, com o objetivo de ajudar os bancos e instituições de pequeno porte mais dependentes do crédito externo que evaporara, injetando liquidez no depois, à medida que a situação se agravava, também para socorrer o setor produtivo, garantir financiamento às exportações, por meio de leilão de dólares junto aos ban- cos, os quais poderiam usar o compulsório para essa finalidade, e também para envolver neste processo, os bancos públicos Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Entré 24 de setembro data da primeira liberação do compulsório e início do mês de dezembro de 2008 as medidas adotadas para essa finali- 3 dade conseguiram liberar, de acordo com estimativas do BC, cerca de R$ 98 bilhões (de um total de R$ 270 bilhões), com o objetivo de injetar liquidez na economia, desobstruir os canais de crédito e assegurar financiamento para as exportações, o setor produtivo, o consumo e os Todavia, o fato é que, apesar dos esforços realizados pelas autoridades com o avanço da crise no plano internacional, essas medidas não foram suficientes para restaurar o crédito da economia: a paralisação do crédito interbancário e um empoçamento generalizado de liquidez, com os ganhos dos bancos obtidos com a liberação dos compulsórios, sendo aplicados no over, indicavam que, sem a recuperação da confiança e o de- clínio da aversão ao risco, o crédito continuaria sem fluir para lubrificar o sistema produtivo e salvar as pequenas instituições. Neste caso, só com o maior avanço e participação dos bancos públicos na sua oferta seria possível 2 Para uma avaliação mais detalhada das medidas adotadas, consultar o trabalho de Gontijo & Oliveira (2009) 349resolver problema de liquidez dos pequenos bancos, ofertar créditos para os setores produtivos mais atingidos pela crise e assegurar recursos para o financiamento das exportações, visando deter as forças da desaceleração. Para estes objetivos, o governo adotou várias medidas para envolver cres- centemente os bancos públicos neste processo, que incluía desde a compra de carteiras de crédito de pequenas instituições, garantias de financiamento para a indústria automobilística e da construção civil (empreendimentos e consumo) e para o setor exportador, além de uma forte injeção de recursos adicionais para ampliação dos financiamentos do BNDES (Gontijo & Oliveira, 2009). resultado foi que depois de manter-se estacionado na casa de 41% do PIB no final de 2008 até fevereiro de 2009, o crédito, como proporção do PIB, voltou a avançar a partir de março, atingindo 44,4% no final do ano e 46,4% em dezembro de 2010. Sua composição, entretanto, modificou-se con- sideravelmente, devido às medidas adotadas e ao avanço dos bancos públicos na sua concessão: responsáveis pela oferta de 34,1% do crédito da economia em faneiro de 2008, os bancos públicos viram essa para 36,3% em de 2008, 41,5% em 2009 e 41,9% em 2010, enquanto a dos bancos privados cairia, neste mesmo período, de 65,9% para 63,7%, 58,5% e 58,1%. Tabela IV. 9 Brasil: saldos dos financiamentos: 2008/2010 Valores (em R$ bilhões) % do Mês/ano Bancos privados* Bancos públicos PIB Total Valores (%) Valores (%) 2008 jan. 34,2 623,0 65,9 322,0 34,1 945,0 set. 38,7 759,0 65,8 394,0 34,2 1.153,0 - dez. 41,3 782,0 63,7 445,0 36,3 1,227,0 2009 - jan. 41,5 780,0 63,5 449,0 36,51 - fev. 41,8 772,0 62,8 457,0 37,2 1.229,0 mar. 42,5 775,0 62,4 466,0 37,6 1.241,0 dez. 44,4 826,7 587,6 1.414,3 2010 - dez. 46,4 991,9 58,1 714,0 41,9 1.705,9 Fonte: Banco Central do Brasil (*) Bancos nacionais e estrangeiros 350a do Jan 109 O empurrão do crédito ganhou força a partir de janeiro de 2009 com o início da redução da taxa de juros SELIC pelo Banco Central. Depois de aumentá-la por quatro vezes consecutivas ao longo de 2008 e mantê-la 2008 no nível de 13,75% até o final do ano, quando os sinais da crise já eram mais do que evidentes e vários movimentos de sua redução vinham sendo realizados pelo restante do mundo, o Banco Central, também pressionado pelos próprios membros do governo, começou a flexibilizá-la, abrandando seu conservadorismo, e reduzindo-a, a partir de para 9,25%, como se constata pelo exame da tabela IV.10. Na área fiscal, o governo, que a vinha preparando para viabilizar os 3a investimentos do PAC e do PDP, com a redução anunciada, ainda em 2007, da meta do superávit primário de 4,25% para 3,75%, visando acomodar no orçamento os investimentos que seriam realizados, viu-se, a partir da 2008 quebra do Lehman Brothers e da secura do crédito externos para o sistema financeiro e as empresas, impelido a começar a redirecioná-la, inicialmente, para atenuar essas dificuldades. à medida que os ventos da 2008 recessão começaram a mais fortes no final do ano, com a divulgação a de dados pelo IBGE da forte contração da atividade industrial (-1,7% em outubro e -7,2% em novembro), juntamente com projeções de que o PIB conheceria um crescimento negativo no quarto trimestre do a mane- com o objetivo de sustentar a demanda agregada, enfraquecendo as forças da desaceleração econômica. O Quadro IV.1 relaciona as principais medidas tributárias adotadas, ainda em 2008, com estes objetivos. De fato como se percebe no Quadro IV.1, no início de 2008, quando o governo ainda considerava a economia blindada contra a crise e predomina- va a preocupação com a criação de condições para assegurar o crescimento em bases sustentáveis até o final do mandato do governo Lula, as principais medidas adotadas na área tributária visaram, especificamente conter a en- trada de capitais externos no país, reverter o processo de acentuada valori- ?? zação da moeda nacional e compensar parcialmente os prejuizos do setor 2008 exportador com a trajetória do câmbio. No final do ano, contudo, diante do agravamento da crise mundial e com o derramamento de seus efeitos sobre 351 a 4a final de o Brasil, a politica tributária foi direcionada, de um lado, para melhorar a S1- tuação de caixa das empresas (Medida Provisória 447/08) e, em dezembro; para sustentar a demanda agregada e a produção (reduções de impostos sobre a renda, sobre automóveis em geral e sobre o crédito). a Tabela IV. 10 Evolução da meta da Taxa SELIC: 2009-2011 Ano Prazo de Vigência Meta da taxa Selic (%) 01/01 21/01 13,75 22/01 11/03 12,75 12/03 29/04 11,25 30/04 10/06 10,25 2009 11/06 22/07 9,25 23/07 31/12 225 01/01 28/04 29/04 09/06 9,50 10/06 21/07 10,25 22/07 31/12 10,75 2010/2011 01/01 19/01 10,75 2011 20/01 (...) 11,25 2011 Fonte: Banco Central. Histórico das taxas de juros fixadas pelo COPOM e evolução da taxa SELIC, 2011. As medidas adotadas pelo governo, especialmente nas áreas monetária e fiscal conseguiram atenuar os efeitos da crise em setores importantes para a geração de renda e casos da indústria automobilística e da cons- trução civil) mas não foram suficientes para compensar e nem reverter os estragos produzidos no tecido econômico pela situação internacional: depois 2008 de constatada a queda espetacular de 4,2% do PIB no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior, a indústria registrou fortes quedas em janeiro e fevereiro em relação ao mesmo período do ano anterior e fechou o primeiro trimestre de 2009 com crescimento negativo de 12,2% ante o mesmo período de 2008. Com base neste desempenho, projeções realizadas por institutos de 2009 pesquisa passaram a projetar um novo trimestre de expansão negativa do de 1,3%, o que, se confirmado, país entrar tecnicamente em 352 2009 -PIB, 10 2005 to Diante disso e do maior pessimismo sobre as perspectivas colocadas para a economia brasileira, o governo finalmente reconhecendo a gravidade da situ- deslocou sua preocupação anterior com das condições para o PAC e PDP crescimento por um longo e sustentável para tentar atenuar e/ou re- verter a recessão que se anunciava. Para isso, não economizou em aprofundar as políticas expansionistas iniciadas, de forma mais tímida, em 2008, nas áreas fiscal, monetária e creditícia, o que permitiria à economia colher resultados bastante positivos. especialmente sobre o desempenho do consumo, o que explica o seu forte avanço na composição do PIB neste ano. Em relação à política monetária e creditícia além de dar continuidade à política de redução da taxa de juros iniciada em janeiro, manter preservados os níveis liberados dos compulsórios bancários e garantir o maior envolvimento dos bancos públicos na oferta de crédito da economia, do o governo destinaria R$ 100 bilhões de recursos adicionais para o BNDES aumentar sua capacidade de empréstimos para o setor produtivo. A essas medidas se somaram a redução da taxa de juros de para 4.5% cobra- da nos empréstimos realizados para a aquisição de automóveis e de 10,25% também para 4,5% na de bens de capital. Procedeu-se, ainda no caso do BNDES, a uma série de mudanças: diminuição da TJLP de 6,25% para 6%, a partir de 01/07/2009; extinção da taxa de 1% que o Tesouro cobrava sobre o repasse dos R$ 100 bilhões extras que fez ao banco; concessão de taxas de juros subsidiadas às empresas nos empréstimos realizados pelo BNDES; e capitalização de dois fundos a serem criados pelo BNDES (R$ 500 milhões) e Banco do Brasil (R$ 500 milhões) para darem aval (em até 80%) aos financiamentos realizados por micro e pequenas empresas. No caso da política fiscal, a ação da política econômica também se daria em várias frentes recursos para a implementação de políticas anticíclicas decidiu-se, em reduzir a meta do superávit primário de 3,8% para 2,5% do Tal redução seria obtida com a retirada de seu cálculo investimentos da Petrobrás (0,5% do PIB), com a diminuição do superávit PAC PDP 3 Estado de S. Paulo. São Paulo, 15 de abril de 2009. 