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Parte III Plano - estabilidade monetária com endividamento e baixo crescimento : Mexico inicio 97 Argentina MAR - iMA 578Capítulo 3 o Plano Real no governo Lula: radicalizando o modelo (2003-2006) Na quarta [vez], Temendo uma nova derrota Aliou-se com as forças do poder e da fortuna: Venceu, mas não fez que queria (e nem sonhara), Mas 0 que permitiram "Alianças 1. INTRODUÇÃO Ao contrário de FHC, que frequentou uma das melhores universidades do país e dela se tornou professor e sociólogo de renome internacional, pertencente à nata da intelectualidade brasileira, Lula das fileiras do sin- dicalismo paulista, ganhou projeção na luta contra a ditadura militar, num contexto de forte crise econômica nos anos 1980 e participou da criação do Partido dos Trabalhadores (PT), um partido que se notabilizaria pela defesa radical dos interesses dos trabalhadores e por empunhar a bandeira dos compromissos com a construção de uma sociedade democrática e mais justa socialmente. Na luta contra a ditadura e na defesa destes interesses, o PT conhe- ceu um significativo crescimento nas décadas de 1980 e 1990 e se tornou o principal partido de oposição no Brasil. No embalo deste crescimento, Lula concorreu às eleições presidenciais de 1989, 1994 e 1998Atendo sido 1 Fabrício Augusto de Oliveira, Belo Horizonte: O lutador, 2011, p.83.derrotado em todas elas, por Fernando Collor de Mello, na primeira, e por Fernando Henrique Cardoso, nas duas últimas, como resultado da união das forças do poder e da fortuna contra suas pretensões. Ao tomar a decisão de concorrer pela quarta vez em 2002, Lula, jun- tamente com o núcleo dirigente do PT, resolveu modificar a estratégia adotado nas anteriores para evitar uma nova derrota: em vez da defesa intransigente de um programa econômico radical, que assustava e unia as elites nacionais contra sua candidatura, adotou uma posição moderada e conciliatória, ainda que crítica, com as regras do jogo para tornar-se confiável aos seus olhos e aos da classe média; em vez da recusa terminante de formar alianças espúrias com partidos fisiologicos para não macular e comprometer as bandeiras de luta do partido estimu- lou sua realização, visando garantir a chegada ao poder. Sua mensagem, à época, de que "tudo que tiver de ser feito para assegurar a vitória, deve ser feito", era reveladora de que a decisão de abrir mão parcialmente de princípios e compromissos programáticos para colher a vitória na disputa compensava riscos de uma nova derrota. Não poucos integrantes do partido entenderam a nova postura de Lula e dos principais líderes do PT como mera de estratégia para assegurar a vitória, a qual seria revista, tão logo definidos os resultados das eleições, com a retomada das propostas originais do partido. verdade é que, como no jogo do amor, à medida que se estreitam os laços entre os pares envolvidos, reforçando progressivamente sua união, vai se tornando cada vez mais difícil seu rompimento. Se essa era a intenção inicial de Dula e do campo majoritário do PT, o fato é que estes sucumbin- 20 do aos acenos da elite e da ortodoxia, abandonaram 9 projeto original i e, como amantes fiéis, renderam-se às regras do jogo estabelecidas e ao modelo econômico herdado de FHC, mesmo que o denunciando como uma herança maldita, para justificar a necessidade de administrá-la de forma a evitar que se instalasse o pânico nas forças econômicas dominantes, afugentando o capital externo. 2642. A ADESÃO Á ORTODOXIA E AO MODELO ECONÔMICO DO REAL A adesão do governo Lula à ortodoxia e ao modelo econômico ado- tado na segunda fase do Plano Real, antes denunciado como responsável 2 pela falência das finanças públicas, pela alta vulnerabilidade externa da economia brasileira e, mantidos seus pilares, como inimigo do crescimen- to dos investimentos e do emprego, e também da justiça so- cial, começou antes que as urnas produzissem os resultados finais das eleições. Com essas encerradas, se intensificariam iniciativas revela- doras dessa adesão, causando perplexidade nas forças de esquerda que haviam apoiado sua candidatura. 2002 1 Como discutido no capítulo já em junho na Carta ao Povo Bra- sileiro, o candidato comprometia-se em respeitar os contratos firmados pelo país, garantir a quitação das dívidas interna e externa, preservar o compro- 2 misso com a estabilidade monetária, por meio da manutenção do regime de metas inflacionárias, assegurar a geração de elevados superávits fiscais primários para controlar a trajetória da relação dívida/PIB. Só os que en- xergaram essa iniciativa como um mero jogo de cena eleitoral, e não como mudança efetiva de estratégia - e estes não foram poucos - teriam justifica- 2 tiva para ficar posteriormente decepcionados. 200 Na mesma linha, a anuência do candidato à renovação e prorroga ção do acordo com o FMI, em setembro bem como sua com o cumprimento de seus termos, embora justificada para garantir uma e travessia menos turbulenta da economia até as eleições, não deixava de se inscrever entre as mudanças de postura que configuravam alterações concretas no projeto econômico alternativo do partido, ainda presente nas mentés e corações de aliados. Com o acordo assumido com o FMI, tornava-se evidente que uma reorientação do modelo econômico teria, no mínimo, de ser adiada. Mas se dúvidas sobre essa mudança de elas deveriam ter deixado de existir alianças políticas que foram feitas para garantir a vitória de Lula nas eleições: além da participação do Partido Liberal (PL), 265Vice presidente Joese PL um partido assumidamente de direita e da indicação de um de seus mem- bros para ocupar a vice-presidência na chapa presidencial, no amplo arco de do alianças da esquerda que se formou, o candidato passaria, em pouco tem- po, a receber - e a contar também com o apoio de caciques fisiológicos da política brasileira, como, entre outros, José Sarney (PMDB) e Antônio respectives Carlos Magalhães (PFL), desgarrados de seus partidos, que não am, propriamente, exemplos de políticos comprometidos com o projeto de construção de uma democrática e mais justa. Na montagem da equipe, após final do segundo turno, tornou-se ainda mais evidente que eaberia à ortodoxia a responsabilidade de dar as cartas da política econômica: para Ministério da Fazenda em que se concentraria este poder, foi designado Antônio Palocci, um médico do interior paulista, de fala mansa e envolvente, que assumira a campanha eleitoral de Lula, e que se tornara confiável para o capital estrangeiro, ao esmerar-se em decantar repetidamente, como um mantra, as virtudes do modelo econômico e a necessidade de o Brasil continuar enquadrado no mesmo receituário para a política econômiea contar com credibilidade e reputação no cenário internacional. Para o Banco Gentral, guardião da estabilidade monetária, indicou-se Henrique de Campos Meirelles, ex- of presidente do Banco de Boston de 1984 a 1996 e Presidente do Global 1999 Banking no FleetBoston Financial, em Boston, EUA, de 1999 a 2002. representante, portanto, do capital financeiro internacional, que retornara que ao Brasil para seguir carreira de político profissional e que conseguira eleger-se para a Câmara dos Deputados neste ano, pelo PSDB, cargo que não chegou, contudo, a ocupar para assumir a presidência do BC. Durante o período de transição para o novo governo, a solicitação rea- lizada pela nova equipe economica, à que se retirava de cena, para elevar as taxas de juros, não poderia ser mais clara em relação aos seus propósitos: dar continuidade no mesmo modelo econômico que o novo presidente e o PT sempre combateram, preservando-se suas peças, com o cumprimento de todos os compromissos assumidos, e fechando-se, com isso, canais 266 para barrar aventuras neste campo, que poderiam assustar e afugentar ocapital externo e manter o país num permanente clima de turbulências e 2002 instabilidade. Se o cenário econômico no país no final de ano e início do 2003 novo governo exigia prudência e cautela, até justificar tempora- riamente essa posição, o fato é que ali já se havia feito a opção pelo con- teúdo da nova política econômica que seria implementada: mesma que, adotada por FHC, conduzira país a uma situação de elevada fragilidade fiscal e de alta vulnerabilidade externa e que, pelas suas implicações, vinha mantendo algemadas suas possibilidades de crescimento. Assim, a política econômica implementada pelo governo Lula, em seu primeiro mandato, com fidelidade, a arquitetura do modelo econômico do Plano Real, radicalizando-o em alguns aspectos, mas terminará, ao contrario de FHC, sendo beneficiada por um acontecimento inesperado: a ausência de crises externas durante todo este período, combinada com o forte cresci- mento da economia mundial. A dada pelo governo para explicar a adesão política eco- nômica do último reinado de FHC veio temperada de metáforas que pro- curavam convencer os seus críticos de que, à do precipício ao qual o país fora conduzido no final de 2002, não havia alternativa senão a de seguir as regras do mercado para evitar a queda: na mais conhecida delas, o então ministro da Fazenda, Antônio Palloci, indagado sobre os evidentes elementos de continuidade da política econômica anterior, respondeu ser temerário "dar cavalo-de-pau em transatlântico em plena tempestade" e de ser necessário, naquele momento, manter o prumo e o rumo do navio para agradar os mercados e evitar um desastre maior. Não foram poucos os analistas da esquerda brasileira que contestaram a visão do "precipício" e da ausência de alternativas para a política econô- mica. Em seminário realizado em abril de 2003 na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujos trabalhos foram posteriormente reunidos e