353do governo Central, de 2,15% para 1,4% do PIB (liberando, portanto, 0,75% 3 do PIB no orçamento para as medidas que seriam adotadas) e redução do superávit dos estados e municípios de 0,95% para 0,90% do PIB. Quadro IV. 1 Principais medidas adotadas na área tributária em 2008-2009 Instrumento/ Medidas Objetivos mês/ano Cobrança de 1,5% do IOF sobre Conter a entrada os ganhos do capital estrangeiro em de capitais externos aplicações de renda fixa. para diminuir a das operações de câmbio valorização da dos exportadores de 0,38% di IOF Decreto 6.391, de moeda nacional sobre incidentes. 12/03/2008 Fim da cobertura cambial (obriga- e compensar parcialmente o ção de os exportadores trazerem setor exportador de 70% de suas receitas líquidas obti- prejuízos das com vendas externas. Aumento do prazo, em dez dias, Ampliar a do pagamento do IPI, Imposto de MP 447, de disponibilidade de Renda das Pessoas Jurídicas retido 14/11/2008 recursos em caixa na fonte (IRPJ-fonte) e da Contri- para as empresas buição previdenciária. Mudança na estrutura das alíquotas Aumentar o do Imposto de Renda das Pessoas poder aquisitivo MP 451, de Físicas (IRPF), com a criação de da população 15 12/2008 duas novas alíquotas intermediá- e fortalecer o rias, de 7,5% e 22,5%, com redu- consumo ção geral do imposto. Redução do IPI cobrado na venda Reduzir o preço dos Decreto 6.687, de de carros novos até 31/03/2009, carros e estimular a 11/12/2008 proporcionalmente à sua potência. produção/consumo Redução, pela metade, da, alíquota Decreto 6.691, de Baratear o crédito e diária do IOF cobrado nas opera- 11/12/2008 estimular o consumo ções de crédito da pessoa física Na área tributária no final de março, um pacote de de- soneração da produção, estimado em renúncias fiscais equivalentes a R$ 2000 1,675 bilhão, seguido de outro, em junho, com custos projetados de R$ 3,342 bilhões, cujas principais medidas se encontram relacionadas no Qua- 354Jan - dro IV.2. Estimativas realizadas pelo governo indicavam, à época, que as desonerações concedidas entre janeiro e maio de 2009 custariam R$ 10,9 bilhões para os cofres públicos.4 Os estímulos fiscais não parariam, no entanto, por aí. No final de outu- 2009 bro, o governo prorrogaria, até 31/10/2010, com o Decreto 6.996, de 30 de outubro, a do IPI para eletrodomésticos da linha branca - fogões, geladeiras e máquinas de lavar roupa -, embora introduzindo um diferencial favorável para os produtos que consumiam menos energia: para os classi- ficados no grupo classe A (considerados mais eficientes, com selo Procel), a redução inicial seria mantida; para os da classe B (menos eficientes, com selo Procel), a alíquota seria aumentada, mas em níveis menores do que a alíquota cheia original; os das classes C, D e E (maior consumo de energia) e os que não contavam com o selo Procel perderiam o benefício, voltando a ser taxados pela alíquota cheia. Além disso, em novembro de 2009, seria estendida, ao setor mobiliário, to até 31/03/2010, a desoneração do IPI e postergada sua redução para os 2 automóveis flex (consumo de álcool/gasolina) e para o setor de construção 2009 civil até junho de 2010.5 E em dezembro, aprovar-se-ia uma nova rodada de bondades neste campos para 2014 da isenção do PIS/COFINS sobre os computadores, da redução do IPI sobre máquinas e equipamentos, 5 permanente do IPI sobre aerogeradores de energia eólica e também PIS/COFINS e imposto de importação sobre os computadores adquiridos por escolas públicas e para investimentos da indústria petroquí- mica no Norte, Nordeste e 4 Folha de S. Paulo. São Paulo, 30/06/2009. De acordo com o Ministério da Fazenda, o custo líquido das desonerações (isto é, deduzidos os valores dos impostos adicionais para las) atingiu 26,9 bilhões em 2009 e R$ 18,3 bilhões em 2010 (MF/PAC, Apresentação do ministro Guido Mantega, dezembro de 2010). 5 Decreto 7.016, de 26/11/2009; 6 Cf. Folha de S. Paulo, 30/10/2009 e 10/12/2009. Em dezembro, o governo estimaria ter aberto mão de R$ 27 bilhões em impostos e contribuição para tentar tirar a economia da recessão. FSP, 1/12/2009. Relatório da Inflação do Banco Central, de março de 2010, contabilizava em 25 bilhões (0,8% do PIB) o montante das desonerações concedidas em 2010 (Banco Central, 2010). 3558 No final de governo ainda lançaria o programa habitacional que vinha sendo elaborado, denominado "Minha casa, Minha vida", com a meta de construir 1 milhão de moradias, embora sem prazo determinado. Com recursos previstos de R$ 34 bilhões (R$ 25,5 bilhões da União, R$ 7,5 bilhões do FGTS e R$ 1 bilhão do BNDES), o programa contemplaria uma série de benefícios e subsídios (juros reais reduzidos, isenção de seguro, isenção da taxa de registro de imóveis etc.) para as classes de renda mais baixa e, em menor grau, também para a classe média, projetando contribuir com a criação de 1,5 milhão de empregos. Por outro lado, com o objetivo de facilitar a captação de recursos pelos bancos de pequeno e médio porte e expandir o crédito da economia, o Banco Central decidiria, também no final de autorizar o Fundo Ga- rantidor de Crédito (FGC) a oferecer garantia de até R$ 20 bilhões para as empresas ou pessoas jurídicas que adquirissem os títulos por eles emitidos, ficando Q ônus, em caso de não pagamento, com o BC. aumento considerável dos (gastos públicos completaria o arsenal de políticas anticíclicas adotadas pelo governo para frear as forças da recessão. Como mostra a tabela IV.11, mesmo com a relativa estabilidade da receita líquida total do governo em 2009, dado que a carga tributária conheceu um ligeiro declínio de 34,85% do PIB para 34,28% neste ano, as despesas primá- rias do governo evoluíram de 16,6% do PIB em 2008 para 18% em 2009, o de que só se tornou possível pela redução do superávit maior res- ponsabilidade pelo aumento ocorrido coube, principalmente, a elevação das transferências diretas de recursos para as famílias benefícios previdenciários, seguro desemprego, benefícios assistenciais e programa Bolsa Família -, que absorveram 44% da expansão as despesas com pessoal (25% do h aumento total), as despesas de custeio com as áreas da saúde e educação (10% do total) e com investimentos que viram sua participação na estrutura de gas- tos avançar mais 0,11% do PIB (9% do total) e atingir 1,01% do PIB. Ou seja, o aumento dos gastos correntes do governo federal, que apresentam a carac- terística, em geral, de se tornarem permanentes no orçamento, responderam por mais de 90% do expressivo aumento registrado em 2009. 356Quadro IV. 2 Fiscal Principais medidas na área tributária adotadas em 2009 Instrumento/ Medidas Objetivos mês/ano 2009 Prorroga, até 30/06, a diminuição da alíquota do IPI cobrado sobre a venda de veículos MP 6.809, de Autorização para cinco setores se instalarem Sustentar o 30/03/2009 na Zona Franca de Manaus, gozando de consumo, o benefícios fiscais. emprego e Redução da Cofins incidente sobre a venda de fortalecer a MP 460, de motos até 150 de 3% para 0% até 30/06. produção 30/03/2009 Diminuição da alíquota do IPI para 30 produtos básicos de material de construção até 30/06. Compensar Decreto 6.809, Aumento do IPI incidente sobre cigarros. parcialmente as de 30/03/2009 desonerações Decreto 6.823, Extensão da isenção do IPI para itens da de 16/04/2009 construção, como ladrilhos e telhas, entre outros. Redução da alíquota do IPI, a partir de 17/04 a 16/07/2009 para: Decreto 6.826, Geladeiras: de 5% para 0%; de 17/04/2009 Tanquinhos: de 10% para 0%; Máquina de de 20% para 10% Prorrogação das reduções do IPI para os automóveis novos e da Cofins para as motos até setembro; a partir de outubro, as alíquotas Sustentar o do IPI para os automóveis passam a subir consumo, o gradualmente, voltando aos níveis anticrise a emprego e partir de fortalecer a Prorrogação da redução de impostos (para 0%) produção até dezembro, retornando aos níveis anteriores, a partir de 01/01/2010. Decreto 6.890, Prorrogação da redução dos impostos para de 29/06/2009 eletrodomésticos em geral até 31/10, retornando aos níveis anteriores a partir de 01/11. Prorrogação da isenção do IPI para os materiais de construção civil, o setor de máquinas e equipamentos e para a farinha de trigo e francês até 31/12, retornando às alíquotas anteriores a partir de 31/12. Redução do IPI, até dezembro de 2009, de 70 itens do setor produtor de máquinas e equipamentos. 357Tabela IV. 11 Resultado das contas do governo Federal: 2007-2010 (em % do PIB) Receita e Despesa 2007 2008 2009 2010 Receita Bruta 23,25 23,85 23,21 23,10 (-) Transferências para Estados e Municípios 3,97 4,43 4,01 3,85 Receita líquida total 19,29 19,42 19,20 19,26 (-) Despesas primárias 17,12 16,57 17,96 17,97 Pessoal e encargos 4,37 4,35 4,76 4,55 Transferências de 8,52 8,22 8,88 8,77 Investimentos 0,72 0,87 1,01 1,22 Custeio com saúde e educação 1,77 1,76 1,92 2,01 Demais despesas de custeio 1,74 1,37 1,36 1,38 Resultado primário recorrente 2,17 2,85 1,24 1,29 Operações não recorrentes -0,47 - 0,87 (?) Resultado primário total 22,17 2,38 1,24 2,16 Fonte: SPE/Ministério da Fazenda. despesa com divida !! Vistas como medidas voltadas para a sustentação da demanda agregada, as políticas fiscal, monetária e creditícia implementadas ao longo de 2009 para frear as forças da podem ser consideradas exitosas. O cres- 2009 cimento do PIB, que abriu o primeiro trimestre do ano recuando 1,9% em relação ao trimestre anterior, confirmando o ingresso do país na recessão, 2005 voltaria a tornar-se positivo nos trimestres seguintes, minando as forças da recessão e reduzindo a contração do produto para no ano, beneficiado principalmente pela forte expansão dos dois últimos trimestres, 30 200 de 2,6% e 2,5%, respectivamente, ante os trimestres imediatamente anterio- distante, portanto, das projeções mais sombrias que haviam sido feitas pelo Banco Morgan Stanley e, em menor grau, pelo FMI. A taxa de desem- prego nas regiões metropolitanas, medida pelo IBGE, que avançou de 6,8% em dezembro de 2008 para 9% em março de 2009, começou a recuar em abril, para 8,1% em junho e terminou fechando o ano em 6,8%, o mes- 358mo nível de dezembro do ano Mais importante ainda foi o fato de que, embora liderado pela expansão do consumo, numa situação de baixo nível dos investimentos, o crescimento ocorreu sem pressões inflacionárias: no o o índice oficial de inflação, acumulou uma expansão de apenas 4,31%, conseguindo se situar abaixo da meta central estabeleci- da para o crescimento do nível de preços Exitosa, assim, no combate aos frutos amargos de uma recessão mais a política viu contudo, vários problemas que poderiam comprometer a conti- nuidade da trajetória futura de crescimento da economia 1.3. Efeitos colaterais da política econômica e desequilíbrios em 2009 O baixo nível da taxa de investimentos da economia brasileira, que, depois de atingir 19,1% do PIB, em 2008, voltou a encolher para 16,9%, em 2009, indicava que o crescimento econômico, sustentado predomi- nantemente pelo consumo, terminaria inevitavelmente gerando fortes pressões inflacionárias, à medida que se avançasse na ocupação da ca- pacidade ociosa da indústria. Além disso, a continuidade do aumento do nível de emprego e da renda, ao garantir considerável ingresso de novos trabalhadores no estrato da classe média de renda contribuiria, também, para aumentar a demanda por serviços mais sofisticados, traduzindo-se em pressões sobre o nível de preços neste setor. Não bastasse isso, a manutenção em níveis elevados dos preços internacionais das commodities, devido principalmente à firmeza da demanda da economia chinesa, na contramão da crise mundial, também sinalizava inevitáveis pressões bre os preços pelo lado da oferta, ao que se somavam, ainda, o elevado nível da taxa de juros reais mantida pelo país, a pesada carga tributária, a deficiente infraestrutura econômica, o crescimento das reservas externas que expandia crédito, entre outros fatores de pressão inflacionária. Ou ? 7 De acordo com o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em 2009 foram criados 995,1 mil empregos formais com carteira assinada, um número menor que os 1.452 mil criados no ano anterior, mas que conseguiram recuperar, mais do que repor, as per- das provocadas pela crise. 359seja, enquanto se fortaleciam várias forças que poderiam acelerar a infla- ção, restavam, do lado do governo, para refreá-las, praticamente o câm- bio, com a retomada de valorização da moeda nacional, já que a política monetária também esteve voltada, neste ano, para combater os efeitos da crise mundial. Por isso, se 2010 descortinava boas perspectivas para um crescimento mais robusto, parecia claro que este dificilmente seria alcançado sem pressões inflacionárias, a menos que a política econômica atuasse para modificar sua composição setorial, priorizando o avanço dos investimentos em sua estrutura. 0 Ainda no front interno, embora defensáveis/seu manejo como políticas anticíclicas no contexto da crise mundial, a forma como as políticas fiscal e creditícia foram formatadas para fomentar a atividade econômica deixaram antever o surgimento de dificuldades, mais à frente, para o governo manter- se mais para os agentes econômicos no tocante à situação das 2009 contas públicas. Devido à forte expansão dos gastos ocorrida, o superávit primário do setor público caiu 1,5 ponto percentual do PIB - de 3,54% para 2,05% -, enquanto o déficit nominal saltou de 2%, em 2008, para 3,23% do PIB, em 2009. Como resultado deste desempenho, a relação Dívida Líquida 42.3 do Setor Público, como proporção do PIB (DLSP/PIB), cresceu 4,3 pontos 33.3 percentuais, evoluindo de 38,9%, em 2008, para 42,8%, em 2009, e rever- tendo sua trajetória de declínio iniciada em 2003. Mais preocupante, no entanto, foi que o resultado do superávit primário alcançado, apesar de mais modesto em relação aos anos anteriores (apenas 2% do PIB para o setor público consolidado), resultou de uma manobra fiscal do governo federal, que alguns economistas cunharam de "contabili dade criativa", indicando que este poderia ter sido ainda mais Sua obtenção teria sido assim. que o governo federal, do lado das receitas, futuras de direito da União junto a Eletrobrás (dividendos de R$ 3,5 bilhões), incorporaria o equivalente a R$ 8,9 bilhões 8 Nóbrega, Mailson & Salto, Felipe. "Ajuste fiscal: formalizar para crer". São Paulo, Estado de S. Paulo, 27/12/2010. 3603 de depósitos judiciais no orçamento; e contaria com receitas extraordinárias de R$ 4,7 bilhões do REFIS. Do lado do gasto, do cálculo do supe- rávit primário, quase 1% do PIB dos gastos realizados com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no ano. A forte expansão ocorrida com os gastos correntes, que, como visto, possuem a característica de se trans- formarem em gastos permanentes no orçamento, passou a indicar, também, dificuldades para a reversão deste quadro uma vez superada a crise e para o reencontro com uma situação fiscal mais confiável. Além da forte expansão dos gastos correntes, duas outras questões proje tavam dificuldades adicionais para a questão das contas públicas: fiscal with do crescente nível de reservas internacionais e anmento das operações de crédito realizadas pelo BNDES como instrumento anticrise. Hernandes esti- mou o custo de carregamento das reservas em 2010, dado pelo diferencial da taxa de remuneração de sua aplicação (menos de 1%) e da taxa que o Tesouro Nacional paga pelos títulos que coloca no mercado financeiro (taxa SELIC), 26,6 em R$ 26,6 bilhões. A ele-se somando os custos representados pela desvalo- 21.6 rização da moeda norte-americana no ano, estimados em R$ 21,6 bilhões, o custo total para o país teria chegado a R$ 48, 5 to No caso dos empréstimos do que apresentam a vantagem de serem canais que não comprometem o principal parâmetro de avaliação da situação fiscal do governo - a relação Dívida Líquida/PIB -, estes se tornaram o instrumento favorito da política econômica no combate à crise. Isto porque os aportes de recursos do Tesouro Nacional ao BNDES não afetam o nível da relação dívida/PIB, já que são cancelados no seu cálculo, propiciando ao governo condições para, numa espécie de reedição da antiga mantida entre o Banco Central e o Banco do Brasil até 1986, "injetar" dinheiro novo na economia sem afetar o resultado das con- tas públicas: em 2009 repassaria R$ 100 bilhões adicionais para o BNDES financiar investimentos de empresas privadas, visando combater os efeitos 9 Hernandes, Rafael. "Dólar que vai, dólar que vem". In: Retrato do Brasil. São Paulo, n. 48, julho de 2011, pp.10-13. do 361 Ativo BN DES# Tesouro BNDES (TJLP) da crise mundial sobre a economia brasileira. Mas, se não afetam a relação dívida líquida/PIB, os empréstimos do BNDES implicam elevado custo fiscal: para fazer os repasses para o Tesouro capta recursos no mercado, pagando juros SELIC, que, em 2009, variaram entre 13,75% (de janeiro a março) e 9,25% (dezembro), enquanto o BNDES realiza os em- préstimos a 6%, que é a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). De acordo com Nóbrega & Salto (2010), cálculos realizados por Mansueto de Almeida apontavam subsídios totais do BNDES naquele ano, variando entre R$ e R$ 20,9 bilhões, superior ao que o governo gastava com o Bolsa-Família, o carro-chefe dos programas sociais do governo Com a crise mundial, os resultados obtidos no front externo conheceram uma piora significativa, recolocando o Brasil numa trajetória de brios crescentes na balança de transações correntes. Depois de atingirem US$ 197,9 bilhões, em 2008, as exportações caíram para US$ 153 bilhões em 2009 (queda de 22,7%), o que foi, no entanto, mais do que compensado pela redução ainda mais expressiva das importações, que cairiam de US$ 173,2 bilhões para US$ 127,7 bilhões (redução de 26,3%), garantindo que, apesar da crise, o saldo da balança comercial evoluísse de US$ 24,7 bilhões para US$ 25,3 bilhões (aumento de 2,4%). O resultado mais favorável do saldo comercial acabou contribuindo até mesmo para suavizar o desequi- BTC líbrio na conta-corrente, a qual, depois de se apresentar superavitária, em 2007, registrou um déficit de 1,78% do PIB, em 2008, e terminou fechando 2009 com um desequilíbrio menor de 1,52% do PIB (tabela IV.12). O fato é que, devido à crise, os anos de 2008 e 2009 impactaram muito negativamente no país, o qual se viu, em vários momentos, ameaçado pelo retorno da economia a uma situação de vulnerabilidade externa. Após a que- bra do Lehman Brothers, em setembro de 2008, o risco-país saltou de 239 2008 pontos-base (pb), em agosto, para 305pb no mês seguinte 509pb 10 De acordo com a Carta de Conjuntura do IPEA, de junho de 2011, os desembolsos do BNDES saltaram de R$ 64,9 bilhões, em 2007, para R$ 92,2 bilhões, em 2008, e atingiram os ainda mais expressivos montantes de R$ 137,4 bilhões em 2009 e R$ 168,4 bilhões em 2010. (Carta Conjuntura, IPEA/DIMAC, junho de 2011). Ago. 2008 - 305 362 4182008 em novembro (um aumento de 113% em apenas 3 meses). Em decorrência, o fluxo cambial que atingira expressivos US$ 87,5 bilhões, em 2007, acabou tornando-se négativo em 2008, fechando o ano em -US$ 983 milhões. As reservas externas, no conceito de liquidez internacional, interromperam sua trajetória de expansão, mantiveram-se estabilizadas, com pequena redução a partir de setembro de 2008, em torno de US$ 206 bilhões, e caíram para aproximadamente US$ 200 bilhões nos quatro primeiros meses de 2009 (ta- bela IV.13). Não era uma situação desesperadora, mas as incertezas sobre os desdobramentos da crise mundial justificavam as desconfianças existentes dos agentes econômicos sobre a capacidade de resistência do Brasil aos seus efeitos, até mesmo pelo seu longo histórico de elevada fragilidade diante de crises externas, e, consequentemente, a formação de expectativas negativas sobre a trajetória futura da economia. 