publicados no livro A economia da mudança, organizado pelo profes- sor João Antônio de Paula, a opinião praticamente unânime dos que dele participaram foi a de que, pelo menos naqueles primeiros meses, o governo Lula havia se rendido pensamento único, considerava a política macro- 267econômica ditada pelo mercado como a única correta e tecnicamente fun- damentada e abandonado os compromissos históricos de seu partido com a busca de melhores alternativas para a construção de uma sociedade mais justa e democrática. Num texto provocativo publicado no mesmo livro, Coutinho (2003:63 70) procurou entender essa adesão numa perspectiva diferente. Para apesar dos compromissos históricos de Lula e do PT, o fato era que "a opo- sição nunca contou com um projeto minimamente consistente de política econômica" e, uma vez eleita, teve de agarrar-se ao arsenal de instrumen- tos e modelos econômicos herdados do governo anterior para governar; ii) diante da gravidade do quadro macroeconômico no final de 2002 - des- controle da situação cambial e inflacionária -, o governo, considerando que "a esquerda não tem liberdade para fazer o que a direita faz", teria optado "pelo risco menor de execução de políticas convencionais e de grosso cali- visando à retomada imediata de controle sobre o câmbio e a inflação 111) uma prova, de acordo com o seu argumento, de que o governo não teria perdido o rumo no estreito espaço em que pôde atuar foi o rápido enca- minhamento para votação das reformas tributária e consi- derando a primeira, no seu entendimento, "embora limitada, amplamente positiva", e que a segunda nao agredia "em demasia a justiça Independente das divergências nas interpretações sobre as causas e mo- tivos que levaram o novo governo adesão do pensamento único e também a dar continuidade à política econômica de FHC Malan (o que foi, ironica- mente, traduzido como "mais do mesmo") Lula rezaria junto com Palloci, durante todo o primeire terço neoliberal; implementaria uma política econômica para movimentação de capitais externos pelos circuitos financeiros internos em busca de alta e segura rentabilidade; estabilidade de preços, com a manutenção de taxas de juros extremamente 3 elevadas; e a geração de elevados e crescentes superávits primários fiscais 2 Uma visão distinta sobre o conteúdo dessas reformas no governo Lula, que foram presididas pela lógica do ajuste fiscal, é apresentada mais à 268delegacos para o pagamento de juros da dívida, visando torná-la temporalmente sus- tentável, de acordo com o novo papel conferido à política fiscal pelo para- digma * Nova mia Nas condições da economia brasileira, marcada por gritantes brios fiscais e elevada vulnerabilidade externa, tal modelo, como discutido an- teriormente, subordinava inteiramente o crescimento econômico à conquista e manutenção destes como condição para que fossem abertas as portas para o ingresso do país no "paraíso" da prosperidade, como recom- pensa dada pelos investidores, internos e externos pela garantia de seus ganhos fabulosos. Nessa situação, somente contando com um cenário econômico externo altamente favorável, seria possível, dada a arquitetura do modelo, ir além do medíocre crescimento que este permitia e começar a remover ou pelo menos as travas que obstavam o curso do desenvolvimento no país. E, neste aspecto, ao contrário da gestão FHC, a estrela de Lula brilhou.!! do 3. A ECONOMIA MUNDIAL: VENTOS FAVORAVEIS DE 2003 A 2006 1994 Mexico de 1998 1996 Russia Depóis de três anos de turbulência e de que tiveram início em 2000 2005 2000, a economia global ingressaria, em 2003, em nova fase de expansão, que Argentina 2002 se prolongaria, de forma sustentada pelo menos até 2007, quando a "bolha" do crédito hipotecário de alto risco (subprime) estourou, com a inadimplência dos tomadores de empréstimos para o financiamento de imóveis residenciais. I 2003 Ainda marcado por incertezas até meados do ano, devido à indefinição sobre de o conflito EUA-Iraque, que manteve pressionados os preços do petróleo e deterioradas as expectativas dos investidores, este quadro começou a ser re- or vertido quando essas dificuldades começaram a ser superadas e os estímulos ao crescimento econômico (fiscais, monetários) adotados e mantidos pelos EUA desde o episódio do WTC começaram a gerar efeitos mais concretos. Selem 2001 3 Foi essa a mesma conclusão a que chegaram os participantes de outro seminário realizado na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), no mês de maio de 2003, organizado pelo Prof. Paulo WTC 269Guerro into lapila 19/03/2003 20 Iniciada a guerra com o Iraque, em 19/03/2003, a incerteza sobre a intensidade e duração do conflito foi rapidamente se desfazendo e cedendo lugar para as forças do crescimento: os preços do petróleo recuaram e as expectativas conheceram melhora substantiva, o que, somado a política cal e monetária norte-americana, de baixos juros e redução dos impostos, e ainda a forte expansão dos gastos militares, deu sustentação à recuperação econômica liderada pelos EUA. Seus efeitos se derramaram sobre o que vinha de um longo período de estagnação, e, em menor grau, para a área do euro, espraiando-se benignamente para toda a economia mundial 3 De fato, como mostra a tabela III.20, inicia-se, em 2003, um período de quatro anos de elevado crescimento da economia mundial. Embora vigor do crescimento na economia norte-americana não tenha se reproduzido na área do às voltas com recorrentes problemas inflacionários e afetada pela trajetória ascendente dos preços do petróleo, mesmo ali este se mante- ve em torno de Já Japão conseguiria consolidar a recupera- ção iniciada em 2003, crescendo a uma taxa média superior a 2% a.a., entre 2004 e 2006, contribuindo também para a maior expansão verificada nas economias de sua área de influência. Tabela III.20 Crescimento do PIB da economia mundial Em % Regiões/países 2003 2004 2005 2006 2007 Países desenvolvidos 1,9 3,2 2,5 2,9 EUA 2,7 3,9 3,1 2,9 Área do euro 0,7 2,0 1,4 2,8 Japão 1,4 2,7 1,9 2,2 Países em desenvolvimento 6,5 7,7 7,5 8,1 América Latina e Caribe 2,2 6,0 4,6 5,5 Brasil 1,1 5,7 3,2 3,7 Ásia 8,1 8,7 8,7 9,3 Economia mundial 4,0 5,3 4,8 5,4 Fontes: FMI/IEDI/IBGE 270Neste quadro, em que a liquidez começou a retornar ao sistema financeiro internacional, com a redução da aversão ao risco, acompanhada da recupera- ção e crescimento econômico dos países desenvolvidos e do comércio mun- dial (expansão de 5% em 2003, 10% em 2004, e de cerca de 7% em 2005 e 2006), as economias emergentes seriam altamente beneficiadas a China, que vinha mantendo, há duas décadas, taxa média de crescimento de 9%, viu esta caminhar para o nível de 10%, já em 2005, e ultrapassá-lo em 2006; da mesma forma, a Índia passaria a ostentar taxas superiores a 8%; na América Latina a que amargara uma retração de 11% do PIB, em 2002 como consequência da moratória, retomaria, com ímpeto, o ritmo da atividade pro- 2002 dutiva, a partir de 2003, crescendo 8,75%, nível em que se manteria nos anos seguintes; já Brasil, tolhido nessas possibilidades pela existência de uma 2003 elevada carga tributária, combinada com altas taxas de juros e geração de ele- vados superávits fiscais primários, devido aos compromissos assumidos com o FMI e à relutância do dos policy makers em pelo menos procurar negociar a flexibilização de algumas condições do acordo, despontaria como um países que menos se entre os emergentes, dessas me- lhores entre 2003 e 2006, apesar do maior crescimento em relação ao segundo mandato de FHC, a expansão média anual não passou de 3,5%. Além do expressivo aumento do comércio mundial, consequência da vi- gorosa expansão as economias emergentes também foram favo recidas, de um durante todo este período; Dela forte e contínua elevação dos preços internacionais de commodities - matérias primas, produtos agrícolas, metais e petróleo -, dada a adicional da demanda gerada pelo cresci- economia chinesa, dependente das importações destes produtos; de outro, intensificação do fluxo de investimentos diretos externos para estes países, estimulados pela redução da aversão risco: de acordo com o Banco Central, os investimentos diretos para essas praticamente dobraram entre 2003 e 2006, saltando de US$ 97.6 bilhões para US$ 185,3 3 bilhões. Além disso, a manutenção de baixas taxas de juros nos países desen- volvidos, as quais só começariam a sofrer novas elevações, a partir de 2005, também garantiu um fluxo de capitais de empréstimos e de curto prazo para 271essas economias, em busca de maior rentabilidade, reforçando a posição de suas reservas externas e reduzindo suas vulnerabilidades. Como decorrência, registrou-se uma queda generalizada do risco-país nessas economias, transfor- mando-as em portos mais seguros e confiáveis para capital internacional. espetacular registrado em seus saldos comerciais, somado ao avanço dos diretos em suas contas do balanço de pagamentos e à maior oferta de crédito para atender suas necessidades de investimento, abriu, para essas economias, a oportunidade de ingressar em um círculo vir- tuoso de crescimento e, enquanto este quadro permanecesse favorável, de corrigir ou pelo menos reduzir seus desequilíbrios e vulnerabilidades. Preso a um modelo econômico divorciado do crescimento e disposto a manter sua arquitetura intacta, para continuar contando com a simpa- tia e proteção do capital financeiro internacional, mesmo quando várias instituições multilaterais, incluindo até mesmo quadros técnicos do FMI, apontavam a necessidade de realização de reformas estruturais e da ex- pansão dos investimentos em infraestrutura para remover os obstáculos ao crescimento, o Brasil deixaria escapar, neste período, essa oportunida- de: radicalizando a política