2008 to desconfiança só começou à ser abrandada no final do com os pacotes econômicos que começaram a ser lançados, pelos países desenvol- vidos e emergentes para salvar o sistema da derrocada e, no Brasil, com os primeiros movimentos da política fiscal que também passou a ser acionada para sofrear as forças da recessão. Em dezembro de 2008 o risco-país cairia 2008 para 418pb ante 509pb de novembro, mas se manteria acima de 400pb até março de 2009, num claro sinal de que permanecia a desconfiança das agên- cias de rating e dos investidores sobre a política econômica e o futuro do país. Da mesma forma, o fluxo cambial acumulado no ano manteve-se 2009 negativo até março, registrando expressivas saídas de divisas do mercado financeiro. Como resultado, como já apontado, as reservas externas recua- 206 riam para o patamar de US$ 200 bilhões a partir de janeiro e manter-se-iam em torno deste abril de 2009. Mas, a partir de abril/ 2009, a confiança nos rumos da economia brasi- leira voltou a ganhar mais força. A taxa de câmbio nominal começou a recuar, mantendo-se numa trajetória de queda contínua final do ano, indicador de desfalecimento da demanda pelo dólar e de maior confiança na moeda na- cional. O risco-país conheceria uma queda expressiva neste mês, caindo para 358pb ante 425pb de março e continuaria despencando nos meses seguintes, 363239 bb 2009 chegando em dezembro no nível de 196pb. O fluxo cambial tornou-se positi- VO no mês, registrando um resultado de US$ 1,43 bilhão, devido ao expressivo crescimento do câmbio comercial contratado, que mais do que compensou as ainda elevadas saídas de divisas no mercado financeiro. Mas, mesmo neste, o saldo tornou-se positivo a partir de maio e se manteve superavitário até o final do ano, contribuindo para a geração de um saldo positivo de US$ 28,7 bilhões em 2009, embora se tenha contado, para isso, com a entrada de recursos, equivalentes a US$ 13 bilhões, em impulsionada pelos atraídos na oferta de ações do Banco Santander. Não restavam dúvidas, diante deste quadro, que o Brasil passava a ser visto aparentemente com outros olhos principalmente por parte dos investidores externos. Com isso, tornou-se ao país retomar a trajetória de elevação das reservas externas já em com um crescimento de quase US$ 4 bilhões em relação a abril, e mantê-las em progressivo crescimento até o final do ano, quando 2009 atingiram US$ 239 bilhões, o que aumentaria ainda mais, junto aos agentes econômicos, a confiança no futuro da economia brasileira. É possível apontar vários fatores que para o início da rever- são do quadro da crise no Brasil neste seis meses depois da quebra do Lehman e ainda em meio aos escombros que a mesma continuava produ- zindo nas economias a melhora das expectativas resultante dos pacotes econômicos salvadores que continuavam sendo lançados pelos go- vernos em geral, a maior resistência demonstrada pelas economias emergen- tes, incluindo o Brasil, aos seus efeitos, até mesmo por não estarem enredados no imbróglio do crédito subprime; mais especificamente, no caso do Brasil, melhores fundamentos da economia, com elevado nível de reservas externas, reduzida vulnerabilidade externa e situação fiscal \razoavelmente sob controle, ao que se somou a implementação de uma política econômica anticrise que, apesar de tímida no início, revelou-se eficiente para deter e começar a reverter as forças da e ainda a continuidade da firmeza da demanda por com- que modities da economia chinesa, cujo crescimento se manteve em torno de 10%, colocando países, como o Brasil, em situação privilegiada. Tanto que, apesar dos prognósticos mais pessimistas sobre o desempenho do PIB no primeiro 364-1,9% trimestre de 2009 continuidade à expressiva queda registrada no final de 2008, o resultado final de que este encolhera apenas 1,9% foi visto como um indicador importante de que se começava a minar as forças da crise. 2009 10 Tabela IV. 12 Balança comercial e saldo em conta-corrente (em US$ milhões) Jan. 2009/dez. 2010 Balança Comercial Transações Correntes % do PIB Período Exportações Importações Saldo Saldo (últimos 12 meses) 2007 Janeiro 9.782 10.311 -529,1 -2.765,2 -1,67 Fevereiro 9.587 7.825 1.761,1 -612,94 -1,62 Março 11.809 10.053 1.756,6 -1.559,14 -1,48 Abril 12.322 8.629 3.692,5 105,16 -1,31 Maio 11.985 9.361 2.623,6 -1.769,97 -1,39 Junho 14.468 9.864 4.604,3 -574,51 -1,26 Julho 14.142 11.230 2.911,2 1.623,26 -1,23 Agosto 13.841 10.787 3.053,7 -809,23 -1,20 Setembro 13.863 12.553 1.309,4 -2.451,67 -1,16 Outubro 14.082 12.761 1.320,3 -3.017,57 -1,26 Novembro 12.653 12.040 612,8 -3.273,49 -1,38 Dezembro 14.463 12.289 2.173,9 -5.950,06 -1,52 Ano 152.995 127.704 25.289,8 -24.302,26 -1,52 2008 2000 152.995 25.289,8 24.302,26 Fevereiro 11.305 11.484 -179,5 -3.820,61 -1,52 Março 12.197 11.807 389,5 -3.287,20 Abril 15.727 15.055 671,9 -5.122,29 -1,74 Maio 15.161 13.878 1.283,1 -4.615,27 -1,93 Junho 17.703 14.255 3.447,0 -2.010,12 -1,88 Julho 17.094 14.822 2.271,9 -5.277,76 -2,07 Agosto 17.673 16.317 1.355,3 -4.565,58 -2,17 Setembro 19.326 16.823 2.413,0 -2.932,57 -2,25 Outubro 18.833 17.745 1.087,3 -3.905,51 -2,30 Novembro 18.380 16.528 1.851,5 -3.759,51 -2,33 Dezembro 17.687 17.378 308,8 -4.728,18 -2,40 Ano 20.919 15.551 5.366,8 3.493,07 -2,28 Fonte: Banco Central/Ipeadata (acesso em 07/02/2011) 365Tabela IV. 13 Brasil: Risco-país, fluxo cambial e reservas externas - jan.2009/ dez.2010 Saldo do fluxo Reservas internacionais Risco-país Mês cambial (em R$ (Conceito liquidez: (pontos-base) milhões) em US$ milhões) NOV 2008 509 2009 Janeiro 406 Fevereiro -3.018 200.813,0 414 841 199.411,9 e Março 425 -797 202.460,2 Abril 358 1.430 201.316,9 Maio 296 3.134 205.575,7 Junho 282 1.076 208.425,0 Julho 267 1.270 211.871,2 Agosto 270 2.957 219.053,8 Setembro 234 1.365 224.212,7 Outubro 233 14.598 232.919,8 Novembro 230 237.999,9 Dezembro 196 1.986 239.054,1 Ano - 28.732 2010 Janeiro 233 1.075 241.822,8 Fevereiro 213 -399 241.338,4 Março 184 2.114 243.952,5 Abril 188 2.248 247.315,5 Maio 234 2.606 249.845,9 Junho 249 4.279 253.113,5 Julho 206 713 257.298,9 Agosto 230 -681 261.319,6 Setembro 203 13.727 275.205,5 Outubro 173 6.917 284.930,1 Novembro 193 2.224 285.461,0 Dezembro 186 -1.910 288.574,0 Ano 24.354 Fontes: 1) Portal Brasil: (acesso em 08/12/2008 e 25/01/2011); 2) Banco Central do Brasil; 3) Ipeadata Não restavam dúvidas, contudo, de que, diante da crítica situação eco- nômica dos países desenvolvidos - notadamente dos Estados Unidos e União Europeia -, que jogaram as taxas de juros no chão como armas anti- 366crise, as economias emergentes se tornaram, à medida que a aversão ao ris- CO começou a arrefecer, ainda mais atraentes para os investidores e refúgio mais seguro para a aplicação do capital. No caso do Brasil, que, apesar de ter dado continuidade à política de redução das taxas de juros iniciada em janeiro deste ano, manteve-se como líder mundial no ranking dos juros reais pagos pelas aplicações em títulos do governo, isto é, descontada a inflação, este se tornou uma das "meninas dos olhos" dos investidores globais e uma avalanche de recursos externos voltou a ser direcionada para o país, a 2009 partir de maio, em busca de rentabilidade alta e segura. Com o país sendo inundado por dólares, o que, se favorável para aumentar crescentemente a confiança dos investidores nos fundamentos de sua economia, recolocou a moeda nacional na trajetória de valorização, com prejuízos para as expor- tações, a indústria e para os resultados na balança de transações correntes Algumas façanhas realizadas e outras conquistas obtidas pelo país a par- tir deste período, brilhantemente exploradas pelo governo Lula por meio de uma eficiente política de marketing para enaltecer a competência de sua administração e da política econômica, serviria para inflar ainda mais o oti- mismo que passou a imperar sobre a solidez da economia brasileira, apesar dos efeitos colaterais que esse clima e os remédios que vinham sendo apli- Jonho cados contra a crise estavam provocando no organismo econômico. Em do 2009 junho, participando de um pacote financeiro aprovado na reunião do G-20, em abril, na cidade de Londres (Inglaterra), para aumentar em US$ 250 bilhões os recursos do FMI e fortalecer sua capacidade financeira para US$ 500 bilhões, visando socorrer países em dificuldades, o governo brasileiro anunciou o empréstimo de US$ 10 bilhões ao Fundo de suas reservas inter- nacionais, que ficariam disponíveis em seu caixa para essa finalidade. Du- rante um bom tempo, os brasileiros saborearam o fato, alardeado e exaltado como um mantra pelo governo e uma verdadeira proeza e também como fruto da competência da política econômica, de o país estar realizando, pela primeira vez em sua história, empréstimo para o 11 Folha de S. Paulo. São Paulo, 11/06/2009. 3672 abril 2009 ao A verdade é que o Brasil havia quitado sua dívida com o FMI em 2005, Cota tendo-se já se tornado, em abril de 2009, credor líquido da instituição ao do dela adquirir cotas equivalentes a 4,7 bilhões, que funcionam, no en- tanto, apenas como um cheque especial: o uso dos recursos pelo Fundo, nessas condições, só ocorre com solicitação feita ao credor. Já no caso do empréstimo de junho, o FMI poderia dispor livremente dos recursos sem realizar qualquer consulta ao Brasil. 2009 No mês de setembro, a agência de rating Moody's concederia status de grau de investimento (investment grade) ao Brasil, melhorando sua nota para Baa3 (risco de crédito moderado) e colocando-a em perspectiva positiva, ou seja, passível de nova melhora. A Moddy's foi a última agência entre as Fitch três grandes classificadoras de risco (a Standard Poor's e a Fitch já o haviam incluído no grupo dos países com grau de investimento no ano anterior) a conceder ao Brasil esse status, embora tenha alertado, em suas notas explica- tivas, que sua situação fiscal continuava Uma sucessão de eventos favoráveis foi, assim, ocorrendo e refor- çando a confiança na economia do país, que voltou a ser inundado por capitais externos, o que, como já colocado, se favorável para o aumento de suas reservas externas, as expectativas dos agentes econômicos e para a própria contenção da inflação, manteria o Real numa forte trajetória de valorização, prejudicando a indústria, as exportações e os resultados da conta-corrente. Pelo exame da tabela IV.1 pode-se constatar a aprecia- conhecida pelo Real o dólar, tomando-se como referência uma cesta de moedas de diversos países: tendo como base o ano 2000, o Real teria conhecido uma apreciação, em termos reais, até 2010, equivalente a algo próximo de 35% Diante disso, a questão do câmbio retornaria, no final de 2009, a ser incluída no rol das preocupações da política econômica, tanto que, para deter a avalanche de capitais despejados na economia brasileira, o governo 2000 estabeleceria, por meio do decreto 6.983, de 19 de outubro; a cobrança de 12 Folha de S. Paulo. São Paulo, 23/09/2009. 368 2009 adquire do 42% do IOF sobre as aplicações de recursos externos na bolsa de valores e em instrumentos da renda fixa no momento em que ingressassem no país. A taxação do IOF sobre os investimentos em renda fixa não consti- tuía uma novidade, já que vigorara essa cobrança entre março e outubro de 2008, a uma alíquota de 1,5%, criada com a mesma finalidade de de- ter o ingresso de capitais externos no país, medida que terminou sendo 2008 abandonada em outubro para evitar sua fuga no calor e pânico da crise Na bolsa, contudo, a mudança continuava sendo vista como uma verdadeira heresia pelo mercado. Apesar da medida, ela foi insufi- ciente para barrar a forte entrada de capitais externos e deter a acentuada valorização do Real, num contexto de juros reais internos elevados ante juros negativos no resto do mundo, mantendo o país prisioneiro de um processo de desindustrialização refletido na progressiva perda de partici- pação relativa da indústria de transformação na geração do PIB, que, em 2009, se encontrava reduzida a 15,8%. as 1949 O otimismo predominante no final de 2009 sobre o desempenho da eco- nomia brasileira em 2010, com o expressivo crescimento registrado no último 2009 trimestré e com as conquistas obtidas pelo país em várias frentes, era conta- giante. Fazendo um balanço dos resultados da economia no ano, o presidente Lula não mediria elogios ao seu governo e à política econômica, ao afirmar que "(...) nós estamos trabalhando com a certeza absoluta [de] que 2009 foi um ano em que o Brasil mostrou competência, mostrou firmeza, ousadia e mostrou que tem uma preparação macroeconômica e que portanto nós preparamos o Brasil para 2010" 14 Mas, na ausência reformas importantes realizadas no governo Lula, da priorização dos investimentos - públicos e privados e mais efetivas para o enfrentamento dos graves proble- mas que remanesciam, na área fiscal, do câmbio e nas contas externas, parecia evidente que o crescimento projetado e esperado de 5%, não ocorreria sem o aprofundamento dos existentes na economia brasileira. 13 Decretos 6.391, de 12/03/2008 e 6.613, de 22/10/2008. 14. Estado de S. São Paulo, 28/12/2010. 369Tabela IV. 14 IPCA, Taxa de Câmbio nominal e real - jan. 2009/dez.2010 Taxa de câmbio Taxa de câmbio Inflação: Mês nominal (venda) efetiva real IPCA/IBGE (R$/US$) Média: 2009 Janeiro. 0,48 2,31 85,79 Fevereiro 0,55 2,37 84,57 Março 0,20 2,31 85,13 Abril 0,48 2,17 81,90 Maio 0,47 1,97 77,80 Junho 0,36 1,95 75,31 Julho 0,24 1,87 74,97 Agosto 0,15 1,88 72,20 Setembro 0,24 1,77 71,35 Outubro 0,28 1,74 68,82 Novembro 0,41 1,75 69,12 Dezembro 0,37 1,74 70,32 Ano 4,31 1,74 2010 Janeiro 0,75 1,87 73,79 Fevereiro 0,78 1,81 73,73 Março 0,52 1,78 72,47 Abril 0,57 1,73 71,41 Maio 0,43 1,81 71,38 Junho 0,00 1,80 68,73 Julho 0,01 1,75 68,09 Agosto 0,04 1,75 66,47 Setembro 0,45 1,69 65,53 Outubro 0,75 1,70 66,04 33,84 Novembro 0,73 1,71 66,51 Dezembro 0,63 1,66 66,16 33,84% Ano 5,91 1,66 Fonte: IBGE, IPEADATA (acesso em 25/07/2011), FGV e Banco Central. (*) Medida de competitividade das exportações brasileiras calculada pela média ponderada do índice de paridade do poder de compra dos 16 maiores parceiros comerciais do Brasil. A paridade poder de compra é definida pelo quociente entre a taxa de câmbio nominal (em RS/ unidade da moeda estrangeira) e a relação entre o Índice de Preço por Atacado (IPA) do país em caso e o Índice de Preços por Atacado Oferta Global (IPA - OG/FGV) do Brasil. As pon- derações utilizadas são as participações de cada parceiro no total das exportações brasileiras. 1 Os dados do Ipeadata alteraram o ano-base para 2005. Para conciliá-los com os que foram utilizados nos capítulos anteriores, em que 2000 foi tomado como o ano base, os mesmos foram calculados e ajustados pelo autor para este ano, visando não prejudicar e distorcer a série utilizada. 3700,61% 2. 2010: No CÉU DE BRIGADEIRO DO CRESCIMENTO 2009 2010 PIB 2.1 Os números do crescimento Após a breve e pequena recessão de 2009, que começou a ser supera- da no segundo semestre, os ventos do crescimento econômico retornaram radiosos em 2010. Carregando um carry over estimado em 3,4%, o PIB re- gistrou uma espetacular expansão de 7,5%, um nível que havia sido atingido pela última vez em 1986. este desempenho, contribuíram não apenas, sob a ótica da demanda, b consumo final, que continuou crescendo a taxa elevada, atingindo como também, de forma expressiva, as exporta- ções, apesar da crise mundial, com taxa de expansão de 11,5%,contra queda de 10,2% em 2009, e, mais ainda, bruta de capital (FBK), com 21,8% contra retração de -10,3% (ver tabela IV.5). pag 345 Em face deste desempenho, alteraram-se as posições relativas destas categorias econômicas na composição do PIB: a participação do consumo final no seu montante conheceu uma pequena contração, caindo de 83,5%, em 2009, para 81,7%, enquanto a da FBK elevou-se de 16,5% para 19,2%, permanecendo praticamente estável a das exportações, com 11,2%. Embo- ra tenha conhecido um crescimento expressivo (36,2%), muito devido ao câmbio sobrevalorizado, as importações também mantiveram sua participa- ção negativa em torno de 12% (ver tabela IV.6). Dag 345 12,1% Pela ótica da oferta, a liderança deste crescimento coube à indústria (10,1%), e, dentro desta, à indústria de transformação (9,7%), que re- cuperou as perdas de 2009; mas, tanto o setor agropecuário como o de serviços também registraram taxas elevadas de crescimento, de 6,5% e 5,4% respectivamente. Como decorrência, enquanto a participação dos dois últimos setores na composição do PIB conheceu ligeiras retrações, a da indústria como um todo se elevou de 25,4%, em 2009, para 26,8%, em 2010, com a do segmento de transformação mantendo-se em 15,8% (tabela IV.8). Importante destacar, diante deste desempenho, que o crescimento, à semelhança dos anos anteriores, foi predominantemente puxado pelo mer- 37110,25 cado interno, com a contribuição do consumo final e da FBK respondendo por 10,25%, o que mais do que compensou a contribuição negativa do setor externo (X-M) de 2,75% na sua geração. 2010 A velocidade e intensidade deste crescimento ao longo do ano e sua forte concentração no mercado interno começaria, no entanto, a despertar forças contrárias a este movimento, que haviam "adormecido" na recessão de 2009, e a exigir da política econômica uma recalibragem de seus ins- trumentos para evitar o aprofundamento dos desequilíbrios da economia apontados na seção anterior, confirmando a tese - reiteradamente negada pelas autoridades econômicas - de que a trajetória de crescimento em bases sustentáveis continuava apenas como meta a ser alcançada. Como consequên- cia, o e a velocidade do crescimento tiveram de voltar ser contidos, ainda que de forma a não comprometer a vitória, nas eleições presidenciais de 2010, da candidata do partido político do governo Lula, o Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff. 2.2 A política econômica: colhendo frutos e calibrando os níveis do crescimento Visto por qualquer indicador que retrate sua evolução ao longo de 2010, fica evidente, como se constata pelo exame da tabela IV.15, a perda de fôlego do crescimento do PIB, especialmente a partir do 2° semestre. 2010 Registrando um nível de crescimento bastante robusto no primeiro se- mestre, devido à implementação de políticas fiscais, monetárias e cias combinadas com a recuperação do nível de emprego e aumento da renda, as pressões de demanda por bens e serviços se torna- ram inevitáveis, num contexto ainda de reduzidos níveis de investimentos, apesar de sua expansão, enquanto impactos negativos na balança de con- ta-corrente, com o aumento acelerado das importações, das remessas de lucros e dividendos para o exterior e do déficit em viagens internacionais, também estimuladas pelo câmbio sobrevalorizado, revelaram, novamente, os limites do crescimento. Diante dessas pressões, a política econômica começou a reduzir, de forma lenta e gradual para não prejudicar o projeto 372político do presidente Lula de eleger seu sucessor, as medidas anticíclicas anteriormente adotadas e a colocar travas no caminho do crescimento para conter seu Para dar início ao desaquecimento da demanda e reverter a aceleração 2010 da inflação nos primeiros meses do ano, o Banco Central, já em fevereiro, por meio da Circular 3485, aumentou a alíquota do recolhimento compul sório sobre os depósitos a prazo de 13,5% para 15% e a das adicionais dos depósitos à vista e a prazo para 8% (a alíquota estava em e 4%, respectivamente), visando refrear a velocidade de expansão do crédi- to, como se constata no quadro IV.3. De outro lado, as desonerações do IPI 2010 para o setor automotivo foram retiradas a partir de março, embora tenham sido mantidas as contempladas para os segmentos de bens de capital, trato- res e caminhões e também para os produtos da construção último com o objetivo de manter aquecido o programa "Minha casa, Minha vida" (quadro IV.4). E, em