econômica anterior, manteria os investimentos públicos e privados em níveis reduzidos e diante da ele- vada carga tributária, das altas taxas de juros reais e do crescente esforço que vinha sendo realizado para conter o crescimento da relação sem também se em fazer avançar a aprovação de reformas importantes, e terminaria colhendo, apesar de mais alta em rela- ção ao governo FHC, uma das mais pífias taxas de crescimento registrada para as economias emergentes neste período. dois 4. A MARCHA DA ECONOMIA E DA POLÍTICA ECONÔMICA: 2003-2006 2003 4.1 2003: estagnação, ortodoxia e metáforas Lula assumiu o governo, em 01/07/2003, prometendo produzir o que chamou de "espetáculo do crescimento". Neste início, a economia mun- 27219/03/2003 EWA argentina crise dial ainda carregava os efeitos residuais das de 2001 e 2002 e ain- .com da eram grandes as incertezas sobre as consequências que poderia gerar o conflito, já tido como certo entre os EUA e o Iraque. Internamente, porque támbém subsistiam dúvidas sobre o conteúdo da nova política econômica, apesar das repetidas manifestações do presidente e da equipe econômica de que nada seria modificado, o era de instabilidade: 2003 em janeiro e fevereiro, a cotação do dólar permaneceu acima de R$ 3,50, como mostra a tabela III.21; a inflação também continuava pressionada, em níveis elevados, apesar de cadentes, indicando que a meta da inflação 2003 de 4% estabelecida para o caminhava para ser descumprida (tabela III.22); as reservas externas, no conceito de liquidez man- tiveram-se; fevereiro, em US$ 38 bilhões (tabela III.23), mas no de reservas líquidas cairam de US$ 14,2 bilhões, em dezembro de 2002, para US$ 13 bilhoes, em abril de 2003, conforme o Relatório Anual do Banco Central de 2003. RMI liquidez Tabela III.21 Reserves Cotação do dólar comercial de venda (R$/US$): fim de período 2003-2006 Mês/ano 2003 2004 2005 2006 Janeiro 3,5258 2,9409 2,6248 2,2160 Fevereiro 3,5632 2,9138 2,5950 2,1355 Março 3,3531 2,9086 2,6662 2,1724 Abril 2,8898 2,9447 2,5313 2,0892 Maio 2,9656 2,1291 2,4038 2,3005 Junho 2,8720 3,1075 2,3504 2,1643 Julho 2,9655 3,0268 2,3905 2,1762 Agosto 2,9665 2,9338 2,3637 2,1388 Setembro 2,9234 2,8586 2,2222 2,1742 Outubro 2,8562 2,8565 2,2543 2,1430 Novembro 2,9494 2,7307 2,2070 2,1668 Dezembro 2,8892 2,6544 2,3407 2,1380 Fonte: Ipeadata 273Tabela III.22 Evolução mensal do IPCA/IBGE 2003-2006 Mês 2003 2004 2005 2006 Janeiro 2,25 0,76 0,58 0,59 Fevereiro 1,57 0,61 0,59 0,41 Março 1,23 0,47 0,61 0,43 Abril 0,97 0,37 0,87 0,21 Maio 0,61 0,51 0,49 0,10 Junho -0,15 0,71 -0,02 -0,21 Julho 0,20 0,91 0,25 0,19 Agosto 0,34 0,69 0,17 0,05 Setembro 0,78 0,33 0,35 0,21 Outubro 0,29 0,44 0,75 0,33 Novembro 0,34 0,69 0,55 0,31 Dezembro 0,52 0,86 0,36 0,48 Ano 9,30 7,60 5,69 3,14 5,5% Fontes: Banco Central, IBGE e Ipeadata Para acalmar mercado e se tornar mais confiável para o sistema finan- ceiro internacional governo anunciou um surpreendente compromisso com a geração da meta fiscal relativa ao superávit sem que nenhu- ma exigência tenha sido pelo FMI aumentou-a de 3,75% do PIB, nível estabelecido no acordo de setembro para 4,25% Surpreendente, à medida que frustrava as que ainda persistiam entre as forças de esquer- da de que se caminharia para a negociação de uma redução do esforço fiscal exigido, visando revigorar os investimentos públicos e as políticas sociais, e também porque tal medida colidia com a promessa do "espetáculo do cres- cimento", que demandava, para se dar de forma sustentada, o fortalecimen- to da infraestrutura econômica e a consequente redução do "custo-Brasil", um de seus mais sérios entraves. Metas no Motas 2003 3,75% 4,25% 274 2004 4,5 %Tabela III.23 Evolução da Reservas Externas (conceito: liquidez internacional) 2003-2006 - em US$ bilhões Mês/Ano 2003 2004 2005 2006 Janeiro 38,771 53,261 54,022 56,923 Fevereiro 38,530 55,959 59,017 57,414 Março 42,335 51,612 61,959 59,824 Abril 41,499 50,497 61,591 56,551 Maio 43,373 50,539 60,709 63,380 Junho 47,956 49,804 59,884 62,670 Julho 47,645 49,665 54,687 66,819 Agosto 47,793 49,594 55,075 71,477 Setembro 52,675 49,496 57,007 73,392 Outubro 54,092 49,416 60,244 78,170 Novembro 54,426 50,133 64,276 83,113 Dezembro 49,296 52,934 53,799 85,838 Fonte: Banco Central e Ipeadata Selic Ainda no mês de janeiro, no dia 22, a taxa SELIC seria também elevada 25% 590 em 0,5 ponto percentual, de 25% para 25,5%, e, em em mais 1 ponto percentual, atingindo 26,5%, nível em que seria mantida até junho, 25,5% conforme mostra a tabela III.24, quando, diante da melhoria do cenário in- & ternacional e do refluxo das pressões sobre câmbio e a inflação, retomou- 26.5% se a trajetória de quedas graduais dessa taxa. Mas, a semelhança do que se verificara para 0 com o superávit primário, esse movimento altista dos juros realizado pelo governo apenas confirmava que ia, pouco a pouco se consolidando, o receituário ortodoxo no governo Lula. 275Tabela III.24 Evolução da meta da taxa SELIC 2003-2006 Ano Prazo de vigência Meta da taxa Selic (%) 01/01 22/01 25,00 23/01 19/02 25,50 20/02 18/06 26,50 19/06 23/07 26,00 24/07 20/08 24,50 2003 21/08 17/09 22,00 de 18/09 22/10 20,00 23/10 19/11 19,00 20/11 17/12 17,50 18/12 31/12 16,50 01/01 17/03 16,50 18/03 14/04 16,25 a 15/04 15/09 16,00 2004 16/09 20/10 16,25 21/10 17/11 16,75 18/11 31/12 17,75 Inflaw 01/01 19/01 17,75 20/01 16/02 18,25 17/02 16/03 18,75 17/03 21/04 19,25 22/04 18/05 19,50 2005 19/05 14/09 19,75 15/09 19/10 19,50 20/10 23/11 19,00 24/11 14/12 18,50 15/12 31/12 18,00 01/01 18/01 18,00 19/01 08/03 17,25 09/03 19/04 16,50 20/04 31/05 15,75 2006 01/06 19/07 15,25 20/07 30/08 14,75 31/08 18/10 14,25 19/10 29/11 13,75 30/11 31/12 13,25 Fonte: Banco Central. Histórico das taxas de juros fixadas pelo COPOM e evolução da taxa SELIC, 2007. 276mente O compromisso assumido espontaneamente com a ampliação do esforço fiscal. que novamente se valeu do mesmo padrão de ajuste anterior, apoiado na elevação da carga tributária e no corte dos gastos com investimentos e políticas sociais não protegidas por normas legais e ou constitucionais, por meio decretos de contingenciamento; fechou as portas para que as espe- radas reformas estruturais, como as da previdência social e do sistema tário, guardassem qualquer compromisso com a sua modernização e com a lógica que deveria presidi-las de "crescimento com distribuição de renda" que sintetizava, pelo menos ao nível do discurso o conteúdo do compromisso Ref. programático do governo. Quando essas foram encaminhadas para ção do Congresso, em abril de 2003, desfizeram-se as dúvidas de que o governo havia definitivamente se convertido ao credo a que claramente em sua essência, pela lógica do ajuste fiscal. No caso da reforma previdenciária, o foco concentrou-se na redução dos desequilíbrios do regime previdenciário do setor público 4 Para os no- vos contratados do setor público, os benefícios futuros foram equiparados aos do RGPS (teto de R$ 2.400, à época), que foi também ampliado para loves este valor, a paridade de remuneração de ativos e inativos foi extinta e pre- vista a criação de regime de previdência pública complementar para aumen- tar o valor das aposentadorias. Para os servidores já integrantes do sistema, foram os valores das pensões concedidas a partir da aprovação da reforma e estendida, aos aposentados e pensionistas, o que havia sido considerado inconstitucional em decisão do STF de setembro de 1999, da contribuição previ- denciária, a uma alíquota de 11% sobre o valor que excedesse a R$ 1.200, no caso dos estados e municípios, e a R$ 1.140, no caso da foram estabelecidas novas regras de direito à aposentadoria, combinando tempo maior de contribuição e idade, ahos de efetivo exercício no serviço público e pedágios para aposentadorias regidas pelas regras mais favoráveis contempladas na Emenda Constitucional n° 20, de 1998. 4 Para esses pontos ver Rezende, Oliveira, e Araújo (2007) das 27750 Guedes 1.30 Estimativas realizadas à época da aprovação da EC 41/03, em dezem- bro de 2003, indicavam ganhos potenciais de R$ 50 bilhões para o governo nos próximos 20 anos, o que, se não era significativo para o tamanho do ajuste requerido, se somava a outras vas adotadas para sua viabilida- de, além de gerar expectativas favoráveis sobre a redução, no futuro, dos desequilíbrios deste regime. No tocante à reforma tributária, a proposta, apesar de conter, na Ex- posição de Motivos, uma visão otimista sobre seu alcance para tornar o sistema mais justo e consentâneo aos compromissos do governo de conci- liar "crescimento com distribuição", resumia-se a quatro pontos centrais: a) unificação e federalização da legislação do ICMS, acompanhadas de outras alterações importantes como, por exemplo, a redução do número de alí- quotas deste imposto; b transformação da CPMF um imposto cumula- tivo, iníquo e também prejudicial para a intermediação financeira - em um imposto de caráter permanente, à alíquota de 0,38% c) proposta de extin- ção parcial da cumulatividade da COFINS, dando continuidade à iniciativa que já havia sido adotada para o PIS, no final de 2002, embora transferindo para lei complementar a definição dos setores que seriam beneficiados com o novo regime proposto d) a prorrogação do instrumento da Desvincula- ção de Receitas da União (DRU) para o final de criado am 1598 Embora nela fossem contempladas outras medidas de pequeno alcance para alterar o perfil de iniquidade do sistema - estabelecimento de alíquotas progressivas para o ITBI, regulamentação da cobrança do IGF por lei or- dinária, entre outras - e essas fossem utilizadas pelo governo para atribuir- lhe o compromisso com a transformação do sistema em um instrumento também de social, muito além do que elas poderiam propiciar, a