abril, o Banco Central retomaria a política de elevação re da taxa de juros SELIC, aumentando-a de 8,75% para 9,5%, movimento que se repetiria em junho, quando o COPOM decidiria por sua elevação para 10,25% (ver tabela IV.10). Tabela IV.15 Evolução do PIB em 2010, por trimestres (em %) Taxas de crescimento no Períodos crescimento trimestre (%) 1° 2° 3° 4° Trimestre contra trimestre imediatamente 2,2 1,6 0,4 0,7 anterior, com ajuste sazonal Trimestre contra trimestre ano anterior 9,3 9,2 6,7 5,0 Taxa acumulada ao longo do ano 9,3 9,2 8,4 7,5 Fonte: IBGE Do ponto de vista da inflação, estas medidas parecem ter obtido su- cesso: tendo se situado próxima a 0,8% nos dois primeiros meses de 2010, 3732010 o IPCA começou a perder força a partir de março/abril e chegou a 0% em junho, um nível que praticamente seria mantido até agosto (tabela V.14). A guinada na política de juros, no entanto, tornaria ainda mais atrativas as aplicações externas no país, num contexto de taxas de juros reais negativas nas economias desenvolvidas, com o saldo do fluxo cambial recebido pelo Brasil ganhando forças adicionais e anulando, ainda que parcialmente, as medidas que vinham sendo adotadas, desde 2008, para conter a valoriza- do Real. Diante disso, foi inevitável o avanço mais rápido dos dese- quilíbrios na balança de transações correntes: de um déficit de 1,52% do PIB atingido em dezembro de 2009, este saltou para 2,07% em junho, no fluxo acumulado de 12 meses, e continuou em trajetória de crescimento nos meses seguintes, recolocando, no cenário, as preocupações com o re- torno da vulnerabilidade externa da economia, apesar do colchão de US$ 250 bilhões de reservas externas, do fluxo cambial positivo e do melhor desempenho das exportações, favorecidas pelas importações da economia chinesa e pelo preço das commodities no mercado internacional (tabelas IV.12 e IV.13). De qualquer forma, pelo desempenho econômico que apresentou em 2009 e vinha registrando em 2010, pela fortaleza de suas reservas exter- nas e, principalmente, por ocupar a primeira posição no ranking mundial no pagamento de juros reais, o Brasil tornou-se o "queridinho" da co- munidade econômica internacional e dos investidores externos: o risco- país continuou oscilando em torno de 200 pontos-base, o fluxo cambial recuperou-se gradualmente e terminou fechando o ano com um saldo positivo de US$ 24,3 bilhões, beneficiado também pelo processo de capi- talização da Petrobrás em e os investimentos diretos estrangei- ros continuaram invadindo a economia brasileira. Uma situação paradoxal diante do equilíbrio macroeconômico ruim e da pouca confiabilidade que apresentava em seus fundamentos: taxas de juros extremamente elevadas, do divida cujos encargos representavam cerca de 6% do PIB, desequilíbrios cres- centes na balança de transações correntes, câmbio altamente apreciado, desindustrialização, contas públicas em deterioração e carga tributária es- 374corchante. A política fiscal, comandada pelo Ministério da Fazenda, se encarregaria, contudo, de contribuir para minar as iniciativas do Banco Central para sofrear as forças da inflação. Quadro IV. 3 Medidas de aumento do compulsório bancário em 2010: reduzir a liquidez e restringir o crédito. Mês/ Medida instrumento Aumento da alíquota do recolhimento compulsório sobre recursos a prazo de 13,5% para 15%, sendo exigido em espécie. Circular 3485 e Aumento da alíquota das exigibilidades adicionais dos 3486 do BACEN, depósitos à vista e a prazo para 8% (antes era de 4% e de 25/02 5%, respectivamente, exigidos em espécie. Mantém em 10% a alíquota dos depósitos em poupança, em espécie. Aumenta de 15% para 20% a alíquota de recursos a prazo. Eleva os limites de dedução de RS 2 bilhões para RS 3 Circular 3513, de bilhões para instituições financeiras com patrimônio de 03/12 referência inferior a R$ 2 bilhões, e de RS 1,5 para RS Objetivo: retirar 2,5 bilhões para aquelas com patrimônio superior a RS 2 R$ 61 bilhões da bilhões e inferior a RS 5 bilhões. economia para Reduz de 45% para 36% o limite máximo de dedução esfriar a demanda dos valores referentes à aquisição de ativos e depósitos interfinanceiros. Aumenta a exigibilidade adicional sobre os recursos a vista e a prazo de para Aumenta os limites de dedução de RS 2 bilhões para Circular 3514, 03/12 R$ 2,5 bilhões para instituições com patrimônio de referência inferior a 2 bilhões, e de RS 1,5 para RS 2 bilhões para aquelas com patrimônio entre RS 2 e RS 5 bilhões. 375Quadro V.4 Medidas adotadas na área tributária Mês/ instrumento Medida Decreto 7.145, de Reduz de 10% para 5% a alíquota do IPI sobre painéis, 30/03 madeira compensada, assentos giratórios e móveis. Prorroga até dezembro 2010 a desoneração do IPI, Decreto 7.222, de com alíquota zero, para os bens de capital, tratores e 29/06 Decreto 7.394, de Prorroga até 31/12/2011 a redução do IPI sobre 15/12/2010 produtos da construção civil ? Extingue, a partir de março de 2010, a redução temporária das alíquotas do IPI sobre veículos automotivos. 2.3 A política fiscal: mitigando a ação do Banco Central Enquanto o Banco Central começava a pisar ho freio das políticas monetárias e creditícias, visando conter a escalada de preços, a política fiscal continuou sendo mantida em trajetória expansiva, muito de- vido ao fato de se tratar de um ano de eleições. Tendo se comprometido com a geração de um superávit primário de 3,1% do PIB, conseguiu-se, no final do ano, obter um resultado reduzido a Da contribuição dada pelo governo federal de R$ 78,7 bilhões na sua geração, isso só se tornou possível porque, à semelhança do que ocorrera em 2009, várias manobras fiscais foram realizadas para essa finalidade: R$ 22 bilhões originaram-se do abatimento do cálculo do superávit dos gastos realizados com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC); R$ 4 bilhões de depósitos judiciais foram contabilizados nas receitas do governo; e R$ 31,9 bilhões vieram na forma de "receitas primárias artificialmente construídas, aproveitando a capitalização da Petrobrás", segundo Nóbrega e Salto 15 Para se chegar a estes números, devem-se considerar os seguintes procedimentos que en- volveram o processo de capitalização da Petrobrás: como acionista da empresa, a União par- ticipou com 42,9 bilhões de sua capitalização, mas "recebeu" R$ 74,8 bilhões pela cessão onerosa que fez para a exploração do petróleo pela empresa, contabilizando, com isso, um ganho líquido de 31,9 bilhões. 376 (-)A sustentação do gasto público em 2010, com prejuízo para a geração de um superávit primário mais elevado, explica-se, ao contrário de 2009, quando isso ocorreu como resposta à crise financeira internacional, provavelmente mais por se tratar de um ano de eleições, quando a política fiscal costuma ser mais expansionista. Apesar de a política ter continuado a priorizar as transferências de renda para as famílias - benefícios previdenciários, assistenciais, seguro-de- semprego, entre outros -, que, na análise de não poucos analistas, constitui a principal marca do governo Lula, principalmente no segundo man- também gastos com investimentos do governo federal mantiveram-se em trajetória ascendente, saltando de 1% do PIB, em 2009, para 1,2% em 2010, devido aos compromissos assumidos com o PAC. De qualquer forma, em vir- tude do maior relaxamento da política fiscal, o superávit primário de 2% do 2,78% PIB que seria deixado pelo presidente Lula para o próximo governo podia ser considerado muito baixo, ainda mais se se considerar o fato de serem crescentes e elevados os "restos a pagar" transferidos para a próxima administração. O maior relaxamento da política fiscal não afetaria, contudo negativa- mente a relação Dívida Líquida do Setor Esta, pelo contrário, conheceria até mesmo uma redução de 2,6 pontos percentuais do PIB, cain- do de 42,8%, em 2009, para 40,2% neste Com um superávit menor, isso possível pela expressiva contribuição dada pelo crescimento do PIB de 5,7 pontos percentuais, para sua redução, compensando o impacto de do PIB dos juros nominais da dívida e de 0,5% do ajuste cambial sobre a dívida (tabela IV.16). Comportamento similar seria obser- vado também para a Dívida Bruta do governo Geral, como proporção do DBGE PIB, que, de acordo com a nova metodologia de cálculo do Banco Central, caiu de 62% em dezembro de 2009 para 54,7% do PIB em 16 Ver, a este respeito: Oliveira, Ribamar. Transferência de renda é a principal marca da gestão São Paulo, Valor 27/12/2010; Expansão dos gastos vem da Constituição de 1988. São Paulo, Valor 27/12/2010. 17 Para o cálculo da DBGE/PIB considera-se, como governo Geral, o governo federal, esta- duais e municipais, excluindo-se as empresas estatais e o Banco Central. Metodologia, contudo, mais de acordo com os critérios internacionais de medição da dívida indicavam que, em 2010, a relação DBSP/PIB, no Brasil, havia atingido 65%. 377Tabela IV.16 Fatores determinantes da variação da relação dívida/PIB (%) Discriminação 2009 2010 Dívida Líquida Setor Público/PIB (%) 42,8 40,2 Variação da DLSP/PIE acumulada no ano 4,3 -2,6 Fatores condicionantes (fluxos acumulados no ano) 6,1 3,1 Necessidades de Financiamento 3,3 2,5 Superávit primário -2,0 -2,8 Juros nominais 5,4 5,3 Ajuste cambial 2,5 0,5 Dívida externa 0,3 0,0 Reconhecimento de dívidas 0,1 0,1 Dívida mobiliária indexada ao câmbio -0,1 0,0 Dívida externa 2,6 0,4 Privatizações -0,1 -0,1 Efeito crescimento do PIB -1,9 Fonte: Banco Central do Brasil. Brasília. Relatório anual de 2010. É atentar, no entanto, para o fato de que tais números ocul- tam duas ações da política econômica, como já colocado anteriormente, que 1 repercutem negativamente sobre a dívida pública brasileira: a acumulação de reservas internacionais feita pelo Banco Central, por meio de operações e os empréstimos do Tesouro Nacional a instituições financeiras oficiais, notadamente ao BNDES. A aplicação das reservas, se- gundo cálculos divulgados pelo próprio Banco Central, produziu um ren- dimento médio, em 2009, de apenas 0,83%, enquanto os juros internos (taxa SELIC) foram, em média, de 10% no ano. Já os empréstimos feitos pelo BNDES são remunerados a uma taxa em torno de 6% (TJLP) um custo para o Tesouro equivalente aos juros internos que este paga para remunerar os títulos públicos colocados no de 18 19 NDES No caso do Banco Central, trata-se de operações realizadas no mercado aberto, com títulos públicos curto prazo (em vez de títulos de longo prazo) para regular a liquidez e administrar as taxas de juros. Para uma boa discussão da natureza e implicações macroeconômicas das operações com- promissadas, ver o trabalho de Higa e Afonso (2009). 