centralidade nela adquirida por dois importantes componentes do ajuste fiscal a CPMF e a prorrogação da DRU deixava evidente que essa fora a lógica que a presidira. : noo do Como não se obteve o consenso em torno da mudança do regime do ICMS, a reforma que terminou sendo aprovada também em dezembro de 2003 (EC 42/03) não poderia nem mesmo ser chamada de um remendo, 278já que circunscrita a três medidas a) a prorrogação da CPMF até 2007 não se tendo aprovado, portanto, sua transformação em um imposto permanente, como constava da proposta do governo; b) profrogação da DRU também até 2007: c) a aprovação da CIDE-combustíveis, viabilizada pela concordância do governo em destinar 25% de sua arrecadação para estados e municípios (percentual aumentado para 29%, a partir de maio de 2004, para compensar sua inclusão no cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL) dos governos subnacionais), quebrando, com isso, a regra de não- compartilhamento das receitas de contribuições com essas esferas. No que diz respeito às mudanças na COFINS, uma exigência do acordo com o FMI, o governo antecipou-se à aprovação da reforma, aprovando a extinção - parcial - de sua cumulatividade por meio de Medida Provisória, posteriormente convertida na Lei 10.083/03. Com essa as empre- sas que declaravam imposto de renda pelo regime de lucro real foram en- quadradas no regime não-cumulativo, passando de 3% para 7,6% a alíquota aplicada no cálculo dessa contribuição, o que permitiu um expres- sivo na sua arrecadação (cerca de 20%) e, portanto, ganhos expressivos para 6 ajuste fiscal com que o governo se comprometera. Nada poderia soar melhor para os ouvidos do capital financeiro nem para resgatar a dos investidores do que a combinação realizada pelo governo de espontaneamente a geração do superávit primário elevar as taxas de juros, direcionando que pode- riam abrir os caminhos para o crescimento, para sustentar o nível do ajus- te prometido e evitar aumento descontrolado da dívida. Por isso, uma vez convencido o sistema financeiro internacional de que se manteria fiel à cartilha ortodoxa, mal o cenário externo desanuviou, os capitais exter- nos começaram a retornar ao país, para aproveitar, sem riscos, as melho- res oportunidades oferecidas de e as reservas externas in- aqw gressaram num período de favorecidas tambem pelo aumento dos saldos comerciais, provocando valorização do Real o dólar e uma forte desaceleração dos índices inflacionários (tabelas III.21, 22 e 23). Depois de ter vivido o "inferno astral" em 2002 e início de 2003, do 279 do posseo Plano Real do governo Lula começava a surfar num "céu de brigadeiro", beneficiado pela conjuntura externa favorável e pela confiança depositada pelo capital financeiro à política implementada, mesmo que contrária aos compromissos com que se elegera de produzir o "crescimento com esta- bilidade e distribuição". Passada a fase das em que adotara um discurso moderado para ganhar o apoio das elites e da classe média e se convertera em "Lu- linha paz e amor", um slogan com que se procurava convencer esses seg- mentos de que o seu governo não adotaria choques ou medidas radicais, o uso de metáforas e da autoimagem de ter sido predestinado para salvar o Brasil passou a fazer parte de seu quotidiano para justificar a opção feita: sobre a demora em anunciar um programa estratégico de longo prazo, a) em diria que "para conhecer os defeitos - e corrigi-los - é preciso deixar a criança se o governo nascer, aprender a andar e também a falar"; sobre rendição à ortodoxia que "na oposição podemos fazer bravata, pois não vai ter de executar nada mesmo; agora, quando você é governo, tem de fazer, e aí não cabe bravata"; sobre espetáculo do crescimento prometido com distribuição, a convicção de ser "preciso agradar aos mer- cados para reconstruir as bases de um país destruído por políticas nocivas que o conduziram à situação atual, para poder avançar no crescimento 10 sustentado, e que este [quando iniciado] se dará por longo tempo, como of nunca se viu na história". Este o tom que marcará todo o primeiro man- dato de seu governo, manejando habilmente as metáforas para justificar atos e ações surpreendentes e para se defender das críticas formuladas sobre a política econômica ortodoxa adotada e sobre a renúncia aos com- promissos originais com o crescimento econômico e com uma melhor distribuição de renda. Mais surpreendente ainda nessa conversão ao credo ortodoxo seria a 3 decisão também espontaneamente tomada, no final do ano, de renovar e prorrogar acordo com FMI até final de 2004 mesmo diante de um quadro econômico já bem mais favorável que dispensava essa o que terminou encontrando resistência até mesmo entre os membros da- N 280instituição, que não a consideravam necessária. Para FMI, Brasil, naquela oportunidade, já demonstrara ter aprendido a a contento, o !!! "dever de casa", se encontrava em situação bem mais confortável e com uma política econômica confiável para o mercado. Para o governo, contudo, a renovação do acordo era importante, nem tanto pelo aporte de recursos que poderia significar (US$ 5,6 bilhões), tanto que na Carta de Intenções endereçada ao Diretor-Geral do FMI, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, afirmava não pretender sacá-los, mas pelo "seguro [que representaria] contra o impacto de uma eventual deterioração do cenário internacional". Convencido por Palocci da importância deste do acordo "seguro" Lula assumiu a defesa da renovação passando a considerar o FMI, antes inimigo número um do país para o Partido dos Trabalhadores, como parceiro importante para ajudar no fortalecimento da blindagem da economia contra as crises externas. FMJ Provavelmente havia outros motivos não revelados para que acordo fosse renovado: internamente, eram fortes as pressões para a flexibilização de algumas metas fiscais e monetárias (do superávit primário, de forma a dar algum fôlego ao crescimento econômico, e a certeza de que essas ganhariam força e espaço para prosperar na ausência de compromis- SOS formais assumidos com o FMI, com os quais se vinha justificando a manutenção da política econômica ortodoxa. Com a renovação do acordo de ao mesmo tempo em que se garantia a suposta continuava-se usando o escudo protetor dessa instituição para justificar a necessidade de da mesma política. Renovado em 15/12/2003, não houve mudanças importantes nas metas estabelecidas no acordo anterior, embora algumas tenham sido revistas para 2003 (como a da meta inflacionária, por exemplo), à luz da trajetória economia brasileira no ano. Mais que uma necessidade, o novo acordo não parece ter sido mais do que um instrumento formal de que o governo se va- leria para continuar com argumentos para resistir às pressões por mudanças no modelo e no conteúdo da política econômica. solo 2814.1.1 Os resultados de 2003: iniciando a redução da vulnerabilidade externa em meio a uma recessão interna 2003 foi um ano marcado por dois períodos distintos: no primeiro do semestre com o ambiente externo ainda adverso e as incertezas remantes sobre a condução da política econômica, as expectativas se mantiveram deterioradas, a inflação pressionada, apesar de cadente, e o câmbio eleva- diante das menores disponibilidades externas. Neste quadro, a política econômica revelou-se altamente restritiva, promovendo novos aumentos da taxa SELIC aumentando a alíquota do recolhimento compulsório sobre os depósitos à vista ereduzindo os gastos públicos, além de reafirmar, como visto, os compromissos com a continuidade do modelo econômico. Como decorrência, a atividade produtiva conheceu dois trimestres de com forte contração nos níveis de consumo e dos investimentos. 10 20 2003 A partir de meados do ano, a medida que o cenário da economia mun- dial foi melhorando, com a diminuição da aversão ao risco e foram se des- fazendo as incertezas sobre o conteúdo da política econômica do governo Lula e o risco-país continuou em queda, os capitais externos começaram a retornar ao país, caiu abaixo de R$ 3, a partir de abril, e a deu início a um processo de convergência para a meta estabeleci- da. Como consequência, a política monetária foi flexibilizada, a partir de junho, com de queda da taxa SELIC e, em agosto, da-alíquota dos depósitos compulsórios, trazida para o nível vigente em fevereiro. Com isso, a atividade produtiva ingressou num processo de re- cuperação no terceiro trimestre, que se aprofundou no trimestre seguinte (40) embora essa tenha sido insuficiente para assegurar, no ano, um crescimen- to mais robusto do 1.1% 2003 O de 1,1% do PIB em 2003 ficou longe das previsões mais otimistas de meados do ano que projetavam uma expansão de do produto, apesar das incertezas e turbulências presentes em todo mestre, mas os setores responsáveis pela expansão confirmariam a impor- tância da recuperação mundial para o crescimento mais modesto ocorri- do: considerando o seu desempenho pela ótica da demanda, Q consumo 282de de rece Motor do crescimento X + das famílias e os severa retração, configurando uma recessão interna, que foi mais do que compensada pelo excelente desempenho setor externo, com o crescimento nominal 21% das exportações contra apenas um ligeiro aumento de 2,2% das importações. Do ponto de vista setorial, enquanto a indústria e os serviços também amargaram declínio no ano, foi a agropecuária, com expansão de que garantiu o crescimento positivo de RIB. excelente desempenho das exportações, favorecidas pela recupe- ração da economia mundial, pelo aumento da demanda e dos preços 2003 internacionais de commodities e também pela retomada do crescimento da Argentina deu inicio a um processo, que se aprofundaria nos anos seguintes, de da vulnerabilidade externa da economia brasilei- da ra, acompanhada de contínua do desconfiança dos investidores externos sobre a solvência externa do Brasil. Como mostra a tabela III.25, as exportações saltaram de US$ 60,3 bilhões, em 2002, para US$ 73,0 bilhões, em 2003, contra um crescimento de US$ 47,2 bilhões para US$ 48,2 bilhões das importações no mesmo período, propiciando a geração de um saldo comercial de US$ 24,8 bilhões (aumento de 88% em relação a 2002) e a de um superávit de 0,75% do 24,36 PIB na balança de transações correntes, o que não ocorria desde 1992 Apesar de ainda não se refletir no tamanho da dívida externa bruta, que 2003 BTC ainda cresceria mais US$ 11 bilhões no ano (US$ 238 bilhões contra US$ 227 bilhões em 2002), o avanço das reservas externas brutas para a casa dos US$ 50 que o país começava a trilhar uma trajetória favorável de redução dessa vulnerabilidade (ver tabela III.22) 5 5 Filgueiras e Gonçalves consideram que essa melhoria teria ocorrido apenas em relação ao que chamam de "vulnerabilidade externa Em relação à vulnerabilidade externa comparada com outros países, o Brasil não apresentado melhora desses in- dicadores até 2006. E, em relação ao conceito de vulnerabilidade externa esta teria aumentado neste período. Para uma boa destes distintos ver Filgueiras e Gonçalves (2007). 283Tabela III.25 Exportações, Importações, Saldo comercial e saldo de transações correntes 1998-2006 (em US$ milhões) Saldo Saldo Saldo T.C. Exportações Importações Ano comercial transações em % do (1) (2) (2-1) correntes PIB 2002 60.362 47.219 13.143 -7.637 -1,55 2003 73.084 48.291 24.793 4.177 0,75 + 2004 96.475 62.835 33.641 11.738 1,76 2005 118.308 73.606 44.703 13.985 1,58 2006 137.470 91.396 46.074 13.528 1,27 Fonte: Banco Central 2003 No campo da apesar de seu resultado ter se apresentado dis- tante da meta original de 4% estabelecida para o ano, a forte desaceleração do IPCA, a partir de maio, beneficiada também pela valorização da moeda nacional, permitiu que, fechar o ano em 9,3%, fosse cumprida a meta de 9,5% que havia sido revista no acordo com o FMI, à luz das incertezas e turbulências que marcaram a economia no primeiro semestre. 2003 Tabela III.26 Meta de Inflação, IPCA e IGP-DI Meta no com 2003-2006 Ano Meta central IPCA IGP-DI do CMN 2003 4,00 (9,5) 9,30 7,66 2004 5,50 7,60 12,13 2005 4,50 5,69 1,23 2006 4,50 3,14 3,80 Fonte: Banco Central, FGV e IBGE do + 284 do mTabela III.27 Resultado das Contas do Setor Público como proporção do PIB 2003-2004* (%) NF5P Resultado Juros Superávit Relação Ano Nominal Nominais Primário DLSP/PIB (%) 2003 4,6 8,5 % -3,9 54,8 3.9 2004 2,4 6,6 -4,2 50,6 2005 3,0 7,3 -4,4 48,4 2006 3,0 6,9 -3,8 47,3 Fonte: Banco Central do Brasil, 2007 séries revisadas. Relatórios anuais de 2007-2010. (*) Resultados revisados posteriormente com a revisão do PIB e mudanças nas metodologias de seu cálculo mostram um superávit primário menor, como proporção do PIB, acompa- nhado, consequentemente, de mudanças também no resultado nominal. Aqui se utiliza os dados anteriores para confirmar que, de acordo com as condições anteriores, inclusive da metodologia utilizada, o governo Lula cumpriu fielmente os compromissos assumidos com a política de austeridade fiscal. Já no campo fiscal. governo manteve-se fiel aos compromissos assumi- dos com a política de austeridade fiscal, conseguindo, praticamente em quase todos os anos de seu mandato, alcançar a meta do superávit fiscal por ele ampliada, como se constata pelo exame da tabela III.27, tendo contado, para tanto, também com ganhos de receitas resultantes de mudanças introduzidas na área tributária voltadas para este objetivo e que se encontram relacionadas no quadro III.4, contribuindo para que a a relação dívida/PIB recuasse, já em 2003, para 54,8%, beneficiada também pelo comportamento do câmbio, apesar da permanência dos elevados encargos financeiros da dívida que, im- pulsionados pela manutenção de altas taxas de atingiram 8,5% do PIB. Contrariamente à melhoria dos indicadores de vulnembilidade externa, a piora progressiva da situação fiscal e de endividamento do setor público brasileiro indicava que o país continuava desacreditado no mercado sobre sua capacidade de solvência, o que se refletia nos elevados índices do risco-país que ainda continuavam a ser-lhe atribuídos pelas agências de rating. a do 285Mas o fato era que, diante do aprofundamento do processo de crescimento da economia mundial e da ausência de crises o Brasil continuaria colhendo importantes frutos nos anos seguintes para melhorar sua situação de vulnerabilidade externa, tornando-se crescentemente confiável para os in- vestidores externos e para o sistema financeiro internacional, com reflexos altamente positivos sobre os indicadores do Quadro III.4 Principais mudanças na área fiscal em 2003 Aprovação das reformas tributária e previdenciária Meto : per 1. Prorrogação da CPMF até 2007, com a mesma alíquota de 0,38% (EC 42/07). 2. da Desvinculação da Receita da União (DRU) até 2007, com o mesmo percentual de 20% que vigorou até 2003 (EC 42/03). 3. CIDE-combustível: passa a ser compartilhada entre os três níveis de governo. de Aumento da alíquota da CSLL das empresas optantes pelo regime do lucro presumido de 12% para 32%, a partir de 1° de setembro de 2003 para a prestação de serviços em geral, permanecendo em 12% a receita bruta nas atividades comerciais, industriais, serviços hospitalares e de transportes (Lei 10.684/03, art. 22). Criação do programa de Parcelamento Especial (PAES), o REFIS II. Prorrogação da alíquota de 27,5% do IRPF por mais dois anos, ou seja, até 2005. 4.1.2 2004-2006: bonança mundial, crescimento e redução da vulnerabilidade externa em meio a escândalos políticos. no A recuperação do crescimento da economia mundial iniciada em 2003 revigorou-se e consolidou-se nos três anos seguintes, propiciando às econo- 10 semestre : 286 2003 Eco. semestromias emergentes e, entre essas, ao Brasil, em menor grau, beneficiar-se des- sa bonança, abrir os caminhos para o crescimento e avançar na correção/ atenuação de seus desequilíbrios. O crescimento mundial, com os EUA e a China na liderança, manteve a demanda e os preços internacionais de commo- dities bastante aquecidos e por todo este período, garantindo 2 ganhos apreciáveis para as exportações destes países, melhoria dos seus saldos comerciais, recomposição e aumento das reservas externas è progressivo dos indicadores de sustentabilidade externa, de modo geral. No Brasil, que não aproveitou a bonança externa com a mesma inten- sidade da das economias emergentes, devido às algemas que foram colocadas pela arquitetura do modelo econômico ao crescimento, das quais não procurou se desfazer ou pelo menos relaxar, 0 PIB expandiu-se a taxas mais robustas a partir de 2004 em relação aos anos anteriores, mas, mais importante, neste processo, foi a mudança que ocorreu em sua com o deslocamento do papel do setor externo para o mercado interno como sua principal fonte de De fato, como se percebe do exame das tabelas III.28 e III.29, se em 2003 o crescimento do PIB se integralmente pela contribuição do setor externo, o qual compensou, inclusive, a contração registrada nos investi- mentos e no consumo, em 2004 efeitos das exportações começaram a se derramar sobre o mercado interno, estimulando o consumo e o investi- mento e dando maior sustentabilidade ao processo o consumo è o contribuíram para uma expansão de pontos percentuais do PIB em 2004, o equivalente a 88% de todo o crescimento ocorrido, to a contribuição do setor externo caiu para 0,68 ponto percentual (12% 2004 do total), devido ao forte crescimento das importações. Essa tendência do crescimento do PIB, apoiado predominantemente no mercado interno se confirmaria em 2005 e 2006, diante do avanço das taxas de expansão do consumo e dos investimentos, da desaceleração do ritmo de aumento das exportações e maior expansão das importações, favorecidas pela forte apreciação da moeda nacional: em 2006, a contribuição do setor externo para a expansão do PIB se tornaria, inclusive, (-1,4 ponto percen- -1,379 287 externo20 tual), em virtude da forte expansão das importações e do aumento menos expressivo das exportações cabendo ao mercado interno a responsabilida- de integral por seu aumento. as Tabela III.28 Brasil: variação Real do PIB, sob a ótica da demanda, por categorias 2003-2006 (em %) Componentes 2003 2004 2005 2006 Consumo Final -029 3,88 3,94 4,55 Formação Bruta de Capital -1,66 0,54 -1,79 0,25 15.29 Exportações 10,40 15,29 9,33 5,00 Importações -1,62 13,30 8,47 18,50 PIB 1,15 5,71 3,16 3,96 Fontes: IBGE/Ipeadata Tabela III.29 : Brasil: Contribuição no crescimento do PIB, por componentes da demanda (em %) Componentes 2003 2004 2005 2006 Consumo Final -0,24 3,16 3,11 3,65 Formação Bruta de Capital -0,28 1,87 -0,42 1,68 Exportações 1,47 2,29 1,53 0,76 2,13 0.20 Importações -1,06 -2,13 Total no PIB 1,15 5,71 3,16 3,96 Fontes: IBGE/Ipeadata A desaceleração gradual do crescimento das exportações, que passaram a ser prejudicadas por um câmbio que continuou se valorizando no tempo, apesar de algumas intervenções realizadas pelo BC no mercado, somada maior avanço das importações com o aquecimento do mercado interno e com o câmbio valorizado, continuou garantindo a geração de megasau- perávits na balança comercial. Em 2004, esses atingiram US$ 33,6 bilhões, OK aumentando para US$ 44,7 bilhões em 2005 e US$ 46 bilhões em 2006, 288 ??com visíveis sinais de desaceleração de seu crescimento neste último ano, devido ao aumento espetacular das importações (ver tabela III.25). De qualquer forma, foi um período em que o processo de redução da vulnerabilidade externa da economia brasileira, que a tornara prisioneira dos humores do mercado financeiro internacional, contou com uma grande contribuição da conjuntura econômica mundial: o superávit em conta-cor- rente obtido pelo Brasil saltou de US$ bilhões em 2003 (0,75% do PIB) para US$ 11,7 bilhões em 2004 (1,76% do PIB), atingiu US$ 13,9 bilhões em 2005 (1,58% do PIB) e US$ bilhões em 2006 (1,27% do PIB). RMI Nessa situação, as reservas externas conheceram uma melhora espeta- do cular: pelo exame da tabela III.23, depois de se manterem em torno de US$ 50 bilhões em 2004, no conceito de liquidez internacional, passaram a crescer com maior velocidade em 2005 e aceleraram esse ritmo em 2006, fechando and no expressivo patamar de US$ 85,8 bilhões. 