378Combinada com o crescimento do nível do emprego, que acabou regis- trando, segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE), espetacular aumento de 2,86 milhões de trabalhadores com carteira assinada, e de do rendimento médio real dos trabalhadores formais, que passaram a engros- sar o estrato da classe média, e também com as pressões dos preços interna- (4 cionais das commodities e com a política monetária de enxugamento da liquidez pelo Banco Central provocada principalmente pela acumulação de reservas internacionais, passado o período em que o ensaio de uma política mais restri- tiva do Banco Central parece ter gerado impactos positivos, a inflação voltou 2010 a ganhar força: em o IPCA deu um salto para 0,45% e, em outubro, para 0,75%, nível que praticamente se repetiu em novembro (0,73%), com um ligeiro recuo em dezembro (0,63%). Em virtude desta aceleração, o IPCA ter- minou fechando o ano no nível de 5,91%, acima da meta central de 4,5%, mas 2010 as projeções realizadas para 2011 indicavam que, se medidas mais drásticas não fossem adotadas para contê-la, poder-se-ia perder o seu controle. Apesar disso, Meto a política econômica somente voltaria a manejar armas anti-inflacionárias mais vigorosas no final do ano, após o encerramento das eleições presidenciais. 2.4. A política econômica em compasso de espera e os ajustes do final do ano Apesar da aceleração inflacionária e do agravamento das condições do câmbio, a política econômica manteve-se praticamente inerte até o final do ano, à espera da conclusão do processo eleitoral. O temor de que medidas restritivas ao crescimento econômico poderiam prejudicar a candidata do governo à presidência, Dilma Rousseff, parece ter influenciado suas ações para não desagradar as forças que apoiavam o governo também nesta dis- puta. Por isso, depois de uma nova elevação da taxa de juros SELIC de 10,25% para 10,75%, em julho, esta foi mantida no mesmo nível até o início de 2011. Quanto a outras medidas nas áreas da política monetária e cambial essas só voltaram a ser adotadas, uma vez concluído o processo eleitoral. Essa prudência do governo encontrava justificativa na evolução da cor- rida Até o mês de maio, o principal candidato da oposição, José 379Serra Serra, vinha mantendo uma distância considerável de 10 pontos percentuais à frente da candidata do governo. Apenas a partir deste as pesquisas eleitorais passaram a registrar uma situação de empate técnico entre os dois candidatos. E, de acordo com a pesquisa do jornal Folha de S. Paulo, a Datafo- 2010 lha, somente em agosto a candidata Dilma Rousseff conseguiria ultrapassar Serra em 9 pontos percentuais (41% contra 33%, em pesquisa de 12 de agos- to). Nessa situação, a ordem emanada do presidente Lula, que efetivamente arregaçou as mangas e se lançou arrojadamente na campanha para garantir a vitória de sua sucessora, era apenas uma: consolidar os apoios conquistados e ampliar o arco das alianças para angariar o apoio de outros setores, o que exigia uma trégua da política econômica na adoção de medidas impopulares. Com a realização do primeiro turno das eleições, no dia 03 de outubro, a candidata Dilma Rousseff acabou obtendo 47,6 milhões de votos (46,9% do total) contra 33,1 milhões de Serra (32,6%), percentual que, apesar de expressivo, foi insuficiente para garantir sua vitória nesta etapa Transferida essa decisão para o segundo turno, que foi realizado no dia 31 de outubro, a candidata obteve 55,7 milhões de votos (56% dos votos válidos) contra 43,7 milhões de Serra (44%), para o mandato presidencial de 2011- 2014. Concluído o processo, a política econômica pôde retornar à cena. Seus alvos prioritários foram o câmbio e a inflação, embora procurando preservar algumas forças para sustentar uma taxa de crescimento em torno de No caso do cujo problema se tornou mais agudo no segundo semestre, com o progressivo derretimento do dólar diante da anêmica econo- mia norte-americana, o governo, visando estancar ou reduzir a avalanche de 2010 capitais para o país, elevou, já no início de outubro, a alíquota do IOF de 2% para (4% incidente sobre os investimentos em renda fixa, a qual nova- mente ampliada poucos dias depois, no dia 18, para Além disso ampliou em até US$ 10,7 bilhões o montante de dólares que o Tesouro Nacional po- antecipadamente, para o pagamento da dívida externa que vence= ria até 2014 já que a autorização que contava, para tanto, ia somente até 2012, aumentando, com isso, sua capacidade de influenciar a cotação do dolar ? 20 Decretos7323, de 04/10/2010 e 7330, de 18/10/2010. 380Quadro V.5 Medidas adotadas em 2010 para conter a valorização do Real Mês Medida 24/03 Unificação de 60 normas relativas ao mercado de câmbio para Res. 3844 e simplificar as operações com recursos estrangeiros e reduzir os Circular 3491 custos de transações para as empresas. Banco central passou a fazer 2 leilões diários de compra do Abril a dólar no mercado à vista, para enxugar o excesso de recursos setembro estrangeiros na economia Banco Central reduz a duração dos leilões de compra de 20/09 dólares de 10 para apenas 5 dias. Aumenta de 2% para 4% a alíquota do IOF sobre investimentos estrangeiros em renda fixa, mantendo em 2% a cobrada sobre os ganhos em bolsa de valores. Amplia em até US$ 10,7 bilhões o volume de dólares que o 04/10 Tesouro Nacional poderá comprar, antecipadamente, para o Decreto 7323 pagamento da dívida externa que vence até 2014. Antes era só até 2012. Estudo da possibilidade do Fundo Soberano comprar dólares no mercado. Aumenta de 4% para 6% a alíquota o IOF sobre investimentos em renda fixa. 18/10 Aumenta de 0,38% para 6% O sobre a margem de Decreto 7330 garantia para os investimentos estrangeiros em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros (objetivo: desestimular também negócios com o dólar). Conselho Monetário Nacional fecha brechas no mercado 20/10 futuro de câmbio para evitar que os investidores estrangeiros burlem o pagamento do IOF maior. Institui compulsório de 60% sobre o adicional do limite estabelecido em norma - US$ 3 bilhões ou o patrimônio de 07/12 referência (PR) dos dólares que as instituições financeiras vendem sem ter, com o objetivo de reduzir de USS 16,8 para 10 bilhões a posição vendida dos bancos Reduz impostos (IOF cai de 6% para 2%) sobre investimentos estrangeiros em fundo de private (capital de risco) e 31/12 sobre alguns investimentos para estimular o financiamento de longo prazo no país. 381Ainda pelo Decreto 7330, de 18/10, visando desestimular os negócios com o dólar, a alíquota do IOF cobrada sobre a margem de garantia para os investidores em bolsas de valores, de mercadorias e de futuro seria aumenta- da de 0,38% para 6%. Outras medidas adicionais neste campo ainda seriam adotadas até o final do ano, indicando a prioridade que passou a ser conferida à questão do câmbio sobrevalorizado, tais de brechas no mercado futuro para evitar que os investidores estrangeiros burlassem o paga- mento do IOF; de depósito compulsório de 60% sobre o adicional 3 do limite dos dólares vendidos no mercado futuro; è redução do IOF de 6% para 2% para estimular o financiamento de longo prazo no Em virtude do nível da taxa de juros interna no Brasil, essas medidas não foram suficientes para reverter a trajetória de apreciação do Real, que chegou, no final do ano, cotado em R$ 1,66/US$ 1, um nível, em termos reais, 34% inferior à paridade de 2000, com evidentes prejuízos para as ex- portações e a indústria. Mas, sem elas, provavelmente a situação do câmbio se apresentaria ainda mais grave e mais profundo o processo de desindus- trialização que vinha causando ao país. A verdade é que, a não ser que o governo abrisse mão da ortodoxia e adotasse medidas mais corajosas como as de controles mais rígidos da entrada de capital e de redução mais significativa das taxas de juros, não havia muito que para deter este movimento de apreciação do Real, diante do contexto internacional de taxas de juros busca pelo crescimento dos anêmicos, economicamente, países desenvolvidos, por meio das exportações, e da estratégia norte-americana de transferir, ainda que parcialmente, os custos do ajuste de sua economia para o restante do mundo. Este movimento, que o ministro da Fazenda, Guido Mantega chamou de "guerra das moedas", acentuou-se com as decisões dos EUA de, na prática, inundar o mundo de dólar, e generalizou-se com as medidas defensivas adotadas neste ano, visando conter a apreciação de suas moe- das, pelos países da Europa, Leste Asiático e até mesmo pelo Japão e, de 21 Conforme Decretos 7323 (04/10/2010) e 7330 (18/10/2010). 