2006 Essa combinação favorável aumento das de obtenção e crescentes saldos na balança comercial, desuperávits em con- ta-corrente e.expansão das reservas internacionais refletiram na melhoria de todos os indicadores de vulnerabilidade externa, o que, por sua vez, colocou o Brasil no círculo virtuoso das contas externas, reforçando a confiança dos investidores externos na sua capacidade de solvência, melhorando os índices do risco-país, e garantindo a intensificação dos fluxos de recursos em sua direção, por meio de investimentos diretos, empréstimos, aplicações em renda fixa bolsa de valores, ainda que, gerando, neste movi- mento, novos problemas e vulnerabilidades potenciais para o país, que mais cedo ou mais tarde poderiam se manifestar. De fato, como se percebe no exame da tabela III.30, todos os indica- dores de sustentabilidade externa da economia brasileira conheceram, neste período, melhora altamente expressiva: a relação serviço da dívida/expor- tações, que fechou o ano de 2002 em 82,7%, foi reduzida para a metade em 2006, o mesmo praticamente acontecendo com a relação serviço da PIB; enquanto em 2002, a dívida bruta representava 3,5 vezes o valor das exportações, em 2005 não foi além de 1,3 vezes; já a dívida líquida (isto é, PIB 1,5 3,5 289 XDiv. Ext liquids 2002 deduzidas as reservas externas), que representava 2,7 d valor das exporta ções, caiu para apenas 0,5 em 2006; como proporção do PIB, a dívida bruta conheceu uma queda de 41,8% em 2002 para 16,2% em 2006, e a dívida líquida de 32,7% para apenas 7% no mesmo período. Com este cenário externo benigno, em que vários fatores contribuíam para a redução do risco-Brasil, também a inflação encontrou, na progressiva valorização do Real, um importante mecanismo auxiliar para conter pres- altistas dos que se manifestaram especialmente em meados de 2004, como resultado do ritmo mais intenso do crescimento ocorrido neste ano, fortalecendo o poder de mark up das empresas e levando o BC, conservadoramente, a promover novas rodadas de aumento da Selic para garantir a convergência de preços para a meta inflacionária: em o IPCA recuou para 7,6%, situando-se em 2,1 pontos percentuais acima da meta; em 2005, atingiu 5,69%, apenas 1,19 ponto percentual em 2006, com o IPCA de 3,14%, conseguiu-se que o índice se si- tuasse, pela primeira vez de forma mais expressiva, abaixo da meta central estabelecida (ver tabela III.26). 5,69 Tabela III.30 Indicadores de sustentabilidade externa 2002-2006 Indicadores 2002 2003 2004 2005 2006 Serviço dívida/Exportações (%) 82,7 72,5 53,8 56,0 41,4 Serviço da dívida PIB (%) 9,9 9,6 7,8 7,5 5,3 Dívida Exportações (razão) 3,5 2,9 2,1 1,4 1,3 Dívida PIB (%) Bruta 41,8 38,8 30,3 19,2 Dívida total líquida/ you 2,7 2,1 1,4 0,9 Exportações (razão) 0,5 Dívida total líquida/PIB (%) 32,7 27,3 20,4 11,5 Saldo transações correntes -1,55 0,75 1,76 1,58 1,27 Fonte: Banco Central 290travar PE Aliás, embora outros fatores concorressem para impedir que a economia brasileira colhesse níveis mais significativos de crescimento, neste primeiro do governo Lula, foram as decisões tomadas no âmbito da política monetária, relativas ao patamar das taxas de juros, as que mais contribuiram para em setembro de depois de um período mais longo de 2003 redução da SELIC, que teve início em junho de em que essa foi dimi- nuída em 10 pontos percentuais (de 26% para 16% BC diante de pres- sões mais fortes da demanda, voltaria a promover novos aumentos em seus níveis, mantendo-se nessa trajetória até setembro de 2005, quando os juros já se encontravam em 19,75% apesar do quadro econômico geral amplamente favorável. O período de redução dessa taxa, que tem início em setembro 2005 que se manterá até o final de 2006, revela, contudo, um BC atuando de forma parcimoniosa e conservadora, em face do cenario mais benigno, a ponto de conseguir manter o Brasil, em todo este período, quando não na liderança, pelo menos no ranking dos países que ostentavam as maiores taxas reais de juros do planeta. Não existiam, neste quadro, condições para o crescimento vicejar de forma sustentada, já que não se criavam condições para estimular os investimentos, expandir a capacidade da oferta e sancionar aumento da demanda, removendo um de seus gargalos estruturais. Analisando em retrospectiva, não é possível enxergar na (política eco- nômica, a não ser em algumas medidas pontuais, uma ação proativa para impulsionar o crescimento nem Dara remover seus principais constrangi- mentos. Pelo contrário, fiel aos compromissos assumidos com a ortodoxia, a política econômica esmerou-se em continuar reforçando pilares do modelo econômico para continuar desfrutando de credibilidade e reputação, tratando apenas de monitorar e travar o crescimento sempre que este re- presentasse uma para a preservação de seu edifício. Por isso, não é nenhum exagero dizer que a maior taxa de expansão da economia embora inferior a verificada nos mercados emergentes, teria ocorrido, apesar da po- lítica econômica. Vejamos alguns pontos que confirmam essa As taxas de juros reais mantiveram-se excessivamente elevadas durante todo o primeiro mandato do governo Lula, como mostra a tabela III.31. Mes- 291No Metas 2003 4,25% mo que se tenham registrado quedas dos juros nominais entre junho de 2003 de 2004 e, posteriormente, entre setembro de 2005 e dezembro de 2006, isso ocorreu em um ambiente externo e interno altamente favorável, com intensos fluxos de capitais se diriginde para o Brasil e, internamente, com quedas da taxa de inflação que justificavam mais acentuados dos juros. conservadorismo do Banco Central, disposto a impedir qualquer vestígio de vida econômica que desse alguma força para a inflação, contando com a leniência do próprio impediu, que isso ocorresse. Com Brasil continuou ostentando taxas reais de juros desnecessaria- mente altas, inibindo 0 consumo e investimento e, consequentemente, o crescimento de forma mais sustentada apoiado no mercado interno. De outro lado, com o objetivo de continuar fazendo jus ad ardu- 2 amente adquirido junto ao sistema internacional de ser conside- rado um governo altamente responsável gestão das finanças públicas, a 3,75 política econômica numa decisão que novamente surpreendeu os membros do FMI, aumentou, em 2004, a meta do superávit primário de 4,25% para 4,25 4,5% do PIB. O argumento utilizado para convencer o presidente dessa (200 medida de que, com ela. abriam-se espaços para a redução mais rápida 4,25 das taxas de juros, o que terminou não ocorrendo O aumento do superávit primário, em 2004 para 5% do PIB, meta e que nos dois anos seguintes para 4,25%, exigiu, um lado, que a carga tributária continuasse em expansão, retirando do investimento do consumo e, do crescimento, e, de outro, que fossem apro- fundados os cortes dos gastos com investimentos públicos, enfraquecendo a capacidade governo de construir/fortalecer a infraestrutura econômica requerida para sua sustentação. mais grave que, tendo perdido a oportunidade de realizar uma re- forma tributária de profundidade em 2003, governo continuou se valendo, para aumentar a carga tributária, do mesmo padrão de ajuste que vinha sendo adotado desde a década de 1990, sabidamente prejudicial para a competitivi- dade externa da economia e para a questão da equidade, já que assentado pre- dominantemente sobre impostos indiretos e cumulativos, de má qualidade. 292 rehro do I e I wTabela III.31 Meta da taxa Selic, expectativas de inflação e projeção dos juros reais 2003-2006 Expectativa do mercado Entrada em vigor da meta da taxa Selic sobre a inflação (IPCA) dos Projeção Ano dos juros próximos doze meses reais Data Meta 25,00 Expectativa (% ano) de inflação 23/01 25,50, 17/01 11,2* 12,9 25,5 20/02 A 26,50 14/02 12,0* 12,9 19/06 26,00 13/06 7,8 16,9 24/07 24,50 18/07 7,0 16,3 9,30 2003 21/08 22,00 15/08 6,5 14,6 18/09 20,00 12/09 6,5 12,7 23/10 19,00 17/10 26,0 6,3 11,9 20/11 17,50 14/11 5,9 11,0 18/12 16,50 12/12 5,9 10,0 18/03 16,25 12/03 5,4 10,3 15/04 16,00 08/04 5,5 10,0 2004 A 16,25 10/09 6,2 9,5 7,60 21/10 16,75 15/10 6,2 9,9 18/11 17,75 12/11 6,2 10,9 20/01 18,25 14/01 5,8 11,8 17/02 18,75 11/02 5,7 12,3 17/03 19,25 11/03 5,5 13,0 22/04 19,50 15/04 5,6 13,2 2005 19,75 13/05 5,69 5,5 13,5 15/09 19,50 09/09 4,8 14,0 20/10 19,00 14/10 4,7 13,7 24/11 18,50 18/11 4,7 13,2 15/12 18,00 09/12 4,5 12,9 19/01 17,25 13/01 4,6 12,1 09/03 16,50 03/03 4,4 11,6 20/04 15,75 13/04 4,2 11,1 01/06 15,25 26/05 4,2 10,6 2006 3,14 20/07 14,75 14/07 4,4 9,9 31/08 14,25 25/08 4,5 9,3 19/10 13,75 13/10 4,1 9,3 30/11 13,25 24/11 4,2 8,7 Fontes: Banco Central do Brasil: i) Histórico das taxas de juros fixadas pelo COPOM e evolução da taxa SELIC, 2007; ii) FOCUS-Relatório de Mercado. (*) Referem-se a projeções apenas para o ano de 293Tabela III.32 Carga tributária e investimento público, como proporção do PIB (em %) Ano Carga tributária 2002 32,35 2003 31,90 2004 32,82 2005 33,83 2006 34,50 Investimentos da Período União Média 0,9 Média 2003 2006 0,5 Fontes; IBGE/Ipeadata; Secretaria do Tesouro Nacional (STN/MF) Não é preciso ter conhecimento de economia