382modo geral, pelos emergentes, entre os quais Brasil, os mais prejudica- dos com este Em relação à politica monetária e creditícia, de armas do Banco Central foi apontado para dois alvos. De um ladp, com o objetivo de retirar R$ 61 bilhões de recursos da economia e esfriar a demanda, aumentou, em dezembro de 15% para 20%, a alíquota do depósito com- pulsório sobre os recursos a prazo e elevou os limites de dedução para o seu cálculo, em função do de patrimônio de referência da instituição financeira, além de reduzir de 45% para 36% o limite máximo de dedução dos valores referentes aquisição de ativos e depósitos interfinanceiros. O mesmo ocorreria com alíquota da exigibilidade adicional incidentes sobre os depositos a prazo, que saltou de 8% para 12% e com limi- tes de dedução para as instituições obrigadas a realizar este recolhimento (Quadro IV.3) 2010 ) De outro lado, ainda em com o objetivo de conter a farra do crédito concedido às pessoas físicas, o Banco Central aumentou o percen- tual exigido de entrada na compra de um carro novo, crescente em função do prazo de financiamento (mínimo de 20% para os financiamentos de 24 a 36 meses) e passou a exigir dos bancos aumento da reserva de capital para os financiamentos de automóveis com prazo superior a 60 meses, de crédito consignado acima de 36 meses e do crédito direto ao consumidor com mais de 24 meses. Especificamente em relação à reserva de capital, o objetivo para o aumento da garantia era o de elevá-la de R$ 11,5 bilhões para R$ 16,5 bilhões (aumento de 50%), reduzindo a capacidade de oferta de crédito pelas instituições financeiras (Quadro V.6). a to 22 Folha de S. Paulo. São Paulo, 21/10/2010, Caderno B. 383Quadro IV. 6 Medidas de restrição do crédito: conter a farra do crédito das pessoas físicas Mês Medida Aumenta o percentual exigido na entrada na compra de um carro novo, de acordo com os prazos de financiamento: de 24 a 36 meses: entrada de pelo menos 20%; 06/12 de 36 a 49 meses: entrada de pelo menos 30%; de 48 a 60 meses: entrada de pelo menos 40%; acima de 60 meses: independente da entrada, passa a exigir dos bancos aumento da reserva de capital para cobrir eventual inadimplência. Exige aumento da reserva de capital dos bancos 06/12 Objetivo: aumentar a reserva de como garantia para os seguintes casos: capital para garantia de financiamento de automóveis com prazo superior a 60 meses; RS 11 bilhões para R$ crédito consignado acima de 36 meses; 16,5 bilhões (aumento de crédito direto ao consumidor para a aquisição de 50%). bens acima de 24 meses. Apenas na área tributária, ainda se procurou manter os estímulos cana- lizados para setores somente para a atividade produtiva e Tri o emprego, caso da construção civil, e também por que a continuidade do programa "Minha casa, Minha vida" figuraria como uma das prioridades do novo governo que assumiria o comando do país em 2011. Pelo Decreto 7394, de (15/12) 2010 até 31/12/2011 a redução do IPI in- cidentes sobre os produtos da construção civil (Quadro IV.4). Estes foram os primeiros movimentos realizados para se colocar algu- mas pedras nos caminhos de um crescimento mais robusto, por absoluta falta de sustentabilidade desta trajetória, dada a fraqueza e insuficiência dos fundamentos da economia brasileira, como visto anteriormente. A eles se adicionariam, em 2011, a retomada da política de elevação das taxas de juros (da SELIC) pelo Banco Central e, logo em fevereiro, anúncio pelo governo de que o orçamento da União aprovado pelo Congresso 384Nacional sofreria cortes/contingenciamento de R$ 50 bilhões, medida necessária para o cumprimento da meta do superávit primário de 3% do PIB. Após o espetacular nível de crescimento de 7,5% alcançado em 2010, que acentuou os desequilíbrios macroeconômicos da economia brasileira, a realidade de ajustes severos e restritivos foi transferida para a adminis- tração que assumiria o comando do país, em 2011, como uma negação do otimismo manifestado pelo ministro Guido Mantega, em dezembro de 2010, de que "(...) esse crescimento é sustentável para os próximos anos, porque se dá mantendo a inflação sob controle e com redução do déficit público brasileiro". 23 Ou mesmo da visão da então candidata à presidên- cia, Dilma Rousseff, em agosto de 2010, questionando a necessidade de um ajuste fiscal em 2011: "com o país crescendo a 7%, com inflação sob controle, com o atual nível de reservas [internacionais] eu vou fazer ajuste fiscal, para que, hein?. Eu não concordo que o Brasil tenha que se submeter sistematicamente a cada fim de governo a um ajuste fiscal". Posições e o retorno a uma taxa de mais baixo crescimento, em 2011, novamente jogou ao vento. 2.5 Á guisa de conclusão: é possível uma comparação entre os governos FHC e Lula? Lula passou os oito anos de seu mandato presidencial comparando sua administração com a de FHC. Uma estranha obsessão de superioridade do- ?? minou suas falas e discursos para se colocar, desde o início, apoiado na imagem propositadamente criada da "herança maldita" que recebera, num pedestal mais elevado do que o de seu antecessor. A média de crescimen- to econômico dos dois governos poderia lhe dar razão: no governo FHC (1995-2002) a economia expandiu- se a uma taxa média anual de 2,3% con- tra um crescimento médio mundial de 3,6%; no de Lula (2003-2010) o cres- cimento médio do Brasil chegou a 4,01% contra 3,89% do mundo. O fato, no entanto, é que, apesar deste melhor desempenho do PIB na era a 23 Correio do Brasil, Rio de Janeiro, 14/12/2010. FHC 3 385 who 401%política macroeconômica foi substancialmente a mesma, sendo as diferen- ças destes resultados explicados pelos contextos econômicos nacional e mundial bem distintos nos dois períodos. FHC enfrentou, durante o seu governo, um quadro interno e externo de grandes e agudas dificuldades. No plano interno, uma inflação reni- tente, com a ameaça permanente de uma hiperinflação, até só foi resolvida com a implementação do Plano Real, quando era ministro da Fazenda. Em virtude disso, recebeu em mãos uma economia ainda com empresas ineficientes, um sistema bancário padecendo de are a graves dificuldades, elevada vulnerabilidade externale alta fragilidade do do quals setor público, entre outros problemas. No plano externo, enfrentou uma série de crises, cujo efeito-contágio foi fatal para Brasil diante da fraque- za de seus fundamentos México (1994-1995), Leste Asiático (1996-1997), Rússia (1998), Argentina (2001) e Estados Unidos (2002). Não bastasse isso, a arrogância dos membros da política econômica, alia- da à autoconsideração de divindade do presidente - que seria também uma característica do presidente Lula levou ao cometimento de vários erros de política econômica e de decisões na seara política: o descaso com as contas públicas, a concepção errônea do câmbio e da situação das con- tas externas, o nível exagerado dos juros; o apagão de energia em 2001, a aprovação da reeleição em 1998 etc. etc etc etc etc O fato é que mesmo que impulsionadas pelos atropelos do período, mudanças que seriam importantes para a reorganização da economia e para a redução da fraqueza de seus fundamentos terminaram ocorrendo: a refor- ma do sistema bancário de 1995-1996; a privatização dos bancos estaduais a partir de 1996 e de algumas empresas estatais; o contrato da dívida com os estados; a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), de 2000; e, talvez o mais relevante, a revisão das peças do modelo econômico, em 1999, que combi- nou o compromisso com a geração de superávit primário com a adoção do câmbio flutuante e com a política de metas inflacionárias. Por mais críticas que/ façam a este modelo, dada a trava que representou para o cresci- mento econômico, com ele abriram-se importantes avenidas para melhorar 386bolsa capital o câmbio e reduzir a vulnerabilidade externa da economia também a fragilidade Estado brasileiro. Lula recebeu a economia com todos estes instrumentos ainda em ges- tação e sem ainda terem revelado suas potencialidades, e, mais importante, num contexto mundial em que as crises externas pareciam haver ficado para trás, o que só voltaria a ocorrer em 2008-2009, com problema do cré- dito subprime nos Estados Unidos. Efetivamente, nada alterou em termos da política macroeconômica até o final de seu governo, mantendo o mesmo modelo econômico recebido de- seu antecessor, e nem realizou reformas estruturais relevantes. De acordo com a leitura do mercado, foi sensato o suficiente para preservar este mesmo modelo e se beneficiar do forte cres- cimento da economia mundial até 2008 - média de 5% ao ano -, reduzindo substancialmente a vulnerabilidade externa da economia, a grande an- terior do crescimento econômico. or FHC Com a economia em expansão e as receitas tributárias se elevando, pôde, no segundo mandato, avançar na flexibilização da política fiscal e ampliar os gastos públicos, notadamente na área social, de transferência direta de renda para a população, que, como vimos, constituiria a principal marca de seu governo, sem abandonar o compromisso com a ortodoxia. Isto é, sem reverter as principais peças do modelo, entre as quais, o paga- mento de juros elevados para o capital, que alguns analistas ironicamente chamam de "bolsa-capital", viu-se em condições de ampliar os benefícios para o "bolsa-família". Passados os efeitos da crise financeira mundial, que voltaram se tor- nar preocupantes em 2011, com a situação da anêmica da economia norte- americana e o inferno fiscal dos Estados europeus, o Brasil, mesmo tendo conseguido se sair relativamente bem nos primeiros anos da crise, voltaria a se defrontar com velhos problemas, como a forte apreciação cambial e seus efeitos deletérios sobre a balança comercial e de transações correntes e também sobre a indústria, assim como com a inflação e a subordinação da política fiscal ao regime monetário. Sem as reformas estruturais e mudanças nas peças do atual modelo, com a vulnerabilidade externa ameaçando fazer ?? 387seu retorno e a questão fiscal permanecendo irresolvida, juntamente com as medidas restritivas ao crescimento que começaram a ser adotadas no final de 2010, as perspectivas que se colocavam para os anos que se segui- riam, num cenário cada vez mais próximo de instauração de uma recessão mundial que poderia ser profunda e prolongada, ensaiariam novamente um olhar de vu para o país. 388