para perceber que os movimentos da política econômica foram deliberadamente contrários ao crescimento, justificando-os como necessários para a preservação do mo- delo: ao restringir e limitar a expansão do mercado interno. que seria portante num contexto de desaceleração da contribuição do setor externo à expansão do PIB, manutenção de elevadas taxas de juros, em termos reais, encarecia o investimento, inibindo a expansão da capacidade de produção necessária para a adequação da estrutura da oferta à da demanda e para amortecer pressões inflacionárias decorrentes do crescimento; na mesma direção atuava da carga tributária, ao reduzir a renda disponí- vel da economia, encarecer os investimentos e contribuir para aumentar o "custo-Brasil", prejudicando a competitividade externa da produção nacio- nal, não só pelo seu tamanho, mas também pela sua composição; ção dos investimentos considerada necessária para a geração do esforço fiscal crescente para a trajetória declinante da relação dívida/PIB enfraquecia a oferta do governo de infraestrutura econômica, desestimu- lando os investimentos privados diante de riscos crescentes de deparar-se 2943 com apagões setoriais (energia, transportes, portos etc.) e do aumento do "custo-país". No campo fiscal, como resultado das medidas adotadas para a carga tributária (ver medidas relacionadas no quadro III.5), a política econô- mica conseguiu, embora dela tenha se aproximado, assegurar a meta esta- belecida para o superávit primário em todos os anos deste primeiro mandato do governo Lula, mas os ganhos em termos de redução da relação dívida/ due pese PIB foram muito significativos, dada a manutenção das taxas de juros em ní- veis elevados, devido à valorização do Real e ao crescimen mais robusto que 4 contribuíram, de forma bastante expressiva, para sua queda (ver tabela III.27). Também na questão do a política econômica, escudada no argu- mento de se tratar de um regime de não somente manteve-se indiferente a excessiva valorização que passou a conhecer o Real o dólar, com prejuízos para setores exportadores e benefícios para as impor- tações, o que em boa parte se explicava pela manutenção das elevadas taxas de juros, como adotou outras medidas, com o objetivo de continuar agradando ao capital financeiro e aos mercados em geral, que para acen- tuar esse processo de valorização, como foi caso do Imposto de Renda e da CPMF. concedida às aplicações financeiras de não residentes no Brasil em fundos de investimentos lastreados em títulos públicos, em feverei- ro de 2006 (Medida Provisória 281, de 15/02/06 e Lei 11.312, de 27/06/06). No final foi muito o que se fez concretamente, no período para estimular e apoiar o econômico: além de algumas poucas me- didas de desoneração fiscal de alguns setores da da redução do IPI cobrado sobre a aquisição de bens de capital e da concessão de incentivos para o alongamento das aplicações financeiras, com o estabele- cimento de alíquotas mais baixas do Imposto de Renda para prazos mais longos, medidas que se encontram relacionadas no quadro III.5; com- insuficientes Qara compensar os prejuízos provocados pelos juros, pela elevada carga tributária e pela fraqueza dos investimentos pú- blicos, a política economica não deu passos mais relevantes nessa direção, a não ser ao nível do discurso. 295Quadro III.5 Principais medidas adotadas na área tributária para aumento da arrecadação e estímulo do crescimento econômico Mudanças tributárias Ano Medidas destinadas ao aumento da arrecadação Extinção parcial da cumulatividade da COFINS e aumento da alíquota de 3% para 7,6% para as empresas que declaram o imposto de renda pelo regime do lucro Extensão da cobrança da COFINS às importações de bens e serviços, a partir de 01 de maio. Aumento de 3% para 4% da alíquota da COFINS incidente sobre o faturamento das instituições financeiras, seguradoras e 2004 assemelhadas, a partir de 01 de junho. Correção de 10% da tabela do IRPF para vigorar a partir de 01/01/2005. Edição da MP 232, cujo objetivo era o de aumentar a CSLL das empresas optantes pelo regime do lucro presumido, para compensar perdas de receitas esperadas com a correção da tabela do Imposto de Renda. Edição da MP 252 (chamada de MP do bem), em substituição à 2005 MP 232, que promoveu várias alterações no sistema tributário, com o principal objetivo de aumentar receitas. 2006 Criação do REFIS II pela MP 303, de 28/06/2006. Medidas destinadas à desoneração dos investimentos e ao estímulo à de longo prazo Criação da conta investimento, com isenção da CPMF. Redução da alíquota do IPI de 5% para 2% incidente sobre bens de capital e ampliação da lista de máquinas e equipamentos desonerados, incluindo mais 29 linhas de produtos. Redução da COFINS e PIS/PASEP na importação e comercialização, no mercado interno, de fertilizantes e defensivos 2004 agropecuários. Modificação, a partir de 01/01/2005, das alíquotas do IR incidente sobre os rendimentos de aplicações financeiras, que passaram a ser os seguintes: i) 22,5% em aplicações com prazo de até 180 dias; ii) 20% até 360 dias; 17% até 720 dias; iv) 15% acima de 720 dias. Regulamentação das parcerias público-privadas (PPPs). Fonte: Oliveira & Araújo (2007)a PPP his dc É bem verdade que para resolver o problema do baixo investimento público, o governo, diante da escassez de recursos orçamentários para essa finalidade, procurou viabilizar o instrumento das Parcerias Público-Priva- PPP das (PPPs) e, a partir de 2005, o dos Projetos Pilotos de Investimentos PPI (PPIs). O primeiro, regulamentado no final de 2004 (Lei Federal 11.079, de 30/12/04) não apresentou resultados condizentes com as expectativas geradas e pareciam pequenas as chances de que isso viesse a ocorrer. O segundo, que foi viabilizado no final de ainda no âmbito do acordo com o FMI, passou a excluir do cálculo do superávil primário recursos orçamentários, em níveis préviamente estabelecidos, destinados ao finan- ciamento de projetos na área de (infraestrutura econômica: para 2005, esses recursos foram estabelecidos em R$ 3,2 bilhões (0,15% do PIB) e, em 2006, em R$ 3 bilhões (0,15% do PIB). Todavia, como apontam Afonso & Biasoto (2007), as duas alternativas não podiam ser vistas como panaceias para a solução da falta de investimen- tos públicos e, portanto, para a remoção dos gargalos estruturais do cresci- mento. As PPPs poderiam até contribuir para resolver problemas setoriais de localizados por falta de recursos orçamentários, mas não se chegara ainda a um modelo para garantir a atração do investimento privado para suprir o investimento público em areas essenciais para o crescimento, além do que poderiam implicar aumento do engessamento orçamentário pelos compro- missos que o governo assumiria com o pagamento de serviços prestados aumento do endividamento. Os PPIs, por serem pequenos os montantes de recursos orçamentários destinados para essa finalidade frente à necessidade de investimentos anuais, além de representarem; do ponto do vista da me- todologia do cálculo do superávit primário, um truque que poderia levar à expansão da relação dívida PIB Se não deixou de receber críticas insistentes do setor produtivo pela timidez ou mesmo pela omissão da econômica em enfrentar com maior questões essenciais para o crescimento política de juros, reformas, melhor calibragem do ajuste fiscal etc. -, de outro os elogios e aplausos recebidos do capital financeiro nacional e internacional e dos eco- e 297+ a Lula nomistas financistas se somavam ao apolo briundo dos segmentos mais pobres da sociedade beneficiados com o programa "Bolsa-família", que, 2003 em seu governo, viu o montante de recursos e o número de beneficiários crescerem significativamente. Criado em outubro de 2003, o Bolsa Família resultou da fusão de vá- rios programas sociais do governo FHC, como o Bolsa Escola, o Cartão Alimentação e o Auxílio Gás, mas Lula transformou-o no carro-chefe dos programas sociais de seu governo e deu-lhe um forte impulso, aumentando expressivamente o número de beneficiários e de recursos milhões de famílias beneficiadas por aqueles programas em 2002 cresceram, com o 2x programa Bolsa Família, para 11, milhões, que receberam, neste ano, R$ 8,2 bilhões, o correspondente a 0,4% do PIB brasileiro. Isso representava algo em torno de 25% da população brasileira, o que, se traduzido em apoio ao seu patrocinador, garantir-lhe-ia, durante todo o seu mandato, respaldo político e índices de popularidade. dc Este amplo arco de apoios aparentemente contraditório encontrà ex- plicação nos próprios discursos de Lula. Em setembro de 2006 reconhe- ceria que "os ricos (...) ganharam dinheiro como ninguém no meu gover- no" (FSP, 18/09/2006, A6) o que seria repetido de outras ou- tras ocasiões, como em 2007 "banqueiros e empresários nunca ganharam a tanto dinheiro como agora, no meu governo" (31/07/2007), em discurso em Cuiabá. Isso não impediria, contudo, que uma pequena parcela dos frutos colhidos fosse destinada aos pobres porque, como afirmaria em um discurso em Contagem (MG), em 28/05/2006, como se justificando que não atrapalharia grandes ganhos apropriados pelos setores mais poderosos, pobres não dão trabalho (...), o pobre quer apenas um pouco de pão (...)". Por considerava ser fácil "governar para os pobres (...)". Essa união de segmentos tão opostos de apoio a Lula transformoude Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) no Congresso Nacional para sua investigação, caso dos escândalos dos jogos de bingos (2004) e 2004 o dos Correios (2005), como se nenhuma responsabilidade nelas tivesse. Entre essas, a mais grave, que veio à tona no dia 06 de junho de 2005, teve origem nas denúncias feitas por um deputado da base aliada, Roberto Jefferson sobre a existência de um esquema de compra de vo- como "mensalão" (um rótulo atribuído pelo próprio deputado esque- loc tos de parlamentares, operado de dentro do governo, que ficou conhecido ma, comparando-o aos valores mensais recebidos pelos parlamentares do Congresso para suas despesas), para aprovação de projetos de seu interesse. As denúncias, surgidas época da instalação da CPI dos Correios de 2005) terminaram levando também à constituição, depois que várias evidên- cias confirmaram a existência do esquema, de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) no Congresso. Instalada em 20 de julho e tendo encerrado seus trabalhos em 17 de novembro, a "CPMI do Mensalão" produziu resultados que permitiram ao Procurador Geral da República denunciar ao Supremo Tribunal Fede- ral (STF), em 11/04/2007, 40 pessoas entre parlamentares, membros do governo e do Partido dos Trabalhadores e outros personagens envolvidos no esquema, mas preservando o presidente de qualquer envolvimento ou de que tivesse dele embora como resultado das investi- gações que foram realizados seus principais auxiliares e quadros do PT tenham perdido ou renunciado a seus cargos, como José Dirceu (ministro da Casa Civil), Sílvio Pereira (Secretário Geral do PT), Delúbio Soares Silrio (Tesoureiro do PT), José Genoíno (presidente do PT), Luiz Gushiken (Ministério da Comunicação e Gestão Estratégica), e Antônio Palloci, o até então poderoso ministro da Fazenda, que foi afastado em 27 de mar- de 2006, após o imbróglio envolvendo a quebra de sigilo bancário do caseiro Francenildo dos Santos, feita com o objetivo de desqualificar seu depoimento prestado na CPI dos Correios, onde. confirmou que Palocci frequentava a casa em que trabalhava em Brasília, também frequentada por bicheiros e prostitutas, para tratar de negócios da chamada "Repúbli- 299ca de Ribeirão Preto", município no qual o ministro exercera o cargo de prefeito.6 A em 27 de março, de Palocci do governo, um ministro da Fa- zenda que admirava e em nada diferenciava sua política econômica da que fora comandada por Pedro Malan abriu boas perspectivas, contrário do que se imaginava para a sua flexibilização e para reencontro do país com o crescimento econômico, especialmente num quadro de reduzido grau de vulnerabilidade externa. Palocci ainda tentou usar sua influência para indicar o nome de Murilo Portugal, secretário-executivo do ministério da Fazenda para sucedê-lo, mas Lula terminou optando por Guido Mante- ga, um quadro técnico bem mais afinado com o objetivo do crescimento econômico. Apesar de ter assumido garantindo a continuidade da mesma política econômica, o que era necessário para não atemorizar o mercado, com Mantega o país poderia estar ingressando num período em que, depois de toda era FHC e do primeiro mandato de Lula, o crescimento econômico poderia deixar de ser visto como heresia. Com Murilo Portugal, o nome preferido do mercado, provavelmente seria mantida a mesma política de Malan e de Palocci. De qualquer forma, mesmo tendo patrocinado uma política econômica de cunho marcadamenté ortodoxo ter barrado as forças do crescimento, para garantir a sustentação do modelo econômico, ter visto membros im- portantes de seu governo envolvidos em vários escândalos, Lula, novamen- te candidato à reeleição para o período 2007-2010, conseguiu sair vitorioso. 2002 Não com a facilidade que esperava, porque, mesmo sem um concorrente à altura, já que as disputas internas entre os pré-candidatos do PSDB ter- minaram por indicar o que se apresentava com menores chances de vitória, como apontavam as pesquisas, teve de se sujeitar a disputar um segundo turno, ao obter 48,6% dos votos válidos, contra o candidato do PSDB, Ge- raldo Alckmin, que recebeu 41,6%. No segundo turno, contudo, foi reeleito Lula 56,1% 6 Informações extraídas da Wikipédia, na internet, em 28/02/2008, do trabalho: "Cronologia do escândalo do 300 Lula 10 20 200 2006 19 60, 8 Lub41,6 % Alckimin no 39,2% para o cargo com expressivos 60,8% contra 39,2% do Alckmin. Não eram pequenos os desafios colocados para o seu governo no se- gundo mandato, apesar de ter conseguido no primeiro, graças principal- mente ao desempenho da economia mundial, um crescimento médio do PIB superior ao da era FHC embora bem inferior ao das economias emer- gentes, devido às características ja apontadas do modelo econômico, e uma significativa redução da vulnerabilidade externa da economia brasileira. Para destravar o crescimento e torná-lo mais vigoroso e se- ria necessário romper com algumas limitações do modelo ou pelo menos avançar na flexibilização de alguns dos compromissos assumidos na etapa anterior, em que, como colocou um filósofo, governo Lula, valendo-se da imagem da herança maldita recebida de FHC, justificou o fato de ter de "beijar a cruz da ortodoxia" para ganhar credibilidade e reputação no sistema, argumento que deixava de ter força no segundo Por outro lado, mantendo intocado o modelo, poderia até continuar colhendo taxas de crescimento na intensidade e ritmo do primeiro man- noto dato, caso a economia mundial continuasse mantendo o bom desempenho que vinha apresentando, mas não iria provavelmente muito além, pois os investimentos continuariam asfixiados pelas elevadas taxas de juros, pela alta carga tributária e pela insuficiência da infraestrutura econômica, sem condições de garantir uma expansão adequada da capacidade de oferta e, portanto, de conciliar os caminhos do crescimento com a inflação. Somente no caso de uma significativa melhora do grau de fragilidade fiscal do Estado brasileiro poder-se-ia esperar que fosse dado, pelo próprio modelo, sinal verde para se avançar na superação dessas limitações e dificuldades colo- cadas para o crescimento sustentado, mas essa representava uma aposta de alto risco, pois, apesar do brutal esforço fiscal que vinha sendo realizado e de todo sacrifício imposto à sociedade, a relação dívida/PIB não conseguira ser reduzida de forma significativa. Mais grave em tudo isso era o fato de que uma das principais conquistas 7 Imagem usada por Paulo Arantes (2003) em sua crítica à conversão à ortodoxia do governo Lula. 301ocorridas em seu governo, a redução da vulnerabilidade externa da eco- nomia brasileira, embora fruto da bonança e calmaria da economia inter- nacional, associada à política interna de manutenção de elevadas taxas de juros, permaneceria seriamente ameaçada com a considerável valorização que vinha conhecendo o Real o dólar, como mostra a tabela se mantido intacto o modelo. De fato, como se percebe nos dados dela constantes, o Real ingres- sou, a partir de agosto de 2004, numa trajetória contínua de valorização, que se acentuou nos anos seguintes, o que se explica não somente pelo enfraquecimento global do dólar no mercado mundial, mas também pelos do crescentes e elevados saldos comerciais e superávits em conta-corrente obtidos pelo Brasil e também, o que é importante, pela manutenção das elevadas taxas de juros internas, que continuaram garantindo o ingresso de fortes fluxos de capitais para a economia brasileira. Em dezembro de a taxa de câmbio efetiva real. se encontrava no mesmo nível de que conhecera no final de que levara à destruição, de um lado, dos saldos positivos da balanca comercial, e à geraçao, de outro, de megadéficits na de conta-corrente. Devido ao desempenho da economia e do comércio mundial, que vinha garantindo uma demanda externa firme para o Brasil, essa forte apreciação da taxa de câmbio ainda não prejudicara o vigor das exportações, dos saldos comerciais e da conta-corrente, embora estes já emitissem sinais de estarem perdendo força neste quadro. Mudanças, contudo, mais significativas deste cenário, indicavam que, caso fossem mantidas as mesmas bases do modelo, com a política econômica continuando a considerar heresia intervenções mais fortes no mercado de câmbio ou a adoção de medidas para controlar a entrada de capitais no Brasil, essa conquista poderia ser perdida. O certo é que, com o segundo mandato, o governo não teria como escapar da prova dos nove entre as alternativas que se apresentavam: con- tinuar "beijando a cruz da ortodoxia" e manter intacto o modelo que mantinha travado o ou na sua reformulação, fle- xibilizando seus pilares, visando abrir espaços para realizar as reformas 302 2.27.03.07 do noo B necessárias para a construção das condições exigidas para crescimento do sustentado, para geração de emprego e melhor distribuição de renda Com ele se as para revelar a sua verdadeira face. A saída to de Palocci no do and representava um trunfo para o governo de que se poderia caminhar em outra direção. Se isso aconteceu, é outra história que se conta nos próximos capítulos. Tabela III.33 Taxa de câmbio efetiva real - (IPA-OG exportações)* Índice (média 2000 = 100) Mês/Ano 2003 2004 2005 2006 Janeiro 112,44 100,48 91,38 80,55 Fevereiro 117,17 102,16 88,04 76,21 Março 112,06 99,77 92,10 76,81 Abril 100,67 98,42 87,16 77,40 Maio 99,68 103,51 83,24 80,66 Junho 99,17 104,13 81,57 82,05 Julho 98,69 81,10 Agosto 101,35 82,96 79,71 Setembro 98,32 94,67 81,79 79,30 Outubro 97,82 94,66 79,80 76,97 novembro 99,61 93,79 77,23 78,07 Dezembro 101,34 92,14 80,20 78,97 de do Fonte: Ipeadata as (*) - Medida de competitividade das exportações brasileiras calculada pela média ponderada do índice de paridade do poder de compra dos 16 maiores parceiros comerciais do A paridade poder de compra é definida pelo quociente entre a taxa de câmbio nominal (em RS/ unidade da moeda estrangeira) ea relação entre o Índice de Preço por Atacado (IPA) do país em caso e o Índice de Preços por Atacado Oferta Global (IPA - do Brasil. As pon- derações utilizadas são as participações de cada parceiro no total das exportações brasileiras. 303